Texto Helio

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA A PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO (GATT/OMC-1947/2001) Sérgio Gil Marques dos Santos Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política. Orientadora: Profª. Dra. Elizabeth Balbachevsky

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

A PARTICIPAÇÃO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO

(GATT/OMC-1947/2001)

Sérgio Gil Marques dos Santos

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política.

Orientadora: Profª. Dra. Elizabeth Balbachevsky

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São Paulo 2005

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

A PARTICIPAÇAO DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO NO SISTEMA

MULTILATERAL DE COMÉRCIO (GATT/OMC-1947/2001)

Sérgio Gil Marques dos Santos

São Paulo

2005

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A meus gatos Bimbo, Duquesa e Pérola,

in memoriam

Vitória, Valentim, Natascha, Theodoro, Antonietta, Joaquim Nicolau, Ludoviko e Leopoldo

A Afonso Carlos Marques dos Santos e Rose Rondelli,

Amigos que se foram, restando o enorme afeto que se encerra em meu peito

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AGRADECIMENTOS

Tese terminada, é hora da prestação de contas, não aquela de bolsas – que não

tive – mas outra, bem mais agradável de se efetuar, a de agradecer aos inúmeros

amigos que, durante o tempo do Doutorado e da elaboração desse trabalho, deram-me

apoio, solidariedade, companhia, amizade, afeto, muitas vezes pela presença constante

e cativa, algumas vezes pela conveniente ausência. E em cinco anos de residência

nessa cidade, vindo do Rio de Janeiro sem conhecer a quase ninguém, são muitas as

pessoas a quem devo o reconhecimento de ter tido a colaboração ou terem me

propiciado condições para que eu pudesse chegar até ao final dessa senda.

A Elizabeth Balbachevsky, seria pouco dizer que é apenas orientadora, amiga,

com a palavra certa e precisa no momento necessário, sem mais, por desnecessário.

Eu sequer a conhecia, quando, imbuído de ousadia e desfaçatez, enviei-lhe uma

mensagem cujo assunto era: Proposta de Doutorado. Arrisquei, pois o máximo que ela

poderia dizer era: – Que carioca abusado! Ela abriu a mensagem e, no dia seguinte,

respondeu-me convidando-me a encontrá-la em São Paulo. Vim, conversamos, a

proposta era sobre ciência e tecnologia, fui mudando, mudando, e ela sempre

apoiando, apondo arestas, corrigindo, sugerindo, melhor não poderia ter sido. Esse é

seu estilo, respeitoso, cuidadoso, afetuoso e eu só posso dizer que tive muita sorte em

conhecê-la e com ela conviver.

A José Augusto Guilhon Albuquerque, cuja liderança intelectual formou a muitos

de nós, internacionalistas, por sua acuidade, brilhantismo e pela capacidade de acolher

e agregar, sem discriminar, a todos que o procuram, tolerante com os erros dos

inocentes, implacável com a presunção dos arrogantes, sem deixar de exigir

compromisso e competência, respeitando e estimulando o núcleo de privilegiados que

com ele convivem.

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A Henrique Altemani de Oliveira, que me ofereceu oportunidade ímpar ao me

convidar para lecionar nas Faculdades Integradas Rio Branco, quando Coordenador do

Curso de Relações Internacionais, confiando na minha capacidade, abrindo

perspectivas profissionais e pessoais inimagináveis. Parte do rumo que esta tese

tomou derivou de suas sugestões quando integrante da banca de qualificação, tornando

a tarefa de elaborá-la bem mais desafiadora.

A Denilde Holzhacker, amiga desde o primeiro momento da vinda a São Paulo,

primeira companheira no Núcleo de Relações Internacionais da USP, ao partilharmos a

mesma mesa quando do exame de idiomas para a seleção ao Doutorado e, daí não

mais nos largarmos, começando a lecionar juntos e seguindo a mesma trajetória, lado a

lado, todo o tempo, nos melhores e piores momentos, e, junto com Daniel Holzhacker,

seu marido e, também meu amigo, dividimos a mesa, o bom vinho, o amor pelos gatos,

formando a constelação dos librianos.

Todas as pessoas citadas acima integram o Núcleo de Pesquisa em Relações

Internacionais da Universidade de São Paulo (NUPRI), espaço construído pelo

Professor Guilhon Albuquerque, que se tornou a grande referência acadêmica em

relações internacionais, onde me inserí e encontrei o ambiente propício para ampliar

conhecimentos. E lá, outros amigos fiz, compartilhando momentos de aprendizado, de

amizade, de brincadeiras, de debates, de estudos, de pesquisa. Assim, lá conhecí

Bruno Ayllón, grande amigo, carinhoso, mas de humor tão cáustico que nos diverte a

valer, além do seu amor crítico e incondicional pelo Brasil. Também no NUPRI, a

amizade veio em forma de Jaciara Ferreira Bento e Silva, outra grande companheira

dos primeiros momentos de São Paulo, com seu marido Edmar. E mais Elizabeth

Pedrosa e Alejandro, Newton Hirata, Silvana Braz e Marcelo, Flávio Antonio, Juca

Niemeyer e Lu.

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Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Ciência Política da USP e, em

especial, ao falecido Professor Braz Araújo, em cuja disciplina pude aprofundar

conhecimentos de teoria de relações internacionais, úteis a essa tese, como pude,

igualmente, conviver com um grande mestre.

Aos Professores Luiz Olavo Baptista e Newton Silveira, do Curso de Pós-

Graduação em Direito da USP, do Largo de São Francisco, que me receberam em suas

disciplinas sem qualquer diferenciação e que muito me ensinaram sobre o objeto desta

tese.

A Professora Vera Thorstensen que, com sua incansável peregrinação, muito me

fez aprender e incutir a paixão por meu objeto de pesquisa, a Organização Mundial do

Comércio.

A Secretaria da Pós-Graduação em Ciência Política, na pessoa desse ser

afetuoso, sempre com a palavra amiga nas horas difíceis e com o sorriso estampado ao

nos receber, a nossa Rai, pois sem ela nosso caminho seria muito mais árduo.

A Maria Luci Buff Migliori, a fada madrinha que me fez reviver a paixão de

ensinar, ao insistir para voltar a lecionar, nas Faculdades Tancredo Neves, no Curso de

Relações Internacionais, quando Coordenadora, abrindo caminhos para outras

experiências na área.

A Rodrigo Cintra, por sugestões, indicações para este trabalho e pela amizade

que nos cerca, mesmo quando distantes.

A Ângela Tsatlogiannis, minha amiga do coração, companheira das orgias

gastronômicas.

A Gunther Rudzit, pelo apoio, pela amizade e pela confiança.

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A André Borini Ferreira Dias, que tem o dom de me aceitar a fazer tudo o que

digo que não vou fazer, pois acaba sempre vencendo com seu sorriso iluminado.

A Ludmila Trombetta, amiga de todos os momentos e de todas as horas, sempre

disposta a ajudar, incapaz de dizer não e, graças a isso, muito pude adiantar desse

trabalho. E, ainda, dividimos “o nosso filho Freddy”, o cão maltês mais simpático do eixo

Ribeirão Preto-São Paulo.

A Dimas Melo, pelo afeto, pela confiança e pela lealdade à nossa amizade.

A Regiane Bressan, com sua beleza fulgurante, pela gentileza, pelo carinho e por

sua devoção aos animais.

A Juliana Costa, pela presença constante que, com carinho e doçura, tornou-se

amiga do peito.

A Pamela Veneri, corajosa, forte, doce, sorridente, amiga sempre.

A Lívia Rebechi, meiga, perseverante, sempre com uma palavra de gentileza e

conforto no momento que se precisa.

A Gabriela Giacomin, inquieta, persistente, sagaz, destemida, e plena de ternura.

A Carla Fornari, tão apaixonada pelos gatos como eu, franca, honesta e

adorável.

A Caio Fornari, lutador apaixonado, vibrante e com grande coração.

A Bruno Garms, destemido a enfrentar as ondas da vida.

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A Diogo Sales, corajoso, ousado, honesto, meu grande amigo.

A Renato Pereira, pela força, pelo afeto, pelo companheirismo.

A meus ex-alunos do Curso de Relações Internacionais das Faculdades

Tancredo Neves, em especial à minha primeira orientanda de Monografia Fabianne

Ykemoto, pela manutenção da nossa amizade.

A meus alunos ainda em curso de Relações Internacionais das Faculdades Rio

Branco e também amigos, meu obrigado pelo afeto constante, pela amizade, pelo

companheirismo, pelas baladas, pela alegria e pela felicidade de participar do presente

e do futuro de todos, em especial Rogério Barrios, Paola Prado, Mariana Mabi Mian,

Nathalia Britto, Lessandra Tonin, Claudia Campos, Camila Berger, Marcella Florêncio,

Marcone Souza, Ariane Cason, Juliana Carvalhal, Daniela Teixeira, Isys Israel, Renata

Fonseca, João Luiz Franco Carneiro, Nayara de Campos, Mônica Buava, Thaiza

Giacomelli, Jorge Ferreira dos Santos Filho, Guilherme Peres, Rudiger Peres, Ana

Assis, Carla Silotto, Roberta Soeiro, Gabriela Felippe, Itaci Marques, Andréa Bischoff,

Adriana de Oliveira Maria, Luis Maluf, Luiz Mochiatti, Lorenzo Madrid, Bruno Rossi,

Rutembergue Fonseca, Caio Nahas, Marcelo Gonçalves, Adriana Benatti, Natália

Fróes, Paula Martins de Sousa, Aline Pimenta, João Lindenberg, Juliana Palhares,

Djoice Bastos, Miguel Augusto, Heloisa Rocha, Guilherme Romão, Clara Miranda,

Rodolfo Nishimura, Fabiana Aragão Campos.

À turma de formandos de 2005 do Curso de Relações Internacionais das

Faculdades Rio Branco em especial: Roberta Dohani – a baixinha mais adorável,

grande batalhadora, forte como uma montanha e de alegria insuperável; Nancy Ueda,

absolutamente brilhante, arguta e gentil; Paula Meyer, irrequieta, curiosa e grande

companheira de baladas. E mais, Camila Olivatto, Glauber Jorge, Rodrigo Sanchez,

Audrey Banks, Amanda Seabra.

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Aos alunos do Curso de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade

São Marcos, pela alegria contagiante e pelo afeto constante, citando Thais Medeiros

Cruz, Tiago Guabiraba, Stefani Braga, Clarissa Barbosa, Mari Maruyama, Lara Salviati

Debeus, Anderson Bergerhoff, Claudia Nogueira, Charlys Albuquerque, Gabriela

Ladeira, Guilherme Fonseca, Nadia Petean e lembrando de Rogério Monteiro, André

Matos e Carolina Ferme.

Aos alunos do Curso de Relações Internacionais da FAAP, em especial à minha

orientanda Fabiola Nesi, aos formandos da turma do 2º semestre de 2005, a meus

orientandos Thais Fernandes, Fernanda Sales e Bruno Senatro, por aguardarem a

conclusão deste trabalho, e a meus alunos do 5º período de 2005, em especial José

Antônio de Almeida Castro – que me deu muita força e pensamento positivo para

concluir essa tese – e, mais, Eduardo Gradiz, Bruno Lourenção, Guilherme Cataneo,

Maria Carolina Rollo Pontes, Rafael Bock, Nicolas Tommasino, Renan Abi Chedid e

Gisele Novoas. E a meus orientandos do Fórum FAAP pela paciência de compreender

minha situação, Paulo Caselato e Luis Gonçales Dora, além de Maria Carolina Rollo

Pontes.

A Rafael Felipe Fontes, amigo virtual até o momento de terminar essa tese, que,

junto com Lessandra Tonin, foram meus companheiros a aplacar a solidão dos

momentos finais de elaboração desse trabalho, via MSN, cuidando, zelando, afagando

e estimulando.

A Chico Supino, pela atenção nas horas do desespero cada vez que o

computador tinha uma pane, por ser o maior admirador do feijão caseiro feito por mim,

e mais, por ser amigo sempre presente a hora.

A Geraldo Coutinho, que me conduz com segurança, atenção e amizade.

A Terezinha Cardoso e Kátia Evangelista, pelos cuidados do meu lar.

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A meus pais afetivos Eneida e Luiz Vasconcelos e à minha amada irmã Helena,

com muitas saudades.

Aos amigos cariocas que não me esqueceram, Márcia Amaral, Maria Helena

Cabral de Almeida Cardoso, Sonia Silva, Ana Lúcia Carvalho de Oliveira, Cibele Verani,

Marli Ganime, Marília Bandeira, Edi e Carlos Chagas, Simone Monteiro, Beatriz Lenz e

Mônica Levy.

À Fundação Oswaldo Cruz, na pessoa de seu Presidente Paulo Buss, por ter me

proporcionado meios de cursar o Doutorado e desenvolver esse trabalho. E ao pessoal

da Secretaria do Gabinete da Presidência, pelo apoio constante.

E, por fim, à cidade de São Paulo que, mesmo sem estátua, me recebeu de

braços abertos e me ofereceu tantas oportunidades.

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RESUMO

Esta presente tese atém-se ao tema do sistema comercial multilateral, materializado

sucessivamente na proposta da Organização Internacional do Comércio (OIC), no Acordo Geral

de Tarifas e Comércio (GATT) e na Organização Mundial do Comércio (OMC). Toma como

objeto de análise a atuação dos países em desenvolvimento, em seu âmbito, empreendendo

uma retrospectiva histórica, com o objetivo de compreender como esses países conseguiram

fazer valer seus interesses, ou não, em um ambiente que não foi por eles criado. Para atingir o

objetivo proposto, empreende a reconstituição da trajetória dos países em desenvolvimento

desde a construção e abortamento da OIC, por um lado, e da estruturação – que seria

provisória – e da consolidação do GATT e, posteriormente da OMC, até ao lançamento da

Rodada Doha de Negociações Multilaterais ou Agenda de Doha para o Desenvolvimento, pelo

exame da conformação de suas coalizões no cenário multilateral, visando a arrancar

concessões do bloco dos países desenvolvidos. A questão principal que se coloca nesse

trabalho consiste em discernir sobre a quais estratégias os países em desenvolvimento

recorreram, visando a minimizar os impactos causados por regras que, em muitas vezes, não

iam ao encontro de seus interesses e necessidades. Ou, em termos gerais, como países não-

dominantes no cenário internacional conseguiram mobilizar outros atores e formar alianças, no

âmbito de negociações multilaterais comerciais? Ainda, resgata a articulação desses países e

suas propostas alternativas ao GATT no âmbito do cenário econômico multilateral, por meio da

formação do Movimento dos Não Alinhados, do Grupo dos 77 e elaboração da proposta da

Nova Ordem Econômica Internacional nas décadas de 1960 e 1970. Conclui pela validade da

argumentação segundo a qual coalizões reforçam o poder de barganha, e o consenso constitui

elemento de fortalecimento da posição desses países, tornando-se, igualmente, importante fator

de negociação para o prosseguimento da liberalização do comércio mundial.

Palavras chaves:

Comércio Internacional

Países em Desenvolvimento

Nova Ordem Econômica Internacional

Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)

Organização Mundial do Comércio (OMC)

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ABSTRACT The present thesis focuses on the multilateral trade system successively materialized in

the proposal of the International Trade Organization (ITO), in the General Agreement on Tariffs

and Trade (GATT) and the World Trade Organization (WTO). The object of this analysis is the

performance of developing countries, in their ambit, by undertaking a historical retrospective

aiming at understanding how these countries were capable of asserting, or not, their interests in

an environment which is not of their own making. In order to achieve the proposed objective, a

reconstitution of the course of action of the developing countries is made, from the creation and

abortion of the ITO on the one hand, and the structuring – which was to have been provisory –

and the consolidation of GATT and later of the WTO, to the launch of the Doha Round of

Multilateral Negotiations or Doha Development Agenda. This was possible by examining the

formation of these countries´ coalitions in the multilateral scenario with the purpose of obtaining

concessions from the block of developed countries. The main issue approached in this paper is

the discernment of which strategies the developing countries resorted to so as to minimize the

impact caused by rules that often did not attend to their interests and needs. In other words,

how could non-dominating countries mobilize other actors and form alliances, concerning

multilateral commercial negotiations, in the international scenario? In addition, this analysis

approaches the relations among these countries and their alternative proposals, different from

the GATT proposals, in the multilateral economic scenario, by means of the formation of the

Non-Aligned Movement, of the Group of Seventy-Seven and the beginning of the New

International Economic Order in the 60s and the 70s. It also supports the validity of the

arguments that claim that coalitions reinforce the bargaining power, and that consensus not only

strengthens the position of these countries but also becomes an important factor for negotiation

in the promotion of the liberalization of world trade.

Keywords

International Trade

Developing Countries

New International Economic Order

General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)

World Trade Organization (WTO)

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ÍNDICE

Introdução....................................................................................................................................................14

Capítulo I

A Carta de Havana e a criação da Organização Internacional do Comércio: o protagonismo dos países

em desenvolvimento ……………………………………………………...........................................................31

Capítulo II

O fiasco da OIC e o prosseguir do GATT (1947-1963): países em desenvolvimento como atores

coadjuvantes…………………………………………………………………………….......................................65

Capítulo III

A formulação da Agenda do Desenvolvimento: GATT x UNCTAD e a Nova Ordem Econômica

Internacional..................………………………………………………………………………..........…......…....106

Capítulo IV

Crise do multilateralismo e novos temas na Rodada Uruguai do GATT: coalizões

fragmentadas.............................................................................................................................................152

Capítulo V

A articulação dos países em desenvolvimento na Conferência de Doha: o caso da flexibilização das

regras de propriedade intelectual..............................................................................................................196

Conclusão..................................................................................................................................................243

Bibliografia.................................................................................................................................................255

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Page 14: Texto Helio

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de tese atém-se ao tema do sistema comercial multilateral,

materializado sucessivamente na proposta da Organização Internacional do Comércio

(OIC), no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e na Organização Mundial do

Comércio (OMC). Toma como objeto de análise a atuação dos países em

desenvolvimento, em seu âmbito, empreendendo uma retrospectiva histórica, com o

objetivo de compreender como esses países conseguiram fazer valer seus interesses,

ou não, em um ambiente que não foi por eles desenhado.

Com efeito, o projeto que deu origem a esta tese atinha-se à atuação dos países

em desenvolvimento com vistas a obter a flexibilização das regras do Acordo dos

Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) na questão

relativa a acesso a medicamentos, no decorrer do processo que desencadeou na

Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública, durante a IV Conferência Ministerial da

OMC, em Doha, em 2001. Ou seja, o que buscava compreender era como uma

coalizão de países em desenvolvimento, auxiliada por algumas organizações não-

governamentais, atingiu dobrar as posições dos países desenvolvidos e alcançar uma

proeminente vitória, consubstanciada, inclusive, por uma declaração especial, à parte

da Declaração Final da Conferência, o que em termos de GATT/OMC constituiu fato

inédito. Ocorre que um trabalho de pesquisa tem vida própria e, como se sabe, é ele

que conduz o pesquisador e não ao contrário, à medida que os dados vão aflorando e

revelando caminhos e universos não imaginados quando da elaboração do projeto

inicial.

Tudo começou quando a banca de qualificação do projeto, em dezembro de

2003, propôs que se retrocedesse até às tentativas dos países em desenvolvimento de

delinear uma agenda que contestava, ou pelo menos procurava atenuar, a rigidez da

lógica do livre comércio embutida no antigo GATT, a partir do processo de

descolonização de Ásia e África, por meio da atuação nas Nações Unidas e,

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posteriormente, na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD), nos anos 1960 e 1970, conhecida como Agenda do Desenvolvimento ou,

ainda, a Agenda do Terceiro Mundo. Pois bem, na busca de documentação e

bibliografia, se foi escavando e descobrindo cada vez mais, até que, por meio das

bases eletrônicas de periódicos disponíveis na Universidade de São Paulo, chegou-se

aos primeiros números da revista International Organization, desde 1947. E, de 1947 a

1964, o referido periódico trazia as aide-mémoire de todas as reuniões das

organizações que estavam compondo o nascimento do sistema internacional

multilateral do pós-II Guerra, construído pelas potências vencedoras do conflito, ainda

durante o seu desenrolar. E lá estavam as compilações dos debates e das

negociações que engendraram o sistema comercial multilateral, desde as tratativas

para a criação da Organização Internacional do Comércio, por meio da Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, realizada em Londres, em 1946, passando

pela reunião do Comitê Preparatório em Genebra e a própria Conferência de Havana,

em 1947/1948. Concomitantemente, encontravam-se registradas todas as reuniões do

GATT, desde a primeira rodada, simultânea à reunião do Comitê Preparatório, e todas

as sessões do Acordo Geral, indo até ao lançamento da Rodada Kennedy, em 1964.

Daí em diante, a revista viria a se dedicar exclusivamente à publicação de artigos

acadêmicos.

Em vista disso, e diante do tesouro em mãos, a proposta efetuada pela banca de

qualificação de retroceder aos anos 1960, foi ampliada para meados dos anos 1940,

procedendo ao percurso da construção e abortamento da Organização Internacional do

Comércio, por um lado, e da estruturação – que seria provisória – e posterior

consolidação do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Porém, o foco sobre os países

em desenvolvimento foi mantido e, então, com esse material bruto a ser trabalhado, o

objeto da pesquisa foi refeito, ou seja, consistiu em mostrar como os países em

desenvolvimento atuaram em um cenário que, a princípio, lhes era inóspito, onde

posavam de meros coadjuvantes e, como, paulatinamente, foram erguendo a voz, na

intenção e no propósito de fazer com que esse sistema considerasse as suas

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necessidades e seus interesses, formando, para tal, grupos e coalizões. Assim sendo, o

trabalho teve a pretensão de reconstituir a trajetória de participação desses países, bem

como a conformação de suas coalizões no cenário multilateral, visando a arrancar

concessões do bloco dos países desenvolvidos. A questão principal que se coloca

nesse trabalho consiste em discernir sobre a quais estratégias os países em

desenvolvimento recorreram, visando a minimizar os impactos causados por regras

que, em muitas vezes, não iam ao encontro de seus interesses e necessidades. Ou, em

termos gerais, como países não-dominantes no cenário internacional conseguiram

mobilizar outros atores e formar alianças, no âmbito de negociações multilaterais

comerciais?

Em termos teóricos, o objeto de estudo referido neste projeto atrela-se ao tema

das Relações Internacionais e, de forma específica, a área dos Regimes Internacionais

ou do Multilateralismo1, cujas abordagens dividem-se entre Realistas, Neo-

institucionalistas (que alguns denominam como pluralistas ou mesmo neo-liberais) e

Neo-realistas. Krasner (1983) efetua uma outra classificação, que compreende

estruturalistas convencionais, estruturalistas modificados e Grocianos, respectivamente.

Os primeiros seriam os realistas enquanto os segundos seriam os neo-institucionalistas.

Ainda segundo Krasner, os regimes internacionais podem ser definidos como uma

forma de instituição internacional, na qual há uma convergência significativa entre os

Estados a respeito de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de

decisão em torno do qual convergem as expectativas dos atores em determinada área

das relações internacionais. O que distingue a posição dessas visões é a importância,

utilidade e eficácia desses regimes (KRASNER, 1983).

Para os realistas, os regimes têm pouco ou nenhum impacto nas relações

internacionais, refletindo apenas a estrutura de poder entre países dominantes e não-

dominantes, e não alteram significativamente essa hierarquia de poder (STRANGE,

1 Multilateralismo é entendido a partir da concepção de Ruggie, que o define como aquele “...that it coordinates behavior among three or more states on the basis of generalized principles of conduct” (RUGGIE, 1998: 335).

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1983). Nesta perspectiva, o ambiente internacional é essencialmente anárquico, em

que a busca da segurança leva os Estados inexoravelmente para o conflito, sendo,

portanto, os regimes maximizadores da primazia de Estados fortes sobre outros, em um

cenário onde atuariam apenas Estados unitários. Para Mearsheimer (1998), por

exemplo, na arena internacional, os Estados visariam a maximizar suas posições de

força e poder, ampliando suas condições de barganha. Portanto, o papel das

instituições internacionais seria enfraquecido ou anulado, na medida que nada obrigaria

aos Estados a aceitar a prevalência de suas regras. Ademais, os Estados, no sistema

internacional, temeriam uns aos outros, de modo que cada um deve ao menos

suspeitar do outro e ser relutante em confiar. Cada Estado, no sistema internacional,

visaria a assegurar sua própria sobrevivência, podendo depender dos outros para sua

segurança. As alianças seriam temporárias e de acordo com as conveniências do

momento. Mesmo na concepção neo-realista, como definida por Waltz (1979), que

substitui Estados por unidades, o sistema determinaria o seu comportamento e sua

lógica de ação no ambiente anárquico, levando-as conflito, mesmo que não sendo essa

a intenção inicial, mas inevitável, na busca dos interesses nacionais.

Para os neo-institucionalistas, como Keohane e outros, a despeito desse

ambiente anárquico, ou por conta dele, existiria a possibilidade da cooperação e da

viabilidade dos regimes internacionais. Diferentemente de Waltz e toda a trajetória

realista, que entende o conflito como inerente ao jogo internacional, Keohane vislumbra

a cooperação, mesmo quando os Estados estão voltados a seus interesses imediatos e

egoístas (KEOHANE: 1984). Neste sentido, a ação das instituições multilaterais

tenderia a promover a cooperação, principalmente na ausência de uma soberania forte

que puna os desertores, cumprindo as tarefas de partilhar as informações, reduzir os

custos de transação entre Estados, fornecer incentivos a concessões comerciais, bem

como mecanismos de resolução de disputas. Por outro lado, Keohane e Nye (1989)

afirmam que, no lugar do Estado unitário, existem redes de relações envolvendo

temáticas diversas, para além das questões de segurança, como comércio, meio

ambiente, etc., configurando relações transnacionais que englobam outros atores que

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não somente o Estado, como empresas e organizações não-governamentais, o que os

levou à definição do conceito de “interdependência complexa”, englobando Estados e

sociedades. Essas redes, formalizadas em instituições internacionais ou não,

configuram os Regimes, na acepção de Krasner e Ruggie (1983). No ambiente da

interdependência complexa, o recurso à coerção, pela força militar, perderia valor,

encontrando os Estados fortes dificuldades de impor suas vontades em todos os temas

de seu interesse. No mundo complexo, cada tema tem uma dinâmica própria, que

envolve atores diversos, tornando a vinculação também mais complexa. Esta vasta teia

de temas será costurada em organizações internacionais, às quais recorrerão Estados

fracos, por ser menos dispendioso, e Estados fortes, que tentarão estabelecer uma

interdependência assimétrica em grupos específicos de tema, como fonte de poder. O

grau de assimetria dependerá do peso dos atores envolvidos e da natureza da relação,

o que implicará na distribuição desigual dos custos da transação (KEOHANE: 1992).

Quanto menos for dependente um ator, maiores os recursos de poder sobre

determinado tema. No entanto, instituições multilaterais, em condições adequadas,

podem propiciar a cooperação e a formação de coalizões entre Estados mais fracos,

contendo o poder dos mais fortes.

Rebatendo Mearsheimer, Keohane & Martin (1998) começam por desmontar

suas argumentações, afirmando que este inicia seu artigo lembrando que os principais

governos têm enfatizado o valor das instituições. E – prosseguem – que poderia ter

adicionado que eles investem significativos recursos materiais e de reputação em

instituições como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), União

Européia, OMC e outros foros multilaterais. E indaga como se poderia interpretar todo

este investimento em instituições que estão se expandindo, se elas não possuem

qualquer significado? Pois é exatamente em caso de conflitos, segundo o autor, que as

instituições podem entrar fornecendo "pontos focais construídos", que façam com que

determinada solução cooperativa prevaleça. Da mesma forma que as instituições

podem reduzir o medo da trapaça, elas podem reduzir o medo dos ganhos desiguais

permitindo, assim, o surgimento da cooperação. O compartilhamento de informações é

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um dos principais mecanismos neste processo, considerando-se, também que o

funcionamento das instituições depende fortemente da operação da reciprocidade

específica e difusa dos participantes. Keohane & Martin concluem que as instituições

desempenham papel relevante nas relações internacionais embora superestimar este

papel pode levar, aí sim, a uma "falsa promessa" de sua atuação. Porém, num mundo

limitado pelo poder do Estado e interesses divergentes, e onde se torna improvável que

haja governo hierárquico efetivo, as instituições internacionais, ao operarem na base da

reciprocidade, podem ser componentes de uma paz duradoura.

Assim sendo, utiliza-se como referencial teórico básico, neste trabalho, as

concepções de Keohane e seus colaboradores, por abrangerem categorias conceituais

como interdependência complexa, que envolve a participação de Estados, empresas e

organizações da sociedade civil em torno de temáticas diversas e globais, assim como

a possibilidade de coalizões entre países não-dominantes, em torno desses mesmos

temas e o papel que as instituições multilaterais podem desempenhar para a

cooperação e a construção do consenso, minimizando os conflitos. Portanto, baseado

nas premissas de Keohane sobre as possibilidades de cooperação internacional,

mesmo no âmbito de uma relação assimétrica, pressupõe-se, para efeitos de

sustentação teórica desse estudo, que, a despeito das regras mais ou menos rígidas

que, tanto outrora quanto atualmente, regularam e regulam o comércio internacional, há

espaço, no âmbito de uma organização multilateral, como o antigo GATT e, mormente,

a Organização Mundial do Comércio, para eventuais arranjos e negociações que

atenuem situações potencialmente explosivas. Por outro lado, tais foros permitem que

países de menor relevância política ou comercial, articuladamente – tanto entre atores

estatais quanto não estatais – ecoem as reivindicações de seus pretensos direitos.

Ou seja, não se quer dizer que os interesses dos Estados não se encontrem

presentes nas instituições multilaterais ou que eles deixarão de tentar maximizá-los,

porém, no embate das negociações e das barganhas havidas, é que constroem a

perspectiva do mínimo denominador comum que gera o consenso possível. Como bem

19

Page 20: Texto Helio

demonstra Virally (1972), há uma tensão permanente entre os interesses dos Estados e

a dinâmica das organizações, que são espaços fundamentalmente destinados à

cooperação e à negociação entre seus integrantes. A despeito de sua obra ter sido

elaborada no período da Guerra Fria, muitos de seus postulados conceituais ainda

guardam verossimilhança com a dinâmica do sistema multilateral contemporâneo.

Segundo o autor, o sistema de Organizações Internacionais visa a organizar a

sociedade internacional, sendo que a coexistência em uma mesma instituição das

superpotências e da quase totalidade dos Estados, grandes e pequenos, amigos ou

inimigos, faz desta um fator novo da política mundial. Tal fator não é independente da

política das grandes potências, pois cada uma vai utilizar sua influência com vistas a

seu favor. Porém, estas influências, encontram-se, de alguma maneira, canalizadas

pelas regras da organização, que as inserem no âmbito das influências exercidas por

todos os demais Estados, produzindo combinações múltiplas e mutantes. De tal,

resulta, salvo exceções, que nenhum Estado, por mais forte que seja, pode se gabar de

ser “o mestre do jogo”, o que não impede de, em alguns casos, bloquear seu

funcionamento, não limitando tal fato a Organização a desempenhar seu papel como

ator autônomo na cena mundial. Para Virally, a Organização Internacional apresenta

duas perspectivas que são diferentes, mas, que, ao mesmo tempo, se confundem. Em

assim sendo, a Organização Internacional é, à sua vez, uma estrutura social (vista do

seu interior) e um ator autônomo (vista do exterior). Como estrutura social, delimita e

regula um jogo de forças, a qual sua configuração imprime uma característica

determinada, mas da qual permanece relativamente passiva, tornando-se objeto de

manipulação de parte dessas forças que tentam deformá-la na busca da consecução de

seus objetivos. Como ator autônomo, comporta-se ela mesma como uma força,

pesando no jogo social e procurando orientá-lo, igualmente, para a obtenção dos seus

próprios objetivos. Esta dualidade fundamental induz sempre a certo equívoco em sua

ação institucional, pois, sendo autônoma, se desenvolve seguindo suas próprias leis e

as decisões tomadas pelos órgãos institucionais, mas não é independente, posto que

teleguiada pelas forças que atuam em seu interior, mas com as quais não se confunde.

O que é inquietante e desconcertante em uma Organização Internacional é que meio

20

Page 21: Texto Helio

interior e meio exterior se confundem. A Organização Internacional se apresenta como

uma estrutura social no interior da qual todos os Estados têm tomado ou são chamados

a tomar lugar. Simultaneamente, comporta-se como ator autônomo no seio da

sociedade internacional global (VIRALLY, 1972).

Partindo do pressuposto acima enunciado por Virally, essa arena onde os

Estados vão entrecruzar seus interesses, tentando moldar a face da organização, e que

produz essa multiplicidade de combinações mutantes, cujos resultados finais,

ensejados pelo confronto e pela cooperação denotam seu perfil, propicia, por

conseguinte o espaço para a diversidade de coalizões.

No caso da mais poderosa organização multilateral erigida nos novos tempos da

globalização, a Organização Mundial do Comércio, que busca resolver as dissensões

comerciais pelo consenso entre seus membros, diluindo potenciais escaladas de

disputas que poderiam redundar em conflitos, como no passado, esse quadro teórico-

conceitual se apresenta rico e desafiador. E mesmo anteriormente à sua criação, ainda

quando das negociações da Rodada Uruguai (1986-1994), por conta da inserção de

novos temas, diversas combinações surgiram, transformadas em coalizões, algumas

efêmeras, outras mais duradouras.

Lafer observa que, justamente devido a tais características, a OMC proporciona

a formação de coalizões de composição altamente flexível, que variam em torno dos

temas que estão sendo negociados, derrogando a clássica formação monolítica dos

anos 1960-1970, consubstanciada no Movimento dos Não-Alinhados e no Grupo dos 77

(G-77), aglutinando uma plêiade de países em desenvolvimento. De acordo com a

posição dos países em torno de determinado tema, as coalizões variam em sua

formação, não fixando regras de fidelidade absoluta, dadas a sua heterogeneidade e

assimetria de poder predominantes na OMC, gerando as chamadas por Lafer de

“coalizões de geometria variável”, apenas existentes em um contexto multilateral, na

21

Page 22: Texto Helio

busca da construção do consenso visando à conclusão dos acordos (LAFER, 1998;

LAFER, 1999).

Em consonância com Lafer, Singh considera, igualmente, que essa característica

pertinente às negociações multilaterais favorece os países em desenvolvimento, ao

permitir-lhes circular com maior desenvoltura nesse ambiente (to wiggle room), ou, em

tradução literal, ondular. Da mesma forma, o ambiente de negociações multilaterais

permite mudar agendas (agenda-setting) e construir coalizões (coalition building), por

meio de negociações táticas que preenchem o espaço entre as estruturas de poder e

os resultados, surgindo o cenário propício para atuação dos países com menores

recursos de poder. Pois, nesse ambiente, não apenas os que gozam de poder têm

condições de estabelecer agendas e construir coalizões, mas o que não tem poder,

igualmente, possuem condições de assim agir2. Em termos conceituais, estruturas de

poder delineiam preferências iniciais e negociações, sendo que estas últimas, por sua

vez, conformam interesses e resultados e, por extensão, o exercício de poder. Daí que

a teoria de wiggle room torna-se a melhor para explicar as alterações de preferências e

seu descarte. E negociações táticas respondem por essas mudanças,

fundamentalmente agenda-setting e coalition building, propiciando, assim, espaço para

manobras, porém não devendo ser supervalorizadas (SINGH, 2003).

Narlikar, uma das autoras pioneiras em abordar a temática das coalizões e o

envolvimento dos países em desenvolvimento no âmbito do sistema GATT/OMC,

imputa ser extremamente desafiador, do ponto de vista intelectual como também de sua

significância estudar o tema, que quase nunca era voltado às relações comerciais.

Considerando os vínculos existentes entre os temas englobados pela OMC e sua

jurisdição no campo das políticas econômicas domésticas, geram-se novas dificuldades

para os países em desenvolvimento, mas, inversamente, proporcionam ampliar o seu

poder de barganha e levar tais temas à mesa de negociações e, aí, as coalizões 2 O autor, inclusive, ressalta não ser por outro motivo que os Estados Unidos têm preferido, ultimamente, enfronharem-se em negociações bilaterais por avaliarem não estar vulneráveis a alterações de agendas pré-estabelecidas (SINGH, 2003).

22

Page 23: Texto Helio

acarretam maneiras de explorar essas possibilidades. Poder de barganha, segundo

Narlikar, compreende a capacidade de se opor a algo colocado à mesa de negociações

e permutar concessões que sejam minimamente aceitáveis para ambas as partes. Ao

contrário, o poder de barganha deficiente torna vulnerável uma parte, sendo essa uma

questão crítica para os países em desenvolvimento. E três são os níveis de

vulnerabilidade e fragilidade no caso desses países, sendo o primeiro o doméstico, isto

é, a ausência ou insuficiência de uma estatalidade enraizada assim como a

fragmentação interna, fatores que implicam na incapacidade de implementar políticas

domésticas e levá-las externamente; o segundo nível de vulnerabilidade é o regional

em que conflitos dessa natureza ampliam a instabilidade e impedem a cooperação

econômica nesse âmbito e, por fim, o nível internacional, o ingresso tardio nos

organismos internacionais os torna mais tomadores de regras do que geradores de

agendas. Daí, então, que as coalizões aumentam o poder de barganha de países

frágeis, pelo compartilhamento (NARLIKAR, 2003)3. Coalizões, em sua concepção, são

definidas como “a set of governments that defend a common position in a negotiation through explicit

coordination”, as quais reforçam legitimidade de uma proposta, seja em uma organização

cujo processo deliberativo se dê pelo voto da maioria, seja em instituições baseadas no

consenso como a OMC. A necessidade dessa legitimidade é buscada, igualmente,

pelos países desenvolvidos, por meio da busca de aliados. Além do mais, para os

países em desenvolvimento, com parcos recursos diplomáticos, as coalizões

representam instrumentos únicos que melhoram sua posição de barganha, assim como

geram alguns benefícios. O primeiro deles é servir de escudo a eventuais represálias

de países desenvolvidos, se contrariados por um dos membros da coalizão, pois

calcularão o custo de ação coletiva dessa natureza. O segundo benefício acarreta na

divisão de trabalho e troca de informações entre seus membros, já que muitos países

têm recursos bastante limitados e, alguns sequer conseguem manter uma

representação permanente na OMC. E, o terceiro benefício consiste na ampliação de

3 Narlikar exemplifica pela experiência de pequenos países europeus que passaram a obter visibilidade maior no GATT, a partir dos anos 1960, por integrarem a nascente Comunidade Econômica Européia (NARLIKAR, 2003).

23

Page 24: Texto Helio

seu BATNA ou Best Alternative to Negotiated Agreement4, pelo fato de dispor de

aliados no momento de enfrentar seus maiores adversários em determinado tema, no

âmbito de negociações comerciais multilaterais (NARLIKAR, 2004).

Desde os tempos do antigo GATT, a regra predominante do processo decisório

era o consenso que, posteriormente, foi institucionalizado na OMC, ou seja, a instituição

multilateral mundial possui uma cultura baseada no consenso em que a negociação

prevalece sobre o veto. Resulta daí, segundo Narlikar, a importância de formação de

coalizões que ampliem o poder de negociação dos países em desenvolvimento.

Considerando assim que, diante do exposto, o sistema comercial multilateral,

baseado no consenso, engendra a formação de coalizões múltiplas e variadas que, ao

final, definem os termos dos acordos, a hipótese central desse trabalho apóia-se na

suposição de que os países em desenvolvimento, articulados mutuamente, ou mesmo

com outros países desenvolvidos, conseguem otimizar os resultados de acordos em

relação aos termos inicialmente propostos.

Vale lembrar que as hipóteses do projeto original, embora restritas à

flexibilização do Acordo TRIPS no tocante a acesso a medicamentos, continham essas

mesmas pressuposições, estando assim concebidas:

• A formação de coalizões entre países em desenvolvimento, no tocante ao

tema da propriedade intelectual e a questão de acesso a medicamentos

ampliou as possibilidades de vitória em suas reivindicações, permitindo a

flexibilização da interpretação do TRIPS.

4 BATNA, sigla de Best Alternative to Negotiated Agreement, significa os trunfos que uma parte negociadora dispõe para não aceitar os termos de determinado acordo, considerando mais benéfico recusá-los.

24

Page 25: Texto Helio

• O papel dos atores sociais transnacionais residiu na sua capacidade de

articulação, pressão, difusão da informação, em escala global, para além das

fronteiras nacionais, propiciando a sensibilização da opinião pública

internacional e a formação de uma extensa rede de apoio aos objetivos dos

países em desenvolvimento.

• Dada a necessidade de estabelecimento de consenso nas decisões da OMC,

a adoção de uma estratégia propositiva pelos países em desenvolvimento

fortaleceu sua posição nas negociações, bem como validou o papel da OMC

como locus de negociação multilateral e redução de conflitos.

Ou seja, a primeira e a terceira hipóteses continuam prevalecendo sobre todo o

processo. Quanto à segunda, considerando a ampliação do marco temporal do

trabalho, implicaria em outra tese. Além disso, os desdobramentos do caso específico

suscitaram algumas dúvidas acerca de sua plausibilidade.

A presente tese encontra-se dividida em cinco capítulos que acompanham a

ordem cronológica e evolutiva do sistema comercial multilateral, destacando a atuação

dos países em desenvolvimento.

O Capítulo I procede a um retrospecto da participação dos países em

desenvolvimento no sistema multilateral de comércio, tendo como ponto de partida as

negociações para a formulação da Carta de Havana e a implementação da

Organização Internacional do Comércio (OIC), o primeiro organismo multilateral a

pretender tratar das questões relacionadas às regras atinentes ao comércio

internacional, no bojo do amplo projeto de construção de organizações internacionais,

engendrado pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, ainda durante o

desenrolar do conflito. Discorre sobre as causas da frustração da proposta e os

impactos desse resultado para os países em desenvolvimento.

25

Page 26: Texto Helio

O Capítulo II segue percorrendo a participação dos países em desenvolvimento,

ainda à época denominados subdesenvolvidos, no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e

Comércio (GATT), desde a sua criação como instância provisória e sua permanência

como híbrido de acordo internacional e organização multilateral, a partir do final dos

anos 1940, até o início da década de 1960, quando sua ação foi bastante limitada, dado

o escopo igualmente limitado do Acordo, período em que atuavam como meros

coadjuvantes, dispondo de restrita margem de barganha.

Com o processo de descolonização, intensificado nos anos 1950 e 1960, muitos

dos novos Estados soberanos acederam ao GATT, beneficiados por cláusula

facilitadora, como também ingressaram maciçamente no sistema das Nações Unidas,

chegando a construir uma ampla maioria, ao se associarem com outros países em

desenvolvimento, como os da América Latina, os quais buscavam alternativas ao

modelo de desenvolvimento econômico e industrial, visando à superação do

subdesenvolvimento, tomando como base as idéias e propostas concebidas pela

Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), ainda no final dos anos 1940 e

começo dos anos 1950. Nessa dinâmica de formação de coalizões, conseguiram

engendrar uma Agenda de Desenvolvimento, a partir da realização da Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento e sua ulterior institucionalização,

como também pela própria manutenção da coalizão, também chamada de terceiro-

mundista, por intermédio da criação do Grupo dos 77. Com tais ações e iniciativas,

atravessaram verticalmente o conflito característico da Guerra Fria, o Leste-Oeste,

gerando a necessidade de entendimento e atendimento das demandas oriundas do

baixo acesso a condições de desenvolvimento e industrialização, promovendo ao

primeiro plano das relações internacionais a questão Norte-Sul, ora percebida como

conflito, ora como diálogo, culminando com a aprovação das Resoluções da

Assembléia Geral das Nações Unidas, pleiteando a adoção de uma Nova Ordem

Econômica Internacional, constituindo esse período o Capítulo III.

26

Page 27: Texto Helio

No entanto, a reação dos países desenvolvidos, atentos às mudanças dos

paradigmas econômicos, sociais e tecnológicos, surgidos com a crise do petróleo e

seus impactos no sistema de welfare-state, e, pouco depois, com a emergência de nova

revolução tecnológica, pela informática, biotecnologia e química fina, aliada ao início do

esfacelamento do império soviético, não tardaria. Estados Unidos e Grã-Bretanha, que

haviam conduzido ao poder lideranças conservadoras, Ronald Reagan e Margareth

Thatcher, animaram-se a empreender a reviravolta. Deu-se, então, a crise do

multilateralismo modelado pela ação dos países em desenvolvimento nos anos 1960 e

1970. No campo das relações comerciais em âmbito multilateral, teve-se o lançamento

da Rodada Uruguai do GATT, a qual introduziu uma série de temas, antes alheios ao

escopo do Acordo Geral, como serviços, investimentos e propriedade intelectual, de

interesse para a expansão de suas economias, caracterizando a etapa seguinte, a da

globalização, configurando tal panorama o Capítulo IV.

Acuados por diversos fatores, os países em desenvolvimento poucas condições

detinham de esboçar reação mais efetiva, além dos protestos formais. Como resultado,

foi formulada uma miríade de acordos, que redesenharam as relações econômicas e

comerciais internacionais, resgatando a antiga proposta de uma organização

multilateral comercial, porém aos moldes desenhados pelos países desenvolvidos, a

Organização Mundial do Comércio. Passados alguns anos, os países em

desenvolvimento voltavam a se articular para obter maiores espaços nessa arena

multilateral, empreendendo forte reação às tentativas de lançamento de uma nova

rodada, a Rodada do Milênio, na III Conferência Ministerial da OMC, em Seattle, em

1999, a qual terminou inviabilizada. Dois anos depois, em Doha, uma ampla coalizão,

apoiada desta vez pelas organizações não-governamentais, conseguiu frear muitos dos

projetos e posições defendidas pelos países desenvolvidos, levando à necessária

construção do consenso, principalmente no tocante a um dos temas mais polêmicos

que cercava a IV Conferência, a questão relativa, no campo da propriedade intelectual,

a acesso a medicamentos, sendo esse o Capítulo V.

27

Page 28: Texto Helio

As fontes utilizadas, como já declarado anteriormente, basearam-se, no caso dos

Capítulos I e II, nos informes trazidos pela revista International Organization, os quais

foram complementados com análises provenientes da literatura especializada, tanto a

da época quanto a atual. No caso dos Capítulos III e IV, a narrativa histórica foi

remontada a partir das próprias fontes secundárias que, devotadas essencialmente à

análise, apresentavam os fatos em fragmentos, obrigando a uma paciente e

enriquecedora reconstituição. No que se refere ao Capítulo III, que trata

especificamente da Agenda do Desenvolvimento e da Rodada Tóquio do GATT, foi

utilizada predominantemente a literatura da época, principalmente no tocante ao

primeiro tópico, pois parece haver poucas produções acadêmicas atuais, reflexivas

sobre aquele momento. Já quanto ao Capítulo IV, referente à Rodada Uruguai e seus

antecedentes imediatos, aí já se encontra maior prodigalidade de fontes recentes. No

que se refere ao Capítulo V, dada a eventualidade próxima, as fontes primárias

oriundas de periódicos e de relatos proporcionados pela Missão brasileira em Genebra

tornou o trabalho de reconstituição mais facilitado, sendo também complementado por

fontes secundárias. Quanto a esse Capítulo, vale advertir que o período que encerra a

presente tese vai até ao lançamento da Rodada Doha, não adentrando às negociações

dela própria, ou seja, o trabalho é terminado com o final da IV Conferência Ministerial

da OMC.

A relevância científica deste trabalho encontra amplo respaldo, pois a temática

sobre regimes internacionais e do multilateralismo alcança proeminência nos meios

acadêmicos e governamentais. Se, por um lado, desde os anos 1970, neo-realistas e

neo-institucionalistas debatem sobre o seu grau de eficácia e utilidade no sistema

internacional, por outro, desde os anos 1990, os regimes internacionais, sejam as

grandes Conferências Internacionais temáticas que resultaram em agendas

propositivas, sejam as instituições multilaterais, têm dominado o espectro das relações

internacionais como grande arena de interação entre os Estados Nacionais.

28

Page 29: Texto Helio

Nesse cenário, a Organização Mundial do Comércio, desde 1995, transformou-

se em grande arena de debates e embates entre países, englobando os mais variados

temas que, até mesmo, extrapolariam as relações de trocas comerciais, como meio

ambiente, padrões trabalhistas, investimentos e concorrência. Cada tema define

arranjos diferentes entre países, quebrando, de alguma forma, o monolitismo das

relações Norte-Sul. Não obstante constituir-se foro de negociações e deliberações

entre Estados, sua atuação tem sido foco das atenções de diversos atores não estatais

como empresas transnacionais e organizações não-governamentais, transformando-a

em arena multilateral de elevada complexidade de interesses. Justifica-se, ainda sob

esse aspecto, a relevância deste trabalho pela importância atribuída à participação dos

países em desenvolvimento na OMC, como fator de legitimidade da Organização. Por

um segundo aspecto, destaca-se a visibilidade que a OMC possui no cenário

internacional, envolvendo ampla gama de atores, estatais e não estatais, sendo que,

estes últimos vêm centrando sua atuação sobre os diversos temas em pauta e

promovendo alianças com Estados, buscando a prevalência de seus objetivos. Acresce

a isso, o fascínio que a OMC apresenta ao pesquisador da área de relações

internacionais ao proporcionar manancial rico em possibilidades de aplicações teóricas,

fazendo ver que os postulados conceituais de forma alguma devem ser percebidos

como estanques e rígidos, mas sim como instrumentos que aguçam a capacidade de

análise, tal a possibilidade de combinações diversas entre eles.

Além disso, procede a um resgate histórico da atuação dos países em

desenvolvimento, não disponível na literatura brasileira de relações internacionais,

trazendo à tona a persistente atuação desses países na busca de espaços para seus

anseios. Resgata, ainda, uma trajetória que, apesar de hoje improducente, constituiu

marco da afirmação desses países no cenário multilateral da época, a formulação da

Agenda do Desenvolvimento das décadas de 1960 e 1970. No momento em que se

enfatiza novamente a questão do desenvolvimento nas relações internacionais –

exemplificada na preocupação externada pela própria OMC de denominar o Programa

de Trabalho de Doha como Agenda de Doha para o Desenvolvimento e a repercussão

29

Page 30: Texto Helio

da XI Conferência da UNCTAD em 2004 – a recuperação dessa memória tem sua

procedência.

