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1 TEXTO 5 A) ESTUDOS DE ÁREA O estudante de Educação Comparada deve começar adquirindo familiaridade completa com o sistema de educação de uma área cultural. A área pode ser não mais do que uma vila ou província, ou tão vasta como um continente, se este é composto de países bastante semelhantes. O caso mais frequente é ocupar-se o estudante com as práticas educacionais de uma nação. O estudo de área não só é legítimo mas indispensável, especialmente em vista da grande soma de conhecimentos científicos e recursos que o estudo comparativo irá exigir mais tarde. É somente à base do trabalho extremamente especializado numa área, muitas vezes penoso, que o estudante de Educação Comparada pode alcançar a necessária largueza de percepção 1 . Mesmo que nunca vá além da competência num só país estrangeiro, ele será capaz ainda de trabalhar no campo comparativo confrontando esse país com o seu. Estudar um só país, por simples que pareça diante da complicada tarefa de comparar vários países, é, não obstante, sério empreendimento científico. Assim é, porque não se inclui a Educação Comparada unicamente no campo das ciências sociais mas também no das humanidades. O estudante de área chega a um conjunto de generalizações sobre sistemas de educação como resultado de várias atividades: método rigoroso na colheita e na seleção de dados, registro direto das impressões visuais, e sensibilidade para com a natureza das diferentes culturas. O julgamento comparativo é uma fotografia final dessa cultura pelo observador. É imperativo revelar essa fotografia com o mínimo de distorção possível. Assim, está implícito no método comparativo que não se pode fazer apreciação de uma cultura sem a cuidadosa preparação do observador. Esta é uma lei da Educação Comparada que nenhum sério cultor da matéria ou de sua bibliografia pode permitir-se ignorar. Os três aspectos fundamentais dessa preparação (...) são: o conhecimento da língua da área em estudo, a residência no exterior, e uma vigilância incessante do observador sobre os seus preconceitos culturais e pessoais. Agir em desacordo com esses requisitos impossibilita o acesso à verdadeira natureza do sistema educacional em observação tão positivamente como a cegueira 2 . Só em casos excepcionais merecem fé os escritos de pessoas que não preencheram essas exigências. (...) É possível, sem dúvida, conseguir algum conhecimento de área sem viajar. Estudantes ou professores podem ler a tradução de fontes do país em que vão trabalhar e podem entrevistar educadores estrangeiros mediante intérprete. Mas o ideal é o conhecimento da língua. Do mesmo modo, viajar e residir no exterior são chaves para a escolha de textos fidedignos e técnicas de pesquisa ao chegar o momento de estudar as escolas sistematicarnente. Isto vale para o estudante como para o professor. Saber a língua do país facilita viajar, e viajar ajuda a aprender a língua 3 . Pode haver muitas justificativas para visitar países e escolas estrangeiras com pouca ou nenhuma preparação na língua do país hóspede, mas não há desculpa alguma para aquele que, interessado no trabalho comparativo, voltasse do país de estudo ignorando os rudimentos de sua língua. Mesmo quando é impossível viajar, os estudantes devem fazer grandes esforços para manter estreito envolvimento pessoal. Entrevistar educadores visitantes, ouvir programas de rádio do país em estudo, ver grande número de fotografias, ler jornais, assistir a filmes — todas essas atividades são meios necessários para avivar a percepção e efetuar a “fusão” com a cultura que se está estudando. 1 Ver George Z. F. BEREDAY, Uma discussão de métodos de Educaçao Comparada”, Comparative Education Review, vol. 1, n.° 1 (junho de 1947), p. 14. 2 ver BEREDAY, Notas sobre as armadilhas da Educaçáo Comparada”, in Bower ALY (org.). Arnerican Education (National University Extension Association, Colúmbia, Missouri, 1958), vol. 1, p. 28. 3 De um editorial de George Z. F. BEREDAY, in Comparative Education Review, vol. 2, nº 2 (out. de 1958), p. 3. Casimiro Amado, Textos de Educação Comparada – Guião para acompanhamento das aulas, Universidade de Évora, 2008

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TEXTO 5

A) ESTUDOS DE ÁREA

O estudante de Educação Comparada deve começar adquirindo familiaridade completa com o sistema de educação de uma área cultural. A área pode ser não mais do que uma vila ou província, ou tão vasta como um continente, se este é composto de países bastante semelhantes. O caso mais frequente é ocupar-se o estudante com as práticas educacionais de uma nação.

