Texto Base Sintaxe Versao Final

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    Universidade Federal de Santa Catarina

    Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distncia

    Autores da primeira edio:

    Izete Lehmkuhl Coelho (UFSC)

    Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott (UFAM/PG-UFSC)

    Marco Antonio Martins (PG-UFSC/CNPq)

    Texto reeditado por:

    Izete Lehmkuhl Coelho (UFSC)

    Marco Antonio Martins (PG-UFSC/CNPq)

    Lucilene Lisboa de Liz (PG-UFSC/CNPq)

    Fabola Sucupira Ferreira Sell (FASC/IESGF/UNIFEBE)

    Sintaxe

    Florianpolis

    2009

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    SUMRIO

    INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------------- 3

    Temtica I CONCEITOS BSICOS ----------------------------------------------------------- 5

    Unidade 1: Pressupostos da Teoria Gerativa ..................................................................... 5

    Unidade 2: A formao das sentenas ............................................................................... 14

    Leituras complementares .................................................................................................... 16

    Temtica II OS SINTAGMAS ----------------------------------------------------------------- 17Unidade 3: Categorias lexicais ........................................................................................... 18

    Unidade 4: Categorias gramaticais (ou funcionais) ........................................................... 23

    Leituras complementares ................................................................................................... 26

    Temtica III PREDICADOS E ARGUMENTOS ------------------------------------------- 27

    Unidade 5: Exigncia sinttica dos argumentos ................................................................ 28

    Unidade 6: Papis temticos dos argumentos ................................................................... 41Unidade 7: Verbos monoargumentais ............................................................................... 47

    Leituras complementares ................................................................................................... 57

    Temtica IV Distribuio dos constituintes na sentena ------------------------------------- 58

    Unidade 8: Ordem dos constituintes ................................................................................. 58

    Leituras complementares ................................................................................................... 65

    CONSIDERAES FINAIS ---------------------------------------------------------------------- 66

    BIBLIOGRAFIA GERAL ------------------------------------------------------------------------- 68

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    INTRODUO

    O objetivo central deste livro-texto o estudo de alguns aspectos relacionados

    sintaxe das lnguas naturais, com especial ateno a fenmenos sintticos do portugus do

    Brasil e com tpicos pontuais em Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Em tese,

    considerando o conhecimento adquirido na escola, voc j deve saber muita coisa relacionada

    ao estudo da sintaxe. Para recordar, importante dizer que a sintaxe um mdulo da

    gramtica que estuda as relaes entre constituintes, conforme veremos com mais

    detalhamento nas pginas que seguem. Voc deve estar se lembrando (com certa angstia,

    talvez) do estudo de sintaxe associado a um livro com regras prescritivas do bem falar e

    escrever. A sua lembrana diz respeito a uma possibilidade de estudar sintaxe, mas vamosaqui trilhar um outro caminho.

    Antes de mais nada vale lembrar que podemos observar diversos fenmenos (fsicos,

    geogrficos, sociais, lingsticos etc.) no mundo em que vivemos e interpret-los a partir de

    uma determinada teoria. Construmos teorias para explicar esses fenmenos. A gua, por

    exemplo, se transforma em gelo quando atinge a temperatura de 0C, e esse um fenmeno

    natural e observvel. Em todas as lnguas humanas as oraes exibem sujeito, e esse

    tambm um fato natural e observvel. Assim como na fsica, em lingstica nos valemos deuma teoria para explicar (ou interpretar) fenmenos observveis.

    Neste livro-texto, a teoria utilizada para o estudo de fenmenos sintticos a teoria

    gerativa; mais especificamente a teoria de Princpios e Parmetros (cf. CHOMSKY, 1981;

    1986), que tem o nome de Noam Chomsky como precursor. H outras possibilidades que no

    sero trabalhadas aqui sugerimos que voc leia o artigo Sintaxe de, Rosane Berlinck, Marina

    Augusto e Ana Paula Scher (BERLINCK; AUGUSTO & SCHER, 2001) para uma viso geral

    sobre essa questo.Nesse sentido, vamos assumir uma concepo de gramtica bastante especfica neste

    livro-texto. Com base nos pressupostos da teoria de Princpios e Parmetros, entendemos

    gramtica como uma teoria sobre o conhecimento lingstico que um falante tem quando sabe

    uma lngua natural, como o portugus brasileiro ou LIBRAS, por exemplo. Apresentaremos

    neste curso as vantagens do estudo da sintaxe a partir da teoria de Princpios e Parmetros.

    O livro-texto contempla quatro temticas e est dividido em oito unidades: Na

    Temtica I, discutiremos alguns pressupostos basilares da teoria de Princpios e Parmetros

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    (Unidade 1) e o processo de formao de sentenas (Unidade 2); na Temtica II, colocamos

    em destaque o estudo dos sintagmas e a relevncia das categorias ou ncleos na formao

    de objetos sintticos, as lexicais (Unidade 3) e as funcionais (Unidade 4). As relaes entre

    predicados e argumentos esto por conta da Temtica III; especificamente nesse tema,

    discutimos a seleo sinttica (Unidade 5) e a seleo semntica (Unidade 6) de argumentos e

    aprofundamos a discusso sobre os verbos monoargumentais (Unidade 7). Na Temtica IV,

    fecharemos este livro-texto com uma discusso sobre a sintaxe da ordem dos constituintes nas

    lnguas naturais (Unidade 8).

    Ao longo deste livro-texto sugerimos leituras relacionadas s temticas aqui

    discutidas.

    Bom curso e boa leitura!

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    Temtica I CONCEITOS BSICOS

    Nesta unidade, vamos traar discusses a respeito dos pressupostos bsicos da sintaxe.

    Como j foi dito, tomamos as noes de lngua, como objeto mental, e de competncia

    lingstica de Chomsky, que voc j deve ter visto na disciplina Introduo aos Estudos

    Lingsticos, para tratar da formao das sentenas. Antes, porm, para incio de conversa,

    sugerimos que voc v ao DVD para retomar algumas noes que voc provavelmente traz da

    escola a respeito de sintaxe e de gramtica.

    Unidade 1. Pressupostos bsicos da Teoria Gerativa

    Sabemos que existe uma infinidade de possibilidades de combinao entre as palavras

    de uma lngua para formar sentenas. Sendo assim, as sentenas de uma lngua so bastante

    diversas entre si, em termos do nmero de palavras, da ordem em que elas se dispem e do

    sentido que expressam. No entanto, apesar dessa diversidade, existem Princpios universais

    que regulam a formao de sentenas em todas as lnguas naturais, existem tambm regras

    que variam de uma lngua para outra, os Parmetros, e regras que variam dentro de uma

    mesma lngua.Antes de avanarmos a discusso, seria interessante esclarecermos a perspectiva que

    nortear esta disciplina. Como brevemente exposto na introduo, estamos adotando uma

    perspectiva formalista para o estudo da sintaxe. Esta perspectiva se caracteriza pela

    preocupao com o aspecto formal da lngua sem nfase situao comunicativa em que as

    formas lingsticas aparecem. Tal perspectiva se baseia nos pressupostos da Gramtica

    Gerativa idealizada por Noam Chomsky no final da dcada de 50. Para a Teoria Gerativa, a

    lngua vista como um objeto mental, vinculado a uma capacidade inata do ser humano paracompreender e produzir sentenas.

    bom lembrar que a perspectiva formalista no a nica abordagem que temos para

    estudar as questes sintticas. H tambm a perspectiva funcionalista que, diferentemente da

    formalista, enfatiza a situao comunicativa na qual as sentenas se inserem, entendendo que

    a forma como as sentenas se organizam fruto da necessidade comunicativa do ser humano.

    O foco dessa perspectiva vai alm dos limites da sentena, envolvendo-se com o contexto em

    que a sentena se insere. Como j dissemos, essa discusso a respeito das diferentes

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    perspectivas para o estudo da sintaxe objeto do estudo de Berlinck, Augusto e Scher (2001,

    p.207-244) o qual sugerimos a leitura.

    Voltemos, ento, a alguns pressupostos bsicos da perspectiva gerativista. Segundo

    Chomsky, o ser humano dotado de uma capacidade inata para a linguagem. Como voc

    sabe, o homem, diferentemente dos macacos, dos golfinhos ou das abelhas, o nico animal

    dotado com a capacidade da linguagem/lngua. Embora outros animais de uma forma ou de

    outra se comuniquem1, o homem a nica espcie que combina um certo nmero de

    elementos de acordo com determinados princpios para formar sentenas. Essa capacidade

    que nasce conosco e tem a ver com o tipo especfico de estrutura e organizao da mente

    humana denominada Faculdade da Linguagem.

    A Faculdade da Linguagem entendida pela gramtica gerativa, conforme Raposo(1992, p.15), como o resultado da interao complexa entre vrios sistemas ou mdulos

    autnomos de natureza diversa, caracterizados por regras e princpios especficos a cada um

    deles, e no como uma massa homognea.

    Assim como outras faculdades que temos no nosso organismo, a Faculdade da

    Linguagem dedicada especificamente a alguma funo. Nesse caso, lngua. essa

    faculdade inata que possibilita a qualquer um de ns a aquisio de uma ou mais lnguas

    particulares (ou naturais).A Faculdade da Linguagem , no seu estado inicial, igual para todos os seres

    humanos. Todo o indivduo que nasce, seja no Brasil ou nos Estados Unidos, por exemplo,

    nasce com a mesma capacidade de adquirir lngua(gem) e parte, portanto, do mesmo estado

    inicial, denominado pela Teoria Gerativa de Gramtica Universal (GU). A GU , portanto, o

    estgio inicial da Faculdade da Linguagem de um falante que est adquirindo uma lngua.

    A Faculdade da Linguagem vai se modificando de acordo com os estmulos externos,

    de acordo com as experincias pelas quais cada um vai passando. Por isso, a criana quenasce no Brasil, sendo exposta ao portugus (do Brasil), vai adquirir essa lngua; sendo

    exposta a LIBRAS, vai adquirir essa lngua; sendo exposta ao tucano, vai adquirir essa lngua.

    E a criana que nasce nos Estados Unidos vai adquirir o ingls, a lngua de sinais americana

    ou ainda uma lngua indgena a que for exposta. Assim, conforme o ambiente lingstico a

    1As pesquisas cientficas tm mostrado cada vez mais essa capacidade comunicativa dos animais. Ao final destaunidade, voc encontrar um exemplo retirado da Revista Discutindo Lngua Portuguesa (Ano 1, n. 4, p.07,2006), intitulado Fala, Bicho!. Veja tambm o site www.discutindolinguaportuguesa.com.br e a introduo deLyons (1987).

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    que formos expostos a nossa Faculdade da Linguagem, inicialmente igual para todos, vai se

    modificando.

