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ESTUDOS AVANÇADOS 21 (59), 2007 364 M Making Globalization Work, o Prê- mio Nobel Joseph Stigliz procura com- pletar o trabalho que iniciou em A glo- balização e seus malefícios (2002), quan- do analisou o impacto das políticas libe- ralizantes do Consenso de Washington, e em Os exuberantes anos 90 (2003), no qual contrapõe a lógica liberalizante à política dos Estados Unidos e ao en- fraquecimento dos Estados Nacionais ante o mercado financeiro e os interes- ses das grandes corporações. Com esse novo livro, o objetivo é propor reformas no modo como é gerida a globalização, para torná-la mais justa, minimizando seus malefícios e fortalecendo seus bene- fícios. Apesar de ser um livro mais pro- positivo do que analítico, é recheado de fatos e histórias extremamente interes- santes que servem para melhor justificar suas propostas. Torna-se um livro obrigatório não apenas pela riqueza e volume de propos- tas em si, mas pela análise das questões que dão corpo a elas. Além disso, porque nos coloca o seguinte desafio: é possível administrar a globalização? Em outras pa- lavras, talvez pudéssemos dizer: é possível controlar o movimento do capital global materializado na ação das grandes potên- cias e suas corporações multinacionais? Em parte, o livro propõe repensar as reformas liberalizantes tipo “market- friendly” aplicadas em diversos países, incluindo o Brasil, a partir do Consenso de Washington. Demonstra como essas estratégias geraram instabilidade e não desenvolvimento, diminuíram a sobera- E nia dos países em desenvolvimento, en- fraqueceram seus regimes democráticos pela imposição – de fora para dentro – de medidas 1 e valores inapropriados, e, no fim, têm criado um grande número de perdedores tanto nos países ricos como nos pobres, pelo desemprego que criam. Segundo o autor, esse é o resultado de um modelo imposto pelos países avan- çados por meio de instituições como FMI, Banco Mundial, OMC e Tesouro Norte-Americano de forma não-demo- crática, refletindo os interesses dos países desenvolvidos e de suas grandes corpo- rações. “Sem um governo e instituições globais, nós temos um sistema de gover- nança global caótico, sem coordenação” (p.21). Lança à discussão um conjunto de propostas para administrar melhor a glo- balização. O autor acredita que é pos- sível criar mecanismos para gerenciar a globalização a fim de promover o de- senvolvimento mundial, garantindo que os interesses dos menos poderosos e dos países em desenvolvimento sejam de fato contemplados. Procura recuperar assim a famosa afirmação de Keynes (1978, p.126): “De minha parte, acho que, sa- biamente administrado, o capitalismo provavelmente pode se tornar mais efi- ciente para atingir objetivos econômicos que qualquer outro sistema alternativo conhecido [...]”. 2 Para Stiglitz, pelos re- sultados já constatados, é possível afirmar que “Hoje, a defesa do ‘fundamentalis- mo de mercado’ desapareceu em larga medida [...] Sem regulação e intervenção Reformando a globalização: criação de uma governança global independente Rubens R. Sawaya

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  • ESTUDOS AVANADOS 21 (59), 2007364

    M Making Globalization Work, o Pr-mio Nobel Joseph Stigliz procura com-

    pletar o trabalho que iniciou em A glo-balizao e seus malefcios (2002), quan-do analisou o impacto das polticas libe-ralizantes do Consenso de Washington, e em Os exuberantes anos 90 (2003), no qual contrape a lgica liberalizante poltica dos Estados Unidos e ao en-fraquecimento dos Estados Nacionaisante o mercado nanceiro e os interes-ses das grandes corporaes. Com esse novo livro, o objetivo propor reformas no modo como gerida a globalizao, para torn-la mais justa, minimizando seus malefcios e fortalecendo seus bene-fcios. Apesar de ser um livro mais pro-positivo do que analtico, recheado de fatos e histrias extremamente interes-santes que servem para melhor justicar suas propostas.

    Torna-se um livro obrigatrio no apenas pela riqueza e volume de propos-tas em si, mas pela anlise das questes que do corpo a elas. Alm disso, porque nos coloca o seguinte desao: possvel administrar a globalizao? Em outras pa-lavras, talvez pudssemos dizer: possvel controlar o movimento do capital global materializado na ao das grandes potn-cias e suas corporaes multinacionais?

