Texto - Causo Ou Case Os Pires Que Nao Vendiam

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  • "Causo" ou "case": Os pires que no vendiam.

    Cezar Sucupira Novembro de 2005

    www.cezarsucupira.com.br

    Corria o ano de 1976 quando a empresa de varejo na qual eu trabalhava como gerente de distribuio, foi colocada em uma situao bem desconfortvel. Em frente a nossa principal loja, do outro lado da rua, existia uma loja tradicional com cerca de 25 metros de fachada e diversas portas, que estava sendo vendida para um grupo concorrente.

    Era a loja do DRAGO LOUAS E FERRAGENS, que, na histria do varejo carioca e talvez brasileiro, foi uma das lojas pioneiras em patrocinar os programas de auditrio da antiga Rdio Nacional, como os programas do comunicador Csar de Alencar (www.valda.com.br/radio.htm ). Era uma loja precursora das atuais lojas de departamentos, onde existiam sees de vendas de diversas categorias de produtos como, louas, utenslios para o lar, materiais eltricos, hidrulicos, ferramentas, materiais de limpeza, etc.

    Os donos da loja em que eu trabalhava, ao tomarem conhecimento da iminente venda e conseqente ocupao da loja por seu principal concorrente, tomaram a dianteira do negcio e compraram o controle do DRAGO de maneira rpida, sem tempo nenhum para um maior planejamento e designao de pessoal.

    Fui chamado para, " partir de segunda-feira", tomar conta da rea comercial, compras e estoques da loja, sem nunca ter tido a oportunidade de um contato maior com as tcnicas de administrao e vendas de lojas varejistas. Era pegar ou largar...,peguei!

    A loja ficava no trreo de um prdio antigo de quatro ou cinco andares, da Av. Marechal Floriano, que, no incio de sculo passado, havia sido um hotel, creio at de boa fama. Como todo hotel, os andares eram divididos em pequenos quartos, talvez na metragem de 2 m x 3 m. Os quartos passaram a ser os depsitos de mercadorias do DRAGO, bem organizados por categorias de mercadorias.

    Em uma das minhas primeiras visitas a loja que eu agora gerenciava comercialmente, ao subir nos andares onde ficavam os estoques da empresa, notei que dois ou trs quartos, com muita poeira indicando que se tratavam de estoques antigos, estavam ocupados exclusivamente com pires descasados das suas respectivas xcaras. Perguntei ao responsvel pela seo sobre as xcaras e este me informou que aqueles pires estavam sendo guardados h vrios anos e eram o resultado de quebras de xcaras. Toda vez que uma xcara quebrava, o pires sobrante era guardado naqueles quartos...

    Minha primeira idia para resolver aquele problema foi de mandar jogar fora todos aqueles pires pois, imaginava que pires sem xcara no teria nenhuma possibilidade de venda, ainda mais pires de modelos e desenhos de vrios anos atrs. Conversei com o responsvel da seo de louas para que ele organizasse com seus auxiliares uma tarefa de levar para um caminho de lixo todos aqueles pires que estavam ocupando espao desnecessariamente.

    Qual no foi minha surpresa ao ouvir do encarregado da seo de louas, sua argumentao de que aqueles pires tinham grande possibilidade de venda. Contra argumentei que se no eram vendidos at aquela poca, como que poderiam ser vendidos no futuro? Ele me informou que, por alguma razo, o gerente da loja no havia tomado nenhuma atitude sobre o assunto que, por conseguinte, ficara esquecido.

    Ento, perguntei como ele achava que poderia vender os pires. Ele me informou que iria expor de maneira mais ou menos desordenada os pires em uns cestos de palha que haviam na loja, e iria colocar estes cestos na calada em frente da loja, para aproveitar o grande trfego de clientes que passava todos os dias pela Av. Marechal Floriano em direo a estao da Central do Brasil. Falei que aceitaria que ele fizesse a

  • experincia mas, tinha certeza de que no iria dar certo (com base em tudo que havia aprendido em meu curso de administrao de empresas).