    Vale ressaltar que, se no formos expostos a algum estmulo externo, no

    conseguiremos desenvolver esse conhecimento lingstico, mesmo com todo o aparato inato

    para tal capacidade. Esse estmulo externo a que nos referimos so as interaes verbais entre

    a criana e os outros membros da comunidade em que ela se encontra. Caso no haja qualquer

    interao verbal entre a criana e outros indivduos mais experientes, no haver aquisio de

    lngua, pois o estmulo externo imprescindvel para o gatilho necessrio Faculdade da

    Linguagem no processo de aquisio de uma lngua particular. Existem alguns casos relatados

    na literatura, como o caso dos meninos-lobo que no tendo interao verbal com outros

    seres humanos no conseguiram desenvolver sua linguagem2. Voc talvez conhea tambmrelatos de crianas surdas que, sem o conhecimento por parte da famlia, no interagem

    verbalmente e desenvolvem, por conta disso, tardiamente a linguagem. No entanto, como

    essas crianas possuem, como qualquer outra, a Faculdade da Linguagem adquirem o

    conhecimento lingstico e se tornam capazes de produzir toda e qualquer sentena na lngua

    de sinais.

    Parece claro, ento, que toda e qualquer criana, seja de qualquer nvel

    socioeconmico ou nacionalidade, partir do mesmo estado inicial da Faculdade daLinguagem. Esse estado inicial, como vimos anteriormente, a GU, que se constitui de

    Princpios e de Parmetros. Os princpios so rgidos, invariveis e universais, ou seja, vlidos

    para todas as lnguas e qualquer gramtica final (ou lngua particular) ter que apresent-los.

    Os Parmetros so variveis, ou seja, podem variar de uma lngua para outra.

    Voc est achando essa discusso um pouco abstrata? Vamos tentar entender melhor o

    que so os Princpios e os Parmetros nas lnguas naturais, atravs de exemplos. Como

    dissemos, os Princpios so universais e, por isso, valem para toda e qualquer lngua.Observemos as sentenas a seguir:

    (1) O Jooi disse que elei est doente

    (2) *Elei disse que o Jooi est doente

    2 Ao final desta unidade, voc dever assistir ao filme Nell, que ser objeto de discusso de uma das atividades

    propostas nesta disciplina.

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    O ndice isubscrito indica que os elementos so correferenciais, ou seja, Joo e ele

    se referem a uma mesma pessoa. Enquanto a sentena (1) bem formada, a (2) no , pois na

    sentena (2) o pronome ele no pode ter a mesma referncia do sintagma Joo. Na verdade,

    um pronome como ele no pode estar co-indexado nesta configurao sinttica. E isso parece

    acontecer com essas sentenas traduzidas para toda e qualquer lngua natural. Logo,

    afirmamos que h um Princpio que rege a combinao dos elementos na sentena, o qual

    determina quando um nome pode ou no estar co-indexado com um pronome. Agora,

    retomemos alguns exemplos de Raposo (1992, p. 56), para discutirmos o conceito de

    Parmetros:

    (3) Eles j chegaram da escola(4) j chegaram da escola

    (5) Ils sont dj arrivs de lcole

    (6) * sont dj arrivs de lcole3

    (7) They already arrived from school

    (8) * already arrived from school

    Voc arriscaria uma explicao para o fato de as sentenas (3) e (4) em portugus

    brasileiro serem possveis (gramaticais) e as sentenas (6) em francs e (8) em ingls no? O

    que est em jogo j no pode mais ser um Princpio, mas um Parmetro, pois marcado

    diferentemente para o portugus, para o francs e para o ingls, no mesmo? Observe que

    enquanto em portugus a orao bem formada com realizao do sujeito lexical, cf. (3), ou

    sem, cf. (4), em francs e ingls a boa formao da orao depende da realizao lexical dosujeito, conforme os pares em (5)/(6) e (7)/(8).

    Se voc est lembrado, estamos falando do Parmetro do sujeito nulo, que voc j

    discutiu na disciplinaIntroduo aos Estudos Lingsticos. Com base na verso da teoria de

    Princpios e Parmetros que utilizamos, esse parmetro pode ser marcado positiva ou

    negativamente nas lnguas naturais. No caso do portugus, a marcao parece ser positiva; por

    3 O asterisco no incio da sentena (*) indica que uma sentena mal formada ou agramatical numa determinadalngua natural.

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    isso, podemos ter sentenas sem o sujeito expresso ou foneticamente realizado, como em (4).

    Por outro lado, o francs e o ingls marcam esse Parmetro negativamente, j que no

    permitem sentenas sem o sujeito expresso ou foneticamente realizado, como em (6) e (8). A

    marcao do valor positivo ou negativo do parmetro feita pela criana a partir da

    informao lingstica contida nos dados a que ela est exposta no perodo de aquisio da

    linguagem.

    No momento em que a criana passa a fixar ou estabelecer os parmetros da gramtica

    de sua lngua particular, com base nos dados lingsticos que esto ao seu alcance, a

    gramtica da criana vai se constituindo, vai amadurecendo. As gramticas das lnguas

    particulares se constituem, ento, de Princpios e de Parmetros j fixados. Como dissemos

    anteriormente, a Gramtica Universal (GU) o estado inicial da Faculdade da Linguagem. Ja gramtica do indivduo adulto, vista como a evoluo da Gramtica Universal, constitui o

    estado final.

    Retornemos, agora, ao conhecimento inato que nos capacita a distinguir se uma

    sentena faz parte ou no da gramtica da nossa lngua materna; ou seja, o conhecimento que

    nos possibilita dizer que as sentenas (9) e (10) do portugus so bem formadas e a (11) no

    .

    (9) O menino caiu

    (10) Caiu o menino

    (11) *Menino o caiu

    Como voc pode constatar as sentenas em (9) e (10) so bem formadas em portugus.

    J a em (11) no parece uma sentena possvel no portugus. Por qu? Embora haja diferentes

    possibilidades de combinar as inmeras palavras de uma lngua, existem algumas regras queimpedem, por exemplo, a combinao em (11) em que o artigo o no est antecedendo o

    substantivo menino. Essas regras so, na verdade, Princpios universais obedecidos por

    todas as gramticas das lnguas naturais; as gramticas impem uma srie de restries para

    tais combinaes.

    O domnio que temos da nossa lngua materna tem sido tratado na teoria Gerativa de

    competncia. A competncia, nesse sentido, o conhecimento mental e inato que permite a

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    aquisio da gramtica de uma lngua natural, assim como permite tambm o reconhecimento

    das estruturas geradas por essa gramtica internalizada.

    Para ilustrar ainda mais o que estamos dizendo, consideremos agora os seguintes

    exemplos em (12) e (13):

    (12) a. Maria saiu sem a bolsa

    b. * sem a Maria saiu a bolsa

    (13) a. Os meninos foram embora

    b. * meninos embora foram os

    Observamos que as sentenas em (12b) e (13b) so agramaticais, pois no asreconhecemos como pertencentes gramtica da lngua portuguesa, diferentemente do que

    acontece com as sentenas em (12a) e (13a), que so gramaticais. Dessa forma, podemos

    afirmar que o conhecimento que nos capacita distinguir as sentenas (a) das sentenas (b) est

    relacionado competncia dos falantes que sabem portugus.

    As diferentes possibilidades de uso das sentenas em (12a) e (13a) relacionadas a

    diferentes contextos scio-culturais fazem parte do que se conhece na literatura gerativa como

    performance ou desempenho. Vejamos um exemplo. Pelo que foi dito acima, todos ns temosa mesma competncia lingstica, ou seja, todos ns indistintamente somos capazes de avaliar

    as sentenas da nossa lngua: se so gramaticais ou no; se fazem parte da gramtica da nossa

    lngua ou no. No entanto, observamos no dia-a-dia que algumas pessoas convencem,

    persuadem, emocionam melhor lingisticamente do que outras. Voc arriscaria uma hiptese

    para o que as diferencia ento?

    O que faz com que algumas pessoas sejam mais habilidosas do que outras no uso

    concreto da lngua, nesse sentido, faz parte do desempenho. Assim como algumas nascemmais habilidosas para nadar, outras nascem com habilidades manuais e outras so mais hbeis

    com o uso da palavra: seja convencendo, como o caso dos publicitrios talentosos; seja

    emocionando, como alguns poetas. Essa habilidade em parte tambm pode ser desenvolvida

    ao longo dos anos, seja na escola ou com o estmulo da famlia, de amigos etc., pela leitura e

    produo textual.

    Para ilustrar como essa habilidade no uso concreto da lngua varia de pessoa para

    pessoa, diferenciando assim competncia de desempenho, na proposta da teoria gerativa,

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    tomemos emprestado um exemplo retirado de Negro et al. (2002, p.114). Primeiramente,

    temos um bilhete escrito por algum que perdeu o pai e, ao aproximar-se o dia de finados, faz

    um pedido a um amigo:

    Como amanh dia de finados, eu queria pedir pra voc ir ao cemitrio visitar o meu

    pai. Eu gostaria que voc pusesse umas flores no tmulo dele e que rezasse, no por

    ele, mas por mim que, por ter guardado na lembrana somente os momentos de

    amargura, me sinto to morto quanto ele.

    A seguir, voc encontrar o poema escrito por Manoel Bandeira sobre a mesma

    temtica:

    Poema de Finados

    Amanh que dia dos mortos

    Vai ao cemitrio. Vai

    E procura entre as sepulturas

    A sepultura de meu pai.

    Leva trs rosas bem bonitas.

    Ajoelha e reze uma orao.

    No pede pelo pai, mas pelo filho:

    O filho tem mais preciso.

    O que resta de mim na vida

    a amargura do que sofri.Pois nada quero, nada espero.

    E em verdade estou morto ali.

    (Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Jos Olympio/Instituto Nacional do Livro, 1970,

    p.128-129, apudNegro et al., 2002, p. 114)

    Parece ficar claro, a partir desses exemplos, que tanto o autor do bilhete quanto

    Manuel Bandeira produzem sentenas bem formadas, ou seja, ambos so competentes

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    lingisticamente. No entanto, existem diferenas no uso concreto da lngua, no mesmo?

    Essas diferenas dizem respeito ao desempenho, performance dos autores.

    Voc pode estar pensando tambm nos casos de lapsos de memria, desvios de

    ateno, distraes, hesitaes, que so to comuns no uso da lngua no dia-a-dia. Para ilustrar

    essa questo, tomemos emprestado mais um exemplo das autoras (Negro et al., 2002, p.116):

    Ontem eu conheci um cara, que amigo do Joo, se lembra?, aquele Joo que

    estudou comigo no primrio, que era filho de um homem importante, agora no me

    lembro dele, mas acho que ele era dono de um jornal ou de uma revista, ou talvez

    fosse um poltico, no sei mais, s sei que ele tinha um bigode de todo tamanho... Mas

    do que mesmo que eu tava falando?