    Em parte, o livro prope repensar as reformas liberalizantes tipo market-friendly aplicadas em diversos pases, incluindo o Brasil, a partir do Consenso de Washington. Demonstra como essas estratgias geraram instabilidade e no desenvolvimento, diminuram a sobera-

    E nia dos pases em desenvolvimento, en-fraqueceram seus regimes democrticos pela imposio de fora para dentro de medidas1 e valores inapropriados, e, no m, tm criado um grande nmero de perdedores tanto nos pases ricos como nos pobres, pelo desemprego que criam. Segundo o autor, esse o resultado de um modelo imposto pelos pases avan-ados por meio de instituies como FMI, Banco Mundial, OMC e Tesouro Norte-Americano de forma no-demo-crtica, reetindo os interesses dos pases desenvolvidos e de suas grandes corpo-raes. Sem um governo e instituies globais, ns temos um sistema de gover-nana global catico, sem coordenao (p.21).

    Lana discusso um conjunto de propostas para administrar melhor a glo-balizao. O autor acredita que pos-svel criar mecanismos para gerenciar a globalizao a m de promover o de-senvolvimento mundial, garantindo que os interesses dos menos poderosos e dos pases em desenvolvimento sejam de fato contemplados. Procura recuperar assim a famosa armao de Keynes (1978,p.126): De minha parte, acho que, sa-biamente administrado, o capitalismo provavelmente pode se tornar mais e-ciente para atingir objetivos econmicos que qualquer outro sistema alternativo conhecido [...].2 Para Stiglitz, pelos re-sultados j constatados, possvel armar que Hoje, a defesa do fundamentalis-mo de mercado desapareceu em larga medida [...] Sem regulao e interveno

    Reformando a globalizao:criao de uma governana global independente

    Rubens R. Sawaya

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    apropriada do governo, o mercado no conduz ecincia econmica [...] Odesenvolvimento requer pensamento de longo prazo e planejamento (p.XIV).

    Crtica ortodoxia importante destacar o esforo de

    Stiglitz em recuperar a tradio keyne-siana aps de quinze ou vinte anos de neoliberalismo contra a ortodoxia fun-damentalista de mercado, segundo a qual o mercado regido pelas mesmas leis da natureza. Para a teoria econmica, talvez isso seja o mais fundamental no livro:3 a retomada dessas idias a m de gerenciar o capitalismo; a constatao de que sem gerenciamento o sistema cria pobreza e desigualdade; a constatao de que o mercado s pode funcionar se adminis-trado. O autor sabe que no uma lgica nova, mas que mais atual e consistente do que a lgica do Consenso de Washing-ton. Alm disso, j tirou o capitalismo de uma grande crise pelo menos uma vez.

    Indo um pouco mais alm, constata tambm que no existe uma nica forma de pensar o desenvolvimento econmico que sirva a diferentes pases com caracte-rsticas diversas, ainda mais aquela que se diz baseada na economia norte-america-na de livre-mercado que, na verdade, nunca foi livre e nem desvinculada de um Estado forte e atuante.4 Para o au-tor, pases asiticos como China, Japo, Cingapura so exemplos disso e soube-ram desenhar estratgias prprias dosan-do Estado e mercado.5 A Amrica Latina fez tudo diferente da sia, e seu fracasso junto com o sucesso da sia do Les-te prov o mais forte argumentos con-tra o Consenso de Washington (p.35). O fundamentalismo de mercado gerou muito mais problemas que solues para o desenvolvimento mundial. Chvez na Venezuela o resultado [...] (p.144).

    As polticas liberalizantes e a privatiza-o6 desmantelaram e enfraqueceram os Estados nacionais e a estrutura produtiva de pases. O caso limtrofe foi a Rssia.

    A liberalizao dos mercadosSegundo o autor, nunca houve livre-

    comrcio no sentido que os economis-tas7 defendem.

