Texto 4. Rede de Psicanálise e Saúde. História de Uma Intervenção Psicanalítica Em Serviços...

21

description

livro sobre saude

Transcript of Texto 4. Rede de Psicanálise e Saúde. História de Uma Intervenção Psicanalítica Em Serviços...

  • Infothcs Informao c Tcsauro

    R139 Ramirez, Helosa Hel e na Arago e, Org.; A.ssadi, Tatiana Carvalho, Org.; Dunker,

    Christian Ingo Lenz, Org.

    A pele como l itoral: fenmeno psicossomtico e psicanlise./ Organi zao de Helosa

    Helena Arago e Ramirez, Tatiana Carvalho Assa di e Christian Ingo Lenz Dunker. - So

    Paulo: Annablume , 20 I!.(Coleo Ato Psicanaltico)

    270 p. ; 16 x 23 em.

    Rede de Pesquisa e Clnica em PsicoSJomtca . Projeto "Aspectos psicolgz'cos do paciente

    com vtiligo e psorase"

    ISBN 978-85-391-0219-8

    !.Psicologia Clnica . 2. Corpo. 2. Est tica Corporal. 3. Marca Corporal. 4. Al te rao

    Corporal. 5. Dermatologia. 6. Psicanlise. L Ttulo . I!. Ramirez, Helosa Helena Arago

    e, Organizadora. Ill. A.ssadi, Tatiana Carvalho, Organizadora. IV. Dunker, Christian lngo

    Lens, Organizador.

    CDU 159.9

    CDD 150.13

    Cataloga o elaborada por Wanda Lucia Schmidt - CRB-8-1922

    A PELE COMO LITORAL: FENMENO PSICOSSOMTICO E PSICANLISE

    Coordenao de produo: Ivan Antunes

    Produo: Rai Lopes - Paginao

    Reviso: Anna Turriani

    Capa: Carlos Clmen

    Finalizao: Vinfcius Viana

    CONSELHO EDITORIAL

    Eduardo Pefiuela Cafiizal

    Norval Baitello Junior Maria Odila Leite da Silva Dias

    Celia Maria Marinho de Azevedo

    Gustavo Bernardo Krause

    Maria de Lourd es Sekeff (in memoriam)

    Pedro Roberto Jacobi

    Lucrcia D'Alssio Ferrara

    I a edio: maro de 20 11

    Helosa Helena Arago e Ram.irez , Tatiana Carvalho Assad i e

    Christian Ingo Lenz Dunker

    ANNABLUME editora . comunicao

    Rua M.M.D.C., 217. Butant

    05510-021. So Paulo. SP. Brasil

    Te!. e Fax. (011) 3812-6764- Televendas 3031-1754

    www.annablume .com .br

  • F

    INTRODUO

    HISTRIA DE UMA INTERVENO

    PSICANALTICA EM SERVIOS DE

    DERMATOLOGIA DE SO PAULO

    HELOSA HELENA ARAGO E RAMIREZ, CHRISTIAN

    INGO LENZ DUNKER, DANIELE SANCHES, LOLA

    ANDRADE, RODRIGO PACHECO, STELLA

    FERRARETTO, TATIANA CARVALHO ASSADI\ ELIANA

    MACHADO FIGUEIREDO, SANDRA TOLENTINO E

    VANESSA MURACA

    INCIO DE UMA EXPERI NCIA

    REUD, EM SUA CONFERNCIA LINHAS DE PROGRESSO NA TERAPIA

    psicanaltica (1919), fez algumas consideraes a respeito de uma possvel extenso da psicanlise queles que no podiam

    dela se beneficiar. Disse que chegaria um tempo em que atravs

    de um "tipo de organizao" a psicanlise poderia oferecer

    tratamento gratuito a uma considervel massa da populao.

    Diante disso o psicanalista se defrontaria "com a tarefa de adaptar

    a nossa tcnica s novas condies" (Ibid., p. 21O).

    Apesar dos limites que as instituies nos impem,

    principalmente no que se refere s questes de tempo, espao e

    pagamento, sempre possvel estabelecer um trabalho de escuta

    psicanaltica, com outro "tipo de organizao", como Freud j

    1. Os co-autores deste texto, Eliana Machado Fibrueiredo, Sandra Tolentino e Vanessa Muraca, participaram

    especificamente da discusso e do contexto da Rede em Mogi das Cruzes, sob a coordenao de Tatiana

    Carvalho Assadi e Helosa Ramirez .

  • previra em seu tempo, mas com a mesma possibilidade de

    subjetivao.

