Texto 2 Praças Largos GOMES

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Estudos Geográficos, Rio Claro, 5(1): 101-120, 2007 (ISSN 1678—698X) http://cecemca.rc.unesp.br/ojs/index.php/estgeo DE LARGO A JARDIM: PRAÇAS PÚBLICAS NO BRASIL – ALGUMAS APROXIMAÇÕES 1 Marcos Antônio Silvestre Gomes 2 As praças públicas sempre estiveram na moda. Ficavam no coração das antigas cidades gregas e romanas, das cidades medievais e, mais tarde, das aldeias coloniais, assim como das metrópoles modernas. São lugares para ver e ser visto, para comprar e fazer negócios, para passear e fazer política. As melhores praças são lugares agradáveis durante a maior parte do ano, amenizando o calor no meio do verão e evitando o frio no início da primavera e no fim do outono. Tais lugares são raros e muito apreciados. Anne Whiston Spirn RESUMO: A forma como as cidades se desenvolvem e se organizam gera inquietações que se desdobram com dimensões diferentes em cada um dos ramos da ciência. No âmbito da Geografia, e mais ainda, no campo do urbano, o presente trabalho privilegia o estudo dos espaços livres, em especial, das praças públicas. Parte-se de uma abordagem histórico-geográfica do que a praça representa no espaço urbano brasileiro, desde o período colonial até a contemporaneidade, marcada pela expressividade do privado sobre o público, do individual sobre o coletivo e, do concreto sobre o “verde”. Nessa perspectiva, as praças são vistas como espaços livres potenciais para compor o sistema de áreas verdes urbanas e, consequentemente, como área de lazer importante, principalmente para os grupos de menor poder aquisitivo da sociedade urbana brasileira. Palavras-Chave: praça, largo, jardim, Brasil ABSTRACT: From plaza to garden: public squares in Brazil – some approaches The development and organization of cities differently concerns each distinct branch of the science. In geographic sciences, specifically urban studies, the present work highlights the study of open spaces, specially the public gardens. Starting from a historic-geographic approach about what does the public garden represent to the Brazilian urban space, from the colonial ages until contemporary days, marked by the expressivity of the private over the public, the individual over the sharing, and, the concrete over the “green”. In this perspective, the squares are seen as potential open spaces to compose the urban green area system, and consequently, as an entertainment area, mainly important to the low purchasing groups of the Brazilian urban people. Keywords: garden, public square, Brazil 1 Artigo resultante de parte da Dissertação de Mestrado: As praças de Ribeirão Preto-SP: uma contribuição geográfica ao planejamento e à gestão dos espaços públicos, defendida no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, em 2005, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares. 2 Docente da Universidade Federal de Alagoas e doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas. Endereço: Universidade Federal de Alagoas – Campus Arapiraca – Caixa Postal 61 – CEP 57300-970 – Arapiraca/AL E- mail: [email protected] - [email protected]

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Praças Largas (urbanismo)

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  • Estudos Geogrficos, Rio Claro, 5(1): 101-120, 2007 (ISSN 1678698X) http://cecemca.rc.unesp.br/ojs/index.php/estgeo

    DE LARGO A JARDIM: PRAAS PBLICAS NO BRASIL ALGUMAS APROXIMAES1

    Marcos Antnio Silvestre Gomes2

    As praas pblicas sempre estiveram na moda. Ficavam no corao das antigas cidades gregas e romanas, das cidades medievais e, mais tarde, das aldeias coloniais, assim como das metrpoles modernas. So lugares para ver e ser visto, para comprar e fazer negcios, para passear e fazer poltica. As melhores praas so lugares agradveis durante a maior parte do ano, amenizando o calor no meio do vero e evitando o frio no incio da primavera e no fim do outono. Tais lugares so raros e muito apreciados.

    Anne Whiston Spirn

    RESUMO: A forma como as cidades se desenvolvem e se organizam gera inquietaes que se desdobram com dimenses diferentes em cada um dos ramos da cincia. No mbito da Geografia, e mais ainda, no campo do urbano, o presente trabalho privilegia o estudo dos espaos livres, em especial, das praas pblicas. Parte-se de uma abordagem histrico-geogrfica do que a praa representa no espao urbano brasileiro, desde o perodo colonial at a contemporaneidade, marcada pela expressividade do privado sobre o pblico, do individual sobre o coletivo e, do concreto sobre o verde. Nessa perspectiva, as praas so vistas como espaos livres potenciais para compor o sistema de reas verdes urbanas e, consequentemente, como rea de lazer importante, principalmente para os grupos de menor poder aquisitivo da sociedade urbana brasileira. Palavras-Chave: praa, largo, jardim, Brasil

    ABSTRACT: From plaza to garden: public squares in Brazil some approaches The development and organization of cities differently concerns each distinct branch of the science. In geographic sciences, specifically urban studies, the present work highlights the study of open spaces, specially the public gardens. Starting from a historic-geographic approach about what does the public garden represent to the Brazilian urban space, from the colonial ages until contemporary days, marked by the expressivity of the private over the public, the individual over the sharing, and, the concrete over the green. In this perspective, the squares are seen as potential open spaces to compose the urban green area system, and consequently, as an entertainment area, mainly important to the low purchasing groups of the Brazilian urban people. Keywords: garden, public square, Brazil

    1 Artigo resultante de parte da Dissertao de Mestrado: As praas de Ribeiro Preto-SP: uma contribuio

    geogrfica ao planejamento e gesto dos espaos pblicos, defendida no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlndia, em 2005, sob orientao da Profa. Dra. Beatriz Ribeiro Soares.

    2 Docente da Universidade Federal de Alagoas e doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas.

    Endereo: Universidade Federal de Alagoas Campus Arapiraca Caixa Postal 61 CEP 57300-970 Arapiraca/AL E-mail: [email protected] - [email protected]

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    INTRODUO

    As praas sempre estiveram presentes na histria das cidades. Guardam em seus seios histrias e acontecimentos da vida pblica e privada, mundana e profana; fatos que caracterizam esses logradouros como espaos livres e pblicos de fundamental importncia para a sociabilidade das pessoas que habitaram os centros urbanos mais antigos e as que habitam as cidades atuais, embora em propores diferenciadas.

    Atribuir praa a denominao de um espao pblico reconhec-la como uma categoria entre os diversos espaos livres urbanos como parques, reas verdes e reas de lazer e, ao mesmo tempo, reafirm-la como espao ancestral onde, mesclam-se usos e grupos sociais diferenciados. No entanto, a praa, na atualidade, assume muito mais funo de rea verde e esttica no espao urbano brasileiro do que como local de convvio da populao. Notadamente, esse fato pode ser observado com maior clareza, nos grandes centros urbanos, especialmente, nos bairros habitados pelos grupos de mais alta renda, ao contrrio dos bairros populares.

    O estudo das praas pblicas, como se pretende atravs deste artigo, justifica-se pela presena marcante destas na composio dos espaos urbanos, levando-se em considerao a sua diversidade, seu uso por parcelas significativas da populao mais carente e o descaso do poder pblico, em muitos casos, para com as mesmas, tornando-as locais marginalizados, devido presena de usurios de drogas, mendigos, assaltantes e at mesmo pela falta de segurana, principalmente nos horrios noturnos.

