TEXTE, Joseph. Os estudos de literatura comparada no estrangeiro e na França. Trad. Maria Luiza B....

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Literatura Comparada Paulo Felipe Costa e Silva TEXTE, Joseph. Os estudos de literatura comparada no estrangeiro e na França. Trad. Maria Luiza B. da Silva “Produz-se há alguns anos em torno de nós, na Alemanha, na Inglaterra, na Itália, nos estudos de história literária, um movimento voltado para o estudo comparativo das literaturas modernas. […] a história literária possui uma tendência manifesta de se tornar europeia e internacional” (p. 35) “Um escritor inglês, Posnett, pensou e publicou, há alguns anos, já em 1886, um tratado sistemático de literatura comparada, onde postulava as bases da crítica nova. Sem dúvida, a tentativa é prematura, mas é curioso como o próprio livro, somando-se a este aspecto o grande número de trabalhos que a literatura comparada suscitou recentemente no estrangeiro, nos leva a crer que este campo de nossas não é, com efeito, sem perspectivas” (p.35) “A ocasião parece-me, pois, conveniente para tratar, diante de vocês, a propósito da literatura francesa, de um tema desta natureza – para nos perguntarmos qual o objetivo de semelhantes pesquisas, sua razão de ser, sua legitimidade, enfim suas chances de desenvolvimento” (p. 36). I “O estudo comparado das obras literárias constitui uma novidade: Posnett confessa-o com sinceridade. É um dos legados autênticos da crítica antiga. […] a comparação, ainda que praticada na época pelos antigos, nunca alcançou entre eles a postura de um método por ser pouco rigorosa e isto por duas ou três razões que saltam aos olhos: o pequeno número das literaturas conhecidas pelos antigos (é bem verdade que os gregos da época clássica parecem ter conhecido apenas a própria literatura)” (p. 36). “A superioridade da cultura helênica, inegável aos olhos de um grego, sobre toda civilização “bárbara”, constitui a morte de toda curiosidade referente aos costumes, à arte e às literaturas exóticas” (p. 36).

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Literatura Comparada

Paulo Felipe Costa e SilvaTEXTE, Joseph. Os estudos de literatura comparada no estrangeiro e na Frana. Trad. Maria Luiza B. da SilvaProduz-se h alguns anos em torno de ns, na Alemanha, na Inglaterra, na Itlia, nos estudos de histria literria, um movimento voltado para o estudo comparativo das literaturas modernas. [] a histria literria possui uma tendncia manifesta de se tornar europeia e internacional (p. 35)Um escritor ingls, Posnett, pensou e publicou, h alguns anos, j em 1886, um tratado sistemtico de literatura comparada, onde postulava as bases da crtica nova. Sem dvida, a tentativa prematura, mas curioso como o prprio livro, somando-se a este aspecto o grande nmero de trabalhos que a literatura comparada suscitou recentemente no estrangeiro, nos leva a crer que este campo de nossas no , com efeito, sem perspectivas (p.35)A ocasio parece-me, pois, conveniente para tratar, diante de vocs, a propsito da literatura francesa, de um tema desta natureza para nos perguntarmos qual o objetivo de semelhantes pesquisas, sua razo de ser, sua legitimidade, enfim suas chances de desenvolvimento (p. 36).IO estudo comparado das obras literrias constitui uma novidade: Posnett confessa-o com sinceridade. um dos legados autnticos da crtica antiga. [] a comparao, ainda que praticada na poca pelos antigos, nunca alcanou entre eles a postura de um mtodo por ser pouco rigorosa e isto por duas ou trs razes que saltam aos olhos: o pequeno nmero das literaturas conhecidas pelos antigos ( bem verdade que os gregos da poca clssica parecem ter conhecido apenas a prpria literatura) (p. 36).A superioridade da cultura helnica, inegvel aos olhos de um grego, sobre toda civilizao brbara, constitui a morte de toda curiosidade referente aos costumes, arte e s literaturas exticas (p. 36). ...a