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10ª MARCHA DOS IMIGRANTES “Dignidade para os imigrantes no mundo” Texto-base

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Dignidade para os imigrantes no mundo

10ª MARCHA DOS IMIGRANTES“Dignidade para os imigrantes no mundo”

Texto-base

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Dignidade para os imigrantes no mundo

Introdução

O convite desta 10ª Marcha dos Imigrantes é refletirmos e organi-zarmo-nos pela “Dignidade para os imigrantes no mundo”. Como nós, na condição de Igreja, movimentos sociais e sociedade civil

organizada, podemos fazer avançar a bandeira da dignidade como um valor intrínseco a todos os seres humanos?

O último ano foi marcado por intensos retrocessos nos temas migrató-rios e sociais, em todo o mundo. A crise de refugiados que eclodiu em 2015 não apenas não foi suficiente para criarmos novas políticas e instrumentos de acolhimento para aqueles que fogem de guerras e ameaças à sua sobre-vivência e integridade física, mas também tem sido usada como pretexto para reforçar discursos xenofóbicos e excludentes nos países ricos.

No Brasil, a profunda crise política e social que vivemos ameaça trazer novos contornos para a questão imigratória no país. As medidas do gover-no golpista colocam em questão o pacto social da Constituição de 1988 e se baseiam na negação da dignidade de toda a população. Nesse sentido, afirmar a dignidade dos imigrantes – costumeiramente os primeiros a serem penalizados pelas crises – tem um sentido transformador: representa afir-mar que todos os seres humanos têm um valor intrínseco, que não pode ser desconsiderado em função das conveniências dos poderosos. Mais do que nunca, proclamar a dignidade sem fronteiras dos imigrantes representa de-safiar a lógica política excludente que se afirma, para a construção de uma sociedade mais solidária para todos.

Neste momento difícil, este material pretende apoiar a reflexão e as ações da Igreja e da sociedade civil organizada na defesa dos imigrantes e de outro tipo de organização social, que seja baseada no reconhecimento da dignidade de todos e na promoção da solidariedade. Afirmemos mais uma vez: nenhum ser humano é ilegal: Dignidade para os imigrantes no mundo!

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1. Dignidade, direitos humanos e bem viver

A ideia de dignidade sintetiza bem uma série de bandeiras e valores que abraçamos na defesa dos imigrantes. “Dignidade” é uma pa-lavra que tem origem no latim, dignus, e significa aquele que tem

valor, que merece estima e honra, que é importante.

O pensamento teológico cristão foi o primeiro a conceber a existência de uma dignidade da pessoa humana, que cada indivíduo tem. A ideia de um valor intrínseco a cada pessoa tem base em dois princípios: de que todos são frutos da criação divina, e que são dotados da razão e do livre arbítrio. A ideia de dignidade, portanto, está relacionada à necessidade de agir como seres morais em sua relação com as outras pessoas.

O iluminismo ressignificou esse conceito a partir do pensamento do fi-lósofo alemão Immanuel Kant. A moralidade, para Kant, está fundada no que ele chama de “imperativo categórico”, ou seja, pode ser descrita como uma forma ou modo de agir que seja universalizável. A máxima kantiana de conduta é de que se deve agir de modo que suas ações possam ser tornadas universais, ou seja, de acordo com princípios aplicáveis a todas as pessoas e circunstâncias. Uma decorrência desse princípio é a ideia de que o ser huma-no jamais pode ser visto como meio para outros fins, mas sempre como um fim em si mesmo. As leis morais devem se voltar à proteção da humanidade como um todo. O ser humano não pode ser meio para outros fins em função do valor fundamental da dignidade, ou seja, do valor intrínseco de cada ser humano que não pode jamais ser eliminado.

