Texto 2 - Bruner

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Capitulo 5 A teoria de ensino de Bruner! A finalidade deste capitulo e dar ao leitor uma visao sumaria das proposi<;6es de Jerome Bruner (1969, 1973, 1976), professor de Psi- cologia e Diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard, quanto a natureza do desenvolvimento intelectual e quan- to a uma teoria de ensino que leve em conta este desenvolvimento. Trata-se, portanto, de uma tentativa de resurnir a "teoria de Bruner" e, como tal, nao e suficiente para uma perfeita compreensao do posicionamento desse autor. Para isso, obviamente, toma-se necessa- rio recorrer a bibliografia indicada. Bruner e talvez mais conhecido por ter dito que "e posslvel ensinar qualquer assunto, de uma maneira honesta, a qualquer crian<;aem qual- quer estagio de desenvolvimento" (1969, 73, 76), do que por qualquer outro aspecto de sua teoria. Ao dizer isso, no entanto, ele nao quis dizer que 0 assunto poderia ser ensinado em sua forma final, e sim que seria sempre possivel ensina-Io, desde que se levasse em considera<;ao as di- versas etapas do desenvolvimento intelectual. Cada uma dessas etapas e caracterizada por urn modo particular de representa<;ao, que e a forma IMoreira, M. A.(1995). Monografia nO5 da Serie Enfoques Teoricos. Porto Alegre, Ins- tituto de Ffsica da UFRGS. Originalmente divulgada, em 1980, na serie"Melhoria do Ensino", do Program a de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Superior (PADES)/ UFRGS, N° 13. Public ada, em 1985, no livre "En sino e aprendizagem: enfoques te6ricos··. Sao Paulo, Editora Moraes, pp. 37-47. Revisada em 1995; Carlos Alberto dos Santos. Professor do IFUFRGS, eco-autor da versao original.

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Capitulo 5A teoria de ensino de Bruner!

A finalidade deste capitulo e dar ao lei tor uma visao sumaria dasproposi<;6es de Jerome Bruner (1969, 1973, 1976), professor de Psi-cologia e Diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidadede Harvard, quanto a natureza do desenvolvimento intelectual e quan-to a uma teoria de en sino que leve em conta este desenvolvimento.Trata-se, portanto, de uma tentativa de resurnir a "teoria de Bruner" e,como tal, nao e suficiente para uma perfeita compreensao doposicionamento desse autor. Para isso, obviamente, toma-se necessa-rio recorrer a bibliografia indicada.

Bruner e talvez mais conhecido por ter dito que "e posslvel ensinarqualquer assunto, de uma maneira honesta, a qualquer crian<;aem qual-quer estagio de desenvolvimento" (1969, 73, 76), do que por qualqueroutro aspecto de sua teoria. Ao dizer isso, no entanto, ele nao quis dizerque 0 assunto poderia ser ensinado em sua forma final, e sim que seriasempre possivel ensina-Io, desde que se levasse em considera<;ao as di-versas etapas do desenvolvimento intelectual. Cada uma dessas etapase caracterizada por urn modo particular de representa<;ao, que e a forma

I Moreira, M. A. (1995). Monografia nO5 da Serie Enfoques Teoricos. Porto Alegre, Ins-tituto de Ffsica da UFRGS. Originalmente divulgada, em 1980, na serie "Melhoria doEnsino", do Program a de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Superior (PADES)/UFRGS, N° 13. Public ada, em 1985, no livre "En sino e aprendizagem: enfoques te6ricos··.Sao Paulo, Editora Moraes, pp. 37-47. Revisada em 1995; Carlos Alberto dos Santos.Professor do IFUFRGS, e co-autor da versao original.

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p.ela qual 0 individuo visualiza 0 mundo e explica-o a si mesmo. As-Slm, ~ tarefa,de ensinar determinado conteudo a uma crianc;a, em qual-q~er l?ade, e a de representar a estrutura deste conteudo em termos davlsuahzac;ao que a crianc;a tern das coisas.

Para Bruner, 0 que e relevante em uma materia de ensino e suaestrutura, s~a~ ide~a~.e relac;oes fundamentais. Essa seria, aparente-mente, a pnnclpalldeIa de Bruner a respeito do que ensinar. (Aparen-temente, porque, como sera explicado na conclusao deste trabalhoBruner, mais tarde, de certa forma, desenfatizou 0 papel da estrutura.)