    Compreender as origens e as transformaes dos espaos pblicos urbanos no Brasil, atravs dos largos, praas e parques, bem como reflet-los na aurora deste novo sculo, o intuito maior deste trabalho. Dessa forma, espera-se apontar aspectos importantes para uma discusso relevante no que concerne s possibilidades de se criar e gerir tais espaos, especialmente, as praas.

    ORIGEM E FORMAO DAS PRAAS NO BRASIL

    A praa como espao pblico constitui, desde os seus primrdios, um referencial urbano marcado pela convivncia humana. , portanto, um importante equipamento histrico e cultural urbano que expressa o surgimento e o desenvolvimento de inmeras cidades, especialmente, no Brasil. Para Segawa (1996, p. 31), a praa um espao ancestral que se confunde com a prpria origem do conceito ocidental de urbano. O termo praa implica inmeras definies, tanto por parte do poder pblico, quanto de pesquisadores e tcnicos, tendo em vista a amplitude e variedade de idias dos diversos estudiosos. No entanto, o fato de constituir um espao pblico um ponto de convergncia entre os que tentam conceitu-la3.

    3 De acordo com o Diccionario de la lengua espanla, plaza constitui um lugar espaoso dentro do povoado. Em

    outro dicionrio espanhol, de Sebastin Covarrubias de 1611 Tesoro de la lengua castellana aparece a mesma definio, porm acrescida do termo lugar pblico. Ainda, uma outra definio comum em ambos os dicionrios quando identificam a praa como local onde se vendem os mantimentos e se tem o comrcio dos moradores locais com os vizinhos da regio, e onde se celebram as feiras, os mercados e festas pblicas (SEGAWA, 1996, p. 32-33).

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    Robba e Macedo (2002, p. 17), ao realizar o estudo das praas brasileiras, consideraram duas premissas bsicas ao elaborar um conceito para esses espaos: uso e acessibilidade. Corrobora-se com esses autores quando conceituam praas como espaos livres urbanos destinados ao lazer e ao convvio da populao, acessveis aos cidados e livres de veculos. importante observar que esse conceito foi elaborado tendo em vista as caractersticas das praas nas cidades contemporneas, embora no desconsidere o carter de sociabilidade que sempre esteve intrnseco s funes da praa. Assim, descarta-se a possibilidade de enquadrar como praas, canteiros centrais de avenidas, rotatrias, pequenos espaos gramados ou qualquer outro espao pblico que no oferea condies de lazer ou acessibilidade populao, fato corriqueiro entre muitos rgos pblicos municipais quando procuram, de maneira aleatria, ampliar o nmero dos seus espaos pblicos e de lazer perante a comunidade, considerando elementos meramente quantitativos.

    A praa, de acordo com Cas (2000, p. 56), sntese da cultura urbana de uma comunidade e se constitui num legado pleno de ensinamentos. Logo, exerce a insubstituvel funo de aglutinadora do encontro e da convivncia. Ainda, para este autor, a importncia de uma cidade, avaliada pela sua dimenso social e humana, proporcional aos atributos urbanos de suas praas e aos predicados arquitetnicos das edificaes que a delimitam. Como referenciais urbanos de algumas cidades e sociedades que remontam a perodos histricos, algumas praas guardam no seu bojo a magnitude de um tempo e de um povo. Observadas como monumentos consagrados, o arquiteto Paulo Cas faz referncias Praa San Marco, em Veneza, Praa Mayor, em Madri e Praa Vermelha, em Moscou. Da mesma forma, no Brasil, so referncias as praas da S, em So Paulo e, a dos Trs Poderes, em Braslia. As praas brasileiras surgiram no entorno das igrejas, constituindo os primeiros espaos livres pblicos urbanos. Assim, atraam as residncias mais luxuosas, os prdios pblicos mais importantes e o principal comrcio, alm de servir como local de convivncia da comunidade e como elo de ligao entre esta e a parquia.

    Conforme salienta Marx (1980, p. 50),

    Logradouro pblico por excelncia, a praa deve sua existncia, sobretudo, aos adros das nossas igrejas. Se tradicionalmente essa dvida vlida, mais recentemente a praa tem sido confundida com jardim. A praa como tal, para reunio de gente e para um sem-nmero de atividades diferentes, surgiu entre ns, de maneira marcante e tpica, diante de capelas ou igrejas, de conventos ou irmandades religiosas. Destacava, aqui e ali, na paisagem urbana estes estabelecimentos de prestgio social. Realava-lhes os edifcios; acolhia os seus freqentadores.

    Diferentemente do que ocorreu na Amrica espanhola, o crescimento das cidades brasileiras ocorreu de forma desordenada, desfavorecendo a implantao de espaos pblicos coletivos, como as praas. As cidades colonizadas pela Espanha, que se concentravam em reas de intensa minerao, cresceram de forma dispersa pelo continente. Atradas pela explorao das jazidas minerais,

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    essas cidades rigidamente hierarquizadas constituam centro de administrao da coroa. O plano regular das cidades da Amrica espanhola determinou o traado das ruas e praas em linhas retas. Assim, conforme assinala Scarlato (2001, p. 412),

    na praa central se estabeleciam os edifcios pblicos, a igreja e o quartel. A fixao das residncias nas quadras que se seguiam a essa praa era determinada pela posio social das pessoas. Os fidalgos, homens ilustres que recebiam da Coroa Espanhola o direito de explorao das minas, tinham lugares privilegiados no interior do plano fsico da cidade, onde as ruas cruzavam em ngulos retos, formavam grandes tabuleiros de xadrez.

    Ao contrrio do que ocorreu com as cidades colonizadas pela Coroa Espanhola, muitas cidades brasileiras surgiram e se desenvolveram desordenadamente. Esse crescimento espontneo e desalinhado constitua o plano dessas cidades que estavam localizadas tanto no litoral, no interior, ou ligadas minerao. Dessa forma, de acordo com SCARLATO (2001, p. 418),

    praas e ruas surgiam de forma muito desordenada. O alinhamento das ruas e casas resultava da iniciativa particular dos seus moradores. Esse fato revela mais uma vez a menor presena do Estado portugus em comparao com o espanhol. Aps sua fundao pela coroa ou pelos donatrios, as cidades cresciam espontaneamente, seguindo a orientao das condies fsicas do seu sitio. Ruas e praas adaptaram-se s irregularidades do relevo.