Os horrores da Segunda Guerra Mundial levaram a pensadora alemã Hannah Arendt a discutir o problema da apatridia, ou seja, do surgimento de grandes grupos de milhões de pessoas sem nacionalidade, sem sua exis-tência reconhecida por qualquer Estado e, por isso, sem proteções mínimas e direitos. Ela aponta a perda da cidadania (definida por ela como “o direito a ter direitos”) como a passagem de seres políticos, com existência e valor

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reconhecidos na esfera pública, para seres de existência apenas biológica, voltados tão somente para a produção no mercado de trabalho e a reprodu-ção – o homo laborans. A negação da dignidade a esses grupos perseguidos os transforma em corpos, e não mais em cidadãos e membros da sociedade.

Fica claro, portanto, como o tema da dignidade humana é central para o tema das imigrações e da defesa dos direitos humanos. A dignidade é o fun-damento sobre o qual o pensamento cristão e o pensamento político-filosófi-co modernos construíram a ideia de um valor intrínseco a todas as pessoas, que justifica a preservação de uma série de direitos e liberdades mínimas.

O conceito de dignidade nos permite pensar tanto a igualdade quanto a diferença entre os seres humanos. Somos iguais, na medida em que todo ser humano tem um valor inscrito na sua condição humana. Por isso, somos todos irredutíveis a um mero corpo ou força de trabalho: nossa dignidade pressupõe condições mínimas de vida e direitos, ou seja, que em nossas relações mútuas, no espaço público, sejamos reconhecidos como sujeitos e como concidadãos, compatriotas, enfim, humanos. Somos também diferentes: a existência de uma identidade humana comum é o que nos permite expressar nossas diferenças em termos de cultura, trajetórias, experiências e objetivos, entendendo-as como diversas formas de expressão do humano. As diferenças, portanto, enri-quecem nossa experiência do que é ser humano, estando todas ancoradas em um núcleo comum de nosso igual valor e dignidade.

No âmbito dos Estados nacionais, a dignidade é o que fundamenta a ci-dadania, o direito a ter direitos. Não por acaso, na Constituição brasileira de 1988, está estabelecido em seu artigo 1º que a República brasileira tem como fundamento “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III). Porém, a cidada-nia, no mundo contemporâneo, está ancorada em Estados, que têm fronteiras territoriais e populacionais. Isso significa que os direitos garantidos pelo Es-tado somente se aplicam a seus cidadãos, ou seja, àquelas pessoas que detêm a nacionalidade e, por consequência, a cidadania daquele Estado.

Os movimentos de população entre diferentes localidades são uma cons-tante na história da humanidade. Entretanto, com o surgimento dos Estados nacionais e suas fronteiras, a partir do século XVII, cria-se uma nova figura: o imigrante, aquele que se desloca de seu local de origem e não tem a cida-dania do Estado em cujo território reside.

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A partir do início do século XX, e mais intensamente após a Segunda Guerra Mundial, foram desenvolvidos esforços para criar uma instituciona-lidade internacional em torno da preservação de um núcleo mínimo de di-reitos, a todos os seres humanos: os direitos humanos. A ideia de dignidade é central para o conceito de direitos humanos: trata-se de um conjunto de direitos, de responsabilidade dos Estados, fundamentado na igual dignidade de todos enquanto seres humanos. A agenda de direitos humanos é progres-sivamente incorporada como linguagem para enquadrar as lutas de diversos movimentos sociais, e como institucionalidade à qual se pode recorrer para fazer valer os direitos dos povos. A consolidação dos direitos humanos se afirma em uma série de instituições: tratados internacionais, organizações internacionais, tribunais e cortes internacionais e mecanismos de denúncia.

Os direitos humanos visam regular a relação entre governantes e gover-nados, ou seja, identifica direitos dos sujeitos e confere ao Estado a princi-pal responsabilidade pela sua realização. É importantes destacar que, aqui, não estamos mais nos referindo a cidadãos, mas a governados: ou seja, os governos têm a obrigação de assegurar os direitos humanos dos indivíduos, independentemente de sua condição de cidadania. Na medida em que os Estados ratificam tratados internacionais de direitos humanos, eles estão ju-ridicamente obrigados a fazê-lo, sob a legislação internacional.

