Texto Caetano Filosofia Das Ciencias Naturais
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FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS NATURAIS
Caetano Ernesto Plastino
Departamento de Filosofia da USP
Muitas questões fundamentais atualmente tratadas no âmbito das
ciências da natureza (por exemplo, a estrutura da matéria, os princípios do
movimento, a origem do mundo e da vida) fizeram parte, séculos atrás, do
abrangente campo das investigações filosóficas. No entanto, a estreita
relação da ciência com a filosofia não se restringe às suas raízes históricas.
Descobertas da ciência contemporânea podem se mostrar relevantes para
os debates filosóficos sobre o determinismo, o materialismo, a relação
mente/corpo etc. Por sua vez, é tarefa da filosofia refletir sobre os
padrões de racionalidade científica, o valor cognitivo das teorias, os
esquemas de explicação, a evolução da ciência e outros problemas
semelhantes.
Critérios empiristas de demarcação
Quais são as marcas características da ciência empírica? Que
critérios distinguem a ciência de outras formas de pensamento como a
metafísica? Decerto, não é apenas na ciência que se resolvem problemas,
se realizam observações, se fazem previsões ou se explicam fenômenos.
Nas realizações do senso comum, encontramos invenções
transformadoras (como a roda) e importantes descobertas (em
agricultura, por exemplo) que foram obtidas bem antes do advento da
ciência ocidental.
Inicialmente, deve-se notar que não é o caso de se exigir que todos
os conceitos científicos sejam definidos com base apenas em dados dos
sentidos ou operações experimentais, pois na ciência teórica se utilizam
termos (como “elétron”) que não admitem semelhante definição.i
Poder-se-ia deslocar a atenção dos termos (ou palavras) para os
enunciados. Os enunciados concordam ou não com a realidade: eles são
verdadeiros ou falsos. Na concepção verificacionista, são tomados como
científicos os enunciados que podem, em princípio, ser verificados
experimentalmente.ii No entanto, não é possível, com base em relatos
particulares de observação, verificar (mostrar que são verdadeiras) as leis
universais da ciência (como a lei de gravitação), visto que elas não se
restringem a certas regiões do espaço e do tempo.
O filósofo Karl Popper propôs a refutabilidade empírica como
critério de demarcação. Não podemos verificar uma lei universal, mas
podemos falseá-la mediante um contraexemplo. Esse critério capta um
importante aspecto da ciência: as hipóteses científicas sempre estão
abertas à crítica e à revisão, mesmo depois de terem resistido a vários
testes empíricos, pois nunca se terá certeza de que foram eliminadas
todas as fontes potenciais de erro. No entanto, a afirmação existencial “Há
vida em outro planeta do Universo”, tomada sem limitação no espaço e
no tempo, é irrefutável pela experiência, embora em princípio possa ser
verificada.
Segundo David Hume, nas questões de fato, um homem sábio
mantém crenças com intensidades proporcionais ao apoio das evidências.
Havendo evidências favoráveis e desfavoráveis, sua força não superará a
probabilidade. Entretanto, como notou Pierre Duhem, uma hipótese
teórica sobre entidades inobserváveis, considerada isoladamente, não é
suscetível de controle pelas evidências empíricas. Com exceção dos
enunciados de observação, só podemos avaliar experimentalmente os
enunciados científicos quando tomados em conjunto.iii Daí a dificuldade
de se aplicarem a enunciados isolados os critérios empiristas de
demarcação. De acordo com Willard Quine, nossas crenças estão inter-
relacionadas e se submetem em bloco ao tribunal da experiência. Nesse
corpo teórico, não há uma fronteira nítida entre a ciência natural e a
metafísica especulativa. Alguns enunciados estão mais próximos da
experiência sensível e devem se ajustar a ela, enquanto outros se
encontram mais no interior do sistema, tendo como objetivo a
simplicidade.
Etapas da investigação científica
O cientista lança mão das teorias disponíveis na tentativa de
solucionar problemas. Em um procedimento de ensaio e erro, as teorias
que não se mostram eficazes são eliminadas e substituídas por outras
melhores, que por sua vez suscitam novos problemas não solucionados, e
assim por diante. Segundo Popper, para que a ciência avance é
fundamental que seus erros sejam sistematicamente criticados e
corrigidos ao longo do tempo.
