Texto de apoio os valores

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ESCOLA SECUNDÁRIA DE BOCAGE

Texto de Apoio FILOSOFIA nº ______Os valores - Análise e compreensão da experiência valorativa

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Texto A

O termo valor, embora seja de uso relativamente corrente, está longe de ser intuitivo.

Chamamos valor ou valores a um conjunto de não muito especificado de termos que significam entidades abstractas, isto é, não são objectos. Por exemplo: paz, justiça, beleza, felicidade, bem, liberdade, igualdade, solidariedade, (…). Existem muitos mais, sem dúvida. Esses termos podem ser abstractos ou mais concretos. O bem ou a beleza são muito abstractos; a fidelidade ou a coragem parecem mais concretos. (…)

Amelia Valcárcel, “Valor” in 10 Palavras-chave em Ética

Texto B

Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos que algo vale, não dizemos nada do seu ser, dizemos Somente que não é indiferente.

M. Garcia Morente, Fundamentos da Filosofia

Texto C

O valor é (…) a ruptura com a indiferença pela qual colocamos todas as coisas no mesmo plano e consideramos todas as acções como equivalentes. Talvez a indiferença, enquanto tal, seja impossível. Mas o valor surge, quando essa indiferença desaparece, quando o mundo deixa de ser para nós um espectáculo e a acção deixa de ser uma acontecimento puro, quando nos envolvemos nesse espectáculo e participamos desse acontecimento. Desse modo, introduzir valor no mundo é introduzir-lhe diferenças que estão sempre em relação com as preferências. Todo o valor é, na verdade, inseparável de uma actividade de selecção que, mesmo que só tenha sentido para nós, opera distinções entre as diversas formas da realidade, de acordo com o que estimamos e com o que recebe a nossa preferência. Só há valor onde a indiferença desaparece e a parcialidade começa a introduzir-se no real. Dar valor é tomar partido perante a realidade.

Louis Lavelle, Tratado sobre os valores

Texto D

O cidadão romano não considerava imorais jogos dos gladiadores na arena e dava serenamente ordem de matar o vencido.

O homem medieval, sob influência do Cristianismo, já não conseguia fazê-lo, mas assistia com satisfação às fogueiras das feiticeiras e dos heréticos. Hoje, já não admitimos sequer as execuções públicas, e começamos a discutir as licenças dos combates de pugilato e as corridas.

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Mas diferenças igualmente grandes passaram a acontecer no círculo da própria vida individual. As mulheres nascidas no campo há cinquenta anos ou sessenta anos eram habituadas, desde raparigas, a considerarem a virgindade um valor pré-matrimonial, um pecado a contracepção e a obedecer ao marido como ao pai. Depois, mudou a sua concepção, mudaram-se os seus direitos, os seus valores, o seu erotismo, aquilo que está mal. Os homens daquela mesma época acreditavam na Pátria, na luta contra o estrangeiro, ou então contra o inimigo ideológico. Onde quer que estivesse presente a Igreja com a confissão, os sacramentos, a direcção espiritual, as suas normas morais estendiam-se aos mais pequenos recantos da vida quotidiana.

Todas estas crenças, todos estes valores, todas estas regras foram mudadas, Hoje, a televisão, o cinema e a imprensa já não propõem um único modelo de comportamento, mas um repertório de alternativas. Há muitas maneiras autorizadas de viver.

F. Alberoni ( 1995) Valores.

Texto E

Os valores - Que tipos de valores existem?

Podemos classificar os valores de um duplo ponto de vista: formal e material. Do ponto de vista formal, os valores dividem-se como segue: 

1 – Positivos: e negativos. Valor positivo é aquele que mais geralmente costumamos designar pela expressão pura e simples de “valor”. O conceito de “valor” é geralmente usado numa dupla acepção: umas vezes, entende-se por esta palavra o valor em geral, independentemente da polaridade valor-desvalor, como conceito neutro, outras vezes entende-se só o seu aspecto positivo contraposto ao negativo. Ao valor positivo contrapõe-se o negativo, chamando-se então a este mais propriamente “desvalor”. Esta polaridade pertence à própria estrutura essencial da ordem axiológica, que assim se distingue fundamentalmente da ordem do ser a que é estranha uma tal estrutura.