Vale ressaltar a dificuldade de se trabalhar com a categoria de países em

desenvolvimento, destacada na própria literatura consultada. Se dos anos 1940 até

meados dos anos 1960, poder-se-ia vislumbrar tais países como um todo relativamente

homogêneo, a partir daí essa categorização tornou-se muito mais diversificada e

complexa, como demonstra esse trabalho, tendo, muitas vezes, se encontrado

dificuldades para acoplar o conceito em países tão díspares como, por exemplo,

Gâmbia e Argentina, ou Papua Nova Guiné e Coréia do Sul.

Por fim, vale destacar que se buscou escapar, neste trabalho, a formulações

eivadas de maniqueísmo que antepusessem, previamente, países desenvolvidos contra

países em desenvolvimento como uma eterna luta de classes, evitando-se, igualmente,

quaisquer perspectivas que os apresentassem como algozes e vítimas ou vilões e

coitadinhos.

30

Page 31: Texto Helio

Capítulo I

A Carta de Havana e a criação da Organização Internacional do Comércio:

o protagonismo dos países em desenvolvimento

A arquitetura multilateral erigida no pós-II Guerra Mundial vinha sendo delineada

ainda durante o pleno desenrolar do conflito nos campos de batalha entre as forças da

Europa democrática e aquelas do Eixo nazi-fascista. Mesmo antes da entrada dos

Estados Unidos no conflito, configurando a efetiva mundialização da Guerra (SARAIVA,

2001: 233), as sementes do esforço cooperativo, o qual se propunha a ser implantado

após a derrota da Alemanha e da Itália, encontravam-se na Declaração Conjunta

firmada entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, assinada por Franklin D. Roosevelt

e Winston S. Churchill, denominada Carta do Atlântico, em 14 de agosto de 1941.

Em seus propósitos, constavam os princípios que a coalizão anglo-americana

concebia para o mundo pós-guerra, sendo que, nos dois primeiros itens, se preconizava

o respeito aos limites da ação dos Estados em relação dos direitos de outros, fossem

de ordem territorial ou de outras quaisquer, assim como eventuais alterações de

traçados fronteiriços apenas poderiam ocorrer por meio da vontade livremente expressa

das populações envolvidas. O terceiro item propugnava pelo direito à soberania e ao

auto-governo dos países que haviam sido despojados forçosamente dessa condição.

Para além dos enunciados eminentemente políticos da construção do mundo do

pós-II Guerra, havia, ainda, dois itens mais que tratavam de aspectos atinentes às

relações econômicas e comerciais entre os Estados. Assim sendo, o quarto item

propugnava pelo amplo acesso, igualitária e independentemente da dimensão de cada

país e de sua respectiva posição no conflito, ao comércio e às matérias-primas

necessárias ao desenvolvimento dos Estados. A este item, segue-se o quinto, o qual

estabelecia o empenho na mais absoluta colaboração entre as nações no sentido de

31

Page 32: Texto Helio

assegurar e alcançar, globalmente, melhores padrões trabalhistas, desenvolvimento

econômico e seguridade social. Os três itens restantes clamavam pela necessidade de

paz e segurança para todas as nações5.

Vale salientar que a coalizão anglo-americana guardava amplas divergências,

principalmente no que dizia respeito às respectivas concepções do que deveriam ser as

regras futuras que balizariam o comércio internacional. Assim, enquanto os Estados

Unidos pregavam o amplo acesso a todos os mercados, a Grã-Bretanha, ciosa dos

domínios que ainda dispunha, direta ou indiretamente, pela Commonwealth, resistia à

tamanha amplidão e agarrava-se ao sistema de preferências comerciais, o que lhe

ajudava a manter poder e influência econômicos e políticos, assim como ter elementos

de barganha para assegurar o compromisso norte-americano em reduzir suas tarifas.

Para atrair a adesão britânica e conciliar ambas as posições, o Presidente norte-

americano Franklin Roosevelt teria garantido ao Premier Winston Churchill que seriam

preservadas as preferências já existentes, o que de fato acabou consagrado na Carta

de Havana (AARONSON, 1991: 175; MILLER, 2000: 4-5).

Dessa Carta de princípios, a qual a União Soviética, posteriormente, viria a

aderir, desenvolveu-se o mais amplo sistema multilateral conhecido na história das

relações internacionais: no campo da garantia da paz e da segurança coletiva entre os

Estados, é criada a Organização das Nações Unidas; no campo da cooperação

econômico-comercial, surgiriam o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco

Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – Banco Mundial - e a proposta

Organização Internacional do Comércio (OIC)6.

Assim, entre novembro e dezembro de 1943, em Teerã, Estados Unidos, Grã-

Bretanha, União Soviética e China deram passos adiante para a criação de uma

organização mundial visando à manutenção da segurança e da paz, a qual seria 5 The Atlantic Charter (1941). Disponível em http://usinfo.state.gov/usa/infousa/facts/democrac/53.htm. 6 Em inglês, International Trade Organization (ITO).

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Page 33: Texto Helio

composta de um Comitê Executivo, uma Assembléia Geral e o Diretório dos quatro,

melhor delineada em Dumbarton Oaks, em agosto de 1944. Daí, em junho de 1945, em

San Francisco, estabelecia-se a criação da Organização das Nações Unidas,

abrangendo as nações vitoriosas. O então diretório dos quatro acabou incluindo a

França, como integrante dos países detentores do poder de veto no Conselho de

Segurança.

No campo econômico, os Acordos de Bretton Woods alicerçaram a criação do

FMI e do Banco Mundial. A primeira instituição tendo como missão assegurar a

estabilidade do sistema financeiro mundial, através do monitoramento das taxas de

câmbio e da transformação das moedas nacionais em unidades conversíveis ao ouro

ou ao dólar norte-americano, dentre outras atividades. Quanto ao Banco Mundial, cabia

financiar projetos de desenvolvimento econômico, inicialmente voltados para a

reconstrução da Europa conflagrada pela Grande Guerra e, posteriormente, apoiar

projetos de infra-estrutura para países em desenvolvimento.

O último vértice do triângulo econômico multilateral seria consubstanciado na

pretendida criação da OIC, cuja raison d’être residia na convicção, por parte dos

Estados Unidos, de que parte considerável da eclosão do conflito mundial devera-se às

medidas protecionistas que predominaram no comércio internacional no período entre-

guerras, o que teria levado o país a perder terreno na participação do comércio mundial

(FEIS, 1948: 40; ALMEIDA, 1999: 103 ; CARVALHO & SILVA, 2003: 93)7. Havia o

temor de que, cessados os esforços de reconstrução do imediato pós-Guerra, o

intercâmbio comercial norte-americano pudesse voltar a declinar, até porque muitos

países talvez não viessem mais a necessitar de produtos procedentes dos Estados

Unidos. Fazia-se, então, imperioso, que medidas fossem propostas para evitar tal

7 As medidas protecionistas prevalecentes durante o período entreguerras deveram-se à queda dos preços agrícolas, a partir de 1920 no mercado internacional, o que levou aos Estados Unidos, pressionados pelos agricultores locais, a imporem barreiras comerciais à importação tanto a produtos agrícolas quanto a industriais, causando a ampliação do débito europeu por conta dos custos da I Guerra Mundial, para com os norte-americanos que, por sua vez, instaram ao pagamento da dívida (CARVALHO & SILVA, 2003: 93).

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Page 34: Texto Helio

ocorrência. Da mesma forma, supunha-se estar superada a fase de acordos bilaterais,

que pouco benefícios poderiam trazer e, além disso, se em outros campos as

conversações multilaterais avançavam, similarmente no campo comercial elas deveriam

ter lugar (FEIS, 1948: 41). Por outro lado, prossegue Feis, o governo norte-americano

empenhava-se em manter o modelo tradicional do sistema capitalista, conduzido pela

iniciativa privada e primado pela competição, liberto de regras rígidas. Portanto,

tornava-se preciso lutar contra forças contrárias a essa concepção, desde o

empobrecimento causado pela Guerra quanto à percepção do ainda apenas

desinteresse soviético. Contudo, alguns elementos ajudavam a construir essa

proposta, como a necessidade de produtos importados, especialmente dos Estados

Unidos, facilitando a penetração da idéia da redução de barreiras tarifárias (FEIS, 1948:

41).

Em 1946, entre 15 de outubro e 26 de novembro, reuniam-se em Londres

representantes de quase uma vintena de países8, para instalar o Comitê Preparatório

da Conferência Internacional sobre Comércio e Emprego, convocado pelo Secretário

Geral das Nações Unidas, Trygve Lie, conforme resolução do seu Conselho Econômico

e Social, datada de 18 de fevereiro de 1946, constituindo este o encontro inaugural de

outros sucessivos, com vistas à articulação de políticas comerciais e a eliminação de

barreiras ao comércio, em nível internacional.9

O texto básico para as discussões, elaborado pelo Departamento de Estado dos

Estados Unidos, em setembro de 1946, intitulado Suggested Charter for an International

Trade Organization, tendo como aporte sugestões de governos e grupos econômicos

privados, detalhava as medidas necessárias para a remoção de barreiras comerciais e

a conseqüente ampliação das trocas comerciais mundiais.

8 Originalmente os países escolhidos pelo Conselho Econômico e Social foram África do Sul, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, China, Cuba, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Holanda, Índia, Líbano, Luxemburgo, Nova Zelândia, Noruega, Tchecoslováquia e União Soviética, sendo que, no entanto, esta última resolveu não participar do evento e, ainda, Bélgica, Holanda e Luxemburgo formaram uma única delegação. 9 Contudo, o objetivo dos trabalhos do Comitê Preparatório consistia em organizar os trabalhos para a convocação da Conferência, não representando os delegados, necessariamente, a posição oficial dos seus respectivos países.

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Page 35: Texto Helio

Os debates em torno do documento proposto eram levados a cabo por meio de

cinco Comitês: Atividade Econômica e Emprego; Restrições, Regulações e

Discriminações; Práticas Comerciais Restritivas; Acordos Intergovernamentais sobre

Comodity; Administração e Organização, tendo sido criado mais um, além dos cinco

originais, qual seja, o Comitê Conjunto sobre Desenvolvimento Industrial, reclamado

pelos países menos desenvolvidos, que perseguiam uma perspectiva mais assertiva

para o avanço do desenvolvimento industrial de suas economias nacionais.

O primeiro Comitê elaborou proposições para a adoção de políticas multilaterais

de pleno emprego10, a título de obrigações internacionais “to maintain full employment and

high stable levels of effective demand”11, as quais as nações membros encarregar-se-iam de

cumprir, como fundamental para o alcance do objetivo de ampliação dos níveis de

comércio mundial, restando, no entanto, à competência de cada país implantar tal

requisito. O segundo Comitê tratou de questões relacionadas à redução de tarifas,

eliminação de preferências comerciais12 e de restrições quantitativas, vindo a formular

um código de comércio, o qual conferia maior autonomia aos países do que o proposto

originalmente no rascunho da Carta, permitindo, ainda, caso se tornasse necessário, o

estabelecimento de cotas de importação em caso de graves ameaças de esgotamento

das reservas comerciais externas de um país. O terceiro Comitê não chegou a

consenso a respeito da elaboração de um código de regras sobre Práticas Comerciais

Restritivas, destinado a impedir abusos por parte de corporações monopolísticas, por

divergências havidas entre Estados Unidos e Grã-Bretanha, coibindo a ação da então

10 O termo em inglês “Full Employment” não dispõe de conceituação precisa, podendo variar em sua significação conforme a evolução do mercado de trabalho, porém, dos anos 1940 até os anos 1960, a acepção mais corrente era a definida pelo economista britânico William Beveridge, constante em sua publicação Full Employment in a Free Society, de 1944, segundo a qual, tal condição se daria quando houvesse maior oferta de vagas, em condições salariais adequadas, do que pessoas desempregadas, em uma determinada comunidade (ETXEZARRETA, 1999: 2-3); tal premissa foi incorporada, inicialmente por Roosevelt, e mantida por Truman nas políticas do Fair Deal, a agenda de recuperação econômica de sua Administração para o pós-guerra, composta de vinte e um pontos. 11 Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In: International Organization, Vol. 1, No. 1 (Feb. 1947): 139. 12 Permitia-se a manutenção das preferências já existentes, sendo vedada, no entanto, sua ampliação e recomendável sua redução.

35

Page 36: Texto Helio

futura OIC nesse campo13, sendo aí derrotada proposta dos países subdesenvolvidos

quanto à perspectiva de formação de cartéis que viessem a prejudicar o

desenvolvimento econômico desses países, assim como sua atuação no setor de

serviços14. O quarto Comitê debruçou-se sobre dificuldades específicas dos produtos

primários, o papel dos acordos intergovernamentais de commodities e o relacionamento

de diversas agências internacionais no campo da política comercial, sugerindo que um

comitê interino sobre commodities, visando ao desdobramento destas questões, fosse

estabelecido até à posterior criação da OIC. O quinto Comitê tratou da criação da OIC

propriamente. Por fim, o Comitê Conjunto sobre Desenvolvimento Industrial propôs

estender a faculdade de estabelecer cotas de importação, nos moldes do segundo

Comitê, aos países que objetivassem promover seu desenvolvimento industrial, desde

que aprovado pela OIC.

Os trabalhos realizados pelo Comitê Preparatório foram reunidos e analisados

pelo Comitê de Redação, em encontro havido em 20 de janeiro de 1947, em New York,

ocasião em que se elaboraram proposições destinadas a cobrir pontos em itens sobre

os quais não se havia chegado a consenso. Nova reunião do Comitê Preparatório dar-

se-ia em abril, desta vez em Genebra, simultaneamente à ocorrida sobre reduções

tarifárias, de igual responsabilidade do Comitê15. Da mesma forma, a criação da

própria Organização, a OIC, seria debatida nessa reunião assim como o delineamento

de seu processo decisório, isto é, se a definição do peso do voto dar-se-ia por

participante ou por seu peso no volume internacional do comércio.

13 Segundo Bahadian (1992: 19), a proposta original dos Estados Unidos sugeria que os Membros viessem a adotar ações adequadas com o objetivo de obstar formas de restrição à concorrência, ao acesso a mercados ou à criação de monopólios, que pudessem desvirtuar os propósitos que norteavam a criação da OIC, em oposição a alguns países europeus e ao Canadá, que não vislumbravam apenas efeitos nocivos na formação de cartéis ou trustes, mas instrumentos de cooperação entre empresas (BAHADIAN, 1992: 25). 14 A primeira proposta foi de autoria do Brasil e a segunda da Índia, com apoio de Brasil, Chile e Cuba, sendo arrolados como serviços os setores financeiro e de seguros, navegação e transportes e comunicação (BAHADIAN, 1992: 28; LAFER, 1971: 43). 15 Esta primeira reunião sobre reduções tarifárias viria a dar origem ao General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), agregando, além dos participantes originais de Londres, a Birmânia, o Ceilão (atual Sri Lanka), o Paquistão, a então Rodésia do Sul (atual Zimbábue) e a Síria, tornando-se estes os 23 países signatários do GATT-1947.

36

Page 37: Texto Helio

A segunda sessão do Comitê Preparatório teve início em 10 de abril estendendo-

se até 30 de outubro de 1947, prazo durante o qual foram definidos os termos do draft

da Carta instituidora da Organização Internacional do Comércio, em 22 de agosto16. O

documento, que viria a ser apreciado na Conferência Mundial de Havana sobre

Comércio e Emprego, definia uma série de propósitos e objetivos, quais fossem:

1) promoção da ação nacional e internacional para a manutenção da

estabilidade e expansão da economia mundial;

2) desenvolvimento econômico e industrial, particularmente em países

subdesenvolvidos, e fluxo de capital entre países para o investimento

produtivo;

3) acesso de todos os países a mercados, produtos e facilidades

produtivas que fossem necessárias a seu desenvolvimento;

4) redução de tarifas e barreiras comerciais e eliminação de tratamento

discriminatório;

5) meios de capacitar os países a absterem-se de práticas restritivas, e

6) solução dos problemas do comércio internacional por meio de

consultas e cooperação.

Em seus nove capítulos e cem artigos, a Carta proposta abrangia não somente a

liberalização comercial, em seu sentido estrito, como também temas relacionados à

estabilidade do emprego e da atividade econômica, estímulo ao investimento

internacional público e privado, política comercial, práticas comerciais restritivas,

acordos sobre commodities, mecanismos de solução de controvérsias e, por fim,

instituía a Organização Internacional do Comércio, no que Drache denomina de caso

sem paralelo, em que todos esses temas eram amigavelmente conciliáveis e não

historicamente antagônicos (s.d.: 4), configurando um momento singular da história

“...when ideas, institutions and actors shared a common interest...”, o qual considera de rara

ocorrência, ao reconstruir o sistema mundial de comércio sob a ótica da revolução 16 Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In: International Organization, Vol. 2, No. 1 (Feb. 1948): 134.

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Page 38: Texto Helio

keynesiana, em que se transformavam o pensamento econômico e as práticas do

Estado (DRACHE, s.d.: 6).

A conclusão do documento, entretanto, não ocultava polêmicas que ainda viriam

a ser objeto de novas negociações, particularmente o Capítulo III, que dispunha sobre a

questão do desenvolvimento econômico e as excepcionalidades necessárias visando a

sua garantia. A natureza do aspecto controverso residia na possibilidade de adoção,

tanto por parte de países desenvolvidos quanto de países subdesenvolvidos de

medidas protecionistas. Porém, para evitar o abuso da utilização dessas medidas, o

referido Capítulo determinava que, em alguns casos, o recurso a práticas restritivas

quantitativas poderia ser empregado para incentivar o desenvolvimento de

determinadas atividades industriais ou setores da agricultura, o que, de qualquer forma,

deveria ser justificado e sujeito ao monitoramento da Organização ou, até mesmo, a

seu prévio consentimento.

Ao mesmo tempo em que era finalizada a proposta da Carta da OIC, e

avançando até o citado prazo final de 30 de outubro, os 23 países participantes

concluíam negociações para a redução de diversos obstáculos ao comércio,

perfazendo um total de mais de uma centena de acordos, configurando o surgimento do

General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). Este conjunto de acordos

coadunava-se com a própria Carta, cujo Artigo 17 instava aos membros da futura OIC,

a qual o GATT deveria ser incorporado, a encetar negociações visando à redução

substancial de tarifas e demais encargos sobre o comércio internacional, assim como

preconizava a eliminação de preferências em bases reciprocamente vantajosas. O

acordo envolvia barreiras comerciais e controle, com ênfase em tarifas, preferências,

quotas, controles internos, regulações aduaneiras, comércio estatal e subsídios. O

GATT veio a entrar em vigor, provisoriamente, em 01 de janeiro de 194817,

condicionado à plena efetividade quando os países restantes viessem a depositar, junto

17 O GATT obtém sua condição provisória com as imediatas adesões de Austrália, União Aduaneira Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), Canadá, França, Grã-Bretanha e Estados Unidos.

38

Page 39: Texto Helio

ao Secretário Geral das Nações Unidas, seus respectivos termos de adesão, até atingir

85% do comércio mundial.

Enquanto isso, tinha início, em 21 de novembro de 1947, a Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, na cidade de Havana, englobando cerca

de 60 países, com o objetivo de deliberar sobre a proposta da Carta da Organização

Internacional do Comércio. No decorrer dos debates, três temas despertaram

polêmicas, sendo o que mais as suscitou foi o referente às medidas de precaução, que

dividiu, de um lado, os países subdesenvolvidos e, de outro, os países desenvolvidos,

sendo que os primeiros defendiam a revogação do “prévio consentimento” para a sua

adoção, em oposição aos Estados Unidos, os quais consideravam que a ausência

desse instrumento poderia vir a tornar ineficazes os dispositivos da Carta que obstavam

o erguimento de barreiras ao comércio.

O segundo tema a gerar celeumas consistiu na demanda dos países do Oriente

Médio e Próximo18, que desejavam formar uma zona preferencial de tarifas, proposta

combatida tanto pelos Estados Unidos quanto pelos países da Europa Ocidental.

O terceiro tema a suscitar acesos debates residiu em torno do processo de

tomada de decisão da própria Organização, envolvendo a definição do sistema de

votação, isto é, pelo voto ponderado, defendido pelos Estados Unidos, ou pela

modalidade cada país, um voto. Concluiu-se, ao final, pela adoção do segundo modelo

– cada país, um voto – sob a condição, imposta pelos Estados Unidos, pela qual este

país e as sete maiores economias ocidentais tivessem assento permanente no board

da OIC, assim como, igualmente em troca, esperavam que pequenos países viessem a

desistir de suas demandas por cláusulas de escape adicionais no texto da Carta. Em

meio a tantas diferenças, até 15 de janeiro de 1948, as delegações haviam acordado

sobre apenas três pontos: os objetivos básicos da OIC; funções técnicas e

18 Afeganistão, Egito, Grécia, Irã, Iraque, Líbano, Síria e Turquia.

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Page 40: Texto Helio

especializadas da Organização; o processo decisório baseado no sistema cada país,

um voto.

A razão de tamanha demora na redação final da Carta calcou-se, principalmente,

nas dissensões existentes entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos em

torno de diversos temas. Desde o recurso à utilização de restrições quantitativas ao

comércio assim como o estabelecimento de novos sistemas de tarifas preferenciais,

debatendo-se esta última categoria de países contra a exigência de ambas as medidas

requererem o prévio consentimento da Organização.

No primeiro caso, os países subdesenvolvidos, especialmente da América

Latina e do Oriente Médio, argumentavam que a proibição do emprego de medidas

protecionistas poderia vir a ameaçar as suas ainda incipientes indústrias. Traduzindo

essa posição, o México expressava que os motivos que levaram à retração do comércio

internacional no passado recente advinham não da incidência de tarifas elevadas, nem

de restrições quantitativas e controle de trocas, mas sim do baixo poder de compra, que

poderia ser agravado pela redução tarifária, a qual causaria a interrupção do

desenvolvimento econômico dos países menos industrializados19.

No segundo caso, relativo aos acordos comerciais preferenciais, os países sul-

americanos, tendo o Chile como porta-voz, porém excetuando-se o Brasil, adotavam a

posição de que a América Latina constituía um bloco econômico homogêneo, sendo,

portanto, a formação de um acordo preferencial na área, decorrência óbvia, daí a crítica

ao critério de prévio consentimento da OIC. Tal posição confrontava-se com a

externada por Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Suécia e Noruega, que até se

dispunham, como meio termo para a obtenção de consenso sobre o tema, a aceitar a

19 Também a Grécia manifestava a preocupação dos países cujas economias estavam fortemente baseadas em produtos não enquadrados como necessidades básicas os quais, por sua condição de fragilidade, careciam de mecanismos de proteção, tais como o uso de medidas quantitativas discriminatórias.

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Page 41: Texto Helio

formação desses acordos, desde que com o prévio consentimento da Organização e

que acarretassem mais benefícios do que prejuízos.20

Todavia, as divisões não se verificaram somente entre o bloco dos países

desenvolvidos contra o bloco dos países subdesenvolvidos. Quando entraram em cena

os debates sobre subsídios às exportações, os Estados Unidos restaram solitários na

posição segundo a qual deveria haver flexibilidade dos controles definidos na proposta

inicial da Carta, enfrentando a oposição de Canadá, Grã-Bretanha e França, reforçados

pelos países subdesenvolvidos. Estes últimos temiam que tal facilitação mantivesse o

sistema de comércio mundial nos níveis então existentes, dada a superioridade dos

países desenvolvidos, enquanto os demais oponentes defendiam a necessidade de

salvaguardas para evitar que subsídios às exportações não se tornassem um

instrumento de ampliação da participação de um único país nas exportações mundiais.

Outro tema a levantar questionamentos e contrapor os Estados Unidos aos

países subdesenvolvidos versava sobre os investimentos estrangeiros, o qual, embora

não estivesse disposto detalhadamente na Carta proposta, em seu Artigo 12,

despertava preocupações sobre o grau de inserção em questões de política doméstica,

considerando-se a vagueza da redação do citado Artigo. Os Estados Unidos

argumentavam – chegando a apresentar emenda a respeito – que os investimentos

externos só poderiam ser objeto de acordos bilaterais. O México invocava a Doutrina

Calvo21, e propunha um adendo a ser incorporado nesse sentido, pelo qual o

investimento externo deveria estar unicamente sujeito à legislação do país onde se

20 Com efeito, Noruega e Suécia se posicionavam radicalmente contrárias a esse tipo de acordo, porém consideravam que, se percebessem uma tendência mundial nesse sentido, passariam a agir similarmente. 21 Formulada pelo diplomata e historiador argentino Carlos Calvo (1824-1906), a Doutrina assevera que, aos investidores, é facultado apenas o recurso às instâncias judiciais do país em que se encontram estabelecidos, com vistas a resolver disputas relacionadas aos investimentos, assim como nacionais de outros países não possuem privilégios quanto a disputas eventuais em Estados onde se encontrem, em relação a nacionais desses mesmos Estados, tendo sido amplamente aplicada na América Latina, incorporada em Constituições e Tratados.

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Page 42: Texto Helio

encontrasse abrigado, não recebendo acolhida favorável por parte dos Estados Unidos

e de outros países22.

Os trabalhos da Conferência vieram a se encerrar em 24 de março de 1948,

quando se promulgou a Ata Final23, contendo a Carta de Havana e instituindo a

Organização Internacional do Comércio, a qual foi aprovada por 53 dos 56 países aptos

a deliberar24. Composta de nove Capítulos e 106 Artigos, estabelecia as bases futuras

do comércio internacional, definia um código de conduta comercial e, para administrar

esse sistema, dotava a nova Organização de competências e instrumentos para assim

proceder. Possuía uma ampla abrangência, que se estendia muito mais além de

práticas comerciais, no sentido estrito de transações de mercadorias25.

Feis (1948: 42) tece, no já citado trabalho, críticas à profusão de artigos e

competências e, conseqüentemente, às confusões e incongruências daí derivadas.

Aludindo à figura de uma complexa trama, afirma que partes e subpartes, como artigos,

seções e parágrafos entrelaçavam-se uns com os outros, criando um documento

“desconcertante”. Acusa que, para satisfazer às vontades de algumas delegações, que

queriam dar a impressão de grandes contribuintes na elaboração do texto no retorno a

seus países, outras passagens desdiziam o que haviam conseguido, para desfazer o

que chamava de “gift language”. Sob um aspecto, a Carta estabelecia um padrão de

comportamento que cada país presumia receber de outro, mantendo ideais de uma

sociedade comercial mundial unificada, mas, sob outro, concedia-lhes ampla liberdade

para agir em seu próprio proveito, pois nenhum Membro era obrigado a adotar

quaisquer medidas ou ações que resultassem em sérios prejuízos a si próprio,

22 Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In: International Organization, Vol. 2, No. 1 (Feb., 1948): 135. 23 Em termos formais, “FINAL ACT OF THE UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND EMPLOYMENT: HAVANA CHARTER FOR AN INTERNATIONAL TRADE ORGANIZATION”. 24 Argentina e Polônia abstiveram-se de assinar enquanto a Turquia alegou que não havia recebido instruções em tempo de seu governo para aprovar o documento, fazendo-o em 26 de julho de 1948. 25 A narrativa factual que se segue é baseada em “International Trade Organization (Interim Comission)”. In: International Organization, Vol. 2, No. 2 (Jun., 1948): 365-373 e no texto integral em língua inglesa da Carta de Havana, disponível em http://www.worldtradelaw.net/misc/havana.pdf .

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Page 43: Texto Helio

resguardando-lhes uma ampla liberdade de ação, não acarretando, portanto, em

quaisquer tipos de restrições. Assim sendo, o autor, contemporâneo à elaboração da

Carta, depositava forte ceticismo quanto à sua validade e eficácia (FEIS, 1948: 43).

Para corroborar tal crença, baseava-se na declaração do Sub-Secretário de Estado dos

Estados Unidos, William L. Clayton, ao afirmar que a Carta não constituía um acordo e,

sim, seis acordos: políticas comerciais, emprego, desenvolvimento econômico e

investimento privado internacional, cartéis, commodities, e a fundação da Organização

Internacional do Comércio como uma nova agência das Nações Unidas, sendo, com

isso, impossível satisfazer a todas as partes.

Logo no Capítulo 1 da Carta de Havana, consignando seus “Propósito e

Objetivos”, asseverava-se que, em consonância com os propósitos estabelecidos pela

Carta das Nações Unidas, especialmente no que se referia ao alcance de elevado

padrão de vida, pleno emprego e condições de progresso econômico e social e

desenvolvimento, definidos no Artigo 55 daquela Carta de Havana, as Partes

comprometiam-se, a atingir seis objetivos primordiais, quais fossem:

1) Contribuir para a estabilidade e a expansão da economia mundial, através do

amplo e permanente aumento do volume de renda e demanda, para o

incremento da produção, consumo e troca de bens;

2) Incentivar e apoiar o desenvolvimento industrial e econômico em geral,

particularmente dos países em estágio inicial de desenvolvimento industrial, e

encorajar o fluxo de capital para investimento produtivo;

3) Promover o acesso a todos os países, em bases igualitárias, a mercados,

produtos e facilidades de produção, necessário a seu desenvolvimento e

prosperidade econômicos;

4) Promover recíproca e vantajosa redução de tarifas e outras barreiras ao

comércio e eliminação de tratamento discriminatório no comércio

internacional;

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Page 44: Texto Helio

5) Capacitar os países, pelo incremento a seu desenvolvimento econômico e

comercial, a absterem-se de utilizar medidas que possam vir a abalar o

comércio mundial, reduzir o emprego produtivo e retardar o progresso

econômico; e

6) Propiciar o entendimento mútuo, consultas e cooperação para a solução de

problemas relacionados ao comércio internacional nos campos do emprego,

desenvolvimento econômico, política comercial, práticas comerciais e

políticas de commodities.

E, para o cumprimento daquele propósito e dos objetivos arrolados, instituíam a

Organização Internacional do Comércio.

Prosseguindo, o Capítulo II “Emprego e Atividade Econômica”, nos artigos

reservados à questão do emprego e trabalho, destacava, no caput do Artigo 2, a

importância do emprego, da produção e da demanda para o alcance do propósito da

Carta, ao reconhecer que a ausência de condições de trabalho, como o desemprego e

o subemprego, comprometeriam os objetivos da Carta e, para evitar tal situação, o

Artigo 3 preconizava que os Membros deveriam empreender políticas e ações que

ampliassem as oportunidades de emprego aos que desejassem e fossem capazes de

trabalhar, ressaltando, ainda, que não se tratava, somente, de uma preocupação

eminentemente nacional, mas que se estendia ao nível internacional, na medida que o

propósito e objetivos da Carta beneficiariam a todos os países. E, adiante, o Artigo 7

dispunha sobre emprego e padrões trabalhistas justos, ao asseverar que os Membros

reconheciam os direitos dos trabalhadores, assegurados em acordos, declarações e

convenções inter-governamentais, sublinhando que todos tinham interesse comum no

estabelecimento e manutenção de padrões trabalhistas vinculados à produtividade,

incluindo-se melhoria de salários e condições de trabalho, assim como que condições

injustas de trabalho, notadamente no que se referia à produção destinada à exportação,

causava dificuldades ao comércio internacional, instando os Membros a tomar as

atitudes necessárias à eliminação de tais distorções.

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Page 45: Texto Helio

No tocante à Atividade Econômica, a Carta garantia que, em situações em que

ocorressem dificuldades na balança de pagamentos de um Membro causadas por

desajustes crônicos na balança de pagamentos de outros Membros, aquele poderia

tomar providências para sanar o problema (Artigo 4) e, ainda, que os Membros

poderiam adotar salvaguardas necessárias a evitar pressões inflacionárias ou

deflacionárias oriundas do exterior (Artigo 6), além do que, as conseqüências havidas

por conta da eventual redução da demanda de outros Membros em relação a algum

mereceria consideração especial.

O Capítulo III, que discorria sobre “Desenvolvimento Econômico e

Reconstrução”, um dos mais longos e detalhados da Carta de Havana, estabelecia, em

seu Artigo 8, que os recursos humanos e materiais mundiais diziam respeito e deveriam

beneficiar a todos os países, acrescentando que o desenvolvimento industrial e

econômico em geral, de todos os países, notadamente daqueles menos desenvolvidos,

assim como aqueles que se encontravam em processo de reconstrução após a

devastação causada pela II Guerra Mundial, forneceriam oportunidades para a geração

de empregos, de aumento da produtividade do trabalho, incremento da demanda de

bens e serviços e expansão do comércio internacional. Grande parte dos artigos

contidos neste Capítulo preconizava condições especiais de tratamento a países menos

desenvolvidos bem como àqueles destruídos pelo conflito havido recentemente e em

fase de reconstrução de suas estruturas econômicas nacionais. Assim sendo, tinha-se

como exemplo, a prerrogativa de se estabelecer restrições quantitativas visando ao

desenvolvimento econômico de determinados setores industriais, ressalvando que a

utilização inadequada de tais medidas poderia afetar negativamente o comércio

internacional. Outro exemplo consistia em que, por solicitação dos Membros, a

Organização propriamente dita, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas,

(ECOSOC) bem como outras organizações intergovernamentais poderiam auxiliá-los no

estudo das potencialidades de seus recursos naturais, da mesma maneira que o

poderiam fazer na elaboração de planos de desenvolvimento econômico e/ou

reconstrução e respectivo financiamento (Artigo 10). O Artigo 11 propugnava pela

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Page 46: Texto Helio

cooperação entre os Membros com vistas a fornecer capitais, materiais, equipamentos

modernos, técnicas e tecnologias e habilidades gerenciais para os países arrolados no

Artigo 10. Quanto ao Artigo 12, campo de embate entre os Estados Unidos – que

propunham regras rígidas de proteção aos investimentos estrangeiros – e a América

Latina, com o apoio de Índia e Austrália, a versão final da Carta de Havana dispunha

que os investimentos internacionais, os quais não deviam ser discriminados por sua

origem, desempenhavam importante papel na promoção ao desenvolvimento

econômico e à reconstrução, acarretando, por conseguinte, progresso social.

Ressalvava, no entanto, que, sem prejuízo dos acordos internacionais sobre a matéria,

dos quais os Membros fossem signatários, cabia aos Estados tomarem medidas

necessárias para assegurar que os investimentos externos não seriam usados para

interferir em assuntos nacionais ou em influir na formulação de políticas públicas

nacionais, podendo, ainda, determinar se, e em que extensão, os investimentos seriam

permitidos. Prevaleceu, assim, a proposição dos países menos desenvolvidos,

rejeitando a clássica visão norte-americana de defesa incondicional dos direitos de

propriedade. Em assim sendo, alguns autores, como Graham, consideram que a Carta

deixou uma grande margem de vulnerabilidades no tratamento da questão, ao não

amarrar compromissos rígidos de ambas as partes, isto é, Estado e investidores

(GRAHAM, 1996: 70)26.

O Artigo 13 reconhecia a faculdade dos Membros de adotarem medidas

protecionistas voltadas à implantação, desenvolvimento ou reconstrução de setores

industriais específicos ou ramos da agricultura, definidos em políticas de assistência

governamental. O Artigo 15 vinculava ao desenvolvimento econômico dos países

subdesenvolvidos ou à reconstrução econômica do pós-II Guerra, dentre outras

circunstâncias especiais não denominadas, a celebração de acordos preferenciais entre

países, desde que comunicada previamente à Organização, a qual deveria submeter à

26 Algumas das falhas apontadas por Graham na redação final da Carta de Havana consistiam na ausência de compromissos explícitos quanto ao cumprimento das regras de não discriminação e tratamento nacional e, ainda, pelo fato de não haver qualquer menção a incentivos por parte dos Estados para atrair investimentos e nem exigência de performance sobre os investidores (GRAHAM, 1996: 70).

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Page 47: Texto Helio

votação a proposta, sendo aprovada se obtivesse a maioria de dois terços,

caracterizando a excepcionalidade do Artigo 16, que conceituava o Tratamento Geral

da Nação Mais Favorecida (MFN)27.

O Capítulo IV versava sobre “Política Comercial”, cuja Seção A disciplinava

sobre questões relativas a tarifas, preferências, taxações internas e regulação. E como

exposto imediatamente acima, o referido Artigo 16 explanava o conceito fundamental

do livre comércio, qual seja, a Cláusula da Nação Mais Favorecida28, que define que

toda e qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedidos a um Membro

sejam, necessária e obrigatoriamente, estendidos a todos os demais Membros,

incidindo sobre quaisquer produtos originários de um país ou destinados a qualquer

outro país, válida a todas as regras e formalidades vinculadas à exportação e

importação como tarifas aduaneiras, encargos ou transferência de pagamentos

relacionados ao intercâmbio comercial. O Artigo 17 instava aos Membros encetar

negociações diretas visando à redução substancial de tarifas e outros encargos sobre o

comércio internacional, assim como à eliminação das preferências arroladas no

parágrafo 2 do Artigo 16, em bases mutuamente vantajosas, sendo que as margens

existentes não deveriam ser ampliadas29. Com efeito, o disposto no Artigo 17

incorporava as negociações que vinham se desenrolando no âmbito do GATT,

dispondo sobre o andamento destas, vigência futura e sua compatibilidade com a Carta 27 Em inglês: Most-Favoured-Nation Treatment. 28 Segundo Piot, trata-se, de dispositivo muito antigo, quando era concedida unilateralmente por um novo país a países de civilização antiga, garantindo-lhes primazia de influência (PIOT, 1956: 10-11), enquanto que, para Lafer, com base em autores ingleses, a Cláusula assumira aspectos mais definidos quando do Tratado de Amizade celebrado entre Grã-Bretanha e Portugal, tornando-se o padrão das relações econômicas comerciais ditadas por aquele país e favorecendo sua posição internacional, desde então e até o início do século XX (LAFER, 1971: 41).

29 As preferências arroladas no parágrafo 2 do Artigo 16 não obrigavam a sua eliminação, porém o Artigo 17 preconizava que assim se fizesse, consistindo elas nos acordos preferenciais existentes entre os Estados Unidos e Cuba e Filipinas, respectivamente, suas antigas possessões obtidas quando da Guerra Hispano-Americana de 1898; a Commonwealth Britânica [incluindo, além de suas possessões, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Irlanda, Rodésia do Sul (atual Zimbábue), Ceilão (atual Sri Lanka) e Birmânia]; França e suas possessões; Bélgica, Holanda e Luxemburgo e as possessões das duas primeiras; Estados Unidos e suas dependências; Portugal e possessões; Chile, de um lado e Argentina, Bolívia e Peru, de outro; União Aduaneira Sírio-Libanesa, de um lado e Palestina e Transjordânia (atual Jordânia), de outro; Colômbia, Equador e Venezuela; países da América Central, e, Argentina, de um lado e Bolívia, Chile e Paraguai, de outro. Cf. Carta de Havana, Artigo 16 § 2 (a) e (d) relacionados aos acordos EUA/Cuba e EUA/Filipinas e Anexos A a J para os demais, na ordem citada.

47

Page 48: Texto Helio

de Havana. O Artigo 18 discorria sobre outro princípio basilar do livre comércio, qual

seja, o tratamento igualitário, não-discriminatório e não menos favorável a um produto

originário de um país após o ingresso no mercado do país importador, como leis,

regulamentos, taxas, exigências, etc. Contudo, as disposições do artigo não se

aplicavam a compras governamentais, assim como não se tornavam obstáculos ao

pagamento de subsídios exclusivamente a produtores domésticos fornecedores de

compras governamentais. Subseqüentemente, o Artigo 19 também reservava

prerrogativas aos Membros de estabelecer regulamentos internos referentes à exibição

de filmes cinematográficos, por meio da definição de quotas de exibição de filmes

nacionais em relação a produtos de origem estrangeira, como forma de proteção à

indústria cinematográfica local.

A Seção B tratava de restrições quantitativas a exportações e importações, em

que, igualmente, se assentava outro princípio fundamental do livre comércio, o qual

estipulava que somente as tarifas constituíam os únicos instrumentos de proteção

permitidos, vedando-se a aplicação de outras barreiras como quotas, licenças de

importação ou exportação ou quaisquer outras medidas destinadas a efetuar

procedimentos defensivos. Contudo, uma série de exceções atenuava as rígidas

disposições do caput do Artigo 20, como a necessidade de medidas a serem adotadas

pelos Membros proibindo exportações com vistas a prevenir ou amenizar as

conseqüências derivadas da eventual escassez de alimentos; proibição ou restrição de

exportações ou importações necessárias à definição de padronizações ou regulações

para a classificação de produtos no comércio internacional ou restrições necessárias a

quaisquer produtos agrícolas ou pesqueiros, necessárias ao reforço de medidas

governamentais concernentes à regulação da produção. Feis considera, em seu artigo

(1948: 45), que a aplicação integral desse dispositivo transformaria radicalmente o

comércio mundial e, em tempos de paz, não existiriam barreiras desse tipo.

Porém, já o Artigo 21 disciplinava matéria relativa ao equilíbrio da balança de

pagamentos, ao permitir que um Membro pudesse restringir quantidades ou valores

48

Page 49: Texto Helio

referentes a mercadorias importadas, com o objetivo de salvaguardar sua posição

financeira, desde que fosse atendida uma série de condições30. As restrições impostas

não poderiam se revestir de qualquer caráter discriminatório contra qualquer Membro

específico (Artigo 22), assim como deveriam evitar danos desnecessários aos

interesses econômicos e comerciais de qualquer Membro, cabendo que tais restrições

fossem progressivamente levantadas e, por fim eliminadas, assim que estivesse sanada

a situação geradora do recurso à exceção. Restrições também eram permitidas, tanto

para atender aos pressupostos do Artigo 3, referente ao cumprimento das deliberações

sobre pleno emprego produtivo e crescimento da demanda, quanto para o atendimento

das condições especiais dispostas no Artigo 9, relativas aos esforços requeridos para a

reconstrução do período pós-II Guerra, assim como para o desenvolvimento industrial.

Embora não se considerasse necessária a prévia aprovação da Organização para a

aplicação de tais restrições por parte de um Membro, qualquer outro Membro que se

considerasse prejudicado por uma ação restritiva poderia a ela recorrer, visando à

correção do pretenso dano31. Segundo Feis (1948: 47), no desenho inicial da Carta,

ainda em Genebra, constava a necessidade da prévia aprovação da Organização para

que restrições quantitativas fossem implementadas em prol dos esforços do

desenvolvimento econômico-industrial. Contudo, já em Havana, o bloco dos países

subdesenvolvidos, formado por América Latina, Oriente Médio e Ásia, fortemente

presente à Conferência, estava determinado a levar avante programas de

industrialização – segundo o autor sem levar em conta os custos e as dimensões de

mercado – e, para tal, utilizar o recurso da aplicação de restrições quantitativas, uma

vez que a perspectiva que envolvia o bloco era a de que esses países só atingiriam o

status de nação se conseguissem produzir o que anteriormente lhes era fornecido pelos

países industrializados, operando a sinonímia entre produção industrial e

30 As condições impostas para que se aplicasse o disposto no Artigo 21 consistiam na necessidade do Membro em repelir a ameaça iminente de, ou interromper, um grave declínio de suas reservas monetárias ou, ainda, em caso destas reservas se encontrarem em nível crítico, possibilitar que alcançassem níveis mais razoáveis ou efetivamente mais seguros. 31 A Carta estabelecia um período de transição, até março de 1952, quando, a partir desta data, a Organização poderia tomar medidas mais efetivas visando ao controle e prevenção de abusos do recurso a medidas restritivas à importação e a eventuais exceções às regras de não-discriminação, previstas no Artigo 23.

49

Page 50: Texto Helio

independência. Corroborando-o, Lafer atribui, especificamente, à ação de Brasil e

Índia, a extensão da aplicação de restrições quantitativas às necessidades de

desenvolvimento e, ainda, ressalta a tentativa da Austrália, secundada por Chile,

Colômbia e Índia, de ampliar as exceções aos países subdesenvolvidos, visando a

facultar-lhes a possibilidade de usar todos os instrumentos comerciais disponíveis com

o objetivo de incrementar o desenvolvimento, inclusive elevação de tarifas, o que

acabou sendo inviabilizado por Estados Unidos e Canadá (LAFER, 1971:43). Voltando

a Feis, daí explicar-se-ia a alteração da redação final quanto à obrigatoriedade da

prévia aprovação da OIC32, comparada ao draft discutido em Genebra, o que levaria ao

dilema entre preservar os objetivos originais do documento ou assegurar a mais ampla

participação dos países subdesenvolvidos na Organização.

A Seção C discorria sobre Subsídios, cujo Artigo 25 impunha que todos os

Membros que mantivessem subsídios de qualquer natureza deveriam,

obrigatoriamente, notificar a Organização e, ainda que, qualquer Membro que se

considerasse prejudicado pelo emprego de subsídio de outro Membro, poderia avocar a

abertura de negociações bilaterais ou com a intermediação da OIC, tendo em vista a

perspectiva de redução do nível de subsídios empregados. O Artigo seguinte vedava a

concessão de subsídios à exportação que resultassem em preços menores do que os

praticados domesticamente, sendo que o disposto neste Artigo 26 deveria entrar

plenamente em vigor até dois anos após a promulgação da Carta33. As Seções

subseqüentes tratavam, respectivamente, de comércio estatal, com ênfase a garantir

que as empresas estatais não obtivessem privilégios em operações comerciais que

acarretassem em ações discriminatórias sobre empresas privadas, pautando suas

atividades por princípios eminentemente comerciais como preço, qualidade e outros

critérios de natureza pertinente à concorrência comercial (Seção D); a Seção E

disciplinava sobre Disposições Comerciais Gerais, ao conceituar temas como anti-

32 O § 5 (c) do Artigo 21 tornava facultativa a consulta prévia à Organização para a aplicação de medidas restritivas. 33 Todavia, no caso de produtos primários, algumas exceções foram asseguradas pelo Artigo 27, descaracterizando-as como concessão de subsídios, como, por exemplo, um sistema de estabilização de preços domésticos.

50

Page 51: Texto Helio

dumping, valoração aduaneira e marcas de origem; e, por fim, a Seção F, intitulada

Disposições Gerais, apresentava, primeiramente, a Cláusula de Escape, no Artigo 40,

que permitia que, em caso de a redução tarifária acarretar um incremento das

importações a ponto de causar sérios danos – ou mesmo ameaçar fazê-lo – o Membro

estaria livre para suspender, no tempo que fosse necessário, as concessões efetuadas

previamente. Para Feis (1948: 44), esta prerrogativa seria um dos indicadores que

anulariam os efeitos preconizados em geral pela Carta, pois, em períodos de intensa

competição, tal direito poderia ser invocado, obstaculizando quaisquer esforços de

redução tarifária. Também o Artigo 43, para o autor, que rezava que nada na Carta

poderia ser arrolado para impedir que os Membros adotassem medidas relacionadas à

conservação de recursos naturais exauríveis, desde que acompanhadas da contenção

da exploração e do consumo domésticos, permitiria aos Membros furtarem-se de

proceder a reduções de tarifas pertinentes, por exemplo, a recursos minerais ou

agrícolas34.

Ainda neste Capítulo, se apresentava como destaque o Artigo 44, que conferia

tratamento às áreas de livre comércio e às uniões aduaneiras, declarando que tais

mecanismos de integração se constituíam meios de aproximação e aprofundamento da

liberdade de comércio entre países, portanto, não havendo nada que impedisse a

formação de tais acordos, desde que não erigissem barreiras às partes não integrantes,

obrigando, porém, que sua formação e o respectivo plano de compromissos fossem

comunicados à Organização que julgaria sua procedência em conformidade com as

regras estabelecidas35. Nesse ponto, os países sul-americanos acabaram por vencer

as resistências dos países industrializados, anteriormente contrários à formação de

acordos comerciais preferenciais.

34 Neste segundo caso, especificamente, o autor questionava se um país, alegando desenvolver programas de conservação do solo, poderia se recusar a negociar tarifas incidentes sobre produtos alimentícios. 35 De acordo com o § 5 do Artigo 44, não se poderia estabelecer elos entre os acordos preferenciais mencionados no citado § 2 do Artigo 16.

51

Page 52: Texto Helio

O Capítulo V dispunha sobre Práticas Comerciais Restritivas, o qual coibia aos

Membros efetuar tais práticas, consideradas incompatíveis com os propósitos da Carta,

concebidas como impeditivas ao livre comércio, ao acesso a mercados e à

concorrência, denotando sua natureza monopolística, produzindo, desta forma, efeitos

danosos à expansão da produção e do comércio, incluindo, no texto do Artigo 46, tanto

as empresas privadas quanto as empresas públicas, sendo passíveis de investigação

por parte da Organização. No entanto, as investigações que viessem a ser levadas a

cabo pela OIC não implicavam, necessariamente, em aplicação de sanções ou

quaisquer outros instrumentos punitivos, e, sim, na solicitação ou recomendação de que

o Membro adotasse medidas saneadoras que, posteriormente, deveriam ser a ela

relatadas (Artigo 48). Preteridos em sua primeira tentativa quando da Conferência

Preparatória, os países subdesenvolvidos, desta feita, obtiveram inserir na Carta, em

seu Artigo 53, sobre Procedimentos Especiais Relativos a Serviços, disposições que

consideravam setores como transportes, telecomunicações, seguros e bancário,

elementos substanciais do comércio internacional e, portanto sujeitos ao mesmo

enquadramento previsto no Artigo 46 (LAFER, 1971: 43-44).

O Capítulo VI tratava dos Acordos Intergovernamentais sobre Commodity, cujo

Artigo 55 reconhecia as eventuais dificuldades enfrentadas pelas commodities

primárias, as quais poderiam afetar o comércio internacional que as envolvia e, por

conta, igualmente reconhecia a necessidade de tratamento especial, por meio de

acordos intergovernamentais, que se destinavam a cumprir os objetivos de prevenir ou

amenizar dificuldades econômicas causadas pelo desequilíbrio entre produção e

consumo. Os Acordos, igualmente, aplicar-se-iam nos casos de flutuação acentuada de

preços, visando a atingir um razoável grau de estabilidade, traduzida em preços

acessíveis aos consumidores e retorno adequado aos produtores, assim como na

manutenção e desenvolvimento dos recursos naturais, buscando se evitar sua

exaustão, dentre outras possibilidades (Artigo 57).