    importante salientar que, embora as cidades no Brasil tivessem origem a partir da construo da igreja e, conseqentemente, do adro, a sua expanso no obedecia a um traado regular, tanto devido disposio do stio urbano quanto falta de critrios da administrao. Assim, a criao de espaos pblicos, como as praas, ficava prejudicada, uma vez que as ruas constituam verdadeiros corredores desalinhados. Observa-se, portanto, que as praas, ao longo da histria urbana brasileira, desempenharam papis diferenciados na sociedade. Ora civicamente, ora militarmente, esses logradouros se destacavam nas cidades pelas funes que exerciam. Durante muito tempo, funes como essas deram o significado desses espaos pblicos, tidos como o smbolo do poderio estatal e religioso. Conforme destaca Marx (1980, p. 54), uma igreja, uma praa; regra geral nas nossas povoaes antigas. Apesar de raras, mas marcantes, as praas cvicas brasileiras surgiram em pequeno nmero e representam smbolos da histria poltica do pas. Sempre diante de edifcios pblicos, so logradouros que transcendem o uso e o significado local, interessando a todos ns (MARX, 1980, p. 50). Exemplos importantes no contexto das cidades brasileiras so a Praa Municipal de Salvador-BA, a Praa XV de Novembro no Rio de Janeiro-RJ e a Praa dos Trs Poderes em Braslia-DF; exatamente as trs cidades que se tornaram sede, em momentos distintos, do governo federal. A funo militar praticamente desapareceu das praas brasileiras. Atualmente, salvo algumas excees, essa funo foi transferida para grandes eixos de circulao, como as destacadas avenidas, principalmente das grandes

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    aglomeraes urbanas. Assim, no mbito estreito das cidades, os logradouros pblicos mais amplos eram essenciais para exerccios, manobras, desfiles ou aes de defesa (MARX, 1980, p. 54). As praas medievais foram classificadas por Paul Zucker (1959) em praas de mercado (destinadas s atividades comerciais), praas no portal da cidade (constituam reas de passagem e distribuio de trfego), praas como centro da cidade (implantadas em comunidades novas), adros de igrejas (destinadas s atividades religiosas) e praas agrupadas (composta por espaos de conexo entre praas de mercado e adros de igrejas) (ROBBA e MACEDO, 2002, p. 21-22). Nas praas coloniais brasileiras, ao contrrio das praas medievais europias, realizavam-se todas as atividades no mesmo espao, inclusive civis e militares. Nesse contexto, as praas eram denominadas de largo, terreiro e rossio e permitiam a interao dos vrios estratos da sociedade, servindo como palco de manifestaes de costumes e hbitos da sociedade colonial (ROBBA e MACEDO, 2002, p. 22). No fim da Idade Mdia e do Renascimento, a praa pblica constitua um ambiente de liberdade, franqueza e familiaridade. Era o ponto de convergncia de tudo que no era oficial, de certa forma gozava de um direito de extraterritorialidade no mundo da ordem e da ideologia oficiais, e o povo a tinha sempre a ltima palavra (SEGAWA, 1996, p. 33-34). Quanto aos hbitos, costumes e freqentadores da praa medieval, Rabelais (1532, 1534) apud Segawa (1996, p. 33-34), enfatiza que

    a vida na praa pblica era permeada pelo universo do riso, do escrnio, da festa, numa dinmica distinta da cultura religiosa aristocrtica: os gneros artsticos e burgueses da praa pblica esto freqentemente to estreitamente misturados, que por vezes difcil traar um limite preciso entre eles.

    Nesse perodo, as praas pblicas eram palcos de procisses solenes onde estavam presentes trabalhadores de todas as classes, artesos e negociantes. Toda a multido achava-se reunida e expressava, ostentando suas melhores roupas, o significado da cidade enquanto espao da coletividade, fruto do trabalho humano em toda a sua diversidade (FERRARA, 1993, p.206). Na Frana, a exaltao da realeza constitua uma caracterstica fundamental das praas do sculo XVII. De acordo com Segawa (1996, p. 37), as places royales tinham seus espaos apropriados pelas elites de Paris e estavam ligadas figura real, expressando glorificao a Luiz XIII, Luiz XIV e Luiz XV, sucessivamente, em diversas cidades da Frana, como Bordeaux e Rennes.

    Como exemplo, a praa parisiense de La Concorde foi construda em meados do sculo XVIII por intermdio de Luiz XV. Projetada pelo arquiteto Gabriel, entre 1755 e 1775, esta praa histrica, que tem a forma octogonal, foi palco de grandes acontecimentos como a execuo de Luiz XVI. Com o obelisco ao centro, presente do vice-rei do Egito a Charles X, suas esttuas e sua majestosa amplitude esta praa uma das mais belas de Paris. As colunas foram restauradas em 1995. H magnficas perspectivas da triunfal via em direo ao Arco do Triunfo e Dfense em direo ao Grande Louvre4. Sobre a Itlia e a Espanha, Segawa (1996, p. 32-33) argumenta que

    4 Informaes retiradas do site: http://www.parislumiere.com.br (Acesso em 2002).

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    as piazzas italianas abrigavam rituais de variada natureza, religiosos ou seculares; casamentos e funerais, execues, comemoraes, torneios, corridas, encenaes teatrais. Na Espanha, a Plaza mayor medieval situava-se deslocada do centro urbano, muitas vezes extramuros. (grifo nosso)

    Na Europa do sculo XIX, a imagem urbana transferida da praa pblica para as ruas, avenidas e bulevares. o impacto da metropolizao, de acordo com Ferrara (1993, p. 213), em cidades como Berlim e Paris. Isto significou a exposio recatada dos habitantes urbanos que ora se exibiam, ora se ocultavam. A multido transforma a praa pblica atravs da pujana de uma das maiores manifestaes culturais medievais europias: o carnaval. Conforme Ferrara (1993, p. 210-211), durante alguns dias o carnaval adentrava praa e proporcionava ao habitante urbano a quebra da rotina diria do trabalho. Com o carnaval,

    rompe-se a distino entre ricos e pobres, popular e erudito, particular e pblico, para criar um momento em que tudo ocorre ao ar livre, na praa ou na rua [...] cria-se uma imagem urbana franca e livre de restries de qualquer norma ou etiqueta, sua caracterstica sensorial a sonoridade que produz uma linguagem na qual a comunicao se faz aos brados e aos palavres. Nesse momento, a praa o espao livre e pblico que rompe a barreira da vida privada, das normas familiares, dos tabus morais e, sobretudo, da hierarquia social: uma festa, no somente popular, mas um espao de todos e para todos.

    No Brasil, da aurora do sculo XXI, especialmente nos pequenos ncleos urbanos, a imagem urbana permanece associada presena do espao pblico praa. Assim, ainda bastante comum associar o centro de uma cidade presena da principal praa, bem como da igreja catlica. Isso remete a considerar esses dois elementos como referenciais urbanos da rea central de uma cidade. Esse fato pode ser constatado em pequenos, mdios e grandes centros urbanos. Logo, a Praa da S, em So Paulo-SP, a Praa da Repblica, em Belm-PA, a Praa XV de Novembro, em Ribeiro Preto-SP e a Praa Nove de Julho, em Presidente Prudente-SP constituem referenciais urbanos dessas cidades de portes diferentes. A Praa da S, na cidade de So Paulo, importante logradouro pblico de reconhecimento nacional, manteve, ao longo do sculo XX, suas tradies, religiosa e comercial, bem como permaneceu como palco de manifestaes populares. Robba e Macedo (2002, p. 131), observam que

    O uso religioso ainda grande, embora no to intenso quanto no comeo do sculo (XX); o comrcio informal est centrado nas atividades de vendedores ambulantes e camels; e, atualmente, a praa ainda ponto de encontro da populao migrante, principalmente da comunidade nordestina, e palco de apresentaes culturais populares diversas.