    Assim tomando como desafio uma clnica que provoca at

    mesmo o saber mdico colocando-o numa situao absolu-

    tamente peculiar ante sua especificidade- tal como acontece na

    psicanlise - foi que resolvemos pesquisar e refletir sobre a

    experincia da clnica no atendimento ao paciente com afeces

    dermatolgicas, tidas como "doenas psicossomticas". Nossa

    experincia se inicia no mbito informal de conversas com

    dermatologistas no qual aparece uma narrativa do seguinte tipo:

    Nossos pacientes no melhoram tanto quanto poderiam, pois

    no se dedicam ao tratamento. Esta falta de '1fora de vontade"

    para aderir ao tratamento se complica ainda mais porque as

    doenas na pele facihnente geram vergonha, discriminao e

    preconceitos, tanto do prprio paciente com relao a si,

    quanto dos outros. Alm disso, as pioras e melhoras que

    encontramos nestas doenas parecem ter alguma relao com

    'aspectos psicolgicos'. Eles se deprimem, reduzem sua auto-

    estima, brigam conosco porque no melhoram, procuram

    tratamentos mgicos, bebem demais, no seguem reco-

    mendaes simples sobre uso dos medicamentos .Alm disso,

    tais pacientes tm um jeito estranho: s vezes eles falam muito

    de si, contam suas histrias, se ligam aos dermatologistas, mas

    quando dizemos 'que tal procurar w;n psiclogo?', a resposta

    quase sempre um prolongamento das dificuldades que j

    encontramos na esfera do tratamento mdico. Qualquer um

    percebe, quando comea a levantar o histrico da psorase ou

    do vitiligo, naquele paciente, que ele deveria ir a um psiclogo ,

    mas por outro lado, no sabemos dizer exatamente nem por

    que e nem para que ele deve faz-lo.

    Neste relato encontramos questionamentos clnicos diferentes

    e combinados. H o problema claro e distinto de "aderncia ao

    tratamento". Problema, alis, que no foi indiferente ao incio

    da psicanlise. Foi perguntando por que algum no faz o que

    deve para "melhorar" que a noo de resistncia se apresentou

    16

  • Freud. Em seguida h o contexto interveniente da transferncia

    presente na relao de fala e confiana que os dermatologistas

    relatam na relao com os pacientes. Existiam ainda as misteriosas

    relaes causais entre estados psicolgicos e afeces

    dermatolgicas. Haveria ilaes etiolgicas possveis? H uma

    relao entre diagnstico dermatolgico e diagnstico

    psicanaltico? Que relao haveria entre as peculiaridades da

    constituio da transferncia (ou de seu fracasso) nestes pacientes

    e a metapsicologia da corporeidade em psicanlise?

    Muito se fala sobre a entrada e as condies pelas quais a

    psicanlise pode participar das instituies de sade. O trabalho

    desenvolvido no mbito do Hospital das Clnicas da Faculdade

    de Medicina da USP nos parece uma referncia neste quesito

    (Moretto Tourinho, 2003). Examinando as diferentes

    modalidades de insero, as diversas formas e mbitos no qual a

    presena de psicanalistas em hospitais vem crescendo nos ltimos

    vinte anos no Brasil, verificamos que h alguns traos recorrentes

    nas experincias bem sucedidas:

    (a) elas no se formam a partir de deliberaes verticais,

    burocraticamente definidas, mas sempre acompanha

    contingencialmente o sentido das polticas pblicas para

    uma determinada rea ou problema a partir de um grupo

    especfico de pessoas envolvidas, segu ndo regras de

    reconhecimento que lhes so prprias . A contingncia que

    reserva ou propicia um conjunto de encontros presume

    um grau de liberdade para a organizao prtica, para a

    formao da equipe clnica, para a cooperao entre os

    envolvidos;

    (b) elas no prosperam a partir de incentivos pblicos

    diretos ou de ordenamentos estratgicos impessoais, mas

    da organizao local em torno de uma possibi lidade de

    interveno, de colaborao ou de trabalho. O mbito do

    possvel, dado pelos recursos humanos e desejantes

    realmente disponveis, presume que o engajamento na tarefa

    envolve algum grau de deliberao voluntria diante da

    prtica. A ao racional dirigida a fins claros e definidos

    17

  • priori, nem sempre a melhor forma de permitir que o

    possvel de uma experincia se desdobre em efetividade;

    (c) elas no se consolidam sem o reconhecimento necessrio

    do que chamamos de soberania da clnica. Ou seja, as

    afinidades eletivas, de natureza terica, institucional e

    interdisciplinar submetem-se s exigncias maiores de um

    discurso e de uma prtica que a clnica. A necessidade da

    clnica, no uma necessidade biolgica nem teolgica,

    mas estrutural e tica. Tal prtica anterior e soberana

    inclusive com relao suas subdivises: mdica,

    psicanaltica , psicolgica, fonoaudiolgica, e assim por

    diante. Na ausncia das condies necessrias que

    justifiquem utenticamente esta prtica o que se observa

    regularmente a emergncia e substituio da clnica pelo

    exerccio de um poder, nas suas formas mais degradadas; e

    (d) elas no se transmitem sem que exista uma interpelao

    de saber que reconhea o impossvel que constitui todo

    projeto clnico . A impossibi lidade torna-se assim uma

    condio fundamental para que a impotncia da prtica

    reverta-se em reflexo e formalizao de uma experincia

    que assim se exterioriza. Nesta medida o impossvel

    sempre a tarefa dos conceitos e estes presumem uma

    comunidade que sempre ultrapassa a experincia local em

    curso.