    Nesse caso, temos um fragmento de fala e, por isso, tambm estamos falando do uso

    concreto da lngua que diz respeito ao desempenho do falante.

    Em sntese, vimos, nesta unidade, que a Faculdade da Linguagem uma capacidade

    humana inata que nos possibilita adquirir a gramtica de uma lngua natural. O estado inicial

    da Faculdade da Linguagem o que chamamos Gramtica Universal (GU). A GU

    constituda de princpios (vlidos para todas as lnguas) e parmetros (variveis de uma lnguapara outra). De acordo com os estmulos externos a que somos expostos, a FL, que

    inicialmente igual para todos os seres humanos, vai se modificando a partir da fixao dos

    parmetros da(s) lngua(s) que estamos adquirindo.

    Vimos tambm que os seres humanos nascem dotados de uma capacidade para a

    linguagem. Essa capacidade inata que temos para adquirir a gramtica de uma lngua a que

    formos expostos quando crianas conhecida como competncia. J o uso concreto desse

    conhecimento, que varia de um indivduo para outro, o que define o desempenho ouperformance.

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    Fonte: Revista Discutindo Lngua Portuguesa, Ano 1, n. 4, p.07, 2006.

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    Unidade 2. A formao das sentenas

    Como j vimos ao longo da Unidade 1, a sintaxe trata especificamente da estrutura das

    sentenas. Essas so geradas a partir da combinao entre os elementos de uma lngua. Vimos

    tambm que os elementos que formam as sentenas no se combinam aleatoriamente. Os seus

    constituintes obedecem a determinadas regras para se combinarem e respeitam uma hierarquia

    dentro da sentena. So essas as noes que vamos retomar agora.

    Para entendermos o que so constituintes, recorremos a Perini (2001, p.44). Segundo o

    autor, constituintes so certos grupos de unidades que fazem parte de seqncias maiores,

    mas que mostram um determinado grau de coeso entre eles. Observe a orao em (14), a

    seguir.

    (14) A casa de Lulu azul e branca.

    Na orao em (14) os falantes percebem que a casa de Lulu forma uma unidade, o que no se

    verifica comLulu azul. Dizemos ento que a casa de Lulu um constituinte e queLulu

    azul (na frase em (14) no um constituinte.

    A idia que as oraes so formadas de constituintes, muitas vezes uns dentro dosoutros. Assim a orao em (14) poderia ser analisada como contendo, entre outros, os

    constituintes seguintes:

    [a casa de Lulu azul e branca]

    [a casa de Lulu]

    [casa de Lulu]

    [azul e branca][ azul e branca]

    Note-se que certos constituintes esto dentro de outros: o constituinte [a casa de Lulu]

    est dentro do constituinte [a casa de Lulu azul e branca] , e o constituinte [azul e branca]

    est dentro do constituinte [ azul e branca], que por sua vez est dentro de [a casa de Lulu

    azul e branca]. Note-se que a orao completa igualmente um constituinte.

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    Voc deve lembrar das anlises gramaticais feitas na escola. Na sentena em (14),

    certamente voc classificaria a casa de Lulu como sujeito e azul e branca como predicativo

    do sujeito, mas no classificaria Lulu azul, no mesmo? E isto porque Lulu azul no

    um constituinte.

    Esses constituintes so organizados em categorias gramaticais. Desde muito cedo (e

    isto faz parte da nossa competncia lingstica), embora no tenhamos conscincia disto,

    reconhecemos e somos capazes de agrupar as palavras da nossa lngua de acordo com suas

    propriedades gramaticais.

    Se pedirmos, por exemplo, a qualquer falante de portugus para agrupar palavras

    como: menino, brincamos, gato, mesa, cantou ejogarei, ele no ter dificuldade em dizer que

    menino, gato e mesa so palavras que compartilham certas caractersticas, assim comobrincamos, cantou e jogarei, tambm apresentam caractersticas em comum. Os falantes

    sabem que cada um destes grupos pertence a uma determinada categoria gramatical. Sabem

    ainda que o grupo de palavras constitudo por menino, gato e mesa no varia de acordo com o

    tempo que a sentena quer expressar (se passado, presente ou futuro) ou com as marcas da

    pessoa que o antecede, por isso, os falantes no flexionam essas palavras como: meninamos,

    gatou ou mesarei, flexes verbais, nem mesmo as crianas em processo de aquisio da

    linguagem; evidncia de que h algo inato determinando esse conhecimento. J o grupo depalavras formado por brincamos, cantou ejogarei, apresenta a propriedade de indicar tempo e

    de assumir formas variadas dependendo dos traos morfolgicos de seus sujeitos. Essas

    marcas morfolgicas fornecem pistas para que o falante possa distinguir a categoria

    gramatical de verbo, por exemplo. Outro critrio que nos fornece pistas da categoria

    gramatical de um determinado item lexical a posio que ele ocupa na sentena. Voltaremos

    a essas questes na Temtica II, na seqncia.

    Os constituintes se combinam hierarquicamente para formar sentenas. Isso quer dizerque as sentenas se organizam em constituintes que, por sua vez, so formados de outros

    constituintes. Vamos analisar o exemplo em (15), a seguir:

    (15) Os meninos fizeram uma tremenda baguna

    Sabemos que para formar essa sentena, primeiro, temos de juntar a palavra baguna

    com tremenda formando o constituinte hierarquicamente superior [tremenda baguna] que se

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    junta ao item lexical uma formando o constituinte hierarquicamente superior [uma tremenda

    baguna]. Fazemos isso tambm com o vocbulo meninos que se junta a os formando o

    constituinte [os meninos]. A forma verbal fizeram4 se junta ao constituinte [uma tremenda

    baguna] formando um constituinte hierarquicamente superior [fizeram uma tremenda

    baguna] que, por fim, se junta ao constituinte [os meninos] formando a sentena. A

    combinao dos constituintes que formam a sentena em (15) est representada abaixo:

    Os meninos fizeram uma tremenda baguna

    Os meninos fizeram uma tremenda baguna

    Os meninos fizeram uma tremenda baguna

    uma tremenda baguna

    tremenda baguna

    Em resumo, as sentenas so formadas de constituintes, que se organizam em

    categorias gramaticais, de acordo com suas propriedades gramaticais, ou seja, a partir das

    caractersticas compartilhadas com outros constituintes. Os constituintes, para formar

    sentenas, combinam-se de forma hierrquica. Como j dito, essa questo ser retomada nas

    prximas unidades.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    MIOTO, Carlos; FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; LOPES, Ruth. Novo Manual de

    Sintaxe. Florianpolis: Insular, 2004 (captulo 1).

    NEGRO, Esmeralda, SCHER, Ana Paula e VIOTTI, Evani de Carvalho. A competncialingstica. In: FIORIN, Jos Luiz (org.) Introduo Lingstica II: Princpios de anlise.

    So Paulo: Editora Contexto, 2002.

    RAPOSO, Eduardo Paiva. Teoria da gramtica. A faculdade da linguagem. 2. ed. Lisboa:

    Editorial Caminho, 1992 (captulo 1).

    4

    Observe que a forma verbalfizeram poderia se desmembrar morfologicamente (radical+desinncias).

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    Temtica II OS SINTAGMAS

    Voc j parou para observar os vocbulos que compem as diversas lnguas

    particulares como a LIBRAS, o portugus, o ingls, o japons etc?. Num primeiro momento,

    uma coisa certa: conseguimos em todas as lnguas particulares dividir os vocbulos em (no

    mnimo) dois grandes grupos5 - os Nomes e os Verbos. Uma outra grande questo que se

    coloca : por que precisamos dividir os vocbulos de uma lngua e classific-los? E o que

    muito interessante numa possvel classificao que dispomos de diferentes classes de

    vocbulos (o que chamaremos de tomos lingsticos) para, a partir de certa criatividade,

    gerar um nmero infinito de sentenas nas mais variadas lnguas naturais.

    importante lembrar que, de acordo com discusso nas Unidades 1 e 2, fazer sintaxe recursivamente juntar elementos, constituintes, sintagmas, em busca de unidades maiores,

    mais complexas e elaboradas, portanto. No processo de juno, a noo de hierarquia

    fundamental tendo em vista que para fazer sintaxe no juntamos aleatoriamente os elementos.

    Voc certamente nunca entrou em contato com uma sentena como (16), a seguir. No entanto,

    consegue atribuir um significado sentena. Um dos motivos pelos quais isso possvel que

    conseguimos decompor a sentena em (16) em constituintes menores: [uma aranha

    vermelha]; [avanou]; [o sinal azul na Avenida Beira Mar] . Ou ainda: [uma aranha];[aranha]...

    O que fizemos num primeiro momento foi dividir a sentena em sintagmas (nominais

    e verbais); depois dividir os sintagmas (no caso um nominal) em constituintes menores (os

    tomos lingsticos) artigo, nome, adjetivo.

    (16) Uma aranha vermelha avanou o sinal azul na Avenida Beira Mar em Florianpolis

    Est claro para voc o que um constituinte? Olhemos mais de perto para esta noo.

    Podemos dizer que um constituinte uma unidade sinttica construda hierarquicamente.

    Nesse sentido, um sintagma se constitui a partir de relaes (hierrquicas) e se pensarmos

    nestas relaes a partir dos diferentes vocbulos que constituem uma sentena como (16), por

    exemplo, observamos que nos trs sintagmas elencados acima todas as demais palavras esto

    relacionadas ora a um nome [aranha]/[sinal] e ora a um verbo [avanar]. Observamos, ento,

    5

    Observe que esta classificao dos vocbulos formais das lnguas foi proposta j por Aristteles.

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    que todo constituinte se constri a partir de um ncleo. Este ncleo, por sua vez, pode ser

    lexical ou funcional.

    Nas Unidades 3 e 4, a seguir vamos olhar, mais detalhadamente, para algumas das

    caractersticas das categorias ou ncleos lexicais, especialmente aquelas atreladas aos

    nomes, aos verbos, aos adjetivos e s preposies, e das categorias funcionais (ou

    gramaticais).