    A Praa da Repblica, encravada na rea central de Belm-PA tomada de vegetao de grande porte, tpica da mata tropical. Esse logradouro, de forma

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    triangular, constitui um dos mais belos projetos de ajardinamento das cidades no Brasil do incio do sculo XX.

    Ao enfatizar o papel de centralidade urbana que as praas da matriz5 exercem, principalmente nas pequenas cidades interioranas, Marx (1980, p. 56) observa que

    as praas da Matriz ou da S, que realam o principal templo da localidade e que, em geral no interior de mais recente ocupao, constituem o mais importante plo urbano, o centro da vida mundana... Atraem, de fato, as mais ricas residncias, o melhor comrcio, as atividades de lazer nas aglomeraes menores ou mais conservadoras.

    Nos ltimos tempos, as praas pblicas perderam, principalmente nos grandes centros urbanos, a atratividade exercida para a populao, tendo em vista a disseminao de novos padres de consumo e lazer representados, sobretudo, pelos shopping centers, pela televiso e, mais recentemente pela internet. Nesse contexto, a substituio da praa como meio de informao da sociedade, pela televiso, conforme prognosticava o arquiteto francs Paul Virilio6, contrariada pelo arquiteto brasileiro Paulo Cas (2000, p. 63) quando afirma que a praa no se reduz a um local para troca de informaes. Sua existncia se deve, principalmente, ao poder de invocar o esprito gregrio arraigado no inconsciente do homem urbano.

    Ferrara (1993, p. 225) observa que a partir da segunda metade do sculo XX,

    a praa, a avenida, a multido, enquanto expresses pblicas da cidade, foram substitudas pelas verses urbanas ntimas, demarca-se claramente o espao individual separando-o do coletivo, e reivindica-se a demonstrao sgnica dessa viso em nome da propriedade, da segurana, da tranqilidade ntima e da livre expresso. Nessa nova imagem urbana colidem o pblico e o privado, prevalecendo o segundo sobre o primeiro, na medida em que, agora, os espaos coletivos urbanos praas, avenidas, ruas, galerias, lojas, pavilhes cedem lugar habitao como espao urbano da intimidade, espao vedado, seguramente protegido por portes, grades, muros, mltiplos signos de vedao, o mundo da solido, a casa como lugar onde nos escondemos.

    Diante das possibilidades de lazer oferecidas pelas novas tecnologias, e pela midiatizao em geral, sociedade contempornea, espaos pblicos como as praas se tornam pouco freqentados, uma vez que as grandes cidades capitalistas no garantem a segurana da populao e se estruturam pela divergncia entre o pblico e o privado. Deste modo, para que a praa atraia o homem moderno, seduzido pelo mundo da informao tecnolgica e por novas opes de lazer, ela precisa incorporar a musicalidade de antigos coretos e resgatar a alegria das festas ancestrais, reinterpretando-as com equipamentos de lazer ativo que reproduzam a mesma animao, intensidade e vibrao percebidas na televiso (CAS, 2000, p. 63).

    5 Refere-se aqui aos templos catlicos presentes no centro das pequenas cidades, denominados de igreja matriz.

    6 Citado por Cas (2000).

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    De fato, a praa perdeu, ao longo dos anos, seu poder de ser informativa, mas manteve seu poder aglutinador conforme destaca Cas (2000). Contudo, no se deve perder de vista, que a praa continua sendo, por excelncia, um importante espao livre e pblico, comum a toda a sociedade, podendo servir como local de lazer e rea verde pblica. Nessa perspectiva, a praa aparece como espao potencial de lazer para a populao de baixa renda. Foi o que constatou Ferreira (1999, p. 108), ao analisar o sentido da praa e da rua no Morro da Conceio, na cidade de Recife/PE. O autor ressalta a importncia da praa como local de sociabilidade da comunidade que a freqenta. Ainda, argumenta que a festa popular, comum quela localidade, traz a este espao pblico, o rigor dos rituais sagrados e o ldico da diverso.

    O depoimento de um morador da comunidade do Morro da Conceio, na capital pernambucana, no texto de Ferreira (1999, p. 114), reflete a importncia que a praa ainda representa no imaginrio social das pessoas:

    A praa essa rea que fica atrs da igreja...a gente precisou lutar muito por essa rea. A comunidade tem uma proposta de urbanizao no implementada por causa de um litgio com a igreja. Legalmente a rea logradouro pblico e o que falta a prefeitura tomar uma posio no sentido de urbanizar, de construir uma quadra com alambrado, como a vontade das pessoas. A comunidade discutiu que quer uma rea tanto pra prtica de esportes, como para outros fins de lazer. A gente luta por essa rea porque somos uma comunidade em que a maioria das pessoas so de baixa renda e que necessitam de lazer pras crianas, os adolescentes e at mesmo os adultos que utilizam a praa e que no tm um padro de vida que lhe d condies de ter lazer fora. Ento a praa fundamental nesse sentido de evitar a to j grande violncia, evitando que ela se propague aqui no bairro. l onde os jovens, as crianas, podem descarregar um pouco essa tenso urbana dessa vida, esse stress atravs do esporte e da brincadeira.

    O significado da praa para as comunidades de baixa renda, traduz-se, muitas vezes, em algo intrnseco prpria condio de existncia das pessoas enquanto cidados, pois necessitam de refgio do lar, de contato com a vizinhana, de lazer e de ar livre. E a praa , seno isso, local da convivncia e do lazer, enfim, do cotidiano urbano. Na concepo de Ferreira (1999, p. 112),

    os usos dado rua e praa do Morro da Conceio no guardam simples dimenses frias e funcionalizadas de passagem, circulao e no comunicao, a que esta foi submetida na cidade capitalista (...) Em outras palavras, a praa e a rua mantm-se como uma certa continuidade da casa, no obstante s injunes cotidianas da normatizao, das coaes e separaes impostas pela sociedade moderna.

    Ferrara (1993, p. 225) observa que os espaos da coletividade cederam lugar aos espaos da vida privada, que culminaram no gradativo esvaziamento de praas e largos, em funo das novas circunstncias impostas pela sociedade. Dessa forma, para a autora,

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    a imagem urbana apoiada nos cones da vida privada acaba por desintegrar aquela outra imagem que valorizava os espaos coletivos, a rua, a praa, o largo, a avenida, o uso da cidade se transforma em rotina organizada pela pressa que automatiza e unifica todos os lugares, perde-se os pontos de referncia, as marcas urbanas, os pontos de encontro.

    Nos grandes centros, so encontradas, com facilidade, praas deterioradas e pouco freqentadas devido diversidade de problemas que envolvem tais espaos. Isso constitui para os planejadores, uma importante questo no que se refere qualidade da paisagem urbana e valorizao dos espaos pblicos. Alm de algumas funes desempenhadas pelas praas e dos aspectos gerais da sua insero nas cidades, tratados acima, outra caracterstica de fundamental relevncia para compreender a evoluo dos espaos pblicos nas cidades brasileiras, relacionada s grandes mudanas nos padres arquitetnicos e paisagsticos vigentes na Europa. No contexto, o incremento da vegetao no espao urbano e o ajardinamento dos espaos pblicos so tratados, a seguir, tendo em vista a grande transformao ocorrida nas praas com a presena desse novo atributo.