    Dois ou trs dias depois, entrando na loja, vi os cestos com os pires expostos e notei que o preo cobrado estava extremamente alto para a mercadoria. Era algo como 60 a 70% do preo de um conjunto de pires e xcara...s para o pires descasado! Chamei o encarregado da seo de louas e fiz ver a ele que com aquele preo ele no venderia pires nenhum. Qual o cliente que iria se dispor a pagar aquele preo por um pires? E voltei ao assunto inicial; por que um cliente compraria um pires se, com toda a certeza, j no tinha mais a xcara que compunha o conjunto?

    Sua resposta foi minha primeira lio sobre varejo: - "No se preocupe, nestes poucos dias ns j vendemos mais da metade dos pires acumulados durante anos, mais alguns dias e venderemos tudo (dois ou trs quartos de hotel com as estante atulhadas de pires descasados...)!

    Realmente alguns dias depois todos os pires j haviam sido vendidos e eu fui ao encarregado lhe dar os parabns pela iniciativa e dizer que havia sido uma experincia surpreendente para mim.

    Do "causo" acima, que no um causo e sim um "case", podemos reforar alguns conceitos sobre varejo:

    1. Mercadoria que no se expe... no se vende. Esta uma mxima do varejo que uma lio para aqueles compradores que compram mercadorias alm da capacidade de exposio dos equipamentos de loja. Os pires escondidos nos quartinhos no vendiam porque no estavam expostos!

    2. Por mais que voc ache que sabe tudo sobre as mercadorias que compra, sempre o consumidor lhe surpreender com outras utilidades para uma mercadoria. Aqui vale a lio de que no devemos julgar uma mercadoria a ser comprada pela tica prpria, individual, de consumo. Temos sempre que raciocinar sob a tica do pblico que trafega por nossa loja. Ser que o pires avulso teria a utilidade de pires ou seria comprado pelos clientes para a utilidade de pratinho de sobremesa... ou suporte para velas...ou seria combinado com qualquer xcara, mesmo que no fosse de mesmo modelo e grafismo?

    3. Os estmulos sensoriais so de fundamental importncia no processo de despertar a necessidade e motivao da compra. O fato do encarregado da seo de louas ter decidido expor os produtos em grandes cestos de palha na calada, com toda a certeza causou um impacto visual e, inclusive, tctil, que despertou nos passantes o famoso acrnimo AIDA; ateno, interesse, desejo e ao.

    4. Os preos tem componentes psicolgicos muitas vezes bem difceis de se determinar. No caso em tela, o valor que o consumidor atribuiu aos pires foi bem superior ao que eu imaginava. Isto permitiu que se cobrasse um preo da mercadoria que, numa anlise mais racional, no seria vivel.

    5. Muitas compras feitas pelos consumidores so de impulso. As pesquisas mostram que 85% das compras em supermercados so realizadas por impulso, isto , sem prvio planejamento. O consumidor resolve comprar a mercadoria porque a viu exposta. Neste nosso caso, o fato da mercadoria ter ficado exposta em uma calada em frente a loja, apesar desta loja no ser de auto-servio, com certeza atraiu passantes que no tinham inteno de fazer compras, porm, ao ver, poder tocar o produto e fazer escolhas, com certeza criou a oportunidade para muitas compras por impulso.

    O ensinamento que ficou desta minha experincia foi que ao analisar comportamento do consumidor, devemos evitar que o nosso comportamento individual seja utilizado como paradigma para os diversos comportamentos dos consumidores. Devemos tambm conhecer e estudar os conceitos bsicos de varejo como os cinco apresentados acima, pois eles nos ajudaro em muito no processo de gerenciamento das vendas de varejo. No basta a experincia ou o "feeling", preciso tambm muito estudo!