    Estes traos estavam disponveis em nosso caso.. Havia a

    contingncia de um encontro que reunia dermatologistas e psicanalistas fora de qualquer ordenamento institucional, apenas

    laos de amizade e bons encontros. Havia apossibilidade representada pela nomeao de uma demanda, nomeao que no vinha de

    um setor, de uma rea ou de um departamento, mas do

    reconhecimento informal de uma insuficincia e da disposio a

    engajar-se nela. Havia ainda a clnica como necessidade e a

    necessidade da clnica, que colocava em jogo o interesse na problemtica intrnseca da situao. Finalmente havia o desafio

    cognitivo, a aventura diante do impossvel que no cessa de se inscrever em toda experincia de sofrimento, e que carece de saber.

  • Foi esta a maneira que um pequeno grupo de dois ou trs

    psicanalistas em 2003 comea a participar de um servio pblico

    de dermatologia, junto com quatro ou cinco dermatologistas,

    em um grande hospital de So Paulo. Semanalmente

    acompanham o funcionamento cotidiano de um servio

    dermatolgico. Sem qualquer vnculo formal ou institucional

    auxiliam nas atividades deste servio sem mesmo se caracte-

    rizarem como "trabalhadores voluntrios" . Sem qualquer

    remunerao ou provento, sem nenhuma garantia do que adviria

    desta experincia, apenas nos reunamos em torno de uma

    problemtica. Como qualquer experincia esta tambm se

    afigurava como uma aventura. Contudo, este cerceamento de

    que os envolvidos deviam extrair o mximo do que tnhamos

    diante de ns, e de que a experincia tinha que ser "interessante

    por si mesma", caso contrrio cada qual podia abandon-la a

    qualquer tempo, criou condies muito importantes para o que

    viria depois disso.

    O PROJETO DE PESQUISA

    Fato que em um segundo tempo compreendemos a

    quantidade de injunes associativas e institucionais que estava

    em jogo nesta experincia . No contexto de discusso destas

    questes, prticas e tericas, clnicas e institucionais, formulamos

    em 2004, o projeto de pesquisa: Aspectos psicolgicos do paciente

    com vitiligo e psorase, elaborado e aplicado no mbito do Laboratrio de Teoria Social, Filosofia e Psicanlise (Latesfip-

    USP) em cooperao com o Instituto da Pele (UNIFESP),

    representada pela Prof. Dra. Valria Ptri, e com o Frum do

    Campo Lacaniano - So Paulo, cujo pesquisador responsvel

    o Prof. Dr. Christian Ingo Lenz Dunker (Instituto de Psicologia

    da USP) e como coordenadora a psicanalista Helosa Helena

    Arago e Ramirez. Aqui surgiram dificuldades para "fazer caber"

    a experincia, em sua multiplicidade, nas aspiraes de

    racionalizao que sua continuidade de crescimento exigiam.

    19

  • Ponderemos retrospectivamente a heterogeneidade envolvida:

    trs ou quatro universidades; dois departamentos (psicologia e

    medicina); instituies universitrias, com fins de ensino, extenso

    e pesquisa e instituio psicanaltica, com fins de formao;

    professores, mas tambm doutorandos, mestrandos, graduandos;

    profissionais (mdicos e no mdicos); psiclogos, psicotera -

    peutas e psicanalistas. Ademais e, sobretudo: pacientes.

    Como dissemos anteriormente o movimento inicial para a

    implantao do projeto partiu das indagaes de alguns mdicos

    sobre a aderncia do paciente ao tratamento proposto. No

    fcil compreender, j que o xito ou no dos resultados obtidos

    depende da adeso e da relao do paciente com o tratamento, o

    fato de o doente ir ao mdico, receber ou adquirir toda a

    medicao prescrita e no seguir a orientao recomendada. H

    algo a que se apresenta como falha, que escapa ao saber e que se

    apresentava como questo para a equipe mdica. Em segundo

    lugar, nos deparamos com uma expectativa de que com a entrada

    do atendimento psicolgico como parte do tratamento, algo

    do sofrimento psquico do paciente, causado pelas reverberaes

    do impacto das leses de pele no lao social, pudesse ser

    minimizado. Desde tempos remotos o valor esttico do corpo

    interfere de forma significativa na integrao social. Nesta

    medida, a psorase e o vitiligo esto, inevitavelmente, ligados

    por sua presena marcante esttica corporal, principalmente

    por interferir no principal divisor do sujeito com o mundo: a

    pele. As marcas cutneas certamente carregam consigo marcas psquicas e juntas inibem e dificultam o lao social levando o

    sujeito, por vezes, ao isolamento e a auto ou hetero segregao.

    Por outro lado, no se pode negar o mrito da transferncia

    estabelecida a priori pela psicologia enquanto cincia dos fatos

    psquicos, que por extenso atribui ao psiclogo, imagina-

    riamente, um saber em relao ao sofrimento do outro, como

    um dos fatores que contribuiu significativamente para a

    viabilidade da implantao desse Projeto. notria a

    predisposio que o paciente tem de conferir a aptido particular

    20

  • do psiclogo na revelao e compreenso de sua doena. Posio

    veiculada pela mdia, ou at mesmo pelo mdico que, no lugar

    daquele que suposto saber, indica o tratamento.