De modo simples e esquemáticoiv, os passos de uma investigação
científica são geralmente descritos do seguinte modo:
1) identificação do problema que dá início à investigação;
2) proposta de alguma teoria provisória como tentativa de
responder ao problema. Nesse sentido, a investigação sempre
parte de alguma teorização anterior;
3) compilação de novos dados considerados relevantes à luz dessa
teoria provisória;
4) formulação de uma teoria mais satisfatória que dá conta do
conjunto de dados antigos e novos;
5) dedução de novas conclusões dessa teoria, submetendo-as
depois a teste experimental.
Em seguida, o cientista poderá em diversas situações encontrar
aplicações práticas desse conhecimento teórico. Ao controlar a natureza,
ele será capaz de produzir tanto medicamentos altamente eficazes como
armas de destruição em massa.v
Explicação científicavi
Uma das principais tarefas da ciência é explicar, com base nas leis
científicas conhecidas, uma grande variedade de fatos e regularidades da
natureza. Muitas vezes, essa explicação consiste em uma resposta à
questão “por quê?”. Um cientista não apenas observa e descreve o
movimento das marés; ele almeja explicar satisfatoriamente por que elas
se movimentam desse modo. Para tanto, ele geralmente parte de (1)
hipóteses científicas que têm forma de lei e estão bem confirmadas, e de
(2) relatos das condições iniciais do problema, buscando em sua
argumentação mostrar que a descrição do fenômeno a ser explicado pode
ser logicamente deduzida dessas premissas. Além desse modelo
hipotético-dedutivo de explicação, há outros mais complexos, que
requerem, por exemplo, inferência indutiva a partir de leis estatísticas.
Quanto ao tipo de compreensão proporcionada pelas explicações
científicas, Wesley Salmon distingue duas grandes tendências. De um lado,
a tradição causal-mecânica considera que a explicação se dá mediante a
identificação das causas ou a descoberta dos mecanismos subjacentes
pelos quais a natureza opera e que resultam nos fenômenos que
tencionamos compreender. É o caso, por exemplo, quando se explica que
a tuberculose é transmitida por pequenas gotas de saliva, expelidas ao
falar, espirrar ou tossir, que contêm o bacilo de Koch.
De outro lado, entende-se como central para a explicação científica
a unificação alcançada quando situações aparentemente diversas são
sistematizadas e subsumidas sob um pequeno número de princípios
independentes. Foi o que sucedeu, por exemplo, com a unificação das
teorias da eletricidade e do magnetismo no século 19. Importa, no caso, o
caráter global da explicação. No limite, seriam buscados princípios que
não podem ser explicados por outros mais fundamentais.
Além disso, a explicação tem também uma dimensão pragmática,
que a torna dependente do contexto e dos interesses envolvidos. Uma
pergunta simples como “Por que ocorreu tal acidente de automóvel?”
admite várias respostas. Podemos tomar como fator proeminente o
estado do motorista, a condição do veículo, a conservação da pista ou o
clima, por exemplo. E não há uma fórmula geral que permita distinguir a
melhor resposta. Uma resposta só se destaca como "reveladora” contra o
pano de fundo de nossas habilidades, crenças e hábitos.
Em algumas situações, podemos explicar a ocorrência de um evento
(por exemplo, um eclipse solar) e, seguindo a mesma argumentação, fazer
sua previsão. Mas nem sempre isso acontece. As tábuas de marés
permitem realizar previsões precisas, embora não expliquem tal
fenômeno. A teoria da seleção natural de Darwin explica a evolução das
espécies, mas é limitada em seu poder de previsão.
Método e racionalidade científica
São vários os objetivos da ciência, tanto cognitivos como práticos.