52

Page 53: Texto Helio

O Capítulo VII dispunha sobre a Organização propriamente dita, sua estrutura de

funcionamento, Membros originais e processo decisório. Assim, o Artigo 71

considerava Membros originais todos os Estados convidados a participar da

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, cujos governos tivessem

aceitado os termos contidos na Carta de Havana, até a data de 30 de setembro de

1949, conforme rezava o § 1 do Artigo 103, ou, se até o prazo mencionado, a Carta não

tivesse entrado em vigor, valeria o disposto no § 2, alínea (b) 36. Além dos Estados

soberanos, poderiam ser considerados Membros originais os territórios aduaneiros que

tivessem sido, igualmente à época da Conferência, convidados pelas Nações Unidas,

cujo detentor da tutela tivesse aceitado os termos da Carta37.

No que dizia respeito ao desempenho das funções atinentes à Organização, o

Artigo 72 as definia como núcleo de informação referente ao comércio internacional;

promoção de acordos bilaterais e multilaterais relativos ao tratamento igualitário entre

estrangeiros, nacionais e empresas; instrumento de expansão do comércio

internacional; promoção da colaboração com outras organizações intergovernamentais,

em particular o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e com estas em

geral38.

A estrutura da Organização, detalhada nos Artigos 73 e seguintes, estabelecia

seu corpo diretivo, pelo qual a Conferência dos Membros, realizada anualmente,

constituía-se como o órgão máximo de deliberação, definindo-se o processo decisório

pela modalidade cada Membro, um voto, ficando o quorum definido pela maioria

36 A data citada referia-se ao prazo estipulado pelo Artigo 103 § 2 (b), o qual dispunha que caso até lá, a Carta não tivesse entrado em vigor, através do depósito de instrumento de ratificação efetuado pelos governos junto às Nações Unidas, aqueles que já o tivessem feito, poderiam, a convite do Secretário Geral dessa Organização, deliberar sobre em quais condições a Carta deveria adquirir vigência. 37 O § 3 do mesmo Artigo 103 determinava que qualquer território aduaneiro não convidado, à época, à Conferência, poderia tornar-se Membro da Organização, desde que proposto pelo Membro responsável pela condução de suas relações diplomáticas, porém detentor de autonomia na condução de suas relações comerciais e sujeito à aprovação da OIC. 38 Os Artigos 86 e 87 definiam, detalhadamente, a forma de cooperação com as Nações Unidas e outras organizações intergovernamentais, respectivamente, sendo que, no primeiro caso, a OIC é declarada como uma agência da ONU, mediante acordo que seria celebrado entre as partes.

53

Page 54: Texto Helio

simples dos presentes e votantes, no que Drache qualifica de governança democrática

no plano internacional, em que o peso da maioria prevaleceria sobre o controle da elite

(DRACHE, s.d: 20). Em seguida, criava-se um Conselho Executivo39, composto de

dezoito Membros, designados pela Conferência40, sendo que oito deles deveriam

representar a maior parcela de participação no comércio mundial, tendo cada Membro

um voto e as decisões seriam tomadas por maioria. Por fim, ter-se-iam as Comissões,

cujas funções seriam definidas pela Conferência e deveriam se reportar ao Conselho

Executivo, sendo que seus integrantes seriam indicados por este Comitê, não

excedendo a sete componentes cada. A par dos órgãos colegiados, a Organização

contaria com um Diretor Geral e seu conjunto de assessores, sendo aquele designado

pela Conferência, mediante indicação do Conselho Executivo.

O Capítulo VIII, nos Artigos 93 e seguintes, disciplinava as regras relativas a

Solução de Controvérsias, segundo as quais as disputas, inicialmente, poderiam ser

resolvidas através de negociações diretas entre as partes envolvidas. Contudo, caso

não se chegasse a soluções a contento, a parte reclamante recorreria ao Conselho

Executivo, que procederia a uma investigação sobre o caso em pauta, o qual tomaria

uma posição sob a forma de ação, recomendação ou decisão, podendo, ainda, a parte

descontente impetrar recurso junto à Conferência41.

Por fim, o último Capítulo arrolava as Disposições Gerais da Carta, como

exceções, emendas, retirada dos Membros, vigência, aplicação territorial e os anexos

inseridos em seu corpo. Ainda, inseridas na Carta, constavam seis resoluções votadas

pela Conferência, sendo a primeira delas a que criava a Comissão Interina para o

Comércio Internacional42, a qual elegeu um Comitê Executivo43, em anexo à Resolução,

39 Executive Board no original em inglês. 40 Uma união aduaneira poderia ser designada para o Comitê, como um Membro singular. 41 Na Carta de Havana, não ficavam estabelecidos os modos de eventual punição ou coerção para que um Membro fosse compulsoriamente obrigado a cumprir as resoluções decorrentes da Solução de Controvérsias. 42 Essa Comissão foi composta pelos governos que haviam aprovado essa primeira resolução e considerados Membros originais da Organização, nos termos do Artigo 71 da Carta. 43 Executive Commitee no original em inglês.

54

Page 55: Texto Helio

com o objetivo de desempenhar algumas funções pré-estabelecidas, como convocar a

primeira sessão regular da Organização e preparar sua agenda provisória bem como

definir o primeiro orçamento anual da OIC e elaborar o rascunho do acordo com as

Nações Unidas, dentre outras atribuições44.

Uma das primeiras questões a serem tratadas pelo Comitê Executivo referiu-se à

indicação de um Conselheiro de Desenvolvimento Econômico, tendo-se definido que o

nome seria indicado pelo Secretário Geral a partir de uma lista de nomes sugerida pelo

Comitê, deliberando, ainda, indicar representantes de alguns de seus integrantes para

compor um painel consultivo junto ao Secretário Geral com o objetivo de elaborar um

relatório sobre Desenvolvimento Econômico45. Restava apenas, então, a partir desses

passos, aguardar as ratificações dos países e seus respectivos instrumentos de

depósito para implementar a Organização. Enquanto isso não acontecia – e jamais

viria a acontecer – o Comitê Executivo reunia-se periodicamente para tratar de assuntos

da estruturação da OIC, como os desenhos dos acordos com outras organizações

internacionais, particularmente com as Nações Unidas e o Fundo Monetário

Internacional, elaborar os relatórios citados nas resoluções anexas à Carta e outras

atividades.

Até a data de 31 de outubro de 1949, somente Austrália e Libéria haviam

ratificado suas adesões, o que motivou o Secretário Executivo da Comissão a oficiar

questionários aos governos sobre os processos de adesão, recebendo respostas de

quatro países: Dinamarca, França, Noruega e Estados Unidos46, que o haviam feito em

44 Para a composição deste primeiro Comitê Executivo foram respeitados os mesmos critérios de distribuição definidos pelo Artigo 78 acerca da composição do Conselho Executivo, sendo eleitos os cinco países ou uniões aduaneiras com maior participação no comércio mundial, a saber: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, França e Benelux; em seguida foram selecionados mais dois paises com importância potencial maior, a saber: China e Índia; e por fim os restantes, a saber: México, Brasil, Colômbia, El Salvador, Egito, Filipinas, Noruega, Austrália, Itália, Tchecoslováquia e Grécia; e tendo se elegido o representante da Grã-Bretanha, Eric Wyndham White, Secretário Geral da Comissão. 45 Foram indicados representantes da Austrália, Brasil, China, Egito, França, Índia, México, Filipinas, Grã-Bretanha e Estados Unidos. 46 Cf. “International Trade Organization (Interim Comission)”. In: International Organization, Vol. 4, No 2 (May, 1950): 325.

55

Page 56: Texto Helio

abril, porém o Congresso norte-americano protelava a apreciação da proposta. Com

efeito, todos os demais países esperavam a submissão da proposta pelo Executivo ao

Congresso, como condição à sua subseqüente definição. Em dezembro de 1950, o

Presidente norte-americano Harry Truman resolve não reapresentar a Carta de Havana

ao Congresso, provocando uma reação generalizada, inicialmente encabeçada pela

Grã-Bretanha e seguida pela Holanda que, da mesma forma, não submeteram-na aos

respectivos parlamentos47. Decretava-se, assim, o fim da Organização Internacional do

Comércio.

Feis, ainda em 1948, vaticinava sobre a possibilidade da Carta jamais ser levada

a efeito e, mesmo que tal fato ocorresse, suscitava dúvidas sobre sua capacidade de

cumprir os objetivos nela constantes ou obter influência sobre os eventos vindouros a

ela atinentes. Considerava-a muito mais um amontoado de interesses particulares

costurados em um documento do que, necessariamente, um acordo comum entre

Membros, mesmo representando um passo importante de representação da vontade e

do ideal de cooperação econômica se comparado ao passado então imediatamente

recente (FEIS: 1948: 50). Posição eminentemente contrária é argumentada por

Drache, ao asseverar que a Carta trazia em si elementos inovadores como uma nova

perspectiva de economia política, ao superar aquela mais antiga que tratava comércio e

investimentos como um conjunto de regras destinado a proteger apenas os interesses

dos investidores ou a considerar comércio, desenvolvimento, padrões trabalhistas e

políticas domésticas como compartimentos isolados, mas, inversamente, teriam os

Membros buscado integrar um ambicioso programa de redução de barreiras comerciais

a um amplo leque de temas como investimentos, desenvolvimento, padrões trabalhistas

e práticas antimonopolistas (DRACHE, s.d: 8). E sugere que a fusão de princípios

liberais, como a redução das barreiras comerciais e eliminação de quotas, com

questões relacionadas a desenvolvimento econômico, práticas restritivas de comércio e

medidas anti-depressão econômica, constituía-se em uma política deliberada dos

mentores da Organização, assim como a idéia de criar um código comercial, sem, no 47 Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 5, No 2 (May, 1951): 384-385.

56

Page 57: Texto Helio

entanto, impor regras rígidas a seu cumprimento, visando a sua aceitação por todos os

Membros, independentemente de suas respectivas orientações de política econômica:

economias de mercado, de planejamento estatal ou em desenvolvimento, “...agreeing to

recognize diversity and asymmetry, rather than uniformity of condition...” (DRACHE, s.d: 12-14).

Lafer considera que a Carta representou a aglutinação de tendências opostas,

isto é, entre os países desenvolvidos – particularmente Estados Unidos, Grã-Bretanha e

Canadá – que advogavam o livre comércio, com exceção de algumas áreas como a

agricultura – e os países subdesenvolvidos, que lutavam pela instituição de

mecanismos que acarretassem em atalhos para o desenvolvimento. Portanto, e nesse

ponto concorda integralmente com Drache que, ao não ser ratificada, significou a perda

dos avanços obtidos nesse processo negociador por parte dos países

subdesenvolvidos, pois os itens incorporados pelo GATT tratavam basicamente dos

princípios do livre comércio (LAFER, 1971: 44; DRACHE, s.d: 24). Segundo Evans,

ainda em Genebra, em 1947, quando, concomitantemente, negociava-se o GATT e os

termos da Carta de Havana como um todo, a insistência dos países subdesenvolvidos

em enfatizar, e obter, a inclusão de exceções constantes do Artigo 18, demonstrava o

temor da competição desenfreada desses países em relação aos Estados Unidos,

temor, porém, que não lhes era exclusivo, estendendo-se igualmente à Europa, ao

associar reconstrução e necessidade de desenvolvimento em um único grau, a despeito

de haver uma lógica predominante nas negociações de não se aprofundar as distinções

entre Membros (EVANS, 1968: 74). A força quantitativa demonstrada pelos países

subdesenvolvidos, já em Havana, perfazendo o total de 32 participantes em 56,

conforme quadro abaixo, teria acabado por enfraquecê-los, pois, ao obter a inclusão de

diversas exceções em nome do desenvolvimento econômico, permitiu aos países

desenvolvidos ter o álibi necessário para descumprir aquilo que havia sido acordado

(EVANS, 1968: 74-75) 48.

48 Segundo a contagem estabelecida por Evans, não explicitada em qual critério foi baseada, em Havana, o total de países considerados subdesenvolvidos chegava a 32, entre 56 participantes (EVANS, 1968: 74), ressalvando que, nessa categoria, não se incluía qualquer país europeu; contudo, não foram encontrados critérios oficiais da época que definissem o enquadramento preciso entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

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QUADRO I PAÍSES PARTICIPANTES DA CONFERÊNCIA DE HAVANA

POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO

CATEGORIA

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, China,

Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha,

Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Nova

Zelândia, Noruega, Portugal, Rodésia do Sul,

Suécia, Suíça, Tchecoslováquia, União Sul-

Africana.

SUBDESENVOLVIDOS

Afeganistão, Argentina, Bolívia, Birmânia, Brasil,

Ceilão, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Egito, El

Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Haiti,

Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Líbano, Libéria,

México, Nicarágua, Panamá, Paquistão, Peru,

República Dominicana, Síria, Transjordânia,

Uruguai e Venezuela.

Elaborado a partir de Evans (1968: 74).

Cabe salientar que, a despeito desse enquadramento tomar como base o critério

estabelecido pelo autor, pode-se depreender que não fugia demasiadamente à lógica

geopolítica da época, pois, países europeus como Grécia, Portugal, Irlanda e Turquia,

assim como a China, eram aliados norte-americanos, enquanto a União Sul-Africana e

a Rodésia do Sul eram governados por regimes de minoria branca, ligados à

Commonwealth Britânica.

58

Page 59: Texto Helio

Como Drache explicita, o que começou como uma idéia dos Estados Unidos,

acabou sendo abarcada pelos países subdesenvolvidos – ou developing countries

como os conceitua – que participaram ativamente no desenho da Organização, fugindo

completamente ao roteiro concebido pelo Departamento de Estado, contribuindo assim

para arregimentar a posição do Congresso, dominado pelo Partido Republicano, de

recusar a ratificação da Carta (DRACHE, s.d: 7). E mais do que se envolver com a

proposta norte-americana, Drache afirma que o desenho da Carta, como elaborado a

seu final, teria sido bastante diverso, se não tivesse havido a participação efetiva dos

países subdesenvolvidos, transformando o que considera uma modesta iniciativa anglo-

americana em um amplo dispositivo que agregou em um mesmo diapasão comércio,

moeda, investimento, emprego e desenvolvimento (DRACHE, s.d: 21), amalgamando

assim, princípios keynesianos e adeptos maiores do livre comércio, que se

reconciliavam pragmaticamente após os antagonismos do entreguerras.

Entre 24 de março de 1948 – quando se finalizaram os trabalhos da Carta, até

1950, enquanto se aguardavam as démarches para a sua ratificação, e quando,

finalmente, tornou-se patente que os Estados Unidos, principais mentores da proposta

original, não iriam fazê-lo, o mundo assistira ao desencadeamento da Guerra Fria, a

consolidação da bipolaridade e todos os seus corolários – a guerra civil grega, o Plano

Marshall, o bloqueio de Berlim, a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte

– assim como ao primeiro conflito armado em seu bojo, a Guerra da Coréia, alterando

as prioridades da política externa norte-americana. Além disso, como ressalta Sato

(1994: 13), a posição econômico-financeira americana, ao final da Guerra e no início

dos anos 1950, era acentuadamente superior a dos países europeus, fato que lhes

conferia uma autonomia em relação aos arranjos multilaterais, particularmente aqueles

vinculados ao comércio internacional. Graças a essa pujança econômica e atuando

tanto como exportadores e importadores em grande escala, os interesses diversificados

da sociedade norte-americana não vislumbravam posições consensuais em torno da

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Page 60: Texto Helio

letra e do espírito da Carta de Havana (SATO,1994: 13)49. Aggarwal, contudo,

considera que os fatores arrolados adiante se constituíam positivos para que os

Estados Unidos assumissem o que denomina de responsabilidade global, porém,

citando Diebold Jr. – em sua obra “The End of ITO”50 – que apontava que a formação

de uma coalizão, unindo “protecionistas e perfeccionistas” – estes últimos considerados

os adeptos radicais do livre comércio – ambos temerosos dos compromissos que os

princípios da Carta poderiam acarretar a seus interesses, inviabilizou a sua aprovação

no Senado (AGGARWAL, 1999: 5), que jamais chegou a apreciar a proposta

encaminhada por Truman, que, igualmente não teria se empenhado em aprová-la.

Acrescentando à falta de empenho de Truman, Odell & Eichengreen apresentam

duas outras hipóteses explicativas para o fracasso da ratificação da Organização pelo

Congresso norte-americano: a opção de saída (exit option), o distanciamento entre os

negociadores dos Estados Unidos no processo de elaboração da Carta e as respectivas

forças de apoio e interesse (agent slack), além do citado papel de Truman em não se

empenhar em exercer sua liderança presidencial (presidential leadership) com vistas à

aprovação da proposta, ao estabelecerem a comparação com o êxito da aprovação da

criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994. A opção de saída

desdobrava-se em duas, a institucional e a regional, sendo a primeira a mais viável

para os Estados Unidos, representada pelos avanços já obtidos no âmbito das

negociações do GATT, restritas, especificamente, aos acordos bilaterais de redução

tarifária, os quais eram posteriormente estendidos aos demais parceiros, pela Cláusula

da Nação Mais Favorecida. Ou seja, diante das inúmeras modificações que o projeto

original dos EUA sofrera durante o processo negociador e dadas as dificuldades de sua

aprovação – e ainda apoiado na autorização concedida pelo Reciprocal Trade

Agreement Act (RTAA) de 1934 – a opção pelo GATT, como saída institucional, tornou-

49 Sato observa que, em 1950, o Produto Nacional Bruto americano era da ordem de US$ 381 bilhões, superior aos de União Soviética, Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental, Itália e Japão em conjunto, cujos valores somados atingiam à cifra de US$ 356 bilhões (SATO, 1994: 13). 50 Refere-se à clássica obra de Diebold Jr., William. The End of ITO. Essays in International Finance No. 16. Princeton: Princeton University, October: 1952. pp. 1-37.

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Page 61: Texto Helio

se a mais conveniente para levar adiante o projeto de liberalização comercial,

desprovido de todos os demais itens constantes da Carta de Havana, como emprego,

desenvolvimento, práticas restritivas ao comércio, investimentos e todas as exceções

nela embutidas. Por outro lado, avaliam os autores, naquele momento, os Estados

Unidos não possuíam uma saída regional, em termos comerciais, vinculada a seus

objetivos geopolíticos (ODELL & EICHENGREEN, 1998: 182-183 e 194-195)51.

No que se refere ao distanciamento entre os negociadores e os interesses

domésticos (agent slack), Odell & Eichengreen afirmam que aqueles se isolaram,

despreocupando-se em galvanizar o necessário apoio doméstico à aprovação da Carta,

tendo como complicador ainda maior as concessões que foram por eles efetuadas,

colaborando para ampliar a oposição à aprovação. Com efeito, esse distanciamento ter-

se-ia dado desde o início do processo de lançamento da idéia junto à Grã-Bretanha, em

1941, e se estendido até 1948, deixando todos os grupos de interesse e o Congresso à

margem e, quando se buscou renovar o mandato do Ato de 1934, em 1945, nenhuma

explicação teria sido apresentada a respeito da formação de uma organização

internacional e nem de como se transformariam negociações bilaterais em multilaterais.

Agravando tal quadro, fatores domésticos levaram a oposição republicana a vencer as

eleições parlamentares de 1946, formando maioria tanto na Câmara dos

Representantes quanto no Senado, cujos líderes voltaram-se contra o programa de

acordos comerciais, os quais foram alterados pelo Presidente. A partir desse momento,

então, que os negociadores começaram a expor as propostas da constituição da

Organização e a chamar representantes do setor privado e do Congresso para

acompanhá-los às conferências. Com o estopim dos eventos decorrentes da Guerra

Fria, as negociações comerciais foram perdendo espaço na relevância da política

externa norte-americana, relegando a prioridade até então conferida à montagem da

51 Já para a Grã-Bretanha, ao contrário, a saída regional era a sua melhor opção, tanto no que dizia respeito à Europa, considerados os objetivos da reconstrução financiados pelos próprios Estados Unidos, no bojo do Plano Marshall, quanto pela sua vinculação à Commonwealth e seu sistema de preferências comerciais, o qual defendera com afinco nas negociações da Carta de Havana, chegando os autores a considerar que a história dessas negociações são, parcialmente, a história das concessões americanas aos britânicos (ODELL & EICHENGREEN, 1998:183).

61

Page 62: Texto Helio

Organização Internacional do Comércio. Finalmente, em abril de 1949, Truman envia a

proposta de ratificação da Organização ao Capitólio, mas já considerando que,

naquelas circunstâncias, valia mais investir na continuidade dos acordos amparados

pelo GATT, opção essa já considerada no ano anterior, quando se solicitou,

novamente, a prorrogação do RTAA. E foi nesse momento, então, que se formou a

coalizão aludida por Diebold, em que os protecionistas protestavam contra certos

preceitos da Carta, como os relacionados à idéia de pleno emprego, de um lado e, de

outro, os que a consideravam atentatória aos princípios do liberalismo comercial, os

perfeccionistas. E, já em plena Guerra Fria, havia os que acusavam a embrionária

Organização e suas propostas de serem tolerantes ao comunismo e, com a eclosão da

Guerra da Coréia, Truman jogou a toalha e sepultou a comumente denominada

natimorta Organização Internacional do Comércio, caracterizando a terceira hipótese

dos autores, atinente à ausência da liderança presidencial (ODELL & EICHENGREEN,

1998:195-200).

A Organização Internacional do Comércio pode ser entendida como a mais

ampla arena multilateral do sistema erigido no imediato pós-II Guerra, em uma

perspectiva assaz ambiciosa, ao buscar articular temas como liberalização comercial,

emprego e padrões trabalhistas, investimentos, práticas restritivas de comércio que,

anteriormente, eram matérias da alçada dos Estados soberanos. Ao pretender regular

a ação dos Estados quanto a esses temas, defrontou-se com uma série de obstáculos

que o espírito negociador das delegações presentes, tanto em Londres, quanto em

Genebra e, principalmente Havana, buscaram transpor com vistas a viabilizar a

Organização.

Projeto idealmente concebido pelos Estados Unidos, então presidido pelo Partido

Democrata de Franklin Roosevelt e Harry Truman, na perspectiva de desmantelar os

esquemas protecionistas, sobre os quais atribuíam parte da responsabilidade pela

generalização do conflito armado que tomou o mundo, teve sua proposta

profundamente alterada pelas resistências enfrentadas por aqueles que tratavam de

62

Page 63: Texto Helio

preservar seus antigos sistemas de preferências, baseados nas estruturas de seus

ainda remanescentes impérios coloniais, como a Grã-Bretanha, principalmente, mas

também a França, Bélgica, Holanda e Portugal, obtendo sucesso em incluir uma série

de dispositivos na Carta de Havana que lhes garantissem a permanência desses

sistemas.

Em outra ponta, os países subdesenvolvidos encontraram, na Conferência de

Havana, seu pioneiro espaço para levantar e apresentar as demandas decorrentes da

necessidade de superar a divisão internacional do trabalho, a qual classificava os

países em produtores de manufaturados e em produtores de commodities primárias.

Quantitativamente majoritários e árduos defensores de seus pontos de vista, obtiveram

inserir na Carta, igualmente, uma série de disposições que atenuavam, sobremaneira,

os princípios preconizados pela liberalização comercial. Eventualmente aliados a

países considerados desenvolvidos, mas com dilemas similares em algumas questões,

como a Austrália ou a Grécia, transformaram o documento final produzido em Havana

no primeiro que reconhecia as necessidades peculiares ao desenvolvimento econômico

e industrial, articulando-as ao mesmo nível daquelas implicadas na tarefa de

reconstrução do pós-II Guerra, fazendo a Organização diferir das outras duas

concebidas como parte do triângulo econômico-financeiro-comercial multilateral, o

Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, ambos nada afeitos, em seus

primórdios, às preocupações relativas ao desenvolvimento dos países pobres.

A despeito do espírito negociador e das concessões efetuadas em relação ao

projeto original, a Carta de Havana acabou por não se materializar. Os eventos

decorridos do surgimento da Guerra Fria, adiante já referidos, levaram o principal

patrocinador da idéia, os Estados Unidos, a desviar o foco de suas atenções para

outras frentes, que se tornaram prioritárias no âmbito da política de contenção da

temida ameaça do comunismo mundial, protagonizada pela União Soviética. Aliada a

esta conjuntura, a reviravolta da política interna norte-americana, com a vitória do

Partido Republicano nas eleições de 1946, comprometeu a tramitação da ratificação da

63

Page 64: Texto Helio

Carta pelos Estados Unidos, de um lado, pelos temores das exigências que seus

preceitos poderiam acarretar para os interesses de determinados setores da economia

do país e, de outro, pelo reduzido apoio doméstico angariado à proposta pelo suposto

isolamento que em que se deu a negociação no campo externo, agravado pelo pouco

empenho do Executivo, por conta das prioridades externas surgidas. Diante disso,

todas as negociações tornaram-se vãs e as conquistas alcançadas pelos países

subdesenvolvidos desvaneceram-se, restando, como alternativa, o prosseguimento das

negociações no âmbito do GATT, a única parte remanescente da Carta, justamente a

que dispunha sobre a liberalização comercial, por meio das negociações diretas e

bilaterais de redução tarifária.

64

Page 65: Texto Helio

Capítulo II

O fiasco da OIC e o prosseguir do GATT (1947-1963):

países em desenvolvimento como atores coadjuvantes

Enquanto se sucediam as negociações para a elaboração do draft da Carta de

Havana, em agosto de 1947, em Genebra, vinte e três países participantes

negociavam, simultaneamente, em tratativas bilaterais, acordos visando à redução de

barreiras tarifárias e outras barreiras ao comércio46. Nessa modalidade de negociação,

o país fornecedor de um determinado produto, ou seja, o exportador, solicitava à outra

parte, o seu principal importador, a redução de tarifas incidentes sobre o produto, que,

se atendida, era posteriormente estendida a todos os demais países que

comercializavam aquele produto com o importador, em cumprimento à Cláusula da

Nação Mais Favorecida. Esta dinâmica de negociações seria parte integrante da Carta

de Havana, em seu Capítulo IV e, particularmente o Artigo 17, denominado de Política

Comercial, e visava, portanto, a seu cumprimento. Nessa primeira rodada de

negociações, foram abrangidos cerca de dois terços das importações dos países

negociadores e, aproximadamente, metade do total das importações mundiais47. Em

30 de junho de 1948, o Acordo passou a vigorar com a assinatura de 22 dos 23

países48, na condição de Protocolo de Aplicação Provisória, por força de solução de

compromisso entre países que, de um lado, preferiam que o GATT apenas fosse

implantado juntamente com a Carta de Havana e, de outro, os Estados Unidos,

submetidos à autorização parlamentar e receosos de que as reduções tarifárias obtidas

se desvanecessem, caso se prolongassem os procedimentos de ratificação da

Organização Internacional do Comércio (SRINIVASAN, 2000: 11).

46 Além da redução tarifária, incluíam-se preferências, quotas, controles internos, regulações aduaneiras e subsídios. 47 Cf. “International Trade Organization (Proposed)”. In: International Organization, Vol. 2, No. 1, (Feb., 1948): 134. 48 Apenas o Chile solicitou que se aguardasse sua assinatura, devido a necessários trâmites legislativos internos, formalizada em fevereiro de 1949. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 2, No. 3, (Sep., 1948): 537.

65

Page 66: Texto Helio

Diferentemente da distribuição de países por categoria de desenvolvimento

durante as Conferências que levaram à elaboração da Carta de Havana, na primeira

rodada de negociações do GATT registrava-se ligeira igualdade quanto à participação

dos países subdesenvolvidos, perfazendo onze dos vinte e três integrantes iniciais52.

QUADRO II

ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO

PARTES CONTRATANTES ORIGINAIS

POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO 1947

CATEGORIA

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

Austrália, Bélgica, Canadá, Estados Unidos,

França, Grã-Bretanha, Holanda, Luxemburgo, Nova

Zelândia, Noruega, Tchecoslováquia, União Sul-

Africana.

SUBDESENVOLVIDOS

Birmânia, Brasil, Ceilão, Chile, China, Cuba, Índia,

Líbano, Paquistão, Rodésia do Sul, Síria.

Elaborado a partir de Michalopoulos (1999:2)

O Acordo Geral era, inicialmente, dividido em três partes, sendo a Parte I, o que

definia, propriamente, o corpo do acordo de concessões tarifárias, abrangendo os

Artigos I e II, os quais dispunham sobre o regime das relações comerciais entre países

e as regras as quais se aplicavam as concessões tarifárias. A Parte II englobava um

conjunto de regras sobre política comercial, estendendo-se do Artigo III ao Artigo XXIII

52 Michalopoulos adverte, no entanto, que não havia uma distinção formal entre os dois grupos nem quaisquer provisões que assegurassem exceções aos países subdesenvolvidos (MICHALOPOULOS, 1999: 2).

66

Page 67: Texto Helio

e a Parte III, partindo do Artigo XXIV e indo até o Artigo XXXV, dispondo sobre

aplicação territorial, acordos de integração regional, mecanismos de acessão e

conceituação de Parte Contratante, negociações tarifárias e alterações de

compromissos. Posteriormente, em 1964, foi adicionada a Parte IV, contendo os três

últimos artigos (XXXVI, XXXVII e XXXVIII) vinculados à questão de Comércio e

Desenvolvimento. Segundo Lafer (1971:45-46), a divisão foi estabelecida em função

da sua provisoriedade e da busca de anular quaisquer perspectivas de conflito com as

legislações nacionais já existentes. Dessa forma, as Partes I e III, de caráter mais

conceitual e operacional, que imprimiam funcionamento ao Acordo, não encontravam

problemas para imediata vigência, mesmo que a título provisório. No entanto, a Parte

II, concernente à Política Comercial, visando a não confrontar com as legislações

nacionais de todas as Partes Contratantes e, também, a não depender de sua

modificação, rezava que ela só seria aplicada, em sua mais plena extensão, quando

não inconsistente com as legislações existentes, sendo que tal dispositivo permanecia

válido para as Partes Contratantes que acedessem posteriormente (LAFER, 1971: 45-

46).

Uma segunda sessão, ainda no bojo dessa primeira rodada, foi realizada em

Genebra, entre 16 de agosto e 14 de setembro de 1948, reunindo as 22 Partes

Contratantes49, ocasião em que buscaram ajustar algumas de suas disposições à

redação final da Carta de Havana, especialmente no que dizia respeito às exceções

garantidas aos países subdesenvolvidos e àqueles envolvidos nas tarefas de

reconstrução do pós-II Guerra. Além disso, aceitou-se a realização de uma série de

negociações para abril de 1949, na próxima rodada, que resultariam na futura adesão

de novas Partes, na etapa final das conversações, ao GATT50 e, ainda, autorizou-se a

Paquistão e Ceilão modificar, limitadamente, suas tarifas sobre alguns produtos e, ao

Brasil, ampliar suas taxas de importação à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos. Outras

49 Como se tratava de um Acordo Comercial provisório e não de uma organização internacional, os países signatários foram denominados de Partes Contratantes. 50 As novas Partes Contratantes seriam Dinamarca, El Salvador, Finlândia, Grécia, Haiti, Itália, Nicarágua, Peru, República Dominicana, Suécia e Uruguai.

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Page 68: Texto Helio

questões consideradas residiram na autorização aos Estados Unidos para conceder

tratamento preferencial a seus territórios em fideicomisso do Pacífico. Também, o

governo de Cuba aceitou discutir com os Estados Unidos a contestação destes sobre a

anulação de concessões tarifárias sobre têxteis, efetuadas anteriormente51. Em

dezembro de 1948, a África do Sul foi autorizada a impor controles sobre suas

importações, sob alegação de exaustão de suas reservas monetárias, convertendo-se

na primeira Parte Contratante a utilizar as prerrogativas de exceção à não-

discriminação52.

Em abril de 1949, tem início a segunda rodada de negociações do GATT, em

Annecy, França, contando com a participação dos 23 países originais e de mais onze,

predispostos a efetuar suas acessões. Na ocasião, se discutiu uma série de temas,

como a posição da Palestina, a situação da industria têxtil cubana, disputas comerciais

entre Índia e Paquistão e a formação da união aduaneira entre a África do Sul e a

Rodésia do Sul, que acabou sendo aprovada na segunda sessão, em meados de julho.

De outra forma, Estados Unidos e Tchecoslováquia enfrentavam-se, por conta das

restrições impostas a importações tchecas procedentes daquele país, pela

desconfiança norte-americana de que os produtos seriam utilizados para fins militares,

sendo rejeitadas as queixas do governo tcheco53. Este embate denotava, claramente, a

transposição dos conflitos da Guerra Fria para a arena comercial, sendo a

Tchecoslováquia, após o golpe comunista neste país em 1948, o único vinculado à

União Soviética que permanecera como Parte Contratante do GATT e partícipe das

negociações em torno da elaboração da Carta de Havana.

51 Cf. “International Trade Organization: Interim Commission”. In: International Organization, Vol. 3, No. 1, (Feb., 1949): 161. 52 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 3, No. 2, (May., 1949): 354. 53 Os produtos questionados pelos norte-americanos referiam-se a escavadeiras para minas de carvão, que os Estados Unidos supunham ser destinadas a minas de urânio, assim como rolamentos, que presumiam seriam empregados em aeronaves ou para outros fins militares. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 3, No. 3, (Aug., 1949): 542-543.

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Page 69: Texto Helio

A Rodada de Annecy foi adiada até agosto de 1949, quando se deu a terceira

sessão das 23 Partes Contratantes e, em separado, a realização de mais de uma

centena de negociações bilaterais de tarifas, envolvendo 34 países. No primeiro

evento, por conta das restrições impostas pela África do Sul, que levou a uma consulta

ao GATT sobre contração das importações por este país, foram estabelecidos

procedimentos para consultas, inclusive nos intervalos das rodadas54. Igualmente ali,

foram renegociados os compromissos de redução tarifária, solicitados durante a

segunda sessão, de Brasil, Ceilão e Paquistão. No segundo evento, 147 acordos

bilaterais foram concluídos envolvendo as Partes já pertencentes ao GATT e aquelas

que desejavam aceder ao Acordo Geral, à exceção da Colômbia, que não concluiu

acordos com alguns parceiros55. Em 30 de novembro de 1949, cinco países

responderam positivamente ao convite para aceder ao GATT: Áustria, Filipinas,

Guatemala, Peru e Turquia, enquanto Colômbia, Islândia e Nepal recusaram-no.

Durante a quarta sessão, aberta em fevereiro de 1950, a Tchecoslováquia opôs-se,

solitariamente, à proposta aprovada de se conceder um assento, na condição de

observador, ao governo alemão-ocidental e, em março, o governo da China

Nacionalista anunciava sua retirada do GATT sem explicações56.

Uma quarta sessão foi realizada entre fevereiro e abril de 1950, quando se

definiu que a rodada seguinte teria início em setembro daquele ano, em Torquay,

Inglaterra. Outras questões relativas a princípios reguladores do comércio internacional

foram debatidas nesta sessão como a que se esclareceu que alguns tipos de restrição

confrontavam-se com o Artigo 11 do Acordo Geral como, por exemplo, vincular a

compra, por um país importador, de um produto considerado essencial, à exigência de

se comprar um outro produto da mesma procedência. Preocupações foram 54 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 3, No. 4, (Nov., 1949): 718-719. 55 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 4, No. 1, (Feb., 1950): 136-138. 56 Logo após a tomada do poder pelos comunistas, em Pequim, o governo instalado em Taiwan – China Nacionalista – anunciou sua retirada do Acordo Geral, ato que jamais foi reconhecido pela República Popular da China. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 4, No. 2, (May., 1950): 326.

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Page 70: Texto Helio

manifestadas no sentido de que restrições impostas em virtude de problemas na

balança de pagamento tendessem a se tornar permanentes, com o intuito de proteger a

indústria doméstica da competição externa e, para evitar a sua possível ocorrência,

recomendou-se que programas mínimos de importação fossem mantidos até a solução

da crise da balança de pagamentos. Da mesma forma, tipos específicos de uso

indevido de restrições foram considerados como contrários ao Acordo Geral, como a

manutenção, por um país, de restrições por conta da crise da balança de pagamentos,

que priorizasse a importação de produtos calcada na competitividade da indústria

doméstica, ou seja, aplicar a prerrogativa da utilização das restrições em função da

capacidade industrial do país; ainda, a imposição, por um país, de obstáculos

administrativos à plena utilização de quotas de importação, com vistas a proteger a

indústria doméstica e, por fim, o uso de restrições a importações como mecanismo de

retaliação contra um país que tenha se recusado a firmar um acordo bilateral comercial.

Os países europeus que praticavam baixos níveis tarifários como Bélgica,

Holanda, Luxemburgo e Suécia reclamavam que outros países europeus vinham,

ainda, praticando altas tarifas, como forma de proteção a suas indústrias e agricultura,

sendo citados França, Itália e Alemanha Ocidental e, como alternativa, oporiam

resistência à remoção de restrições quantitativas57. Nesse aspecto, a crítica seria

efetivamente direcionada à França, contando com o apoio dos Estados Unidos, que

percebiam a renitência francesa como atitude defensiva diante da crescente força

competitiva dos demais países europeus. Nessa sessão, mais cinco países tornaram-se

Partes Contratantes: Dinamarca, Finlândia, Itália, Libéria e Nicarágua. O primeiro

Relatório sobre Aplicação Discriminatória de Restrições às Importações revelou que

vinte Partes Contratantes, tanto países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos,

57 Na rodada seguinte, em Torquay, teve lugar uma sessão especial para encontrar solução para o desequilibro entre os países europeus divididos entre aqueles que praticavam baixos níveis tarifários e aqueles de altas tarifas, sem êxito, sendo que essa questão ganhara relevância na Europa em função da política de se remover os controles exercidos por quotas de importação, restando apenas tarifas como principal barreira comercial. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 5, No. 2 (May, 1951): 384 e “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 5, No. 3 (Aug., 1951): 609.

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Page 71: Texto Helio

estavam aplicando tais restrições com o objetivo de assegurar suas finanças externas58.

Enquanto o primeiro era divulgado, o Segundo Relatório das Atividades do GATT,

intitulado Liberating World Trade, alertava que, embora as restrições quantitativas só

pudessem ser empregadas, temporariamente, nos casos permitidos – controle agrícola

interno, promoção ao desenvolvimento econômico ou dificuldades financeiras - como

barreiras comerciais, deixavam brechas para sua utilização como instrumentos de

barganha e que interesses outros poderiam resistir a seu término quando as

necessidades que as fizeram gerar se encerrassem59.

A terceira rodada do GATT, em sua quinta sessão, é aberta em Torquay, em

setembro de 1950, estendendo-se por sete meses, com a presença de 44 países, dos

quais 32 eram Partes Contratantes, sete em processo de acessão e cinco

observadores60, buscando avançar em novos cortes tarifários em relação à primeira

rodada, em Genebra, os quais, após a conclusão, foram inseridos no Acordo Geral.

Independentemente, constituiu-se grupo de trabalho de onze Partes com o objetivo de

fiscalizar e agilizar as Partes que viessem a protelar o início de negociações ou arrastá-

las demasiadamente. Duas questões relevantes do cenário pós Guerra agitaram a

reunião: a resistência das Partes em atender a solicitação dos Estados Unidos, feita

anteriormente, de estender o tratamento de Nação Mais Favorecida ao Japão, levando-

os a retirá-la, e a discussão da relação do Plano Schumann com a Cláusula de Nação

Mais Favorecida, semente do processo de integração européia.

58 Esses países eram Austrália, Brasil, Canadá, Ceilão, Chile, Dinamarca, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Índia, Itália, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Rodésia do Sul, Suécia, Tchecoslováquia e União da África do Sul. 59 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 4, No. 3, (Aug., 1950): 494-497. 60 Os países em processo de acessão eram Áustria, Alemanha Ocidental, Coréia do Sul, Filipinas, Peru, Turquia e Uruguai, enquanto os observadores eram México, El Salvador, Guatemala, Venezuela e Suíça. Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 5, No. 1, (Feb., 1951): 211-213.

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Page 72: Texto Helio

Na ocasião, mais uma vez, a França protagonizou sua resistência em abrir seus

mercados, ao apresentar uma alentada lista de produtos sobre os quais requeria poder,

unilateralmente, elevar tarifas que já havia acordado, em negociações anteriores, a

reduzir sua incidência, levando Estados Unidos e Canadá a anunciarem que não

negociariam com países que mantivessem suas tarifas não fixadas, considerando que

se havia definido que acordos assinados em Genebra e Annecy valeriam até 01 de

janeiro de 1951 e, caso se fosse revê-las, deveria se notificar antes da abertura da

Rodada Torquay. Grã-Bretanha e Estados Unidos também se desentenderam quando

a primeira apresentou uma lista de bens sobre os quais solicitava concessões, porém

se recusava a atender aos reclamos norte-americanos contra a manutenção de seu

sistema de preferências imperiais. Por sua vez, os Estados Unidos retiraram

concessões efetuadas à China por conta de sua retirada do Acordo Geral61.

O Canadá solicitava a criação de um comitê permanente, destinado a tratar de

problemas surgidos nos intervalos das sessões, pois as reclamações entre as Partes

Contratantes se sucediam a todo o tempo. Tanto assim que, nesta sessão, submeteu-

se questionário às Partes para que informassem quais as medidas de restrições a

importações que estavam sendo aplicadas motivadas por crise na balança de

pagamentos e medidas discriminatórias garantidas por exceções transitórias do período

da reconstrução, no imediato pós-II Guerra. Da mesma forma, diante de constantes

reclamações no sentido de que concessões que haviam sido efetuadas eram,

posteriormente, derrogadas por ações de governos que não respeitavam os acordos

concluídos, definiu-se um código de práticas comuns sobre a administração de

restrições ao comércio, contendo onze itens.

Na retomada da sessão, em janeiro de 1951, a França baixava o tom, atenuando

sua intenção de elevar brutalmente suas tarifas e assegurando compensações nos

casos em que assim o fizesse. 61 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 5, No. 1, (Feb., 1951): 211-213.

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Page 73: Texto Helio

Do conjunto de 105 acordos esperados para ser firmados em Torquay, os que

mais se destacavam eram aqueles que envolviam Alemanha Ocidental e Grã-Bretanha,

França e Estados Unidos e os que consolidariam, por um período adicional de três

anos, as reduções negociadas entre Grã-Bretanha, Canadá, Estados Unidos, Itália,

França e países do Benelux, tanto em Genebra, em 1947, quanto em Annecy, em 1949.

No entanto, as dissensões entre Estados Unidos e Grã-Bretanha permaneceram,

quando esta manteve sua recusa em reduzir as taxas sobre produtos norte-americanos

e, em represália, aqueles, igualmente, mantiveram os ônus impostos sobre as

importações da Commonwealth, assim como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul

não estavam dispostos abrir mão das preferências no âmbito da Commonwealth,

levando os Estados Unidos a interromperem negociações com esses países62.

Ao fim da Rodada, em abril de 1951, foram concluídos três documentos, sendo o

primeiro o que tratava da acessão das novas Partes Contratantes63, a ser efetivada

quando assinassem o Protocolo de Torquay; o segundo, denominado como Protocolo

de Torquay, consolidando todos acordos negociados referentes às reduções tarifárias

e, o terceiro, firmado por 19 Partes, consistia na Declaration on Continued Application of

the Present Schedules, determinando que as concessões efetuadas em Genebra,

Annecy e Torquay vigorariam até 01 de janeiro de 1954.

Os compromissos fechados na Rodada que se encerrava, englobavam cerca de

8.700 concessões tarifárias – incluindo consolidação de tarifas – das quais

aproximadamente três mil delas envolviam sete países que não eram, inicialmente,

Partes do GATT, principalmente de Áustria e Alemanha Ocidental, cada uma

perfazendo 21 pares de negociações, de um total de 147 em toda a Rodada. Por outro

lado, quatro Partes Contratantes – todos países subdesenvolvidos – não negociaram

62 Cf. “International Trade Organization”. In: Vol. 5, No. 2 (May, 1951): 382-384. 63 Áustria, Alemanha Ocidental, Coréia do Sul, Filipinas, Peru e Turquia, sendo que, na sétima sessão, Coréia e Filipinas tiveram seus prazos de assinatura dilatados para maio de 1952, enquanto o Uruguai ainda sequer havia assinado o Protocolo de Annecy (1949), obtendo prazo para assinar ambos até abril de 1953 e vindo a se tornar Parte Contratante do GATT em dezembro deste ano.

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Page 74: Texto Helio

quaisquer concessões tarifárias64. Mas as negociações não ocultavam o espectro da

Guerra Fria que se instalara nas relações internacionais a partir de 1947, pois a única

nação da Europa Oriental Parte do GATT, já satelizada pela União Soviética, a despeito

de ter negociado uma série de acordos com países do Ocidente europeu e outros

subdesenvolvidos, se opôs a reconhecer a Coréia do Sul e a negar o direito à acessão

da Alemanha Ocidental, alegando descumprimento dos Acordos de Potsdam, que

preconizavam a reunificação alemã65.

Ao fim de Torquay, em 1951, já reinava a certeza de que a Organização

Internacional do Comércio não seria ratificada e que apenas o GATT sobreviveria. Se

os Estados Unidos não haviam conseguido angariar apoio interno, tenha sido das

forças políticas ou do mundo dos negócios para a empreitada de formalização da OIC,

restava ainda ao Executivo resgatar a concepção original em torno dos princípios

fundamentais do livre comércio. Para tanto, contavam ainda com o Reciprocal Trade

Agreement Act, de 1934, sucessivamente renovado, que autorizava ao Presidente

encetar negociações bilaterais com outros países para garantir acesso a mercados para

produtos norte-americanos, dinâmica que locomovia o GATT. Ou seja, segundo Ostry,

a força do GATT residia exatamente em sua fraqueza, considerando-se sua estreiteza

de objetivos e seus compromissos de natureza menos coercitiva (OSTRY, 1998: 6).

Por outro lado, o próprio êxito da Rodada Torquay acentuou o desinteresse pela

Organização (SATO, 1994: 9) e ampliou a perspectiva dos Estados Unidos de que o

Acordo Geral atendia às preocupações predominantes na estratégia econômica do pós-

II Guerra e na consolidação dos mercados capitalistas, em contraposição às

experiências comunistas, no âmbito da rivalidade da Guerra Fria (GORTER, 1954: 2).

Ainda segundo Gorter, o GATT, a despeito dessa fragilidade, era defendido em dois

níveis, embora considerasse discutíveis os argumentos arrolados. O primeiro

argumento alegava que, sem a existência do Acordo, o montante de comércio bilateral

sujeito à aplicação de medidas discriminatórias haveria aumentado demasiadamente.

64 Birmânia, Libéria, Nicarágua e Síria, sendo que esta última acabaria por retirar-se do GATT em agosto de 1951. 65 Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 5, No. 3 (Aug., 1951): 608-609.

74

Page 75: Texto Helio

Nesse sentido, o GATT tornou-se um escudo do bilateralismo e um promotor do

multilateralismo. O segundo argumento em defesa do Acordo Geral residia, à época,

em considerar que as condições políticas e econômicas vigentes no período favoreciam

os arranjos multilaterais, sendo o GATT um dos meios para tal. Sua crítica a essa visão

otimista do Acordo, como um expoente do multilateralismo, era calcada nas

constatações de que, justamente nesse período do pós-II Guerra, as economias

nacionais estavam cada mais vez tomadas pela idéia do planejamento econômico em

larga escala, exigindo, por conta disso, controles estritos sobre o comércio exterior

como um todo e, nesse caso, o bilateralismo seria um suporte necessário ao

planejamento interno. O segundo argumento é por ele contraditado pela ocorrência das

turbulências político-ideológicas características do período da Guerra Fria, em que um

mundo havia se transformado em dois mundos, o que afastava as premissas positivas

daqueles que compreendiam o multilateralismo suposto no GATT como instância de

cooperação comercial, citando como exemplos, a China, após a Revolução maoísta,

isolada comercialmente das nações democrático-ocidentais, a Alemanha, então ainda

não integrada ao restante da Europa Ocidental e o Japão, igualmente imobilizado, não

se configurando, assim condições para a existência de uma experiência multilateral

efetiva no sistema de comércio internacional (GORTER, 1954: 6). Gorter reproduz a

sentença de Diebold Jr., ao afirmar que o “GATT is the ITO manqué...”, isto é, falho,

capenga, buscando preencher o vácuo deixado pela malsinada Organização

Internacional do Comércio sem jamais conseguir fazê-lo, sendo, portanto, uma batalha

eternamente frustrante (GORTER, 1954: 7). Sendo bastante diferente da proposta da

OIC, exatamente por seu atributo falho, ele ganharia força por sua fraqueza e por seu

escopo mais estreito, portanto, menos coercitivo, menos regulador. Gorter converge

com Ostry nesse aspecto, ao qualificar o GATT como uma entidade de caráter vago,

solto, onde cada país resguardava plenamente sua soberania, sendo, contudo,

exatamente essa ausência de poder, a sua força. No GATT, eram tantas as exceções

que bastaria a um país apenas demonstrar a sua boa vontade (GORTER, 1954: 8-9).

75

Page 76: Texto Helio

Essa lógica de negociações bilaterais, onde o principal exportador de um produto

negociava com o principal importador a redução da incidência tarifária e, em troca,

obtinha concessão equivalente, pelo princípio da reciprocidade, predominou em todas

as Rodadas realizadas, desde a primeira em Genebra, em 1947, até a quinta, em 1961,

passando por Annecy, em 1949, e Torquay, transcorrida entre 1950 e 1951 e, ainda,

Genebra, em 1956. À medida que o GATT, embora jamais tenha vindo a se converter

em uma organização internacional, adquiriria algumas feições de institucionalidade,

sessões regulares, de relativa periodicidade, geralmente anuais, eram mantidas com o

propósito de gerenciar o Acordo, analisar a procedência das queixas de uma Parte

contra outra ou outras e, ainda, buscar soluções para pontos de interpretação do

Acordo ou dificuldades apresentadas pelas Partes. Também, nessas sessões, eram

deliberados os processos de acessão de novas Partes Contratantes, por maioria de

dois terços e decididos momentos convenientes para a realização de novas rodadas

sendo que, após Torquay, quando, simultaneamente, se deu a quinta sessão, as

rodadas não mais coincidiram com os períodos das sessões.

Durante a sexta sessão, realizada em Genebra, entre 17 de setembro e 26 de

outubro de 1951, foi aprovada resolução, por 24 votos a um e quatro abstenções, que

desobrigava aos Estados Unidos a manterem seus compromissos para com a

Tchecoslováquia, a qual declarou que não atribuiria validade à decisão (HUDEC, 1999:

104)66. E na sétima sessão, havida igualmente em Genebra, entre 02 de outubro e 10

de novembro de 1952, ressurgiram as queixas, já verificadas na sessão anterior,

provenientes de diversos países europeus, junto com Austrália, Nova Zelândia e

Canadá, contra os Estados Unidos, devido a suas restrições a importações de produtos

lácteos, em razão da adoção da Seção 104, intitulada Defense Product Act, a qual, no

entendimento dos reclamantes, infringiam disposições do GATT, implicando, ainda, em

anulação e prejuízo a concessões efetuadas anteriormente, embora reconhecessem

que o país vinha empreendendo esforços para relaxar tais imposições. E, finalmente,

66 Cf. “International Trade Organization (Interim Commission)”. In: International Organization, Vol. 6, No. 1 (Feb., 1952): 127-128.