    O AJARDINAMENTO DAS PRAAS E O INCREMENTO DE REAS VERDES NO ESPAO URBANO BRASILEIRO

    Antes mesmo de expor alguns pontos importantes no que concerne incorporao da vegetao ao espao urbano brasileiro e tambm europeu e americano, de alguma forma, convm citar Spirn (1995, p. 45) que, de forma objetiva, resgata, resumidamente, algumas informaes quanto necessidade de busca milenar que o homem urbano sempre sentiu em relao natureza:

    Por mais insensveis que possam ter sido aos processos da natureza, os habitantes da cidade tm cultivado elementos naturais isolados, procurando incorpor-los ao seu ambiente fsico. Essa busca da natureza tem sido evidenciada, atravs de milnios, em jardins, parques e alamedas, subrbios e propostas utpicas de cidades-jardins. No sculo VII a.C., Senaqueribe construiu um parque para os cidados de Nnive; no sculo XIX, as cidades reservaram grandes pores de bosques e prados para a educao, sade e recreao de seus habitantes. Filsofos da antiga Atenas reuniam seus discpulos em jardins arborizados; os habitantes das cidades do sculo XVII passeavam por alamedas margeadas de rvores. Moradores das cidades medievais europias cuidavam de numerosos jardins dentro dos muros das cidades, da mesma forma que os jardineiros urbanos cultivam atualmente pequenos canteiros em coberturas, terraos e terrenos baldios.

    Dessa forma, nota-se, que a natureza7 sempre esteve atrelada ao homem, mesmo no espao urbano em seus primrdios; o que nos leva a concluir que, em

    7 Discusses filosficas sobre a idia de natureza, consultar: LENOBLE, R. Histria da idia de natureza. Lisboa:

    Edies 70; THOMAS, K. O homem e o mundo natural: mudanas de atitude em relao s plantas e aos animais (1500-1800), traduo de Joo Roberto Martins Filho. So Paulo: Cia das Letras, 1988.

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    certos perodos a aproximao ou o distanciamento entre ambos, se deu em funo de contextos histricos diferenciados. No Brasil, o crescimento das cidades e as conseqncias oriundas da falta de planejamento urbano, contriburam para despertar a ateno de planejadores e da populao no sentido de se perceber a vegetao como componente necessrio ao espao urbano. Dessa forma, mais expressivamente, a arborizao passou a ser vista, nas cidades, como importante elemento natural, mesmo artificializado, atuando como reestruturador do espao urbano, devido aos diversos benefcios que apresenta.

    Durante muito tempo e, praticamente, at o sculo XIX, a vegetao nas cidades brasileiras no era considerada relevante, visto que, a cidade aparecia como uma expresso oposta ao rural. Havia, portanto, uma valorizao do espao urbano construdo, afastado completamente da imagem rural que compreendia os elementos da natureza. Nesse perodo, os espaos urbanos no eram densamente ocupados, nem apresentavam de maneira gritante os problemas sociais e ambientais que atualmente se fazem presente no seu interior. Nesse contexto, as reas com predominncia de vegetao, como as praas ajardinadas, surgem ainda no sculo XVIII e alcanam nmeros mais expressivos no decorrer do sculo XIX.

    Da mesma forma que na Europa do sculo XVIII, os jardins, no Brasil colonial, estavam circunscritos a espaos fechados e privados. Enquanto nas cidades europias apareciam associados a palcios, mosteiros e conventos; no Brasil, os primeiros jardins encontravam-se em propriedades religiosas ou quintais residenciais. Nesse perodo, existiam tambm hortos e jardins botnicos, mas com finalidade de pesquisa da flora nativa brasileira, embora esses jardins tivessem tambm espcies exticas oriundas de diversos pases do mundo.

    A partir do final do sculo XVIII e incio do sculo XIX surgem os primeiros espaos ajardinados de uso coletivo nas cidades brasileiras. Posteriormente, por volta da dcada de 1910, perodo em que o pas apresentava elevado crescimento econmico, com as exportaes da borracha e do caf, proliferaram-se, muito mais intensamente, os jardins residenciais, fruto tambm de novas concepes arquitetnicas. Nesse momento, houve mudanas significativas na estruturao do espao urbano brasileiro: a populao cria o hbito da jardinagem, os jardins botnicos so abertos para visitao pblica, as ruas passam a ser arborizadas e as praas comeam a ser ajardinadas. Como enfatiza Robba e Macedo (2002, p. 26), o sucesso do processo de ajardinamento da cidade enorme, e algumas das praas coloniais mais antigas e tradicionais recebem vegetao e tratamento de jardim, perdendo algumas das suas peculiaridades como largo, ptio e terreiro. De acordo com Marx (1980, p. 67), no sculo XIX e no incio do sculo XX, com o pas independente e enriquecido com a cultura cafeeira, apareceram jardins, parques e praas ajardinadas em maior nmero e muito bem conservados, especialmente no Estado de So Paulo. Essa nova concepo de paisagem urbana representou o trato ou o desejo de algo at ento desconhecido nas cidades brasileiras: a prtica do paisagismo e, conseqentemente, a introduo da arborizao nos espaos pblicos.

    Bem depois da criao dos primeiros jardins pblicos, e coincidindo com a sua difuso pelas povoaes de porte menor e interioranas, comearam os cuidados em arborizar e em ajardinar os logradouros existentes ou os que iam surgindo. As ruas mais importantes e, especialmente, as praas foram enfeitadas com rvores e canteiros de plantas ornamentais. E o sucesso dessa transformao foi tal, que

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    logo se perdeu a noo das peculiaridades diferentes de uma praa e de um jardim.