Outro ponto importante com relação a essa definição é a questão de como os Estados asseguram os direitos humanos. Para alguns direitos, especialmente os direitos civis e políticos, como a liberdade de expressão e de associação, a missão do Estado é “negativa”, ou seja, ele deve se abster de atos que interfiram no livre exercício desses direitos. Em outras palavras, o Estado não deve agir; não deve censurar, perseguir, ou tomar qualquer atitude que comprometa a livre busca pelos indivíduos de seus objetivos. Para outros direitos, especialmente os direitos econômicos, sociais e culturais, a obrigação do Estado é a contrária: ele deve agir, por meio de políticas públicas, para assegurar serviços necessários ao exercício desses direitos. Para que tenhamos garantido o direito à educação ou à saúde, por exemplo, é necessário que o Estado invista na oferta de escolas e hospitais universais e gratuitos. Há ainda outros tipos de direitos humanos, difu-sos e coletivos, que têm a ver com a garantia de direitos à existência comunitária e a bens difusos, como um meio ambiente saudável e equilibrado, que também requerem não intervenções e políticas ativas por parte dos Estados.

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Podemos relacionar a ideia da necessidade da ação do Estado para a garantia dos direitos humanos ao conceito de bem viver. Surgido a partir das reflexões e experiências dos povos indígenas da América Latina, o conceito traduz a necessidade de uma nova relação dos povos com os recursos e com a economia, que supere as distorções do capitalismo. Trata-se de criar uma organização social que se volte para o bem estar das pessoas, e não apenas para o lucro de alguns. A partir da noção de bem viver, podemos questionar o próprio direito ao desenvolvimento: não se trata apenas de promover o cres-cimento capitalista a qualquer custo e a inclusão dos grupos marginalizados nesse modelo, mas de se instituir uma nova noção de desenvolvimento, que coloque as pessoas no centro das preocupações.

Apesar de todo o processo de institucionalização dos direitos humanos, que segue há um século, ainda estamos muito distantes de uma situação em que todos os seres humanos tenham seus direitos respeitados e legitimados. Os Estados nacionais e as instituições internacionais que eles criaram ainda foram insuficientes para promover um mínimo de respeito à dignidade de todos, e a criar condições de priorização dos direitos humanos. Isso ocorre porque os Estados ainda atuam prioritariamente a partir da lógica da cida-dania nacional, que exclui aqueles que têm status jurídico de não cidadãos.

Precisamos de novas instituições e espaços, capazes de traduzir a as-piração a um conceito de cidadania não restrito a fronteiras estatais. Em certa medida, os esforços para a criação de blocos regionais – como a União Europeia, o Mercosul e a Unasul – traduzem esse anseio por criar espaços de livre circulação de pessoas, em que se reconheça a dignidade comum dos indivíduos e dos povos, dando condições para uma convivência baseada no respeito e nos direitos humanos. Por outro lado, fica evidente o caráter li-mitado dessas iniciativas: embora elas promovam maior inclusão dentro de suas fronteiras, essas organizações supranacionais permanecem vinculadas à lógica estatal da exclusão daqueles que são “de fora”. A dignidade dos demais permanece negada, não reconhecida. Infelizmente, é este cenário de negação que verificamos, de forma cada vez mais aguda, com relação à imi-gração no mundo contemporâneo.

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2. Dignidade e imigração no mundo contemporâneo

Vivemos uma época difícil para a defesa dos direitos humanos e da igual dignidade de todas as pessoas. Vemos nos mais diversos países o recrudescimento de políticas públicas e direitos, e o avanço de dis-

cursos reacionários, de uma direita xenófoba e antipopular.