Na busca desses objetivos, o cientista deve ser guiado por métodos que
sejam eficazes. Isso não quer dizer que a aplicação do método conduza
mecanicamente ao resultado desejado. A investigação científica exige
engenho e criatividade na construção de teorias e experimentos. Vencida
essa etapa, caberá ao cientista comparar e avaliar os resultados
alcançados, muitas vezes conflitantes entre si. Nesse contexto, ele julgará
quais são as melhores opções, tendo em vista valores cognitivos como,
por exemplo, a força empírica das teorias. A esse respeito, deverá
escolher teorias que resistiram aos testes mais severos e rigorosos, em vez
de tentar, a todo custo, salvar teorias mediante táticas evasivas e
estratagemas que as tornam imunes à crítica. Outros valores cognitivos
podem ser levados em conta na escolha científica: a simplicidade, a
consistência (interna e com outras teorias estabelecidas), a precisão, a
abrangência, a capacidade de resolver problemas, o poder explicativo e
preditivo etc.
A título de exemplo, merece destaque a clássica controvérsia entre
os indutivistas e os defensores do método das hipóteses. De um lado,
entende-se que as proposições universais (como as leis científicas) são
inferidas e estabelecidas mediante generalização indutiva a partir de
enunciados que descrevem várias experiências particulares, garantindo-se
assim a base empírica do conhecimento.vii Seria um erro, segundo
Newton, tentar fugir do argumento da indução por meio de hipóteses que
possamos imaginar.
De outo lado, Descartes sustentou que nada nos impede de seguir
suposições (hipóteses) quando, “sem em nada diminuir a verdade das
coisas, elas unicamente tornam tudo muito mais claro” (Regras, XII).
Hipóteses sobre corpúsculos invisíveis não podem ser diretamente
averiguadas pela experiência, mas podem ser avaliadas levando em conta
sua contribuição nas teorias de que participam. Com tais hipóteses se
torna possível, por exemplo, dar explicações e fazer previsões sobre
fenômenos ópticos como a refração.viii Não há garantia de êxito ou
eficácia do método indutivo nem do método das hipóteses, mas ambos
permitem a autocorreção e o avanço da ciência. Com esses métodos,
somos capazes de selecionar as melhores teorias ou hipóteses mesmo em
um cenário de incerteza e falibilidade.ix
Contudo, a racionalidade científica não se restringe a casos de
escolhas baseadas em evidências. Os cientistas interagem com a natureza
e também com outros cientistas, com os quais estabelecem compromissos
profissionais de várias espécies. Por exemplo, embora não se submetam
cegamente a nenhuma autoridade, os cientistas presumem inicialmente
que seus pares sejam confiáveis. Esse recurso ao testemunho se torna
fundamental para que a pesquisa possa avançar coletivamente e chegar a
resultados que seriam inalcançáveis caso os cientistas trabalhassem sem
cooperação. Contudo, essa estratégia cognitiva requer uma avaliação de
quais cientistas são mais dignos de crédito, quais são as chances de
cometerem erros, quando seria apropriado refazer o experimento por
conta própria etc. E não se pode negar que a competição também tenha
seu papel construtivo na ciência. Em resposta a um novo resultado sobre o
qual não se tem muita clareza de que seja plausível, pode haver uma
divisão dos esforços cognitivos na comunidade, com grupos de cientistas
seguindo diversas linhas de pesquisa, distribuindo os riscos e aumentando
as chances de êxito.
Progresso científicox
O progresso é uma das características mais notáveis do
empreendimento científico. O trabalho intenso e criador dos cientistas
tem produzido importantes descobertas e invenções em diversos campos
de pesquisa. Mas em que consiste esse progresso? De que modo a ciência
evolui historicamente, modificando suas ideias e teorias?
Segundo a visão cumulativa da história da ciência, o
desenvolvimento se dá por um contínuo acréscimo de conhecimentos
confiáveis e pela eliminação de erros e obstáculos. Entende-se que,
mediante um processo gradativo, os avanços sucessivos da ciência
formam um estoque crescente de realizações bem-sucedidas, ao mesmo
tempo em que são afastados certos equívocos que dificultavam tal
crescimento. Desse ponto de vista, quando uma teoria científica é
substituída por outra melhor em seu domínio, ela ainda é considerada
aproximadamente verdadeira à luz da nova teoria proposta. Pelo menos
algo de sua estrutura parece ser preservado na mudança científica.