    Unidade 3. Categorias lexicais

    Vamos retomar a discusso a respeito dos nomes e verbos. Observando os itens

    lexicais de uma lngua, como o portugus ou LIBRAS, por exemplo, percebemos que taisitens podem (de acordo com critrios morfolgicos, distribucionais e semnticos) ser

    classificados num nmero finito de categorias lexicais. O que parece ser uma propriedade

    universal nas mais variadas lnguas naturais a diviso das palavras (ou do lxico, num uso

    mais tcnico do termo) a partir dos traos verbais e nominais. Podemos, pois, com base nesses

    dois traos (verbal e nominal) descrever quatro (grandes) categorias lexicais nas lnguas

    naturais: aquelas que tm traos nominais, mas no tm traos verbais: os NOMES; aquelas

    que tm traos nominais e traos verbais: os ADJETIVOS; aquelas que no tm traosnominais nem traos verbais: as PREPOSIES; e aquelas que no tm traos nominais e

    tm traos verbais: os VERBOS. Pois bem, temos, como voc pode perceber,quatro ncleos

    lexicais que esto representados no quadro 1 abaixo6:

    QUADRO 1. Ncleos lexicais

    [+N] [-N]

    [-V] NOME PREPOSIO[+V] ADJETIVO VERBO

    Diramos que os traos so, de fato, os melhores amigos dos lingistas, ou daqueles

    que se interessam por descrever e explicar os (diversos) fenmenos atrelados s lnguas

    naturais. Sobre os traos verbais e nominais, em especfico, e considerando algumas

    6 Para uma discusso mais detalhada a respeito deste assunto, sugerimos a leitura dos captulos I e II de Mioto,

    Figueiredo Silva e Lopes (2004).

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    propriedades (i) morfolgicas, (ii) distribucionais e (iii) semnticas dos itens lexicais que

    compem o lxico das lnguas naturais, busquemos compreender as caractersticas das

    categorias (ou ncleos) lexicais aqui estudadas: os nomes, os verbos, as preposies e os

    adjetivos.

    Mesmo sem reconhecer o item lexicalfedruxarem (17) e (18), como uma palavra do

    portugus, conseguimos perceber algumas propriedades deste vocbulo tendo em vista os

    critrios (i), (ii) e (iii) j por ns listados7. Em primeiro lugar, observamos na sentena em

    (17) que o vocbulofedruxarapresenta uma morfologia particular que carrega tempo/modo

    e pessoa/nmero nas flexes -v e -mos, respectivamente. Percebemos ainda que tal vocbulo

    est distribucionalmente alocado numa determinada posio da estrutura, de modo que

    preferencialmente tal posio parece ser aquela entre um agente aquele que faz a ao defedruxar e um objeto a coisa fedruxada, como em (17). A sentena (18) em que o

    vocbulo fedruxaraparece numa posio final da estrutura no nos parece ser uma sentena

    boa em portugus. Em terceiro lugar, percebemos que o item fedruxarest semanticamente

    relacionado a outros constituintes [Maria e eu e o cabelo] , de modo que atribumos ao

    primeiro constituinte [Maria e eu] um papel de agente e ao constituinte [o cabelo] um papel

    de tema. Essa discusso ser retomada na Temtica III.

    (17) A Maria e eufedruxavmos o cabelo

    (18) ? A Maria e eu o cabelofedruxvamos8

    (19) Fedruxar[A Maria; o cabelo]

    Observamos que as propriedades morfolgicas, distribucionais e semnticas

    depreendidas de um vocbulo desconhecido, como o item fedruxarem (17), numa estrutura

    so aquelas compartilhadas por muitos outros vocbulos classificados como verbos emportugus. Mais especificamente, reconhecemos que o vocbulo em questo estabelece uma

    relao entre os demais elementos que constituem a sentena, propriedade esta caracterstica

    7 Percebemos ainda outros elementos como o fato de este vocbulo ser formado por uma seqncia de sons quese combinam em slabas com uma determinada seqncia CV/CCV/CVC, de acordo com o padro fonottico doportugus do Brasil, conforme voc viu na disciplina de Fontica e Fonologia.

    8

    O ponto de interrogao ? indica que a estrutura parece no ser uma sentena bem formada nessa lngua; nocaso apresentado em (18), por questes relacionadas com a ordem dos constituintes.

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    dos verbos. Esse conhecimento no nos ensinado. Ele faz parte da nossa competncia

    lingstica como falantes de portugus.

    Observe agora o vocbulo apalaia nas sentenas em (20)-(23), a seguir. Voc

    certamente nunca entrou em contato com esse vocbulo em portugus. No entanto,

    observando as estruturas nas quais ele aparece e tendo em vista os critrios morfolgicos,

    distribucionais e semnticos, conforme discutimos acima, voc capaz de classificar

    (minimamente, ao menos) esse vocbulo na gramtica do portugus. Qual classificao voc

    arriscaria?

    (20) A apalaia est quebrada

    (21) Asapalaias quase sempre quebram(22) As belasapalaias quase sempre quebram

    (23) A Maria gosta de apalaias quebradas

    Vejamos. A comear pela morfologia depreendida a partir da observao (sempre

    numa relao de oposio) das sentenas (20) e (21), constatamos que a marca de plural se d

    no vocbulo com o acrscimo do morfema -s. E, ainda, ao pluralizarmos o item lexical

    apalaia, acrescentamos tambm uma marca de plural, estabelecendo uma relao deconcordncia, no artigo a, que antecede o item apalaia, cf. (21). Voc certamente identifica

    que essa marca morfmica particular a muitas outras palavras do portugus, tais como nos

    vocbulos mesas, chinelos, cachorros etc. Tais vocbulos nomeiam o mundo (em que

    vivemos e at mesmo aqueles que idealizamos ou inventamos). Reconhecidamente apalaia,

    nesse contexto, nomeia algo que nem mesmo sabemos do que se trata, mas sabemos

    certamente que esse vocbulo est de fato nomeando uma substncia nas sentenas listadas

    acima.Ainda dentro do Sintagma Nominal das sentenas em questo, identificamos que a

    posio estrutural em que o vocbulo apalaia aparece possui determinadas propriedades

    bastante especficas. Em todas as posies, no entanto, apalaia o ncleo do sintagma

    nominal. E mais: de acordo com o arranjo sinttico (ou com a formao composicional) em

    (21), observamos que o item lexical apalaia (seja l qual substncia tal coisa nomeie no

    mundo) possui algumas propriedades semnticas, como a de ser quebrvel, por exemplo.

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    Em linhas gerais, estamos diante de um vocbulo que nomeia uma determinada

    substncia, cujas propriedades nos conduzem a classific-lo como um nome na gramtica do

    portugus. Observe que essa classificao depreendida somente a partir das propriedades

    morfolgicas, distribucionais (ou sintticas) e semnticas que tal item estabelece na relao

    com os demais vocbulos numa determinada estrutura. Essas propriedades, como j

    destacamos, fazem parte da gramtica da lngua adquirida.

    Vimos at aqui, com exemplos do portugus, as propriedades de duas (grandes)

    classes de vocbulos que constituem as diversas lnguas naturais: os nomes e os verbos.

    importante observar que os nomes esto sempre associados a substncias enquanto os verbos

    a relaes. Como vimos nos exemplos acima, de um lado, reconhecemos em fedruxaruma

    relao entre os constituintes de uma determinada sentena e que atravs desta relao quecaracterizamos (e classificamos) este item lexical como um verbo. De outro lado, mesmo no

    reconhecendo o vocbulo apalaia como um item lexical do portugus, atribumos a ele uma

    substncia o que o caracteriza (ou classifica) como um nome. Observe os exemplos a seguir.

    (24) A Maria colocou o livro sobre a mesa [em cima; abaixo; sobre a]

    (25) *A Maria colocou o livro mesa

    Num primeiro momento bastante tranqilo reconhecer o verbo colocou, tendo em

    vista a relao que este item estabelece com os demais itens da estrutura (colocar[Maria; o

    livro; a mesa]) em (24). Reconhecemos ainda que os itens relacionados ao verbo so

    substncias e, por tal motivo, os reconhecemos como nomes (substantivos) nas sentenas (24)

    e (25). Nesse contexto, o que voc diria acerca do item lexical sobre na sentena (24)?

    Observe a sentena (25) em que o item sobre no est presente.

    Podemos constatar que o que garante a realizao do vocbulo mesa na sentena (24) a preposio sobre[em cima; abaixo; sobre a]. Nesse caso, a preposio que seleciona o

    item mesa. Observe na sentena (26), a seguir, que o item lexical sobre possui algumas

    restries de seleo. Ele no pode selecionar um item como amor, por exemplo, como

    evidencia a estrutura a seguir.

    (26) ?A Maria colocou o livro sobre o amor

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    Itens lexicais como sobre [em cima; abaixo; sobre a] so classificados como

    preposies tendo em vista que tais itens estabelecem relaes entre substncias e so ncleos

    lexicais porque selecionam determinados elementos (ou constituintes) com base em

    propriedades distribucionais e semnticas.

    As preposies so marcadas pelos valores negativos [-Verbais; -Nominais] por no

    apresentarem traos nominais de gnero e de nmero, nem traos verbais de tempo, modo e

    pessoa. Os vocbulos com essas propriedades formam uma classe fechada nas gramticas das

    lnguas, resistindo formao de novos itens e no se derivam produtivamente a partir de um

    radical que d origem a vocbulos de outras classes.

    Observe agora o item fininha nas sentenas (27)-(29), a seguir. Voc reconhece nele

    uma relao? Certamente no. A relao entre os itens das sentenas estabelecida pelo itemcortou (cortar [Maria; a cebola]). Reconhece ento no item fininha uma substncia?

    Tambm no. Reconhecemos emMaria e cebola tal propriedade, conforme delineamos acima

    para o item apalaia.

    Valendo-nos das propriedades (i) morfolgicas, (ii) distribucionais e (iii) semnticas

    vamos delinear as caractersticas do itemfininha nas sentenas a seguir.

    (27) A Maria cortou a cebolafininha(28) A Maria cortou as cebolasfininhas

    (29) A Maria cortoufininha a cebola

    Em primeiro lugar, observamos que o item lexical fininha entra numa relao de

    concordncia de gnero e de nmero com o item cebola em (27) [cebola fininha

    feminino/singular] e em (28) [cebolas fininhas feminino/plural]. Percebemos essa relao

    devido marca morfolgica nos itens em questo. Voc pode perceber que nessas sentenas oitem lexical fininha est, de algum modo, relacionado ao item cebola. Em segundo lugar,

    podemos salientar que os itens cebola(s) e fininha(s) nas sentenas (27) e (28) estabelecem

    uma relao semntica entre si. Nesse contexto, so as cebolas que a Maria cortou que tm a

    propriedade e/ou caracterstica de serem fininhas (e no as de serem grossas, por oposio).

    Em outras palavras, percebemos que fininha a propriedade da cebola cortada pela Maria.

    H, pois, uma relao entre os itens cebola efininha.

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    Uma terceira questo a ordem do itemfininha em relao ao item cebola na estrutura

    da sentena. Observe que na estrutura (29) o item lexical fininha precede o item cebola. A

    relao semntica estabelecida agora entre os itens fininha e cortou, ou seja, fininha a

    qualidade dos cortes que a Maria fez na cebola. Neste caso, o item lexical fininha est

    qualificando, de algum modo, o evento de cortar executado pela Maria e no a qualidade

    (fininha ou grossa) da cebola.

    Observe os exemplos em (30) e (31), a seguir.