76

Page 77: Texto Helio

as Partes Contratantes concordaram em abrir negociações com o Japão, visando a

atender à solicitação norte-americana referente a sua acessão67.

A oitava sessão do GATT, que também teve lugar em Genebra no período de 17

de setembro a 24 de outubro de 1953, registrou duas acirradas polêmicas. A primeira

delas constou de uma solicitação da Grã-Bretanha de derrogar o cumprimento (waiver)

do disposto no Artigo 1, relativo a “no-new-preference”, pelo qual, o sistema imperial de

preferências tarifárias era permitido, contanto que a margem de preferências – que

significava a diferença entre tarifas sobre importações da Commonwealth e de não

membros – não fosse elevada, supostamente com o objetivo de mudar o esquema de

proteção agrícola de seu mercado interno. Intensas negociações acabaram permitindo

a aprovação parcial do waiver, recaindo apenas sobre alguns produtos. A segunda

celeuma residiu na proposição, patrocinada pelos Estados Unidos, de aprovar um

status especial para o Japão, na condição de membro associado provisório, em função

do qual, as Partes poderiam negociar com este país, mas necessariamente não fazê-lo,

se assim não o desejassem, havendo, por conseguinte, uma flexibilidade na regra de

Tratamento de Nação Mais Favorecida. A oposição partia da Grã-Bretanha, sob a

alegação de que, se o Japão entrasse no GATT, os países poderiam vir a elevar suas

barreiras contra todos os demais, pois concessões efetuadas a um, deveriam ser

estendidas a todos e, portanto, prejudicar as exportações britânicas e de outros países,

ou mesmo que tal não ocorresse, estar-se-ia ferindo as regras do Acordo Geral. Ao

fim, o status pretendido foi aprovado, abstendo-se Grã-Bretanha, Austrália, Nova

Zelândia, União da África do Sul e Rodésia do Sul, sendo aprovada declaração que

facultava aos países a extensão de concessões feitas a outros, porém, não

necessariamente, o Tratamento de Nação Mais Favorecida lhe era automaticamente

concedido. Ainda nesta sessão, o GATT divulgou o relatório de atividades International

Trade, 1952, que considerava ter havido uma espetacular recuperação do comércio

67 Igualmente, na sétima sessão, foram confirmadas as acessões de Áustria, Alemanha Ocidental, Peru e Turquia, por terem assinado o Protocolo de Torquay. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 6, No. 4 (Nov., 1952): 647-649.

77

Page 78: Texto Helio

internacional, ultrapassando o maior pico registrado em 1929, antes da crise

econômica, em 24%68.

A nona sessão do GATT, que se iniciou em 28 de outubro de 1954, em Genebra,

teve como principal tema a proposta de revisão do Acordo Geral tendo em vista o seu

fortalecimento. O debate levantado pelo Chairman da sessão e representante do

Canadá, L. Dana Wilgress, sustentava que a alternativa à consolidação do GATT seria

o retorno à anarquia comercial, ao nacionalismo econômico, à arbitrariedade de

barreiras impostas e a incentivos artificiais às exportações. Acompanhando essa

posição, a Grã-Bretanha se declarava favorável ao revigoramento do GATT e ao reforço

das regras sobre políticas comerciais, o que resultaria em obstáculos a práticas

discriminatórias e a violações. Porém, sem abdicar de seu papel de, ainda, presumida

potência colonial, sugeria que disposições sobre subsídios a exportações deveriam ser

fortalecidas, assim como ampliadas as disposições sobre tratamento a territórios

coloniais, especialmente no que se referia às suas necessidades de desenvolvimento,

em que indústrias nascentes dependeriam das exportações para a metrópole, não

podendo ter seu crescimento restringido às dimensões de suas economias. O

posicionamento da Grã-Bretanha era, via de regra – com alguma alteração aqui e ali –

seguido pela maior parte dos seus parceiros da Commonwealth, com a exceção da

Austrália. Assim, a Nova Zelândia apoiava restrições quantitativas às importações por

motivo de instabilidade na balança de pagamentos, porém criticava os subsídios às

exportações, enquanto o Ceilão clamava que os países subdesenvolvidos deveriam ter

algum tipo de tratamento especial que lhes permitisse aplicar quotas de importação,

tarifas e acordos de commodities, com o objetivo de assegurar o desenvolvimento

econômico.

Em certos aspectos, a Austrália tendia a se aproximar da posição dos países

subdesenvolvidos – assim como a Tchecoslováquia – ao defender a negociação de

68 Ainda, no transcorrer dessa sessão, a Libéria efetivou sua retirada do GATT. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 7, No. 4 (Nov., 1953): 584-588.

78

Page 79: Texto Helio

acordos de commodities, e a apoiar medidas de proteção às economias em

desenvolvimento, mas era adepta da idéia da revogação do instrumento da “no-new-

preference”, identificando-se aí com a posição britânica.

Quanto aos Estados Unidos, estes se manifestavam por um sistema de acordos

mais amplos e estáveis, defendendo a existência de uma organização permanente. Por

outro lado, criticavam a manutenção de restrições a importações americanas de bens

por países cuja situação econômica e competitiva havia melhorado substancialmente,

considerando a presença de tais restrições ininteligível. Porém, alegavam que não

permitiriam o ingresso de produtos agrícolas indiscriminadamente apoiados nos preços

norte-americanos, propugnando pela discussão em torno dos subsídios às exportações

de produtos agrícolas. No conjunto, os Estados Unidos apresentaram uma gama de

temas para debate, dentre os quais se destacava a necessidade da adoção de medidas

excepcionais de tratamento para países subdesenvolvidos 69.

Com efeito, as discussões e, principalmente, a modalidade então predominante

de negociação de concessões tarifárias, produto a produto, a partir do principal

exportador, eram monopolizadas pelos países desenvolvidos, considerando-se, ainda,

as exceções para a redução tarifária para produtos agrícolas. Nesse aspecto, ressalta

Lafer (1971: 48-49), os países subdesenvolvidos se situavam completamente à margem

do sistema mundial de regras comerciais, sendo discriminados por todas as formas,

primeiramente, por não serem principais exportadores de mercadoria alguma e

segundo, pela não obrigatoriedade do cumprimento da Parte II do Acordo, que

dispunha sobre regras de boa conduta comercial.

69 Mais detalhadamente, os Estados Unidos propuseram uma pauta de cinco pontos para discussão no âmbito da reforma do GATT: 1) necessidade de um secretariado permanente e outros órgãos; 2) necessidade de exceções especiais para os países em desenvolvimento; 3) problemas de quotas e subsídios às exportações; 4) disposições concernentes às restrições às importações por problemas na balança de pagamentos, 5) disposições concernentes à duração das concessões tarifárias. Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 9, No. 1 (Feb., 1955): 174-178.

79

Page 80: Texto Helio

Os países da Europa Ocidental, notadamente a França, buscavam vincular as

questões relacionadas ao comércio internacional a perspectivas regionais. A posição

francesa defendia que caberia às organizações européias, fundamentalmente à então

Organização para a Cooperação Econômica Européia, a atribuição de competências

relacionadas aos acordos e arranjos regionais. E, ainda, alertava que uma ampliação

das tarefas do GATT em direção a maior conversibilidade monetária e maior

liberalização comercial exigiria redobrados cuidados e deveria considerar as condições

e o progresso social de cada país e região. Acentuando a defesa do regionalismo,

Bélgica, Holanda e Luxemburgo apresentavam proposta que autorizaria aos países da

Europa Ocidental a discriminar bens cotados em dólar e a restringir as importações com

vistas à intensificação da integração econômica européia.

Paradoxalmente, a Alemanha Ocidental criticava a perspectiva de regionalização

do comércio internacional, assim como apelava para a eliminação integral das

restrições quantitativas às importações, pondo-se, igualmente, contrária à manutenção

das cláusulas de escape que se apoiavam nas necessidades das reparações de guerra.

Propunha, também, a introdução de cláusula impeditiva à ação dos cartéis, por

considerar que a atividade destes grupos poderia prejudicar a liberalização comercial,

retomando a proposta incorporada na Carta de Havana, embora a ela não aludisse,

porém, desta vez, foram os Estados Unidos que se opuseram frontalmente à idéia.

Enquanto isso, os países escandinavos e a Holanda voltavam a reclamar da

vulnerabilidade dos países que praticavam tarifas reduzidas e dispunham-se, como

defesa, a manter as restrições por quotas.

Ao final, as Partes concluíram por criar quatro grupos para discutir temas

relacionados a restrições quantitativas, o primeiro; o segundo sobre programa tarifário;

sobre outras barreiras ao comércio o terceiro e, finalmente, o quarto concernia a

questões de natureza organizacional, como a instituição de um secretariado e sobre

emendas ao GATT. E foi este quarto grupo, junto com o primeiro, que chegou ao

delineamento de acordo, em que se alinhavaram alguns pontos como o

80

Page 81: Texto Helio

estabelecimento de uma organização permanente com poderes para gerenciar o GATT

e atuar como campo de resolução de disputas e condução de negociações relativas a

acordos comerciais internacionais. A concepção da organização implicaria na

existência de uma assembléia, um comitê executivo para agir celeremente em

circunstâncias não previstas, além de um secretário geral e um elemento de ligação

para atuar junto ao Fundo Monetário Internacional. E o primeiro grupo veio a concluir

acordo referente à permissão de aplicação de restrições quantitativas em benefício de

países subdesenvolvidos, sujeita à criação de um sistema de revisão.

Após o recesso de fim de ano, a sessão foi retomada, durante a qual os Estados

Unidos declararam estar dispostos a ter limitada a possibilidade de subsidiar

exportações de produtos agrícolas desde que nenhum país viesse a assim proceder,

pois se tal ocorresse, obteria uma porção, que considerariam injusta do mercado

mundial e, que, também, caso um país viesse a alegar dano substancial devido à

pratica de subsídio por um país exportador, ambos discutiriam o assunto. A proposta

norte-americana não necessariamente angariou simpatia por parte de países como o

Canadá, a Holanda, a Austrália e a Nova Zelândia, por não considerarem-na

suficientemente convergente com as posições que eram por estes defendidas, porém,

avaliavam que aqueles não apresentariam concessões adicionais 70.

Na retomada dos trabalhos, no começo de 1955, a proposta de se criar uma

estrutura organizacional para o GATT foi aperfeiçoada, sendo que, além da assembléia,

que reuniria todas as Partes Contratantes, haveria uma associação de países não

participantes que manifestassem interesse em acompanhar as discussões e

negociações. Caberia à assembléia designar dezesseis Partes para compor o comitê

executivo, cuja distribuição obedeceria a critérios de localização geográfica combinada

a volume de comércio e a sede em Genebra contaria com um pequeno contingente de

funcionários. Também o processo deliberativo sofreria mudanças, pois o que

70 Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 9, No. 1 (Feb., 1955): 174-178.

81

Page 82: Texto Helio

anteriormente era decidido por maioria de dois terços, inclusive a acessão de novas

Partes, passaria a ser consensual. Assim sendo, a reformulação do GATT, com vistas

a conferir-lhe maior vigor, guardava semelhanças, embora poucas, com a frustrada

tentativa de se erigir a Organização Internacional do Comércio, mas mantendo sua

esfera de competência exclusivamente à Política Comercial71. A nova organização, que

seria denominada Organization for Trade Cooperation, dependeria da aprovação dos

Estados Unidos, que assinaram os protocolos de emenda do GATT em março de 1955,

mas ressalvando que, embora a autorização fornecida pelo Congresso norte-americano

ao Executivo para encetar negociações no âmbito do Acordo Geral incluísse as

emendas, para que o país ingressasse em uma nova organização internacional, esse

passo teria que passar pelo crivo do Legislativo72.

Enquanto a proposta de constituição da nova organização não se consumava, o

que novamente não iria ocorrer, em março de 1955, as Partes empreenderam revisão

ao Acordo Geral, em que se incluiu os Artigos XVIII, referente à modificação de

compromissos, e XXVIII bis, sobre negociações tarifárias, transformando-o em espaço

de negociações permanentes (WEINRICHTER, 1999: 3). Para os países menos

desenvolvidos, a revisão efetuada na estrutura do GATT resultou na alteração das

disposições contidas no Artigo XVIII, que dispunha sobre Assistência Governamental ao

Desenvolvimento Econômico, as quais passaram a permitir que estes países – com

baixos níveis de qualidade de vida e em estágios iniciais de desenvolvimento –

alterassem as concessões tarifárias já consolidadas, visando a proteger as indústrias

nascentes, assim como aplicar restrições quantitativas sobre importações, com o

propósito de assegurar a estabilidade de sua balança de pagamentos contra a

demanda por importações gerada por seus programas de desenvolvimento, desde que,

em assim procedendo, o fosse de maneira não-discriminatória. Caso o país

71 Cf. “International Trade Organization”. In: International Organization, Vol. 9, No. 2 (May, 1955): 278-279. 72 A Austrália, um dos dois únicos países que havia ratificado a proposta de criação da Organização Internacional do Comércio, condicionou sua aceitação à nova organização após ratificação pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Cf. “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 9, No. 4 (Nov., 1955): 599.

82

Page 83: Texto Helio

preenchesse apenas a segunda condição, ou seja, se encontrasse em processo de

desenvolvimento, mas não dispusesse de baixa qualidade de vida, poderia, igualmente,

usufruir desta prerrogativa, se necessário fosse73.

Em 1955, o total de países subdesenvolvidos que eram Partes Contratantes do

GATT elevara-se a dezesseis, conforme quadro adiante, porém ainda em número

insuficiente para propiciar alterações significativas a estes, das regras vigentes no

âmbito do Acordo Geral.

QUADRO III

73 Especificamente, o primeiro Artigo indicava que, em casos de países com baixos padrões de vida e estágios iniciais de desenvolvimento, lhes seria facultada a prerrogativa de retirar ou modificar concessões efetuadas, com vistas a promover o surgimento de indústrias que pudessem elevar aqueles padrões, desde que notificando e negociando com as Partes Contratantes mais afetadas (Seção A); em seguida, reconhecia que os países em desenvolvimento tinham o direito de aplicar restrições às importações em caso de ameaça a suas reservas ou priorizar importações de produtos considerados essenciais a seu desenvolvimento, desde que evitando danos desnecessários a outras Partes Contratantes (Seção B), bem como permitir que fosse efetuada assistência governamental para a promoção de indústrias específicas (Seção C); o artigo subseqüente dispunha que negociações multilaterais poderiam ser empreendidas, levando-se em conta as necessidades dos países em desenvolvimento, flexibilizando a utilização de proteção tarifária, com vistas às necessidades de desenvolvimento ou outras circunstâncias relevantes. Cf. Annex I: Chronology of PrincipalProvisions, Measures and Other Initiatives in Favour of Developing and Least Developed Countries in the GATT and the WTO. Disponível em www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/anexi_e.doc.

83

Page 84: Texto Helio

ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO

PARTES CONTRATANTES POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO 1955

CATEGORIA

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

Alemanha Ocidental, Austrália, Áustria, Bélgica,

Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Itália,

Japão, Luxemburgo, Nova Zelândia, Noruega,

Rodésia do Sul, Suécia, Tchecoslováquia, União

Sul-Africana.

SUBDESENVOLVIDOS

Birmânia, Brasil, Ceilão, Chile, Cuba, El Salvador,

Haiti, Índia, Indonésia, Líbano, Nicarágua, Paquistão, Peru, República Dominicana, Turquia,

Uruguai.

Elaborado a partir de dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio

A décima sessão, realizada no período de 27 de outubro a 03 de dezembro de

1955 abordou uma ampla variedade de temas, donde se destacaram a discussão do

draft de um eventual acordo sobre commodities e a acessão do Japão. O debate em

torno das commodities versava sobre a proposta elaborada pelo grupo de trabalho

criado na sessão anterior, o qual rascunhou um acordo internacional, que seria

desmembrado do GATT e definiria uma série de princípios e procedimentos para

negociações futuras. Como diversos pontos não encontraram convergência, as Partes

decidiram que as conversações prosseguiriam após o encerramento da sessão,

sugerindo a criação de um novo grupo que redigiria um draft conclusivo sobre a

questão.

84

Page 85: Texto Helio

No tocante à acessão do Japão como trigésima quinta Parte Contratante do

GATT, a candidatura recebeu mais do que dois terços dos votos necessários à

aprovação, porém quatorze Partes notificaram que deixariam de fora das disposições

do GATT, as suas respectivas transações comerciais com o país, com base no Artigo

35 do Acordo Geral74.

Em janeiro de 1956, era aberta a quarta rodada de negociações tarifárias do

GATT, vindo a se encerrar em 23 de maio daquele ano, contando com a participação

de 22 Partes Contratantes75 e a representação da Comunidade Européia do Carvão e

do Aço, vindo a abranger cerca de sessenta negociações intergovernamentais e

incidindo em torno de US$ 2,5 bilhões anuais em importações76.

Logo após, iniciavam-se os trabalhos da décima primeira sessão das Partes

Contratantes do GATT, levada a cabo entre 11 de outubro e 17 de novembro de 1956.

Novamente, veio à tona a criação de um aparato organizacional para o GATT, quando

foi suscitada, pelo Canadá, a questão do fiasco norte-americano para sua adesão,

seguido pela Austrália, que teceu pesadas críticas à política comercial dos Estados

Unidos, colocando em dúvida sua liderança do sistema por tal fiasco e, também, pelo

programa de descarte de excedentes agrícolas. Nessa sessão, igualmente, foi

discutida a proposta de transformação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço

em união aduaneira, composta pelos seus seis integrantes originais – Bélgica, Holanda,

França, Luxemburgo, Alemanha Ocidental e Itália – os quais deram garantias às Partes

74 O Artigo 35 do GATT/1947 dispunha que as Partes Contratantes podiam abster-se de assumir as obrigações atinentes ao Acordo, sendo esses quatorze países Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Cuba, França, Grã-Bretanha, Haiti, Holanda, Índia, Luxemburgo, Nova Zelândia, União da África do Sul e Federação da Rodésia e Niassalândia (resultante da junção de Rodésia do Sul e do Norte, atual Malawi). A narrativa sobre a décima sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 10, No. 1 (Feb., 1956): 226-228. 75 Verifica-se uma discrepância nesses dados, pois a fonte aqui utilizada, a International Organization, relata nominalmente as 22 Partes participantes, porém a fonte oficial da atual Organização Mundial do Comércio apresenta 26 Partes. 76 A narrativa sobre a Quarta Rodada de negociações tarifárias está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 10, No. 3 (Aug., 1956): 517.

85

Page 86: Texto Helio

de que nada seria realizado que não se coadunasse com os princípios do GATT

relativos a uniões aduaneiras e a acordos de livre comércio, considerando as Partes ser

então prematuro conduzir uma avaliação da proposta, uma vez que ainda não fora

concluída. Situação parecida se discutiu em relação à Nicarágua, que estava em vias

de formar uma área de livre comércio com seus vizinhos centro-americanos, os quais,

no entanto, não eram Partes do GATT, sendo aprovado acordo neste sentido, segundo

o qual, as tarifas e outras barreiras ao comércio entre Nicarágua, El Salvador, Honduras

e Costa Rica, incidentes sobre suas transações comerciais, seriam eliminadas num

prazo de dez anos, contados a partir da data da instituição da área de livre comércio da

América Central77.

Atuando pela primeira vez na história do GATT, no curto espaço de tempo de

quatro dias, entre 24 e 28 de abril de 1957, o Comitê Inter-sessional contou com a

presença de 31 das 35 Partes Contratantes para debater, fundamentalmente, o projeto

de constituição do Tratado do Mercado Comum Europeu. Como não se encontrou

consenso para lidar com a questão, foi criado um programa de trabalho preparatório,

com a duração necessária, em conjunto com o Comitê Interino do Tratado europeu, a

ser supervisionado pelo secretariado do GATT. Referente ao segundo passo do

processo de integração européia, o Japão manifestava sua preocupação de que os

territórios ultramarinos dos países pertencentes ao Mercado Comum tivessem um

status econômico privilegiado78.

A décima segunda sessão, ocorrida entre 17 de outubro e 30 de novembro de

1957, empenhou grande parte de suas atividades para tratar do projeto de formação da

Comunidade Econômica Européia e, também, dos aspectos comerciais pertinentes à

criação da Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom). Em encontro

77 A narrativa sobre a décima primeira sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 11, No. 1 (Winter, 1957): 205-207. 78 A narrativa sobre a reunião do Comitê Inter-sessional está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 11, No. 3 (Summer, 1957): 579-580.

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Page 87: Texto Helio

ministerial havido entre 28 e 30 de outubro, decidiu-se, então, criar um comitê para

avaliar o conteúdo do Tratado instituidor da Comunidade Econômica e suas inter-

relações com as obrigações concernentes ao GATT, subdividido em quatro outros

comitês para analisar tarifas, restrições por balança de pagamentos, territórios

ultramarinos e política de proteção à agricultura. Como questões pertinentes aos temas

debatidos não teriam ficado suficientemente esclarecidas, encarregou-se o Comitê

Inter-sessional a dar prosseguimento ao assunto, assim como designá-lo para

acompanhar as negociações de formulação do Tratado, que se desenrolavam em Paris.

Em relação à formação da área de livre comércio da América Central, a Nicarágua

relatou que as negociações seguiam seu curso, mas não se haviam completado os

trâmites de assinatura do tratado.

Nessa sessão, a Alemanha Ocidental, enfim, apresentou um programa de

liberalização comercial, após ter sofrido uma saraivada de críticas, em sessões

anteriores, por conta das restrições impostas por problemas relativos à balança de

pagamentos, embora muitos de seus parceiros comerciais o tenham considerado

insuficiente, tendo sido sugerido ao país que reapresentasse nova proposta, a qual

seria discutida no Comitê Inter-sessional.

No decorrer dos trabalhos da sessão, foi levantada a questão do desequilíbrio da

participação dos países subdesenvolvidos no comércio internacional, ressaltando-se a

dificuldade destes países em manterem sua posição em relação aos países

industrializados, face ao declínio dos preços das commodities primárias e do amplo

recurso ao protecionismo agrícola. E, com o objetivo de analisar a tendência do

declínio do nível das exportações dos países subdesenvolvidos e seu impacto em

médio prazo, resolveu-se formar um panel de experts não-governamentais, o que, de

toda forma, não implicaria em qualquer juízo de valor sobre a política comercial de cada

uma das Partes Contratantes ou qualquer recomendação a respeito.

87

Page 88: Texto Helio

A questão de ser exercido algum controle sobre práticas comerciais restritivas,

evitando abusos por parte de cartéis e monopólios, voltava ao tema de debate no

GATT, por iniciativa da Noruega, decidindo-se que o secretariado deveria levantar

material relevante sobre o assunto. Ainda, nesta sessão, se deram as acessões de

Gana e Malásia, condicionadas ao dispositivo do GATT, segundo o qual, países em

processo de emancipação nacional, poderiam se tornar Partes Contratantes de pleno

direito quando obtivessem autonomia na formulação de sua política comercial, desde

que patrocinada pela antiga metrópole79.

Um novo encontro do Comitê Inter-sessional foi aberto em 14 de abril de 1958,

reunido por três semanas, com a participação das 37 Partes Contratantes, quando

foram discutidas as disposições relativas à instituição do Tratado de Roma que criava a

Comunidade Econômica Européia, debruçando-se, especificamente, sobre as tarifas

aduaneiras comuns estabelecidas pela nova Comunidade, o emprego de restrições a

importações em razão da balança de pagamentos, a questão da política agrícola e a

associação dos territórios ultramarinos como integrantes do mercado e o significado de

tal associação para o comércio mundial. No tocante à manutenção das restrições por

balança de pagamentos impostas pela Alemanha Ocidental, o Comitê considerou

insatisfatório o tratamento dado pelo governo alemão e recomendou a este que

relatasse à próxima sessão as providências tomadas.

Previamente à realização da décima terceira sessão, entre 20 de outubro e 22 de

novembro de 1958, acontecera um encontro ministerial reunindo as Partes Contratantes

em que se discutiu a situação do comércio internacional, percebida pelos ministros

como promissora quanto à expansão das atividades comerciais internacionais, assim

como avaliavam progresso quanto ao cumprimento dos objetivos do GATT. Contudo,

concordaram que obstáculos ainda se apresentavam, principalmente no que dizia

respeito aos países menos desenvolvidos, afetados por problemas de pagamentos e 79 A narrativa sobre a décima segunda sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 12, No. 2 (Spring, 1958): 261-263.

88

Page 89: Texto Helio

pela situação existente referente às commodities primárias, além de vislumbrarem

dificuldades que entravavam o crescimento do comércio mundial de produtos agrícolas,

sem, no entanto, listá-las. Nessa ocasião, foi divulgado o relatório produzido pelo Panel

de Experts, incumbido de analisar as tendências do comércio mundial e a inserção dos

países subdesenvolvidos nessa dinâmica, conforme deliberado na sessão anterior.

Nesse documento, denominado Trends in International Trade, igualmente conhecido

como Haberler Report, havia algumas recomendações para adoção pelas Partes como

aumento da ajuda econômica; maior liqüidez internacional; moderação do

protecionismo agrícola na Europa e nos Estados Unidos bem como uma alteração de

métodos de proteção, propondo seu deslocamento de um sistema de apoio a preços

para um sistema de pagamento de deficiências; redução de proteção contra a

importação de produtos minerais e, por fim, preconizava que se evitassem medidas

desviantes do comércio em acordos econômicos regionais80.

Por conseguinte, os debates predominantes durante a sessão refletiram os

termos e as recomendações contidas no citado relatório, girando em torno das

perspectivas e necessidades de expansão do comércio internacional, a atenção aos

países subdesenvolvidos, o protecionismo agrícola e as conjecturas para a realização

de uma nova rodada de redução tarifária. Em virtude, decidiu-se pela elaboração de

um programa de ação voltado para a expansão do comércio internacional, criando-se,

para tal, três comitês, sendo o primeiro dedicado a avaliar a possibilidade de se

promover uma rodada efetivamente multilateral de negociações tarifárias no âmbito da

estrutura do GATT; ao segundo comitê foi atribuída a tarefa de analisar questões

relacionadas à produção agrícola, inclusive procedendo a consultas junto a outros

organismos internacionais para levantar dados sobre o emprego, pelas Partes

Contratantes, de medidas não-tarifárias destinadas a proteger a produção agrícola ou,

ainda, identificar os apoios conferidos aos produtores domésticos e, de posse destes

dados, analisá-los de que forma as regras do GATT estariam se demonstrando 80 O panel de experts, encabeçado pelo economista norte-americano de origem austríaca Gottfried Haberler, que deu nome ao Relatório, foi composto por outros três economistas: Jan Tinbergen (Prêmio Nobel em 1969), James Meade (Prêmio Nobel em 1977) e Oswaldo Campos.

89

Page 90: Texto Helio

inapropriadas para promover a expansão do comércio internacional. Por fim, o terceiro

comitê tinha por encargo estudar e propor outras medidas voltadas para a expansão do

comércio, concentrando-se, prioritariamente, na manutenção e expansão dos ganhos

de exportação dos países menos desenvolvidos.

Em relação à formação da Comunidade Econômica Européia, a sessão deliberou

prorrogar qualquer resolução final. Nessa ocasião, Brasil e Chile comunicaram que, em

conjunto com a Argentina, planejavam dar passos para promover, por meio de acordos,

a integração econômica de seus países, de forma gradual e progressiva.

A décima quarta sessão do GATT deu-se entre 11 e 30 de maio de 1959, tendo

como principal marco a definição dos pressupostos para a realização de uma nova

rodada de negociações tarifárias, cuja data foi prevista para setembro de 1960. As

definições estabeleceram quatro categorias de negociação sendo a primeira, as

negociações encetadas entre as Partes Contratantes visando a novas concessões; a

segunda referia-se a renegociações com os membros da Comunidade Econômica

Européia para ajustes na tarifa comum, levando em consideração as tarifas

consolidadas no âmbito do GATT; a terceira tratava de renegociações nos

compromissos de redução tarifária então já existentes, os quais se desejava

implementar antes do fim do período de três anos, ainda à época, em vigor e,

finalmente, negociações com países que pretendiam aceder ao GATT. Nessa sessão,

a Espanha foi admitida como observadora, a Iugoslávia como associada, por um

período de três anos renováveis, mas sem direito a voto, e aprovou-se Israel como

integrante provisório, sendo que sua acessão seria plenamente efetivada após a

realização da nova rodada de negociações81.

Ainda em 1959, se realizou a décima quinta sessão, de 26 de outubro a 20 de

novembro, em cujos primeiros três dias, as Partes debateram diversos temas, dentre os 81 A narrativa sobre a décima quarta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 13, No. 3 (Summer, 1959): 487-488.

90

Page 91: Texto Helio

quais, a necessidade de se empreender o máximo esforço para apoiar os países menos

desenvolvidos que não haviam conseguido partilhar da melhoria das condições

econômicas e a exigência de que os acordos regionais, a exemplo da Comunidade

Econômica Européia e da Associação Européia de Livre Comércio, considerassem os

interesses comerciais de outros países e resguardassem os princípios do Acordo Geral.

Visando a garantir os interesses dos países exportadores de produtos agrícolas,

a sessão deliberou que, pela primeira vez, além das negociações envolvendo

concessões tarifárias, a rodada que se iniciaria em setembro de 1960, poderia

comportar negociações em torno de barreiras não tarifárias como subsídios e taxas

internas, porém facultando às Partes aceitar ou não tais negociações, no que,

prontamente, a Comunidade Econômica Européia declarou que trataria, tão somente,

de tarifas.

Um dos comitês instalados durante a décima terceira sessão, em 1958, relativo

às dificuldades enfrentadas pelos países menos desenvolvidos, apresentou, nessa

sessão, suas recomendações no sentido de que as Partes Contratantes devessem

examinar suas barreiras ao comércio com aqueles países, em especial, tarifas, taxas e

encargos internos, restrições quantitativas e outras medidas, com o objetivo de

promover os ganhos de exportação, tornando os países menos desenvolvidos menos

condicionados à concessão de ajuda externa, assim como colaborando para robustecer

suas economias e expandir seu grau de desenvolvimento.

Em vistas do que viria a se constituir a Associação Latino-Americana de Livre

Comércio (ALALC), Brasil, Chile, Peru e Uruguai informaram às Partes que avançavam

as tratativas para a formação institucional que pretendia viabilizar a integração

econômica do subcontinente, sendo recebida a nota favoravelmente, contudo alertando

91

Page 92: Texto Helio

para que não se tornasse um instrumento de distorção e sim de expansão do

comércio82.

Após mais um fracasso na tentativa de se institucionalizar o GATT, através da

Organization for Trade Cooperation, as Partes buscaram criar uma mínima estrutura

permanente para o Acordo Geral. Assim sendo, a décima sexta sessão, ocorrida entre

16 de maio e 04 de junho de 1960, em Tóquio, deliberava pela criação de um conselho

para solucionar questões surgidas entre as sessões ordinárias e regulares, aberto a

todos países que o quisessem integrar. Uma outra providência no sentido da maior

estruturação consistiu em se autorizar o Secretário Executivo do GATT a aumentar o

número de profissionais e a ampliar as instalações físicas da sede em Genebra.

De outra forma, três itens vinculados a associações entre países colocavam-se

em pauta. A primeira dizia respeito à formação da Associação Européia de Livre

Comércio (EFTA), composta por sete países. Pairavam dúvidas acerca da consonância

de seus termos com as regras do GATT, levantadas principalmente pelos Estados

Unidos, considerando que a ausência de menção, no acordo, à agricultura e à pesca,

significava que todas as trocas comerciais entre seus membros, como dispunha o

GATT, não estavam incluídas. As demais referiam-se à criação da Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico, como sucedânea da Organização

Européia para a Cooperação Econômica e a celebração do Tratado de Montevidéu,

fundando a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), integrando sete

países latino-americanos83.

A décima sétima sessão, de 31 de outubro a 19 de novembro de 1960, continuou

a se deter na avaliação das três experiências de integração econômica regional em

82 A narrativa sobre a décima quinta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 14, No. 1 (Winter, 1960): 221-222. 83 A narrativa sobre a décima sexta sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 14, No. 3 (Summer, 1960): 490-491.

92

Page 93: Texto Helio

curso à época, a Comunidade Econômica Européia, a Associação Latino-Americana de

Livre Comércio e Associação Européia de Livre Comércio. Embora as Partes

considerassem que as três propostas encontravam-se atreladas ao espírito do Artigo

XXIV do GATT, relativo à formação de áreas de livre comércio e uniões aduaneiras, as

dúvidas registradas nas sessões anteriores ainda persistiam, levando-as a exigir novos

detalhamentos sobre tarifas no caso das duas últimas propostas, e sobre a Política

Agrícola Comum somada ao que consideravam possíveis efeitos danosos ao comércio

internacional, dado o privilégio conferido aos territórios associados – vale dizer, às

colônias ultramarinas remanescentes, no caso da CEE.

Também se retornava às questões relacionadas aos efeitos das políticas

agrícolas sobre o comércio internacional e aos obstáculos enfrentados pelos países

menos desenvolvidos para a ampliação de sua participação nas trocas comerciais

internacionais, após a análise empreendida pelos dois grupos de trabalho, que

apresentavam seus respectivos relatórios. No primeiro caso, houve a percepção de

que, em maior ou menor grau, a questão da exploração e comercialização agrícolas,

sempre sofreu algum tipo de intervenção governamental, voltadas para apoiar e

subsidiar produtores domésticos, anulando quaisquer concessões tarifárias efetuadas

anteriormente e causando efeitos gravemente distorcivos ao comércio, fugindo de

qualquer padrão aceitável de produção e comercialização. Quanto à situação dos

países menos desenvolvidos, o relatório pertinente demonstrava a continuidade da

estagnação comercial, a despeito da flexibilidade concedida poucos meses antes por

alguns países industrializados no tocante a restrições por quotas, tendo sido os ganhos

obtidos julgados como bastante irrelevantes. A crítica contida no relatório acabou por

gerar acalorado debate pautado por acusações mútuas, em que os países menos

desenvolvidos responsabilizavam os países industrializados por manterem sua política

de proteção, através de quotas de importação para têxteis e outras manufaturas

simples, no que estes retrucavam que os de baixo desenvolvimento deveriam

diversificar o leque de produtos destinados à exportação e intensificar processos de

93

Page 94: Texto Helio

integração comercial regional como fator que poderia vir a beneficiá-los84. Segundo

Raghavan, não houve atitudes tomadas efetivamente em favor dos países em

desenvolvimento, restando-as no campo das promessas, pois as resoluções que seriam

implementadas na rodada seguinte de negociações tarifárias, a Rodada Dillon (1961),

jamais o foram, e, para agravar, foi quando exatamente se deu início às restrições de

importações de produtos industriais oriundos desses países, baseadas, segundo o

autor, em teorias estranhas àquelas referidas ao livre comércio que tomam como base

as vantagens comparativas (RAGHAVAN, 1986).

A décima oitava sessão, bem mais curta, realizada entre 14 e 19 de maio de

1961, teve grande parte de sua agenda tomada pelo debate em torno do processo de

integração da Comunidade Econômica Européia, em que, mais uma vez, a discussão

abordando o favorecimento dos territórios associados foi a tônica dominante,

materializado por acordos preferenciais. De um lado, várias Partes Contratantes

consideravam que não ainda haviam vislumbrado, na letra do Artigo XXIV, alguma

solução para a questão. De outro, a CEE alegava que nos três anos de exercício da

tarifa comum, não se haviam verificado prejuízos a terceiras partes, como

demonstravam as estatísticas relativas à movimentação comercial do período. Como

não se atingia a qualquer consenso sobre a questão, protelou-se a perspectiva de

algum arranjo para adiante. Quanto a ALALC, os países dela integrantes comunicaram

que já haviam depositado os respectivos instrumentos de ratificação85.

Refletindo o forte movimento de descolonização, iniciado em meados da década

de 1950 e atingindo seu ápice no início dos anos 1960, as Partes Contratantes, nessa

sessão, deliberaram por se disporem, através do GATT, a fornecer ajuda e orientação

para a formulação de suas políticas comerciais e aduaneiras, sendo que, dois novos

84 A narrativa sobre a décima sétima sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 15, No. 1 (Winter, 1961): 206-207. 85 Formaram a ALALC, inicialmente, Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

94

Page 95: Texto Helio

Estados já haviam recentemente acedido ao GATT em 1961, Nigéria e Serra Leoa,

somando o Acordo Geral 39 Partes Contratantes86.

A décima nona sessão, novamente de curta duração, ocorrida entre 13 de

novembro e 09 de dezembro de 1961 – e, particularmente, o encontro ministerial havido

entre 27 e 30 de novembro – tratou de temas que prenunciariam mudanças que viriam

a transformar a dinâmica do GATT nos anos subseqüentes, como, por exemplo, a

percepção do esgotamento da prática de negociações para a redução de tarifas pelo

esquema produto a produto que, se havia alcançado substanciais ganhos, já não

correspondia à crescente complexidade do comércio internacional àquele momento. E

que, portanto, as Partes deveriam estudar alguma forma de negociação que levasse à

redução linear de tarifas. Antecedendo aos resultados da Rodada que seria realizada

em 1964, recomendavam que, no tocante aos países menos desenvolvidos, lançavam

a sugestão de que fosse adotada posição mais flexível ao grau de reciprocidade

esperada. E recomendava-se que se fossem formulados planos de ação visando à

redução progressiva – se possível com prazo definido – e, até mesmo, à eventual

eliminação de barreiras existentes às exportações dos países menos desenvolvidos. E,

em conexão às preconizadas necessidades de expansão comercial dos países menos

desenvolvidos, instava-se que fossem criadas possibilidades de acesso a mercados

para produtos agrícolas, por meio de procedimentos que servissem de base para a

negociação com esse intuito, propondo que os produtos tropicais tivessem livre entrada

nos mercados importadores.

Ao analisar os diversos projetos de integração econômica regional então em

curso (CEE, EFTA, ALALC, América Central e Borneo), permaneciam insolúveis as

questões envolvendo as especificidades da Comunidade Econômica Européia, no que

tangiam à Política Agrícola Comum, à tarifa comum e à associação dos territórios

ultramarinos, deliberando-se observar tais questões tomando por base a interpretação 86 A narrativa sobre a décima oitava sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 15, No. 3 (Summer, 1961): 530-531.

95

Page 96: Texto Helio

jurídica do Artigo XXIV: 5 (a) que regulamentava os arranjos para a formação de uniões

aduaneiras, com o objetivo de assegurar às demais Partes esclarecer pontos que

viessem a evitar danos às suas exportações.

Por fim, nessa sessão, o Secretário Geral da nova Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que sucedia à antiga OECE, afirmava que

um dos objetivos da nova organização, após ter atingido aquele da “inter-liberalização

da Europa”, consistia em tratar assuntos comerciais em amplitude mundial, em

consonância com as regras do GATT87.

Em julho de 1962 se encerravam os trabalhos da Conferência das Partes

Contratantes que englobara três conjuntos de negociações: a primeira tratou das

renegociações das tarifas da Comunidade Econômica Européia com as demais Partes

Contratantes; a segunda, a rodada geral de negociações tarifárias, conhecida como

Rodada Dillon88 e, a terceira, a negociação com países acedentes ao GATT. Em

relação a CEE, em função da adoção da tarifa comum, houve necessidade de se definir

uma única tarifa européia para todas as outras Partes, sendo que, em algumas

situações, as tarifas já se encontravam consolidadas por Partes individuais

anteriormente. Já a Rodada Dillon, ainda realizada em termos de negociações

bilaterais, envolveu transações comerciais em torno de US$ 5 bilhões, quase o dobro

da rodada de 1956. As candidaturas à acessão plena abrangeram Portugal, Israel,

Camboja e Espanha, tendo os três primeiros completado todo o processo negociador89.

87 Nessa sessão, o GATT chega a 40 Partes Contratantes de pleno direito com a acessão de Tanganica (futura Tanzânia, após sua união com Zanzibar) em dezembro de 1961. A narrativa sobre a décima nona sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 16, No. 1 (Winter, 1962): 259-261. 88 A Rodada Dillon foi assim denominada, por ter sido proposta pelo então Sub-Secretário de Estado dos Estados Unidos, Douglas Dillon. 89 Apenas Portugal e Israel foram logo admitidos como Partes Contratantes em maio e julho de 1962, respectivamente, enquanto o Camboja, por jamais ter ratificado internamente o protocolo de acessão, acabou não integrando o GATT-1947. Cf. “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 16, No. 4 (Autumn, 1962): 889.

96

Page 97: Texto Helio

A vigésima sessão, realizada entre 23 de outubro e 16 de novembro de 1962,

teve como destaque a convocação de reunião ministerial extraordinária, marcada para

o início do ano seguinte, proposta por Estados Unidos e Canadá, com o objetivo de

discutir programa de ampla liberalização e expansão comercial de produtos primários e

secundários, atribuindo ênfase à busca de soluções para a primeira categoria de

produtos, vinculada aos entraves comerciais dos países menos desenvolvidos. Duas

questões estiveram fortemente presentes nos debates, as quais discorriam sobre a

Política Agrícola Comum da CEE e os problemas comerciais dos países menos

desenvolvidos, tratados especialmente por dois comitês do Programa de Expansão do

Comércio do Acordo Geral, por solicitação do Conselho do GATT. Em relação à

primeira questão, embora a CEE tivesse fornecido garantias de que a política européia

para o setor agrícola não acarretaria em prejuízos às demais Partes Contratantes,

considerava-se que ainda residia elevado grau de incerteza quanto ao impacto dessa

política para os países exportadores de produtos agrícolas. Quanto aos problemas dos

países menos desenvolvidos, foi proposto um programa de ação que consistia em cinco

pontos a serem considerados: 1) interdição de novas tarifas e barreiras não-tarifárias; 2)

eliminação de restrições quantitativas sobre as exportações até 31 de dezembro de

1965; 3) permissão, pelos países industrializados, de livre entrada de produtos tropicais

a partir de 31 de dezembro de 1963; 4) eliminação de tarifas sobre produtos primários

de importância na pauta comercial dos países menos desenvolvidos; e, 5) redução

mínima de 50%, no período de três anos, de barreiras tarifárias para produtos

processados e semi-processados, provenientes dos países menos desenvolvidos. Em

23 de outubro de 1962, Trinidad e Tobago e Uganda, recém independentes da

dominação britânica, acediam ao GATT como novas Partes Contratantes90.

Em maio de 1963, o encontro ministerial solicitado por Estados Unidos e

Canadá, e aprovado pelas Partes na última sessão, com o propósito de debater os

problemas enfrentados pelos países menos desenvolvidos, teve acrescido em sua 90 A narrativa sobre a vigésima sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 17, No. 1 (Winter, 1963): 306-309.

97

Page 98: Texto Helio

agenda mais dois itens que se entrelaçavam com o original: acordos para a redução ou

eliminação de tarifas e outras barreiras ao comércio e assuntos correlatos e medidas

para acesso a mercados de produtos agrícolas e outros produtos primários.

No primeiro caso, o Programa de Ação sugerido foi aumentado em mais dois

pontos, mantidos os cinco primeiros definidos na vigésima sessão, isto é, no sexto

ponto se propunha a redução progressiva dos encargos fiscais internos e taxas sobre

produtos, no todo ou em sua maior parte, produzidos nos países menos desenvolvidos;

o sétimo ponto apontava o estabelecimento de relatório de procedimentos efetuados

pelos países industrializados em seu progresso na remoção das barreiras mencionadas

nos pontos anteriores. Embora os países industrializados, à exceção daqueles da CEE,

tenham declarado concordar com os termos do Programa de Ação, o viam com

reservas, pois nem todos os pontos seriam possíveis de ser atendidos, ao menos em

prazo ágil. No que se referia à redução substancial de tarifas, tanto para produtos

primários quanto para processados e semi-processados, alegavam que fariam todos os

esforços para que este objetivo fosse alcançado, mas no âmbito das negociações do

GATT. Quanto às disposições para impedir a aplicação de novas tarifas e barreiras

não-tarifárias, estes ministros concordavam com a proposta, porém ressalvavam que,

em circunstâncias especiais que viessem a compelir seus países que tal atitude se

tornasse inevitável, estariam dispostos a empreender consultas com o país interessado

a respeito do produto em causa. E os Estados Unidos adicionaram o argumento

segundo o qual a legislação norte-americana impunha que reduções tarifárias só

poderiam ocorrer a cada cinco anos. Já os ministros da CEE concordavam com os

propósitos genéricos do Programa e se declaravam totalmente dispostos a contribuir

para o alcance de seus objetivos, porém salientaram que estes estavam voltados

unicamente para a eliminação de barreiras ao comércio, mas que, por si só, tais

medidas não resolveriam a questão, sendo necessárias outras para obter a aceleração

dos ganhos de exportação dos países menos desenvolvidos, como por exemplo, a

concertação de uma ação internacional voltada para a organização do comércio

internacional em produtos de interesse desses países e, ainda, o empreendimento de

98

Page 99: Texto Helio

esforços destinados a assegurar o crescimento das exportações com base em preços

remunerativos, estáveis e eqüitativos.

Os ministros dos países menos desenvolvidos, por seu lado, manifestavam

decepção e desapontamento por conta das posições expressadas pelos países

industrializados, acrescentando que o programa era o mínimo para atender às

necessidades dos seus países e a habilitá-los a contribuir para a expansão do comércio

internacional, podendo significar um compromisso efetivo entre as dificuldades

declaradas por alguns dos países industrializados e suas responsabilidades no âmbito

do GATT.

Novamente à exceção da CEE, os ministros concordavam que deveria haver

total acesso a mercados para produtos tropicais e que a instabilidade dos preços e a

inadequação dos ganhos eram os fatores que mais afetavam os produtores.

Manifestavam concordância, ainda, em apoiar a proposição de que não se deveria

impor novas barreiras tarifárias ou não-tarifárias ao comércio destes produtos. Como

resultado do debate, definiu-se a criação de um grupo de trabalho encarregado de

estudar e relatar às Partes Contratantes propostas no sentido de assegurar

preferências sobre produtos selecionados pelos países industrializados aos países

menos desenvolvidos e, igualmente, assegurar preferências sobre produtos

selecionados de países menos desenvolvidos a seus similares. Por fim, acordaram

todos em resolução adotada, em estabelecer um Comitê de Ação, ao qual caberia

apoiar a implementação do Programa de Ação assim como coordenar outras medidas

que pudessem vir a ajudar aos países menos desenvolvidos a fortalecer sua posição

comercial e capacidade de exportação, no entendimento de que a expansão do

comércio internacional destes países colaboraria para o respectivo desenvolvimento

econômico.

O ensejo dessa reunião foi aproveitado para se marcar a realização de uma nova

rodada de negociações, porém, diante do entendimento de que o modelo que havia

99

Page 100: Texto Helio

predominado por quase duas décadas, encontrava-se esgotado, estabeleceu-se uma

série de princípios que viria a alterar a dinâmica de negociação, a partir da ocorrência

da Rodada Kennedy, em 1964. Dentre esses princípios, definiu-se a que rodada de

liberalização deveria ser a mais ampla e abrangente possível e, para tanto, caberia

cobrir todas as classes de produtos e envolver tanto barreiras tarifárias quanto não-

tarifárias. Considerava-se, igualmente, esgotada a modalidade de negociação produto

a produto sendo, portanto, necessário que a negociação tomasse como parâmetro um

plano substancial de redução linear de tarifas, em nível de igualdade, em que exceções

deveriam ser avaliadas e justificadas. Porém, situações atípicas estavam previstas,

como nos casos da ocorrência de disparidades significativas de níveis tarifários,

devendo, nessas circunstâncias, serem aplicadas regras especiais. Embora o princípio

de reciprocidade, ao lado do Tratamento de Nação Mais Favorecida, devesse ser o fio

condutor das negociações, previa-se a possibilidade de surgirem situações nas quais a

incidência geral de tarifas já era extremamente inferior em relação à praticada por

outras Partes. No caso dos produtos agrícolas, preconizava-se que as negociações

deveriam levar à obtenção de condições que ampliassem o acesso a mercados para

esses produtos e que todos os esforços deveriam ser empreendidos para maximizar o

nível de redução de barreiras às exportações dos países menos desenvolvidos,

alertando que os países industrializados poderiam não esperar receber reciprocidade

daqueles91.

A vigésima primeira sessão, realizada entre 24 de fevereiro e 20 de março de

1964, tinha como pauta principal o tratamento às questões comerciais relacionadas aos

países menos desenvolvidos. O Comitê de Ação, instituído na reunião ministerial de

maio de 1963, com o objetivo de estudar a situação desses países no âmbito do quadro

do GATT, lançava seu relatório, que trazia embutida a proposta de inserção de um novo

capítulo do GATT, vinculando comércio e desenvolvimento, antecipando o que viria a

ser a Parte IV do Acordo Geral. Os debates em torno do relatório destacavam a

91 A narrativa sobre a reunião ministerial realizada em maio de 1963 está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 17, No. 4 (Autumn, 1963): 994-996.

100

Page 101: Texto Helio

relevância da questão, concordando, na síntese feita pelo Chairman da reunião, o

canadense J.H. Warren, ser apropriada e oportuna a introdução na estrutura do GATT

de termos que traduziriam as inquietações que vinham se desencadeando ultimamente,

sugerindo que estes dispositivos deveriam compor um capítulo à parte, salientando que

a questão era convergente com o tema da Conferência das Nações Unidas sobre

Comércio e Desenvolvimento, que se iniciaria no dia 23 de março daquele ano. Decidiu-

se, por conseguinte, que o Comitê prepararia o protocolo de emenda ao Acordo Geral

apresentando sua versão até 30 de setembro ao Conselho do GATT e este às Partes

até meados de novembro, impreterivelmente92.

Com a acessão de grande parte dos países descolonizados, o total de países em

desenvolvimento acedidos ao GATT elevou-se de 16, em 1955, para 40 Partes

Contratantes em 1964, já significando a maioria, porém como no Acordo Geral,

prevalecia a norma do consenso e não do voto unitário, tal montante não implicou em

alterações da regras relativas ao comércio internacional, levando esses países a se

mobilizarem no âmbito da Assembléia Geral das Nações Unidas.