Quanto a questao de como ensinar, Bruner destaca 0 processo dades~oberta, atraves da explorac;ao de alternativas, e 0 curriculo emesplral. Se.gundo Bruner, "0 ambiente ou conteudos de ensino tern queser percebldos pelo aprendiz em termos de problemas, relac;oes e lacu-nas q~e e!e.deve preencher, a fim de que a aprendizagem seja conside-rada slgmflcante e relevante. Portanto, 0 ambiente para aprendizagem~Ol:descoberta dev~ proporcionar .alternativas - resultando no apa-lec.lJ-r:~ntoe percepc;ao, pelo aprendlz, de relac;oes e similaridades, entreas IdeIas apresentadas, que nao foram previamente reconhecidas ... aclesco~erta cle ~rr: p~incfpio ou cle uma relac;ao, por uma crianc;a, ee~se~cIalmente IdentIca - enquanto processo - a descoberta que umclel~tlsta faz em seu laborat6rio" (Oliveira, 1973, p. 34). Curriculo emc pIral, por sua ,v~z, sign~fica que 0 aprencliz cleve ter oportuniclacle de~er ~ mesmo top~co maIS de uma vez, em cliferentes niveis de pro-lundldade e em dlferentes moclos de representac;ao.

Dcscnvolvimento intelectual

A ~deiacleclesenvolvimento intelectual ocupa um lugarfunclamentalna leona cleBmner, ~ois, para ele "ensinar e, em sintese, urn esfon;o paramoldar 0 desenvolvlmento" e "uma teoria cle ensino versa com efeitosobre as van as T?a?eiras cleauxiliar 0 clesenvolvimento" (1969, p. 15). '. Ao se refenr a natureza clo clesenvolvimento intelectual, ele con-

slclera, entre outros, os seguintes aspectos (1969, pp. 19-21):

--;:"? desenvolvimento intelectual caracteriza-se por inclepen-dencla crescente cia resposta em relac;ao a natureza imecliata doestimulo."

- "0 desenvolvimento intelectual baseia-se em absorver even-tos, ~m urn sistema cle armazenamento que corresponde ao meioamblente."

- "0 deSenvolvimento intelectual e caracterizado por crescentecapacidade para lidar com alternativas simultaneamente, atendera varias seqiiencias ao mesmo tempo, e distribuir tempo e aten-c;ao, de maneira apropriada, a todas essas demandas multiplas."

Do ponto de vista de Bruner, uma questao basica relativa ao de-senvolvimento e a da representarao, ou seja, 0 individuo, ao se desen-volver, deve adquirir meios de representar 0 que ocorre no seu ambi-ente. Deve ser capaz de conservar em urn modelo a experiencia decor-rente da estimulac;ao do meio, e tambem de recuperar a informac;apor meio desse mesmo modelo.

De maneira urn tanto analoga aos periodos do desenvolvimentopropostos por Piaget (pre-operacional, operacional concreto eoperacional formal), Bruner distingue tres modos de representac;ao domundo pelos quais passa 0 individuo:

1Q. Representar;ao ativa: neste estagio, 0 trabalho mental da cri-anc;a consiste principalmente em estabelecer relac;6es entre a expe-riencia e a ac;ao; seu interesse consiste em manipular 0 mundo pormeio da ac;ao (1973, p. 32).

Esta etapa corresponde aproximadamente ao periodo compreen-dido entre a aquisic;ao da linguagem e a epoca em que a crianc;a come-c;aa aprender a manipular simbolos. E, pois, caracterfstica da crianc;aem idade pre-escolar. Neste estagio, e extremamente diffeil en inarcertas ideias fisicas, como a conservac;ao da massa, pOl'que falta a cri-anc;a aquilo que a escola de Genebra denominoll de rever ibilida I .Assim, a ctianc;a nao consegue entender que a massa e 0 p .0 cI umobjeto se conservam, mesmo quando se altera a forma deste objel .

2Q• Representariio iconica: neste estagio, a crianc;a ja esta na

escola; trata-se de um estagio operacional (concreto), contrariamenteao anterior que era meramente ativo (pre-operacional). E operacionalno sentido de manipulac;ao direta de objetos, ou interna, como quan-do se manipulam mentalmente simbolos que representam coisas erelac;6es. De urn modo geral, uma "operac;ao" e uma maneira deobter, na mente, dados sobre 0 mundo real, de modo que possam serorganizados e utilizados seletivamente da soluc;ao de problemas. Umaoperac;ao pode, neste estagio, ser uma ac;ao, mas difere da ac;ao tipi-ca do estagio anterior porque agora e interiorizada e reversfveJ.Interiorizada, porque a crianc;aja nao precisa resolver um problemapor meio de urn processo dire to de ensaio e erro, mas pode realmen-

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te efetmi-Io em sua mente. Reverslvel, porque uma operagao podeser compensada pela operagao inversa. Se dividirmos urn conjuntode bolinhas de gude em subconjuntos, a crianga pode compreenderintuitivamente que 0 conjunto original pode ser restabelecido jun-tando os subconjuntos (1973, p. 34).