    No Brasil, por volta de 1850, algumas cidades j se destacavam pela quantidade expressiva do verde no seu interior, como o caso de Teresina-PI, que apresentava densa arborizao, e Aracaju-SE - primeira cidade planejada do pas -, coberta por uma vegetao com predominncia de coqueiros (MEDEIROS, 1975). Todavia, essa vegetao ainda era nativa e no havia sido planejada. Projetos urbansticos preocupados com a incorporao da vegetao no espao urbano surgem adiante, como foram os casos de Belo Horizonte-MG e Goinia-GO. Embora os primeiros jardins pblicos voltados para o lazer e integrados como elementos da paisagem urbana brasileira surjam ainda em fins do sculo XVIII, coincidindo com a chegada da famlia real ao Brasil, vicejaram, em nmeros muito mais expressivos, os jardins privados, especialmente nos grandes centros urbanos do pas, como o Rio de Janeiro. Nesse contexto, aliou-se espcies nativas e exticas na jardinagem de ruas e casas, servindo tanto para enriquecer a paisagem urbana quanto para o conhecimento e valorizao da flora brasileira. Nesse mesmo perodo, eclodiu nas cidades americanas, um grande nmero de espcies vegetais importadas da Europa, que passaram a embelezar principalmente os jardins botnicos que surgiam nessas cidades. Spirn (1995, p. 42) ressalta que, em Boston, as primeiras espcies exticas, foram plantadas em 1728, em uma alameda, com a finalidade de sombreamento. Da mesma forma que nas antigas cidades europias, os primeiros jardins pblicos brasileiros instalaram-se nas bordas das cidades e em terras em condies topogrficas que desfavoreciam o arruamento ou as construes. Da mesma forma, surgem as reas verdes urbanas no Brasil, ainda pouco planejadas. Exemplos desses tipos de jardins apareceram em cidades como Rio de Janeiro, Belm, Olinda, Ouro Preto e So Paulo (MARX, 1980). Apesar de concomitante criao de jardins pblicos no continente americano, a Europa viu eclodir passeios pblicos e jardins botnicos em inmeras cidades como Londres, Viena, Madri (1745), Lisboa (1764), Milo (1782) e Paris. Na Amrica, entre os muitos casos, pode-se citar as cidades do Mxico, Filadlfia, Santiago, Havana, Caracas, Belm, Rio de Janeiro e Salvador. Embora criados em momentos distintos, esses jardins botnicos refletiam o interesse e a busca do reconhecimento da exuberante natureza americana (SEGAWA, 1996, p. 215). O Passeio Pblico do Rio de Janeiro foi, sem dvida, o primeiro jardim pblico do Brasil, criado no final do sculo XVIII. Assim como ocorreu posteriormente em outras cidades como Curitiba, Belm, Porto Alegre e So Paulo, o passeio pblico carioca surgiu da iniciativa de ocupar reas desprivilegiadas morfologicamente no espao urbano, como os terrenos alagadios, reas de vrzeas e baixadas. Essas reas eram aterradas e urbanizadas, a fim de se transformarem em jardins de recreao. Na tentativa de sistematizar alguns exemplos, Segawa (1996, p. 217), assinala que

    O Conde dos Arcos, na Belm do incio dos oitocentos, adquiriu terrenos devolutos em baixadas (no alagadio da Jussara) que, drenados, tornaram-se rea de recreao e de um pequeno horto botnico. Curitiba, mais para o final desse sculo, teve as margens inundadas do rio Belm tratadas para fazer desaparecer um enorme pntano que era o justo terror da populao, que via nele o foco e

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    origem de inmeras enfermidades malignas, para a criar o seu passeio pblico. O Campo de Santana no Rio de Janeiro foi drenado para permitir a confluncia de atividades religiosas, civis, militares e o cotidiano banal. O Campo da Redeno em Porto Alegre era uma grande vrzea, utilizada como potreiro e campo de manobras militares em pocas secas, e, em meados do sculo 19, local proposto para a criao de um jardim botnico e passeio pblico. (grifo nosso)

    Em So Paulo, a criao do jardim botnico e do Parque D. Pedro II constituem outros exemplos de estratgia de ocupao de baixadas. E ainda, dcadas depois, j nos anos 1950, o parque do Ibirapuera nascia tambm sobre terrenos de pouca qualidade (SEGAWA, 1996, p. 218). Constata-se, portanto, que a insero da arborizao, de forma planejada, ou intencional, nas cidades brasileiras concomitante evoluo das funes das praas. Estas, que eram constitudas de imensos espaos, totalmente abertos, sem a presena de vegetao, servindo exclusivamente como locais de reunio de pessoas, passam agora a ser incrementadas na cidade como um jardim. Mais agradveis, esttica e funcionalmente, as praas-jardim constituem um marco fundamental da incrementao e valorizao da jardinagem na cidade, principalmente em locais pblicos. O modelo de praa ajardinada se difundiu rapidamente como padro de qualidade dos espaos livres pblicos. O novo modelo de cidade pregava um tratamento paisagstico em que a cidade aparecesse bela, higinica e sedutora. Para tanto, algumas reformas urbanas foram implementadas, favorecendo s elites.

    O novo processo de produo de projetos para praas, de acordo com Robba e Macedo (2002, p. 30),

    estava diretamente ligado a questes econmicas e polticas: apenas as praas mais importantes ou de localizao mais nobre receberam projetos ou foram reformadas, ao passo que nos bairros mais pobres ou distantes ainda eram tratadas como largos e terreiros, sem projeto ou qualquer cuidado urbanstico.

    Com a nova tipologia urbana de praa ajardinada, alteram-se profundamente as funes da praa na cidade: o mercado transferido para edifcios comerciais e as atividades militares para as avenidas. A praa-jardim deixa de ser como eram, no perodo colonial, o largo, o terreiro e o adro da igreja o palco da vida mundana e religiosa, civil e militar da cidade. Nesse momento, como belo cenrio ajardinado, volta-se ao lazer contemplativo, convivncia da populao e ao passeio (ROBBA e MACEDO, 2002, p. 29). A transferncia da populao pobre do centro das cidades para a periferia foi um outro marco desse processo de remodelao das cidades, tanto no Brasil quanto na Europa. Em Paris, imveis foram demolidos e a populao mais carente desalojada para dar lugar s avenidas arborizadas e boulevards. No Rio de Janeiro, quando da abertura da Avenida Central, ocorreu o mesmo processo parisiense (ROBBA e MACEDO, 2002). Era a noo de salubridade urbana, introduzida pela cultura cientfica oitocentista, que atribuiu vegetao, uma funo alm do sentido pitoresco ou romntico que a arte impusera sobre a paisagem natural (SEGAWA, 1996).

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    Como afirma Robba e Macedo (2002, p. 29), a praa ajardinada foi palco para o desfile das elites exportadoras brasileiras na virada do sculo XIX para o sculo XX. Assim, as atividades festivas se restringiram cada vez mais e passaram a ser enclausuradas na vida particular, pois o jardim pblico passou a constituir, a partir do sculo XVII na Europa, e mais adiante no Brasil, a grande passarela dessas transformaes (SEGAWA, 1996, p. 48). Para Segawa (1996, p. 49), da concentrao complexa e catica da praa, buscou-se a concentrao organizada e elegante do jardim[...]. Talvez o jardim como antdoto moderno praa medieval. O jardim como anttese da praa. Nota-se, no caso da Europa e tambm do Brasil, que, de lugar das festividades, da espontaneidade, do riso e da liberdade, a praa agora jardim passa a ser o lugar do silncio, da ordem e da observao. Em sntese, assim possvel resumir o comportamento social e o cotidiano nos jardins pblicos:

    Reunir-se: fazer-se pblico de sua presena, exibir pompa, ver homens e mulheres bem-vestidos e bonitos, contar e ouvir as novidades, assistir a apresentaes musicais, mostrar filhas na busca de maridos, homens finos admirando e fazendo a corte s cortess. Os jogos sociais e sexuais com a tcita concordncia entre seus praticantes [...], tinha um palco magnfico nos jardins pblicos (SEGAWA, 1996, p. 46).