2 – Valores das pessoas e valores das coisas, ou valores pessoais e reais. Valores das pessoas ou pessoais são aqueles que só podem pertencer a pessoas, como os valores éticos. Reais (de res) os que aderem a objectos ou coisas impessoais, como os das coisas ditas valiosas, designadas mais geralmente pela expressão “bens”.

3 – Valores em si mesmo, ou autónomos e valores derivados de outros ou dependentes. O valor em si reside na sua mesma essência; possui esse carácter com independência de todos os outros valores; não depende deles; não é meio para eles.  

Como todos os valores se acham referidos a um sujeito – o sujeito humano, o homem – e este é, antes de mais nada, um ser constituído por sensibilidade e espírito, daí o poderem classificar-se imediatamente todos os valores nas duas classes fundamentais de: valores sensíveis e valores espirituais. Os primeiros referem-se ao homem enquanto simples ser da natureza, os segundos ao homem como ser espiritual.  

A – Valores sensíveis.

A esta categoria pertencem:

1 – Os valores do agradável e do prazer, também chamados “hedónicos”. Ela abrange não só todas as sensações de prazer e satisfação, como tudo aquilo que é apto a provocá-las (vestuário, comida, bebidas, etc.). À ética que apenas conhece estes valores chama-se geralmente hedonismo.

2 – Valores vitais ou da vida. São aqueles valores de que é portadora a vida, no sentido naturalista desta palavra, isto é, Bios. Cabem aqui o vigor vital, a força, a saúde, etc. Como se sabe, foram estes os valores que Nietzsche reputou os mais elevados de todos na sua escala axiológica, como os únicos mesmo. E ao que se chama biologismo ético ou naturalismo.

3 – Valores de utilidade. Coincidem com os chamados valores económicos. Referem-se a tudo aquilo que serve para a satisfação das nossas necessidades da vida (comida, vestuário, habitação, etc.) e

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ainda aos instrumentos que servem para a criação destes bens. Distinguem-se dos restantes valores desta classe, nomeadamente dos sensíveis, para os quais aliás concorrem, por não serem, do ponto de vista formal, autónomos, mas derivados, no sentido que acima vimos. 

B – Valores espirituais.

Estes distinguem-se dos valores sensíveis, no seu conjunto, não só pela imaterialidade que acompanha a sua perdurabilidade, como pela sua absoluta e incondicional validade. Muitos filósofos, que encaram os valores só por este último lado, identificando-os por isso com o conceito de simples “valor” ou validade formal, pretendem que só os valores espirituais são verdadeiros valores. Porém, quem se lembraria de negar aos economistas o direito de usarem também do termo e do conceito de valor?  À categoria dos valores espirituais pertencem: 

1- Os valores lógicos. Quando se fala de valores lógicos, é preciso ter presente que se podem entender por esta expressão duas coisas distintas: a função do conhecimento – o saber, a posse da verdade e o esforço para a alcançar – e o conteúdo do conhecimento. No primeiro sentido, é óbvio que podemos falar, com todo o direito, em valores lógicos ou no valor do conhecimento. Contrapor-se-lhe-ão, como desvalor lógico, a ignorância, o erro, a falta de interesse pela verdade, a ausência de esforço para a alcançar, etc. Mas a expressão “valor lógico” pode significar também o próprio conteúdo do conhecimento. E, neste segundo caso, é “valor lógico” tudo aquilo que cai dentro do par de conceitos verdadeiro-falso [...]. 