    (30) Maria cortou a(s) cebola(s) fininho

    (31) Maria cortou fininho a(s) cebola(s)

    Podemos constatar que itens lexicais como fininho na gramtica das lnguas naturais

    podem a depender de propriedades morfolgicas, distribucionais e semnticas se relacionar a

    nomes (substncias), adjetivando-os (qualificando-os), ou a verbos (relaes) caracterizando a

    relao por eles estabelecida. No somente os critrios distribucionais caracterizam o item

    fininho como estando relacionado ao verbo. Em (30), por exemplo, ele est numa posio

    privilegiada para o adjetivo no portugus, ou seja, aps o substantivo, mas a morfologia de

    masculino singular estabelece a relao desse item como o evento (de cortar a cebola)realizado pela Maria.

    Sumarizando as questes discutidas nessa Unidade 3, as categorias ou ncleos lexicais

    possuem a propriedade de selecionar elementos tendo em vista determinadas caractersticas

    (morfolgicas, distribucionais e semnticas) na derivao de objetos sintticos. A partir de

    apenas dois traos distintivos, portanto, os ncleos lexicais podem ser classificados em

    verbais [+V; -N], nominais [-V; +N], adjetivais [+V; +N] e preposicionais [-V; -N].

    Unidade 4. Categorias gramaticais (ou funcionais)

    Vimos, na unidade 3, que os ncleos lexicais nos permitem fazer sintaxe, ou seja,

    juntar elementos recursivamente para formar constituintes maiores, mais complexos, portanto.

    Nossa competncia lingstica, no entanto, dispe de um outro conhecimento para que

    possamos fazer sintaxe: reconhecemos categorias gramaticais (ou funcionais) nos

    constituintes complexos formados. Pensemos. Temos categorias lexicais (e dentre elas os

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    ncleos nominais, verbais, preposicionais e adjetivais que se juntam, ou se combinam, na

    sintaxe. Essa juntao ou combinao, por sua vez, guiada, tambm, por categorias

    funcionais. Diramos que so as categorias funcionais que fazem a mquina da sintaxe

    efetivamente funcionar; ou, ainda, que a sintaxe motivada pela manifestao dos traos das

    categorias funcionais. Observe as sentenas a seguir.

    (32) A Maria cortou/cortava o bolo/A Maria cortar o bolo

    (33) A Maria vai cortar o bolo

    (34) *A Maria cortar o bolo

    (35) A Maria vai cortar o bolo amanh/hoje/agora/*ontem

    De algum modo as lnguas naturais, ao combinar os elementos para formar

    constituintes, precisam sinalizar (ou, em outras palavras, marcar) propriedades como Tempo,

    Modo e Aspecto, por exemplo. No caso do portugus a marca de tempo e de modo tem que

    vir necessariamente expressa no verbo da estrutura, isso faz com que a sentena (32) seja

    agramatical (ou no possvel) na gramtica dessa lngua. O que interessante destacar que a

    categoria tempo, aspecto e modo expressa no portugus, muitas vezes, na morfologia do

    verbo principal como em (32) ou no verbo auxiliar como em (33), muito embora possamosainda marcar o tempo, modo (e aspecto) tambm com alguns advrbios, como em (35).

    Alm dos traos flexionais9 de tempo, modo e aspecto, as lnguas naturais dispem,

    ainda, de traos de nmero e de pessoa (nos itens verbais) e tambm de gnero (nos itens

    nominais). Observe as sentenas a seguir.

    (36) A Maria ganhou um presente

    (37) A Maria e a Joana ganhariam um presente(38) Eu, a Maria e a Joana ganharemos um presente

    Percebemos que as marcas morfolgicas sublinhadas nos verbos das estruturas

    carregam traos de pessoa e nmero [ganhou 3 pessoa do singular; ganhariam 3

    9 A distino entre morfologia flexional e morfologia derivacional foi trabalhada j no curso de morfologia. Casovoc tenha dificuldades em articular esses conceitos reler o Captulo 10 de Mattoso Cmara Jr. (1970) e o

    Captulo 9 de Rocha (1998).

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    pessoa do plural; ganharemos 3 pessoa do plural] e de tempo e modo [ganhou

    pretrito perfeito do Indicativo; ganhariam futuro do pretrito do Indicativo; ganharemos

    futuro do presente do Indicativo]. H, pois, uma sintaxe na formao quer da estrutura

    morfolgica do verbo quer da sentena. Como podemos observar, no portugus a estrutura de

    flexo do verbo se d a partir da raiz, da vogal temtica (se for o caso), do morfema de tempo

    e modo e do morfema de nmero e pessoa. Retomando as sentenas listadas acima, no

    podemos formar o item *ganhamosre ou *mosreganha, por exemplo.

    Observamos, ainda, que h uma morfologia bastante especfica para os verbos na

    gramtica do portugus, de modo que as regras que operam na gramtica dessa lngua no

    permitem fazer sintaxe, ou juntar morfemas de tempo e modo ou de nmero e pessoa a itens

    no verbais, como mostra a agramaticalidade de itens como *mesamos e *Mariaei, porexemplo.

    Sem que nos tenham dito, somos capazes de saber que, no portugus, podemos juntar

    o morfema -vel a um item lexical como surfe e formar [surfvel]; no entanto, nunca podemos

    juntar esse morfema a um item como mesa para formar [*mesvel], por exemplo. Nossa

    competncia lingstica como falantes de portugus nos permite depreender tal processo

    (gramatical) de maneira bastante natural. Uma criana em fase de aquisio pode at

    generalizar um processo gramatical de uma Lngua, e produzir um item como fazi tendo emvista que essa a marca morfolgica que designa a primeira pessoa do singular no pretrito

    perfeito do indicativo de modo mais regular no portugus, em vocbulos como dormi,

    comi, li, escrevi etc. Percebemos, todavia, que no podemos juntar determinados

    morfemas a determinados vocbulos, de modo que h uma regra bastante clara que nos

    permite juntar o morfema -vel a verbos e no a nomes, por exemplo.

    Para ilustrar o que foi dito acima, observe algumas situaes descritas em Rocha

    (1998), em que novas palavras foram criadas.

    Situao 1: pai e filho passeiam pelo terreiro. De repente, o filho v uma formiga e pisa em

    cima dela. Como ela permanece imvel, o filho afirma:

    Pai, a formiga morreu!

    Segundos depois, a formiga volta a andar e o filho exclama:

    Pai, a formiga desmorreu!

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    Situao 2: Perguntando sobre o que seria quando crescer, o mesmo filho da situao 1

    respondeu:

    Fabricador de carro!

    Situao 3: Em seu conhecido programa de televiso, o entrevistador J Soares, aps saber

    que determinado integrante de uma banda tinha o costume de colocar apelido em todo

    mundo, exclamou:

    Ah, esse o apelidador da turma!

    (ROCHA 1998, p. 21)

    Em resumo, os constituintes ou ncleos funcionais possuem a propriedade deselecionar argumentos. Esses ncleos esto associados a funes gramaticais (como a de

    carregar traos de tempo, aspecto, modo e de pessoa, nmero) nas lnguas naturais.

    LEITURAS COMPLEMENTARES

    MATEUS, Maria Helena Mira; BRITO, Ana Maria; DUARTE, Ins & FARIA, Isabel Hub

    (2003). Gramtica da Lngua Portuguesa. 6 ed. Lisboa: Caminho. (Introduo e 1 Captulo)

    MIOTO, Carlos; FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; LOPES, Ruth. Novo Manual deSintaxe. Florianpolis: Insular, 2004 (captulo 1).

    NEGRO, Esmeralda, SCHER, Ana Paula e VIOTTI, Evani de Carvalho. A competncia

    lingstica. In: FIORIN, Jos Luiz (org.) Introduo Lingstica II: Princpios de anlise.

    So Paulo: Editora Contexto, 2002.

    RAPOSO, Eduardo Paiva. Teoria da gramtica. A faculdade da linguagem. 2. ed. Lisboa:

    Editorial Caminho, 1992 (captulo 1).

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    Temtica III - PREDICADOS E ARGUMENTOS

    Como vocs viram na disciplinaIntroduo aos Estudos Lingsticos e na Temtica I

    deste Curso, a Sintaxe se ocupa de estudar as propriedades de combinao de certas

    expresses lingsticas. Essas propriedades determinam a construo e a estruturao das

    sentenas de uma determinada lngua. Para a construo de uma sentena acessamos,

    primeiramente, nosso lxico mental, isto , o conjunto de elementos que temos em nossas

    mentes/crebro. Esses elementos se combinam formando constituintes e esses se organizam

    em unidades maiores formando as sentenas. As sentenas so como pequenas cenas que

    usamos em diferentes situaes para a expresso do pensamento.

    importante considerar que essas pequenas cenas se organizam, principalmente,com aquilo que o lxico mental dispe. Ele possui, por exemplo, informaes categoriais

    sobre as palavras que contm. Essas palavras j vm com informaes relevantes a respeito da

    categoria a que pertencem (verbo, nome, adjetivo, por exemplo, como vimos na unidade 3),

    das possibilidades de aparecerem como ncleos das sentenas e das restries impostas aos

    elementos que se relacionam com eles. Passaremos a chamar aqui esses ncleos de

    predicados10 e aos elementos selecionados por eles de argumentos para usar a terminologia

    conhecida na teoria gerativa, que pode ser assim definida, segundo Negro et al (2003, p.100):

    Predicados so itens capazes de impor condies sobre os elementos que com elescompem o constituinte do qual so ncleos (ncleos lexicais); so, portanto, itens que

    possuem a capacidade de selecionar elementos.

    Argumentos so itens que satisfazem as exigncias de combinao dos predicados, ou ,em outras palavras, so elementos selecionados pelo predicado.

    a respeito dessas pequenas cenas que vamos tratar nesta unidade, com ateno

    especial a formao das sentenas, bem como as exigncias sintticas dos predicados. Antes,

    porm, vamos mostrar como se constroem as representaes das sentenas em rvores.

    10 importante ressaltar aqui que a noo de predicado no corresponde noo de que faz uso a gramticanormativa. Para a teoria gerativa, alm do verbo, todas as categorias como nomes, adjetivos, advrbios epreposies tambm podem ser consideradas predicados (ou ncleos lexicais). Esse termo foi cunhado da lgicaclssica.

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    Unidade 5: Exigncia sinttica dos argumentos

    Como j vimos, na teoria Gerativa afirma-se que todas as lnguas humanas dispem de

    um sistema modular inato, a Faculdade da Linguagem, formado por categorias, que so

    determinadas por Princpios e Parmetros. Vimos tambm que os princpios gramaticais

    universais so invariantes nas lnguas naturais e determinam a natureza e a aquisio da

    estrutura gramatical. Embora haja princpios universais que determinam as linhas gerais da

    estrutura gramatical, h tambm aspectos particulares dela que esto sujeitos variao entre

    as lnguas particulares, os parmetros. Na medida em que os parmetros vo se fixando, as

    gramticas das lnguas particulares vo se constituindo.