O estudo de área não só é legítimo mas indispensável, especialmente em vista da grande soma de conhecimentos científicos e recursos que o estudo comparativo irá exigir mais tarde. É somente à base do trabalho extremamente especializado numa área, muitas vezes penoso, que o estudante de Educação Comparada pode alcançar a necessária largueza de percepção1. Mesmo que nunca vá além da competência num só país estrangeiro, ele será capaz ainda de trabalhar no campo comparativo confrontando esse país com o seu.

Estudar um só país, por simples que pareça diante da complicada tarefa de comparar vários países, é, não obstante, sério empreendimento científico. Assim é, porque não se inclui a Educação Comparada unicamente no campo das ciências sociais mas também no das humanidades. O estudante de área chega a um conjunto de generalizações sobre sistemas de educação como resultado de várias atividades: método rigoroso na colheita e na seleção de dados, registro direto das impressões visuais, e sensibilidade para com a natureza das diferentes culturas. O julgamento comparativo é uma fotografia final dessa cultura pelo observador. É imperativo revelar essa fotografia com o mínimo de distorção possível. Assim, está implícito no método comparativo que não se pode fazer apreciação de uma cultura sem a cuidadosa preparação do observador. Esta é uma lei da Educação Comparada que nenhum sério cultor da matéria ou de sua bibliografia pode permitir-se ignorar.

Os três aspectos fundamentais dessa preparação (...) são: o conhecimento da língua da área em estudo, a residência no exterior, e uma vigilância incessante do observador sobre os seus preconceitos culturais e pessoais. Agir em desacordo com esses requisitos impossibilita o acesso à verdadeira natureza do sistema educacional em observação tão positivamente como a cegueira2. Só em casos excepcionais merecem fé os escritos de pessoas que não preencheram essas exigências.

(...) É possível, sem dúvida, conseguir algum conhecimento de área sem viajar. Estudantes ou professores podem ler a tradução de fontes do país em que vão trabalhar e podem entrevistar educadores estrangeiros mediante intérprete. Mas o ideal é o conhecimento da língua. Do mesmo modo, viajar e residir no exterior são chaves para a escolha de textos fidedignos e técnicas de pesquisa ao chegar o momento de estudar as escolas sistematicarnente. Isto vale para o estudante como para o professor. Saber a língua do país facilita viajar, e viajar ajuda a aprender a língua3. Pode haver muitas justificativas para visitar países e escolas estrangeiras com pouca ou nenhuma preparação na língua do país hóspede, mas não há desculpa alguma para aquele que, interessado no trabalho comparativo, voltasse do país de estudo ignorando os rudimentos de sua língua. Mesmo quando é impossível viajar, os estudantes devem fazer grandes esforços para manter estreito envolvimento pessoal. Entrevistar educadores visitantes, ouvir programas de rádio do país em estudo, ver grande número de fotografias, ler jornais, assistir a filmes — todas essas atividades são meios necessários para avivar a percepção e efetuar a “fusão” com a cultura que se está estudando.

1 Ver George Z. F. BEREDAY, Uma discussão de métodos de Educaçao Comparada”, Comparative Education Review, vol. 1, n.° 1 (junho de 1947), p. 14.

2 ver BEREDAY, Notas sobre as armadilhas da Educaçáo Comparada”, in Bower ALY (org.). Arnerican Education (National University Extension Association, Colúmbia, Missouri, 1958), vol. 1, p. 28.

3 De um editorial de George Z. F. BEREDAY, in Comparative Education Review, vol. 2, nº 2 (out. de 1958), p. 3.

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Língua e viagem ajudam também a manter sob controle preconceitos e gostos pessoais que são muitas vezes inconscientes. O subjetivismo vicia todas as ciências sociais; desde o tempo de Gustavus Myers tem sido problema permanente na interpretação do testemunho histórico. Deve deixar-se aos educadores comparativos, sejam estudantes, professores ou pesquisadores, a escolha entre serem comprometidos pessoalmente ou desapaixonados quando avaliam dados e fatos de outros países. Mas se tomam partido, devem declarar no início de seu trabalho que ideologia ou ponto de vista adotam4. Nesse caso podem suas conclusões não ser aceitas pelos que não compartilham as mesmas convicções. Todavia, seu trabalho será uma fonte primária expressiva, mesmo para os espíritos de formação relativística. Esses comparatistas se limitam a definir metas e ambições como as sociedades as expressam e a medir realizações e fracassos da educação em termos de sucesso no conseguimento dessas metas nacionais5.