92 A narrativa sobre a vigésima primeira sessão está baseada em “General Agreement on Tariffs and Trade”. In: International Organization, Vol. 18, No. 3 (Summer, 1964): 665-669.

101

Page 102: Texto Helio

QUADRO IV ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO

PARTES CONTRATANTES POR CATEGORIA DE DESENVOLVIMENTO 1964

CATEGORIA

PAÍSES

DESENVOLVIDOS

Alemanha Ocidental, Austrália, Áustria, Bélgica,

Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos,

Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo,

Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Rodésia do

Sul, Suécia, Tchecoslováquia, União Sul-

Africana.

SUBDESENVOLVIDOS

Alto Volta, Birmânia, Brasil, Camarões, Ceilão,

Chade, Chile, Chipre, Congo, Costa do Marfim,

Cuba, Daomé, El Salvador, Gana, Gabão, Haiti, Índia, Indonésia, Jamaica, Kuwait, Líbano,

Madagascar, Malásia, Mauritânia, Nicarágua,

Níger, Nigéria, Paquistão, Peru, Quênia,

República Centro Africana, República

Dominicana, Senegal, Serra Leoa, Tanzânia,

Togo, Trinidad e Tobago, Turquia, Uganda,

Uruguai.

Elaborado a partir dos dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio

O GATT consistiu fundamentalmente em projeto dos Estados Unidos, que o

lideraram e viabilizaram, na perspectiva de criação de um sistema comercial mundial

mais aberto, a partir das iniciativas levadas a cabo ainda nos anos 1930, a despeito da

tolerância ao protecionismo europeu e japonês do imediato pós-II Guerra, com vistas à

futura adesão de ambos ao princípio do livre comércio, opondo, com o advento da

Guerra Fria a noção de prosperidade do Ocidente frente ao comunismo (SPERO &

102

Page 103: Texto Helio

HART, 1997: 54-55). Paulatinamente, foi obtendo maior solidez institucional, ao criar

algumas estruturas executivas e burocráticas visando à administração da

implementação das regras comerciais, permitindo a passagem posterior para

negociações efetivamente multilaterais (SPERO & HART, 1997: 54), a partir da Rodada

Kennedy (1964-1967). Em busca da definição do que seria o “espírito” do GATT,

Weinrichter enquadra-o como ambíguo – “neither flesh nor fish” – à medida que, de um

lado, constituía uma parte da Carta da OIC, portanto vinculado à uma estrutura

fortemente institucionalizada, sem, no entanto, a ela fazer menção, mas, por outro, não

reproduzia os acordos comerciais efetuados na década de 1930, ficando a meio

caminho. Assim sendo, esse caráter ambíguo lhe teria propiciado flexibilidade para

evoluir de acordo com as necessidades que se lhe apresentavam com o tempo

(WEINRICHTER, 1999: 3). Srinivasan compila alguns aportes que reforçam a

ambigüidade do GATT, como John Jackson, em sua obra “Restructuring the GATT

System”, de 1990, em que este, previamente, distingue dois modelos de instituições

internacionais, em que o primeiro é, fundamentalmente, fórum de negociações,

desprovido de regras e obrigações precisas ou mecanismos de coerção; o segundo

consiste em uma instituição dotada de regras concretas, as quais os governos

consideram-nas necessárias, dispondo então, dos respectivos mecanismos para sua

implementação. Jackson daí infere que o GATT não se encaixaria em nenhum dos

dois modelos rigidamente, todavia gravitando em direção ao segundo, porém

conservando aspectos do primeiro (SRINIVASAN. 2000, 13).

Desde a obtenção da certeza de que a Carta de Havana não seria ratificada pelo

Congresso dos Estados Unidos e, em conseqüência, a Organização Internacional do

Comércio não seria efetivamente implantada, a saída encontrada, de extrema

conveniência para os setores descontentes com os rumos e delineamentos que a Carta

havia adquirido, consistiu no prosseguimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio

(GATT), que resguardava os objetivos principais daqueles que advogavam,

primeiramente, o livre acesso a mercados, onde o aspecto coercitivo, por mínimo que

fosse, de uma organização internacional não se encontrava densamente presente.

103

Page 104: Texto Helio

Baseava seu funcionamento na dinâmica de negociações bilaterais em torno da

redução de barreiras ao comércio internacional, principalmente tarifas, onde o principal

exportador de um produto conclamava a seu principal importador a encetar

conversações visando a obter maior acesso àquele mercado e, uma vez obtida a

redução, essa concessão era estendida a todos os demais países interessados, em

cumprimento ao princípio do Tratamento da Nação Mais Favorecida. Tal dinâmica

perdurou de 1947 a 1961, quando o modelo começara a apresentar sinais de exaustão.

Assim, bilateral sem sê-lo, multilateral sem o ser, o GATT tornou-se, com o

passar dos anos e a crescente complexidade da dinâmica do comércio internacional,

um ente híbrido, pois, era um Acordo Geral com feições de organização internacional,

mas, claramente, não o era. Dispunha de um sistema de regras rígidas, mas que era

facultado às Partes Contratantes – e eram partes de um contrato porque não eram

membros de uma organização institucionalizada – adequar-se a tais regras ou não,

porquanto a todas as regras, cabiam as exceções. Por não possuir o caráter coercitivo,

sobreviveu com a condição de não impor regras obrigatórias e não se sobrepor às

soberanias nacionais. Na segunda tentativa de se tornar uma organização, por meio da

proposta da Organization for Trade Cooperation, esbarrou, novamente, na resistência

de americanos e britânicos. Arranjou-se uma reformulação, que lhe garantiu maior

estruturação, à medida que as relações internacionais comerciais se tornavam mais

intensas e complexas.

Composto, majoritariamente, pelos países capitalistas do sistema ocidental, com

a única exceção da Tchecoslováquia até meados da década de 1960, deixava à

margem todos os demais países vinculados ao sistema socialista de produção.

Inicialmente, e até o início da década de 1960, os países desenvolvidos detinham a

maioria de sua composição, sendo as deliberações arranjadas por quorum de dois

terços.

104

Page 105: Texto Helio

A dinâmica de negociação requerida, por sua vez, baseada nas conversações

bilaterais entre principais exportadores e importadores, relegava a plano secundário, os

poucos países subdesenvolvidos, ou menos desenvolvidos, no âmbito do GATT.

Tímidas iniciativas, bastante distantes das conquistas impressas na Carta de Havana,

pouco traziam em resultados, até porque as commodities primárias não desfrutavam de

qualquer tipo de tratamento especial e, além disso, por força das inúmeras exceções,

praticamente todo o comércio relativo a produtos agrícolas estava fora do escopo do

GATT.

Praticamente nenhuma opção restava a esses países, porém, com o processo

de descolonização, acentuadamente a partir de meados da década de 1950 e a

emergência de líderes nacionalistas no então denominado Terceiro Mundo, o panorama

iria apresentar alguns sinais de transformação. Nesse aspecto, o dispositivo do GATT

que assegurava acessão imediata, livre de trâmites de negociações tarifárias às antigas

colônias européias, desde que a metrópole nelas praticasse as regras do Acordo Geral,

permitiu que grande parte dos novos Estados soberanos, principalmente de África, a ele

acedesse no início dos anos 1960.

105

Page 106: Texto Helio

Capítulo III

A formulação da Agenda do Desenvolvimento: GATT x UNCTAD e a Nova Ordem Econômica Internacional

A ascensão dos países subdesenvolvidos ao cenário internacional tem início com

o fim da II Guerra Mundial, quando se dá a primeira onda de descolonização do século

XX, representada pela independência do subcontinente indiano, então dominado pelo

Império Britânico. Índia, Paquistão, Birmânia e Ceilão assumiam a condição de Estados

soberanos entre 1947 e 1948, seguidos da extinção dos protetorados britânico e

francês sobre as antigas possessões otomanas no Oriente Médio: Líbano e Síria, pelo

lado francês e a Palestina, pelo lado britânico, este dando origem à atual Jordânia, aos

territórios palestinos e a Israel, após a partilha efetuada em 1948. E, no ano seguinte,

se consolidava a independência da Indonésia do domínio holandês53.

Uma segunda onda de descolonização, em meados da década de 1950, é

caracterizada pelo fim do império colonial francês na Indochina, de onde surgiram

Camboja, Laos e Vietnam.

A terceira onda é iniciada em 1957, na África, com a independência de Gana,

sob a liderança de Kwame Nkrumah54 e segue, ora negociada, ora conflitiva, por toda a

África, do Maghreb à região subsaariana, à exceção das possessões portuguesas, que

ainda esperariam por quase vinte anos mais, seguindo até meados da década de 1960,

abrangendo, ainda, algumas possessões britânicas no Caribe.

53 Com efeito, a independência indonésia já havia sido proclamada unilateralmente pelo General Ahmed Sukarno, em 1945, e reconhecida pela Holanda que, posteriormente, reverteu sua posição, mas, diante das pressões exercidas pelos Estados Unidos, acabou cedendo (PAQUELIN, 2005: 2). 54 Kwame Nkrumah (1909-1972) integrou uma geração de líderes africanos que lutou pela independência do continente, como Julius Nyerere, da Tanzânia, Kenneth Kaunda, de Zâmbia, Jomo Kenyatta, do Quênia, Sekou Touré, da Guiné, dentre vários outros, e é considerado o pai do Pan-Africanismo, movimento que vislumbrava a união de toda a África como força política.

106

Page 107: Texto Helio

Uma quarta onda, finalmente, é desencadeada na década de 1970, com o fim do

protetorado britânico sobre os emirados do Golfo Pérsico55, a conquista da autonomia

da maior parte das possessões britânicas no Caribe e das últimas possessões

francesas no Oceano Índico, culminando com a retirada de Portugal e a conseqüente

derrocada do último grande império colonial em África, com as libertações de Angola,

Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

QUADRO V

ONDAS DO PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO56 1947-1980

FASE PERIODO PAISES METROPOLE

Índia, Paquistão, Sri Lanka

(ex-Ceilão) e Birmânia

Grã-Bretanha

Líbano e Síria

França

Palestina (Jordânia,

Israel e territórios palestinos)

Grã-Bretanha

1

1947-1949

Indonésia

Holanda

55 Refere-se aos emirados de Omã, Qatar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos, uma vez que o Kuwait já havia resgatado sua soberania em 1962. 56 Não foram aqui computadas as emancipações dos territórios adjudicados em fideicomisso à Austrália, Nova Zelândia e África do Sul desde a época da Liga das Nações, assim como as independências ocorridas após 1980 e as secessões ocorridas como Bangladesh e Eritréa.

107

Page 108: Texto Helio

QUADRO V (cont.)

2

1954-1955

Camboja, Laos, Vietnam

França

Gana, Nigéria, Gâmbia, Serra

Leoa, Quênia, Zâmbia,

Malawi, Uganda, Somália,

Sudão, Tanzânia, Botsuana,

Lesoto, Suazilândia, Ilhas

Maurício, Chipre, Malta,

Malásia, Cingapura, Kuwait,

Iêmen do Sul, Maldivas,

Jamaica, Trinidad e Tobago,

Guiana, Barbados

Grã-Bretanha

Senegal, Costa do Marfim,

Togo, Guiné, Mali, Camarões,

Gabão, Mauritânia, Níger,

Burkina Faso (ex-Alto Volta),

Benin (ex-Daomé), Chade,

Argélia, Tunísia, Marrocos,

Congo, República Centro

Africana, Madagascar

França

Burundi, Ruanda, Congo

Bélgica

3

1957-1968

Guiné Equatorial

Espanha

108

Page 109: Texto Helio

QUADRO V (cont.)

Bahamas, Dominica,

Granada, Santa Lúcia, São

Vicente e Granadinas,

Seychelles, Bahrein, Omã,

Qatar, Emirados Árabes

Unidos, Fiji, Tonga, Kiribati,

Tuvalu, Ilhas Salomão,

Vanuatu

Grã-Bretanha

Comores, Djibouti

França

Angola, Moçambique, Guiné-

Bissau, Cabo Verde, São

Tomé e Príncipe

Portugal

4

1970-1980

Suriname

Holanda

Elaborado a partir de dados coletados disponíveis em Enciclopédia do Mundo Contemporâneo (1999).

Esses movimentos de libertação nacional trouxeram ao panorama das relações

internacionais quase uma centena de novos Estados, atores politicamente soberanos,

não necessariamente dotados de força de qualquer tipo.

Smith explana três hipóteses correntes sobre a dinâmica deste processo,

constituindo a primeira delas a transformação dos grupos locais que, inicialmente

forneceram suporte à dominação e, igualmente dela se beneficiaram – as aristocracias

nativas – posteriormente passaram a opor-se à colonização. Tornando-se capazes de

agregar as diferentes tendências domésticas e articular os interesses locais,

negociaram a transição para a independência. A segunda explicação reside na

suposição de que sempre houve alguma forma de oposição à dominação, não

perceptível ao poder colonizador o qual, não estabelecendo vínculos que resistissem à

mudança do panorama internacional, terá propiciado o surgimento de novas

109

Page 110: Texto Helio

expressões do nacionalismo, que convergiriam para extinguí-lo. Por fim, a terceira

tendência explicativa recai sobre a manutenção do poder colonial, a despeito do

rompimento dos vínculos políticos, por meio da perpetuação do poder econômico e da

dependência da antiga metrópole, que se convencionou denominar de

“neocolonialismo”, situação em que o imperialismo operou apenas a mudança na forma,

porém não efetivamente (SMITH, 1977: 1-3). Acresce, ainda, que as superpotências

surgidas da II Guerra Mundial não nutriam simpatias pela permanência da estrutura

colonial dos grandes impérios, embora os Estados Unidos, por força de sua aliança com

os europeus, com a constituição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),

já sob o viés da Guerra Fria, acabassem por tolerar a manutenção desses domínios, o

que foi percebido pelos líderes nacionalistas que lutavam contra a opressão colonial

como traição e levando-os a não vislumbrá-los como aliados em prol da causa da

independência (CALVOCORESSI, 1991: 139).

Entre a primeira e a segunda fase da descolonização, surgiria um movimento

que pretendeu unir esses novos países em uma plataforma comum, como alternativa ao

espectro delineado pela Guerra Fria, posteriormente denominado Movimento dos Não-

Alinhados. Ou seja, a posição anti-européia das lideranças anti-coloniais não

acarretava em sua identificação com as posições tanto dos Estados Unidos como com

as da União Soviética, opondo-se à rigidez dos preceitos comunistas, de um lado, e, de

outro, ao ferrenho anti-comunismo de Washington, exemplificado pela campanha do

Senador McCarthy, levando-os a adotar uma perspectiva pragmática do sistema

internacional (CALVOCORESSI, 1991: 139-140). O termo “Não-Alinhado” foi cunhado

pelo Primeiro-Ministro indiano Jawarharlal Nehru57, ao proclamar a eqüidistância entre

as duas superpotências da Guerra Fria – Estados Unidos e União Soviética – quando

de uma reunião em conferência realizada em Colombo, capital do então Ceilão, atual

57 Calvocoressi salienta a importância da figura de Nehru, que já era visto como personalidade mundial antes mesmo de se tornar Primeiro-Ministro indiano, o qual mesclava a inspiração e os valores da democracia ocidental como também se deixava fascinar pelos esforços soviéticos de industrialização autônoma, embora rejeitasse as práticas de Stalin e a arrogância dos anti-comunistas norte-americanos, tornando-se, assim, o principal ideólogo do Movimento dos Não-Alinhados (CALVOCORESSI, 1991: 140).

110

Page 111: Texto Helio

Sri Lanka, no ano anterior. O conceito de não-alinhamento significava a observância de

um número determinado de itens como o respeito à integridade territorial, não-

agressão, não intervenção em assuntos internos, igualdade e reciprocidade e

coexistência pacífica (KOCHER, 2004: 3)58.

Nesse mesmo período, mais exatamente em 1952, surgia o termo “Terceiro

Mundo”, cunhado pelo economista francês Alfred Sauvy, em alusão ao Terceiro Estado

da Revolução Francesa, o qual obtém uma dimensão política, ao delimitar os países

que não pertenciam ao bloco dos países vinculados à aliança militar ocidental e nem ao

bloco soviético, mas, principalmente, uma dimensão econômica, ao discernir um grupo

de países, quantitativamente majoritário no cenário internacional, porém destituído de

recursos de poder econômico, não vinculado inteiramente a uma dinâmica capitalista ou

à outra socialista, ou seja, o Primeiro e o Segundo Mundos, respectivamente

(PAQUELIN, 2005: 13).

A sucessão dos eventos que marcaria o início da Guerra Fria levaria à

concepção inicial de neutralidade, porém distintamente do sentido clássico de não

envolvimento em conflitos, desdobrando na idéia de neutralismo, o qual pressupunha a

existência de relações de igual intensidade para com ambos os lados e, em

decorrência, capacitado a revestir-se do papel mediador do conflito, configurando-se

como neutralismo positivo. Tal posição evidenciaria a percepção da fragilidade de

poder dos novos Estados assim como a negação da exigência de tomada de posição. A

forma de manifestar o caráter positivo de sua atuação e de explanar suas posições era

definida pela realização de conferências periódicas e pela participação na Assembléia

Geral das Nações Unidas (CALVOCORESSI, 1991: 141), que veio a se tornar a maior

tribuna e barricada desses países na luta por condições consideradas adequadas a seu

desenvolvimento, porém, inicialmente, temiam que o organismo apenas reprisasse a

dicotomia do sistema internacional, reticência derrubada pela Índia (CALVOCORESSI,

58 Esses princípios foram baseados no Panch Shila ou Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, inspirados pelo budismo, e definidos quando do encontro entre o Primeiro-Ministro da China Chou en-Lai e Nehru em abril de 1954.

111

Page 112: Texto Helio

1991: 141-142). Assim, concebido fundamentalmente por Nehru, e acrescido do

Presidente indonésio Ahmed Sukarno e do Presidente do Egito e revolucionário

nacionalista, Gamal Abdel Nasser, os três organizaram a Conferência de Bandung,

Indonésia, entre 17 e 24 de abril de 1955, com a participação de 29 países, sendo seis

da África e o restante da Ásia59, designada previamente como Encontro Afro-Asiático,

em reunião na cidade indonésia de Bogor, em fins de 1954.

A reação à realização da Conferência por parte das quatro grandes potências

suscita controvérsias, inferidas por meio de alguns relatos trazidos à baila mais

recentemente, quando do qüinquagésimo aniversário do evento. Tawa afirma que a

percepção da imprensa ocidental qualificava o evento como uma forma de acuamento

aos países desenvolvidos, orquestrada pela União Soviética e executada pela China,

que dissimulava sua parceria com Moscou. Prosseguindo, expõe que documentos

diplomáticos há pouco divulgados dão conta de que a Grã-Bretanha buscava convencer

os países anti-comunistas de Ásia e África a participar, com o intuito de tornar seus

resultados incoerentes e disparatados60, posição similar à da França e a qual se

buscava convencer aos Estados Unidos. Já em relação à União Soviética, a despeito

da receptividade e das declarações de apoio desta, muitos participantes não a teriam

poupado de críticas, fazendo com que Bandung se tornasse um entrave ao avanço do

comunismo no Terceiro Mundo como um todo sem, necessariamente, descambar numa

retórica anti-comunista (TAWA, 2005). Dessa Conferência nasceria o reverenciado

“espírito de Bandung”, muito citado, mas vagamente conceituado pela literatura que

trata do tema, ora definido como “libertário” no sentido de alternativo ao status quo do

sistema internacional de então (SARAIVA, v.2, 2001: 50); como “energia gregária” que 59 Os participantes de Bandung foram, pela Ásia, Afeganistão, Líbano, Síria, Iraque, Arábia Saudita, Jordânia, Iêmen, Turquia, Irã, sendo a delegação palestina distribuída entre as da Síria e Iêmen – enquanto Israel foi vetado pelos árabes – além da China, Indonésia, Filipinas, Índia, Ceilão, Japão, Laos, Camboja, Nepal, Tailândia, ambos os Vietnam, Paquistão e Birmânia, e, pela África, Egito, Etiópia, Sudão, Libéria, Líbia e Gana, que só se tornaria plenamente independente dois anos depois (TAWA, 2005). 60 Matéria publicada no jornal britânico The Financial Times de 22/04/2005 confirma a existência de tais documentos, que abordavam questões como “comunismo colonial” e liberdade de religião no mundo comunista, usados como tática de convencimento aos governos considerados amigos como a própria Índia, o Ceilão, o Paquistão, a Tailândia, a Turquia, o Iraque e o Irã, como contraposição à China. Cf. “Lessons of Bandung, then and now” – The Financial Times. Disponível em http://hellondon.net/cgi-bin/printnews.pl?NewsCode=1297.

112

Page 113: Texto Helio

teria contagiado a todos, independentemente de suas opções político-ideológicas

(KOCHER, 2004: 4). Hansen define que, com efeito, teriam ocorrido duas conferências:

a primeira, a oficial, da qual muito se desconhece e se dá pouca importância; a

segunda, aquela que se acreditou ter havido, mítica, que delineou os Princípios ou o

“Espírito de Bandung” (HANSEN, 1966: 182 in HOLDEN, 2003: 1). Ou, ainda, preservar

o direito de tomar posições em conformidade com os interesses estritamente nacionais

de cada país (GRANT, 1995: 568).

Contudo, mesmo imbuídos de tal espírito, o outro espírito, o da Guerra Fria, se

fazia presente nas posições das delegações presentes a Bandung e, posteriormente,

no seio do Movimento dos Não-Alinhados. Em setembro de 1954, portanto meses antes

de Bandung, ainda sob os impactos da Guerra da Coréia, Estados Unidos, Grã-

Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, França, Paquistão, Tailândia e Filipinas celebravam

o Pacto de Manila, com o objetivo de repelir mutuamente, agressões estrangeiras a

seus integrantes, entendidas aí como agressões comunistas. Em fevereiro de 1955,

Grã-Bretanha, Irã, Iraque, Turquia e Paquistão firmam um Tratado de Amizade, com o

Pacto de Bagdad, que se desdobraria na Organização do Tratado Central, com a

associação dos Estados Unidos em janeiro de 1959. Pelo outro lado, o Afeganistão

recebia ajuda da União Soviética, que se aproximava da Índia e da Indonésia. Assim,

jamais logrou ser uniforme e muito menos distanciado dos conflitos entre as duas

superpotências e, ainda, veio a proceder a alterações de percurso ao passar do

discurso meramente político para a luta pelo desenvolvimento econômico (GRANT,

1995: 568).

Segundo Calvocoressi, o principal êxito da Conferência, para seus próprios

líderes, foi o auto-conhecimento permitido pelo encontro, que lançou as bases para a

atuação conjunta nas Nações Unidas, ampliando-lhes os laços de solidariedade e

segurança bem como incrementando sua força no cenário internacional, pontos esses

que desempenhariam fator de atração para os novos Estados, surgidos no decorrer das

sucessivas fases do processo de descolonização (CALVOCORESSI, 1991: 146).

113

Page 114: Texto Helio

Alguns poucos anos antes, o economista argentino Raúl Prebisch levantava a

questão da perspectiva da perpetuidade da dependência econômica dos países latino-

americanos, por força da divisão internacional do trabalho, pela qual os países

industrializados produziam manufaturas e os países pobres, ou subdesenvolvidos,

estariam condenados a cultivar a agricultura de exportação, tornando-se meramente

especializados em produtos primários. A continuidade desse modelo iria, cada vez

mais, aprofundar as diferenças existentes, ampliando o distanciamento entre o centro

industrializado e a periferia agrária. Com a previsivelmente crescente escalada

tecnológica dos países centrais, este gap tenderia a se ampliar, tornando inviável e

inexorável a perspectiva dos países da periferia superarem tal dicotomia. Fazia-se

necessário, então, que os governos da América Latina formulassem e implementassem

políticas que viessem a reverter tal quadro. Surgia, assim, no âmbito da então recém

criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), como organismo regional

das Nações Unidas, em 1948, a proposta de desenvolvimento de uma política de

substituição de importações, pela qual, na contramão da proposta norte-americana do

livre comércio, seriam aumentadas as tarifas de importação para os produtos

industrializados, induzindo a criação de parques industriais próprios.

Concomitantemente a esse processo, seria incentivada a formação de processos de

integração econômica regional, com o propósito de articular as políticas

macroeconômicas e evitar a concorrência entre os países da região, nascendo assim, a

primeira tentativa de integração latino-americana, a Associação Latino-Americana de

Livre Comércio (ALALC), em 1960. A idéia cepalina foi amplamente difundida no

contexto latino-americano, tendo, em muitos casos, como, por exemplo, os do México,

Brasil, Chile e Argentina, propiciado intensamente o processo de industrialização da

América Latina. E, nessa perspectiva, preconizava pela ampliação da participação do

subcontinente nas trocas comerciais mundiais, visando a fortalecer sua posição no

âmbito das negociações então correntes no GATT (BRAGA, 2002: 9-19).

Simultaneamente, Europa Ocidental e Japão, com o apoio dos Estados Unidos,

recobravam-se dos danos infligidos pela II Guerra Mundial, ganhando competitividade

econômica internacional.

114

Page 115: Texto Helio

Nos anos 1960, o Movimento dos Não-Alinhados é formalmente criado, obtendo

ampla visibilidade política com a adesão da Iugoslávia, então comandada pelo

Marechal Josip Broz Tito, herói de guerra no combate à ocupação nazista, mantenedor

da unidade iugoslava e dissidente do bloco soviético, embora se mantendo fiel aos

princípios marxistas-leninistas61. A adesão de Tito projetaria o Movimento que,

concomitantemente, seria reforçado pela adesão de grande parte dos países egressos

do processo de descolonização da África, ocorrido na segunda metade da década de

1950 em diante, acarretando em seu crescimento e na obtenção de relativa força,

assentado numa plataforma de luta contra o colonialismo, o imperialismo e o

neocolonialismo, vistos esses dois como formas de dominação econômica.

Assim, a primeira Conferência, que lançou o Movimento dos Não-Alinhados

como força política, ou Terceira Força, alternativa à bipolaridade da Guerra Fria, teve

lugar em Belgrado, entre 01 e 06 de setembro de 1961. E é, exatamente nesse

momento, que as tensões da Guerra Fria voltavam a se enunciar com a construção do

Muro de Berlim, a retomada das experiências nucleares soviéticas, a tentativa de

invasão norte-americana à Baía dos Porcos para tentar derrubar o regime de Fidel

Castro em Cuba, a eclosão da Guerra do Congo e a ruptura entre União Soviética e

China e os conflitos entre a força colonial francesa na Argélia e Tunísia. Com a adesão

em bloco dos africanos, ampliou-se a divisão entre radicais e moderados e as

resoluções provindas da Conferência adquiriram tonalidade exacerbada, ao

concentrarem-se na luta contra o colonialismo e não nos esforços pela paz, como

propusera Nehru, por meio de sua revogação imediata e não gradual, assim como foi

ignorada a explosão de um artefato nuclear soviético, na véspera do encontro

(CALVOCORESSI, 1991: 147)62.

61 A cooptação de Tito para a proposta do neutralismo se deu durante visita de Nehru e Nasser, a Brioni, Iugoslávia, em 1956, que propiciou ao Movimento extrapolar seu alcance para além da delimitação Ásia-África (CALVOCORESSI, 1991: 146). 62 Uma série de outras conferências realizar-se-iam periodicamente: Cairo (1964), Lusaka (1970), Argel (1973), Colombo (1976), Havana (1979), Nova Delhi (1983), Harare (1986), Belgrado (1989), Jakarta (1992), Cartagena de Indias (1995), Durban (1998) e Kuala Lumpur (2003).

115

Page 116: Texto Helio

Grande parte desses países advindos dos movimentos de emancipação política,

graças às prerrogativas concedidas pelo Artigo XXXV do GATT, viria a aceder ao

Acordo Geral sem, necessariamente, ser obrigados a percorrer as maratonas de

negociações de redução tarifária, tornando-se, automaticamente, Partes Contratantes.

Além disso, acorreram também às Nações Unidas como novos membros, superadas as

reticências iniciais. Diante da ausência de perspectivas de mudança de tratamento

para paises menos desenvolvidos no GATT, esses países mudariam o eixo de suas

démarches para as Nações Unidas e, a partir desse momento, passariam a convergir

sua atuação com os países latino-americanos, os quais vinham implantando as

propostas veiculadas pela CEPAL. Desde 1958, a reorientação para as Nações Unidas

iria calcar uma série de Resoluções da Assembléia Geral, voltadas para a temática do

desenvolvimento e para a definição de políticas dedicadas às questões dos países em

desenvolvimento63, culminando na Resolução 1710 (XVI) de 19 de dezembro de 1961,

a qual definiu a década de 1960 como a Década do Desenvolvimento, como transcrito

abaixo em seu item 1: “1. Designates the current decade as the United Nations Development Decade, in which Member States and their peoples will intensify their efforts to mobilize and to sustain support for the measures required on the part of the both developed and developing countries to accelerate progress toward self-sustaining growth of the economy of the individual nations and their social advancement so as to attain in each under-developed country a substantial increase in the rate of growth, which country setting its own target, taking as the objective a minimum annual rate of growth of aggregate national income of 5 per cent at the end of the Decade.”64

No entanto, houve uma Resolução imediatamente anterior, a 1707 (XVI),

denominada International Trade as the Primary Instrument for Economic Development,

63 Como, por exemplo, as Resoluções 1316 (XIII) International Co-Operation For Economic Development of Under-Developed Countries; 1323 (XIII) Questions Relating to the Promotion of International Trade and to Assistance in the Development of Less-Developed Countries, ambas de 12 de dezembro de 1958; 1392 (XIV) Interrelationship of the Economic and Social Factors of Development, de 20 de novembro de 1959; 1515 (XV) Concerted Action for Economic Development of Less Developed Countries, de 12 de dezembro de 1960; 1524 (XV) Financing for Economic Development of Less Developed Countries trough Long-Term Loans and in other Advantageous Ways, and Ensuring and Increasing Share in the World Trade for their Products, de 15 de dezembro de 1960. 64 Cf. Resolução 1710 (XVI) da Assembléia Geral das Nações Unidas de 19 de dezembro de 1961, estabelecendo a década de 1960 como United Nations Development Decade: a programme for international economic co-operation.

116

Page 117: Texto Helio

também de 19 de dezembro de 1961, cujo conteúdo designava ao Secretário Geral a

tarefa de proceder a levantamento acerca da conveniência de se convocar uma

conferência internacional sobre comércio e desenvolvimento, patrocinada pelas Nações

Unidas, a qual foi aprovada com o voto do bloco soviético e dos países em

desenvolvimento e o voto contrário do Ocidente e a maioria da América Latina, em que

procede à primeira menção à possível realização da Conferência das Nações Unidas

sobre Comércio e Desenvolvimento65. Já na sessão do Conselho Econômico e Social

(ECOSOC), na qual o levantamento efetuado pelo Secretário Geral foi apresentado,

havia se ampliado o apoio à convocação da Conferência, inclusive com a mudança de

posição dos Estados Unidos, agora favoráveis, no que se desdobrou na adoção da

Resolução do Conselho Econômico e Social 917 (XXXIV), de 03 de agosto de 1962,

deliberando sobre a sua realização e instalando o Comitê Preparatório para formular-

lhe a agenda e a documentação pertinente (GARDNER, 1968: 104).

Assim sendo, a aliança entre asiáticos e africanos com os países da América

Latina acabou por levar à aprovação da Resolução da Assembléia Geral 1785 (XVII),

de 08 de dezembro de 1962, endossando a Resolução do ECOSOC, chancelando a

convocação da Conferência. Nesta Resolução, seus muitos considerandos assim

arrazoavam:

“Considering that extensive development of equitable and mutual advantageous of international trade create a good basis for the establishment of neighbourly relations between the States, helps to strengthen peace and an atmosphere of mutual confidence and understanding among nations and promoter higher living standards, full employment and more rapid economic progress in all countries of the world, Convinced further that accelerated economic development of the developing countries depends largely on a substantial increase in their share international trade, Noting the terms of trade continue to operate to the disadvantage of the developing countries, thus accentuating their unfavourable balance-of-payments position and reducing their capacity to import,

65 Segundo Gardner, a votação se deu no âmbito do Segundo Comitê da Assembléia Geral, quando se registraram 45 votos favoráveis à proposta, 36 contrários e 10 abstenções (GARDNER, 1968: 104).

117

Page 118: Texto Helio

Bearing in mind that exports of a relatively limited range of primary commodities constitute a major source of foreign exchange for the developing countries and, consequently, are basic for their development, Mindfull of the need to eliminate obstacles, restrictions and discriminatory practices in world trade which, in particular, adversely affect the necessary expansion and diversification of exports of the primary commodities and semi-manufactured and of manufactured goods by the developing countries, (….) Convinced that the promotion of higher rates of economic growth throughout the world and the evolution of new and more appropriate pattern of international trade will require the adaptation of the institutional framework for international co-operation in the field of trade,…” 66

Portanto, aí ficavam consubstanciadas as tentativas dos países em

desenvolvimento de mudar o cenário do tratamento da questão do comércio

internacional para além do âmbito do GATT, onde suas reivindicações resultavam

ineficazes para o que consideravam ser necessário alterar as perspectivas de expansão

do crescimento econômico e da redução da desigualdade dos meios de troca. Em

algumas das passagens do citado preâmbulo, transparecia a presunção de ampliar a

abrangência do escopo da temática do comércio internacional, por meio da menção a

assuntos para além do livre comércio, como por exemplo, full employment, commodities

primárias e uma nova estrutura organizacional, que remontavam à idéia da finada

Organização Internacional do Comércio, onde o espaço de atuação dos países em

desenvolvimento prenunciava-se mais equânime do que no GATT.

A Conferência, realizada entre março e junho de 1964, em Genebra, com a

participação de todos os membros das Nações Unidas, contou com a presença de

2.000 delegados, e teve, exatamente, Raúl Prebisch como seu Secretário Geral. Do

evento, provieram diversas resoluções que viriam a ocasionar algumas alterações na

dinâmica do comércio mundial, sendo uma delas a proposta de relativização da

Cláusula da Nação Mais Favorecida, através da introdução do conceito da

reciprocidade menos que total, ou seja, as concessões efetuadas pelos países

desenvolvidos não necessariamente obrigariam aos menos desenvolvidos efetuá-las na 66 Excertos do preâmbulo da Resolução 1785 (XVII), United Nations Conference on Trade and Development, de 08 de dezembro de 1962.

118

Page 119: Texto Helio

mesma escala, conforme o estabelecido na nova parte integrante do GATT, a Parte IV,

relativa a Comércio e Desenvolvimento.

Segundo Bello (2000: 17), três conjuntos de resoluções emanaram da

Conferência da UNCTAD, sob a liderança de Prebisch, sendo a primeira a negociação

da estabilização dos preços das commodities através da fixação de um piso mínimo,

abaixo do qual não cairia. A segunda resolução referiu-se à adoção de uma sistemática,

pela qual exportações dos países menos desenvolvidos encontrariam maiores

facilidades para penetrar no mercado dos países desenvolvidos, sem necessariamente,

terem requeridas a mesma equivalência, isto é, conceder as mesmas liberalidades

tarifárias nos seus respectivos mercados para importação provenientes dos países

industrializados. A terceira resolução consistiu em uma reformulação do conceito de

assistência externa, que deixou de ser entendida como algo carititativo, evoluindo para

uma concepção de cooperação técnica e compensatória às perdas sofridas pelos

países menos desenvolvidos por conta da queda do poder de compra das commodities

(BELLO, 2000: 17).

No que tangia, especificamente, à relativização do princípio do tratamento

igualitário, no âmbito do comércio internacional, ação nesse sentido já vinha se

desenvolvendo no âmbito do GATT, quando o Comitê de Ação veio a emitir relatório

com propostas semelhantes, visando a que fosse introduzido aos termos do Acordo

Geral disposições relacionadas a algum tipo de tratamento especial e diferenciado para

países menos desenvolvidos. Srinivasam cita Kenneth Dam ao salientar que este

asseverara, em sua obra de 1970, The GATT: Law and International Economic

Organization, que tal medida já se constituía como reação às ações que vinham se

desenrolando com vistas à preparação da UNCTAD I, antecipando, assim, o que viria a

ser deliberado na Conferência (SRINIVASAN, 2000: 24).

A convergência das duas ações levou o GATT a acrescentar ao texto do Acordo

Geral a Parte IV, abrangendo os Artigos XXXVI, XXXVII e XXXVIII, durante a realização

119

Page 120: Texto Helio

da Rodada Kennedy, aberta em maio de 1964. Logo nos itens relativos ao Artigo

XXXVI, constava o claro reconhecimento de que a acentuada dependência dos países

menos desenvolvidos aos produtos primários e a existência de uma capacidade

limitada e restrita de produção e exportação desta mesma categoria de produtos

constituía-se fator impeditivo ao desenvolvimento e à acumulação de riqueza e bem-

estar de suas populações, fazendo-se mister empreender esforços e ações que

ampliassem a participação desses países no comércio internacional e,

conseqüentemente, ampliar os recursos provenientes de sua capacidade exportadora,

através do acesso a mercados de produtos manufaturados e transformados,

fortalecendo sua perspectiva de desenvolvimento (GATT: Artigo XXXVI, §5 e §6). Em

vista disso e, para tanto, as Partes Contratantes desenvolvidas declaravam não esperar

reciprocidade em relação aos compromissos por elas assumidos nas negociações

comerciais com vistas a reduzir ou eliminar tarifas e outras barreiras ao comércio com

as Partes Contratantes menos desenvolvidas (GATT: Artigo XXXVI, §8).

Ainda, ao fim da realização da I Conferência da UNCTAD, mais exatamente em

15 de junho de 1964, a coalizão entre países asiáticos, africanos e latino-americanos

firmou sua permanência, através da constituição do Grupo dos 77, o grupo dos países

menos desenvolvidos nela representados67. Esses países lançaram, então, a

Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países, a qual tinha por objetivo manter e

aprofundar a articulação dos interesses coletivos do mundo em desenvolvimento,

potencializando a capacidade de negociação do bloco no âmbito das Nações Unidas, aí

incluídas todas as suas agências, assim como promover a cooperação técnica entre

eles. Em 1967, com a realização do seu primeiro encontro ministerial, o Grupo adotou

a Carta de Argel68, instituindo uma organização permanente e o desenvolvimento de

ações que levaram-no a se fazer representar em diversas instâncias das Nações

67 Joint Declaration of the Seventy-Seven Developing Countries Made at the Conclusion of The United Nations Conference on Trade and Development, Geneva, 15 June 1964. Disponível em http://www.g77.org/Docs/Joint%20 Declaration.html 68 First Ministerial Meeting of the Group of 77: Charter of Algiers. Algiers, 10-25 October 1967. Disponível em http://www.g77.org/Docs/algier%7E1.htm

120

Page 121: Texto Helio

Unidas (FAO, UNIDO, FMI e Banco Mundial). Com efeito, a criação do G-77,

atualmente composto por 135 países, inaugurou, ainda em plena Guerra Fria, um outro

tipo de recorte nas relações internacionais, além do já havido Leste-Oeste, o Norte-Sul,

ora visto como conflito, ora como diálogo. Diferentemente da concepção inicialmente

política e geoestratégica do Movimento dos Não-Alinhados, cuja fundamentação

principal residia na perspectiva do distanciamento do conflito Leste-Oeste, a agenda do

G-77 era, essencialmente constituída pela luta em prol de melhores condições de

desenvolvimento econômico para os países dele integrantes e, com essa perspectiva,

não havia qualquer tipo de exclusão de pertencimento (membership), por critérios

político-ideológicos, permitindo agregar países que não tinham vez no Movimento dos

Não-Alinhados, como o Brasil, por exemplo. Seu lema era constituído pelos 3D:

descolonização, desarmamento e desenvolvimento, evocando forte espírito de

nacionalismo e de busca de vias autóctones de crescimento econômico e social,

provocando inquietações de outra natureza e a formação de um novo front para o

Ocidente.

Para Diaz-Alejandro (1975), ocorreriam diferentes percepções sobre o enfoque

da dicotomia que oporia nacionalismo x internacionalismo ou cosmopolitismo. As

atitudes tomadas pelos atores acabariam sendo influenciadas por essas percepções no

âmbito das relações Norte-Sul. Assim, nacionalismo, para o Norte, rememoraria as

políticas e ações do nazi-fascismo e de seus assemelhados como o franquismo

espanhol ou, na melhor das circunstâncias, o nacionalismo evocado pelo General De

Gaulle. Em oposição, para o Sul, internacionalismo ou cosmopolitismo reviveria a

dominação colonial, representada por governantes ou empresários exógenos, os quais,

provindos de culturas distintas e longínquas, estariam apenas dispostos a estabelecer

algum tipo de tirania. Nacionalismo e cosmopolitismo seriam igualmente percebidos,

pelo Norte e pelo Sul respectivamente, como fatores de supressão da dignidade

humana, da auto-determinação e da diversidade cultural. No que diz respeito ao

nacionalismo especificamente, nos países desenvolvidos o fenômeno se caracterizaria

como agressivo, visando a desqualificar e inferiorizar o outro para dominar, enquanto

121

Page 122: Texto Helio

nos países em desenvolvimento, se definiria como defensivo, manifestado pela

desconfiança do estrangeiro (DIAZ-ALEJANDRO, 1975: 221-222).

Com o estabelecimento da coalizão entre os países em desenvolvimento, em

defesa do nacionalismo econômico, cristalizavam-se, assim, os grupos formados no

âmbito da UNCTAD, definindo-se, por conseguinte, as posições negociadoras,

consolidadas em três correntes principais, ou seja, o Grupo B, que abrangia os países

desenvolvidos, membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE); o Grupo D, composto pelos países socialistas do Leste Europeu69

e o G-77, ou Grupo B, envolvendo os países em desenvolvimento, que englobaram os

grupos A e C originais, além de alguns poucos países que não se filiavam a grupos

específicos, os independentes, como China e Israel (RAMSAY, 1984: 388).

As análises referentes à realização da Conferência, bem como à ação da

UNCTAD, nos anos posteriores, enfatizam dois fatores que a definiram como locus

fundamental da ação dos países do Terceiro Mundo nas discussões e negociações

acerca da dinâmica do comércio internacional e, por conseguinte, no incremento de sua

participação no sistema multilateral nos anos 1960-1970. Primeiramente, a atuação de

Prebisch como Secretário Geral e, até por força de tal condição, vindo a constituir-se

como segundo fator, seu papel de articulação do Terceiro Mundo e a conseqüente

utilização da UNCTAD, já institucionalizada como agência das Nações Unidas, por esse

bloco de países70.

Gardner, em artigo escrito logo após a realização da UNCTAD I, considerava ser

o GATT o principal espaço multilateral de negociações comerciais, do qual se

69 Compunham o Grupo D em 1964, além da União Soviética, a então República Democrática Alemã, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, a então Tchecoslováquia e a Mongólia, sendo que Cuba e Vietnam posteriormente a este aderiram, mas mantiveram sua participação no G-77 (CUTLER, 1983: 122). 70 Por força da Resolução da Assembléia Geral 1955 (XIX) de 30 de dezembro de 1964, intitulada Establishment of the United Nations Conference on Trade and Development as an Organ of General Assembly, da qual se tornavam membros todos os Estados pertencentes às Nações Unidas e suas agências especializadas e à Agência Internacional de Energia Atômica.

122

Page 123: Texto Helio

posicionava como ardoroso defensor por atribuir ao Acordo Geral o papel de fórum de

negociações para redução de barreiras, de formulador de regras atinentes às políticas

comerciais, de intérprete e árbitro do entendimento dessas regras e canal de criação de

novas políticas comerciais, formando esse conjunto o espaço de debates e definição

das regras do comércio mundial (GARDNER, 1964: 688). Ademais, discordava

vivamente daqueles que definiam o GATT como “a rich man’s club”, dado o número

crescente de países menos desenvolvidos a ele pertencentes (GARDNER, 1964: 696).

No entanto, a partir do evento relativo a UNCTAD I, concomitantemente à realização da

Rodada Kennedy, o GATT tinha que partilhar a cena, em Genebra, assinalando o fato

de que as necessidades especiais dos países em desenvolvimento passavam a ser

levadas em conta, a par das permanentes negociações sobre redução de barreiras

comerciais. Salientando o esforço dos países em desenvolvimento em articular a

Conferência e a relevância por eles atribuída ao qualificá-la como a de maior monta

desde a de San Francisco, sublinhava que, sem dúvida, se tratava do maior evento já

realizado, dado o envolvimento de tantos países, o número de delegados e a sua

duração ao cabo de três meses. Nesse contexto, Gardner apontava que o objetivo

primordial da UNCTAD, conforme moldado pelos países em desenvolvimento e que

teve Prebisch como seu articulador, consistia em encontrar meios de reduzir o gap para

que estes países conseguissem financiar seus esforços de desenvolvimento a partir de

suas exportações, pois o Secretário Geral, em seu relatório à UNCTAD, estimava que

tal gap viria a atingir à cifra de US$ 20 bilhões anuais em 1970. A despeito de não

corroborar completamente tais estimativas, considerava válidos os argumentos que

indicavam a necessidade de se reverter a tendência de redução da participação dos

países em desenvolvimento no comércio mundial, se se quisesse que índices

satisfatórios de crescimento fossem alcançados por esses países. Efetivamente, tal

participação se reduziu de 30% para 20% entre as décadas de 1950 e 1960, pois as

exportações avançavam bem menos que as importações, uma vez que 90% daquelas

eram representadas por produtos agropecuários e matérias-primas, cuja demanda

pouco se elevava71. Juntavam-se a este fator, outros como as medidas protecionistas 71 O questionamento sobre as estimativas aventadas por Prebisch, segundo Gardner , repousavam sobre o ano em que

123

Page 124: Texto Helio

dos países desenvolvidos, ao aumento da produção, por estes países, dos produtos

que importavam dos países em desenvolvimento e, por fim, à queda da produção de

produtos primários pelos países em desenvolvimento, causando a baixa de seus preços

(GARDNER, 1964: 696-698). Por todo esse cenário, Gardner atribuía à UNCTAD um

significado político, na medida que os países em desenvolvimento começavam a

vislumbrar que a ajuda externa oferecida pelos países ricos e os investimentos

privados, além do panorama comercial de então, não trariam possibilidades efetivas de

desenvolvimento por si só. Daí a formação de uma ampla coalizão visando a ampliar

seu poder de barganha, com a formação do G-77, atuando como bloco monolítico e

homogêneo – conformando um novo alinhamento de forças – que se auto-definia como

o maior destaque da Conferência72, e o que lhe conferia significado histórico, donde

concluía o autor que isso fazia da UNCTAD o mais importante evento coletivo

internacional da história então recente, inaugurando o conflito Norte-Sul em detrimento

do Leste-Oeste. E acentuava que esse alinhamento inédito de forças não colocava

apenas o Ocidente em situação constrangedora, mas também deixava a União

Soviética em posição que pouco tinha a oferecer além de declarações de apoio aos

países em desenvolvimento, pois suas propostas de redução tarifária eram de parco

significado prático, até por força do rígido modelo comercial soviético. Por conseguinte,

toda a atenção estava voltada para o Ocidente, transformando o conflito Norte-Sul no

que era sua essência, Oeste-Sul. Gardner, ainda, arrolara quatro áreas de controvérsia

entre os participantes da UNCTAD I, constituindo-se a primeira na questão de acesso a

mercados em que os países em desenvolvimento exigiam a abolição de todas as

formas de proteção contra as importações de matérias-primas e produtos alimentícios

por parte dos países desenvolvidos, bem como a concessão de tarifas preferenciais

para as importações, por parte destes, de produtos manufaturados e semi-

a análise tomou como ponto de partida, 1950, quando foi deflagrada a Guerra da Coréia, momento em que os preços das commodities elevaram-se de forma atípica (GARDNER, 1968: 108). 72 Essa auto-definição é derivada da declaração do representante do Brasil naquele momento, Chanceler João Augusto de Araújo Castro, durante a 4ª Sessão Plenária, em 24 de março de 1964 (GARDNER, 1964: 698), portanto a uma semana do golpe militar no país que, posteriormente, procedeu à troca da delegação brasileira, por considerá-la afinada com os princípios da Política Externa Independente (VIZENTINI, 1998: 69).

124

Page 125: Texto Helio

manufaturados73. A segunda área referia-se às políticas de commodities e sua

vinculação à deterioração dos termos de troca com os países desenvolvidos, visando

não apenas a garantir a estabilidade dos preços, mas elevá-los em relação às

importações de produtos industriais, embora reconhecessem que estes últimos

detinham condições de escapar a tipos de controles dessa natureza, buscando

tornarem-se menos dependentes do fornecimento de matérias-primas, investindo na

transformação da base econômica para produtos sintéticos, onde, mais uma vez, se

evidenciava a influência das teorias de Prebisch em suas posições74. A terceira área

dizia respeito aos temas financeiros e àqueles denominados invisíveis como débitos,

seguros e frete.

No entanto, a quarta área revestiu-se de maior celeuma, ao tratar da

conformação de arranjos institucionais para as relações comerciais mundiais. Os países

menos desenvolvidos, apoiados pelo bloco comunista, levantavam a bandeira da

criação de uma organização internacional que englobasse o GATT e procedesse à

reavaliação de todos os acordos comerciais então existentes, enquanto os Estados

Unidos e seus aliados ocidentais se puseram radicalmente contrários, donde emergiu o

compromisso de institucionalizar a nova dinâmica da Conferência no âmbito do sistema

Nações Unidas, consistindo, ainda, na realização periódica de conferências, na criação

do Trade and Development Board, integrado por 55 países, e a inserção, no

Secretariado das Nações Unidas, de novo secretariado para lidar especificamente com

a matéria (GARDNER, 1964: 698-702). Além disso, a Conferência deliberou pela

criação de três comitês, responsáveis por commodities, produtos industriais assim como

invisíveis e finanças (LOVE, 2004: 8).

73 Esta área converteu-se em divisor na posição dos países desenvolvidos, pois, enquanto a Europa demonstrava simpatia pela proposta, à medida que já praticavam regimes preferenciais para suas antigas colônias, os Estados Unidos consideravam que sua adoção não representaria ganhos significativos para as exportações dos países menos industrializados e acabaria por criar uma nova prática discriminatória (GARDNER, 1964: 700). 74 Como saída, os países em desenvolvimento propunham a criação de mecanismos compensatórios automáticos, recusada pelos países desenvolvidos (GARDNER, 1964: 701).