    Nesse contexto, necessrio ressaltar que a roupa constitua um smbolo de hierarquia social, uma vez que os trajes da moda eram tidos como um consumo luxuoso e de prestgio restrito s classes nobres da sociedade. Assim, mesmo as classes em ascenso, constituam estratos distintos no seio dessa sociedade, tendo em vista a diferenciao advinda de estratgias de distino e rivalidades das classes mais abastadas (nobreza). Ainda, possvel constatar, atravs do trecho a seguir, que outros grupos sociais adentravam o jardim pblico, embora mais sutilmente, mostrando o seu carter interclasses:

    Nos jardins, encontravam-se tambm os desgraados, os sem emprego, os mendigos. O mendigo o cisco da cidade. A sua funo, com o embotamento das foras vivas da resistncia, vegetarizar-se. Os mendigos nos jardins chegam ao fim da desagregao. Os desgraados, os sem-emprego, apiam-se na ecloso da natureza para criar nimo, para beber esperanas, e, como os doentes do corpo vo ao campo convalescer, h homens sujos e plidos nos jardins, sem almoo, sem po, sem protetores, que pedem s rvores a cura da prpria sorte (SEGAWA, 1996, p. 227).

    Os recintos ajardinados de Belm, assim como os do Rio de Janeiro, estavam entre os mais exuberantes do Brasil. Porm, apesar de todo o empenho das administraes municipais, em dotar esses espaos de infra-estrutura e vegetao exuberante, parece que pouco se impediu o crescente esvaziamento dos mesmos. Segawa (1996, p. 212) chama ateno para o fato do esvaziamento dos espaos pblicos ajardinados em cidades brasileiras oitocentistas, especialmente Belm, talvez pelo saturamento do cotidiano tropical, que impregnava as cidades da exuberncia da vegetao rica e viridente. Assim, muitas benfeitorias, como as

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    realizadas em Belm, figuraram (e figuram) como testemunhas silenciosas desses episdios esquecidos. Por outro lado, Segawa (1996, p. 223) afirma que, no caso dos jardins botnicos, o seu afastamento dos centros urbanos era um empecilho para que a populao os freqentasse. Em sntese, afirma que os brasileiros, ao vivenciarem cotidianamente a natureza local, indiferentes sua prpria paisagem, sua prpria exuberncia, acabam por banaliz-la. Se a prpria exuberncia da natureza tropical foi responsvel, em certo perodo de tempo e sob certas condies, pelo esvaziamento de espaos pblicos ajardinados; mais tarde, com o processo de urbanizao brasileira, essa mesma natureza adquire outro significado no espao urbano que surge: o reconhecimento de todas as suas funes que passa a justificar, ainda mais intensamente, a sua insero no interior das cidades.

    de fcil constatao o apelo ambiental vivenciado principalmente a partir das ltimas dcadas do sculo XX. A promessa, ou constatao, da elevao do padro de qualidade de vida humana devido a uma maior oferta de espaos arborizados e tratados paisagisticamente levou os agentes imobilirios a oferecerem para os estratos mdio e alto da sociedade, em ritmo cada vez mais acentuado, condomnios e loteamentos dotados de reas verdes, reas de lazer e espaos ajardinados. Algumas vezes, podem ser observados tambm, empreendimentos com caractersticas dessa natureza destinados s classes populares, porm, com intervenes paisagsticas qualitativamente inferiores. Nesses casos, os agentes imobilirios entram com a promessa e o poder pblico com a incumbncia da execuo, o que acaba muitas vezes por no ocorrer.8 Rodrigues (1998, p. 107-110) analisa a produo do espao urbano a partir da nfase na problemtica ambiental. Afirma, que

    O meio ambiente natural tem sido (re)incorporado como demonstrativo de qualidade de vida que pode ser comprada como o: ar puro e/ou a possibilidade de morar prximo ao verde, ao sossego, etc. dos loteamentos modernos ou ao lazer dos parques pblicos ou de prdios inteligentes. tambm incorporado pela medida de quantidade de verde disponvel por habitante...O meio ambiente urbano mostra, com toda clareza, a diversidade da riqueza e da pobreza, da produo e (re)produo de objetos, de cultura, de vida quotidiana enfim; ao mesmo tempo que oculta a natureza fsica e biolgica.

    De qualquer forma, no jogo da especulao imobiliria, cujo Estado um dos principais agentes atuantes, uma praa, paisagisticamente tratada e qualitativamente dotada de equipamentos urbanos necessrios realizao da recreao, pode perfeitamente tornar mais valorizado o seu entorno devido s vantagens que apresenta em termos sociais e ambientais. No resta dvida que uma praa bem cuidada no seja prefervel nas imediaes da residncia de um cidado qualquer. Se estiver localizada em um bairro popular desempenhar, na maioria das vezes, o papel de espao de convivncia e descanso de seus moradores; ao contrrio, se localizada em meio aos grupos de rendas mdia e alta,

    8 Sobre os agentes sociais que produzem o espao urbano, consultar Roberto Lobato Corra (O Espao Urbano, So

    Paulo: tica, 1979).

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    provavelmente no passar de um jardim, cuja funo esttica ser a mais relevante. Na perspectiva abordada, os espaos livres urbanos praas, parques, reas de lazer, espaos ajardinados, etc. ou espaos verdes, como alguns preferem chamar, tornam-se elementos importantes na trama urbana devido, principalmente, s funes ambientais que a vegetao disposta nesses locais pode oferecer s cidades.

    REFLETIR A PRAA NO SCULO XXI: CONTRIBUIO AO PLANEJAMENTO E GESTO DOS ESPAOS PBLICOS

    A urbanizao do sculo XX se processou de forma rpida e desmensurada em diversos pases, especialmente no Brasil. A transferncia da populao rural para as cidades ocorreu sem respaldo do poder pblico, que no se encarregou de reestruturar o espao urbano brasileiro para essa nova fase da sociedade e da economia do pas. Como consequncia, inmeros foram os problemas que surgiram e/ou se acentuaram no interior das cidades, como falta de moradias e moradias precrias, ausncia de redes de esgotos e gua potvel, ocupao de reas de mananciais e de reservas naturais, alastramento das reas impermeveis, reduo da cobertura vegetal, ocupao de reas pblicas, carncias de opes de lazer, entre outros. Neste cenrio urbano herdado, palco de inmeras contradies, tanto sociais quanto ambientais, o lazer se torna elemento vital para o homem, visto que, contribui para a melhoria da qualidade de vida. Por isso, o planejamento urbano deve privilegiar espaos pblicos de fcil acessibilidade com o intuito de favorecer todas as camadas sociais, dotando-os de equipamentos necessrios ao desempenho de suas funes, quer sejam, de lazer.

    A estrutura centro x periferia, em relao espacializao das praas pblicas, que se perpetua nas cidades brasileiras, no deve ser encarada pelo planejamento urbano como uma etapa progressiva que se desenvolve de maneira centrfuga, de forma a vir alcanar os bairros dos arrabaldes pobres, em um futuro no definido. Ao contrrio, o planejamento e a gesto dos espaos livres pblicos podem ocorrer centripetamente e, mais ainda, simultaneamente e igualitariamente por toda a cidade, privilegiando o uso e tambm a esttica, julgada quase sempre fundamental para a centralidade urbana e bairros circunvizinhos.

    s secretarias municipais de meio ambiente e planejamento urbano cabe a funo de distribuir regularmente as praas ao longo da malha urbana, sem a preocupao de beneficiar as camadas da populao de maior poder aquisitivo, renegando as camadas populares. Dotar os espaos pblicos de lazer de equipamentos de infra-estrutura urbana e cobertura arbrea suficiente para garantir o conforto trmico da populao que utiliza tal espao tarefa essencial, visto que constituem elementos fundamentais de uma praa.