Enquanto que a representagao ativa baseia-se, ao que parece, naaprendizagem de respostas e na formagao de habitos, a iconica estar gida, fundamentalmente, por princfpios de organizagao perceptiva epcbs transformag5es economic as dessa organizagao (1969, p. 25).

3Q• Representara.o simb6lica: corresponde ao perfodo designado

1110das "operag5es formais" pel a escola de Genebra.No primeiro estagio (ativo), a crianga era capaz de resolver seus

I 1'01 I mas pela agao pura e simples. Ela possula urn modo de repre-s'llla ao ativo. No segundo, elaja era capaz de interiorizar a agao e as( 'Illal ivas de resolugao de urn problema podiam ser feitas mentalmen-1L". N ntanto, seu poder simb6lico era limitado. A crianga era capazd ' 'slruturar apenas a realidade imediatamente presente, nao estandoi 111 'iramcnte apta a tratar de possibilidades novas. Somente no tercei-I() 'sIn. i e que isso se da:

"N '::;s ponto, a atividade intelectual da crianga parece basear-seanI s numa capacidade para operar com proposig5es hipoteticas,10 qu em permanecer restrita ao que ja experimentou, ou ao que

1 '111liante de si. A crianga pode, entao, pensar a respeito de pos-s v 'is variaveis e, ate mesmo, deduzir relag6es potenciais que,IlltIis tarde, podem ser verificadas pe10 experimento ou pela ob-Ii ·rvayao. Nesta fase, as operag5es intelectuais parecem apoiar-s ' IIll me ma especie de operag5es 16gicas que constituem 0 ins-t rum ntal do logicista, cientista ou pensador abstrato. Neste pon-10 'que a crianga esta apta a dar expressao formal ou axiomiltica; s i leias concretas que, anteriormente, orientavam a resolugaoI problemas, mas nao podiam ser descritas, ou formalmente, mpreendidas" (1973, p. 35).

D preende-se desses tres modos de representagao que os indivl-dIIO,' passam por tres estagios de processamento e representagao deil1l' rmag5es - urn caracterizado pelo manuseio e agao, outro pelaor anizagao perceptiva e imagens, e 0 terceiro pela utilizagao de slm-bolo, . Segundo Bruner, nao sao exatamente "estagios", e sim fasesinternas do desenvolvimento. Embora estas fases se desenvolvams qi.iencialmente, elas nao substituem uma a outra. Como adultos,

continuamos a representar, tanto ativa como iconicamente, beJ?comosimbolicamente. Por exemplo, "sabemos" como andar de blclcleta,ou como dar uma tacada em urn jogo de bilhar, principalmente emtermos sensoriais, em termos de nosso corpo - quer dizer, estas ha-bilidades estao "representadas" em nossos musculos - e nao tantopor meio de lcones ou slmbolos. Por outro lado, re~onh~~emos ce~tosobjetos muito mais por meio de imagens do que slmbo;lca ou atl~a-mente. Temos, portanto, segundo Bruner, pelo menos tres modos dlS-tintos para representar, nao s6 os efeitos de nossas ~xperiencias sen-soriais, mas tambem nossos pensamentos (LefrangOls, 1982, p. 162).

Bruner argumenta que as teorias psicol6gicas de, aprendi~agem edesenvolvimento sao descritivas, enquanto que uma teona de ensmo deve,alem de levar em conta tais teorias, ser prescritiva. Deve principalmenteconcentrar -se em como otirnizar a aprendizagem, facilitar a transferenciaou a recuperagao de informag5es. Deve tam~em estabe~ec~r regrasconcementes a melhor maneira de obter conheclmentos e tecmcas.