prpria ideia que os antigos faziam da produo literria valorizava pouco o que compreendemos por literatura comparada. Para que ela tenha lugar nos estudos do gnero de que falamos, preciso, com efeito, que uma literatura seja concebida como a expresso de um estado social determinado, tribo, cl ou nao do qual representa as tradies, o gnio e as esperanas. preciso que ela possua um carter nitidamente local, familiar ou nacional e que a totalidade das obras que a constituem apresente um certo nmero de traos comuns que lhes assegurem uma espcie de unidade moral ou esttica (pp. 36-37).Ora, os antigos nunca concebera esta relatividade de toda literatura (p. 37)Assim, a ideia de uma literatura que evolui conforme as modificaes lentas de uma sociedade, modelando-se sobre ela e reagindo sua poca, mas sem jamais poder desprender-se dela, sempre lhes foi estranha (p. 37)

[...] a ideia que um povo faz da literatura um fator importante de seu desenvolvimento literrio, v-se suficientemente que consequncias uma ideia desta natureza pde ter para a literatura e, por conseguinte, para a crtica dos antigos (p. 37).[...] a crtica comparativa das obras de arte s pode datar da Idade Moderna (p. 37).A grande revoluo poltica do sculo XV constitui, pois, a origem autntica do mtodo comparativo. Ela teve o objetivo de diferenciar as literaturas, nacionaliz-las, se lcito dizer, configurando-lhes uma personalidade esttica. Concedeu a cada uma delas a conscincia da unidade, o sentimento da tradio nacional, a ideia clara de uma cadeia ininterrupta de obras no passado e no futuro, entre as quais se podia estabelecer o eixo de uma inspirao comum. E, dando origem s literaturas nacionais, tornou igualmente possvel seu estudo crtico e comparativo (p. 38).Se esta curiosidade das literaturas meridionais e sobretudo da literatura espanhola persistiu na Frana durante os primeiros anos do sculo XVII, se o prprio conhecimento das duas lnguas do Sul permaneceu vivo, no menos verdade o fato de que um dos traos do sculo XVII francs aferido na poca de seu mais alto brilho consiste na indiferena pelo que se refere s lnguas e s literaturas vizinhas. Na segunda metade do sculo, pelo menos, ela se basta a si prpria (p. 39).Fontenelle prev, neste sentido, o princpio da crtica histrica, ou seja, comparativa, que se refere, antes de tudo, ao desenvolvimento, nacional da arte e s ligaes com o solo, o movimento e os costumes ambientais. O grmen desta crtica encontra-se na abdicao do falso orgulho que nos faz voltar toda nossa ateno sobre ns mesmos, erguendo uma espcia de muralha chinesa entre nossos vizinhos e ns. Ora, tal o estado de esprito da maior parte dos homens do sculo XVII (p. 39).Infelizmente, este ridculo foi por muito tempo de bom-tom na Frana (p. 40). por isso que, apesar de algumas curiosas tentativas, mas isoladas, a crtica comparativa no nasceu na Frana. Ela tem por ptria a Alemanha e nasceu de uma revolta contra o despotismo do jugo francs. Lessing, Herder, Schiller, Tieck, os dois Schlegel, tais so seus verdadeiros fundadores. A luta contra a influncia francesa e a substituio desta influncia pelos modelos ingleses, tais foram as duas foras (p. 40).Assim, a crtica comparativa fazia suas provas ao mesmo tempo como mtodo de pesquisa e de anlise, de um lado, e como fora viva e criadora, de outro: assistia-se ao nascimento simultneo da crtica moderna e de uma das maiores literaturas de nosso tempo (p. 40).Ao ctiar teoria de Herder: [...] O crtico imparcial, ao contrrio, olha todas as espcies como igualmente dignas de suas observaes e procura primeiramente traar, em sntese, uma histria geral para julgar depois detalhes ao todo (p. 41).O que interessa observar que esta nova crtica, divulgada e consagrada na Frana por Mme. De Stal, produziu, sucessivamente e por vezes mesmo em conjunto, dois resultados exatamente opostos. Suscitou, de um lado e acabamos de ver um exemplo deste aspecto na Alemanha , um movimento de cada povo em direo s origens, um despertar da conscincia coletiva, uma concentrao de foras esparsas ou dispersas para a criao de obras verdadeiramente autctones. Provocou, de outro lado por um constraste esperado , uma diminuio das fronteiras, uma comunicao, mais livre entre os povos vizinhos, uma inteligncia mais aberta e mais completa das obras estrangeiras. [] Ao mesmo tempo que constitua, por reao primeiramente e por imitao depois, literaturas nacionais, preparava, acima do interesse destes grupos estreitos e fechados, a vinda de uma literatura internacional, ou, pelo menos, europeia. Um dos que emancipou a literatura alem, A. W. Schlegel, escrevia orgulhosamente em 1804: 'O cosmopolitismo o verdadeiro trao nacional da raa alem (Vorlesungen))'. [] Se o nacionalismo nasceu da crtica comparativa, o cosmopolitismo ou o internacionalismo originou-se igualmente desta crtica (p. 42).O dia em que se formar esta literatura nova da qual a civilizao moderna, os jornais, as revistas, as vias frreas, o telgrafo e a rapidez das comunicaes apressaro talvez o futuro mais do que se pensa toda crtica literria ser internacional. Neste dia, com efeito, acima das fronteiras polticas, se existem ainda, sero entrelaadas as ligaes invisveis que uniro os povos e que formaro, como antigamente na Idade Mdia, uma alma coletiva para a Europa. Se ainda no estamos l no se deve esconder que estamos nos trilhos desta via de pesquisa. A necessidade de exotismo e de cosmopolitismo que nos atormenta constitui a melhor prova disso (p. 43)IIEsperando a formao, do ponto de vista literrio, como do ponto de vista poltico, dos Estados Unidos da Europa, no permitido ao historiador literrio perder de vista a abordagem sinttica, mesmo se tratando de uma s das literaturas modernas (p. 43).Mas nenhuma destas razes deve prevalecer contra a necessidade absoluta, para estudar qualquer uma das literaturas modernas, de recoloc-la no seu meio europeu: preciso nos adverte Brunetire tratar de agora em diante da histria da literatura francesa, no mais como uma histria particular bastando-se a si prpria, mas como uma ramificao da literatura europeia [...] (p. 44).[...] assim como um organismo animal, uma literatura ou uma nao no crescem isoladas das naes e das literaturas vizinhas. [] No h literatura nem talvez um escritor do qual se possa dizer que a histrica se encerra nos limites de seu pas de origem. A histria da literatura moderna no constitui ela prpria um prolongamento e, de certo modo, um captulo da literatura grega? (p. 44)Os maiores escritores, os mais europeus de todos, em cada literatura (e isto constitui uma das causas de sua popularidade) esto imbudos do exotismo. Chaucer est repleto de Frana e Itlia, Corneille de Espanha, Shakespeare, e Molire de Itlia, Diderot de Inglaterra. Ao longo de toda histria das literaturas modernas, ocorrem somente emprstimos e trocas sucessivas que obricam cada uma delas a estabelecer correlaes com a vizinha, e vice-versa. Voltaire, que no praticou sempre o mtodo comparativo em crtica, postulava o princpio quando escrevia: 'Quase tudo imitao... H livros como fogo em nosso lares; busca-se o fogo no vizinho, acende-se-o em casa, comunica-se-o a outros e ele pertence a todos (p. 45).O romantismo constitui primeiramente um acontecimento internacional e que s pode ser explicado pela aproximao das literaturas entre si, como o demonstrou brilhantemente G. Brandes. Do mesmo modo que o romantismo francs no se explica sem a interveno de elementos estrangeiros, o romantismo alemo no teria existido muito menos sem Rousseau, cuja influncia constitui uma das maiores e mais profundas que j se viram (p. 46).Parece, em definitivo, que as literaturas somente se desenvolvem e progridem por meio de emprstimos mtuos. preciso, para fazer germinar obras originais, preparar-lhes uma espcie de hmus composto de resqucios vindos de fora. Como as espcies em histria