2 – Valores éticos: ou do bem moral. Destes podem dar-se as seguintes características:

a) Só podem ser seus portadores as pessoas, nunca as coisas. Só seres espirituais podem encarnar valores morais. Por isso o âmbito destes valores é relativamente restrito; muito mais, por exemplo, que o dos estéticos.

b) Os valores éticos aderem sempre a suportes reais. Também, por este lado, se distinguem dos valores estéticos, cujo suporte é constituído por algo de irreal, de mera aparência.

c) Os valores éticos têm o carácter de exigências e imperativos absolutos. Dele

desprende-se sempre um categórico “tu deves fazer” ou “tu não deves fazer”, isto ou aquilo; exigem, imperiosamente, que a consciência os atenda e os realize. E nisto se separam também dos estéticos que não impõem nenhuma exigência desta natureza, nem se nos impõem incondicionalmente. d) Os valores éticos dirigem-se ao homem em geral, a todos os homens; são universais, a sua pretensão a serem realizados é universal. Os estéticos não estão neste caso, apenas dirigem o seu apelo a alguns homens, para que estes os realizem, e nem todos podem ser obrigados a dar-lhe acolhimento, a fazer arte, ou a cultivá-las de qualquer maneira. e) Além disso, é, pode dizer-se, ilimitada também a exigência que os valores éticos nos fazem: constituem uma norma ou critério de conduta que afecta todas as esferas da nossa actividade e da nossa conduta da vida. Esta acha-se sujeita, total e incondicionalmente, a eles na sua imperiosa jurisdição e validade. Nada deve ser feito que os contrarie. Poderia definir-se esta característica dos valores éticos chamando-lhes totalitários. Não assim os valores estéticos. Estes só reclamam de nós que os realizemos em certas situações e momentos da vida, permanecendo calados durante os restantes; não somos obrigados a ser estetas e, menos ainda, a toda a hora (…). 

3 – Valores estéticos, ou do Belo. Incluímos aqui no conceito de belo, no mais amplo sentido desta palavra, o sublime, o trágico, o amorável, etc.  

4 – “,Valores religiosos ou do”sagrado”. Já atrás aludimos ao que há de original nestes valores. A eles não aderem propriamente nenhum “deve ser”. Não temos que realizar esses valores; nem isso é possível nem necessário. Não são valores de um “deve ser”, mas valores de um “ser”; Nisto se afastam dos valores éticos para se aproximarem dos estéticos com os quais estão numa relação muito íntima. Todavia, existe também entre eles e estes últimos uma diferença que cumpre salientar: a realidade do “sagrado”, não é, como a do “Belo”, apenas uma realidade aparente, mas uma realidade no mais eminente sentido desta palavra. 

Johannes Hessen,(1980). Filosofia dos Valores, Ed. Arménio Amado; Coimbra. pp. 107-117

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Texto F

Todos nós valoramos e não podemos deixar de valorar. Não é possível a vida sem proferir constantemente juízos de valor. É a essência do ser humano conhecer e querer, tanto como valorar. E até, se pretendermos ver a na vontade o centro da gravidade da natureza humana – como já Santo Agostinho pretendia a crer – mais uma razão para afirmar que o valorar pertence à essência do homem. Todo o querer pressupõe um valor. Nada podemos querer senão aquilo que de qualquer maneira nos pareça valioso e como tal digno de ser desejado. Valoramos as mais diferentes coisas. O nosso valorar recai sobre todos os objectos possíveis: água, pão, vestuário, saúde, livros, homens, opiniões, actos. Tudo é objecto das nossas apreciações. E nelas encontramos já as duas direcções possíveis de todas as nossas valorações. Isto é: os nossos “juízos” de valor ora são positivos, ora negativos; umas coisas parecem-nos valiosas, outras desvaliosas. (…)Os valores não só se distinguem uns dos outros, como se acham ainda entre si numa determinada relação de hierarquia. São, com efeito, da essência do valor não só a característica polaridade, que os faz distinguir em positivos e negativos, de já falamos, como ainda a sua distinção entre valores mais altos e valores mais baixos. A ordem axiológica possui assim, como já vimos, uma estrutura hierárquica. Dá-nos uma escala com graduações de altura em que há números baixos e números altos a considerar.