1) Descrição. Uma preparação6 adequada permite aos educadores comparativos abordar a sua primeira tarefa: a descrição de sistemas práticos educacionais. Para isso os dois principais aspectos do estudo de escolas estrangeiras são o acompanhamento das fontes escritas e a visita às escolas.

Todos os estudantes comparativos devem começar com amplas leituras. Não é preciso advogar uma grande familiaridade à bibliografia atual e tradicional. A literatura no campo da Educação Comparada divide-se, de acordo com o uso de outras disciplinas, em fontes primárias, secundárias e auxiliares. A clássica distinção da História entre fontes primárias e secundárias é que as primeiras são escritos de testemunhas oculares, mas na Educação Comparada este critério nem sempre é correto. É preferível descrever as fontes primárias como escritos não submetidos à análise científica sistemática e completa. Com óbvias exceções — por exemplo o relatório de comissões, que geralmente fornecem os dados educacionais em forma sucinta — acham-se nesta categoria os relatórios oficiais de ministérios e outros órgãos públicos, transcritos de deliberações de corpos legislativos e doutas assembléias, folhetos e livros que exprimem opiniões particulares, e quejandos. Jornais, diários, revistas, opúsculos e brochuras de toda ordem e que correspondam à descrição — “informação direta do campo” — são também fontes primárias. Deve-se ter o cuidado de incluir aqui as descrições físicas de escolas, ainda que tiradas de novelas, portanto ficção. Nenhum sistema escolar pode ser estudado adequadamente sem a impressão visual das instalações, equipamento e relações humanas internas. A este título serão também consultados os manuais internacionais, revistas científicas e atas de congressos.

Constituem fontes secundárias livros, compilações, coleções de artigos, antologias e a corrente interminável de informações qualitativas de segunda mão. É aqui que o estudante deve pôr-se em guarda contra os escritos enganadores de pessoas mal preparadas. Para garantir o equilíbrio o estudante deve incluir escritos de naturais do país em estudo e de observadores estrangeiros. Terá de esforçar-se por manter as justas proporções entre o material descritivo, o analítico e o exortatório. Tomará cuidado para avaliar quanto houver de representativo na informação apresentada. Há muito material disponível em cada país com que se pretende falar pela nação inteira mas que de fato representa apenas a ação de pequenos grupos de pressão.

Material auxiliar formam os livros, artigos e outras fontes impressas não diretamente ou claramente relacionados com educação, mas de qualquer maneira pertinentes. Livros de cultura em geral, teatro, estudos sociais, todos lançam luz sobre a educação. Muitas vezes se acham detalhes 4 Podem-se encontrar modelos para esta abordagem in R. Freeman BUTTS, Assumptions underlying Australian

Education (Australian Council on Education, Melburne 1955), e in David RIESMAN, Constraint and Variety in American Education (University of Nebraska Press, Lincoln, Neb., 1956).

5 Ver LAUWERYS, “A abordagem filosófica à Educação Comparada”, International Review of Education e Andreas KAZAMIAS, Algumas abordagens velhas e novas à metodologia da Educação Comparada” Comparative Education Review, vol. 5, nº 2 (out. de 1961), pp. 90-96.

6 Isto será discutido mais adiante nos capítulos VII e IX.

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sobre a organização das escolas em livros de Ciência Política. Os manuais de puericultura muitas vêzes contêm a chave de atitudes para com as crianças. Não há limite para essas fontes enquanto tenham alguma relevância para a educação.