Ele distingue quatro caracterfsticas principais de uma teoria deensino (1976, p. 48):

"Em primeiro lugar, deve apontar as experiencias mais efeti.vaspara implantar em urn indivlduo a predisposigao para aaprendlZa-gem - aprendizagem em geral, ou qualquer caso partIcular dela.Deve, em segundo lugar, especificar como deve ser estl~uturadourn conjunto de conhecimentos, para melhor ser apreendtd,oyeloestudante. A 'estrutura 6tima' sera constitufda de uma sene deproposig5es da qual podera decorrer urn co,?j?nto de con?ec.i-mentos de maiores dimens5es, sendo caractenstlca a dependenclada sua formulagao para com 0 grau de adiantamento do campoparticular do conhecimento ..: . , .Em terceiro lugar, uma teona de ensmo devera Cltar qual a se-quencia mais eficiente para apresentar as m~terias ~ ~erestudadas.Se alguem quer ensinar a estrutura da teona da FISIC~Modema,como deve faze-Io? Apresentando inicialmente matenas c?ncre-tas, de maneira a despertar curiosidade sobre as regulanda?esdecorrentes? Ou com uma notagao matematica, fOlmal, que Slm-plificara a representagao das regularidades a s~r enc~ntra~as?Quais os resultados de cada metodo? E qual a rmstura Ideal.Deve, finalmente, uma teoria da instrugao deter-se na natureza e na

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aplicas;;aodos premios e punis;;oes,no processo de aprendizagem eensino. Intuitivamente, parece claro que, com 0 progresso da aprendi-zagem, chega-se a urn ponto em que e melbor abster-se de prernias;;oesextrinsecas - como elogios do professor, em favor da recompensaintrinseca, inerente a solus;;aode urn problema complexo."Cada uma destas caracterfsticas sera discutida, com algum deta-

lhe, a seguir:

Bruner, portanto, enfatiza a aprendizagem pOl'descoberta, poremde uma maneira "dirigida", de modo que a exploras;;ao de alternativasnao seja caotica ou cause confusao e angustia no aluno. Se, pOl'umlado, urn guia de laboratorio ou urn roteiro de estudo, pOl' exemplo,nao deve ser do tipo "receita de cozinha", pOl'outro, nao devem tam-bem ser totalmente desestruturados deixando 0 aluno "perdido". Devehaver urn compromisso entre instrus;;oes detalhadas a ser seguidaspasso a passo e "instruc;oes" que deixam 0 aluno sem saber 0 .quefazer. As instruc;oes devem ser dadas de modo a explorar alternatlvasque levem a soluc;ao do problema ou a "descoberta".

Embora reconhec;a a grande influencia de fatores culturais, moti-vacionais e pessoais no desejo de aprender e de tentar solucionar pro-blemas, Bruner concentra sua atens;;ao na predisposir;iio para explo-rar alternativas. Partindo da premissa que 0 estudo e a resolus;;ao deproblemas baseiam-se na exploras;;ao de alternativas, propoe que ainsl rus;;aodevera facilitar e ordenar tal processo pOl'parte do aluno.

Existem tres fatores envolvidos no processo de exploras;;ao deillI mati vas: ativar;iio, manutenr;iio e direr;iio. A ativac;ao e aquilo quedo in! io ao processo, a manutens;;ao 0 mantem e a direc;ao evita que~I' s ja caotico.

'undo Bruner (1976, p. 51):

"/\ condis;;ao basica para ativar a explorac;ao de alternativas, emlima larefa, e tel' urn nfvel otimo de incerteza. Curiosidade e umaI' 'SpOSlfla incerteza e a ambigUidade. Rotinas esclerosadas provo-':1111 pou a ou nenhuma exploras;;ao; rotinas pOl' demais incertas

cksp 'rlclll1confusao e angustia, reduzindo a tendencia a explorar.UllllI v 'I. iniciada a exploras;;ao, sua manutenc;ao exige que osh 'II ·rf ios clas alternativas exploradas excedam os riscos envol-vielos. Aprender qualquer coisa com 0 auxflio de urn instrutor,d 'scl que 0 ensino seja eficiente, devera implicar menos perigoOU sacriffcio que faze-lo pOl'conta propria, ou seja, as conseqUen-'ias clos erros, ao explorar falsas alternativas, devem ser abran-

daclas em urn regime de instruc;ao, e os resultados a obter, nas(1/ tcrnati vas corretas, correspondentemente aumentados.I ar direc;ao consciente a exploras;;ao baseia-se em duas conside-ras;;oesinterdependentes: 0 sentido da meta de uma tarefa e 0 co-nhecimento da importancia de verificar as alternativas para atin-gir tal meta. Para dar direc;ao a exploras;;ao, em resumo, oobjeti-vo da tarefa precisa ser conhecido, com alguma aproximac;ao, e averificac;ao das alternativas devera sempre informal' a posis;;aocom referencia ao citado objetivo."