    H de se considerar que cada praa de uma cidade guarda singularidades histrico-culturais para a populao que a freqenta. Nesse processo, criam-se identidades entre o usurio e o espao pblico que iro desencadear no efetivo uso desse espao por aquela populao. Dessa forma, em qualquer interveno feita nos equipamentos pblicos, cujo uso seja da populao em geral, importante que se consulte os moradores da localidade. Assim, garantir-se- um maior sucesso do

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    empreendimento e, consequentemente, ter-se- a certeza de seu bom uso e funcionamento, principalmente quando se trata de algo que faz parte do cotidiano das pessoas, especialmente aquelas que pertencem aos estratos menos favorecidos da sociedade, que enxergam na praa, o refgio da rotina ou at mesmo o prolongamento de suas casas. No contexto abordado, a problemtica tem respaldo em estudo da Universidade Federal de Pernambuco9, que contribuiu para demonstrar que a padronizao de praas no Recife responsvel pela banalizao da paisagem, pois o uso repetitivo do mesmo tipo de cerca, banco, luminria, cores e floreiras pe em risco a conservao e sustentabilidade das praas. Uma vez que a populao no se identifica mais com o lugar, gradativamente deixa de freqent-lo e isso leva deteriorao do espao pblico. Em suma, o estudo realizado em doze praas da capital pernambucana constatou que cada uma delas tem uso diferenciado e origem distinta. Por isso, o planejador deve considerar, principalmente, o aspecto cultural que cada praa representa, para ento efetuar suas intervenes. A praa pblica, como local da convivncia em comunidade e do cotidiano urbano, precisa ser priorizada na cidade para que assuma no somente o seu papel de rea de lazer, mas, sobretudo, de rea verde, contribuindo dessa forma como um aparelho importantssimo na regulao do clima urbano. Nesse sentido, a presena da vegetao, principalmente atravs da arborizao em espaos pblicos, como as praas, os tornam mais atraentes e mais adequados realizao do lazer, especialmente nos horrios diurnos, possibilitando a valorizao da paisagem urbana, enriquecida substancialmente pela esttica dos espaos livres pblicos. Aliar capacitao tcnica e recursos tecnolgicos eficientes tarefa fundamental para a melhor gesto do espao urbano, que passa a acumular, cada vez mais, uma diversidade de informaes referentes aos diversos setores que o compe.

    Infere-se que o geoprocessamento constitui um instrumento importante para o mapeamento e monitoramento dos diversos espaos pblicos urbanos de lazer, como as praas, podendo ser utilizado pelo poder pblico de cidades de todos os portes, especialmente as de mdio e grande, por acumularem um maior nmero de dados. A um Sistema de Informaes Geogrficas, como o Arc View, podem ser associadas as informaes que forem mais convenientes para a formao do banco de dados do usurio. As fotografias que podem ser associadas a cada uma das praas, bem como os dados disponveis, podem ser atualizados constantemente. Enfim, diversas outras opes esse SIG oferece aos usurios, resultando em uma gama de possibilidades de tratar a informao geogrfica, especialmente quelas referentes ao espao urbano.

    A falta de instrumentos tecnolgicos atualizados e pessoal capacitado para a gesto dos espaos pblicos, compromete o desempenho das equipes do poder pblico, em muitas cidades, atuante nos diversos rgos que, desarticuladamente, colaboram para criar e recriar os espaos pblicos urbanos.

    H de se enfatizar que as administraes locais no devem padecer de uma viso mais ampla da questo ambiental, que contemple tanto a diversidade de profissionais que refletem sobre o espao urbano, quanto a articulao dos rgos de meio ambiente com outros setores da mquina pblica, ligados educao, cultura e ao esporte. Importantes, tambm, so as parcerias que podem ser feitas

    9 Jornal do Comrcio, Recife/PE, (07/01/2001).

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    entre as esferas pblica e privada, desde que, no se perca de vista, a verdadeira dimenso do bem pblico, a exemplo dos espaos livres.

    Uma funo que algumas praas desempenham atualmente a de servir como local para caminhadas matinais e nos finais de tarde, principalmente para a populao adulta e idosa. Para responder procura, interessante que as praas, especificamente as que comportam esse tipo de atividade, sejam dotadas de caladas perimetrais, que permitam a caminhada ou o ato de correr. Essa est sendo uma nova tendncia que as praas assumem, por mais uma vez estarem mais prximas da populao do que os parques. Dessa forma, esse constitui mais um argumento que permite reafirmar a praa enquanto espao potencial para a melhoria da qualidade de vida urbana.

    CONSIDERAES FINAIS

    Observa-se, de maneira geral, ao longo da evoluo dos espaos livres pblicos nas cidades brasileiras, a permanncia de algumas de suas funes, como o convvio social, o desaparecimento de outras, como o uso religioso e militar, e o surgimento de outras novas funes como o lazer esportivo e cultural e a contemplao (com o ajardinamento das praas). Tais fatos evidenciam as mudanas ocorridas quanto forma de utilizao dos espaos pblicos brasileiros em face aos diferentes perodos da histria urbana do pas, pois em cada momento, tais espaos assumem significados diferenciados, uma vez que atendem s necessidades da sociedade em curso. Em cada cidade, o histrico de suas praas testemunha tais transformaes. Esses espaos, em nvel local, revelam a dinmica de suas funes e sua representatividade para a populao, tendo em vista, as mudanas e permanncias que se sucederam ao longo do tempo.

    Na tentativa de um exerccio imaginrio, a cidade pode ser pensada como uma imensa casa, onde suas salas corresponderiam s praas. As pessoas buscam as praas para se entreterem, assim como sentam sala para ver televiso. Desta vez, no a televiso que est sendo observada, mas a fluidez das pessoas. So jovens, crianas, adultos e idosos que buscam, cada qual, sua forma de se divertir e as pessoas preferidas para conversar e rir. A praa pode ser tambm o lugar do mendigo e do pipoqueiro, pois esse deve ser o lugar da coletividade, no da individualidade; da agregao, no da segregao; da multido, no da elitizao ou pauperizao. Enfim, a praa o lugar de todos. o ponto de encontro onde a gratuidade prevalece, ao mesmo tempo em que todos se sentem donos desse espao. preciso que as pessoas no deixem de ir praa, pois se o distanciamento da comunidade prevalecer, acarretar no seu definitivo esvaziamento. E as praas no sero mais o lugar da gratuidade, espontaneidade e sociabilidade. Sero como as salas de cinema, onde se paga para entrar e no convidativo papear, transitar e, muitas vezes, ser espontneo. Sero o lugar do silncio e da melancolia. Sero o lugar onde comportar muitas pessoas, mas permanecer sempre vazio.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    Recebido em janeiro de 2007. Aprovado em fevereiro de 2008.