A leitura de fontes adquire especial relêvo com um sólido programa de visitas às escolas. Visitam-se escolas por muitas razões, mas quando o objetivo é a análise de área, ou comparativa, devem-se seguir regras sistemáticas definidas. É preciso dar aos vários métodos de visitar e à sua eficácia maior atenção do que se deu até hoje. O antigo, o pior, é ir às escolas completamente ao acaso, ou de acôrdo com o que os anfitriões desejam mostrar. Melhor maneira é procurar espontâneamente uma escola em qualquer localidade a que a pessoa possa dirigir-se; melhor se determina a distribuição e a qualidade das escolas desse modo. Outro modo, que é útil embora mais difícil, é planejar a cobertura regular, das escolas do país, a saber, uma em cada cidade, ou uma escola urbana e uma rural em cada distrito ou divisão territorial, ou uma em cada cem escolas da lista oficial. Um método usado freqüentemente é visitar escolas por tipo: uma escola maternal, um jardim-da-infância, uma primária, e assim por diante; ou uma de objetivos gerais, uma vocacional, um centro de educação de adultos, por exemplo. Provavelmente ocorre na prática uma mistura de todos esses métodos. Todos devem ser usados até o limite de sua capacidade.

Como o estudo de área é sempre uma fase preliminar à comparação, deve-se ter o cuidado de facilitar a comparabilidade com a colheita sistemática de dados. Isto é particularmente importante quando a viagem abarca vários países ao mesmo tempo, em cada um dos quais o visitante deseja executar um estudo de área preliminar. Ele não pode, em tais casos, visitar principalmente escolas secundárias num país, primárias em outro, vocacionais num terceiro. Visitas a universidades do Estado num país não devem equiparar-se com observações de universidades eclesiásticas noutro e de particulares num terceiro. Não se visitam duas instituições num país de meio milhão de habitantes, para serem comparadas com duas apenas num país de duzentos milhões. Se se reserva tempo para entrevistas com funcionários num país, não se deve concentrar o interesse apenas em visitar salas de aulas em outro.

Depois de escolher o método da visita, é preciso determinar o tempo a gastar em cada escola e os modos de estudá-la. Até minúcias triviais são importantes. Por exemplo, devemos lembrar que sábado e domingo podem ser aproveitados para fins culturais e não para visitas a escolas. Em planos de viagem devemos tomar nota dos feriados variáveis, dos costumes e até do clima da região a visitar. Mais de um viajante incauto planejou uma visita de dois dias a Londres que resultou num feriado bancário, ou passou uns maus dias arrastando-se na lama de zonas afetadas pela estação das chuvas. As férias escolares também variam de país para país, e assim, às vêzes, os viajantes dão com as portas fechadas e as aulas vazias. Há ocasiões e locais em que senhoras não podem e homens não devem sair desacompanhados à noite, Mesmo com o advento do avião a jato, é preciso calcular o tempo de viagem, a recuperação após a chegada e a adaptação à cozinha. As atividades devem também ser planejadas à base do horário das escolas locais. É imprudente pretender realizar mais de quatro entrevistas oficiais por dia.

A maioria das escolas provavelmente terá de ser visitada, no tempo médio de um dia ou mesmo meio, cada. Para uma boa observação sistemática, o ideal é passar pelo menos de seis semanas a três meses numa determinada escola, de preferência no quadro docente. Uma permanência longa demais faz diminuir o rendimento do tempo que poderia ser gasto melhor alhures. Não obstante, deve-se ter o cuidado de atribuir tempo suficiente não só para entrevista com professôres, administradores e alunos, mas para participação direta em classe. Obtêm-se os melhores resultados quando é permitido andar pela escola e colher amostras de tantas classes quanto possível. A visita a uma classe, seja prèviamente anunciada ou não, deve abranger todo o período ou vários períodos consecutivos de modo que a novidade do visitante venha a desaparecer para as crianças e o professor. Por esta razão também é melhor não tomar notas durante a observação. Permitida ou não a participação no ensino ou de outro modo qualquer, devem-se fazer anotações

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cuidadosas dos fatos cada noite.É óbvio, pelo dito acima, que uma volta de meia hora pelo ginásio, restaurante e biblioteca

não chega a ser um método adequado para estudar a escola, por útil que possa ser noutros aspectos. Mesmo assim deve-se ter cuidado em não confundir uma simples visita à escola com o levantamento completo. Ninguém está plenamente treinado nas técnicas do estudo de área se não tiver participado em pelo menos um desses levantamentos. Os levantamentos escolares modernos são um conjunto de pesquisas socioeducacionais executadas por uma equipe de especialistas. Geralmente esta equipe é formada de mestres, administradores escolares e filósofos da educação juntamente com psicólogos, sociólogos e estatísticos. Traça-se o plano da operação como em qualquer outra pesquisa de campo da Sociologia. A formulação de uma hipótese de trabalho é seguida do estudo-pilôto que fornece a base para um programa completo de observação da escola, entrevistas de campo, exame de alunos e debate de opiniões. Os informes de tais equipes de pesquisa reunidos representam a mais valiosa categoria de fontes primárias à disposição do educador comparativo. Hoje existem disponíveis na América do Norte e noutras partes amplos precedentes de levantamentos escolares.