    Vamos agora trazer um novo conceito para discutir com voc nesta unidade, a respeitoda descrio abstrata que a teoria gerativa faz das sentenas de uma lngua, o esquema X-

    barra (X). Postula-se que as categorias (determinadas por Princpios e Parmetros) se

    submetem ao esquema X-barra. Esse esquema o mdulo da gramtica que permite

    representar a natureza de um constituinte, as relaes que se estabelecem dentro dele e o

    modo como se hierarquizam para formar as sentenas. Configura-se como um esquema geral

    capaz de projetar uma estrutura frasal com as principais categorias lexicais e funcionais11, no

    qual aparecem distribudas as posies de ncleo, especificador e complemento. Essasposies podem ser visualizadas em forma de rvore (estrutura arbrea) e esto assim

    representadas:

    (39) XP

    / \

    YP X

    / \Xo ZP

    Como j sabemos, todo constituinte se constri a partir de um ncleo. A varivel X do

    esquema acima usada para representar qualquer ncleo, a partir do qual as relaes so

    estabelecidas. Cada ncleo lexical/predicado (nome, verbo, adjetivo e preposio) pode

    11

    Sugerimos que voc retome as discusses a respeito das categorias lexicais e funcionais que foramapresentadas nas unidades 3 e 4 para entender melhor essa discusso.

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    projetar uma posio de especificador (YP) e uma posio destinada aos complementos

    (ZP), visualizada em (40).

    (40) XP

    / \

    Spec X

    / \

    Xo Compl

    Da mesma forma que as categorias lexicais, as categorias funcionais projetam as

    posies de especificador e complemento, obedecendo mesma estrutura hierrquicailustrada acima. Vale lembrar que, enquanto os ncleos lexicais interessa-nos aqui em

    particular o verbo tm a capacidade de selecionar semanticamente seus argumentos, os

    ncleos funcionais, como, por exemplo, a flexo (INFL), codificam certas propriedades

    gramaticais que definem se uma sentena finita ou infinitiva. Consideremos agora uma

    sentena sem tempo (isto , sem flexo), como [Joo comprar um carro] representada na

    estrutura arbrea (41)

    (41) VP

    / \

    SN V

    Joo / \

    Vo SN

    comprar um carro

    Para falar da posio hierrquica (estrutural) que os argumentos ocupam na sentena,

    vamos reconhecer duas reas, a rea direita, composta de sintagmas que seguem o ncleo e a

    rea esquerda, composta de sintagmas que o precedem. Em (41), a sentena [Joo comprar um

    carro] est representada na Estrutura Profunda (EP)12. O item lexical comprar(ou predicado)

    est na posio de ncleo da sentena e se relaciona com dois argumentos, um sua direita

    12 Voc tambm poder encontrar o termo EP, em textos da rea, representado pela sigla DS, do ingls Deep

    Structure. Estrutura Profunda (EP) considerada na teoria gerativa (no modelo de Regncia e Ligao) um nvelde representao de base de uma sentena, antes de qualquer movimento de constituintes.

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    (relao simtrica) e outro sua esquerda (relao assimtrica). O ncleo subcategoriza o

    complemento (o argumento interno), mantendo uma relao de irmandade (de irmos mesmo)

    com ele, uma vez que ambos so imediatamente dominados por V, como podemos observar

    na representao arbrea (41), comprare um carro esto dominados pelo mesmo elemento,

    V. J o argumento externo no subcategorizado pelo ncleo, mas selecionado, visto que a

    relao entre os dois no de irmandade, e o especificador est mais alto que o verbo na

    estrutura.

    Vejamos agora o esquema arbreo relacionado aos ncleos funcionais. Da mesma

    forma que os ncleos lexicais, os funcionais encabeam constituintes, mas tm funo

    eminentemente gramatical. Como o esquema X-barra se aplica a qualquer constituinte lexical

    ou funcional, I, nesse caso deve ser o ncleo do constituinte IP, representado em (42), comum complemento e uma posio de especificador.

    (42) IP

    / \

    spec I

    / \

    Io

    compl

    Vejamos agora como ficaria a representao arbrea de uma sentena com tempo (isto

    com flexo) como em [Joo comprou um carro].Esta sentena agora est representada em

    Estrutura Superficial (ES)13, com uma projeo de VP e uma de IP. Vejamos.

    13 Estrutura Superficial (ES) considerada neste modelo um nvel de representao de uma sentena que vai ser

    interpretada fonologicamente por PF (como a estrutura pronunciada) e semanticamente por LF (qual o sentidoda sentena).

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    (43) IP

    / \

    spec I

    Joo i / \

    Io VP

    comprou j / \

    spec V

    ti / \

    Vo SN

    tj um carro

    Como podemos observar em (43), os movimentos esto representados da seguinte

    forma: o constituinte movido ganha um ndice (subscrito), como em [Joo i] e [comprou j], e

    no lugar do elemento movido vai aparecer um vestgio (t), do ingls trace, com o mesmo

    ndice do elemento movido: ti e tj, respectivamente. De modo geral, podemos dizer que o

    argumento externo Joo se alou para a posio de especificador do ncleo funcional (IP)

    para requisitos de Caso nominativo14. E o argumento interno um carro, ou o objeto,

    permanece na posio de complemento. Na verdade, o que se conhece como sujeito e comoobjeto resultado de uma configurao estrutural, de forma que, nessa relao, objeto direto

    o constituinte que ocupa a posio de complemento do verbo e sujeito o constituinte que

    ocupa a posio de especificador de IP.

    Como a posio de sujeito tratada de agora em diante como posio de especificador

    de IP - obrigatria (constitui um dos Princpios das lnguas naturais), mesmo que um verbo

    no selecione um argumento externo, ela vai ser ocupada, na ES, ou por um argumento

    interno, movido da posio em que recebe papel temtico, ou por um pronome expletivo (isto, pronome sem significado referencial, como itdo ingls em sentenas como em It rains). O

    movimento de um argumento para a posio de especificador de IP legitimado por questes

    de Caso. Vejamos como seria representada uma sentena como [O carro chegou].

    14 A noo de Caso nominativo est ligada atribuio de Caso abstrato, pelo ncleo funcional I, ao argumento

    que vai para a posio de especificador de IP, dando a este argumento estatuto de sujeito. Essa discusso serretomada nesta mesma unidade.

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    (44) IP

    / \

    spec I

    o carro i / \

    Io VP

    chegou j \

    V

    / \

    Vo SN

    tj ti

    O sintagma nominal o carro se move da posio de complemento do verbo chegar

    para a posio de especificador de IP, passando a concordar com o verbo chegar. Note-se que

    o carro s vai para a posio de sujeito (posio de especificador de IP) porque nesta sentena

    no h argumento externo, diferentemente do que acontece em (43).

    Antes de discutir as questes de Caso, em uma lngua como o portugus, vale lembrar

    que a teoria gerativa prev que a Faculdade da Linguagem (FL) deve conter um mecanismo

    que desloca sintagmas de sua posio de base (aquela posio em que ele foi gerado, EP) paraaloc-los em outras posies na sentena15. bastante comum, nas lnguas, que os verbos se

    desloquem de sua posio de base para o ncleo da flexo (I), a fim de se completarem

    morfologicamente. Esse movimento deve acontecer de ncleo a ncleo, obedecendo, assim, a

    restrio de movimento nuclear (Head Movement Constraint).

    Costuma-se dizer, na teoria gerativa, que as condies de boa formao de uma

    sentena esto diretamente ligadas atribuio de Caso e de papel temtico16 para os

    sintagmas nominais. Os sintagmas que aparecem/so realizados como sujeitos das sentenas,por exemplo, devem receber Caso nominativo da flexo. Nesse contexto da flexo, o verbo se

    movimenta para I para amalgamar sua flexo e o sintagma nominal se movimenta para

    receber Caso nominativo de I, deixando um vestgio em sua posio de base, com o qual

    forma uma cadeia: a cadeia por movimento. O movimento do sintagma nominal realiza-se de

    uma posio temtica () e no Casual (no-K) para uma posio no-temtica (no-) e

    15 Tal mecanismo conhecido na Teoria Gerativa como mova .

    16 Papel temtico ser discutido na unidade 7.

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    Casual (K). A esse conjunto de posies no-temtica e temtica de um mesmo sintagma

    nominal d-se o nome de cadeia, representada aqui em (45).

    (45) [ SN, t ]

    no-

    K no-K

    Vale lembrar que a marcao casual dos sintagmas nominais um fenmeno universal

    nas lnguas naturais e no apenas uma propriedade das lnguas que possuem marcas casuais

    morfolgicas. A diferena entre as lnguas a forma como essa marcao se expressa: nas

    lnguas que tm marcao morfolgica de Caso, ele se expressa concretamente (como era o

    caso do latim, por exemplo); e nas que no manifestam marcao nos morfemas, ele se

    expressa abstratamente (como o caso do portugus e de LIBRAS), da a noo de Caso

    abstrato na sintaxe. O modelo, com o qual trabalhamos, prev que todos os sintagmas

    nominais foneticamente realizados manifestem um Caso, do contrrio, so excludos pela

    gramtica. Vejamos em que direo.

    Do ponto de vista deste modelo, a atribuio casual a um sintagma nominal feita sob

    regncia ou concordncia especificador/ncleo do sintagma pela categoria que lhe atribuiCaso. O Caso pode ser atribudo pela flexo (Caso nominativo), pelo verbo (Caso acusativo) e

    pela preposio (Caso oblquo). O Caso nominativo manifesta-se em um sintagma nominal na

    posio de especificadorde IP; o Caso acusativo manifesta-se na posio de um complemento

    de um verbo transitivo e o Caso oblquo manifesta-se na posio de um complemento de uma

    preposio.

    Enfim, h restries semnticas e sintticas de combinao de verbos e possveis

    sintagmas com determinados papis temticos e Caso17

    . Para a nossa discusso, nessemomento, basta salientar que o Caso nominativo atribudo a sintagmas que figuram como o

    sujeito da sentena e Caso acusativo para sintagmas que figuram como objeto da sentena.

    Caso nominativo est diretamente relacionado, no portugus, marcao da concordncia

    sujeito-verbo e Caso acusativo no-marcao da concordncia e possibilidades de se

    17 Vamos discutir aqui Caso abstrato rapidamente, mas se voc quiser saber mais detalhes, consulte Mioto et al.

    (2004).

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    cliticizar o objeto, ou seja, possibilidade de alternar o sintagma nominal por um cltico18. Os

    exemplos em (46) ilustram essas propriedades.