    Desde o incio a proposta de trabalho na instituio de

    oferecer ao paciente um lugar de escura do seu prprio discurso

    e da sua histria de vida, numa relao particular entre "analista-

    analisante", o que pressupe uma implicao transferencial, cujo

    princpio coloca em jogo o motor do tratamento psicanaltico,

    o inconsciente. A partir das ferramentas escolhidas, o discurso, a

    transferncia e o inconsciente, objetiva-se investigar as eventuais

    relaes das leses dermatolgicas com o sintoma psquico e de

    discriminar o impacto destas nas inibies e manifestaes de

    sofrimento diante das diferentes posies subjetivas que o sujeito

    pode assumir no lao social.

    Salientam-se aqui os principais objetivos iniciais da pesquisa:

    (a) investigar formas tpicas de aderncia ao tratamento

    mdico, ou de interrupo do tratamento, tendo em vista

    a representao psquica da condio do distrbio e os

    aspectos salientes da transferncia eventualmente

    verificada;

    (b) investigar o estado do lao social interveniente na con-

    dio do paciente acometido pelo vitiligo e pela psorase; e

    (c) investigar os processos e recursos psquicos atuantes

    nos pacientes acometidos pelo vitiligo e psorase.

    No que concerne apresentao dos aspectos prticos, o

    projeto tem a sua conduo clnica feita em sua maior parte no

    Instituto da Pele da Unifesp, local onde acontece a experincia

    clnica propriamente dita.

    ATENDIMENTO INDIVIDUAL, GRUPOS DE APOIO E

    CONSULTA COMPARTILHADA

    A possibilidade de escuta psicanaltica aos pacientes, no

    contexto institucional, era oferecida primeiramente como

    21

  • Atendimento Individual, que compreende sesses na frequncia mnima de uma vez por semana, sendo que em alguns casos

    pode ser acordado, entre psiclogo e paciente, o aumento do

    nmero de sesses. No decorrer da pesquisa pudemos comprovar

    a inequvoca eficcia do atendimento individual segundo critrios

    psicanalticos.

    Grupos deApoio foi uma segunda modalidade de atendimento dirigida para queles pacientes que no podem se beneficiar da

    psicoterapia individual, mas que tm uma disponibilidade de

    comparecer s sesses pelo menos uma vez ao ms. O grupo

    contava com a participao de um psiclogo e de um mdico

    dermatologista do Instituto. Eram discutidas dvidas,

    expectativas sobre o tratamento, temores, queixas, desde que

    trazidas pelos pacientes. Essa atividade visava, especialmente,

    proporcionar um espao de acolhimento e funcionar como um

    suporte a mais ao tratamento da afeco. Alm do eventual efeito

    de esclarecimento e das transformaes identificatrias, que

    verificvamos no funcionamento dos grupos, surgiu aqui um

    benefcio secundrio muito importante. Passvamos a ouvir o

    discurso mdico-psicolgico sobre o adoecimento dermatol-

    gico. Quase to importante quanto orientao e esclarecimento

    aos pacientes, o grupo nos provia um lao que se revelou crucial

    para compreendermos a natureza e qualidade do vinculo

    "espontneo" que o dermatologista mantm com seus pacientes.

    Em outras palavras, o mdico torna-se depositrio das

    expectativas de cura do paciente e em geral tenta transformar

    estas expectativas em confiana e aderncia ao tratamento.

    Era um grupo de apoio entre mdicos e psicanalistas, no

    apenas entre profissionais e pacientes. Esta experincia permitiu

    assim que passssemos a outro dispositivo, este sim crucial, para

    entender e lidar com o problema prtico da falta de aderncia ao

    tratamento, ou seja, o acompanhamento da consulta mdica.

    Na dinmica de funcionamento do Projeto pressupe -se um

    momento, que antecede ao atendimento psicolgico, que

    chamamos de Consultas Compartilhadas. Nelas o analista

    22

  • acompanha as primeiras consultas mdicas do paciente, sempre

    com a anuncia dos envolvidos. Este procedimento tem como

    finalidade verificar, na relao mdico-paciente, indcios de uma

    possvel aderncia ao tratamento, aspectos relativos dinmica

    da doena, e, mais ainda, a partir do discurso do paciente, se

    possvel vislumbrar algum sinal de demanda, ainda que mnima,

    para um atendimento psicanaltico. Assim, se o psicanalista em

    sua escuta notar alguma referncia, ainda que remota, que se

    enderece s questes psquicas, convida o paciente para uma

    entrevista, fora do contexto mdico. S ento, o psicanalista

    apresenta o Projeto ao paciente, deixando-o livre para se

    responsabilizar pelo incio, ou no, de um tratamento pela via

    da psicanlise.

    Esse procedimento contribui significativamente para

    minimizar os vieses relativos transferncia institucional . A

    possibilidade de o psicanalista participar das consultas

    compartilhadas, em princpio, j elimina o encaminhamento

    via receiturio mdico. Isso quer dizer que, para a psicanlise, a

    questo da psicossomtica tem a ver diretamente com a questo

    da demanda. Na experincia da Rede de Pesquisa e Clnica de

    Psicossomtica do Frum do Campo Lacaniano, diria que

    difcil encontrar pacientes que a faam diretamente a partir de

    seu fenmeno (FPS), de sua leso, mas possvel encontrar

    aqueles que demandam em nome da psicanlise ou da psicologia.