Na Europa, o avanço de partidos políticos de extrema direita tem crescido nos últimos anos, com destaque para a demonização dos imigrantes, especial-mente aqueles que integram minorias raciais e religiosas. Sob discursos de preservação de uma imaginada homogeneidade cultural passada, defendem-se restrições à entrada de imigrantes e refugiados e à rejeição à diversidade. A força desses grupos não pode ser minimizada: quase 4 mil pessoas morreram no Mar Mediterrâneo em 2015, tentando chegar à Europa fugindo de guerras e de situações de perseguições políticas e religiosas, além de situações da mais flagrante violação de direitos básicos, sem que tenha sido possível chegar a so-luções mais definitivas com relação ao acolhimento dessas pessoas. Enquanto alguns países se dispuseram a receber certos contingentes, outros rejeitam a possibilidade da instituição de cotas.

A ocorrência de novos ataques terroristas por parte de grupos sectários, em geral compostos por cidadãos desses países europeus, fortalece os discursos se-curitários que passam a associar todo imigrante a uma ameaça potencial. O valor intrínseco de cada ser humano, traduzido pela ideia de dignidade da pessoa

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humana, é apagado por uma visão que coisifica e nega a alteridade; sem dig-nidade, o imigrante é apenas um corpo, um ser vivente, apto para o trabalho indesejado pelos nativos e uma ameaça permanente.

Nos Estados Unidos, é preocupante ver o processo de fragilização das instituições democráticas e o avanço do conservadorismo xenofóbico, repre-sentado pela escolha de Donald Trump para ser o candidato republicano à pre-sidência, bem como o grande apoio que ele encontrou em parcelas da socie-dade americana. Com um discurso abertamente hostil aos imigrantes, Trump acusou os mexicanos de serem estupradores e de enviar drogas aos Estados Unidos, e prometeu construir um muro entre os dois países. Trump e seus apoiadores são violentos contra qualquer um que se manifeste contrariamente a suas posições, e seus comícios foram marcados por diversas demonstrações de racismo. A possibilidade real de que um líder abertamente racista e xenófo-bo assumisse a presidência do país mais poderoso do mundo sinaliza como a desagregação das estruturas de suporte estatal está fomentando posições polí-ticas extremadas e contrárias aos direitos humanos.

Os retrocessos são visíveis também na América Latina. Após mais de uma década de hegemonia de governos populares e de esquerda, testemunhamos agora a ascensão da direita, seja por via eleitoral (como na Argentina), seja por meio de golpes disfarçados de procedimentos constitucionais (como em Honduras, no Paraguai e agora no Brasil). Os governos de esquerda que per-manecem (como o do Chile) sofrem forte pressão dos setores de oposição e da mídia, e têm tido dificuldades para avançar suas agendas.

Essas tendências reforçam a preocupação expressa pelo sociólogo portu-guês Boaventura de Sousa Santos. Segundo ele, o fascismo social – ou seja, o autoritarismo nas relações entre indivíduos e setores das sociedades – tem avançado no mundo. Há um risco importante de que esse processo desem-boque em fascismo político, com a implantação de governos ditatoriais ou simplesmente por meio do esvaziamento completo das democracias de seus componentes de participação, garantia de direitos e inclusão, reduzindo-as a meros rituais formais de alternância no poder por parte de plutocracias.

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3. A crise no Brasil e os imigrantes

No Brasil, a situação é evidentemente de uma crise política e social sem precedentes. Após um processo eleitoral muito polarizado em 2014, entramos numa espiral de crise política, alimentada, por um

lado, pela não aceitação do resultado eleitoral pelo candidato derrotado, do PSDB e, por outro lado, pela quebra das promessas de campanha pela presi-denta reeleita. A oposição rejeitou o resultado das urnas, em que a população expressou seu apoio à manutenção de um programa de inclusão social, e passou a questionar a confiabilidade das urnas, a apresentar denúncias re-lativas ao financiamento da campanha da Presidenta Dilma no Tribunal Su-perior Eleitoral e a alimentar a ideia de um impeachment mesmo antes do início do segundo mandato. Por sua vez, a Presidenta recuou com relação a suas promessas de campanha, em que defendera a manutenção do empre-go e dos programas sociais, e passou a implementar um duro ajuste fiscal. Após perder sua base eleitoral, e tendo a opinião pública de classe média e setores privilegiados inflamada pela atuação parcial da mídia e de setores do judiciário, a Presidenta Dilma sofreu um processo de impeachment sem base jurídica, a partir de pretextos construídos a posteriori para justificar uma decisão política dos setores derrotados.