natural, as literaturas no possuem limites precisos, penetram-se mutuamente e transformam-se umas em outras, em virtude de leis misteriosas ou, pelo menos, mal definidas. H como uma matria fluida que escorre sucessivamente em formas diversas, sob modos infinitamente variados, em crebros inteiramente diferentes e que, passando de um a outro, leva consigo cada vez um elemento novo e um princpio ativo (p. 47).Mas as literaturas modernas com sua complexidade infinita prestam-se a pesquisas dessa natureza? No nos arriscamos a perder-nos na multiplicidade dos nomes e das obras, no infinito do detalhe, na onda das influncias indefinveis e sempre duvidosas? A nica resposta para isto que a dificuldade de uma obra no destri a necessidade; que as pesquisas de literatura comparada, indispensveis total compreenso dos fatos literrios, j produziram, na Alemanha e na Inglaterra, trabalhos com to bons resultados que se pode tentar faz-los tambm na Frana; e, finalmente que, aqui como em todo lugar, a diviso do trabalho suprir a insuficincia dos homens (p. 47).Um crtico que limitasse seu horizonte a um grupo nico de obras e de homens condenar-se-ia impotncia. A originalidade de um crtico como Eugne Fromentin no reside precisamente neste conhecimento exato, neste sentimento delicado das analogias e das diferenas que lhe fornece tantas snteses criadoras ao mesmo tempo que precisas e novas? Ora, o que verdadeiro dos monumentos figurados o igualmente das obras literrias. [] No se estuda a funo de um homem sem recoloc-lo em seu meio e em seu tempo. No se escreve a histrica de sua educao bem como a de sua leituras. Do mesmo modo, o conjunto de obras que constitui uma literatura s se compreende e s pode ser explicado se recolocado no conjunto geral de que se originou (p. 47).A histrica de uma literatura no a histria de uma sucesso de golpes de estado e, se certas influncias pessoais nos parece to considerveis, porque no sabemos depreender as verdadeiras origens. a Inglaterra que penetra na Frana com Voltaire ou com Diderot, a Alemanha que nos chega atravs de Rousseau (p. 48).No podemos entrar, neste estudo, na discusso das ideias pessoais de Posnett. Basta afirmar que seu livro, que passou quase desapercebido na Frana, constitui uma das mais curiosas tentativas feitas h muito tempo para renovar o estudo das obras literrias, tornando-o mais cientfico (p. 49).Poder-se-ia acrescentar a este testemunho o de Brunetire declarando, na introduo de seu livro sobre A evoluo dos gneros, que no h obra cuja falta se faa sentir to vivamente quanto uma histria da influncia das literaturas estrangeiras sobre a literatura francesa (p. 50).Se verdade, conforme a palavra de Joseph de Maistre, que 'cada nao para a outra uma posteridade contempornea', o melhor procedimento para avaliar uma obra, seja contempornea, seja j antiga, no seu justo valor, ser investigar o que esta se tornou, passando por aquela espcie de filtro que o julgamento dos estrangeiros (p. 50)[...] se a histria literria no possui um fim em si mesma, se visa, como toda investigao digna do nome de cincia, a alguns resultados que a ultrapassam, se ela pretende, finalmente, ser uma forma da psicologia das raas e dos homens, toda ambio lhe ser limitada neste aspecto, pois o estudo de um nico tipo de homens ou de uma nica espcie de literatura, se pode ser um passatempo agradvel, no um estudo cientfico. [] Quem diz cincia, diz comparao. A todas estas perguntas: O que literatura? Qual a lei de seu desenvolvimento? Qual a relao que estabelece como a sociedade? O que um gnero? Quais so as leis da evoluo dos gneros? O que o progresso em literatura? Quais so as principais classes de esprito do ponto de vista esttico? A estas questes e a centenas de outras que fcil tratar como banalidades sem alcance, mas que constituem, no fundo, a nica razo de ser de nossas investigaes, parece s haver resposta pela literatura comparada (pp. 50-51)