    Muitas vezes se escuta o paciente dizer que "nervoso" ou

    "estressado" e que esse "estado emocional" aumenta muito suas

    manchas de vitiligo, mas que no consegue se acalmar. 'Doutora,

    cada vez que me estresso o vitiligo abre, mas o que fazer se sou

    cabea quente? ': eis a uma fala que denuncia claramente a relao

    entre a doena e a"cabea quente". Relao mtica ou no, algo

    do sujeito comparece a. Mesmo assim, nem sempre a partir das

    primeiras entrevistas possvel localizar-se uma demanda de

    tratamento via psicanlise, mas possvel entrever, isso fato,

    quele paciente que tem uma ideia de que existe uma relao

    direta entre sua afeco, de ordem biolgica, e seu sofrimento

    23

  • psquico. Como diz Jean Guir (Guir & Valas, 1988): "Eles

    acreditam mais do que eu mesmo na maldio psquica, no

    carter psquico de seu mal".

    Quanto ao tempo estabelecido para cada tratamento, e aqui

    tivemos que nos adequar s condies institucionais, faz-se um

    contrato varivel de seis meses a um ano, embora isso seja um

    pouco relativo. Esse limite foi pensado como uma forma de

    solucionar a problemtica surgida por uma demanda de

    atendimento maior do que a possibilidade de oferta. Desta forma

    h um mecanismo de rotatividade que propicia que todos os

    pacientes que queiram, possam passar pelos atendimentos,

    eliminando -se assim as filas de espera. Se ao final desse perodo

    o paciente quiser continuar ser oferecida a possibilidade fora

    do espao da Instituio, seja no mbito particular ou pblico.

    Para esse limite, seriamente discutido durante nossas reunies, a

    experincia apontou, que o manejo fundamental para que o paciente d continuidade ao tratamento em outro espao. Via

    de regra, o tempo de um ano tem se mostrado suficiente para

    que se instaure ou no a questo do desejo e a emergncia do

    sujeito do inconsciente.

    O FUNCIONAMENTO ENTRE A PESQUISA E A EXTENSO

    Estabelecidas as regras de funcionamento do projeto, tm-se

    ainda que apresentar aqueles que atendem no mbito da

    psicanlise os pacientes com leses dermatolgicas nas

    instituies. Nesse caso, existem duas formas de insero no

    projeto:

    (a) o psiclogo que participa do Laboratrio Interdepar-

    tamental de Teoria Social, Filosofia e Psicanlise da USP

    (Latesfip), sob a coordenao do prof. Christian Dunker,

    ou

    (b) o psiclogo que participa da Formao Clnica do

    Campo Lacaniano do Frum do Campo Lacaniano - So

    Paulo.

    24

  • Em ambos os casos os participantes devem frequentar

    tambm as atividades propostas pela Rede de Pesquisa e Clnica

    em Psicossomtica. No se exige, mas espera-se que o psiclogo

    esteja fazendo anlise pessoal. Pede-se tambm que faa formao

    em psicanlise. No caso, a superviso clnica obrigatria e o

    analista a far na sua medida.

    O Projeto funciona amparado por trs instituies. Por um

    lado est inscrito no diretrio dos grupos de pesquisa do CNPQ

    pelo Instituto de Psicologia da USP, atravs do Laboratrio

    IATESFIP, sob a coordenao do prof. Christian Dunker. De outro,

    nwn sistema de cooperao, temos a UNIFESP, atravs do Instituto

    da Pele, sob a coordenao da Dra.Valria Petri, que nos abre as

    portas para o contato com o paciente com vitiligo e psorase e com

    os mdicos que os atendem. E no entre, nessa fenda que se abre

    entre a universidade e o Ambulatrio, encontra-se o Frum do

    Campo Lacaniano - So Paulo, com seu respaldo terico, de

    formao e transmisso da psicanlise. Assim, a investigao

    psicanaltica proporciona, para uma comunidade especfica (pacientes

    com doenas dermatolgicas) a possibilidade do atendimento clnico,

    e para os pesquisadores, a oportunidade da prxis.

    Portanto, a Rede de Pesquisa e Clnica em Psicossomtica

    que abriga o Projeto Aspectos psicolgicos dopaciente com vitiligo e psorase um lugar, no Frum So Paulo, aberto prtica clnica e ao mesmo tempo, discusso da teoria. Tudo isso

    sustentando por atividades diferenciadas, a saber:

    - reunio peridica quinzenal, aberta a todos os participantes,

    para discusso da teoria e da literatura clnica;

    - reunio clnica bimestral, aberta queles que atendem aos

    casos. Esse o momento em que as experincias so

    discutidas em conjunto, o momento, fora a superviso

    individual, em que emergem as questes mais especficas

    da clnica. nesse espao que possvel isolar os

    movimentos clnicos comuns aos pacientes psicossomticos

    e pensar as estratgias na direo do tratamento;

    25

  • superv1sao dos atendimentos clnicos, com uma

    periodicidade varivel, de acordo com a demanda e

    necessidade do analista praticante;

    - alm disso, a Rede de Pesquisa e Clnica em Psicossomtica

    se faz representar, sempre que convidada, nos eventos

    promovidos pelo Instituto da Pele - UNIFESP, para

    apresentar a psicanlise. Isso acontece nas reunies

    peridicas de esclarecimento da doena (vitiligo e psorase)

    e compartilhamento do sofrimento e das expectativas, que

    acontecem e funcionam tal e qual um grupo de apoio,

    para pacientes e seus familiares.