Desde que assumiu a presidência, em maio, o vice-presidente golpista Michel Temer vem defendendo uma agenda de reformas antipopulares e de supressão de direitos, absolutamente contrária ao programa da chapa eleita em 2014: terceirização ilimitada; fim da CLT, com a previsão de que acordos coletivos possam retirar direitos previstos em lei; reforma da previdência, incluindo o aumento da idade mínima para aposentadoria e a desvinculação de pensões e benefícios do salário mínimo; e, talvez a mais grave, a PEC 241/2016, ou a emenda constitucional do teto de gastos públicos. Prevendo o fim dos percentuais mínimos constitucionais para educação e saúde e o congelamento dos gastos públicos nos próximos 20 anos, a principal ban-deira do governo interino terá como consequências a implantação forçada de um Estado mínimo neoliberal e a desconstrução da rede de políticas de pro-

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teção social que foi estabelecida a partir da Constituição de 1988. Trata-se, portanto, de uma tentativa de implosão do pacto social de nossa constituinte, que, apesar da atuação contrária dos setores dominantes, tinha possibilitado avanços sociais reconhecidos internacionalmente.

A agenda da defesa dos direitos dos imigrantes no país não poderia dei-xar de ser afetada por essa conjuntura. Assim que assumiu o poder, o gover-no ilegítimo atual anunciou sua decisão de interromper os diálogos em curso com a União Europeia para o recebimento de mais refugiados no país. Na sessão de abertura da Reunião de Alto Nível sobre Refugiados, Michel Te-mer inflou o número de refugiados que o país já recebera, incluindo na conta haitianos que entraram no país com vistos humanitários – e, evidentemente, sem o mesmo estatuto jurídico que os refugiados.

Tivemos, é verdade, um avanço importante este ano com a promulga-ção da Lei nº 13.34/2016, que tipifica o tráfico de pessoas e prevê políticas públicas de assistência às vítimas. A norma, que vinha sendo discutida des-de 2011, é uma adaptação da legislação brasileira ao Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacio-nal Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas (Pro-tocolo de Palermo), do qual o Brasil é signatário. Um aspecto importante dessa legislação é que, ao tempo em que prevê punições aos responsáveis por agenciar e recrutar pessoas para submetê-las a condições de escravidão, exploração sexual ou adoção ilegal, também estabelece o direito das vítimas

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de permanecer no país de destino, bem como a necessidade de que o Estado ofereça serviços e atendimento adequados a elas.

No entanto, temos fortes motivos para duvidar do compromisso do go-verno ilegítimo com a garantia dos direitos dos imigrantes. A crise econô-mica por que passa o Brasil tem feito com que muitos imigrantes se dirijam a outros países em busca de melhores condições e trabalho, especialmente os haitianos; mesmo assim, os discursos xenofóbicos continuam a se valer da figura dos imigrantes como bodes expiatórios para os males do país. Se até recentemente era possível dizer que não havia forças políticas relevantes que construíssem suas agendas a partir da rejeição dos imigrantes, com a as-censão no cenário nacional de forças de extrema direita, como o infame de-putado federal Jair Bolsonaro, os imigrantes passaram a ser alvo não apenas de discriminação nas relações sociais cotidianas e da ausência de políticas públicas específicas, mas também de criminalização nos discursos políticos.

Caso a chamada PEC do fim do mundo venha a ser aprovada, teremos um cenário bastante preocupante para as próximas décadas. A PEC representa o esgarçamento das relações sociais de solidariedade, mediadas pelo Estado; representa a vitória de uma visão de sociedade em que as relações são mer-cantilizadas e se apaga o projeto de redução das desigualdades e construção de uma sociedade mais justa. Isso necessariamente terá repercussões no acesso que os imigrantes poderão ter a direitos fundamentais, como saúde e educa-ção – concebidos em nossa constituição como universais e gratuitos. Também poderá contribuir para o aprofundamento desse fascismo social em ascensão, na medida em que a pequena solidariedade existente com os imigrantes seja corroída num cenário de precarização dos serviços públicos, e eles sejam erro-neamente vistos como competidores e rivais no acesso a direitos.