O problema final no estudo da “geografia da educação” é o método de organizar os dados recolhidos. Por causa das muitas exigências, muitas vêzes imprevisíveis da comparação subseqüente, os educadores comparativos desde a época de Jullien, inclinavam-se a adotar listas exaustivas de critérios e categorias conforme as quais o material informativo de cada país era coligido e depois comparado. Este amplo seguro contra quaisquer eventualidades já não é necessário nem mesmo desejável. Antes, deveríamos convencer os estudantes a buscarem orientação na experiência dos sociólogos quando pretenderem desenvolver planos de pesquisas bem elaborados e coerentes. Há coleções completas de informação educacional sobre qualquer país prontamente disponível no Centro de Informação da UNESCO em Paris; no Bureau Internacional de Educação, de Genebra; no U.S.Office of Education (Departamento de Educação) de Washington; no Instituto da UNESCO de Hamburgo; no Setor para a Pedagogia do Exterior, da Academia de Ciências Pedagógicas de Moscou, e noutros lugares7. Um pesquisador muitas vêzes não precisa fazer mais do que dar uma olhada aos fatos educacionais fornecidos por uma ficha ou outro sistema de arquivo. Mapas da área em estudo podem apresentar por isótipos, ou outros métodos cartográficos, a distribuição das escolas, percentagem dos grupos de idade escolar na população total, número de professôres, e assim por diante (fig. 1)8. Utilíssimas são as tabelas estatísticas de efetivos escolares e os diagramas da organização escolar (fig. 2), especialmente estes, se traçados para mostrar a proporção dos grupos etários realmente matriculados9.

Em pesquisas comparativas subsequentes, os estudantes devem buscar a orientação dos cientistas sociais para desenvolver planos de estudos bem preparados e orgânicos. Os dados descritivos nunca devem resultar em ensaios de cinqüenta páginas de detalhes maçantes e desconexos. Quando possível, os fatos devem ser apresentados em tabelas, como abaixo, 7 Há também boas coleções em Londres, Tóquio, Nova York, Bonn, Francforte e Roma; nas bibliotecas de

universidades, institutos especiais e bibliotecas do ministério da educação.8 Até mesmo um simples mapa mostrando as instituiçóea de ensino superior da Escandinávia revela que tais

instituições tendem a agrupar-se nas cidades principais e, por isso, ao longo dos portos meridionais, conclusão essa que não é muito evidente nas enumerações do Europa Yearbook, a fonte usada. Só recentemente foram propostas novas universidades para regiões mais setentrionais: em Umeà, na Suécia, Trondheim, na Noruega, e Oulu, na Finlândia. Para exemplo de mapa comparativo em escala mundial, ver UNEsco, World Illiteracy ai Midcentury (Monographs on Fundamental Education, 1957), frente à p. 200. Para a história do uso de isótipos ver Marie NEURATH. “Origem e teoria do isótipo”, in George Z. F. BEREDAY e Joseph A. LAUWERYS (orgs.), Communication Media and Education: The Year Book of Education, 1960 (Harcourt, Brace &i World, Nova York, Evans Brothers, Londres, 1960), pp. 112-120.

9 A preparação de tais diagramas é encorajada pelas exigências do curso dêste Autor, “Fundamentos da Educação Comparada”, no “Teachers Coliege” da Universidade de Colúmbia. O diagrama sôbre o Japão foi preparado em cumprimento de uma dessas, exigências por J. T. FORCE, que fêz o curso na primavera de 1959.

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construídas de acordo com categorias analíticas predeterminadas. Obviamente, a divisão do “roteiro” da escola em pré-escolar, primário, secundário inferior, secundário superior, e níveis pós-secundário e de pós-graduação é simples como um esquema conceptual básico10.