    O mundo de Adam Smith e do mer-cado livre que advoga que sob ele to-dos caro em melhor situao no apenas um mundo mtico dos merca-dos funcionando perfeitamente, sem desemprego; tambm um mundo no qual riscos no tm importncia e podem ser evitados, a competio sempre perfeita, sem Microsofts ou Intels dominando as reas. (p.68)

    Alm de considerar que o livre-mer-cado uma co, Stiglitz conclui que a liberalizao comercial mundial se efeti-va de forma injusta e assimtrica, abrin-do mercados nos pases em desenvolvi-mento para bens dos pases industriais avanados sem reciprocidade (p.62).A assimetria a que se refere resultado no apenas das diferenas de desenvolvi-mento industrial e tecnolgico entre os pases, mas tambm de poder de nego-ciao, poder esse que est relacionado ao poder econmico. Para Stiglitz, rara-mente pases em desenvolvimento con-seguem de forma isolada um acordo que seja justo. Por isso, defende que os acor-dos bilaterais devam ser desencorajados.

    Uma constatao relevante que a efetivao do livre-comrcio benecia apenas as corporaes multinacionais,8

    uma vez que resulta em desemprego e elevao da pobreza tanto nos pases po-bres, pela destruio de capitais produ-tivos locais, como nos pases ricos, pelo deslocamento das empresas para outros pases. A perda de empregos ocorre em

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    velocidade e volume mais elevado do que o ganho pelo desenvolvimento de novas atividades. Eleva, portanto, a po-breza tanto nos pases pobres como nos de indstria avanada.

    Alm disso, para Stiglitz, a discusso sobre a liberalizao comercial no est correta. No o livre-mercado que resul-ta em mais desenvolvimento dos pases. A histria tem demonstrado que a ele-vao das exportaes dos pases pobres e no a remoo de barreiras impor-tao que tem promovido seu desenvol-vimento. Da mesma forma, demonstra no ser verdade que a poltica de libe-ralizao de importaes que atrai in-vestimentos estrangeiros, mas uma srie de outros fatores. O sucesso da China demonstra isso, arma o autor (p.66).Por isso, defende a total abertura dos mercados dos pases desenvolvidos aos subdesenvolvidos at que estes ltimos possam competir.

    parte os inmeros exemplos e anli-ses de casos sobre o papel das instituies internacionais na forma desigual como o comrcio mundial tem sido gerido em favor dos pases mais ricos, Stigliz defen-de a modicao dessas instituies ou a criao de novas, independentes, para que os acordos sejam mais justos e pro-movam de fato o desenvolvimento glo-bal, permitindo aos pases mais pobres alcanarem os mais ricos.

    Outra questo importante sua crtica aos acordos relativos aos direitos de pro-priedade (Trip).9 Para ele, esses acordos apenas reetem o triunfo dos interesses corporativos dos EUA e Unio Euro-pia (p.105) no comrcio internacional. Aponta que a garantia da propriedade intelectual no tem sido boa nem para os pases desenvolvidos. No um instru-mento ecaz para o desenvolvimento de

    novas tecnologias, ao contrrio, freia-o ao estabelecer monoplio10 sobre co-nhecimentos muitas vezes adquiridos ao longo do tempo por diversas pesquisas nanciadas com dinheiro pblico. Notornar pblico determinado conheci-mento leva inecincia produtiva, uma vez que impede a difuso da inovao. Impede tambm o desenvolvimento tec-nolgico dos pases em desenvolvimen-to por transferncia, bem como a dimi-nuio da distncia entre pases ricos e pobres. Alm disso, contraria a lgica da concorrncia. Os pases ricos criam mo-noplio sobre a mercadoria que tm para vender, ao mesmo tempo que defendem a liberalizao em outras reas.

    A questo dos pases ricosem recursos naturaisPreocupado com os conitos latentes

    no mundo envolvendo pases detentores de recursos naturais, principalmente pe-trleo, Stiglitz se pergunta qual a razo de os pases que detm essa riqueza se-rem pobres, possurem grande disparida-de entre ricos e pobres e terem sido (ou serem) dominados por ditaduras. Apesarde no relacionar a ditadura a interesses econmicos de grupos nacionais e inter-nacionais, diretamente, aponta para o papel ativo nessa realidade das empresas multinacionais e das polticas de priva-tizao desses recursos. Em ambos os casos, o fato que tm sido garantidos os interesses tanto de grandes empresas como de consumidores globais e das elites locais que se beneciam da explo-rao ou venda dos recursos (privatiza-o), deixando a populao desses pases margem. Corrupo tanto nos pases como por parte das grandes empresas tem sido corriqueira. Isso o que ocorre e ocorreu em pases como a Venezuela.Lembra, assim, que a eleio de Chvez

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    uma resposta a esse histrico. A ha-bilidade de Chvez em negociar antigos contratos para melhorar seus termos para seu pas, simplesmente, refora a crena de que, no passado, os venezuelanos fo-ram enganados (p.144).