    (46) a. A Maria comprou um carro velho

    b. A Maria comprou-o velho (o= um carro)

    Em (46a), a flexo do verbo comprou atribui Caso nominativo para o sintagmaA Maria e em

    (46b) o verbo comprar atribui caso acusativo para um carro.

    O portugus uma lngua em que os sintagmas nominais no so marcados morfologicamente

    por Caso (a marcao abstrata). Entretanto, resduos de marcas casuais podem ser

    observados no sistema dos pronomes pessoais: eu a forma do Caso nominativo, me aforma do Caso acusativo e mim a forma do Caso oblquo, como podemos observar nas

    sentenas em (47).

    (47) a. Eu vi a Maria

    b. A Maria me viu

    c. A Maria deu um livro para mim

    O fato de os pronomes ainda manifestarem Caso explcito, pode servir como evidncia de que

    existe marcao de caso no portugus.

    Pois bem. Voc deve ter observado que at agora mostramos, de maneira bem sucinta,

    como se constroem as representaes das sentenas em rvores nos nveis EP e ES, utilizando

    a teoria X-barra. Mostramos tambm a relao dos ncleos lexicais e funcionais com os

    constituintes que ocupam a posio de complemento e de especificador para a composio da

    estrutura interna das sentenas. Voc achou essa discusso muito abstrata? No se preocupe,vamos discutir a seguir as imposies sintticas dos predicados para a boa formao de uma

    sentena, como se fossem pequenas cenas com exemplos do portugus.

    Primeiramente, para tratar das exigncias sintticas de formao das sentenas, vamos

    retomar aqui a discusso feita na Temtica II19 a respeito das diferenas entre verbo e nome.

    18 Por cltico entende-se um elemento fonologicamente dependente do verbo.

    19

    Seria importante que voc retomasse as unidades 3 e 4, referentes a categorias lexicais e funcionais, antesdessa discusso.

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    Verbos e nomes tm distribuio diferente nas lnguas, como voc pode facilmente constatar

    nos exemplos abaixo:

    (48) a Joo comprou um carro na semana passada.

    b *Joo a compra um carro na semana passada.

    (49) a. A compra do carro foi feita na semana passada.

    b. *A comprou do carro foi feita na semana passada.

    As sentenas (48) e (49) descrevem uma cena de compra de um carro. Em (48a) o

    verbo comprar estabelece um evento de compra entre os sintagmas nominais Joo e umcarro. O verbo comprar o predicado da sentena, por exigir a presena de dois participantes

    para comporem a cena. Os itens selecionados (ou impostos) so chamados de argumentos;

    como se o verbo possusse lacunas que deveriam ser preenchidas por argumentos. Essas

    lacunas so chamadas de lugares. No exemplo (48a), os sintagmas Joo e um carro so

    argumentos do predicado comprar. O lugar do argumento Joo e o lugar do argumento um

    carro so imposies sintticas do predicado comprar, um verbo de dois lugares. O que

    equivale a dizer que impossvel montar uma sentena com o verbo comprar sem colocardois sintagmas do tipoJoo, um comprador, e um carro, a coisa comprada.

    Quanto aos constituintes comprar e compra (exemplos 48 e 49, respectivamente), o

    importante aqui notar que os dois elementos figuram como ncleos, e no so

    substancialmente diferentes; ambos exigem, pelo menos, um argumento que indique o objeto

    comprado (um carro). J na semana passada, por sua vez, no faz parte da estrutura

    argumental do verbo, nem do nome. A falta desse constituinte no torna a sentena

    agramatical, como em (50).

    (50) Joo comprou um carro

    Entretanto, a falta de um dos dois argumentos selecionados pelo verbo, como em (51), torna a

    sentena agramatical/impossvel.

    (51) a *Joo comprou.

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    b *Comprou um carro

    Vale lembrar aqui que (51) s seria possvel se os argumentos um carro e Jooestivessem

    implcitos.

    Considere agora os exemplos em (52), abaixo:

    (52) a. Joo deu um carro para sua namorada

    b. O carro chegou

    Na sentena (52a), o predicado dar precisa de trs argumentos para se combinar com

    ele, representados aqui pelos participantes: um carro,sua namorada e Joo. O que significadizer que um verbo de trs lugares. A falta de qualquer um dos trs argumentos torna a

    sentena agramatical. J em (52b), o predicado chegar impe a necessidade apenas de um

    argumento, o carro, por isso considerado um verbo de um lugar. Mas, novamente, a falta

    desse nico argumento tambm torna a sentena agramatical.

    Enfim, nas cenas apresentadas nos exemplos (48) e (52), os verbos comprar, dar e

    chegar vo ser considerados ncleos (tambm denominados predicados), j que esses termos

    so responsveis por todas as exigncias impostas aos argumentos das sentenas. So eles quevo impor o nmero de argumentos (dois, trs ou um, respectivamente) a ser selecionado.

    Verbos de dois lugares tambm so conhecidos como verbos transitivos/biargumentais,

    verbos de trs lugares so conhecidos como verbos bitransitivos/triargumentais e verbos de

    um lugar, como verbos monoargumentais.

    Os argumentos selecionados por um verbo de dois argumentos como comprar so de

    duas naturezas: externos e internos. H pelo menos duas grandes relaes que precisam ser

    construdas com esses tipos de verbos:(i) a relao que se estabelece entre o ncleo e seu complemento, formando osintagma verbal (SV);

    (ii) a relao que se estabelece entre o SV e o argumento externo, completando apequena cena (ou a sentena).

    Nesse momento vocs poderiam nos fazer as seguintes perguntas:

    Como os argumentos de comprarse juntam ao verbo?

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    Ser que o fazem ao mesmo tempo?

    Evidncias sintticas nos mostram que, numa construo transitiva, o argumento

    interno que se junta primeiramente ao verbo, ocupando a posio de complemento. O ncleo e

    o complemento, juntos, vo impor restries ao segundo argumento denominado externo. A

    posio ocupada pelo argumento externo chamada de especificador. Nesse caso, dizemos

    que argumento interno ocupa a posio de complemento e argumento externo ocupa a posio

    de especificador.

    De modo geral, podemos dizer que so internos os argumentos que figuram como

    objetos e externos os argumentos que figuram como sujeitos das sentenas. Na verdade, o que

    se conhece como sujeito e como objeto resultado de uma configurao estrutural. Objetodireto o constituinte que ocupa a posio de complemento do verbo e sujeito o constituinte

    que ocupa a posio de especificador. Alm disso, importante ressaltar que o ncleo se

    relaciona assimetricamente com o especificador e simetricamente com seu complemento (cf.

    esquema X-barra). Vamos discutir um pouco agora essa simetria/assimetria. Consideremos

    para tanto outras cenas, como em (53):

    (53) a. Joo quebrou a perna na ltima semanab. Joo quebrou o vaso na ltima semana

    Em (53), parece claro que o predicado quebrar um verbo de dois lugares (seleciona

    dois argumentos), entretanto, enquanto as restries impostas para o argumento interno so

    fornecidas pelo verbo, as exigncias/restries para o argumento externo necessariamente

    precisam ser dadas pelo composto [verbo+argumento interno]. Evidncias sintticas nos

    mostram que o argumento interno que se junta primeiramente ao verbo, formando osintagma verbal (SV). S depois que o SV vai impor restries ao outro argumento (o

    externo). O papel que o argumento externo vai receber em (53) de ator ou de objeto afetado,

    por exemplo, conseqncia direta do resultado da composio [quebrar a perna] ou

    [quebrar o vaso]. Retomaremos esses exemplos na prxima seo, quando discutiremos as

    exigncias semnticas dos predicadores.

    Encontramos tambm vrios exemplos no portugus em que um verbo e o seu

    argumento interno formam uma expresso idiomtica, excluindo o argumento externo, como

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    em (54a) e (54c), mas parece que no encontramos tais expresses envolvendo um sujeito e

    um verbo, sem o complemento, como a agramaticalidade de (54b) e de (54d) evidenciam.

    (54) a. Quebrar a cara

    b. *Ele quebrou

    c. Bater as botas

    d. *Ele bateu

    Como podemos observar em (54), expresses idiomticas podem ser formadas apenas

    por sintagmas verbais. Isso nos leva a concluir que o verbo e seu argumento interno, que

    figuram como verbo e complemento, devem ter uma relao mais estreita (simtrica) do que overbo e seu argumento externo, ou seja, sujeito e verbo.

    Consideremos agora o paradigma em (55).

    (55) a. Joo quebrou o vaso

    b. O vaso quebrou/O vaso quebrou-se20

    c. O vaso foi quebrado (por Joo)

    d.?? O Joo quebrou

    Note-se que o argumento que se mantm nas estruturas em (55) o interno, o vaso. De

    (55a) podemos derivar (55b) e (55c), relacionando o verbo quebrar a seu argumento interno,

    mas no formamos (55d). Logo, parece que o argumento interno indispensvel para a

    formao das sentenas.

    Consideremos agora verbos de um lugar, como em (56), no que segue. As perguntas

    que poderamos fazer so as seguintes:

    Como explicar, ento, os verbos monoargumentais? O argumento selecionado por esse predicador interno ou externo?

    20

    Sugerimos que voc leia a dissertao de mestrado de Marco A. Martins (2005) sobre as construes deindeterminao com SE para entender melhor as sentenas ilustradas em (55b) com e sem SE.

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    (56) a. Joo correu

    b. Joo chegou/Chegou Joo

    Muitos autores j mostraram que predicados como correr e predicados como chegar,

    apesar de serem considerados verbos de um lugar, apresentam argumentos de natureza

    diferente. Enquanto o verbo correr seleciona um argumento externo, o verbo chegar

    seleciona um argumento interno. Essa distino est diretamente relacionada aos papis dos

    participantes da cena (de agente e de tema, respectivamente) e aos traos impostos a cada um

    dos argumentos, como em (57) e (58):

    (57) a. Joo correu a corrida de So Silvestre

    b. *A encomenda correu

    (58) a. *Joo chegou a chegada triunfal

    b. A encomenda chegou

    Enquanto (57) permite um objeto cognato, mas no permite um argumento [-

    animado]; (58) no permite cognato (pelo menos no irrestritamente) e admite argumento [-animado]. Essas diferenas podem nos levar a confirmar a existncia de duas classes de

    verbos monoargumentais: a classe dos verbos intransitivos (j legitimada pela gramtica

    tradicional) e a classe dos verbos inacusativos21

    Esta distino entre as duas classes de monoargumentais, intransitivos e inacusativos,

    pode ser explicada em termos de seleo de argumento: no primeiro caso, o argumento

    selecionado externo e no segundo caso interno. Enquanto o primeiro verbo pode ser

    potencialmente um transitivo (com a possibilidade de objeto cognato), o segundo no podegerar um objeto cognato, pois a posio do argumento interno j est ocupada. Se verbos

    prototipicamente intransitivos seguem padres dos verbos transitivos, com a possibilidade de

    projetar um argumento interno, na verdade poderamos dizer que eles so transitivos

    potenciais.