Há várias outras classificações possíveis, por exemplo: por admissão, programa, e por graduação nas escolas secundárias. O uso dessas tabelas garante não só completa cobertura e ordem, mas também prepara automàticamente os dados para a futura comparação com outros países tratados analogamente. Nos capítulos II e V dois diferentes métodos de tabulação em coluna dupla demonstram a utilidade dessa abordagem à descrição.

10 A classificação sêxtupla [Ensino pré-escolar, Ensino primário, Ensino Secundário Inferior, Ensino Secundário Superior, Ensino Pós-Secundário, Ensino de pós-graduação] para substituir a divisão do ensino em primário, secundário e superior foi desenvolvida por Franz HILKER e adotada por uma conferência de Educaçâo Comparada que se realizou no Instituto da UNESCO em Hamburgo, em março de 1963. Neste livro utiliza-se uma verslo modificada posteriormente.

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2) Interpretação. Não se pode enfatizar com muito rigor que a preparação e o tratamento de dados educacionais puramente descritivos não são mais do que a primeira etapa num estudo de área. A informação escrita da vida escolar num ou mais países estrangeiros é útil para o estudante como fonte e como treinamento preliminar, mas não é em si mesma a meta da Educação Comparada. Friedrich Schneider, há tempo, chamou esse estudo Auslandspädagogik (Pedagogia do Estrangeiro) em oposição a Vergleichende Pädagogik (Educação Comparada). Esta implica não descrição, mas interpretação da informação e consiste em submeter os dados pedagógicos a exame minucioso em termos das outras ciências sociais.

(...)Infinitas são as inter-relações entre escolas e sociedade. Para esclarecê-las os educadores

comparativos e cientistas sociais devem usar linguagem comum. Todo estudante de Educação Comparada precisa ter o conhecimento real de ao menos uma, e possivelmente duas ou três, disciplinas além da Pedagogia, de tal modo que possa aplicar Sociologia, História, Economia ou outras ciências ao campo de seu interesse. Em estudos diferentes usa-se equipamento diferente, mas todos os estudantes devem conhecer vários utensílios e devem utilizar na análise educacional a variedade de métodos derivada desse conhecimento.

As humanidades e as ciências sociais devem ser usadas para ampliar a perspectiva da Educação Comparada. Até hoje não podemos explicar adequadamente nenhum programa escolar sem pô-lo em relação com as convicções filosóficas da sociedade a que serve, nem comparar as mudanças educacionais ignorando o período histórico em que estas se deram11. Hoje a análise comparativa preocupa-se com o impacto sociológico da educação sobre a formação da opinião pública, o papel económico da educação como investimento público, ou a mudança de fronteiras entre o direito dos pais e o da organização política em determinar os programas da escola.

(....)

Os educadores comparativos devem recorrer mais à Psicologia que, após os malogrados estudos de caráter nacional da década de 1930, é hoje muito negligenciada. As ciências naturais, a despeito das exortações de C. P. Snow, são raramente usadas na análise comparativa. São também ignoradas a Literatura, a demografia e a religião12. Faça-se da vigorosa preparação uma disciplina central, digamos a Ciência Política, um pré-requisito da Educação Comparada e ganharão os seus pesquisadores força para explorar as disciplinas correlatas à maneira dos cientistas sociais.

O segundo passo analítico em estudo de área é submeter toda a informação pedagógica acumulada à prova de relevância social. Neste ponto o pesquisador deve procurar a significação mais larga dos dados educacionais em termos de sociedade em geral. Aqui, as crianças da escola são consideradas não só como alunos mas também como grupos de idade (Estatística), subculturas da adolescência (Sociologia), espírito em formação (Filosofia) ou potencial humano (Economia). A interpretação consiste em usar, um após outro, os métodos de abordagem das várias ciências sociais para lançar nova luz sobre os dados pedagógicos colhidos. Referindo-os a uma rosácea de diferentes disciplinas, o estudante se torna capaz de avaliar não apenas os acontecimentos educacionais mas também suas causas e conexões. É o porque mais do que o como que permite avançar para a direta comparação.

BEREDAY, George Z. F., Método comparado em educação, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1972, pp. 38-51.

11 A obra de Robert ULICH é o último exemplo de uma abordagem histórica.12 SNOW, The Two Cultures and the Scientific Revolution, (Cambridge University Press, Cambridge, 1959). O livro é

notável como ensaio de Educação Comparada por um não-especialista.

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