Johannes Hessen ( 1980) Filosofia dos Valores.

Texto G

1. Os Valores são Subjectivos

As questões sobre «valores» — isto é, sobre o que é bom ou mau em si mesmo, independentemente dos seus efeitos — estão fora do domínio da ciência, como os defensores da religião afirmam veementemente. Eu penso que nisto têm razão, mas retiro outra conclusão que eles não retiram — a de que as questões sobre «valores» estão completamente fora do domínio do conhecimento. Por outras palavras, quando afirmamos que isto ou aquilo tem «valor», estamos a exprimir as nossas emoções, e não a indicar algo que seria verdadeiro mesmo que os nossos sentimentos pessoais fossem diferentes.

[…] Qualquer tentativa de persuadir as pessoas de que algo é bom (ou mau) em si mesmo, e não apenas por causa dos seus efeitos, depende não de qualquer recurso a provas, mas da arte de suscitar sentimentos. O talento do pregador consiste sempre em criar nos outros emoções semelhantes às suas — ou diferentes, se ele for hipócrita. Ao dizer isto não estou a criticar o pregador, mas a analisar o carácter essencial da sua actividade.

Bertrand Russell (1872-1970). Depois de ter recebido o Prémio Nobel da Literatura em 1950, passou o resto da vida a lutar pelo desarmamento nuclear.

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Quando um homem diz «Isto é bom em si mesmo» parece estar a exprimir uma proposição, tal como se tivesse dito «Isto é um quadrado» ou «Isto é doce». Julgo que isto é um erro. Penso que aquilo que o homem quer realmente dizer é «Quero que toda a gente deseje isto», ou melhor, «Quem me dera que toda a gente desejasse isto.» Se aquilo que ele diz for interpretado como uma proposição, esta é apenas sobre o seu desejo pessoal. Se for antes interpretado num sentido geral, não afirma nada, exprimindo apenas um desejo. O desejo, enquanto acontecimento, é pessoal, mas o que se deseja é universal. Penso que foi este curioso entrelaçamento entre o particular e o universal que provocou tanta confusão na ética.

[…] Se esta análise está correcta, a ética não contém quaisquer proposições, sejam elas verdadeiras ou falsas, consistindo em desejos gerais de uma certa espécie, nomeadamente naqueles que dizem respeito aos desejos da humanidade em geral  — e dos deuses, dos anjos e dos demónios, se eles existirem. A ciência pode discutir as causas dos desejos e os meios para os realizar, mas não contém quaisquer frases genuinamente éticas, pois esta diz respeito ao que é verdadeiro ou falso.

A teoria que estou a defender é uma forma daquela que é conhecida por doutrina da «subjectividade» dos valores. Esta doutrina consiste em sustentar que, se dois homens discordam quanto a valores, há uma diferença de gosto, mas não um desacordo quanto a qualquer género de verdade. Quando um homem diz «As ostras são boas» e outro diz «Eu acho que são más», reconhecemos que não há nada para discutir. A teoria em questão sustenta que todas as divergências de valores são deste género, embora pensemos naturalmente que o não são quando estamos a lidar com questões que nos parecem mais importantes que a das ostras. A razão principal para adoptar esta perspectiva é a completa impossibilidade de encontrar quaisquer argumentos que provem que isto ou aquilo tem valor intrínseco. Se estivéssemos de acordo a este respeito, poderíamos defender que conhecemos os valores por intuição. Não podemos provar a um daltónico que a relva é verde e não vermelha, mas há várias maneiras de lhe provar que ele não tem um poder de discriminação que a maior parte dos homens possui. No entanto, no caso dos valores não há qualquer maneira de fazer isso, e aí os desacordos são muito mais frequentes que no caso das cores. Como não se pode sequer imaginar uma maneira de resolver uma divergência a respeito de valores, temos que chegar à conclusão que a divergência é apenas de gostos e não se dá ao nível de qualquer verdade objectiva.

Bertrand Russell, Religião e Ciência, 1935

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