    Para Stiglitz, os pases ricos em re-cursos naturais devem assumir a maior responsabilidade por seu uso. A criao de instituies que zelem por normas in-ternacionais para o uso desses recursos pode reduzir a corrupo tanto interna como externa e garantir seu bom uso. De qualquer forma, o autor sabe que mexer com esse assunto tratar com interesses antagnicos dos pases desen-volvidos e suas corporaes, que tm por objetivo controlar os recursos naturais no mundo, mas acredita que instituies internacionais independentes podem minimizar o problema.

    O agravamentoda questo ambientalA forma como a globalizao tem

    funcionado, tambm, est contribuindo para uma acelerada piora nas condies do meio ambiente e no aquecimento global. O problema que a poluio gerada localmente, mas afeta o planeta como um todo. uma questo tpica de como aes micro criam externalida-des negativas, em escala macro, no caso, planetria. Portanto, a soluo s pode ser encontrada nesse mbito e deve ser regulamentada de forma global e inde-pendente dos interesses de pases ou de empresas especcas, na verdade, muitas vezes contrariando esses interesses.

    Recursos naturais so bens pblicos. A gesto privada desses recursos pode resultar em algum controle e preserva-o, segundo o autor, mas implica, sem-pre, uma distribuio menos igualitria dos recursos, muitas vezes permitindo o

    acesso a eles exclusivamente queles que tm renda mais elevada, os mais ricos. Prope, assim, a criao de alguma for-ma de gesto pblica dos recursos natu-rais e a criao de um conjunto de regras globais sobre o uso e as externalidades negativas que esse uso gera (p.165).Prope ainda formas de punio econ-mica pela cobrana pelo uso, apesar de essa forma resultar em problemas seme-lhantes aos da privatizao. De qualquer maneira, aponta que essas aes tm pou-ca chance de resultado se pases como os Estados Unidos e a China no apoiarem. Mas prope um sistema de sanes que, apesar de contrariar interesses, poderia talvez funcionar.

    O papel das grandes corporaesApesar de no apenas neste livro, mas

    nos anteriores aqui citados, o autor ter destacado o papel das grandes corpora-es na lgica do poder que tem feito a globalizao funcionar de forma que seu malefcios se sobressaiam em relao aos benefcios, pouco toca nesse assunto quando se refere a elas diretamente. Adespeito do que havia dito antes, agora reduz o mal que causam quase que exclu-sivamente a problemas ticos (destruio da concorrncia, corrupo, uso indevido de recursos naturais, poluio) e no ao conjunto de determinaes sociais, pol-ticas e econmicas que decorrem de sua lgica de atuao e que pem em marcha o processo que denomina de globaliza-o, sobre o qual realiza a sua crtica.

    Assim, para ele, resolvendo-se esses problemas ticos relacionados a valores sociais por meio de uma contabilizao pblica numa espcie de balano social para que a empresa seja julgada social-mente, bem como pela criao de alguns sistemas de punio a essas externalida-des, restariam, para o autor, apenas os

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    benefcios que resultam da ao dessas corporaes multinacionais, tais como a melhoria das condies de vida das pes-soas pela criao de empregos, a transfe-rncia de tecnologia e conhecimento aos pases menos desenvolvidos, e a promo-o do crescimento econmico.

    A questo das dvidas externasO autor pe ainda em questo a for-

    ma de nanciamento dos pases menos desenvolvidos, recorrente fonte de cri-ses nanceiras e falncias desses pases, s vezes com potencial de desestabilizar todo o sistema. Para ele, trata-se de um problema de gesto: os pases menos de-senvolvidos tomam emprstimos alm da sua capacidade de pagamento por presso ou no do sistema nanceiro internacional , e os credores no tm o devido cuidado, no momento de em-prestar, dado o baixo risco que decor-re da garantia dada pelo FMI.11 Ambos,credores e devedores, subestimam riscos de desvalorizao cambial nos pases to-madores ou de uma elevao dos juros internacionais. Ora, se um problema de gerenciamento,12 o autor prope a formulao de contratos capazes de in-cluir os riscos, bem como a criao de um sistema de proviso para calamida-des macroeconmicas (desvalorizao ou elevao das taxas de juros interna-cionais) e a criao de controles sobre capitais especulativos. Uma estrutura de leis internacionais regulamentaria essas relaes e estabeleceria a punio dos responsveis, quando da ocorrncia de crises de endividamento, evitando-se que o peso caia, exclusivamente, sobre os devedores como hoje.