    Alm do nmero de argumentos definidos pelos itens lexicais (ncleos), que estamos

    chamando aqui de predicados, h tipos de argumentos especficos para se combinar com os

    21

    Vamos trazer para reflexo na unidade 8 outros detalhes sobre os verbos inacusativos.

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    ncleos. Como voc pode observar, os exemplos em (57) e (58) ilustram essa exigncia

    quanto s (im)possibilidades de determinados verbos selecionarem argumentos [+animado]

    e/ou [-animado]. No caso do verbo comprar, o predicado exige que um de seus argumentos

    (o externo) seja capaz de fazer referncia a algum comprador, como os exemplos em (59),

    abaixo, ilustram (retomados de (46)):

    (59) a. Joo comprou um carro

    b. *A mesa comprou um carro

    Joo, em (59) marcado por traos semnticos [+animado] que o distingue de mesa [-

    animado]. Dizemos, ento, que um verbo como comprar exige que seu argumento externoseja [+ animado].

    Outros tipos de predicados tambm podem tomar argumentos. So os nomes, os

    adjetivos e as preposies. Retomemos a sentena (49a), agora como (60) para a discusso

    do nome como ncleo lexical.

    (60) A compra do carro (pelo Joo) foi feita na semana passada.

    Em (60), o nome compra derivado do verbo comprar e tambm estabelece um

    evento de compra que impe restries a seus argumentos: o objeto da compra (o carro) e o

    comprador (o Joo). Logo, o carro e o Joo so argumentos selecionados pelo nome

    compra, um predicador de dois lugares( semelhana do verbo comprar).

    Consideremos agora exemplos com adjetivos:

    (61) a. Maria foi favorvel compra do carrob. Maria est feliz

    c. Maria comprou um belo carro

    Em (61) h trs adjetivos em questo. O adjetivo favorvel em (61a) um predicador

    de dois lugares, que impe restries sobre os argumentos selecionados por ele, Maria e a

    compra (argumentos externo e interno, respectivamente). Em (61b) o adjetivo feliz tambm

    impe restries a seu argumento Maria. No poderamos dizer: A mesa est feliz, por

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    exemplo. J em (61c) belo no figura como argumento, mas como adjunto, pois faz parte do

    sintagma nominal [um belo carro]. O ncleo lexical em (61c) o verbo comprar. ele que

    impe condies sobre os argumentosMaria e carro.

    Alm de verbos, nomes e adjetivos que figuram como predicados, h tambm

    preposies que no so s elementos relacionais (ou gramaticais), mas ncleos lexicais. Elas

    tambm vo impor restries a seus argumentos. Vejamos os exemplos em (62):

    (62) a. A compra do carro foi feita pelo Joo contra a vontade de Maria.

    b. Joo viajou para So Paulo

    A preposio contra em (62a) relaciona os argumentos Joo e a vontade de Maria.Pode ser considerada um predicado, pois impe restries sobre os argumentos por ele

    selecionado: um externo (o Joo) e um interno (a vontade de Maria).

    Para distinguirmos as preposies gramaticais (ou funcionais) das preposies que

    figuram como ncleos lexicais (ou predicados), consideremos as preposies de e para dos

    exemplos (62a) e (62b). Elas so de natureza diferente: enquanto a primeira meramente

    relacional, contribui apenas para a combinao entre o nome compra e seu argumento o carro,

    em [a compra do carro], a segunda indica direo, impe restries ao argumento So Paulo[para So Paulo], que necessariamente tem de ser um lugar (no poderamos dizer: *Joo

    viajou paraa mesa).

    Em sntese, verbos, nomes, adjetivos e preposies so predicados quando forem

    ncleos lexicais, ou seja, quando figurarem como elementos que impem exigncias a seus

    argumentos. Essas exigncias esto relacionadas ao nmero de argumentos selecionado, ao

    tipo de argumento (interno ou externo), aos traos desses argumentos ([+animado] ou [-

    animado]) e aos papis dos participantes da situao descrita. Na prxima unidade, vamosfalar desses papis.

    Unidade 6. Papis temticos dos argumentos

    Como j dito, uma das maneiras de entender as sentenas de uma lngua consiste em

    imaginar que elas representam pequenas cenas. Nessas cenas, diferentes entidades

    desempenham papis importantes e necessrios. Esses papis so, em geral, determinados

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    pelo verbo e so mais ou menos fixos. Esses verbos, como j salientamos, so considerados

    predicados e so, por sua vez, os responsveis pela seleo dos argumentos que com eles se

    relacionam. Alm dos verbos, esses papis tambm podem ser determinados por outras

    categorias lexicais, como nomes, adjetivos e preposies.

    Imaginemos, agora, uma situao como a descrita na unidade 3, aqui retomada:

    Situao 1: pai e filho passeiam pelo terreiro. De repente, o filho v uma formiga e pisa em

    cima dela. Como ela permanece imvel, o filho afirma:

    Pai, a formiga morreu!

    Segundos depois, a formiga volta a andar e o filho exclama:

    Pai, a formiga desmorreu!

    Ao comentarmos essa situao para algum podemos descrev-la de vrias formas

    diferentes dependendo daquilo que queremos evidenciar:

    (63) a. Pai e filho passeiam pelo terreiro da casa.

    b. O menino viu uma formiga

    c. O menino pisou em cima da formigad. O menino matou a formiga

    e. A formiga foi morta pelo menino.

    f. A formiga morreu

    g. A formiga desmorreu

    As sentenas acima descrevem situaes22 diferentes. As situaes so descritas, de

    modo geral, pelos verbos passear, ver, ter (existir), pisar, matar e desmorrer. A situao depassear (em (63a)) requer a presena de um participante, que no caso est representado pelo

    pai e pelo filho (algum passeia), que o ator que desencadeia o processo de passear. A

    situao de ver (em (63b)) envolve dois participantes: aquele que viu (o menino) e aquele que

    visto (a formiga). Podemos dizer que no primeiro caso o constituinte O pai e o filho um

    argumento do predicado passear e no segundo caso o menino e a formiga so dois

    argumentos exigidos pelo verbo ver. Os exemplos (63d) e (63e) so diferentes formas de

    22

    Situao um termo geral para descrevermos atividades, eventos e estados.

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    representao de uma pequena cena, cujo verbo matare cujos participantes so o menino e

    uma formiga.

    (64) a. O menino matou a formiga com o p

    MATAR (o menino, a formiga)

    b. A formiga foi morta (pelo menino) com o p.

    SER MORTA (a formiga, o menino)

    Ao descrevermos uma cena, vamos realar determinada situao e minimizar a

    importncia de outra, dependendo do papel requerido pelos constituintes na sentena. Em

    (64a), por exemplo, realamos o papel do ator da cena (o agente) e em (64b) realamos opapel do objeto afetado, a formiga. Podemos dizer, ento, que na primeira sentena o sujeito

    desempenha o papel de agente e na segunda, o papel de paciente. Alm disso, o sintagma o

    menino desempenha o mesmo papel nas duas pequenas cenas, o mesmo acontece com o

    sintagma a formiga.

    Se voltamos pequena cena descrita em (64), voc pode notar que o p o

    instrumento usado para matar a formiga, mesmo no sendo argumento imposto pelo

    predicado.Retomemos agora a sentena em (63b), retomada abaixo em (65). O verbo ver tambm um

    verbo de dois lugares, mas o papel dos participantes agora no relativo a aes, mas ao

    prprio ato de falar sobre experincias (processo perceptivo).

    (65) O menino viu uma formiga

    VER (o menino, uma formiga)

    Neste caso, realamos o papel do experienciador, foi o menino que [viu a formiga]. E

    a formiga continua sendo o objeto, mas nesse caso, um objeto neutro (no afetado), apenas

    um tema.

    Consideremos agora as sentenas (63a) e (63f), agora em (66) e (67).

    (66) Pai e filho passeiam pelo terreiro de casa

    PASSEAR (pai e filho)

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    (67) A formiga morreu (ou a formiga desmorreu)

    MORRER (a formiga)

    Tanto passear como morrer (ou desmorrer) so verbos de um lugar, isto , requerem

    a presena de apenas um argumento. Esse argumento, porm, apresenta papis diferentes: em

    (66)pai e filho um argumento que desempenha o papel de agente e em (67) a formiga um

    argumento tema. A expresso pelo terreiro de casa, em (66) no se caracteriza como

    argumento, pois no exigido pelo verbo ( apenas um adjunto).

    Poderamos acrescentar mesma situao descrita alguns detalhes a respeito da cena.

    Vejamos:

    (68) a. O terreiro da casa estava limpo

    b. A formiguinha estava viva

    c. O menino ficou feliz23

    d. O menino gosta da formiguinha

    Observemos os adjetivos limpo, viva e feliz das pequenas cenas descritas em (68).Nessas sentenas, a predicao est sendo feita pelos adjetivos, que expressam propriedades

    atribudas a certos constituintes. Em (68) limpo uma propriedade atribuda ao terreiro, viva

    uma propriedade atribuda formiguinha e feliz uma propriedade atribuda ao menino.

    Essas sentenas expressam uma situao estativa, mas existe uma grande diferena entre as

    sentenas em (68a, b, c), de um lado, e a sentena (68d), de outro. Enquanto (68d) envolve a

    participao de dois argumentos impostos pelo predicado verbo gostar (como em (69a), a

    seguir) as primeiras envolvem apenas um participante (o terreiro/a formiguinha/o menino). Osconstituintes que esto funcionando como predicados das primeiras sentenas so os

    adjetivos, como ilustra (69b):

    (69) a. O menino gosta da formiguinha.

    GOSTAR (o menino, a formiguinha)

    b. O menino ficou feliz.

    23 Note-se que em (31b) o verbo que est em jogo na estrutura da sentena de ligao (ou cpula).

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    FELIZ (o menino)

    Em (69a), o verbo gostar impe ao argumento interno a formiguinha o papel de tema

    (aquele que gostado) e ao argumento o menino o papel de experienciador (aquele que gosta).

    J em (69b), o adjetivo feliz impe a menino o papel neutro de tema. Poderamos, ainda,

    acrescentar situao descrita a seguinte cena:

    (70) A destruio da formiga pelo menino foi uma iluso

    DESTRUIO (a formiga, o menino)

    Dentro da expresso a destruio da formiga pelo menino tambm existe uma relaode predicao, estabelecida desta vez pelo nome destruio. Destruio expressa uma

    situao, que envolve dois participantes: a formiga e o menino. Mais uma vez estamos diante

    de um predicador de dois lugares. O nome deverbal24 destruio toma como argumento a

    formiga e o menino, o primeiro um objeto afetado e o segundo um