Segundo Henri Poincaré, “não devemos comparar a marcha da ciência
com as transformações de uma cidade, onde edifícios envelhecidos são
impiedosamente demolidos para dar lugar a novas construções, mas sim
com a evolução contínua das espécies zoológicas que se desenvolvem sem
cessar e acabam por se tornar irreconhecíveis aos olhares comuns, mas
onde um olho experimentado reencontra sempre os vestígios do trabalho
anterior dos séculos passados”.
A essa concepção tradicional opõe-se a proposta de Thomas Kuhn
de que é possível distinguir duas fases na história da ciência: 1) a ciência
normal, ou seja, aquela em que uma tradição de pesquisa está assentada
em um firme consenso entre os cientistas sobre quais problemas são
genuínos e quais soluções são adequadas, e 2) a ciência extraordinária, ou
seja, aquela em que (a partir de uma situação de crise) os cientistas
passam a divergir a respeito de seus compromissos profissionais básicos.
Neste último caso, o debate pode resultar em um consenso acerca de um
novo paradigma científico, que representa um modo radicalmente
diferente de pensar e de praticar a ciência. Trata-se de uma revolução
científica, de uma profunda mudança da visão de mundo científica.
Também cabe aqui uma analogia. Assim como a evolução das espécies
pela seleção natural não conduz a um fim último, também a evolução das
ideias científicas não é compreendida como a gradual aproximação de um
ideal mais elevado. Por mais admirável e vasto que seja, o progresso da
ciência não se dirige a uma verdade objetiva.
Realismo e antirrealismo acerca da ciênciaxi
O mundo exterior, que em grande parte é independente de nosso
pensamento e experiência, pode ser conhecido (pelo menos de modo
aproximado) pela ciência em seu gradativo desenvolvimento? Realistas
como Hilary Putnam respondem de modo afirmativo. Eles entendem que,
na ciência madura, comumente as teorias são aproximadamente
verdadeiras e seus termos teóricos fazem referência a objetos reais.
Mediante os recursos da ciência, aprendemos cada vez mais sobre o
mundo, inclusive sobre as partes (inobserváveis) que de outro modo
seriam inacessíveis a nós. Mas o que justifica a crença na realidade tal
como descrita pela ciência? O realista argumenta que se não admitirmos
(1) a existência das entidades inobserváveis postuladas pela ciência e (2) a
verdade aproximada das leis científicas, não seremos capazes de explicar o
fantástico êxito da ciência em fazer previsões novas e surpreendentes
sobre os eventos empíricos, em “enfrentar anomalias de um modo
criativo e fecundo”. Sem a suposição realista de que as descrições
científicas correspondem razoavelmente bem aos fatos do mundo, as
notáveis virtudes das atuais teorias científicas (sua novidade e
fecundidade, por exemplo) e a convergência no processo evolutivo da
ciência seriam vistas como frutos de um milagre, de uma misteriosa
“coincidência cósmica”.
Por sua vez, o instrumentalista se opõe ao realismo científico e
sustenta que não é objetivo da ciência representar corretamente o mundo
exterior independente de nós. As leis teóricas são interpretadas como
instrumentos para guiar o pensamento e a ação dos cientistas, para
antecipar o futuro de modo confiável. Sendo instrumentos, elas não são
literalmente verdadeiras ou falsas. Espera-se apenas que “salvem os
fenômenos”, que sejam fecundas, econômicas, eficazes etc. Desse modo,
suspende-se a crença na existência de entidades inobserváveis como os
átomos, que são tidas como apenas ficções ou construtos mentais simples
e convenientes para o propósito de “manipular o fluxo da experiência”.
Outra importante concepção antirrealista da ciência é o relativismo
cognitivo. Recorrendo muitas vezes à história da ciência, afirma-se que os
padrões do que conta como “boa ciência” se transformam com o tempo e
dependem do contexto considerado. Sua validade e autoridade dependem
da prática estabelecida no interior de uma comunidade científica. Desse
modo, a justificação de uma crença se torna relativa a um paradigma
científico, não havendo uma visão que permita justificar de modo
absoluto. Ao contrário da concepção realista de ciência, “o mundo lá fora”
não é tomado como um padrão objetivo ao qual as teorias devem se
conformar. Por exemplo, a afirmação de que a luz é um feixe de
corpúsculos está bem fundamentada em alguns sistemas científicos, mas
não naqueles que a retratam como onda. Admitindo que existam casos
legítimos de desacordos racionais na ciência, alguns relativistas
consideram que esses desacordos são transitórios e não estão presentes
durante os períodos de normalidade. Outros entendem que são
recorrentes e expressam exatamente a riqueza do saber científico.