    Uma vez, porm, deagrada uma crise de endividamento externo, dentre as solues propostas est a moratria, o que no um ponto negativo para

    Stiglitz, dado que o sistema nanceiro internacional pensa, principalmente, no lucro e retorna quando o pas comea a crescer. Uma outra soluo no adotar as polticas do FMI13 opostas ao que Keynes proporia focadas sempre no dcit scal, na elevao de impostos, no corte de despesas pblicas. O carter re-cessivo dessas polticas agrava o quadro. Alm disso, muitas vezes as solicitaes do Fundo vo alm, forando os pases a adotarem a liberalizao de capitais para atrair capitais externos, piorando ainda mais as coisas pela elevao da instabili-dade desses pases.

    A criao da moeda globalPara o autor, o sistema de reservas glo-

    bais atual tem sido perverso e tem criado uma instabilidade crescente nas nanas mundiais. Pensando nisso, de todas as propostas, talvez a mais interessante e polmica seja a de criao de uma moeda global na direo do que havia proposto Keynes no ps-guerra. Stiglitz compre-ende que o sistema de reservas mundiais, tendo o dlar como centro, benecia apenas os Estados Unidos ao disponi-bilizar-lhe recursos de baixo custo para nanciar seu desequilbrio comercial.14

    Isso seria fonte de uma enorme instabi-lidade nanceira internacional. Qualquer desconana no dlar pode fazer que pa-ses passem a manter suas reservas em ou-tra moeda, o que poderia provocar uma crise de nanciamento (se no uma cor-rida contra o dlar) dos Estados Unidos.

    O sistema atual de reservas em dlar cria uma situao inusitada, na qual os pases menos desenvolvidos acabam por nanciar os Estados Unidos. O que os Estados Unidos recebem dos pases em desenvolvimento pelo sistema de reser-vas mais do que eles fornecem a esses pases como ajuda (p.250).

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    Assim, para solucionar esses proble-mas, Stiglitz prope a criao de uma moeda internacional denominada gre-enbacks, na qual todos os pases conver-teriam suas reservas. Isso, segundo ele, teria enormes benefcios, tal como dimi-nuir a instabilidade potencial do sistema nanceiro internacional e, ainda, criar fundos para administrar crises e promo-ver o crescimento e o desenvolvimento de pases subdesenvolvidos. Outro bene-fcio seria a reduo do poder de algu-mas moedas especularem contra outras, dado que a taxa de cmbio seria denida pela instituio administradora.

    Claro, o autor reconhece que isso tra-ria problemas para os Estados Unidos,que teriam, ento, que nanciar seu d-cit tomando emprstimos no mercado internacional, como qualquer outro pas. No toca em questes mais complica-das, como a diminuio do poder norte-americano que resultaria dessa medida, problema que nem Keynes conseguiu superar em um momento que esse pas ainda se iniciava no papel de potncia hegemnica mundial.

    A democratizao da globalizaoO que Stiglitz defende neste livro, de

    fato, so mudanas na forma como ge-renciado o sistema global atual. Acredita que essas mudanas possam ocorrer pela democratizao das decises e das ins-tituies internacionais, pela criao de um sistema de governana global, fazen-do que os pases menos favorecidos ou mais fracos consigam ter voz e possam, assim, se beneciar da globalizao, o que, at agora, pela lgica exclusiva do mercado, no ocorreu. De certa forma, no mesmo caminho das propostas de Keynes para administrar o capitalismo no mbito dos pases nos anos 1930, Sti-glitz faz suas propostas, agora, em esca-

    la global, imaginando, talvez, a criao de um governo global desvinculado das grandes potncias e das grandes corpo-raes multinacionais.