    As discusses tericas na Rede de Pesquisa envolvem no s

    as questes clnicas - que se sustentam na possibilidade do

    discurso analtico de se apresentar como um instrumento capaz

    de modificar a relao do sujeito com o seu sintoma - mas

    tambm aborda o tema da psicanlise na instituio.

    Ofertar a psicanlise na instituio coloca o analista num lugar

    especial, visto que ele se depara com os limites impo tos por ela,

    mas o que no quer dizer uma posio fragilizada. A esse respeito

    sempre bom reforar que longe de tentar substituir o saber

    mdico, sustentado pelo j reconhecido mtodo das cincias

    naturais, o psicanalista da Rede de Pesquisa procura manter seu

    lugar bem definido dentro da instituio, ofertando ao paciente

    um lugar de escuta do seu prprio discurso. Lacan aponta na

    conferncia aos mdicos (1966e, p. 1O) que apesar dos progressos

    cientficos no que concerne uma extenso eficaz de interveno

    no corpo humano, e ele est se referindo aqui a toda uma gama

    de novos medicamentos e tecnologia diagnstica, ainda assim,

    continua insolvel em nvel de psicologia mdica o que se

    apresenta como efeito de uma falha epistemo-somtica, mais

    ainda, coloca que a discusso sobre essa questo seria

    absolutamente promissora e viria reanimar o termo "psicos-

    somtica", uma vez que existe algo da linguagem que escapa ao

    sujeito em sua estrutura. na brecha aberta pela relao do sujeito

    26

  • com o saber que possvel ao psicanalista atuar, fazer intervir o

    que Lacan chamou de lugar do Outro, "campo em que se

    localizam os excessos de linguagem dos quais o sujeito porta

    uma marca que escapa ao seu prprio domnio" e ao mesmo

    tempo faz juno com o que chamou de plo de gozo.

    O que indico ao falar da posio que pode ocupar o

    psicanalista, que atualmente ela a nica de onde o mdico

    pode manter a originalidade de sempre da sua posio, qual

    seja daquela de algum que tem que responder a urna demanda

    de saber, ainda que isso possa ser feito conduzindo-se o

    sujeito a voltar-se para o lado oposto das idias que emite

    para apresentar essa demanda . Se o inconsciente no urna

    coisa montona, mas ao contrrio urna fechadura to precisa

    quanto possvel e cujo manejo no h nada alm de no

    abrir aquilo que est alm de uma cifra da maneira inversa

    de uma chave, essa abertura s pode servir ao sujeito em sua

    demanda de saber. O inesperado que o prprio sujeito

    confesse sua verdade e a confesse sem sab-lo. (Ibid., p. 13).

    Lacan (Ibid., p. 10), aps tecer uma srie de consideraes

    sobre o lugar da psicanlise na medicina, como sendo um lugar

    marginal, situa a posio do mdico na dimenso da demanda:

    " no registro do modo de resposta demanda do doente que est a chance de sobrevivncia da posio propriamente mdica".

    Diz que quando o doente procura o mdico ele no espera

    simplesmente a cura: "Ele pe o mdico prova de tir-lo de

    sua condio de doente, o que totalmente diferente, pois pode

    implicar que ele est totalmente preso idia de conserv-la". O

    que parece que o doente pede ao mdico, simplesmente, para

    autentic-lo como doente. Isso, nos casos de pacientes

    dermatolgicos tende a acontecer com alguma frequncia.

    Principalmente com aqueles que usam a doena para obter algum

    ganho mais especfico, to explicitamente, que nem necessrio

    qualquer esforo de interpretao. Como aquele paciente que

    sofria intensamente com seu vitiligo e, no entanto, no permitia

    27

  • que as manchas jamais cedessem, inversamente, pedia ao mdico

    e ao psicanalista um documento comprovando a gravidade de

    suas leses para que obtivesse determinado benefcio junto ao

    seguro social. s vezes o sujeito pede algo, diametralmente oposto

    quilo que ele deseja.

    Assim, especificamente com o paciente 'dito' psicossomtico,

    o que se espera que ele faa uso desse lugar oferecido pela

    psicanlise e possa sair da condio imposta pelo corpo e resgatar

    a capacidade simblica da palavra que lhe permitir nomear,

    parcialmente, sua experincia e o dilogo com o desejo.