125

Page 126: Texto Helio

A demanda pela criação de uma organização que resgatasse, de alguma forma,

a OIC e a ela subordinasse o GATT poderia, na percepção do Terceiro Mundo, e da

América Latina em particular, conceder mais espaço e poder político a este, como

outrora obteve e, de acordo com Love, a UNCTAD pareceu acatar tais expectativas,

não apenas pela ocorrência da Conferência em si, mas, principalmente, por sua

estruturação em mais alto nível no âmbito das Nações Unidas, além de ser justamente

Prebisch aquele quem vai ocupar o cargo máximo do novo secretariado (LOVE, 2004:

3). Gardner, similarmente, aponta que, justamente o fiasco da criação da OIC e da

Organization for Trade Cooperation, em 1955, acabaram por, ironicamente, propiciar a

criação da UNCTAD (GARDNER, 1968: 102), que constituía o alvo primordial dos

países em desenvolvimento, exemplificado no Relatório elaborado por Prebisch,

intitulado Towards a New Trade Policy for Development, indicando a criação de uma

nova organização internacional comercial, onde acentuava o papel de um secretariado

intelectualmente independente, provido de capacidade e autoridade para submeter

proposições aos governos, no âmbito da estrutura das Nações Unidas (GARDNER,

1968: 104-105).

As negociações em torno da formalização de uma instância internacional

dedicada à temática comercial buscavam unir os interesses dos países em

desenvolvimento, junto com o bloco comunista75, de fazer ressurgir a OIC, ou algo

assemelhado, sem necessariamente implicar nos empecilhos que a criação de uma

organização completamente nova traria, particularmente para os Estados Unidos, dado

o requisito da autorização congressual76. Assim como Love, Gardner enfatiza que o

acordo alcançado representou uma vitória sem precedentes dos países em

75 Em 1955, durante uma sessão do ECOSOC, a União Soviética propusera moção que instava à imediata ratificação da OIC, como estratégia do que, segundo Gardner, seria a pretensão de quebrar a hegemonia do Ocidente sobre as regras comerciais mundiais e, para tal, aliar-se aos países em desenvolvimento, assim como encontrar espaço para o comércio do país (GARDNER, 1968: 103; CUTLER, 1983: 123-124). 76 Mais detalhadamente, as posições apresentadas pelos comunistas clamavam pela vigência imediata da OIC, enquanto a América Latina igualmente se referia a ela se referia, mas aceitava algo em torno da proposta de Prebisch, o que também agradava aos afro-asiáticos, porém como etapa precedente à futura recriação da OIC e, por fim, os ocidentais, que se opunham a tais propostas, orientavam-se para a otimização dos acordos já existentes (GARDNER, 1968: 105).

126

Page 127: Texto Helio

desenvolvimento, pois haviam conseguido realizar a Conferência e institucionalizar uma

nova agência internacional, dobrando a resistência inicial dos países desenvolvidos

(GARDNER, 1968: 106).

Não obstante o consenso obtido quanto à criação dessa estrutura, o rolo

compressor do que viria a se constituir, ao final da Conferência – o G-77 – fazia aprovar

resoluções que atropelavam a minoria, representada pelos países desenvolvidos, em

temas considerados bastante sensíveis, mesmo que fossem meramente

recomendatórias, comprometendo as chances de construção de novos consensos. Daí

a proposição norte-americana de que os procedimentos que fariam funcionar a nova

estrutura deveriam conter mecanismos que acarretassem na facilitação da busca de

posições conciliatórias entre as partes, antes de se desembocar na votação

propriamente, o que, conforme Gardner, conferiria o espírito que predominaria na

tomada de decisões (GARDNER, 1964: 702-703).

Porém, essa militância dos países em desenvolvimento guardava relação direta

com a própria noção de Prebisch, pela qual a organização deveria possuir cunho

efetivamente ativista e ser desprovida de neutralidade política (LOVE, 2004: 5)77, o que,

por outro lado, não significava que este perdia a perspectiva pragmática ao perceber

que apenas o apoio dos países desenvolvidos outorgaria efetividade às resoluções que,

em assim sendo, transformavam-se em acordos. Tal percepção exigia que, para fazer

avançar a operação de conciliação, tornava-se necessária longa e penosa barganha,

tanto dentro quanto exteriormente à Organização. Contudo, a barganha só teria se

tornado possível pela formação do G-77, que, para Prebisch, teria fortalecido o papel

dos países em desenvolvimento e ampliado sua capacidade de pressão na busca de

seus interesses, sendo tal êxito motivo para que este peregrinasse pelo mundo,

pregando “the UNCTAD evangel” (LOVE, 2004: 8-9).

77 Entrevista de Raúl Prebisch a David Pollock entre 21 e 23 de maio de 1985 (LOVE, 2004:5).

127

Page 128: Texto Helio

Na mesma perspectiva do relacionamento intrínseco entre os países em

desenvolvimento e o exercício das funções do Secretariado por Prebisch, Walters

(1971) configurava sua análise a respeito da UNCTAD reformulando pressupostos, que

considerava convencionais, de estudo de organizações internacionais que partiam da

avaliação do cumprimento dos objetivos estabelecidos institucionalmente, quando, no

caso em pauta, preconizava que o que se deve dar atenção consiste no impacto que

uma determinada organização causa no sistema internacional em que se insere, ainda

que não atenda aos objetivos pré-determinados que levaram à sua criação. Partindo

dessa diferente perspectiva de análise, avaliava que os aspectos que se cabia

concentrar seria no uso que, em particular, os países em desenvolvimento faziam da

UNCTAD. Ou seja, a organização tornar-se-ia um instrumento de articulação,

agregação e pressão por demandas, por parte dos países em desenvolvimento,

visando à reformulação do ambiente econômico e político internacional, voltado a

repercutir suas posições e ampliar seus interesses em assuntos por eles considerados

importantes. Portanto, o que transformaria a UNCTAD em algo mais do que uma

organização internacional, e o que derivaria em sua importância, é que ela se delineou

como o espaço de articulação de interesses desses países, revestindo-se de plataforma

para as mudanças então por eles requeridas das relações econômicas internacionais.

E, mais uma vez, com vistas a corroborar sua hipótese e em consonância com outros

autores, ressaltava o papel desempenhado pelo Secretariado, na pessoa de Prebisch,

que, inclusive, promovia encontros e debates entre os membros do G-77 unicamente,

mas não com os membros de outros grupos, tornando-se porta-voz dos países menos

desenvolvidos, papel assumidamente declarado quando advogava que não se podia

adotar posição de neutralidade nas questões relativas ao desenvolvimento, o que teria

levado um diplomata ocidental a exclamar: “...this is not a secretariat – it’s a sectariat”

(WALTERS, 1971: 821; GARDNER, 1968: 107). Diante disso, a UNCTAD

desempenhou papel de articulação do que, a princípio, seriam reivindicações difusas e

vagas, fornecendo aos países em desenvolvimento uma arena para a formulação de

demandas peculiares a estes países. Igualmente, permitiu que engendrassem conflitos

128

Page 129: Texto Helio

de forma a administrá-los com vistas a obter resultados concretos, invés de clamar

furiosamente por tratamentos adequados a seus problemas.

Outra característica apresentada consistiu na capacidade dos países em

desenvolvimento em manterem sua coesão, a despeito das investidas do Ocidente,

constituindo tônica dominante no âmbito da UNCTAD. As diferenças entre os membros

do G-77, que poderiam causar seu fracionamento em função da multiplicidade de

demandas e da distribuição desigual de resultados, mais reforçariam do que

fragmentariam o Grupo78, o que por sua vez, impunha aos países desenvolvidos a

necessidade de empreender fenômeno similar de agregação de interesses, por

intermédio da OCDE (WALTERS, 1971: 824-825). Para além das funções de

articulação e agregação de interesses, a UNCTAD teria atuado como meio de se

apresentar uma visão de mundo de uma nova ordem econômica que levasse em conta

as necessidades de desenvolvimento dos países menos industrializados, sustentada

em estudos e análises que conferiu o embasamento para a coerência dos seus

clamores e, aí, mais uma vez, segue ressaltado o papel de Prebisch que, com os

relatórios por ele elaborados para a UNCTAD I e UNCTAD II, expunha a razoabilidade

das demandas (WALTERS, 1971:826-827) e os impactos por eles causados, que, por

sua vez, mobilizava-os a articular tais demandas (GARDNER, 1968: 107)79,

conformando para a Organização amplas funções de comunicação política. Como

conseqüência dessas características, a UNCTAD teria acabado por sensibilizar as

demais instituições internacionais como o FMI, o BIRD e o GATT, dentre outras, para as

necessidades dos países em desenvolvimento, fazendo-as proceder a algumas

alterações nos seus princípios e normas ou em regras e procedimentos. O FMI

concedeu, em 1965, a partir de solicitação da UNCTAD, uma ampliação de facilitação 78 O autor cita como exemplo as diferentes posições em torno das negociações para a criação do Sistema Geral de Preferências (SGP) que, poderiam vir a produzir cisões no Grupo, pois os países então já beneficiados, mormente as ex-colônias africanas de França, que já gozavam de preferências específicas, não desejavam ver ampliadas para outros países mais avançados no seio do Grupo, o que, porém não ocorreu, tendo sua coesão sido mantida (WALTERS, 1971: 824), tema este que será retomado mais adiante. 79 Gardner salienta, especificamente, o Relatório elaborado para a UNCTAD I, ao centralizar sua argumentação em torno do conceito de trade gap, e a responsabilidade dos países desenvolvidos em envidar esforços para reduzí-lo (GARDNER, 1968:107).

129

Page 130: Texto Helio

financeira compensatória para os países em desenvolvimento com dificuldades em

seus pagamentos, motivados por queda temporária nas exportações de commodities

primárias. No caso do BIRD, cabia registrar o relatório da Comissão de

Desenvolvimento Econômico, ou Comissão Pearson80, cujas propostas buscavam

articular as demandas provenientes da UNCTAD com as políticas específicas do Banco

Mundial, voltadas aos países em desenvolvimento e que foram assumidas como

documento da instituição. E no tocante ao GATT, houve a inserção da nova seção que

ressalvava as especificidades dos países em desenvolvimento (WALTERS, 1971: 828-

831; GARDNER, 1968: 109). Tais resultados responderiam às indagações sobre o que

a UNCTAD poderia fazer em prol dos países em desenvolvimento, o que para Gardner,

se viabilizaria pela ocorrência de três características, quais fossem, um secretariado

dotado de componente ideológico próprio; centro de tomada de decisões que

aglutinaria as demandas dos pobres sobre os ricos e espaço generalizado de avaliação

sobre regras de comércio, ajuda financeira e outras questões relacionadas aos países

em desenvolvimento (GARDNER, 1968: 106).

Entre o final da I Conferência da UNCTAD e a realização da II Conferência, em

1968, ocorria a sexta rodada de negociações do GATT, denominada Rodada Kennedy,

em homenagem ao presidente norte-americano, havia pouco assassinado, John F.

Kennedy, a mais longa então havida na história das relações comerciais multilaterais,

perfazendo três anos, de 04 de maio de 1964 a 30 de junho de 1967, contando com a

participação de 62 Partes Contratantes. Além da introdução da nova Parte do Acordo

Geral, essa rodada trouxe, também, como inovação, a alteração da modalidade de

negociação de redução tarifária, pois, pela primeira vez, deixava de seguir o esquema

produto a produto, que restringia os acordos ao nível bilateral, para inaugurar a

80 A referida Comissão, formada por iniciativa do presidente do Banco Mundial, George Woods, foi implantada por seu sucessor Robert McNamara, em 1968, com o objetivo de avaliar as políticas de assistência ao desenvolvimento, promovidas pelo Banco, em seus vinte anos de existência, tendo sido convidado para liderá-la o ex-Primeiro-Ministro canadense Lester Pearson, o qual, junto com uma equipe de sete economistas (Roberto Campos, do Brasil; Douglas Dillon, dos Estados Unidos; Saburo Okita, do Japão; Sir W. Arthur Lewis, de Santa Lúcia; Sir Edward Boyle, da Grã-Bretanha; Robert Ernest Marjolin, da França e Wilfried Guth, da Alemanha) elaborou o relatório, no ano seguinte, intitulado Partners in Development.

130

Page 131: Texto Helio

modalidade, já cogitada anteriormente, de redução linear de tarifas (across-the-board),

atingindo um nível de redução de tarifas sobre produtos industriais, praticadas por

países desenvolvidos, em cerca de um terço efetivamente. Além disso, foram

deliberados o Acordo Internacional sobre Cereais, o qual tinha como objetivo proceder

à estabilização dos preços internacionais, e o Código Anti-dumping que, no entanto, foi

rejeitado pelo Congresso dos Estados Unidos.

Contudo, as transformações na dinâmica do comércio internacional envolvendo o

relacionamento entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos não ocorreram

imediatamente. Mais adiante, com a realização da II Conferência da UNCTAD, ela

própria já institucionalizada como Agência das Nações Unidas, em 1968, em Nova

Delhi, Índia, um passo seguinte foi dado visando à consecução dos objetivos

preconizados na Conferência original, qual tenha sido, a criação do Sistema Geral de

Preferências (SGP), que consistia na redução parcial ou total de tarifas de importação,

concedida unilateralmente pelos países desenvolvidos, incidentes sobre determinados

produtos, quando originários e procedentes de países em desenvolvimento. Em

outubro de 1970, o Sistema foi aprovado pelos membros da OCDE, vindo a ser

autorizado pelo GATT em 197181.

No processo de negociação para a implantação do SGP, igualmente, o empenho

de Prebisch e sua habilidade em exercer o cargo de Secretário Geral da UNCTAD com

o viés dos países em desenvolvimento, tornou-se fundamental para a aceitação da

proposição pelos países desenvolvidos, a começar dos Estados Unidos que,

historicamente, sempre foram contrários à concessão de quaisquer modalidades de

preferências comerciais. Além disso, havia que se uniformizar as posições do G-77

sobre a questão, pois o Grupo se apresentava dividido entre um sistema de

81 Waiver for Generalised System of Preferences (BISD, 18th Suppl., 1972, p 24). Cf. Annex I: Chronology of Principal Provisions, Measures and Other Initiatives in Favour of Developing and Least Developed Countries in the GATT and the WTO. Disponível em www.wto.org/english/tratop_e/devel_e/anexi_e.doc

131

Page 132: Texto Helio

preferências seletivas ou outro de preferências generalizadas, sendo que, no tocante à

primeira opção, se alinhavam os países que já detinham tratamento preferencial, por

conta das políticas comerciais da Comunidade Européia. Assim, para derrubar a

oposição norte-americana, sob esse aspecto, Prebisch elaborou a estratégia de

caracterizar a concessão do sistema preferencial como algo temporário e sob a forma

de etapas prévias de cortes tarifários. Sob outro aspecto, visando a forçar a união no

seio do G-77 em volta do sistema generalizado e evitar a cisão do Grupo, fez ver aos

Estados Unidos que o seu apoio à proposta seria a maneira mais conveniente de

quebrar o elo entre a Comunidade Européia e seus parceiros africanos e, ainda, jogava

com os interesses dos Estados Unidos na América Latina, que temiam sabotados pelos

europeus, conseguindo, assim, o apoio do então Presidente Lyndon Johnson em 1967

(GARDNER, 1968: 109-110)82. De forma mais detalhada, Bhattacharya (1976) definia o

conflito residente sobre a concessão de preferências em polarizações tridimensionais,

confrontando demandas e interesses entre países desenvolvidos, entre países em

desenvolvimento e, entre essas duas categorias mutuamente, ressaltando, no entanto,

que no caso do SGP, se atingiu o acordo, cujo principal mérito caberia igualmente a

Prebisch, a quem atribui influência para a obtenção de tal feito. Primeiramente,

relembra a tradicional oposição norte-americana à concessão de preferências,

acrescendo em reforço à contrariedade dos Estados Unidos à proposta, sua

interferência nos resultados da Rodada Kennedy, comprometendo a perspectiva de

redução de barreiras tarifárias e, ainda, que preferências prejudicariam os produtores

mais capazes, além de esbarrar no pensamento predominantemente protecionista do

Congresso. Em segundo lugar, as divergências no interior do G-77 relacionavam-se à

própria heterogeneidade de sua composição, opondo os menos desenvolvidos àqueles

mais avançados dentre o conjunto dos países em desenvolvimento quanto à extensão

dos benefícios advindos com a criação do SGP. Nesse contexto, os primeiros,

representados pela Associação dos Estados Africanos e Madagascar, almejavam a

82 Gardner reproduz literalmente a passagem do discurso do Presidente Johnson, durante a Conferência de Chefes de Estados Inter-Americanos, realizada em 1967, em Punta Del Este, Uruguai, afirmando: “We are ready to explore with other industrialized countries – and our own people – the possibility of temporary preferential advantages for all developing countries in the markets of all the industrialized countries” (GARDNER, 1968: 110).

132

Page 133: Texto Helio

manutenção das preferências concedidas pela Comunidade Européia, alegando que,

para não perder o benefício, o SGP deveria cobrir todos os produtos e, não apenas, os

produtos manufaturados. Apoiando a generalização da concessão das preferências,

encontravam-se os países da América Latina, carreados por Brasil, Argentina e Chile,

os quais vinham promovendo intensivo processo de industrialização de suas

economias, por entender que as preferências seletivas já existentes prejudicavam seus

interesses comerciais83. No último campo de divergências, debatiam-se Estados

Unidos e Comunidade Européia sobre o tipo de preferências, em que aqueles

consideravam as práticas européias, e particularmente as francesas, discriminatórias e

prejudiciais às exportações norte-americanas (BHATTACHARYA, 1976: 75-80). Para o

autor, Prebisch, ao levar para a UNCTAD as suas propostas iniciais para a América

Latina e tornar sua ideologia a matriz do exercício do Secretariado, tentaria derrubar o

conceito de igualdade de tratamento predominante no GATT, mesmo que a concepção

de trade gap não surtisse o mesmo efeito sobre Ásia e África. Em termos de trocas

comerciais, logrou internacionalizar o conceito que era, essencialmente, latino-

americano, como fator de inibição ao desenvolvimento dos países menos

industrializados. E tendo migrado de sua concepção original de substituição de

importações para promoção às exportações, a partir da evolução industrial das

economias latino-americanas, defendeu firmemente a adoção do SGP, neutralizando a

perspectiva adversa de alguns países da própria América Latina84 assim como obtendo

a reiteração do apoio norte-americano, já no governo do Presidente Richard Nixon,

utilizando a pressão dos países latino-americanos. Por fim, a própria dinâmica de

negociações no âmbito da UNCTAD, dividida em grupos, propiciou a tomada de

83 Bhattacharya demonstra que, mesmo países em desenvolvimento não pertencentes ao grupo africano-malgache, apoiavam sua pretensão de ampliação de cobertura do SGP para produtos agrícolas, pois, segundo o autor, em 1970, apenas dez países perfaziam 48.6% do total de exportações de produtos manufaturados de todo o conjunto de países em desenvolvimento, sendo estes Hong Kong, Coréia do Sul, Israel, Paquistão, Índia, México, Cingapura, Egito, Argentina e Brasil (BHATTACHARYA, 1976: 78). 84 Nos anos 1960, alguns países latino-americanos, como o Brasil no Governo Castelo Branco, e a Colômbia, no Governo Lleras Restrepo, defendiam a adoção de preferências seletivas hemisféricas, em represália às restrições européias ao comércio com a região (BHATTACHARYA, 1976: 82).

133

Page 134: Texto Helio

posição pragmática que evitou o esfacelamento das coalizões existentes

(BHATTACHARYA, 1976: 85-90).

Em 1970, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamava, mais uma vez, a

década que se abria voltada para o desenvolvimento, por meio da Resolução 2262

(XXV), de 24 de outubro de 1970, com vigência a partir de 01 de janeiro de 197185.

Em setembro de 1973, em Tóquio, pouco antes do desencadeamento da crise do

petróleo pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), logo após a

Guerra do Yom Kippur, um encontro ministerial das Partes Contratantes do GATT

propunha o lançamento de uma nova rodada de negociações comerciais, a

denominada Rodada Tóquio, a sétima e penúltima realizada ainda nos termos do

Acordo Geral de 1947 e a de maior duração até então, encerrando-se seis anos depois,

em fins de 1979, e contando com o número recorde de participantes, no total de 102.

A Rodada Tóquio cobriu uma gama bem mais ampla de acordos em relação às

anteriores, como a reinterpretação de artigos referentes a Subsídios e Medidas

Compensatórias (Artigos VI, XVI e XXIII), favorecendo os países em desenvolvimento.

As negociações almejaram não apenas à redução de tarifas utilizando fórmulas de

aplicação generalizada como, também, pela primeira vez na história do GATT, tratou de

barreiras não-tarifárias, como as Barreiras Técnicas ao Comércio, englobando, ainda,

acordos sobre Licença de Procedimentos de Importação, Compras Governamentais,

Valoração Aduaneira (Artigo VII) e dando uma nova redação ao Acordo Anti-dumping,

substituindo o formulado na Rodada Kennedy. Além destes, abrangeu acordos sobre

produtos específicos como carne bovina, produtos lácteos e aeronaves civis

(THORSTENSEN, 2001: 30-31). Para os países menos desenvolvidos, o ganho

principal consistiu na adoção da Cláusula de Habilitação (Enabling Clause), de 29 de

novembro de 1979, oficialmente intitulada Differential and more Favourement Treatment

Reciprocity and Fuller Participation of Developing Countries, reafirmando o disposto na 85 Cf. International Development Strategy for Second United Nations Development Decade.

134

Page 135: Texto Helio

Parte IV do Acordo Geral, ao reiterar que o princípio da reciprocidade não seria

considerado intocável no tocante ao comércio com os países menos desenvolvidos,

dispondo em sua letra que:

“Following negotiations within the framework of the Multilateral Trade Negotiations, the CONTRACTING PARTIES decide as follows: 1. Notwithstanding the provisions of Article I of the General Agreement, contracting parties may accord differential and more favourable treatment to developing countries, without according such treatment to other contracting parties. 2. This provision applies to: (a) preferential tariff treatment by developing contracting parties under the GSP; (b) differential and more favourable treatment with respect to non-tariff measures governed by instruments multilaterally negotiated under the GATT; (c) regional or global arrangements among developing countries for mutual reduction or elimination of tariffs and, in accordance with criteria or conditions prescribed by the CONTRACTING PARTIES for mutual reduction of non-tariff measures on products imported from one another; (d) special treatment on the least developed among developjng countries in the context of any general or specific measures in favour of developing countries.

3. Differential and more favourable treatment accorded under this clause (a) shall be designed to facilitate and promote the trade of developing countries and not to raise barriers or create undue difficulties for the trade of any other contracting parties; (b) shall not constitute an impediment to the reduction and elimination of tariffs and other restrictions on an MFN basis; (c) shall in the case of such treatment accorded by developed contracting parties to developing countries be designed and, if necessary, modified, to respond positively to the development, financial and trade needs of developing.

4. (…)

5. The developed countries do not expect reciprocity for commitments made by them in trade negotiations to reduce or remove tariffs and other barriers to the trade of developing countries, i.e., the developed countries do not expect the developing countries, in the course of trade negotiations, to make contributions which are inconsistent with their individual development, financial and trade needs. Developed contracting parties shall therefore not seek, neither shall less-developed contracting parties be required to make, concessions that are inconsistent with the latter's development, financial and trade needs. (…)86

86 Cf. “Treatment of Developing Countries”. Disponível em http://www.wto.org/english/docs_e/ legal_e/enabling _e.pdf

135

Page 136: Texto Helio

O tratamento especial e diferenciado, doravante conferido aos países em

desenvolvimento, se estendia a todos os acordos e códigos estabelecidos nessa

Rodada, como os referentes a Barreiras Técnicas ao Comércio, a Subsídios e Medidas

Compensatórias, Compras Governamentais e Valoração Aduaneira (FINLAYSON &

ZACHER, 1981: 583-584)87.

A despeito da participação recorde de Partes Contratantes e dos ganhos obtidos

pelos países em desenvolvimento, a Rodada Tóquio deparou-se com o elevado número

de free-riders, isto é, países que não participavam dos acordos concluídos, uma vez

que não havia tal imposição, mas que acabavam se beneficiando de seus resultados

(THORSTENSEN, 2001: 36). No caso específico da Rodada Tóquio, esse número

chegou a mais de dois terços das Partes Contratantes, principalmente, os países

menos desenvolvidos em meio aos países em desenvolvimento, que usufruíam do

chamado sistema GATT à la carte, em que se escolhia qual o menu desejado dentre as

ofertas disponíveis, graças à extensão da Cláusula da Nação Mais Favorecida. Além

desse fator, verificava-se o aumento de práticas protecionistas em alguns setores

considerados inseridos nos entremeios nebulosos das regras do GATT, como

siderurgia, agricultura e têxteis (PETERSMANN, 1995: 28-32). Michalopoulos analisa

que, embora a Cláusula de Habilitação tivesse sido adotada, guardava-se, ainda, ampla

liberalidade e discricionariedade em seu emprego, produzindo o efeito do desinteresse

e a conseqüente abstenção quando da assinatura dos vários acordos concluídos

durante a Rodada, mesmo que tais acordos contivessem cláusulas relativas a

tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, sob alegação de

que estes apenas foram chamados a participar quando já se havia alinhavado os

acordos, sem sua participação (SRINIVISAN, 2000: 26; MICHALOPOULOS, 2000: 7-

8)88. Da mesma forma, Page (2001), tomando por base o relato do representante norte-

87 Nos casos, por exemplo, do Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio, os países em desenvolvimento não eram obrigados a adotar padrões internacionais ou regulamentos técnicos que fossem inapropriados a seu desenvolvimento; e do Acordo de Compras Governamentais, igualmente ficaram liberados de abrir seus mercados (FINLAYSON & ZACHER, 1981:583-584). 88 Dentre os Acordos citados constam os relativos a Subsídios e Medidas Compensatórias, Barreiras Técnicas ao Comércio e Compras Governamentais (MICHALOPOULOS, 2000: 8) e Valoração Aduaneira (PAGE: 2001:14).

136

Page 137: Texto Helio

americano nas negociações, Alonzo McDonald, assevera que as negociações durante a

Rodada centraram-se entre Estados Unidos e Comunidade Européia, não havendo

temas de interesse direto para os países em desenvolvimento, como, por exemplo,

agricultura, mantida sob exclusão, sendo que os países que já operavam a mudança de

seu perfil exportador para manufaturas apenas começavam a se defrontar com

barreiras não tarifárias89. Como não havia a obrigação de se aceitar todos os acordos e

os países desenvolvidos não se sentiam pressionados pelos países em

desenvolvimento, adveio o fato de a grande maioria destes permanecer alheia aos

resultados finais da Rodada (PAGE, 2001: 14-15)90. Em perspectiva oposta, Eckes Jr.

salienta a assimetria das relações comerciais dos Estados Unidos que, por conta das

concessões efetuadas pelo país durante a Rodada Tóquio, aliadas aos denominados

eventos exógenos como a alta dos preços do petróleo, transformaram o superávit

comercial norte-americano de US$ 8,9 bilhões em 1975 em déficit de US$ 34 bilhões

em 1978. A par, as reduções tarifárias concedidas pelos Estados Unidos, a instituição

das preferências comerciais, via SGP, a países que haviam se tornado industrialmente

competitivos, assim como a então Alemanha Ocidental, e a manutenção do

protecionismo japonês teriam convertido os supostos ganhos da Rodada Tóquio em

reles quimera (ECKES Jr., 1999: 87-93).

O período decorrido da realização da Rodada Tóquio, ou seja, de 1973 a 1979,

foi precisamente aquele em que uma série de acontecimentos iria marcar o apogeu e o

ocaso da participação e do ativismo dos países em desenvolvimento no sistema

multilateral mundial. Verificava-se, a partir de 1973, o choque causado pelo aumento

abrupto dos preços do petróleo decretado pela OPEP, a Conferência do Movimento dos

Não-Alinhados em Argel, a aprovação da moção pleiteando a Nova Ordem Econômica

Internacional, a détente entre Leste e Oeste e, no outro extremo do período, a

89 Como exemplo de aplicação de barreiras não tarifárias, constam as restrições sobre exportações de vestuário, porém os países as enfrentavam não aumentando as exportações ou fugindo para outros setores não restringidos (PAGE, 2001: 14). 90 No entanto, nem todos os países em desenvolvimento colocaram-se à margem das negociações, como, por exemplo, Brasil, Argentina e Índia, que chegaram a assinar alguns acordos (PAGE: 2001: 15).

137

Page 138: Texto Helio

ascensão de Margareth Thatcher e Ronald Reagan ao poder das duas principais

potências capitalistas mundiais e o início do processo de desmantelamento da União

Soviética, com a invasão do Afeganistão.

Um ano após a abertura da Rodada Tóquio, a Assembléia Geral das Nações

Unidas dava início à Sexta Sessão Especial, ocorrida entre 09 de abril e 02 de maio de

1974, voltada para tratar especificamente do tema relacionado a matérias-primas e

desenvolvimento, por solicitação da Argélia. Efetivamente, essa proposição surgiu

quando da realização da 4ª Conferência do Movimento dos Não-Alinhados, na capital

argelina, entre 05 e 09 de setembro do ano anterior, quando já se evidenciava a

movimentação por parte dos países produtores de petróleo, principalmente os árabes,

com o intuito de pressionar pela alta dos preços e utilizar o produto como arma política

contra o apoio do Ocidente a Israel91, sendo, na ocasião, votada moção favorável à

formação de associação de produtores de petróleo para instar pela retirada de Israel

dos territórios ocupados em 196792. Inicialmente, portanto, a Sessão destinava-se a

considerar questões relacionadas a produtos primários e terminou por desdobrar-se no

debate sobre o reordenamento das relações entre o Norte industrializado e o Sul pobre,

ampliando o escopo de seu objetivo, a partir do êxito alcançado pelo emprego

econômico e político desencadeado pelos países produtores de petróleo e sua

conseqüente expansão para outras matérias-primas. Tal disposição para a utilização

das matérias-primas como elemento de mobilização e articulação dos países em

desenvolvimento, desencadeada pelo exemplo da OPEP é enunciada pelo Presidente

da Argélia, Houari Boumedienne, em discurso encaminhado à Sexta Sessão Especial,

em que explicita que... 91 Em 15 de setembro de 1973, portanto quase uma semana após a realização da 4ª Conferência do Movimento dos Não-Alinhados, a OPEP estabelecia uma frente de negociação, composta de seis países do Golfo Pérsico (Abu Dhabi, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Qatar), para pressionar pela elevação dos preços do petróleo e coibir o apoio ocidental a Israel, com base em acordo celebrado em Teerã, em 1971, entre a OPEP e as companhias ocidentais de petróleo, que ampliou, mediante a ameaça de embargo do fornecimento, de 50% para 55% a sobretaxa sobre o comércio de petróleo. 92 Logo após, no dia 06 de outubro, forças árabes, compostas por Egito e Síria, atacavam Israel durante o feriado do dia mais sagrado para a religião judaica, o Yom Kippur (Dia do Perdão) e, dois dias depois, as negociações visando à revisão do acordo de Teerã fracassaram, culminando, no dia 17 de outubro, com a decretação do embargo do fornecimento aos Estados Unidos e na quadruplicação dos preços para o mercado internacional.

138

Page 139: Texto Helio

“The OPEC action is really the first illustration and at the same time the most concrete and most spetacular illustration, of the importance of raw material prices for our countries, the vital need for the producing countries to operate the levers of price control, and lastly, the great possibilities of a union of raw material producing countries...This action should be viewed by the developing countries...as an example and a source of hope”. (BOUMEDIENNE in SMITH, 1977:4).

A perspectiva de transferir para outras matérias-primas o êxito obtido pela OPEP

pareceu atrair produtores de outras commodities levando diversos outros países a

entoar generalizadamente da valorização de seus produtos (HANSEN, 1975: 923)93.

Segundo Rothstein (1979), além do acirramento dos ânimos dos países em

desenvolvimento, presumivelmente estivesse embutida uma estratégia de reverter a

baixa dos preços de matérias-primas, que começara a acontecer devido aos efeitos do

choque do petróleo, quando, por conta da escalada recessiva dos países desenvolvidos

e dos índices inflacionários, retraíram-se as importações, tendo como desdobramento

uma crise de balanço de pagamento para os países do Terceiro Mundo. Para o autor,

ao invés de se produzir ajustes necessários à adequação a essa situação que se

configurava, buscaram escapar por esses meios (ROTHSTEIN, 1979: 44).

A esses fatores se juntaram as tentativas de amainar os rigores do boicote e da

elevação demasiada dos preços. De início, os Estados Unidos viriam a tentar articular

uma ofensiva diplomática gradual que consistia na realização de um primeiro encontro

entre os países industrializados, sendo que, posteriormente, haveria um segundo com

os países em desenvolvimento importadores de petróleo, um terceiro articulando ambos

os grupos, visando a atenuar os impactos e pensar fontes alternativas de fornecimento

de energia e, por fim, todos unidos para confrontar a OPEP em um quarto encontro.

93 Diversos movimentos para montar cartéis de produtores de matérias-primas foram efetuados após a ação da OPEP como o dos produtores de bauxita, que formaram a International Bauxite Association, e os produtores de fosfato triplicaram seus preços, bem como consultas entre países em desenvolvimento relativas a outras commodities foram feitas e, ao menos uma dúzia de países menos desenvolvidos criaram ministérios de recursos naturais (HANSEN, 1975: 923), tornando commodities tão importantes para os países em desenvolvimento, no início dos anos 1970, quanto o SGP o fora em meados dos anos 1960 (BHAGWATI, 1984: 25).

139

Page 140: Texto Helio

Tal proposta acabou bloqueada pela Europa Ocidental e Japão, mais temerosos devido

à maior dependência do fornecimento, fazendo com que a França apresentasse

proposta alternativa, no sentido de que, primeiramente, houvesse um encontro com os

países árabes e, posteriormente, sugeria que as Nações Unidas realizassem uma

conferência mundial sobre energia, prontamente aceita pela Argélia, resultando, assim,

na convocação da Sexta Sessão Especial (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 316-317).

Assim, por intermédio das Resoluções 3201 (S-VI) e 3202 (S-VI), de 01 de maio

de 1974, proclamavam a necessidade de se instituir uma Nova Ordem Econômica

Internacional, e o subseqüente Programa de Ação, respectivamente. Em seus termos,

a primeira Resolução recomendava a predominância da cooperação entre as nações e

reformulação das condições econômicas e sociais, visando à transformação da divisão

internacional do trabalho e da distribuição das riquezas mundiais, conforme

parcialmente transcrita abaixo:

“We, the Members of the United Nations, (…) Solemnly proclaim our united determination to work urgently for the ESTABLISHMENT OF A NEW INTERNATIONAL ECONOMIC ORDER based on equity, sovereign equality, interdependence, common interest, and co-operation among all States, irrespective of their economic and social systems which shall correct inequalities and redress existing injustices, make it possible to eliminate the widening gap between the developed and the developing countries and ensure steadily accelerating economic and social development and peace and justice for present and future generations (…)”94.

Esse conjunto de Resoluções tomava por base a dinâmica

precedentemente desenvolvida pelos países em desenvolvimento, no âmbito da

Assembléia Geral das Nações Unidas, sustentada por uma gama de Resoluções

aprovadas anteriormente, como, por exemplo, a Resolução 3171 (XXVIII) de 17 de

dezembro de 1973, que dispunha a respeito dos direitos de soberania permanente

sobre recursos naturais, calcando-se, ainda, nas deliberações oriundas dos Encontros

94 Excertos da Resolução 3201 (S-VI) de 01 de maio de 1974, intitulada Declaration on the Establishment of a New International Economic Order.

140

Page 141: Texto Helio

do G-77, ocorridos em Argel (1967) e Lima (1971), porém, sua fonte principal pautou-se

na Declaração da Conferência dos Não-Alinhados de Argel, em 1973 (GOSOVIC &

RUGGIE, 1976: 313-314).

Dessa disposição de se erigir a Nova Ordem Econômica Internacional, se

consolidaria a Charter of Economic Rights and Duties of States, de 12 de dezembro de

1974, adotada pela Resolução da Assembléia Geral 3281 (XXIX), em votação que

contou com a rejeição dos países desenvolvidos95, tenha sido pela oposição ou

abstenção da proposta, por considerá-la não equilibrada, tendo em vista seus

interesses (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 314). Segundo Sneyd (2003), direitos eram

especialmente concernentes aos países em desenvolvimento, como a ampla soberania

sobre seus recursos naturais e a regulação de suas atividades econômicas, enquanto

obrigações não se constituíam impedimentos às estratégias de desenvolvimento

desses países, impondo-se apenas sobre os países desenvolvidos, os quais, por sua

vez, a consideravam desprovida de reciprocidade (SNEYD, 2003: 37).

A segunda vertente da mobilização havida durante a Conferência de Argel

redundou na convocação da Sétima Sessão Especial da Assembléia Geral, que centrou

seus debates em torno do tema do desenvolvimento e da cooperação econômica

internacionais, ocorrida entre 01 e 16 de setembro de 1975. Tal Sessão, igualmente,

resultou do que se passou a denominar de “diplomacia do petróleo”, por,

obrigatoriamente, ter que passar a lidar com a força dos países produtores e o jogo

exercido pelos países desenvolvidos para minorar os efeitos da elevação dos preços.

De certa forma, o impacto do choque do petróleo acabaria por desarranjar, ao

menos momentaneamente, a divisão econômica internacional entre Norte e Sul, por

causar a quebra da aliança dos países industrializados – Estados Unidos, Europa

95 A Resolução foi aprovada por 120 votos, tendo seis votos contrários (Bélgica, Dinamarca, Alemanha Ocidental, Luxemburgo, Grã-Bretanha e Estados Unidos), e dez abstenções (Áustria, Canadá, França, Irlanda, Israel, Itália, Japão, Holanda, Noruega e Espanha), porém, Austrália, Nova Zelândia, Suécia e Finlândia votaram favoravelmente à Carta (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 314).

141

Page 142: Texto Helio

Ocidental e Japão – bem como por estabelecer a cisão entre os países em

desenvolvimento, distinguindo produtores e consumidores de petróleo. Assim, a

exemplo da circunstância anterior, novamente os Estados Unidos tentaram

desencadear uma reação contra a situação, propondo a realização de um conclave

entre produtores e consumidores, sendo, outra vez, driblados pela França, que buscou

ampliar a participação incluindo, além das duas primeiras categorias, os países em

desenvolvimento, que não se restringiria unicamente a tratar de preços do petróleo.

Logo a proposição francesa foi vastamente aceita pelos próprios Estados Unidos, pelos

demais membros da Comunidade Européia, pela OPEP e pelos países em

desenvolvimento reunidos em Dacar, Senegal, durante a Conferência dos Países em

Desenvolvimento sobre Matérias-Primas, realizada em fevereiro de 1975, os quais

adotaram, para o Encontro Preparatório que seria realizado em Paris, em abril seguinte,

uma posição comum, incluindo os membros da OPEP, englobando temas econômico-

financeiros, comércio e ciência e tecnologia (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 317-318).

Nesse encontro, fissuras ameaçaram surgir no interior do bloco dos países em

desenvolvimento, opondo os membros da OPEP àqueles importadores de petróleo,

pois, enquanto os primeiros defendiam a idéia de se abordar todos os temas, conforme

deliberado em Dacar, os segundos, representados no evento, protestavam contra os

danos causados em suas economias por conta da elevação dos preços do petróleo96 e

o então Zaire alegava ser utópico tratar de todas as matérias-primas em uma única

conferência, mas acabaram seguindo a posição inicial. Similarmente, o bloco dos

países desenvolvidos apresentava posições algo distintas, pois, se a Comunidade

Européia se dispunha a debater energia e assuntos correlatos, os Estados Unidos

desejavam debater apenas energia e questões a ela relacionadas, embora não se

negassem a ampliar a pauta futuramente, porém, não naquele evento. Ao final, as

posições no âmbito de cada bloco voltaram a se reunir, permanecendo as coalizões

originais. Para os autores, tanto os países em desenvolvimento quanto os 96 Como exemplo, o Brasil alegava que 40% das rendas decorrentes de exportação eram consumidas na aquisição de petróleo e a Índia, 80% (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 318).

142

Page 143: Texto Helio

desenvolvidos, perceberam os elos estabelecidos entre a questão do petróleo e os

temas relativos à Nova Ordem Econômica Internacional, produzindo nestes últimos uma

disposição negociadora (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 318-319).

Para a Sétima Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, a disposição às

negociações por parte dos Estados Unidos havia se ampliado, pois o Secretário de

Estado Henry Kissinger avaliaria que Paris não adicionara avanços suficientes ao

diálogo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, daí a importância a ela

atribuída pelos primeiros, reconhecida em reunião prévia da OCDE. Ali, se encetavam

estratégias que pretendiam que a Sessão alcançasse êxito que resultaria no

aperfeiçoamento das relações econômicas internacionais para os interesses dos países

em desenvolvimento97.

A predisposição dos países industrializados acabou por acarretar na prevalência

de atitudes mais moderadas por parte dos países em desenvolvimento, quando da

preparação da agenda da Sessão, no âmbito do ECOSOC, ao reconhecer que alguns

temas mais polêmicos poderiam comprometer os resultados possíveis, tendo assim

sido excluídos assuntos como soberania permanente sobre recursos naturais,

associações de produtores e controle sobre corporações multinacionais. Além disso,

foram reduzidos os itens considerados prioritários, assim como se introduziu, por

solicitação dos Estados Unidos, o tema de alimentos e agricultura e, por fim, se decidiu

que teria conotação política, no sentido de traçar linhas de ação e parâmetros, não

sendo declaratória ou técnica. Arrolaram-se, daí, os temas pertinentes à Sessão,

abrangendo comércio internacional, transferência efetiva de recursos e reforma

monetária internacional, ciência e tecnologia, industrialização, alimentos e agricultura,

bem como a reestruturação dos setores econômicos e sociais das Nações Unidas

97 Nessa perspectiva, consideravam ser possível atingir tal objetivo, enquanto a Itália pregava que se parasse de atuar defensivamente, tomando iniciativas e a França reconhecia a inevitabilidade de mudanças, que cedo ou tarde teriam que ocorrer; já a Grã-Bretanha declarava estarem os países industrializados ansiosos pelo êxito das negociações e, por fim, Holanda, Suécia, Noruega e Nova Zelândia requeriam que a premissa das negociações se baseasse no conceito da Nova Ordem Econômica Internacional (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 320).

143

Page 144: Texto Helio

(GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 321-322; HIRSCH, 1976: 524). Para os países

desenvolvidos, tornara-se a oportunidade de atenuar a intensidade do conflito Norte-Sul

e, por conseguinte, fazer retroceder a escalada de confrontação (MELTZER, 1978:

995). Para Hirsch, tratava-se de conversão às demandas dos que antes nada tinham –

como em 1964 na UNCTAD – e que, naquele momento, possuíam uma única coisa, o

petróleo, ou seja, o poder de uma mercadoria (HIRSCH, 1976: 524).

.

Durante o desenrolar da Sessão as posições iam se estabelecendo e

restaurando as divergências fundamentais em que o G-77 clamava por mudanças

profundas na estrutura das relações econômicas internacionais de uma parte, e, de

outra, o bloco dos países desenvolvidos não se mostrava disposto, até por presumir

que algumas das reivindicações como comércio, poder de compra, decisões sobre

investimento em pesquisa e desenvolvimento estavam fortemente vinculadas a

decisões e estratégias pertinentes ao setor privado e não à esfera governamental.

Especificamente, a posição norte-americana era a de que não se havia que alterar

essencialmente o sistema de livre iniciativa e os princípios da economia internacional,

orientada para o mercado, mas apenas adequá-la às dos países em desenvolvimento.

Já a Comunidade Européia tinha alguns constrangimentos quanto à excessiva

proeminência do mercado na economia internacional, mas em questões específicas

como, por exemplo, mudanças estruturais, guardava convergências com os Estados

Unidos. Destoando da posição majoritária do Ocidente, Austrália, Nova Zelândia e

países escandinavos expressavam alguma afinidade com as demandas do G-7798. Em

relação às regras do GATT, o G-77 preconizava por disposições permanentes que

garantissem acesso preferencial e sem reciprocidade ao mercado dos países

desenvolvidos, assim como conceder o mesmo caráter de permanência ao SGP, o que

98 Dentre as questões debatidas que dividiam os blocos, constava a relativa a mercados e definição dos preços das matérias-primas e commodities, em que o G-77 requeria estivesse em consonância com o programa elaborado pela UNCTAD, que priorizava um acordo negociado de preços ao invés da variação do mercado, a qual encontrava apoio dos escandinavos, Austrália e Nova Zelândia; enquanto a Comunidade Européia se dispunha a aceitar uma estabilização da flutuação de preços, os Estados Unidos recusavam-na, porém mostravam-se dispostos a discutir algo em torno de estabilização de ganhos de exportação (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 325-326).

144

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era rejeitado pelos países desenvolvidos, preferindo manter a negociação de tais

questões no âmbito da Rodada Tóquio bem como não avançar nos parâmetros

definidos no escopo da Declaração de abertura da Rodada, em 1973. Quanto aos

debates concernentes à ciência e tecnologia, inclusive ao sistema de patentes e

transferência de tecnologia, o G-77 reivindicava maior acesso ao conhecimento detido

pelos países desenvolvidos com vistas a seu desenvolvimento, sendo, igualmente,

contra-argumentados sob a alegação de que tais questões eram da competência do

setor privado (GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 323-327).

No tocante à reforma das Nações Unidas, pretendida pelo G-77 e, também pelo

Ocidente, porém sob pontos de vista mais uma vez opostos, as posições se

apresentavam comuns quanto ao diagnóstico da ação da Organização. O Ocidente

criticava acidamente a expansão de suas atividades e a crescente politização do

processo de tomada de decisão, em situação particularmente desconfortável por sua

condição de minoria durante as votações, refém da chamada “tirania da maioria” que, a

seu ver, apenas produzia declarações retóricas e de pouca efetividade, comprometendo

suas funções de negociação e articulação e contribuindo para seu declínio,

constituindo-se a gota d’água desse processo, a aprovação da Resolução que

comparava o sionismo a formas de racismo e discriminação racial99, claramente

influenciada pela utilização do petróleo como arma política no âmbito das Nações

Unidas. Da mesma forma, considerava necessário estancar a proliferação de agências

e outros órgãos, tendência evidenciada a partir da institucionalização da UNCTAD em

1964, o que acarretava em gastos orçamentários e de pessoal. Todos esses fatores,

de acordo com essa posição, resultavam na fragilidade das organizações internacionais

como um todo (MELTZER, 1978: 996-997). Ao contrário, o G-77 reivindicava o

fortalecimento do papel da Assembléia Geral, definindo-o como órgão maior e atuando

como instância de articulação e delineamento de políticas para o GATT, o FMI e o

BIRD, que deveriam implementá-las, assim como ampliar o poder decisório da

UNCTAD para transformá-la em órgão central das Nações Unidas para comércio e 99 Resolução 3379 (XXX), de 10 de novembro de 1975, intitulada Elimination of all forms of racial discrimination.

145

Page 146: Texto Helio

desenvolvimento econômico (MELTZER, 1978: 1001-1002). Visando a aproximar as

duas correntes contrárias, criou-se um Comitê Ad Hoc, presidido pelo representante de

Gana, que preparou um texto consolidado que, dentre outros temas, propunha que as

deliberações deveriam se basear em consenso prévio e informal, mas a desconfiança

se instalou, pois o G-77 temia que o exercício do consenso se tornasse uma tentativa

de despolitizar as Nações Unidas, bem como constituísse estratégia para obter a

fragmentação do Grupo, durante a fase de consultas. Além disso, vislumbrava que as

propostas de racionalidade implicariam em álibi para reduzir os compromissos

orçamentários necessários ao funcionamento da Organização (MELTZER, 1978: 1004-

1012).

Dos debates e negociações havidas durante a Sétima Sessão, deliberou-se pela

adoção da Resolução 3362 (S-VII), de 16 de setembro de 1975100 que, exatamente por

ter o caráter político e de guia das negociações que se desdobrariam, aproximava, de

forma tênue, as posições divergentes acerca dos variados temas em pauta. O

prosseguimento pretendido das negociações seria consubstanciado na posterior

Resolução 3506 (XXX), de 15 de dezembro de 1975101, conclamando pela constante

revisão e implementação das políticas adotadas na Resolução anterior.

Justamente nesses desdobramentos das negociações, os autores prediziam que

a unidade do G-77 seria alvo da ação dos países desenvolvidos visando a enfraquecê-

la, por meio da cooptação da facção moderada, oferecendo algumas concessões ao

mesmo tempo em que buscariam afastar as reivindicações de mudanças estruturais

(GOSOVIC & RUGGIE, 1976: 342). Calvocoressi sugere que essa tentativa foi

producente pelo aparecimento da OPEP como força distinta no interior do G-77 e pelo

poder econômico do Ocidente, convergindo com Smith (1976:11), a despeito dos

esforços envidados pelo Grupo, pois a efetividade das propostas em direção a uma

100 Formalmente, Resolution adopted on the Report of the Ad Hoc Committee of the Seventh Special Session, 3362 (S-VII). Development and International Economic Co-operation. 101 Resolução 3506 (XXX). Implementation of the decisions adopted by the General Assembly at its Seventh Special Session.