Como se pode notar, são muitas as abordagens filosóficas da ciência
e as argumentações envolvidas na defesa ou crítica de cada uma delas. As
imagens de ciência refletem as grandes conquistas científicas, mas
também as visões de mundo de sua época.
LEITURAS SUGERIDAS
1) Chalmers, A. O que é a ciência, afinal? São Paulo: Editora Brasiliense,
1995.
2) Chalmers, A. A fabricação da ciência. São Paulo: Editora Unesp, 1994.
3) French, S. Ciência. Porto Alegre: Artmed, 2009.
4) Hacking, I. Representar e intervir. Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2012.
5) Hempel, C. A filosofia da ciência natural. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1974.
6) Kuhn, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1975.
7) Lacey, H. Valores e atividade científica. São Paulo: Discurso Editorial,
1998.
8) Morgenbesser, S. (org.) – Filosofia da ciência. São Paulo: Cultrix/Edusp,
1975.
9) Popper, K. Textos escolhidos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.
10) Rosenberg, A. Introdução à filosofia da ciência. São Paulo: Loyola,
2009.
Questões dissertativas
1) Utilizando a matéria “Cientistas desvendam mistério das ‘pedras que
andam’ na Califórnia” (UOL/notícias/Ciência, 31/08/2014), procure
reconhecer as principais suposições da explicação apresentada para a
ocorrência desse fenômeno surpreendente. Note que uma explicação
científica nem sempre diz respeito a situações que sejam tão esperadas,
como o movimento de uma bola de bilhar após ser atingida por outra.
http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-
noticias/bbc/2014/08/31/cientistas-desvendam-misterio-das-pedras-que-
andam-na-california.htm
2) Por que, em um teste científico rigoroso, é importante levar em conta
evidências empíricas que sejam numerosas, variadas e precisas?
3) Explique por que não se pode refutar experimentalmente o enunciado
“Existe uma substância que cura todas as doenças”. Note que essa
substância pode ser desconhecida.
4) Apresente um exemplo histórico em que uma teoria científica foi
suplantada por outra. Você considera que nada (ou quase nada) da antiga
teoria foi preservado naquela que a sucedeu?
5) Indique uma situação em que diferentes causas podem produzir o
mesmo efeito, tal como acontece no exemplo dos mecanismos possíveis
de um relógio.
6) A decisão científica de escolher uma teoria em vez de outra rival deve
ser imparcial, no sentido de ser ditada apenas por valores cognitivos? Ou
pode levar em conta também fatores de ordem prática, social, econômica
etc.? Considere em sua resposta as análises feitas no livro de Hugh Lacey.
Concordando com elas ou discordando delas, fundamente sua resposta.
7) Com base em alguma das aventuras de Sherlock Holmes, escritas por
Arthur Conan Doyle, mostre que o poder explicativo de uma hipótese é
relevante para sua escolha, quando ela é comparada com as rivais.
8) Utilizando o modelo hipotético-dedutivo de explicação científica,
apresente um exemplo em que a previsão da ocorrência futura de um
evento se assemelha à explicação da sua ocorrência passada.
9) As tentativas de justificar a indução envolvem sempre uma
circularidade? Note que podemos explicar o que nos leva a fazer induções
sem que estejamos aptos a justificar essas inferências.
10) O fato de um acontecimento ser familiar não significa que seja de fácil
explicação. Afinal, por que a noite é escura? Faça uma pesquisa sobre o
chamado paradoxo de Olbers.
11) Uma concepção realista da ciência lhe parece mais compatível com o
crescimento cumulativo da ciência ou com mudanças por revolução?
Fundamente sua resposta.