Bruner apresenta quatro razoes para ensinar a estrutura de umadisciplina (Bruner, 1973, p. 21):

"a) Entender os fundamentos torn a a materia mais compreensf-vel. Isso e verdade nao so em ffsica e matematica, mas igualmen-te em estudos sociais e literatura.b) A segunda razao relaciona-se com a memoria humana. Talvezo que de mais basico se pode dizer sobre a memoria humana,apos urn seculo de pesquisa intensiva, e que rapidamente se es-quece urn pormenor, a nao ser que esteja colocado dentro de urnpadrao estruturado. Os pormenores conservam-se na memoria,grac;as ao uso de modos simplificados de representa-los. Essasrepresentac;oes simplificadas possuem 0 que se pocle chamaI' IcarateI' regenerativo. Aprender os princfpios gerais ou funclamen-tais assegura-nos de que a perda de memoria nao significa umaperda total, pois com 0 que nos fica (0 princfpio geral) podemosreconstruir os pormenores, quando for necessario. Uma boa teo-ria e vefculo nao apenas para a compreensao de urn fenomeno,como tambem para sua rememorac;ao futura.c) Uma compreensao de princfpios e ideias fundamentais, comoja se observou anteriormente, parece ser 0 principal caminho parauma adequada 'transferencia de aprendizagem'. Compreenderalgo como exemplo especffico de urn caso mais geral - que e 0

que significa compreender urn princfpio ou estrutura mais funda-mental - e tel' aprendido nao so alguma coisa especffica, mastambem urn modelo para a compreensao de outras coisas seme-lhantes que se pode encontrar.d) Pelo reexame constante do que estiver sendo ensinado nas es-colas primarias e secundarias em seu carateI' fundamental, e possf-

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vel diminuir a distancia entre 0 conhecimento 'avans;ado' eo co-nhecimento 'elementar'. Parte da dificuldade que hoje em dia severifica na passagem da escola primaria para a superior atravesdo curso secundario e que as materias que se aprendem nos pri-meiros estagios estao completamente desatualizadas, ou sacinsatisfat6rias, por se arrastarem com extrema atraso em relas;aoaos desenvolvimentos em determinado campo. Essa distanciapode reduzir-se, gras;as ao relevo que dermos a estrutura do co-nhecimento, conforme se expos na discussao anterior."

A estrutura de uma materia apresenta, segundo Bruner, tres ca-I"\cl.erlsticas fundamentais, todas elas ligadas a habilidade do estu-danle para dominar 0 assunto:- [ rma da representas;ao utilizada- 'conomia

potencia efetiva!\s formas de representas;ao ja foram apresentadas no item do

<I'S 'nvolvimento intelectual. Como vimos, existem tres tipos de re-I'" 'S 'ntas;ao: ativa, iconica e simb6lica.

I 'Ira Bruner (1976, p. 52), qualquer materia pode ser ensinada nes-.' ....,II' s nfveis de representas;ao. No caso da representas;ao ativa, a mate-Ij I s(;ria apresentada sob a forma de urn conjunto de as;6es apropriadasp 11':1 obi I'determinado resultado; urn conjunto de imagens resumidas ou"I'Mi 'os que representam conceitos, sem defini-Ios completamente, seriao 'lI:-'O d lima representas;ao iconica; finalmente, na representas;ao sim-h(;li 'lI, a mat ria seria apresentada na forma de urn conjunto de proposi-'0 ·s, I i a, ou simb6licas, derivado de urn sistema simb6lico regidoPOl'I1Ol'rnas u leis, para formar ou transformar proposis;6es,

conomia na representas;ao de urn dominie de conhecimento'slit I''Iacionada com a quantidade de informac;,;aoa ser conservada na

111'111 " C a ser processada para se resolver algum problema, ou enten-d 'I'll vas proposis;6es. Urn exemplo trivial, sao as relas;6es da Fisica.No 'aso da queda livre, seria extremamente "anti-economico", se ti-v sscmos que guardar todas as alturas e os tempos, nos mais diversos'arnpos gravitacionais, Ao inves disso, simplesmente gravamos queh = 1.2/2, que e uma forma extremamente economica de representar 0pl'ohlema da queda livre,

!\. potencia efetiva de uma estruturas;ao e caracterizada pel a ca-paciclade de urn estudante para relacionar assuntos aparentemente dis-tintos. Refere-se, portanto, "ao valor generativo de urn conjunto deicleias ou raciocinios aprendidos, ou seja, 0 pocler efetivo que urnaprendiz tern de descobrir algo por uma analise muito refinada, ou

ainda, 0 poder que ele tern de enfrentar uma determinada tarefa inte-lectual" (Oliveira, 1975, p. 87).