    Quanto aos aspectos ticos, o projeto segue os princpios

    bsicos estipulados pelos Comits de tica em pesquisa. No

    mbito da psicanlise o pressuposto a tica do desejo, conforme

    postulada por Lacan . Em relao aos primeiros aspectos, os

    analisantes ou responsveis so inteirados, desde o princpio, de

    que participaro de uma pesquisa vinculada Universidade e ao

    Frum do Campo Lacaniano. Cabe a cada um aderir ou no ao

    processo. Um termo de consentimento livre e esclarecido

    assinado por cada participante, nele esto contidas as informaes

    mais relevantes da pesquisa e o termo de garantia de que sua

    identidade ser preservada em quaisquer circunstncias e a qualquer tempo do projeto , bem como ser mantido em sigilo

    qualquer dado de sua identificao .

    Outro aspecto saliente, que preciso destacar, diz respeito

    importncia da lgica da constituio do projeto nas suas

    consequncias e desdobramentos. Uma vez que o lao com o

    projeto baseava-se no engajamento formativo por um lado e

    universitrio por outro, vimos muitos alunos e psicanalistas

    passarem pelo projeto . Alguns com tempos de dedicao mais

    longos que outros . Isso representou, por um lado uma

    dificuldade, mas por outro se tornou um funcionamento

    pleno de efeitos. Tornamo-nos uma espcie de Rede Social,

    gerada e gerida nos interstcios de outras instituies, mas

    dotada de autonomia e agilidade, que nenhuma das

    instituies de origem era capaz de apresentar. N assa

    28

  • experincia podia reproduzir-se com facilidade em outros

    hospitais e assim veio a ocorrer .

    No incio do ano de 2007, a convite das mdicas

    dermatologistas Dra. Maria Ceclia Bortoletto e Dra . Luisa

    Keiko, fez-se uma nova parceria, desta vez com o Instituto da

    Pele da Fundao ABC, chefiado pelo Dr. Carlos Santos

    Machado. A extenso da pesquisa manteve os mesmos termos,

    objetivos e princpios de funcionamento do Projeto iniciado

    em So Paulo. As diferenas, que no sero mencionadas aqui,

    ficaram por conta das peculiaridades e particularidades de outra

    praa e outra Instituio.

    EM MOGI DAS CRUZES

    Em 2006 teve incio em Mogi das Cruzes o Projeto de

    atendimento psicanaltico a pacientes dermatolgicos,

    especialmente com vitiligo, psorase e alopecia. Os pacientes

    pertencem clnica-escola vinculada Universidade de Mogi

    das Cruzes (UMC), especificamente ao Ambulatrio de

    Dermatologia da Policlnica (FAEP), sob coordenao mdica

    da Profa. Dra. Denise Steiner . O Projeto segue as mesmas

    vinculaes que o projeto geral em So Paulo, contudo, nesta

    praa coordenado pela psicanalista Tatiana Carvalho Assadi.

    Este trabalho est vinculado aos atendimentos clnicos, de

    base psicanaltica, realizados a pacientes com leses

    dermatolgicas, alm do fato de serem efetivados dentro de uma

    instituio hospitalar. O tema da investigao geral, ou seja, o

    interesse de pesquisa dos participantes a incidncia do fenmeno

    psicossomtico no corpo e suas implicaes discursivas.

    To logo o projeto se iniciou foi proposto equipe mdica

    as "consultas compartilhadas" tal qual aconteciam no Projeto

    em So Paulo. No entanto, devido aos limites impostos pela

    Instituio, o dispositivo no foi instalado em Mogi das Cruzes.

    Sendo assim, os encaminhamentos para a clnica psicanaltica

    so realizados via indicao mdica. Essa prtica tem confirmado

    29

  • nossos pressupostos em relao a essa orientao. No raro, nos

    deparamos com a desistncia do paciente, antes mesmo que o

    psiclogo lhe disponibilize o incio do tratamento. A Rede tem

    debatido constantemente outras formas de canalizao com

    intuito de minimizar o enviesamento da transferncia .

    Essa forma de encaminhamento gerou um novo procedi-

    mento denominado de 'triagem', que se refere ao primeiro

    contato com o paciente realizado pelo prprio psicanalista,

    normalmente via telefone, com objetivo de oferecer um espao

    para escuta, e ao mesmo tempo, agendar a entrevista preliminar.

    Entende-se que essa pode ser uma forma de possibilitar o

    enganche ao Projeto. Quando a sesso marcada diretamente

    entre psicanalista e paciente reduz-se a incidncia de desistncia

    antes mesmo da primeira entrevista.

    Por outro lado, o grande diferencial do Projeto em Mogi das

    Cruzes, encontra-se no que se habituou chamar de "reunies

    compartilhadas" . Fomos convidados a participar de reunies

    mdicas, elaboradas regularmente pelos preceptores em

    dermatologia, para discusses tcnicas. Os psiclogos e

    psicanalistas partcipes desconheciam as questes relativas aos

    aspectos das afeces de pele, assim como os dermatologistas e

    mdicos residentes tambm estavam distantes das questes

    psicanalticas. Informaes tais como etiologia, sintomas,

    diagnsticos e formas de tratamento das leses de pele foram

    trazidas pela equipe mdica, simultaneamente aos processos

    transferenciais e de constituio do sujeito apresentados pelos

    psicanalistas aos dermatologistas. Esse movimento implicou mais

    do que a simples aproximao entre as duas equipes. Foi, de

    fato, a possibilidade de insero da psicanlise naquela instituio.