12) Segundo Kuhn, pode-se reconhecer uma incomensurabilidade entre
paradigmas que competem em um campo da ciência. Isso significa que
não há amplo consenso sobre os conceitos, os problemas, as soluções, as
explicações, os usos de instrumentos etc. Nesse ambiente de ciência
extraordinária, como seria possível uma escolha racional de paradigma?
Em sua resposta, leve em conta o caráter coletivo da pesquisa científica.
13) Não é simples a tarefa de caracterizar o que é uma lei científica, ou
quais são as suas formas. Apresente exemplos de leis científicas que
envolvem causas eficientes e de leis científicas não causais (como as de
conservação). Apresente também exemplos de leis teleológicas (isto é, em
termos de causas finais) que são admitidas na ciência.
14) Muitos autores contemporâneos sustentam que a biologia e a química
não se reduzem à física, embora elas não suponham outras forças ou
entidades além daquelas postuladas pela física. (Teorias como a da força
vital foram abandonadas há muito tempo.) Pesquise o assunto e
fundamente a atitude (reducionista ou antirreducionista) que lhe pareça
mais adequada.
15) Qual a importância das classificações na ciência? Faça uma pesquisa
sobre a criação da tabela periódica de elementos químicos. Sabe-se que,
com o tempo, foram descobertos elementos correspondentes a lacunas
inicialmente deixadas na tabela. O que isso significa para um realista?
i Os critérios propostos são normativos e não descritivos. No entanto, espera-se que sejam, em boa medida, adequados à prática científica bem-sucedida. ii O verificacionismo geralmente está associado a um critério de sentido, não de demarcação. É clássica a formulação de Moritz Schlick: “O sentido de uma proposição é o método de sua verificação”. iii Muitas vezes, nem mesmo os enunciados de observação podem ser testados de modo simples e direto pelas impressões sensoriais. As observações científicas comumente requerem treinamento especializado e podem fazer uso de instrumentos (como o microscópio óptico) cuja confiabilidade depende, pelo menos em parte, de teoria. iv No início do livro “Filosofia da ciência natural”, Carl Hempel dá como exemplo o meticuloso estudo do médico húngaro Ignaz Semmelweis para identificar a causa da febre puerperal, que entre 1844 e 1848 levou à morte grande número de parturientes no Hospital Geral de Viena. Em “Introdução à lógica” (Mestre Jou, 1978), Irving Copi tece um interessante paralelo com as investigações conduzidas pelo detetive Sherlock Homes para solucionar casos misteriosos. v Nesse ponto se torna patente a relevância das questões éticas envolvidas. vi Utilizamos aqui o capítulo “Explicação científica”, publicado no livro “Divulgação científica: reflexões”, organizado por Glória Kreinz e Crodovaldo Pavan, Publicações NJR, ECA/USP, 2003, p. 45-49. vii Por indução, pode-se também inferir uma regularidade (probabilidade), em vez da universalidade. Isso ocorre quando projetamos para o futuro a frequência (até então observada) da ocorrência de um determinado evento. viii Em uma célebre objeção ao método das hipóteses, considera-se a possibilidade de duas ou mais hipóteses incompatíveis entre si serem igualmente bem adequadas ao
mundo empírico. Em uma analogia devida a Descartes, relógios com diferentes mecanismos poderiam produzir os mesmos movimentos dos ponteiros. Sem abrir o relógio e sem dispor de informações sobre sua fabricação, como descobriríamos qual é o seu mecanismo interno? ix Outra importante metodologia científica é o convencionalismo. Segundo essa concepção, alguns princípios centrais da ciência devem ser julgados pela simplicidade que trazem ao sistema. Para o convencionalista, a revolução copernicana é um caso exemplar de aplicação do critério de simplicidade, pois naquela ocasião o sistema ptolomaico, sem formar um corpo uno, era comparado a um monstro em que se juntam partes de diferentes pessoas. x Utilizamos aqui um texto publicado no boletim número 15 do Núcleo José Reis, ECA/USP, 2008. xi Utilizamos aqui o capítulo “Realismo e instrumentalismo”, publicado no livro “Divulgação científica: olhares”, organizado por Glória Kreinz, Crodovaldo Pavan e Ciro Marcondes Filho, Publicações NJR, ECA/USP, 2009, p. 75-87.