Em suma, "a potencia efetiva alcans;ada por urn estudante em par-ticular, eo que se procura verificar atraves de uma analise detalhada decomo esta ele realmente progredindo no estudo" (Bruner, 1976, p. 55).

A questao da sequencia na prendizagem, parece ser intuitiva paragrande maioria dos que lidam com 0 ensino. Parece que a diferens;a entreBruner e outros autores, neste particular, refere-se ao faro de que ele for-maliza a questao, e a coloca em termos operacionais. Assim, ele identi-fica: cabedal de informas;6es, esmgio de desenvolvimento, natureza damateria e diferens;as individuais, como variaveis importantes no estabe-lecimento da sequencia de uma materia. Outro vinculo importante e anecessidade de se considerar 0 processo da descoberta, ou seja, "na se-quencia do material a ser aprendido deve-se deixar a possibilidade deexplorac;,;aode altemativas, de maneira que, em certos pontos, 0 alunodeve ser encorajado a explorar divergentes caminhos, antes de envere-dar-se e aprofundar-se em uma das altemativas. E necessario especificar,em qualquer sequencia, 0 nivel de incerteza em que se deve apresentar 0

material ao aprendiz antes de ele iniciar a busca de altemativas, e sempredeixar urn myel de tensao razoavel que mantenha 0 aluno procurando eatento para a resolus;ao de problemas" (Oliveira, 1975, p. 88). Assirncomo no caso da estrutura as fonnas de representas;ao ram imp I'l.anl.S,

aqui tambem elas assumem posis;ao de destaque. A eqi.ien ia lirna dvir da representac;,;aoativa para a iconica, e dai para a simb6lica, ainda qllBruner acredite que urn aluno que possua urn sistema simb6lico b mdesenvolvido possa saltar os dois primeiros estagios.

Embora argumente que uma teoria da instrus;ao deva deter-setambem na natureza e na aplicas;ao dos premios e punis;6es no proces-so de aprendizagem e ensino, Bruner nao encara 0 reforc;,;oda mesmamaneira como ele e visto numa abordagem comportamentalista. Doponto de vista behaviorista, 0 reforc;,;otern urn papel fundamental, poiso comportamento e modificado por consequencias recompensadorasou punitivas. Para Skinner, por exemplo, nao e a presens;a do estimu-10 ou da resposta que leva a aprendizagem, mas sim a presens;a dascontingencias de refors;o.

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Bruner, par sua vez, refere-se ao refor90 no sentido de que "aaprendizagem depende do conhecimento de resultados, no momenta

no local em que ele pode ser utilizado para corre9ao. A instru9ao<tumenta a oportunidade do conhecimento corretivo. 0 conhecimentodo resultados teni utilidade ou nao, conforme receba 0 estudante, emI mpo e local apropriados, a informa9ao corretiva, explicadas as con-di90es em que podeni usa-la, e da forma em que a recebe" (1969, p.

7). Para ele, "na medida em que a crian9a se desenvolve e aprende ap nsar de maneira simb6lica, e assim a representar e transformar 0,1I11biente,aumenta a motiva9ao de competencia, que ganha mais con-t rol , sobre 0 comportamento, e, assim, reduz os efeitos do refor90s· II1dario au de gratifica9ao ... 0 processo deve levar 0 estudante ad '8 nvolver seu autocontrole e se auto-refor9ar a fim de que a apren-diza m seja refor90 de si pr6pria" (Oliveira, 1973, pp. 35 e 122).

relativamente ao processo instrucional. 0 que se esta fazendo agorae, de certa forma, resumir tais posi90es. Segundo Oliveira (1973, p.134),0 fato de 0 aluno descobrir pOl' si mesmo e, para Bruner, 0 nu-cleo do processo instrucional e 0 evento mais importante. Em fun9aodisso, devem-se organizar as quatro caracterfsticas basicas de umateoria de ensino: predisposic;oes, estrutura do conhecimento, seqiien-cia e reforc;o. Tais caracterfsticas foramja discutidas, mas cabe talvezfrisar algumas recomenda90es especificas para a seqiiencia da instru-c;ao (Oliveira, 1973, pp. 101-102):

"1. alTanjar as seqiiencias de maneira a que 0 estudante perceba aestrutura dos materiais por induc;ao de instancias particulares;