    O centro de sua discusso e de suas propostas est na reviso da relao en-tre Estado e mercado, na necessidade de interveno pblica de forma con-tundente, exatamente onde o mercado falha, no sentido de torn-lo mais pr-ximo ao perfeito, que pelo visto no so intervenes pequenas ou marginais. A questo , portanto, como criar me-canismos e instituies capazes de zelar por essa governana global e promover o desenvolvimento de todos os pases, ricos e pobres. Para ele, isso depende da capacidade de o mundo criar ou modi-car instituies, fortalecendo as bases da democracia.

    O que Stiglitz prope no livro bas-tante ousado e merece reexo e consi-derao. Pode-se dizer que defende que se retire das mos das grandes potncias e de suas corporaes multinacionais o controle que possuem sobre a globali-zao, responsvel por grande parte dos malefcios que se abatem sobre o mundo atual. Resta pensar se isso de fato poss-vel, ou discutir o que suas propostas tm de real viabilidade e quais delas devem, mesmo que aparentemente inviveis, ser um objetivo a perseguir. De qualquer forma, permanecer a dvida: ser que algo que poderia ocorrer, considerado o potencial de conitos que envolve? Emsntese, ser que mudar a forma como a globalizao funciona no mudar a forma como o capitalismo funciona?

    O autor responde: Este livro reete minha f na democracia; que cidados bem informados esto mais predispos-tos a realizar algum controle contra os abusos das grandes empresas e de inte-

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    resses nanceiros que tm dominado a globalizao (p.XIII). Vale lembrar que o trabalho que lhe deu o Prmio Nobeldizia respeito s conseqncias para os agentes econmicos do fato de as infor-maes serem sempre imperfeitas e limi-tadas.

    Notas

    1 Segundo Stiglitz, o prprio FMI d pouca importncia democracia dos pases, uma vez que determina polticas econmicas de ajuste e a independncia do Banco Central revelia das decises do prprio pas. Utiliza como mtodo deixar essas polticas a tcnicos que tomam decises independentes da po-ltica (p.56).

    2 Diga-se de passagem que o outro sis-tema conhecido poca era o sistema sovitico.

    3 Esse aspecto parece estar ainda mais cla-ro em seus dois livros anteriores, mas principalmente no segundo citado.

    4 Demonstra isso claramente em Os exu-berantes anos 90.

    5 Poderia tambm relembrar as propostas da Cepal originais, mas no o faz.

    6 Stiglitz, referindo-se inclusive ao caso do Brasil: O argumento para a priva-tizao que o setor privado mais e-ciente do que o pblico. Esta opinio deve-se muito mais ideologia do que a alguma anlise bem feita [...] A ine-cincia de algumas empresas estatais deve-se falta de investimentos causada pela insistncia do FMI em tratar as d-vidas dessas empresas como dvida p-blica [...] as empresas estatais dos pases em desenvolvimento so efetivamente proibidas de fazer isso (p.142).

    7 Poderamos acrescentar que muitos eco-nomistas trabalham com a hiptese de um mundo por eles idealizado, e for-mulam suas polticas no como base no

    mundo real, mas no que deveria ser mo-dicado para se alcanar aquele mundo ideal.

    8 E apenas no curto prazo, dado que no sustentvel no longo prazo por seus resultados.

    9 Tratados relacionados a direitos de pro-priedade intelectual.

    10 Narra exemplos histrico extremamente curiosos.

    11 O chamado risco moral.

    12 No relaciona esse problema, por exem-plo, ao esquema de nanciamento s prprias corporaes multinacionais, s vezes amarrado importao compul-sria de equipamentos.

    13 Segue teorias econmicas que tm sido devastadoras para milhes de pessoas que vivem nesses pases [devedores que adotam as polticas] (p.235).

    14 No toca no ponto sobre o poder de Banco Central mundial que o Federal Reserve tem de, ao fazer a poltica mo-netria internacional, promover cresci-mento ou crises em outros pases.

    Referncias bibliogrcas

    KEYNES, J. M. O m do laissez-faire. In: SZMRECSNYI, T. Keynes, John May-nard: economia. So Paulo: tica, 1978.

    STIGLITZ, J. E. Making Globalization Work. New York: WW Norton, 2006.

    Rubens R. Sawaya doutor em Cincia Poltica, mestre em Economia Poltica, professor do Departamento de Economia da PUC-SP e autor do livro Subordinao consentida: capital multinacional no pro-cesso de acumulao da Amrica Latina e Brasil (Annablume, 2006).

    @ [email protected]