146

Page 147: Texto Helio

Nova Ordem Econômica Internacional sucumbiu àquele poder. E uma das armas

utilizadas teria sido precisamente a manutenção dos laços de dependência, no caso da

Comunidade Européia – e da França em particular – com suas antigas colônias, por

meio de sucessivos aportes de ajuda econômica, iniciados pela Convenção de

Yaoundé, em 1964 e as subseqüentes assinaturas da Convenção de Lomé, a partir de

1974, estendidas ao chamado Grupo ACP, então constituindo 46 países de África,

Caribe e Pacífico. E, exatamente, enquanto esse grupo de países, apesar da ajuda

fornecida, mais se endividava e empobrecia, até pelos altos custos da importação de

petróleo, os membros da OPEP mais enriqueciam, acarretando na obsolescência do

conceito de Terceiro Mundo e a constituição do Quarto Mundo, por estes representado

(CALVOCORESSI, 1991: 156-161). Por sua vez, Rothstein afirma que se a OPEP,

para o Terceiro Mundo, significava um caminho a seguir e, fundamentalmente,

perspectiva de recursos para os países menos aquinhoados com algum poder de

barganha econômica, havia a percepção de que a ajuda fornecida pelos países

exportadores de petróleo em quase nada compensaria os danos a eles infligidos, porém

tal percepção não era tornada pública, fosse por medo, euforia ou tardia esperança de

algum tratamento privilegiado (ROTHSTEIN, 1979: 46). Ademais, Smith indicava, com

base em dados da OCDE, que a propalada ajuda da OPEP aos demais países do

Terceiro Mundo, com o objetivo de amenizar o custo da elevação dos preços do

petróleo, em 1974, montou a US$ 9.6 bilhões, sendo 57,5% destinada a Egito e Síria e

menos de 4% para a África, assim como 80% da renda excedente dos membros da

OPEP, naquele mesmo ano, fora direcionada para os países industrializados, sendo

que, majoritariamente, para os Estados Unidos (SMITH, 1977: 9) e cifras semelhantes

são apresentadas por Calvocoressi (1991: 161). Por outro lado, tanto Smith quanto

Hirsch mantinham dúvidas acerca da viabilidade da extensão da cartelização

empregada pela OPEP para outras matérias-primas, devido à fragmentação da coalizão

causada pelos interesses específicos da OPEP e pelo surgimento de uma categoria de

países bem-sucedidos nos processos de transformação de suas economias, citando

como exemplo Hong Kong, Malásia, Cingapura, Coréia do Sul e, incertamente, o Brasil

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Page 148: Texto Helio

(NIC’s)102, que formariam, ambos os grupos, uma espécie de classe média, destacada

dos demais (HIRSCH, 1976: 525), ou pela improbabilidade de envergar tal ação, pela

ausência de base diversificada de exportações e de reservas financeiras suficientes

(SMITH, 1976: 8), fatores que constituiriam a Nova Ordem Econômica internacional

uma ameaça falaciosa para o Ocidente. Similarmente, Gasiorowski (1985), ao analisar

os níveis de interdependência econômica dos países em desenvolvimento, operando

com variáveis relativas a comércio internacional e fluxo de capital internacional, entre as

décadas de 1960 e 1970 inclusive, concluía pela vulnerabilidade destes frente ao Norte,

por conta de seu elevado grau, o que colocaria em risco a própria soberania desses

países, ressalvando as posições mais confortáveis dos chamados NIC’s

(GASIOROWSKY, 1985: 341-342)103. E no tocante às relações econômicas entre os

países em desenvolvimento, ou relações Sul-Sul, igualmente verificava-se reduzida

interação, sendo as relações Norte-Sul as detentoras de primazia e, corroborando os

demais autores, à medida que um grupo distinto de países em desenvolvimento se

destacava de todo o restante, os vizinhos mais frágeis tenderiam a formar alianças com

os países desenvolvidos, temendo a penetração daqueles em suas atividades políticas

e econômicas (ROSENBAUM & TYLER, 1975: 271-272).

Portanto, grande parte da literatura, contemporânea ao próprio período de

debates e reivindicação de construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional,

antepunha severas dúvidas acerca de sua viabilidade e efetividade, dados o alto grau

de dependência do Sul e a crescente diferenciação entre os países em

desenvolvimento, pelo emprego do petróleo como arma política e econômica, sob um

aspecto, e pelo êxito de processos intensivos de industrialização de alguns poucos

países – especialmente Leste da Ásia e América Latina – os quais passariam a ter

demandas peculiares a essa transformação, sob outro aspecto.

102 Em inglês, Newly Industrializing Countries. 103 Em sua pesquisa, Gasiorowsky arrolara como NIC’s México, Argentina, Brasil, África do Sul, Israel, Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul, Índia e Turquia (GASIOROWSKY, 1985: 333).

148

Page 149: Texto Helio

Cox (1979), ao indagar no que precisamente consistiria o conceito de Nova

Ordem Econômica Internacional, respondia à questão, dividindo-o em quatro níveis: o

primeiro nível definia como sendo um conjunto de demandas específicas alinhadas em

documentos oficiais incorporadas em conferências internacionais, emanadas do

Movimento dos Não-Alinhados e do G-77; no segundo nível, constituía-se como

processo de negociação entre Norte e Sul, no âmbito de vários fóruns e instituições

internacionais, visando à obtenção de acordos que redefiniam ou criavam políticas e

agências. No terceiro nível, tornou-se o debate acerca da estrutura básica desejável

para as relações econômicas internacionais que, por sua vez, implicava na abordagem

de teorias atinentes ao conceito de imperialismo, causas do subdesenvolvimento e

limites físicos ao crescimento. E o quarto nível, enfim, desdobrar-se-ia no debate

intelectual, fracionado em várias vertentes104, que contaria tanto com participantes

ativos nas negociações quanto com acadêmicos, mas todos vinculados em uma série

de redes sobre o tema e, em suma, todos os níveis encontrar-se-iam intimamente

relacionados (COX, 1979: 258-260).

Em 1977, o Presidente francês Giscard D’Estaing promovia a Conferência

Internacional sobre Cooperação Econômica, conhecido como Diálogo Norte-Sul,

laconicamente encerrada em junho daquele ano, a despeito de ter gerado alguns

resultados como o compromisso dos países desenvolvidos de efetuar dotação de US$

1 bilhão para países menos desenvolvidos e a subscrição do Fundo Comum para

produtos primários.

104 As vertentes arroladas por Cox eram os monopolistas liberais, porta-vozes do establishment, predominante nos países desenvolvidos, cuja maior expressão consistia na Comissão Trilateral; a segunda seria uma variante social-democrata, igualmente de tendência liberal, mas sensível às questões dos países em desenvolvimento, sendo um dos representantes da corrente, o Clube de Roma; a terceira seria uma categoria semi-oficial das posições do Terceiro Mundo, representada por intelectuais engajados, o Fórum do Terceiro Mundo; a quarta vertente expressaria as posições dos neo-mercantilistas, representada por pensadores políticos norte-americanos que entenderiam a política econômica como instrumento de objetivos políticos, podendo tanto ser de direita ou de esquerda e; como quinta vertente ter-se-ia o materialismo histórico que, evidentemente, priorizava a questão do desenvolvimento sobre o processo de produção dividindo-se em várias correntes, sendo seus expoentes Gunder Frank, Immanuel Wallerstein, Christian Palloix e Paul Sweezy (COX, 1979: 260-266).

149

Page 150: Texto Helio

A segunda crise do petróleo, em 1979, desencadeada pela revolução islâmica no

Irã, seguida pelo confronto entre este país e o Iraque, veio agravar ainda mais a

situação de distanciamento entre o restrito grupo de países produtores de petróleo e

todos os demais, pelo incremento da situação de endividamento, assim como

comprometendo seriamente as propostas de remodelação das relações econômicas

internacionais, tornando-se o tema central da UNCTAD V em Manila, Filipinas, como já

o havia sido durante a UNCTAD IV em Nairobi, Quênia, em 1976 (CALVOCORESSI,

1991: 161).

Em 1980, uma Comissão Independente105, liderada pelo ex-Chanceler da

Alemanha Ocidental Willy Brandt, publicava o Relatório North-South: a Programme

Survival, mais conhecido como Relatório Brandt, propondo a redistribuição de recursos

financeiros em socorro aos países mais pobres, não sob a forma de ajuda, mas de

investimento em programas de erradicação da fome e da miséria, provinda dos países

industrializados e dos membros da OPEP, ensejando um amplo esforço de cooperação

econômica internacional que, pela ausência de apoio, caiu no vazio. E, a partir da

década de 1980, a escalada do endividamento – levando mesmo à moratória por parte

de alguns países – e a reação empreendida pelos países desenvolvidos sepultaria a

Agenda do Desenvolvimento e seu corolário, a pleiteada Nova Ordem Econômica

Internacional.

Assim sendo, desde o início do processo de descolonização, ocorrido após o

término da Segunda Guerra Mundial, e sua intensificação entre o final da década de

1950 e meados da década de 1960, com a libertação das colônias britânicas, francesas

e belgas do Continente africano, o panorama multilateral engendrado pelas potências

vencedoras do conflito sofreria profundas modificações. Com o ingresso maciço dos

novos Estados soberanos nas Nações Unidas e suas agências, no GATT e a tomada

de consciência de sua força política como novo ator internacional, forjando o Movimento 105 A Comissão continha dezoito membros de diversas nacionalidades, procedências e atividades, destacando-se, além do próprio Brandt, o ex-Premier britânico Edward Heath, o ex-Premier sueco Olof Palme, o ex-Presidente chileno Eduardo Frei e o ex-chanceler indonésio Adam Malik.

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Page 151: Texto Helio

dos Não-Alinhados, inicialmente e, depois, o Grupo dos 77, em aliança com os países

da América Latina, o multilateralismo tornou-se instrumento de tentativa de mudança da

ordem econômica e política mundial, formando a heterogênea coalizão do Sul.

Apoiados em sua ampla maioria quantitativa, os membros do chamado Terceiro Mundo

vão conduzir diversas alterações de rumo nas organizações internacionais, como a

criação da UNCTAD e a obtenção de reformas parciais do GATT, com vistas à

conquista de tratamento especial e diferenciado em suas relações comerciais com o

Norte desenvolvido. Durante esse período, que se estendeu do início da década de

1960 a meados da década de 1970, o multilateralismo de feições terceiro-mundistas

atingiria seu auge. No entanto, o grande movimento que lhe daria forças para avançar

na direção da construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional e a revisão dos

paradigmas das relações econômicas internacionais – a utilização do petróleo como

instrumento de barganha política e econômica – igualmente trouxe, como corolário, o

seu declínio, por conta do crescente endividamento e do conseqüente empobrecimento

de suas economias. Concomitantemente, se começa a empreender uma forte reação

dos países centrais, mormente Estados Unidos e Grã-Bretanha, por meio da ascensão

das forças politicamente conservadoras, porém economicamente liberais, acuando

esses países pelo empunhamento de uma agenda voltada para a democracia, os

direitos humanos e a preservação ambiental, fatores de elevada vulnerabilidade política

do Terceiro Mundo, além da limitação do sustento financeiro dessas organizações.

Assim sendo, esse modelo de multilateralismo começaria a entrar em crise e a derrogar

as conquistas obtidas pelos países em desenvolvimento naquele período. A partir dos

anos 1980, uma nova agenda adentraria ao cenário internacional, levando à crise desse

multilateralismo e à forja de um novo modelo de organização internacional, associado

ao fim da Guerra Fria e ao surgimento do processo de globalização. No comércio

internacional, essa remodelação acarretaria na realização de uma nova rodada de

negociações do GATT, radicalmente diferente de todas as anteriores, a Rodada

Uruguai, vindo a modificá-lo profundamente e fazendo surgir a Organização Mundial do

Comércio (OMC), em que o consenso – e não mais o voto – passava a ser a tônica

dominante dos processos de tomada de decisão, derrubando a “tirania da maioria”.

151

Page 152: Texto Helio

Capítulo IV

Crise do multilateralismo e novos temas na Rodada Uruguai do GATT: coalizões fragmentadas

Os estertores da mobilização em torno da Nova Ordem Econômica Internacional

que se prenunciavam quando das fendas surgidas no âmbito do Grupo dos 77, iriam se

agravar ainda mais a partir de 1979. A segunda crise do petróleo, naquele mesmo

ano, aprofundaria as cisões, ampliando o distanciamento e aguçando a

heterogeneidade da ampla coalizão, por debilitar os países mais frágeis, que

dependiam do fornecimento do insumo para seu crescimento. As reuniões, tanto da

UNCTAD V, em Manila, quanto do Movimento dos Não-Alinhados, em Havana,

denotavam a vulnerabilidade econômica da maioria dos países em desenvolvimento e a

sua cizânia político-ideológica. Simultaneamente, os Estados Unidos empreendiam

manobras para transferir a outros organismos as questões relacionadas à pauta então

presente (SNEYD, 2005: 11) enquanto aumentavam as novas preocupações dos

países recém-industrializados, mais centrados na busca de inserção de seus produtos

no mercado internacional (HART, 1983: 145).

A V Conferência da UNCTAD, realizada em Manila em 1979, a despeito de

lançar algumas propostas relacionadas às relações entre o Norte e o Sul, concentrou

muito de suas atenções sobre os debates atinentes à solvência dos países em

desenvolvimento. Com efeito, foi precedida pela Reunião Ministerial do G-77, ocorrida

em Arusha, Tanzânia, a qual lançou o Arusha Program for Collective Self-Reliance, que

veio a ser incorporado pela agenda de Manila, estendendo as deliberações da Rodada

Tóquio do GATT sobre o SGP, ao ampliá-lo para as trocas específicas entre os países

em desenvolvimento, como se denominou o Global System of Trade among Developing

Countries (LOVE, 2004: 15). No entanto, o outro tema predominante foram as

condições de viabilidade econômico-financeira dos países em desenvolvimento, cada

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Page 153: Texto Helio

vez mais enredados na teia dos empréstimos efetuados pelos bancos privados, que

estavam abarrotados dos excedentes financeiros dos países-membro da OPEP, ou os

chamados petrodólares, substituindo o papel tradicional do Fundo Monetário

Internacional (KASAHARA, 2004:19), bem como a tentativa de obter algum tipo de

tratamento para a questão de acesso à energia, após o impacto da alta dos preços do

petróleo ocasionado pela ação do novo regime iraniano (BHAGWATI, 1984: 27).

Junto a isto, a Conferência dos Não-Alinhados, em Havana, havida em setembro

de 1979, igualmente operava divergências, estas de cunho ideológico, entre os países

nela representados. Durante a Conferência, Fidel Castro tentaria aprovar resolução que

declarava ser o socialismo, y compris a União Soviética, um aliado natural do

Movimento, exatamente quando esta se imiscuía no Afeganistão, enfrentando severa

oposição da Índia e da ala mais moderada do Movimento. Resultaria tal moderação,

igualmente, da emergência de lideranças mais conservadoras e não tradicionalmente

vinculadas à temática da Nova Ordem Econômica Internacional nos governos de países

em desenvolvimento (SNEYD, 2003: 59)106.

Enquanto, cada vez mais, a coalizão dos países em desenvolvimento se

diferenciava e enfraquecia, os Estados Unidos, e o Ocidente em geral, empreendiam

movimentos para retomar a condução das negociações sobre as relações econômicas

internacionais, alcançando tal objetivo no decorrer da década de 1980. A eleição de

Margareth Thatcher como Primeira-Ministra da Grã-Bretanha em 1979, seguida quase

que imediatamente da eleição de Ronald Reagan como Presidente dos Estados

Unidos, no ano seguinte, iriam ambas produzir uma guinada no cenário internacional,

coincidindo com o momento em que a União Soviética se envolvia em sua aventura no

Afeganistão ao mesmo tempo em que enfrentava crises econômicas e crescentes

contestações, tanto internamente, pela voz de seus dissidentes, quanto externamente,

106 Sneyd cita, especificamente, como exemplos, a saída de Luís Echeverría da Presidência do México (1970-1976), incisivo combatente da agenda terceiro-mundista, e o fim do governo comandado por Velasco Alvarado (1968-1975), durante o regime militar de acento esquerdista, no Peru, como fatores de moderação das lideranças dos países em desenvolvimento em prol da Nova Ordem Econômica Internacional (SNEYD, 2003: 87).

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Page 154: Texto Helio

com o desafio apresentado pela movimentação dos operários poloneses, fundadores do

Movimento Solidariedade, inaugurando o que seria a Fase IV das Negociações Globais

Internacionais (BHAGWATI, 1984: 26-27)107. Nesse panorama, que desembocaria dez

anos mais tarde no fim da Guerra Fria, assistiu-se a seu recrudescimento e ao epílogo

do exercício da tolerância ocidental, principalmente britânico-americana, no que se

referia tanto ao diálogo com a União Soviética, exercitado pela détente, quanto à

prudente sensibilidade aos reclamos dos paises em desenvolvimento. Durante o

derradeiro espasmo da Agenda do Desenvolvimento, conforme preconizada pelo G-77

– a Conferência de Cancun sobre o Desenvolvimento Internacional, em 1981 – o

Presidente norte-americano decretava a morte da Nova Ordem Econômica

Internacional, invalidando quaisquer perspectivas de acordo, já condenadas desde a

preparação do evento, a despeito das tentativas de algumas lideranças internacionais

para alcançá-los (SNEYD, 2003: 61). O Norte passava a ter a percepção de não mais

precisar do Sul e de ter supervalorizado a ameaça da OPEP e da formação de cartéis

similares nos anos 1970 (SNEYD, 2003: 58).

A adoção de políticas de ajustamento econômico no Norte, sob a égide dos

princípios monetaristas ortodoxos, levaria o Ocidente a uma fase de retração do

crescimento e de escalada da inflação e do desemprego. Concomitantemente, nos

países em desenvolvimento não produtores de petróleo, agravava-se a crise da dívida e

as taxas de inflação também se elevavam, porém a índices muito mais expressivos e

comprometedores para o crescimento econômico. Como fator complicador, verificava-

se o declínio das exportações desses países, parte devido ao processo de estagnação

da economia, parte à queda da demanda de produtos requeridos pelos países

desenvolvidos, ampliando ainda mais o gap entre o Norte e o Sul. O cenário

apresentou-se então propício para o retorno mais desabrido dos defensores do livre

107 As fases arroladas por Bhagwatti compreenderiam a Ordem Econômica Internacional Liberal e a Pax Americana do pós-II Guerra (Fase I); o surgimento da OPEP e da Nova Ordem Econômica Internacional (Fase II); Déjà vu e retorno, caracterizada pela falência das estratégias do Sul (Fase III); Retorno à Postura Forte (Fase IV), denotada pelo que chama de Negociações Globais, após o segundo choque do petróleo, quando os países em desenvolvimento se mobilizam por encontrar saídas para a crise que se prenunciava e, a última, A Recessão Mundial e seus Desdobramentos (Fase V), que seria uma fase de inação (BHAGWATI, 1984: 21-27).

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comércio, que voltavam a propugnar pelo fim do protecionismo, tipicamente

proeminente nesses momentos de crise, criando, assim, terreno para a articulação dos

países ocidentais e a retomada da ofensiva nas negociações comerciais,

consubstanciada na Reunião Ministerial da OCDE, seguida da Cúpula de Ottawa do

Grupo dos Sete (G-7), em junho e julho de 1981, respectivamente, da qual transcreve-

se abaixo o item da Declaração, no tocante ao comércio:

“TRADE

21. We reaffirm our strong commitment to maintaining liberal trade policies and to the effective operation of an open multilateral trading system as embodied in the GATT.

22. We will work together to strengthen this system in the interest of all trading countries, recognizing that this will involve structural adaptation to changes in the world economy.

23. We will implement the agreements reached in the Multilateral Trade Negotiations and invite other countries, particularly developing countries, to join in these mutually beneficial trading arrangements.

24. We will continue to resist protectionist pressures, since we recognize that any protectionist measure, whether in the form of overt or hidden trade restrictions or in the form of subsidies to prop up declining industries, not only undermines the dynamism of our economies but also, over time, aggravates inflation and unemployment.

25. We welcome the new initiative represented by the proposal of the Consultative Group of Eighteen that the GATT Contracting Parties convene a meeting at Ministerial level during 1982, as well as that of the OECD countries in their program of study to examine trade issues.

26. We will keep under close review the role played by our countries in the smooth functioning of the multilateral trading system with a view to ensuring maximum openness of our markets in a spirit of reciprocity, while allowing for the safeguard measures provided for in the GATT.

27. We endorse efforts to reach agreement by the end of this year on reducing subsidy elements in official export credit schemes.”108

108 Declaration of the Ottawa Summit July, 21 1981: Trade. Disponível em http://www.g8.utoronto.ca/summit/ 1981ottawa /communique/trade.html

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Page 156: Texto Helio

Assim, como parte da estratégia de buscar fóruns mais adequados e menos

vulneráveis aos interesses do Norte, reafirmava-se o ambiente do GATT como o ideal

para rearrumar as peças no tabuleiro do xadrez Norte-Sul. E daí se tomava a decisão

de se realizar a Reunião Ministerial de 1982. Srinivasan afirma que a insatisfação dos

países desenvolvidos com os considerados privilégios derivados da não-reciprocidade e

do tratamento especial e diferenciado, desfrutados pelos países em desenvolvimento,

aliada à percepção de que começavam a se operar mudanças naqueles primeiros em

direção ao setor de serviços, com ênfase nos de alta tecnologia, mobilizou-os, assim,

para propor a realização de uma nova rodada que incluísse os então chamados novos

temas, quais fossem, investimentos, serviços e propriedade intelectual relacionada ao

comércio. Além desses fatores, outros de ordem interna teriam influenciado na decisão

do Governo Reagan de efetuar tal proposição, por sentir que se fazia necessário opor-

se à forte tendência protecionista que se espalhava no Congresso (SRINIVASAN, 2000:

28). Em assim sendo, na Reunião Ministerial do GATT, em novembro de 1982, os

Estados Unidos instaram pela inclusão do tema da propriedade intelectual, juntamente

com serviços e investimentos, na pauta de negociações. Segundo Abreu (2001), estes

preferiam o GATT por considerarem sua influência nas agências da ONU mais difusa

(ABREU, 2001: 92), enquanto os países em desenvolvimento teriam interesse, na

eventualidade de uma nova rodada, de aprofundar temas que, efetivamente, sempre

passaram ao largo do GATT, como agricultura e têxteis, mas receberam com

desconfiança a proposta norte-americana, considerando que pudesse justamente

representar uma manobra para que tais temas assim permanecessem, porquanto

adotando posição fortemente contrária e defensiva (SRINIVASAN, 2000: 28; ABREU,

2001: 92).

No jogo entre os temas em pauta que interessavam aos países desenvolvidos e

àqueles aos países em desenvolvimento, cada um possuía sua própria dinâmica que se

entrecruzaria ao final. No caso da propriedade intelectual, assim como serviços, as

tratativas visando à inclusão do tema remontavam a bem antes do início da mobilização

efetiva por parte dos Estados Unidos. Começaram timidamente ainda durante o

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Page 157: Texto Helio

período da Rodada Tóquio, pela ação de indústrias de renome que defendiam a

necessidade, junto ao Governo norte-americano e à Comunidade Européia, de

estabelecer um código de restrição comercial a bens contrafeitos, isto é, pirateados,

formando uma coalizão em 1978, a Anti-Counterfeiting Coalition, que chegou a aglutinar

uma centena de grandes empresas (SINGH, 2003: 10; BASSO, 2000: 156)109. A este

grupo inicial se agregariam conglomerados do setor de agronegócios, como a

Monsanto, FMC e Stauffer (SELL, 1998: 132). Esse movimento inicial seria reforçado

pela adesão de gigantes do setor farmacêutico e de informática, fundamentalmente IBM

e Pfizer, já fortemente globalizadas e intensivas em inovação tecnológica, junto ao

Governo norte-americano, visando a intensificar a proteção à propriedade intelectual,

tanto em outros países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento.

Inicialmente, o propósito era obter a reforma da Convenção de Paris – o regime

internacional da propriedade industrial – no âmbito da Organização Mundial da

Propriedade Intelectual (OMPI)110, agência das Nações Unidas onde, porém,

reproduzia-se a sistemática deliberativa de todo o sistema multilateral, ou seja, cada

Estado, um voto e, evidentemente, os países em desenvolvimento detinham a maioria.

O sistema de propriedade industrial, em escala internacional, surgiu em 1883,

quando alguns poucos países firmaram o acordo da Convenção da União de Paris para

a Proteção da Propriedade Industrial111, em que se comprometiam a reconhecer as

invenções nacionais ou estrangeiras, assim como as marcas, em seus respectivos

territórios, em troca dos direitos de exploração, pelo inventor, por um determinado

tempo. Dessa forma, concedia tratamento igual, em seus países, a invenções nacionais

ou estrangeiras requisitadas naquele país ou, ao contrário, não contemplava esse

109 A coalizão era liderada pela Levi Strauss e formada, ainda, por Samsonite, Izod, Chanel e Gucci, dentre outras (SINGH, 2003: 9-10). 110 A OMPI é uma agência especializada das Nações Unidas para a propriedade intelectual, criada em 1967, em substituição aos Bureaux Internationaux Réunis pour la Protection de la Propriété Intellectuelle de 1892. 111 Firmaram o Acordo, em 20 de março de 1883, Brasil, Bélgica, Espanha, França, Itália, Sérvia, El Salvador, Suíça, Portugal, Guatemala e Holanda.

157

Page 158: Texto Helio

direito nem a nacionais ou estrangeiros (BARBOSA, 1998: 22)112. Em troca da

divulgação da invenção, esta tem sua propriedade protegida por determinado período,

por instrumento legal, garantindo o monopólio de sua eventual exploração. Atualmente,

constituem-se três os requisitos necessários para que uma invenção tenha reconhecido

este direito: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Novidade significa que

nada antes, sob qualquer forma, tenha sido descoberto ou revelado que possa permitir

a outrem reproduzir a invenção; atividade inventiva refere-se ao fato de que a invenção

não seja uma decorrência óbvia do estado da técnica, comprovando-se ter havido um

esforço intelectual em sua criação, fato esse que impede que descobertas realizadas

em substâncias ou matérias encontradas em estado da natureza sejam patenteadas e,

por fim, a aplicação industrial diz respeito à escala econômica da invenção, um produto

ou um processo que pode ser reproduzido, em forma industrial e comercial. Assim, a

noção de reconhecimento da propriedade intelectual pressupõe benefícios mútuos em

que inventor e sociedade ganhem. Segundo Barbosa (1999), essa troca propiciaria

uma dinâmica inventiva, pois ao reconhecer a propriedade da invenção, porém

limitando-a a uma temporalidade específica, obrigaria o mesmo inventor a fazê-lo

constantemente, para não correr o risco de ser superado pelos concorrentes. Assim,

conforme o autor, o reconhecimento social da propriedade privada constituiria sua

própria negação (BARBOSA, 1999: 24). Diversas revisões a esse acordo inicial foram

efetuadas113, das quais se destacam as de Haia, em 1925 e Estocolmo, em 1967, mas

esses princípios gerais se mantiveram intocados. No âmbito do princípio do tratamento

nacional estabelecido na Convenção e reiterado nas revisões posteriores, cabia às

legislações nacionais definir o que era matéria patenteável e, portanto, alguns países se

davam ao direito de restringir a cobertura da proteção patentária a determinadas

categorias de produtos ou processos, utilizando este mecanismo como estratégia de

política industrial para se capacitarem tecnologicamente, sem necessariamente terem

112 Barbosa ressalta que tais dispositivos não requeriam a uniformização ou adequação das legislações nacionais ao Acordo, apenas estabelecendo equivalência de direitos a nacionais e estrangeiros em um mesmo Estado nacional, exemplificando o caso da Suíça, que não concedia patente nem a uns e nem a outros, até por utilizar tal opção como instrumento de política industrial, ao copiar livremente invenções alemãs, mas tendo a de seus cidadãos concedidas na Alemanha, pois este país reconhecia-as todas (BARBOSA, 1998: 23). 113 Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967).

158

Page 159: Texto Helio

que pagar por direitos de licenciamento e uso de tecnologias. Afigurava-se, então,

dessa faculdade, a mobilização das grandes indústrias visando a garantir seus

investimentos em pesquisa e desenvolvimento, livres da possibilidade de cópias ou

outros tipos de apropriação sem a devida recompensa.

Em fevereiro de 1980, tinha início, em Genebra, a Conferência Diplomática para

a Revisão da Convenção de Paris, promovida pela OMPI, demandada pelo G-77,

estendendo-se por quatro anos, até março de 1984, opondo radicalmente os membros

da OCDE e o Grupo, capitaneado por Índia e América Latina. A alegação por parte dos

países em desenvolvimento consistia na avaliação da impropriedade das disposições

da Convenção de Paris a seus esforços de desenvolvimento, corroborada pela

UNCTAD, por manter o monopólio dos países desenvolvidos, inviabilizando a

exportação de produtos que detinham algum componente de tecnologia exógena

patenteada. Mesmo não sendo integrante da Convenção de Paris, a Índia propugnou

por sua revisão, junto com o Grupo Andino, que havia reforçado provisões para regular

questões como investimento externo e transferência de tecnologia.

Concomitantemente, a UNCTAD produzia, entre 1974 e 1975114, dois relatórios que

encampavam a posição dos países em desenvolvimento e apelava pela revisão da

Convenção em favor deles. Em oposição, os membros da OCDE responderam que o

G-77 não vislumbrara os fatores positivos do sistema, assim como não apoiaram a idéia

da revisão, com algumas exceções115, tendo sido os Estados Unidos mais incisivos na

contra-argumentação, ao declararem que a pretensão poderia desestimular a

transferência de tecnologia. A Conferência atravessou por seguidos impasses em

suas diversas sessões, realizadas ao longo dos quatro anos de duração116, como

licença compulsória, caducidade e cobertura dos direitos de patente sobre produto

114 O primeiro relatório, intitulado The Role of Patent System in the Transfer of Technology to Developing Countries, foi elaborado em conjunto com a OMPI e o ECOSOC, embora tenha havido versões de que a responsabilidade de suas afirmações e conclusões coube efetivamente a UNCTAD; já o segundo relatório, de exclusiva autoria da UNCTAD, intitulava-se The International Patent System as an Instrument for National Development. 115 As exceções foram Canadá, Espanha, Portugal, Nova Zelândia, Austrália e Turquia. 116 A sessão inaugural ocorreu em Genebra, em 1980, seguida pela de Nairobi em 1981 e, novamente Genebra em 1982 e 1984.

159

Page 160: Texto Helio

importado, tomando por base o texto da Revisão de Estocolmo de 1967, sem chegar a

qualquer acordo que satisfizesse a todas as partes (SELL, 1998: 107-130)117.

No caso dos direitos autorais, regulados pela Convenção de Berna, ou

Convenção da União de Berna para a Proteção de Obras Literárias e Artísticas, de 09

de setembro de 1886, vinha da IBM, simultaneamente à pressão contrária aos acordos

de propriedade industrial, a mobilização empreendida com o objetivo de estender a

proteção dos direitos autorais sobre o software. Ambas as empresas passaram a unir

esforços por meio do GATT’s Advisory Committee on Trade Policy and Negotiation

(ACTPN)118, assim como se empenharam na formação de pessoal para o U.S. Trade

Representative (USTR) e na reformulação da Section 301 of the Trade Act119, a qual

ampliava o escopo de alcance das sanções aplicáveis a outros países, por meio de

emendas adicionadas em 1984 e 1988. Desta forma, os países que não respeitassem

os direitos de propriedade intelectual perderiam, em conseqüência, os benefícios

tarifários conferidos pelo Sistema Generalizado de Preferências (RYAN, 1998: 68-70;

SELL, 1998: 133). A par, as empresas envidavam esforços no convencimento da

necessidade de se aumentar a proteção conferida pelo instituto da propriedade

industrial, junto ao Congresso e a setores do Executivo, precisamente como meio de

carrear investimentos para os países em desenvolvimento, ou seja, a decisão de

ampliar a esfera de atuação dessas empresas e, de acordo com essa lógica, colaborar

para a produção da riqueza desses países, condicionava-se à garantia de um ambiente

desprovido de risco. Por intermédio de conferências, buscavam demonstrar que a

ausência desse ambiente seguro implicava em prejuízos à competitividade dos Estados

Unidos, por afetar as indústrias intensivas em inovação. Portanto, a partir de meados 117 O Art. 5 quater, que garantia a extensão dos direitos sobre produtos importados no âmbito da União, foi dos que provocou maior polêmica, pois o reconhecimento da validade de tais direitos impedia a decretação de licença compulsória para exploração no país e caducidade da patente, porém alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, não aderiram integralmente à Revisão de Estocolmo. 118 Trata-se de órgão consultivo, criado pelo Trade Act de 1974, administrado pelo USTR, composto por representantes do setor privado, com o objetivo de subsidiar as negociações comerciais norte-americanas. 119 A Section 301 of Trade Act, de 1974, confere ao Presidente dos EUA poderes para tomar quaisquer medidas com vistas a reforçar os direitos americanos garantidos por acordos comerciais, bem como eliminar atos, práticas e políticas que onerem ou restrinjam os interesses comerciais americanos, permitindo, também, às empresas investigar ações de governos estrangeiros que ameacem o comércio americano (SELL, 1998: 133).

160

Page 161: Texto Helio

dos anos 1980, intensificava-se a pressão norte-americana pelo reconhecimento de

patentes, em escala global, para todos os setores tecnológicos, incluindo-se o

farmacêutico e a moderna biotecnologia, além da informática, sob influência de

segmentos empresariais norte-americanos, preocupados com o baixo índice de

proteção à propriedade intelectual em países em desenvolvimento e com a perda de

competitividade de seus produtos, diante de nações emergentes, como, por exemplo,

os Tigres Asiáticos (RYAN, 1998: 71; SELL, 1998: 135).

O fiasco da Conferência Diplomática para a Revisão da Convenção de Paris e a

mobilização das grandes indústrias tornaram-se fatores decisivos para que os Estados

Unidos levassem para o âmbito do GATT a questão da revisão dos Acordos

Internacionais de Propriedade Intelectual. Além disso, durante toda a década de 1980,

o país empreendia negociações bilaterais com diversos outros visando à alteração de

suas legislações sobre o tema buscando reforçar a proteção dos diretos de propriedade

intelectual120.

Ao lado da temática da propriedade intelectual, outro assunto a preocupar os

países desenvolvidos eram os serviços que, diferentemente do primeiro, não possuíam

qualquer regime internacional ou conjunto de acordos voltados à sua regulação in

totum, tendo sua primeira manifestação, no tocante à junção com o comércio – Trade in

Services – no âmbito da OCDE, que definiu seu escopo conceitual121. Como derivados

da ampla revolução tecnológica principiada na década de 1970 (CASTELLS, 2000: 64-

70), com o advento da informática e sua potencial aplicação aos mais diversos campos

da atividade econômica, os serviços otimizaram os recursos e, por conseguinte, os

lucros de setores como o financeiro e o bancário nos países ocidentais e,

particularmente, nos Estados Unidos, configurando-lhes vantagem comparativa

120 Em 1982, os Estados Unidos encetaram negociações junto à Coréia do Sul, México, Cingapura, Taiwan e Hungria, visando ao reforço das garantias à proteção da propriedade intelectual, por pressão das indústrias, tendo os três últimos países procedido a alterações em suas respectivas legislações nesse sentido (SELL, 1998: 132). 121 Havia alguns acordos relacionados à natureza técnica de setores específicos como telecomunicações, aviação civil, fretamento e correios (SINGH, 2003: 12).

161

Page 162: Texto Helio

justamente no momento em que o país via seu déficit comercial crescer. Daí que tal

percepção desencadeou a articulação de interesses de instituições, mormente nos

Estados Unidos e Grã-Bretanha, levando os primeiros a criarem a Interagency Task

Force on Services and the Multilateral Trade Negotiations junto à própria Casa Branca,

bem como setores específicos no Departamento de Comércio e no USTR. A despeito

dessas ações, ainda não havia, por parte do Governo norte-americano, uma agenda

efetiva para o tema, porém, com o agravamento da crise econômica mundial nos anos

1980, atentou-se, segundo cálculos do Departamento de Comércio, que o setor

empregava cerca de 70% do total de empregos e que 10% do total do comércio

mundial de serviços, cujo montante de transações alcançava a cifra de US$ 350

bilhões, cabia aos Estados Unidos, levando a empresas como IBM, American Express e

outras do setor financeiro e de seguros a intensificar a pressão para transformar

serviços como tema de comércio (SINGH, 2003: 12-13).

Nesse contexto, abria-se a 38ª Sessão do GATT, em nível ministerial, em 1982,

com vistas a debater a respeito da proposta de lançamento de uma nova rodada de

negociações multilaterais, com base no arrazoado elaborado pelo Comitê Preparatório,

abrangendo uma lista de trinta temas, que incluíam uma extensão bem maior em

relação àqueles discutidos tradicionalmente até a Rodada Tóquio, o que se poderia

explicar pela excessiva prevalência de interesses de cada Parte Contratante

(SRINIVASAN, 2000:28-29). E diante dos referidos interesses, ocorria a tentativa dos

Estados Unidos de inserir ambos os temas – propriedade intelectual e serviços – na

agenda do GATT, sendo que, no que se referia a serviços, a Comunidade Européia,

excetuada a Grã-Bretanha, vinha um passo atrás, temerosa do poderio norte-americano

no setor e, portanto, defendendo uma abordagem mais lenta (SINGH, 2003: 13).

De pronto, alguns países em desenvolvimento, particularmente Brasil e Índia, se

opuseram frontalmente à qualquer discussão acerca dos dois temas em pauta. Em

relação à propriedade intelectual, e ainda restrito ao tema da contrafação, o argumento

baseava-se na justificativa de ser a OMPI o foro adequado para tratar do tema, uma vez

162

Page 163: Texto Helio

que o GATT não teria competência para deliberar sobre bens intangíveis (BASSO,

2000: 156-157). No tocante a serviços, os mesmos países contestaram a proposição,

igualmente sob o argumento de que o GATT não seria a arena apropriada e que o que

lhes inquietava era o progressivo protecionismo em agricultura e têxteis, bem como

demandavam a implementação dos Acordos da Rodada Tóquio (SINGH, 2003: 13). Já

os países de industrialização recente, particularmente os do Leste Asiático, defendiam

a realização de uma nova rodada, porém com objetivos distintos dos países

desenvolvidos, quais fossem, obter a aplicação efetiva dos princípios do GATT na

busca de acesso a mercados destes últimos que, cada vez mais, ampliavam a escalada

protecionista contra a importação de bens manufaturados (WINTERS, 1990: 1297).

Contudo, a despeito da oposição do grupo que viria a ser liderado por Brasil e Índia, a

Reunião Ministerial de 1982 acabou por considerar a possibilidade de inclusão dos

novos temas e se deliberou para prosseguir a discussão na 40ª Sessão, em 1984122.

Nesse ínterim, a dicotomia entre Norte e Sul, predominante nas décadas de 1960

e 1970, começaria a ceder espaço à crescente fragmentação do bloco dos países em

desenvolvimento, embora ainda presente no GATT, como espelho desfocado da

formação do G-77, no Informal Group of Developing Countries123. Contudo, as divisões

em seu âmbito acabariam por engendrar uma série de novas coalizões que iriam fugir

ao padrão até então verificado, em virtude dos múltiplos e distintos interesses em

conformidade com os graus diferenciados de desenvolvimento desses países. Além da

manutenção residual da coalizão clássica, voltada contra o Norte, surgiam cruzamentos

de interesses inéditos entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento.

Assim, construía-se o G-10, como o primeiro tipo, o Café au lait e o Grupo de Cairns,

como o segundo tipo, no decorrer das negociações que levaram ao lançamento da

Rodada Uruguai e durante seu próprio transcurso.

122 Em 1983, o Primeiro-Ministro do Japão, Yasuhiro Nakasone, propôs o lançamento de uma nova rodada, abrangendo todos os novos temas, porém diante da persistência da posição dos países em desenvolvimento, não se foi avante (SRINIVASAN, 2000: 29). 123 Comandado pelos chamados Big Five - Argentina, Brasil, Egito, Índia e Iugoslávia – agregava também Chile, Jamaica, Paquistão, Peru e Uruguai, mas possuía forte elasticidade, chegando, eventualmente, a contar com as participações de Israel, Turquia, Espanha ou Grécia (NARLIKAR, 2003: 35).

163

Page 164: Texto Helio

O primeiro caso, o G-10, representava a oposição à introdução dos novos temas,

entoada por Brasil e Índia, principalmente, e acompanhada por outros oito países,

incluindo, assim, os Big Five, a que se somavam Cuba, Nigéria, Nicarágua, Peru e

Tanzânia (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489), cuja principal ação

consistia nas tentativas de bloquear a entrada dos novos temas e, em decorrência, o

lançamento da nova rodada, igualmente denominada como coalizão de veto

(ALBUQUERQUE, 2000: 14), denotando uma atitude nitidamente defensiva (LIMA,

2000: 79). Além de, marcadamente, se declarar contrário a quaisquer tratativas sobre

os novos temas, recusava-se à interação com as demais coalizões que surgiram no

período (NARLIKAR, 2004: 6).

Narlikar (2003) vislumbra fatores positivos e negativos da atuação do G-10, tanto

no princípio quanto no decorrer da Rodada. De um lado, por levar para o GATT a

politização Norte-Sul que ocorria em outras arenas, mas ali era inédita, revestindo-se tal

ação de dupla importância, sendo a primeira exigir dos outros países que possuíam

agendas opostas respostas de como, por meio de estudos, se entendia Serviços, tanto

para os países desenvolvidos quanto para aqueles pequenos países menos

desenvolvidos e, a segunda, tornar os países em desenvolvimento protagonistas da

nova Rodada. De outro lado, ao partir da perspectiva de bloqueio em direção à

estratégia de redução de danos, incluindo questões que limitassem o alcance do acordo

final, o Grupo conseguiria fragilizar o próprio acordo. Todavia, registrou fracassos como

arrastar para a derrota, dada a amplitude de sua agenda, toda a agenda inicial dos

países em desenvolvimento e, ainda, ao proceder à alteração de sua posição para a

negociação em dois planos – two-track negotiations – considerando-se a criação

posterior da Organização Mundial do Comércio (OMC), tornou possível a retaliação

cruzada (NARLIKAR, 2003: 77).

A segunda coalizão apresentou-se como a mais surpreendente de todas, pois

agregava países desenvolvidos e em desenvolvimento, os quais, aparentemente,

164

Page 165: Texto Helio

deveriam apresentar posições bastante díspares entre si, porém logo se mostraram

suficientemente coesos. Tratava-se do denominado Café au lait, por reunir

fundamentalmente Colômbia e Suíça, originando-se da atividade intermediadora

empreendida pelo Embaixador colombiano Felipe Jaramillo, cuja maior atuação

concentrava-se no tema relacionado a Serviços, o Jaramillo Process, tornando-se

gênese da fórmula de single-issue coalition (NARLIKAR, 2004: 7; SINGH, 2003: 13)124.

Originalmente composto por países em desenvolvimento, de início atuava com o G-10,

porém, esse preferiu seguir separadamente, em sua estratégia defensiva125. Ainda,

apresentava dois perfis de composição, sendo o primeiro constituído pelos

exportadores de serviços – os Entusiastas – e integrado pelos NIC’s do Leste Asiático,

assim como de outros países que tentavam obter ganhos na negociação, como, por

exemplo, Chile, Colômbia, Uruguai e Jamaica. O segundo grupo era composto de

pequenos países que temiam a exclusão do processo e os conseqüentes custos dessa

situação (NARLIKAR, 2003: 86-87). Quando o G-10 resolveu adotar um caminho

próprio, ao propor um draft que excluía Serviços da agenda de negociações, constituiu-

se como G-20126, ao recusar a proposição do primeiro127. Evitando reproduzir o

comportamento do G-10 em apresentar um draft próprio e gerar mais impasses,

aproximou-se de outro grupo, o G-9128, formado por países industrializados, e a junção

de ambos redundou no Café au lait. Eivado de pragmatismo, buscou aproximar-se do

grupo dos países mais fortes, o QUAD, composto de Estados Unidos, Comunidade

Européia, Japão e Canadá, tendo este último atuado como elemento de entendimento.

124 Segundo Narlikar, a aproximação entre os membros da coalizão foi desencadeada pela necessidade de se desenvolver estudos e trocas de informações sobre o tema Serviços, tendo sido o Embaixador Jaramillo o escolhido para coordenar os encontros do grupo e, por conta de sua atuação, logrou estabelecer um vínculo entre os membros, o qual foi reconhecido pelo GATT em sessão de 1985 (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489). 125 Nesse momento, o Embaixador colombiano, inclusive, liderava os dois grupos: o Informal Group of Developing Countries e o Jaramillo Process (NARLIKAR, 2003: 97). 126 O G-20 era composto por Bangladesh, Chile, Cingapura, Colômbia, Coréia do Sul, Costa do Marfim, Filipinas, Hong Kong, Indonésia, Jamaica, Malásia, México, Paquistão, Romênia, Sri Lanka, Tailândia, Turquia, Uruguai, Zaire e Zâmbia (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 489). 127 Narlikar salienta que, de toda forma, não se estabeleceu um confronto entre os dois grupos, exemplificando com o apoio dado pela Coréia do Sul à posição do Brasil de afirmar junto ao Prepcom que, caso não fossem assegurados compromissos em questões como “standstill and rollback” e salvaguardas, a Rodada nada representaria para os países em desenvolvimento (NARLIKAR, 2003: 87-88). 128 O G-9 era composto por Austrália, Áustria, Canadá, Finlândia, Islândia, Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Suíça, sendo os participantes europeus então membros da Associação Européia de Livre Comércio.

165

Page 166: Texto Helio

Derivou daí o draft, apresentado por Colômbia e Suíça, ao Comitê Preparatório –

Prepcom – que acabou por viabilizar o lançamento da Rodada Uruguai, ao obter o

apoio da maioria das Partes Contratantes (NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002:

489-490). Buscando ainda mais se distanciar da estratégia desempenhada pelo G-10,

o draft proposto pelo Café au lait destacava que o documento representava a posição

de grande número das Partes Contratantes, assim como o declarava aberto a

sugestões e consultas. Ainda, na perspectiva de cobrir o mais amplamente possível as

premissas das Partes para a negociação, incluía críticas ao protecionismo e

propugnava pela idéia da abertura comercial, como também reiterava o princípio do

tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento, obtendo apoio

dos países desenvolvidos por selar o compromisso de que os países menos

desenvolvidos poderiam vir a fazer concessões na expectativa de que tal procedimento

viesse a melhorar seu desempenho econômico e comercial bem como esperavam

participar mais efetivamente do GATT (NARLIKAR, 2003: 95-96)129.

Ainda em 1983, o Diretor Geral do GATT, Arthur Dunkel, designava Comissão

para analisar a viabilidade do lançamento de nova rodada, cujo relatório foi divulgado

em 1985, vindo a receber ácidas críticas dos países em desenvolvimento que, por sua

vez, por meio da Índia, apoiada por 24 Partes Contratantes, apresentava outro texto em

que reiterava a refutação aos novos temas e insistia na discussão de têxteis e nas

questões relativas a “standstill and rollback”130. Em contrapartida, a Suécia promovia

reunião em Estocolmo, com a participação de 24 Partes, na qual se deliberou por uma

proposta pela qual se discutiria, de um lado, bens, e de outro, serviços. Enquanto os

Estados Unidos pressionavam mais e mais, inclusive firmando acordos bilaterais nos

129 Em vista da perspectiva de envolver as economias menores, produtoras de bens primários, o draft inseriu temas para negociação como produtos tropicais, produtos à base de recursos naturais, bem como têxteis e agricultura (NARLIKAR, 2003: 96). 130 “Standstill and rollback” referiam-se a compromissos de não se estabelecer novas medidas restritivas ou distorcivas ao comércio, assim como extinguí-las ou adequá-las à conformação das provisões do GATT, particularmente no que diziam respeito aos países em desenvolvimento.

166

Page 167: Texto Helio

quais já se inseriam os novos temas131, a OCDE como um todo intensificava ações no

mesmo sentido. As perspectivas de solução do impasse começaram a se prenunciar

quando o Embaixador suíço articulou o G-9, o qual delineou o draft apresentado ao

Prepcom em junho de 1986. E foi exatamente nesse ponto, a partir da reação do G-10,

que se daria o fracionamento do bloco dos países em desenvolvimento, puxado pelo

Embaixador sul-coreano, juntando o G-20 ao G-9 e, por conseguinte, articulando o Café

au lait, liderado por Colômbia e Suíça (SINGH, 2003: 13-15).

Por sua vez, o Prepcom dispunha de tempo bastante estreito, pois o mandato

estabelecido pelo Conselho do GATT para a apresentação do esboço da nova Rodada

expiraria em 31 de julho de 1986 (BASSO, 2000: 158). Em quatro encontros, o Café au

lait alinhavou o draft proposto para o lançamento da nova rodada, incluindo Serviços e

Propriedade Intelectual e, atendendo às demandas do G-10, incluía a implementação

dos Acordos definidos pela Rodada Tóquio. O G-10, que enfrentara a deserção da

Argentina, apresentou outra proposta excluindo todos os novos temas e esta elaborou

sua proposição isoladamente, na qual admitia a inserção de Serviços, mas não a

referente à Propriedade Intelectual. Por fim, Arthur Dunkel encaminhou as três

propostas ao Ministro das Relações Exteriores do Uruguai, presidente do Encontro

Ministerial de Punta del Este, apontando que a primeira proposição contava com maior

margem de apoio, sendo esta a aprovada por 40 Partes Contratantes (BASSO, 2000:

158; SINGH, 2003: 15)132.

Em 20 de setembro de 1986, era lançada a Rodada Uruguai do GATT, a mais

longa e a última da trajetória do Acordo Geral – tendo se estendido por nove anos – por

meio da Declaração de Punta del Este, composta de duas partes, que se dividiam em

Negociação sobre Comércio de Bens (Parte I) e Negociação sobre Comércio em

131 Em 1986, simultaneamente à abertura da Rodada Uruguai, os Estados Unidos firmaram acordo bilateral com a Coréia do Sul em que o tema da propriedade intelectual constava em seus termos e, no ano seguinte, acordo firmado com Israel trazia itens sobre Serviços, que demonstravam ser o modelo idealmente requerido para o tratamento do tema (SINGH, 2003: 14). 132 No último momento, a Comunidade Européia tentaria efetuar uma reversão de posição juntando ao G-10, em provável descontentamento pela inclusão do tema da Agricultura na Rodada (SINGH, 2003: 15).

167

Page 168: Texto Helio

Serviços (Parte II)133, ficando todos os demais temas inseridos na primeira parte,

inclusive Propriedade Intelectual. Em seus Princípios, reiteravam-se o Tratamento

Especial e Diferenciado para países em desenvolvimento, assim como a aplicação dos

compromissos relativos a “standstill and rollback”. Nos temas sujeitos à negociação, no

âmbito da Parte I, encontravam-se os temas tradicionais como Tarifas, Medidas Não-

Tarifárias, mas se introduziam Têxteis e Vestuário, Agricultura, Investimentos, e

Propriedade Intelectual, além de Serviços134. No tocante à Propriedade Intelectual,

havia um duplo sentido tanto no enunciado quanto na explanação do tema, pois ao

inserir a questão da contrafação, pareceria que esta última seria a tônica das

negociações e não o tema em sua mais absoluta acepção (SINGH, 2003: 16), como

segue abaixo:

“Trade-related aspects of intellectual property rights, including trade in counterfeit goods

In order to reduce the distortions and impediments to international trade, and taking into account the need to promote effective and adequate protection of intellectual property rights, and to ensure that measures and procedures to enforce intellectual property rights do not themselves become barriers to legitimate trade, the negotiations shall aim to clarify GATT provisions and elaborate as appropriate new rules and disciplines.