    Tal qual em So Paulo, os colegas que se engajam ao Projeto

    em Mogi das Cruzes, principalmente os que so convidados a

    atender os pacientes na Policlnica, so psiclogos que mostram

    afinidade com a causa psicanaltica de orientao lacaniana e

    aderem s mesmas normas de participao e compromisso:

    frequentam o grupo de discusses tericas, o grupo de formao

    30

  • clnica e fazem supervises regulares sobre os casos atendidos,

    alm de outras.

    CONSIDERAES FINAIS

    Mesmo contando com o apoio de diversas instituies, que

    permitem e concede que a experincia progrida, fato notvel

    para ns que tenhamos atendido mais de 500 pacientes ao

    longo destes seis anos de trabalho, em inmeras sesses, consultas

    e grupos, sem jamais contarmos com qualquer auxlio financeiro

    direto. A falta de subsdio, desde o incio, foi um complicador

    que em alguns momentos chegou a cercear aes, como por

    exemplo, a de ampliar o nmero de atendimentos. O faro dos

    profissionais que no esto envolvidos em pesquisa universitria,

    como so a maioria dos psicanalistas que atendem no Projeto,

    no terem a possibilidade de requerer qualquer tipo de auxlio,

    limitou consideravelmente o tempo de dedicao pesquisa.

    No entanto, isso no impediu a participao de alguns colegas

    em congressos, colquios e simpsios, de mbito nacional e

    internacional, onde foram apresentados em torno de 15 artigos

    de cunho cientfico, consequncia direta das discusses e reflexes

    originadas do trabalho realizado.

    importante destacar, nesse contexto, que ainda h um longo caminho para ser percorrido no que concerne s concluses sobre

    algumas questes inicialmente propostas pelo Projeto, como

    por exemplo, se houve ou no aumento da adeso ao tratamento

    por aqueles pacientes que foram atendidos pelos psicanalistas.

    No entanto, considera-se que no transcorrer destes seis anos,

    algumas mudanas perceptveis ocorreram decorrentes,

    precisamente, dessa prtica que se instaurou a partir da insero

    de uma escuta baseada nos pressupostos da psicanlise.

    A incluso do psicanalista nas consultas compartilhadas

    possibilitou aos clnicos da dermatologia a tranquilidade de se

    saberem respaldados, principalmente no que tange s questes

    estressaras e emocionais, por um profissional cuja competncia

    31

  • se enderea ao saber inconsciente. Muitas vezes ao chegar para a

    primeira consulta o paciente traz como queixa a sua relao com a

    doena e o impacto dela no lao social, que perpassa pela dificuldade

    de sociabilizao ou de insero no trabalho: "tenho vergonha de

    sair na rua assim", ou, "passei nos testes (referindo-se a um

    emprego), mas no apareci na avaliao mdica, pois a psorase

    tinha piorado muito". Isso, sem se levar em considerao as

    inmeras vezes em que o paciente se emociona ao contar a sua

    histria: "ela (a doena) apareceu logo depois que meu pai morreu".

    Hoje, diferentemente de quando iniciamos este projeto, o

    clnico pode acolher essa queixa, pois sabe que conta com algum

    na equipe que saber como escut-la. Isso o deixa numa posio

    muito mais confortvel para se dedicar exclusivamente a conduta

    mdica, j que as outras questes de seu paciente, as emocionais,

    sero acolhidas com boas perspectivas de no mais interferirem

    na conduta e evoluo do tratamento.

    Para ns psicanalistas tambm gratificante saber que aquele

    profissional com quem se discute os casos e faz-se o

    acompanhamento das consultas, abre espao em sua prpria

    conduta mdica para receber e encaminhar a demanda de um

    atendimento psicolgico. Muitas vezes, ao fazer uma anamnese

    inclui questes sobre a vida do paciente, abrindo espao para

    que ele fale como e quando a doena surgiu ou at mesmo

    perguntando se j buscou ajuda psicolgica. Quando o mdico

    percebe alguma dificuldade para aderir ao tratamento, ou uma

    resistncia ao abandono de prticas que no podem ser aliadas

    ao uso de medicao, entre outras, ou qualquer referncia a algum

    tipo de sofrimento psquico, prope de imediato que se agende

    uma entrevista com um psicanalista da equipe.

    Considera-se que o bom andamento, bem como a

    manuteno do Projeto, tornou-se possvel em virtude da

    credibilidade inspirada pela equipe de psicanalistas que pode

    acolher tanto a demanda do sujeito em sofrimento como a do

    mdico que conta com essa parceria para o sucesso do tratamento

    de seu paciente.

    32

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Freud, S. (1919a) "Linhas de Progresso na terapia psicanaltica" .

    In: Edio Standart Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro : Editora Imago, v. XVII, 1969.

    Guir, J. & Valas, P. Entrevista concedida a Antonio Benet,

    publicada no SEPPSI (material interno), 1998.

    Lacan,J. (1966e) "O lugar da psicanlise na medicina". In: Opo lacaniana. So Paulo, n.32, pp. 8-14, dez/200 1.

    Moreno Tourinho, M. L. O Que pode um Psicanalista no Hospital. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2003.

    33