2. dar pratica em transferencia, quando esta for esperada como pres-suposto da aprendizagem;

3. usar contrastes nas seqiiencias, ressaltando discrimina90es etc;4. evitar simboliza9ao prematura, provendo imagens tanto quanto

possfvel, ou seja, formas iconicas de representac;ao;5. dar pratica, permitindo ao estudante dois tipos de experiencias:

fazer incursoes genericas sobre 0 material, apanhando conceitose n090es aqui e ali, de maneira global, e tambem permitir-Ihesaprofundar-se em t6picos de interesse;

6. prover para revisoes peri6dicas, "revisitas" a conceitos e ativi-dades ja aprendidas, aplicando-os a novas e mais complexas si-tuac;oes, atraves de "curriculac;ao espiral". Isso significa que 0conteudo de urn assunto nao tern que ser aprendido de uma ,vez, de maneira linear, mas sim, que 0 aprendiz deve tel' a op r-tunidade de voltar a esses t6picos e aprende-Ios de maneira mai,profunda, posteriormente, e num modo de representac;ao maisavan9ado."

omo ja foi dito, para Bruner, "ensinar e, em sfntese, urn esfor90pllr:\ auxiliar ou moldar 0 desenvolvimento". Portanto, 0 ensino deve.' '1' I Ian jado levando em conta 0 que se sabe sobre 0 desenvolvimen-1< illl 'I lual do aprendiz. Alias, e essa ideia de ensinar de acordo comI) II V" d desenvolvimento do aluno que leva Bruner a dizer que "ha11111:1v 'I'sil.ode cada conhecimento ou tecnica apropriada para ensinarII '11(1n i lad, lor mais introdut6ria que seja" (1969, p. 51). Ou, em\)lllr:ls palavras, que "toda ideia, problema ou conjunto de conheci-111 '1I10Spo Ic ser uficientemente simplificada para ser entendida pOl'plalqu T studante particular, sob forma reconhecivel" (1969, p. 60).

I\inc\a relacionando desenvolvimento intelectual, ensino e profes-sor, Hruner propoe que (1969, p. 20):

desenvolvimento intelectual baseia-se numa intera9ao siste-matica e contingente, entre urn professor e urn aluno, na qual 0I. rofessor, amp1amente equipado com tecnicas anteriormente in-ventadas, ensina a crian9a."

Bruner destaca tambem 0 pape1da linguagem no ensino (1969, p. 20):

"0 ensino e altamente facilitado por meio da linguagem que acaba:;endo nao apenas 0 meio de comunicac;ao, mas 0 instrumento queI) estudante pode usar para ordenar 0 meio ambiente."

Ao apresentar, anteriormente, as caracterfsticas de uma teoria deensino ja se estava, obviamente, apresentando posic;oes de Bruner

Com isso, cre-se ter atingido 0 objetivo deste trabalho, que e 0de dar uma visao sumaria do posicionamento de Bruner quanto aodesenvolvimento intelectual e ao processo instrucional. Em face docarater superficial do resumo feito, alguns aspectos importantes dateoria de Bruner talvez ten ham sido omitidos e outros, pOl' sua vez,tenham sido distorcidos. POl' isso, reitera-se que, para uma melhorcompreensao da teoria de Bruner, e indispensavel recorrer a biblio-grafia citada.

A guisa de conclusao, apresentar-se-ao, a seguir, alguns comen-tarios baseados no artigo "The Process of Education Revisited"(Bruner, 1971) publicado cerca de dez anos depois de "0processo do

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educar;fio" (1973)", provavelmente 0 livro mais conhecido e de mai-or impac~o e.scrito por ~runer, e em urn artigo de revisao (Olson, 1992)sobre dOlShvros, relattvamente recentes, de Bruner.

Como foi dito na introdw;ao deste trabalho, Bruner, tanto em"0 processo da educar;fio" (1973), como em "Vma nova teoria deaprendizagem" (1969, 1976), destaca 0 papel da estrutura da mate-ria cle ensino, suas relac;6es e ideias fundamentais. Entretanto, dezan sapos a publicac;ao do primeiro desses livros, nos Estados Vni-dos, Ie procura justificar 0 porque dessa enfase no ensino da estru-(II r~110conhecin:ento, argumentando que essa era a ideia que preva-I . 'liI na epoca (hm dos anos 50 e inicio dos 60), isto e, se 0 indivi-dl~o.'nten?esse a estrutura do conhecimento, esse entendimento per-IlIltlr-lhe-la prosseguir por si mesmo; nao era necessario encontrar1IIl,In IHI natureza para conhece-Ia, pois a compreensao de algunspl'11i'fpios mais significativos permitiria a extrapolac;ao para situa-'0 'S parllculares. Conhecendo a estrutura de urn certo ass unto sa-Il '1:~;'-ia r~uito sobre esse assunto, ao mesmo tempo que pouca c~isa1\ /'1:1qll (, 'ar gUaI'dada na mente.