Tudo isso é agravado pela permanência, ainda, do Estatuto do Estrangeiro e sua visão securitária da imigração, percebida como ameaça ao mercado de trabalho nacional e à segurança do país. Na medida em que vemos avanços do governo atual na direção de restrições de liberdades civis e intimidação em geral àqueles com opiniões divergentes (expressa de forma muito clara no projeto conhecido como “Escola Sem Partido” e nas intimidações judiciais que vem ocorrendo àqueles que se opõem ao bloco no poder), há motivos para temer que a legislação de estrangeiros no país, associada à lei antiterrorismo, seja utilizada para frear ações de mobilização dos imigrantes e de demandas por direitos.

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4. Nossas bandeiras de luta: “Dignidade para os imigrantes

no mundo”

Partimos para esta 10ª Marcha dos Imigrantes, portanto, num cenário de ameaças graves e muito atuais à Dignidade dos imigrantes. Num contexto de recrudescimento das políticas públicas, em que gover-

nantes autoritários assumem o poder e ameaçam desmanchar nossas redes de solidariedade e proteção social, devemos resistir às pressões egoístas e individualizantes que se farão sentir na sociedade.

Num momento de restrições de acesso a direitos para toda a população, discursos xenófobos e de exclusão dos imigrantes podem ganhar força, com a consolidação entre nós de um fascismo social que contamina as relações na sociedade.

Nesse sentido, a afirmação da Dignidade dos imigrantes, e do valor intrín-seco de cada ser humano, é revolucionária. Quando somos chamados pelos poderes dominantes a dizer não a nossos pactos de construção de uma socieda-de mais justa, reivindicar a dignidade dos imigrantes e todos os seres humanos é nos opormos a essa agenda mais ampla de exclusão e discriminação.

Mais do que nunca, a defesa dos direitos dos imigrantes é a defesa dos direitos de todos: afirmarmos a dignidade da pessoa humana, em tempos de negação de direitos, é reforçar que o caminho para nossas sociedades deve ser sempre aquele da ampliação dos direitos da cidadania, e nunca da restri-ção. Para isso, precisamos de outra cidadania: a cidadania universal, que não reconhece fronteiras territoriais ou jurídicas!

Precisamos afirmar, em nossos movimentos e formas de organização, que a dignidade da pessoa humana é incompatível com a discriminação – com base no que quer que seja: língua, cor da pele, nacionalidade, cultura. A dignidade dos seres humanos é o que nos permite sermos diferentes, apesar de intrinsecamente iguais em nosso valor e respeito.

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Precisamos permanecer, no Brasil, vigilantes na luta contra o desmonte de nossos direitos e persistentes ao exigir uma verdadeira política migrató-ria: que crie uma nova Lei de Imigração e que preveja políticas públicas ca-pazes de assegurar os direitos humanos de todos os imigrantes e refugiados. Isso passa, também, por continuarmos a defender a ratificação da “Conven-ção das Nações Unidas para a Proteção de Todos os Trabalhadores Migran-tes e Membros de Suas Famílias”, apesar da composição conservadora do Congresso tornar difícil o avanço dessa agenda.

Talvez, o mais importante neste momento de refluxo dos avanços so-ciais, é mantermos nossa convicção de que somente com a resistência da Igreja, dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil po-deremos conter essa agenda de retrocessos. A vitória dos golpistas não está dada, mas somente se afirmará no dia a dia se os movimentos progressistas abdicarem de fazer o necessário enfrentamento. Pela dignidade dos imigran-tes – e de todos os seres humanos –, nos unamos mais uma vez na luta contra os fascismos e contra o retrocesso!

Renata Barreto PreturlanGestora de políticas públicas e colaboradora do Cami.

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