Hnlr fanto, essa ideia supunha, implicitamente, que a motiva-o tll s alun s ra natural, i.e., eles estavam naturalmente motiva-

dos, P:"':I apr neier, 0 problema era ensina-los adequadamente('1111111/'.:1lido a slrutura do conteudo e aprendizagem por descober-

I I , ,'llpunha lambem que todos os alunos submetidos aos novos('11111'Id IS bas aclos na estrutura das disciplinas tinham ja certas11111 i Iidil I s analiticas trazidas "de casa". Tais suposiC;6es, no entan-10, ('ralll Calsas: os alunos nao estavam natural mente motivados edt p '1IeI'nclo do meio socio-econ6mico de origem, nao tinham a~II1Ihiliclacis esperadas.

I~sses e outros argumentos levaram Bruner a conscientizar-se de(! Ill; II Il~cac;ao.nao e neutra nem isolada, e sim profundamente poll-II '<1,P r 1SS0,d1sse ele que, dez anos depois de "0 processo da edu-, !Crio", ficaria muito satisfeito em declarar, se nao uma moratoria,

p'l menos algo como uma "desenfase" no ensino da estrutura daslis ',iplinas, em favor de ensina-las no contexto dos problemas com os

quais se defronta a sociedade.

Esta referencia e tradu\=ao para 0 portuglles do original "The Process of Education",publicado nos Estados Unidos, em 1960.

Bruner e tambem urn dos autores da chamada "revoluc;aocognitiva", se aceitarmos que a Psicologia Cognitiva "nasceu" emurn encontro realizado no M.LT., em 1956, do qual, alem dele, parti-ciparam Noam Chomsky, George Miller, Herbert Simon e algunsoutros nomes muito conhecidos na area.

Neste capitulo, 0 "cognitivismo de Bruner" ficou quase que restritoaos modos de representac;ao pelos quais 0 sujeito passa ao longo de seudesenvolvimento intelectual - ativo, ic6nico e simbolico - nos quaispercebe-se uma clara influencia piagetiana. Alias, na pratica, nos meioseducacionais, Bruner e conhecido por estes modos representacionais epor termos como curriculo em espiral e aprendizagem por descobelta.

Contudo, ha nao muito tempo, Bruner publicou dois livros ondeenfoca, sobretudo, a mente humana: "Actual minds, possible worlds",1986 e "Acts of meaning", 1990. Segundo Olson (1992), nesses li-vros, Bruner defende, e contribui para uma "ciencia da mente" (i.e.,uma psicologia) ideal que seria uma ciencia de significados e inten-c;6es, nao de respostas e comportamentos; que estaria ocupada com aestrutura e 0 crescimento do conhecimento, nao com 0 processamentode informac;6es; que se referiria a mente em urn contexto interpessoal,social e cultural, nao como processos internos do individuo; que sededicaria a consciencia e subjetividade, nao ao que a pessoa disse oufez, mas aquilo que ela pensou que disse ou que fez (op. cit., p. 29).

Ao ado tar esta "psicologia ideal", Bruner critica sua propria vi-sao piagetiana anterior, na qual a crianc;a e urn construtor "solista" -que constroi em niveis cada vez mais elevados de representac;ao - e,pagando tributo a Lev Vygotsky, reconhece que a crianc;a raramenlconstroi por si so, mas sim atraves de uma intencionaliclacle comparli-Ihada (ibid., p. 31): tudo 0 que "entra" na consciencia e 0 que foi"acordado" interpessoalmente; somente aquilo a que a crianc;a podeassegurar "concordfmcia compartilhada" torna-se parte de sua repre-sentac;ao do mundo. Sem duvida, uma visao vygotskyana.

Estes comentanos finais sobre posicionamentos recentes de Brunerforam feitos para dar ao leitor uma noc;ao da amplitude e da evoluc;aoda obra de Bruner. Reitera-se, no entanto, que, ao longo de todo estecapitulo, essa obra foi abordada superficialmente e podem ter ocorri-do distorc;6es e/ou orniss6es. Por isso, recomenda-se ao lei tor interes-sado que recorra a bibliografia indicada.