Negotiations shall aim to develop a multilateral framework of principles, rules and disciplines dealing with international trade in counterfeit goods, taking into account work already undertaken in the GATT.

These negotiations shall be without prejudice to other complementary initiatives that may be taken in the World Intellectual Property Organization and elsewhere to deal with these matters”.135

133 A exclusão de Serviços do âmbito do GATT e a conseqüente definição de seu mandato como item à parte resultou da ação do G-10, diante da inevitabilidade da admissão do tema na Rodada Uruguai, visando a evitar o cruzamento das negociações e troca de concessões (MERCADANTE, 1998: 417; ABREU, 2001: 94). 134 Cf. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20 September 1986. Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp 135 Cf. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20 September 1986, Trade-related aspects of intellectual property rights, including trade in counterfeit goods. Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp

168

Page 169: Texto Helio

O entendimento ambíguo dos termos referentes à Propriedade Intelectual da

Declaração foi gerando impasses sucessivos, no decurso das negociações, pois, de um

lado, os países desenvolvidos se colocaram completamente unívocos enquanto os

países em desenvolvimento ainda despertavam para o alcance do que, afinal,

conformava a agenda envolvendo o tema (SINGH, 2003: 16). Ao mesmo tempo, a

articulação dos segmentos empresariais se mantinha ativa, sob a liderança da IBM e

Pfizer, por meio da construção de uma ampla coalizão, materializada no Intellectual

Property Committee (IPC)136, o qual dispunha de pessoal especializado para atuar junto

a Washington e Genebra. No âmbito dos direitos autorais e copyrights, outra coalizão

era formada, a International Intellectual Property Alliance (IIPA), agregando editoras,

gravadoras e empresas dos ramos de entretenimento e informática, mais voltada, no

entanto, para pressionar pelo reforço das legislações dos países em desenvolvimento,

por meio dos acordos bilaterais (RYAN, 1998: 69-70)137. Visando a fortalecer sua

posição e estender a articulação a suas congêneres européia e japonesa, a UNICE e a

Keidanren138, com as quais o IPC promoveu sucessivos encontros para estruturar suas

propostas, finalizadas no Basic Framework of GATT Provisions on Intellectual Property,

lançada em junho de 1988, a qual foi imediatamente apoiada pelos países

desenvolvidos. No entanto, vale salientar que a única divergência havida entre a

posição da coalizão norte-americana frente às de Europa e Japão residiu na questão da

licença compulsória, em que a primeira, por força dos interesses das indústrias

farmacêuticas dos Estados Unidos que não queriam efetuar concessões a respeito, em

hipótese alguma, posição essa que acabou atenuada (SINGH, 2003: 16-17).

136 A coalizão abrangia, além das duas empresas já mencionadas, a Merck, General Electric, DuPont, Warner Communications, Hewlett-Packard, Bristol-Myers, FMC Corporation, General Motors, Johnson & Johnson, Monsanto e Rockwell International (RYAN, 1998: 69). 137 Formavam a IIPA a American Association of Publishers, Motion Picture Association of America, Recording Industry Association of America, American Film Marketing Association, National Music Publishers’ Association, Computer and Business Equipment Manufacturers Association, a qual aderiram posteriormente o consórcio The Business Software Alliance e um grupo de companhias de videogame, a Interactive Digital Software Association (RYAN, 1998: 70). 138 Union des Industries de la Communauté Européenne e Federação de Negócios do Japão, respectivamente.

169

Page 170: Texto Helio

Enquanto a posição dos países desenvolvidos cada vez mais se tornava una e

forte, buscando dilatar o alcance do mandato definido pela Declaração Ministerial,

englobando todos os temas relacionados à propriedade intelectual – patentes, marcas,

direitos autorais, desenhos, indicações geográficas e segredos comerciais – os países

em desenvolvimento, particularmente o G-10, perceberam que se havia extrapolado o

que entendiam configurar a agenda inicial, isto é, contrafação. Especificamente Brasil e

Índia evocaram protestos contra a proposta dos países desenvolvidos, assim como

tentavam excetuar patentes farmacêuticas e de produtos alimentícios do escopo do

acordo, mas raros apoios angariaram entre os próprios países em desenvolvimento,

temerosos da pressão dos Estados Unidos em particular139. Até Montreal, em 1988,

nenhuma possibilidade de consenso havia sido alcançada e três propostas foram

encaminhadas, respectivamente a do Brasil, da Suíça e dos Estados Unidos, tendo

anteriormente sido repelido texto intermediário proposto pela Suécia, considerado

demasiadamente brando pelos Estados Unidos, mas extremamente rigoroso pelo

Brasil. Já na Conferência de Mid-Term Review, em Montreal, em dezembro de 1988,

Brasil e Índia começaram a flexibilizar sua rígida posição, facilitando o entendimento

durante a sessão do Trade Negotiations Council (TNC), em abril de 1989 (SINGH,

2003: 18).

Nesse percurso, enquanto em Propriedade Intelectual a agenda se expandia

tendo em vista os interesses dos países desenvolvidos, em Serviços acontecia o

movimento oposto, pois se os interesses ocidentais se retraíam, receosos de um acordo

de grande amplitude, os países em desenvolvimento começaram a vislumbrar possíveis

ganhos, como, por exemplo, regulação do movimento de mão-de-obra. Ou seja, no

âmbito do Grupo de Negociações em Serviços (GNS)140, os países em desenvolvimento

139 Os Estados Unidos mantinham a escalada de pressões bilaterais, invocando a Section 301 e abrindo listas de investigações, em ritos sumários, sobre práticas consideradas danosas aos direitos de propriedade intelectual, arrolando inicialmente Coréia do Sul, Brasil, Índia, Taiwan, México, China, Arábia Saudita e Tailândia, tendo esta, inclusive, perdido os benefícios do SGP (RYAN, 1998: 78). 140 Ainda em 1987, a despeito das dificuldades iniciais no processo negociador, o GNS tomou a si o desempenho de cinco atividades, quais fossem, definição conceitual e levantamento estatístico sobre Serviços; admissão dos conceitos de tratamento nacional, Cláusula da Nação mais Favorecida, e transparência; relação de setores que seriam

170

Page 171: Texto Helio

passaram a adotar um perfil mais atuante e propositivo, contribuindo para a definição

de termos e princípios, o que não impedia que houvesse eventuais manifestações

contra pressões precipitadas por parte daqueles. A consolidação da mudança de

posição dos países em desenvolvimento, particularmente de Brasil e Índia, viria a se dar

pelas guinadas em direção à abertura econômica, a partir do fim da década de 1980,

que acarretaram na maior penetração das empresas estrangeiras de serviços nos

mercados agora disponíveis, daí a percepção da necessidade da regulação do setor.

Em contrapartida, os países desenvolvidos, que haviam forçado a inserção do tema no

campo das relações comerciais internacionais, visando à liberalização, passavam a

defender necessidade de regulação do setor, tendo os Estados Unidos apresentado

proposta para debate que dava conta da liberalização gradual do tema como um todo,

porém previa a possibilidade de arranjos próprios para setores específicos141. Todas

essas atenuantes, vindas tanto de uma parte quanto de outra, acabaram por propiciar,

às vésperas de Montreal, a iminência de um acordo, mesmo havendo dezenas de

propostas à mesa.

Entre Montreal e Bruxelas, ou seja, entre 1989 e 1990, foram pré-definidos

alguns termos do Acordo sobre Serviços, como a divisão entre os modos de

fornecimento142 e a extensão dos princípios comerciais como tratamento nacional e

acesso a mercados. Persistiam, ainda, as questões relativas à aplicação da Cláusula

cobertos pelo acordo; inventário de acordos internacionais já então existentes; levantamento de medidas de incentivo ou obstáculos ao comércio em serviços e, em 1988, deliberou-se que serviços poderiam ser fornecidos por meio de diversas modalidades de prestação como movimento de consumidores, fornecedores, organizações comerciais e fluxos transfronteiriços (SINGH: 2003, 19). 141 Um estudo elaborado pelo Office for Technology Assessment considerava que os Estados Unidos mantinham sua posição de competitividade em alguns ramos de Serviços, como telecomunicações e informação tecnológica, mas vinha perdendo espaços em outros setores como bancos, finanças, engenharia e construção (SINGH, 2003: 19). 142 A versão final do GATS definiu quatro modalidades de prestação de serviços: a) cross border supply: movimento do produto do serviço através da fronteira, ou seja, do território de um Membro para qualquer outro Membro ou transfronteira; b) consumption abroad: movimento do consumidor através da fronteira, ou seja, dentro do território de um Membro para o de qualquer outro Membro ou serviços de consumo no exterior; c) commercial presence: presença comercial do prestador, ou seja, prestador de serviço de um Membro, através de presença comercial no território de qualquer outro Membro; e d) presence of natural persons: movimento temporário de pessoa física, ou seja, prestação de serviço de um Membro, por meio de presença de pessoa natural desse Membro no território de qualquer outro Membro ou presença de pessoas físicas (MERCADANTE, 1998: 418).

171

Page 172: Texto Helio

MFN e à inclusão dos setores a constar do futuro Acordo, sendo que os países em

desenvolvimento buscavam introduzir itens que, de alguma forma, pudessem a vir

beneficiá-los, articulando coalizões nesse sentido, mormente no que dispunha sobre

movimentação de trabalhadores não qualificados. Assim sendo, o GNS debruçou-se

sobre o arrolamento de setores específicos que integrariam o Acordo, por meio de

testes que vieram a reduzir a listagem inicial de treze setores e de mais de uma centena

de subsetores, e fizeram perceber as limitações de aplicação do Acordo. Outra questão

a suscitar polêmica referia-se ao processo de liberalização, em que os Estados Unidos

pleiteavam pela forma de lista negativa (top down), segundo a qual os países definiriam

quais setores e subsetores manteriam ainda protegidos, enquanto a Comunidade

Européia, apoiada pelos países em desenvolvimento defendiam a lista positiva (bottom

up), ou seja, os setores que os países se comprometeriam a liberalizar, posição essa

que acabou por prevalecer na versão final do Acordo, o qual, por proposta de Estados

Unidos, Suíça, Nova Zelândia e Coréia do Sul, visando a permitir cobertura ampla de

setores e compromissos específicos, tomou a denominação definitiva de General

Agreement on Trade in Services (GATS).

E, se de um lado, os países em desenvolvimento reivindicavam a extensão de

tratamento especial e diferenciado, de outro, os países desenvolvidos requeriam a

exclusão de alguns setores e subsetores, como, por exemplo, a Comunidade

Européia143 e os próprios Estados Unidos144, ressaltando-se a ironia de que no início do

processo eram os países em desenvolvimento aqueles reticentes em negociar o tema

Serviços (SINGH, 2003: 22-23).

Finalmente, em julho de 1990, o Embaixador colombiano Felipe Jaramillo

elaboraria um draft, repleto de parênteses, ou seja, ressalvas, que tentava conceber

143 O exemplo mais notório de solicitação de exclusão de subsetores específicos referiu-se ao audiovisual, pelo qual a Comunidade Européia, por demanda da França, obteve introduzir o princípio da exceção cultural, pelo qual mantinha a prerrogativa de legislar sobre políticas de acesso a mercado cultural e subsídios à produção, fora do alcance do GATS (SINGH, 2003: 22; ALBUQUERQUE & SANTOS, 2003: 40). 144 Da mesma forma, os Estados Unidos, devido ao reduzido nível de coesão doméstica, propuseram a derrogação da Cláusula MFN para os ramos de fretamento, aviação civil e telecomunicações básicas (SINGH, 2003: 22).

172

Page 173: Texto Helio

uma síntese do Acordo, o qual enfrentou uma série de objeções, tanto dos Estados

Unidos quanto dos países em desenvolvimento, notadamente Índia, Brasil e Egito,

sendo que estes alegaram que a proposta extrapolava o mandato negociador145. Nos

anos imediatamente seguintes à reunião de Bruxelas, os debates em torno da extensão

da Cláusula MFN e dos compromissos setoriais mantiveram-se predominantes na

agenda de negociações. Em relação ao primeiro assunto, alguns países requeriam

isenções sobre a aplicação da Cláusula, mas os Estados Unidos se mantinham

irredutíveis, alegando que não a concederiam para países que efetuassem ofertas

setoriais seguras. Quanto aos compromissos setoriais, o grande complicador residia no

de telecomunicações, que acabou sendo empurrado para adiante, tendo sido concluído

apenas em 1997. Ademais, um dos setores mais polêmicos consistiu no de audiovisual,

que tinha a oposição da Comunidade Européia contrária aos interesses dos Estados

Unidos que lutavam pela abertura do setor e, nesse aspecto, a Índia se colocou ao lado

destes enquanto o Brasil se posicionou junto à Comunidade (SINGH, 2003: 24-25).

Ao fim, o Acordo GATS, composto de 29 artigos, admitiu a extensão da Cláusula

MFN, porém ressalvadas as isenções, constante na chamada Lista Nacional que cada

Membro define, aplicando, ainda, os princípios de tratamento nacional, transparência,

liberalização progressiva e tratamento especial e diferenciado para países em

desenvolvimento (MERCADANTE, 1998: 420-422).

Entre 1989 e 1990, se as coalizões se embaralhavam em Serviços, em

Propriedade Intelectual permaneciam claramente estruturadas entre países

desenvolvidos e países em desenvolvimento. Contudo, as posições radicalmente

contrárias do G-10 relativas ao tema começavam a esmaecer, dadas a vulnerabilidade

econômica de alguns e a pressão constante dos Estados Unidos em nível bilateral,

afora a ampliação da prevalência da abertura econômica, especialmente em Brasil e

Índia, então lideres do Grupo, passando a operar no âmbito de uma estratégia de 145 O próprio Embaixador Jaramillo, em nome pessoal, encaminhou o draft que, no entanto, acabou atropelado pelas manifestações ocorridas durante o encontro de Bruxelas contrárias às negociações agrícolas, que inviabilizaram a reunião (SINGH, 2003: 23).

173

Page 174: Texto Helio

redução de danos, ou seja, buscando obter concessões que trouxessem alguns ganhos

e menores perdas (SINGH, 2003: 20; ABREU, 2001: 94; ALBUQUERQUE, 2000: 14).

Esses dois fatores, que acarretaram em alterações das posições de Brasil e Índia, são o

que Ostry (2000) classifica de dimensões bilateral e unilateral presentes nas barganhas

que influenciaram os resultados da Rodada, além da multilateral, ou seja, escolher

entre sofrer as sanções dos Estados Unidos e aceitar um acordo multilateral, essa se

tornou a melhor opção, além da própria virada das políticas econômicas forjadas por

países vulnerabilizados pelo peso das dívidas, aderindo aos novos paradigmas dos

anos 1990 (OSTRY, 2000: 3-4). Assim sendo, Brasil e Índia apresentavam sucessivas

proposições relacionadas ao tratamento da licença compulsória, ou a patentes

farmacêuticas ou a prazos de vigência do futuro acordo e questões pertinentes às

necessidades de desenvolvimento, bem como ainda tentavam transferir o tema para o

escopo da OMPI. Embora ainda restassem inúmeras divergências, em fins de 1989, as

negociações apresentavam alguma possibilidade de consenso, ainda que os países em

desenvolvimento preferissem protelar a conclusão de um acordo, tendo em vista a

possível barganha com as negociações relativas à Agricultura e a Têxteis, emperrando

o andamento do processo. A reação dos países desenvolvidos não tardaria, pois,

visando a apressar o resultado, Estados Unidos, Comunidade Européia, Japão e Suíça

apresentaram esboço de acordo final em março de 1990, motivando, logo a seguir, uma

contraproposta, elaborada com a ajuda da UNCTAD, submetida por quatorze países

em desenvolvimento146, denominada Talloires text147, a qual, porém, mais buscava

alcançar alguns ganhos relativos à interpretação dos Artigos 7 e 8148 do futuro Acordo,

do que configurava uma oposição veemente. A partir daí, constituiu-se o grupo 10 + 10

(divisão igualitária entre países desenvolvidos e em desenvolvimento), onde estes

últimos conseguiram arrancar algumas concessões, cedendo igualmente em um ponto

146 Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Cuba, Egito, Índia, Nigéria, Paquistão, Peru, Tanzânia, Uruguai e Zimbábue (SINGH, 2003: 21). 147 A denominação do documento deveu-se ao nome da cidade onde foi discutido, próxima a Genebra (SINGH, 2003: 21). 148 Os Artigos citados referem-se à definição dos Objetivos e Princípios do Acordo.

174

Page 175: Texto Helio

ou outro149. Juntos, os 10 + 10 produziram cinco propostas que foram incorporadas ao

draft que seria discutido na reunião de Bruxelas, a qual acabou em fiasco por causa do

impasse relacionado ao tema da Agricultura (SINGH, 2003: 20-22).

Nos derradeiros meses de 1991, praticamente todo o acordo de Propriedade

Intelectual já se encontrava finalizado, sendo realizado o último encontro do grupo em

18 de dezembro. Nesse período, os países em desenvolvimento, apoiados pela

Comunidade Européia, obtiveram concessões adicionais, como a ampliação do período

de transição para a implementação do acordo que foi estipulado entre cinco a dez anos,

dependendo do grau de desenvolvimento do país. Em contrapartida, os Estados

Unidos forçaram a adoção do instituto do pipeline150 e, em troca, Comunidade Européia

e Índia propuseram a concessão de Exclusive Marketing Rights151 por cinco anos se o

produto fosse materializado anteriormente à concessão ou indeferimento da patente

(SINGH, 2003: 24).

Assim, dentre os acordos e anexos que vieram a estabelecer as novas regras do

comércio internacional, já em um panorama da chamada “globalização” ou “economia

global”, resultantes da Rodada Uruguai, encerrada em Marrakesh em 1994, firmou-se o

Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights Agreement (TRIPS), abrangendo

direitos do autor e direitos conexos, patentes, marcas, indicações geográficas,

desenhos industriais, topografias dos circuitos integrados, proteção de informação

confidencial e contratos de licenças de tecnologias. Sua gênese derivou do

149 Nesse caso, a Índia propôs aliar uso governamental e licença compulsória em troca de desistir de se opor ao tema, obtendo o apoio de Estados Unidos, Comunidade Européia, Japão e Canadá, inserindo-se o arranjo no acordo final (SINGH, 2003: 21). 150 O instituto do pipeline foi introduzido no Acordo visando a garantir proteção patentária retroativa à sua vigência, em países que, anteriormente, não a concediam tanto para produtos farmacêuticos quanto para produtos químicos para a agricultura, desde que os detentores da tecnologia tivessem efetuado o pedido no país de origem, buscando garantia ainda na fase de pesquisa e desenvolvimento, contando a data da prioridade para efeito da retroatividade, conforme disposto no Artigo 70.8 do Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights Agreement (TRIPS) (SILVEIRA, 1998: 202). 151 Também aplicável a patentes farmacêuticas, dispunha que deveriam ser garantidos, por países que à época da entrada em vigor do Acordo não concedessem proteção patentária ao setor, direitos exclusivos de comercialização até que se concedesse ou se indeferisse o pedido, visando a evitar a concorrência de produtos similares, incorporado ao Acordo pelo Artigo 70.9 (SILVEIRA, 1998: 203).

175

Page 176: Texto Helio

entendimento, entre os países desenvolvidos, de que o sistema de proteção à

propriedade intelectual enfeixado pela OMPI já não dava mais conta da complexa rede

de interesses do comércio internacional verificado a partir dos anos 1970,

principalmente aqueles relacionados às empresas transnacionais, preocupadas com a

ampla proteção das tecnologias por elas desenvolvidas (BASSO, 2000: 159).

A despeito da desconfiança inicial dos países em desenvolvimento, os temas de

relevante interesse para estes acabaram por ser inseridos nas negociações da Rodada

Uruguai, como Agricultura e Têxteis. Nesse primeiro tema, igualmente se desenhou

uma coalizão que escapava aos moldes tradicionais compelidos pela divisão Norte-Sul,

com o estabelecimento do chamado Grupo de Cairns152, pouco antes da abertura da

Rodada, em agosto de 1986153, formado então por dezoito países exportadores, que

aglutinava tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento154. Tinha

como perspectiva, pressionar pela efetiva incorporação do tema às regras do GATT

que, historicamente, por força principalmente da obstrução dos países da Europa

Ocidental, secundados pelo Japão, foi mantido à margem das negociações e repleto de

exceções (HIGGOTT & COOPER, 1990: 591)155. A iniciativa de arregimentar esse

grupo de países partiu da Austrália que, logo, assumiu-lhe a liderança, com o intuito de

alçar o tema de uma discussão técnico-burocrática para uma dimensão política da qual

não se pudesse esquivar, tendo em vista os interesses dos países desenvolvidos

quanto à inserção dos novos temas. A motivação fundamental teria sido em reação à

queda dos preços do mercado agrícola ocasionada pela proliferação de subsídios,

152 A denominação do grupo se deveu ao fato de que seu primeiro encontro se deu na cidade de Cairns, estado de North Queensland, Austrália. 153 Encontros prévios, ainda sem intenção de formar uma coalizão foram realizados em Montevidéu, com a participação de Argentina, Austrália, Brasil, Nova Zelândia e Uruguai, em abril de 1986, seguido por outro ocorrido em Pattaya, Tailândia, em julho, contando com mais países (NARLIKAR, 2003: 129). 154 Formaram inicialmente o Grupo de Cairns Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Filipinas, Fiji, Guatemala, Hungria, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Tailândia e Uruguai, sendo que, em 1998, a Hungria se retiraria devido à admissão de sua candidatura à União Européia, enquanto Fiji, por força de sua vinculação ao Grupo ACP e por ser beneficiário do Protocolo do Açúcar da Convenção de Lomé, encontra-se virtualmente excluído, face ao antagonismo das duas situações; a África do Sul foi admitida em 1997 e o Paquistão em 2005. 155 A exceção mais notória era a relacionada ao Artigo XVI do GATT, que vedava o emprego de subsídios a exportações, menos para produtos primários.

176

Page 177: Texto Helio

realçada pela decisão tomada, no Governo Reagan, de ampliar o Export Enhancement

Program156, em meados de 1986, ao vender trigo subsidiado à União Soviética,

construindo uma coalizão de produtores médios que não subsidiavam as exportações

agrícolas, envolvendo países de todas as regiões do globo que eram, ao mesmo tempo,

prejudicados pela política norte-americana, conclamando por uma ação coletiva

(HIGGOTT & COOPER, 1990: 611-612; THIES, 2003: 414)157. Com efeito, até o

lançamento da Rodada Uruguai, apenas 55% das tarifas aplicadas pelos países

desenvolvidos e 18% pelos países em desenvolvimento, incidentes sobre o comércio

agrícola, encontravam-se consolidadas e, a par, desde a crise do mercado agrícola, nos

anos 1980, ocorrera o emprego generalizado de medidas não-tarifárias, como taxas

variáveis sobre importações, estabelecimento de quotas, preços mínimos de importação

e restrições voluntárias às exportações (MATTHEWS, 2001: 79; GIFFORD, 2003: 2).

Outro fator que teria desencadeado a formação do Grupo teria sido a recusa da França

em chancelar o draft que lançaria a Rodada, o qual, inclusive, já havia sido endossado

pela Comunidade Européia, por temer que viesse a acarretar em compromissos

efetivos de liberalização agrícola (NARLIKAR, 2003: 129).

A primeira reunião do Grupo definiu, de um lado, um escopo de intenções que

pregava a plena integração do tema da Agricultura ao âmbito do GATT, por meio do

fortalecimento e da implementação de disciplinas e regras efetivas pertinentes ao tema.

Por outro lado, criticava a superficialidade com que certos itens, como subsídios

agrícolas e ajustes de políticas internas, estavam sendo tratados. Ainda, enfatizavam a

importância de uma aliança tácita com os Estados Unidos, visando a estabelecer uma

frente comum contra a Comunidade Européia, conforme trechos da Declaração Final do

encontro, lançada em 27 de agosto de 1986, transcritos abaixo:

156 O Export Enhancement Program foi criado em 1985, pelo Governo Reagan com o propósito de subsidiar os agricultores norte-americanos, visando a enfrentar a competição dos países subsidiadores, mormente a Comunidade Européia, por meio de pagamento bonificado, propiciando aumentar a venda de produtos americanos a preços abaixo dos custos de exportação com o objetivo de ganhar mercados. 157 Nas palavras do Primeiro-Ministro australiano Bob Hawke, cabia formar um grupo constituído por países com interesses comuns, em uma perspectiva de atuação de longo prazo (HIGGOTT & COOPER, 1990: 612).

177

Page 178: Texto Helio

“Ministers agreed that there was an urgent need to reform and liberalise agricultural trade so as to improve the economic prospects of all participating countries. (…) Ministers emphasised the importance of the MTN negotiations addressing agricultural trade issues as a high priority. In this context they undertook to seek the removal of market access barriers, substantial reductions of agricultural subsidies and the elimination, within an agreed period, of subsidies affecting agricultural trade. Ministers expressed the view that the preparations made in Geneva to develop a draft ministerial declaration to launch a new round of negotiations had achieved progress in several areas and reflected many of the concerns which needed to be addressed. Deficiencies remain, however, including the inadequate treatment of agricultural subsidies and the lack of a specific reference to domestic agricultural adjustment policies.

(…)

In particular they welcomed the statement by the observer from the United States that the United States' objectives in the negotiations will include ‘the phase out of all export subsidies affecting trade in agriculture and of all other measures that restrict access and distopt trade in agricultural products’.” 158

As posições delineadas quando das démarches para o lançamento da Rodada

Uruguai no campo da Agricultura distinguiam-se entre os adeptos de uma reforma

radical e os que preconizavam uma liberalização comercial, sendo que os primeiros

exigiam que todos as Partes se submetessem a todas as normas, revogando as

exceções especiais, bem como a eliminação de todas as distorções relativas ao

comércio agrícola e o fim dos subsídios às exportações. Nesse momento, os Estados

Unidos, apoiados pelo Grupo de Cairns, divulgavam proposta, denominada de “opção

zero”, pela qual seriam eliminados, num prazo de dez anos, subsídios domésticos,

tarifas sobre importações e subsídios às exportações (HIGGOTT & COOPER, 1990:

158 Cf. 1st Cairns Group Ministerial Meeting - Ministerial Meeting of Fair Traders in Agriculture, Cairns, Australia 27 August 1986. Disponível em http://www.cairnsgroup.org/meetings/min01_declaration.html

178

Page 179: Texto Helio

612; THIES, 2001: 415)159. Aqueles que defendiam a liberalização progressiva –

Comunidade Européia e Japão fundamentalmente – pressupunham a manutenção dos

direitos dos países de adotar políticas agrícolas internas de acordo com seus

respectivos interesses agrícolas como, ainda, lutavam pela redução gradual do nível de

proteção pela ampliação das cotas de importação, redução de tarifas e barreiras não-

tarifárias. Tal perspectiva se devia à crescente oferta de produtos agrícolas e à

conseqüente depreciação de preços, fazendo aumentar a onda protecionista. No

embate entre os adeptos de uma reforma radical e os que preconizavam uma

liberalização comercial, os primeiros acabaram por vencer, devido à ação do Grupo de

Cairns e o apoio dos Estados Unidos (DE MATTIA & BARBAGALO, 1998: 272-273;

HIGGOTT & COOPER, 1990: 615). No ano seguinte, em 1987, o Grupo apresentaria,

junto ao Grupo de Negociações Agrícolas, proposta diferenciada em relação à opção

zero norte-americana, considerando a hipótese de diminuição da pressão inicial por

meio do congelamento de restrições de acesso a mercados, caracterizando, com tal

procedimento, sua passagem de coalizão de agenda-setting para de negociação

(NARLIKAR, 2003: 130).

Assim, os termos constantes da Declaração que lançou a Rodada, no tocante à

Agricultura, preconizavam que:

“The CONTRACTING PARTIES agree that there is an urgent need to bring more discipline and predictability to world agricultural trade by correcting and preventing restrictions and distortions including those related to structural surpluses so as to reduce the uncertainty, imbalances and instability in world agricultural markets.

Negotiations shall aim to achieve greater liberalization of trade in agriculture and bring all measures affecting import access and export competition under strengthened and more operationally effective GATT rules and disciplines, taking into account the general principles governing the negotiations by:

(i) improving market access through, inter alia, the reduction of import barriers;

159 Thies salienta que os Estados Unidos fizeram a proposta de opção zero, contando com o apoio de seus produtores domésticos, porém cientes de antemão que a Comunidade Européia jamais a aceitaria (THIES, 2001: 415).

179

Page 180: Texto Helio

(ii) improving the competitive environment by increasing discipline on the use of all direct and indirect subsidies and other measures affecting directly or indirectly agricultural trade, including the phased reduction of their negative effects and dealing with their causes;

(iii) minimizing the adverse effects that sanitary and phytosanitary regulations and barriers can have on trade in agriculture, taking into account the relevant international agreements.” 160

Segundo Subedi (2003), pode-se inferir que, tendo em vista os termos da citada

Declaração, não havia elementos nela que defendessem uma liberalização imediata ou

uma eliminação abrupta dos subsídios, mas sim a inauguração de negociações visando

à liberalização gradual Embora, aparentemente, haja uma contradição com as

avaliações empreendidas pelos autores referidos logo anteriormente, tal impressão é

desfeita quando arrola os diversos significados que a Declaração comportava,

enfatizando seus impactos para os países em desenvolvimento. Desta forma, exalta,

primeiramente, a importância de ter trazido para o GATT uma área comercial de largo

alcance, qual fosse, o comércio agrícola; em segundo lugar, considera que se permitiu

vislumbrar maior avanço para os países em desenvolvimento que procuravam ampliar o

acesso a mercados dos países desenvolvidos; em terceiro, destaca que os países

desenvolvidos aceitaram a inclusão da Agricultura em troca da aceitação de Comércio

em Serviços, reforçando o poder de barganha dos países em desenvolvimento e, por

último, a inserção do tema sob a égide do GATT conferia maior relevância para os

países em desenvolvimento com vistas à formulação de um sistema comercial mundial

mais inclusivo e abrangente, por contar com a participação efetiva e real de mais países

(SUBEDI, 2003: 32).

Em termos substantivos, os três principais atores do processo de negociação

agrícola vieram a definir as três principais agendas referentes à Agricultura, envolvendo

redução de subsídios domésticos, redução de subsídios às exportações e a

160 Cf. General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), Punta Del Este Declaration, Ministerial Declaration of 20 September 1986, Agriculture. Disponível em http://www.sice.oas.org/trade/Punta_e.asp

180

Page 181: Texto Helio

transformação de barreiras não-tarifárias em barreiras tarifárias, ou tarificação, com

perspectivas futuras de redução. Em relação ao primeiro item da agenda, a

Comunidade Européia oferecia uma redução de 30% enquanto os Estados Unidos

requeriam 75%, além de 90% para os subsídios às exportações, os quais, por sua vez,

eram condicionados à negociação pela Comunidade como decorrência de eventual

acordo sobre o primeiro item (THORSTENSEN, 1992: 97).

A tomada de posição do Grupo de Cairns no processo negociador, articulada por

meio de mecanismos coletivos de consulta, coordenação e ação, buscava destacar que

o tema da Agricultura era o eixo central da Rodada, sem o que não ocorreriam

progressos nas demais áreas mandatadas (GIFFORD, 2003: 2). Tanto assim que, se

até Montreal, em Agricultura nenhuma perspectiva de acordo havia sido aventada, por

conta do conflito reinante entre Estados Unidos, que visavam a eliminar todos os

subsídios distorcivos ao comércio agrícola, e Comunidade Européia, que não

demonstrava qualquer sinalização ou disposição de proceder a alterações na Política

Agrícola Comum (PAC), em abril de 1989, quando diversos outros temas já haviam

desbastado alguns pontos de divergência, alguns membros do Grupo de Cairns, em

sua maioria latino-americanos, ameaçaram paralisar por completo a Rodada caso

algum progresso não fosse alcançado (WINTERS, 1990: 1299; OSTRY, 2000: 2).

Porém, ainda em julho, o impasse permanecia, quando o draft elaborado pelo Chairman

do Grupo de Negociações Agrícolas veio a incorporar as posições advogadas pelos

Estados Unidos e pelo Grupo de Cairns161, o qual foi recomendado para análise aos

negociadores dos países participantes do Encontro de Cúpula do G-7, realizado em

Houston, entre 09 e 11 de julho, conforme deliberação divulgada a seu final que

buscava aproximar as posições conflitantes, por meio de jogo de palavras, de modo

que cada um viesse a interpretá-las conforme seus interesses, embora a ênfase do

161 O referido draft assumia as posições defendidas pelos Estados Unidos e pelo Grupo de Cairns, no que dizia respeito à eliminação rápida dos subsídios às exportações e à conversão tarifária (WINTERS, 1990: 1300).

181

Page 182: Texto Helio

texto implicasse no enfraquecimento da posição européia, viabilizando a continuidade

da Rodada (WINTERS, 1990: 1299-1300)162.

Em boa parte, a articulação das posições do Grupo de Cairns com os Estados

Unidos era efetuada pelo Canadá, o que garantia, igualmente, a proeminência da

temática da liberalização agrícola no âmbito das reuniões do G-7 e da OCDE, dentro do

que se compreendia uma estratégia de atuação do Grupo de dividir tarefas em espaços

e fóruns onde seus membros detivessem maior atuação e desenvoltura. Assim, além

da ação empreendida pelo Canadá, aos países em desenvolvimento cabia enfatizar as

preocupações e a permanência da temática agrícola nas demais organizações

internacionais como a FAO e a UNCTAD, por exemplo. Já a Austrália, como líder do

Grupo, articulava sua consolidação, buscando dotar-lhe de coerência, por meio do

exercício de atividades coordenadoras, até mesmo por considerar ser o GATT a sua

única opção para obter ganhos em acordos comerciais, não levando em conta, à época,

a perspectiva de celebração de acordos bilaterais. Dada a heterogeneidade de sua

composição, não se constituía tarefa simples manter a coesão do Grupo, pois, de um

lado, haveria constrangimentos por parte dos países em desenvolvimento em conviver

com países desenvolvidos e, de outro, estes priorizavam a necessidade de tratamento

especial e diferenciado163. Outro motivo a semear a cizânia no Grupo era a posição

canadense que, embora desempenhando o papel de elo com os países desenvolvidos,

diversas vezes não vinculava a retórica à prática em suas políticas comerciais como,

por exemplo, a falta de cumprimento aos princípios relacionados a “standstill and

rollback”, assim como refutava arcar com os custos de mobilização internacional 162 Efetivamente, os termos contidos nos parágrafos referentes à Agricultura, no âmbito da parte relativa ao Sistema Comercial Internacional, acentuavam que “...The outcome of the GATT negotiations on agriculture should (...) ensure that agricultural policies do not impede the effective functioning of international markets” (§ 21) e, ainda, que “...The achievement of this objective requires each of us to make substantial, progressive reductions in support and protection of agriculture--covering internal regimes, market access, and export subsidies…” (§ 22). Cf. Houston Economic Declaration July 11, 1990 G-7 Summit: Houston, July 9-11, 1990. Disponível em http://www.g8.utoronto.ca/summit/1990houston/communique/trade.html 163 Os autores citam os casos de Brasil – membro do G-10 – e Argentina, que aprofundavam suas demandas em busca de recursos para enfrentar os problemas gerados pela crise das dívidas, embora ressaltem que a Argentina, apesar disto, mostrou-se um dos países que mais apoiaram a unidade do Grupo durante toda a Rodada (HIGGOTT & COOPER, 1990: 617).

182

Page 183: Texto Helio

requerida, gerando forte mal-estar entre os demais membros, que o percebiam como

free rider no seio do Grupo e, culminando com todo esses fatores, encetou negociações

que redundaram na assinatura do acordo bilateral de livre comércio com os Estados

Unidos, privilegiando-o em relação aos demais parceiros quanto às trocas comerciais

com este país (HIGGOTT & COOPER, 1990: 614-618).

O fiasco da Mid-Term Review produziria mudanças de posição das Partes,

principalmente dos Estados Unidos, que abandonaram a posição inicial da opção zero,

enquanto a Comunidade Européia cedia aos pleitos do Grupo de Cairns, aceitando uma

redução mínima de 10% dos subsídios domésticos e reduções progressivamente

substanciais em tempo que viria a ser acordado no futuro, facilitando a flexibilização da

posição norte-americana selada no encontro do Grupo de Negociações Agrícolas em

novembro de 1989 (HIGGOTT & COOPER, 1990: 614-618) 164.

A Reunião de Bruxelas, que selaria o fim da Rodada Uruguai, em dezembro de

1990, acabou em impasse, por conta do recrudescimento das divergências entre

Estados Unidos e Comunidade Européia, que mais uma vez recuou, movida em parte

pelas manifestações de milhares de agricultores nas ruas da capital belga.

No final do ano seguinte, o Diretor Geral do GATT, Arthur Dunkel, elaboraria um

draft de Acordo Final, tomando por base as negociações que prosseguiam após o

impasse, o qual seria rejeitado pela Comunidade Européia três dias depois, por

discordar das disposições relacionadas à Agricultura. Sem perspectivas de conclusão

satisfatória a todas as Partes, a situação perduraria por algum tempo, sendo quebrada

em dois momentos cruciais, quando, primeiramente, em 1992, Estados Unidos e

Comunidade Européia lograriam destravar as negociações agrícolas, pelo Acordo de

Blair House, que selou alguns compromissos que viabilizaram o fim do impasse

164 Embora ressaltem a importância da atuação do Grupo de Cairns para a saída do impasse e o encontro de uma proposta minimamente comum, os autores atribuem forte significado à mudança de Governo nos Estados Unidos, com a eleição do Presidente George Bush e a conseqüente substituição do chefe do USTR, Clayton Yeutter por Carla Hills (HIGGOTT & COOPER, 1990: 622).

183

Page 184: Texto Helio

(SHARMA, 2000). No ano seguinte, em março, o Presidente da Argentina, Carlos

Menem, enviava, em nome de 37 países em desenvolvimento, correspondência aos

Presidentes dos Estados Unidos e da Comunidade Européia e ao Primeiro-Ministro do

Japão, conclamando que fosse dada prioridade à conclusão da Rodada, pois, muitos

deles, ao seguirem as regras de liberação econômica a partir dos anos 1990, tornar-se-

iam vítimas do seu fracasso, considerando que os países desenvolvidos estavam se

desinteressando da dinâmica do sistema multilateral, no que entendiam estarem, os

países em desenvolvimento, irremediavelmente vinculados a seu êxito. E, para tanto,

defendiam a adoção integral do Dunkel Draft, como a base de negociações, ainda que

não atendesse totalmente seus interesses. Porém, principalmente Estados Unidos e

Comunidade Européia conspiravam contra o draft ao apresentar emendas sobre os

mais variados temas e, em contrapartida, os países em desenvolvimento agiam

semelhantemente (BERTHELOT, 1993: 351-352)165. No mesmo ano de 1993, os

membros do QUAD concluíam negociações relativas a tarifas e acesso a mercados,

encerrando-se a versão final de todos os Acordos, incluindo o que criava a Organização

Mundial do Comércio, em 15 de dezembro de 1993, tendo sido a Rodada formalmente

cumprida em 15 de abril de 1994, em Marrakesh.

No entanto, o Acordo de Blair House sofreria duras críticas do Grupo de Cairns,

o qual, em comunicado divulgado após sua 13ª Reunião Ministerial, proximamente à

conclusão da Rodada, em outubro, manifestava seu descontentamento por ter sido

alijado das negociações, as quais acusava de terem se transformado em um assunto

transatlântico, contendo ainda fortes alfinetadas à Comunidade Européia em especial, e

saindo em defesa do Dunkel Draft, conforme passagens transcritas abaixo:

165 Os temas os quais os países desenvolvidos apresentavam emendas eram Medidas anti-Dumping, Medidas Sanitárias e Fitosanitárias, Subsídios, Agricultura, Propriedade Intelectual e relativos à própria criação da Organização Mundial do Comércio e, em troca, os países em desenvolvimento retrucavam com propostas de modificação em Têxteis e Vestuário e nos próprios acordos colocados em causa por Estados Unidos e Comunidade Européia (BERTHELOT, 1993: 351-352).

184

Page 185: Texto Helio

” The Uruguay Round has only 58 days to run. The date of 15 December is a real deadline. It cannot be extended. The remaining two months must be used to ensure that the Round succeeds. (…) Ironically at this critical stage, some of those who have most to gain amongst the larger industrial countries appear to be the most reluctant to make the final effort required to positively conclude the Round. Narrow interest groups in these countries must not be allowed to frustrate the successful conclusion of the negotiations. (…) The negotiations on agriculture cannot be completed without the full involvement of the Cairns Group and all the other parties concerned. As major stakeholders in world agricultural trade the Group insists that agriculture is not simply a trans-Atlantic affair. (…) The Draft Final Act remains the basis for concluding the negotiations. The Cairns Group is not party to the Blair House accord, containing proposals which would dilute the Draft Final Act. The Group can only take a final position on the Blair House accord in appropriate multilateral negotiations when it has been tabled and all of the market access outcomes are known and can thus be evaluated. Notwithstanding this, it is With alarm that we note the further efforts to weaken the Draft Final Act disciplines on agriculture. Clearly such efforts seriously jeopardise an overall acceptable outcome on agriculture (…)”.166

A despeito de não se ter obtido uma ampla liberalização do mercado agrícola,

como desejavam o Grupo de Cairns e, até mesmo, os Estados Unidos, o fato de se ter

abrigado o setor no âmbito das regras e disciplinas do GATT e abarcado os três pilares

almejados inicialmente167, passou a ser considerado como resultado positivo naquele

momento, mesmo que as conquistas tenham sido bastante limitadas em relação ao alvo

inicial (JANK & ARAÚJO, 2003: 59-60; AGOSIN, 1995: 373-374).

166 Cf. 13th Cairns Group Ministerial Meeting, Geneva, Switzerland, 18 October 1993. Communiqué. Disponível em http://www.cairnsgroup.org/meetings/min13_communique.html 167 Constituem-se os três pilares Acesso a Mercados, Redução dos Subsídios Domésticos e Redução dos Subsídios às Exportações.

185

Page 186: Texto Helio

Embora não tenha conseguido emplacar totalmente os propósitos que originaram

a formação do Grupo, Cairns tornou-se a única coalizão que sobreviveu a toda a

Rodada e, até mesmo depois, mantendo-se como grupo atuante até recentemente. O

G-10 não suportou as mudanças dos paradigmas econômicos internacionais e a

pressão em particular dos Estados Unidos, desvanecendo-se os motivos que o criaram,

quais tenham sido, a reação contrária à introdução dos então novos temas na Rodada

(OSTRY, 2000: 4).

Também o Café au lait, mesmo sendo um tipo diferente de coalizão quando

comparado ao G-10, ou seja, mais de negociação diplomática do que de veto,

inaugurando a perspectiva do single-issue coalition, acabou por sucumbir, mas delineou

um novo marco de formação de coalizões em negociações comerciais multilaterais

(NARLIKAR for TUSSIE & LENGYEL, 2002: 490). Ainda, segundo Narlikar, a coalizão

colheu êxitos em virtude de suas estratégias pouco ambiciosas e por sua característica

inclusiva que podem ser exemplificadas em diversas atuações. De início, por dar voz e

espaço aos países menores e, em seguida, pela perspicaz noção de tempo, acabou por

viabilizar a Rodada Uruguai e uniu as duas dimensões ao inserir as demandas

daqueles países durante o processo de agenda-setting. Além disso, o fato de focar

unicamente no tema de Serviços colaborou para forjar a unidade da coalizão,

diferentemente do G-10, permitindo, ademais, manter posições flexíveis em termos de

agenda e de estratégia de negociação. Igualmente, o desempenho de atividades de

levantamento e pesquisa, efetuadas pelo ainda iniciante Jaramillo process, favoreceu a

coesão da aliança, na medida que as posições individuais de todos eram conhecidas,

fortalecendo-a168. No entanto, não alcançou sobrevida devido ao fato de ter deixado de

acompanhar o prosseguimento das negociações que eles próprios haviam conseguido

viabilizar, bem como pela ausência de maior institucionalização que propiciasse

assegurar sua manutenção. Dentre as lições que, conforme Narlikar, foram legadas

pelo Café au lait reside, uma delas, na realpolitik do processo de coalition-building,

168 Aliado a isto, segundo Narlikar, a prática de pesquisa permitiu maior acesso dos países menores, carentes de expertise e conhecimento, contribuindo como fator de agregação ao Grupo (NARLIKAR, 2003: 98).

186

Page 187: Texto Helio

revestida, além da agregação de recursos, na necessária legitimidade externa que lhe

conferiu influência, independentemente do seu peso político ou econômico, legitimidade

essa que foi edificada pelos procedimentos de pesquisa, pela abordagem positiva, pela

postura abrangente e inclusiva e pela convicção de reciprocidade e aderência aos

princípios e à dinâmica do GATT, ao recusar o caminho do bloqueio de agendas ou

posições extremadas (NARLIKAR, 2003: 96-102).

Assim, se o G-10 não terá sobrevivido por seu radicalismo e o Café au lait por

não ter elaborado meios de se institucionalizar, o Grupo de Cairns atravessou incólume

a toda Rodada Uruguai, permanecendo vivo e forte até a V Conferência Ministerial de

Cancun, em 2003, o que, de toda forma, não significou sua irrelevância. Após ter

obtido vitórias parciais como a inclusão efetiva do tema da Agricultura no âmbito do

GATT e prosseguir lutando para intensificar a aplicação dos termos do Acordo final, o

Grupo buscou novas perspectivas de atuação como, por exemplo, buscar

descaracterizar a vinculação entre questões não-comercias e a dinâmica do comércio

agrícola, pretendida pela Comunidade Européia e seus aliados restritivos à

liberalização169. Narlikar observa que os condicionantes do sucesso do Grupo se devem

a três fatores, sendo o primeiro, a configuração do interesse de seus membros, que se

alinhavam para permitir uma coesão no âmbito da própria coalizão e implicando,

igualmente, em peso coletivo que redundou em maior capacidade de influência ao

privilegiar a perspectiva em sentido lato da questão agrícola sem se ater ao tratamento

de commodities específicas170; o segundo fator consistiu em defender uma agenda

calcada em propósitos liberalizantes, contando, por conseguinte, com o apoio dos

Estados Unidos e, por fim, as estratégia desenvolvidas foram fator fundamental para a

obtenção de coesão interna e legitimidade externa, a qual, compreendeu atuar como 169 Dentre esses temas não-comerciais estão as medidas de precaução, o conceito de multi-funcionalidade (preservação do meio-ambiente, fixação do homem ao campo), segurança alimentar e bem-estar animal. 170 Nesse aspecto, a autora salienta o caso do Brasil que, pouco antes era vinculado a e co-líder do G-10, optou por integrar o Grupo de Cairns, mesmo estabelecendo-se em coalizão com países desenvolvidos, em atenção a variáveis econômicas e ideológicas já que não dependia maciçamente dos recursos de exportação de produtos agrícolas como os demais membros e, em assim agindo, garantiu a introdução do item sobre produtos tropicais, que não eram relevantes para os outros, e da exigência de tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, a qual não era preocupação inicial do Grupo, respectivamente (NARLIKAR, 2003: 137-138).

187

Page 188: Texto Helio

coalizão intermediadora entre os dois maiores atores, os Estados Unidos e a

Comunidade Européia, ao invés de desafiá-los, além de se coadunar com a agenda

liberalizante do GATT (NARLIKAR, 2003: 132-141).

O balanço empreendido sobre os resultados da Rodada Uruguai e, em especial

sobre seu impacto para os países em desenvolvimento, em geral, convergem para o

desequilíbrio de forças que acabaram por favorecer os países desenvolvidos. Pois,

segundo tais análises, se, por um lado, fortaleceu e revigorou as disciplinas do GATT e,

embora de maneira não premeditável, forjou a nova Organização Mundial do Comércio,

por outro, terá distribuído desigualmente seus ganhos. Demonstram, no entanto, que a

Rodada se transformou no divisor de águas das regulações multilaterais do comércio

internacional. De um Acordo Geral que sobreviveu a quase meio século, dotado de

caráter acentuadamente voluntário, emergiu uma organização de caráter altamente

coercitivo, por conta da instituição de princípios como o single undertaking e o

aperfeiçoamento do Mecanismo de Solução de Controvérsias. Cabe salientar que,

segundo Ricupero (1998), a introdução do princípio do single undertaking, pelo qual

todos os acordos valem igualmente para todos, visando a expelir a prática dos free

riders, freqüentes na Rodada Tóquio, encontrou forte apoio entre os países em

desenvolvimento, por conta das práticas protelatórias e excepcionais que incidiam

sobre as negociações agrícolas nas rodadas anteriores, tendo sido inserido na

Declaração de lançamento da Rodada Uruguai. Porém, foi sendo reinterpretado,

principalmente pela Comunidade Européia e Canadá, que perceberam que os acordos

que emergiriam da Rodada trariam uma série de obrigações e, portanto, sua adoção

evitaria a repetição das escapadas antes permitidas, sendo proposto que fosse, então,

transferido para o escopo da nova organização, sendo que aqueles que a ela

aderissem, tornavam-se membros e os que não aceitassem todos os acordos,

particularmente os países em desenvolvimento, permaneceriam no antigo GATT

esvaziado, e sujeitos às retaliações bilaterais (RICUPERO, 1998: 16-17;

THORSTENSEN, 2001: 43).

188

Page 189: Texto Helio

Para Agosin (1995), reiterando a avaliação pouco otimista sobre a Rodada para

os interesses dos países em desenvolvimento, as melhorias obtidas em acesso a

mercados não implicariam em ganhos para o livre comércio em si, dado o grau de

controle exercido nas concessões e, ainda, teria como agravante, os obstáculos que as

novas disciplinas do GATT, baseadas em padrões predominantes nos países

desenvolvidos, impõem aos países em desenvolvimento quanto à formulação de

políticas voltadas para seu próprio crescimento. Contudo, ressalva que justamente o

Mecanismo de Solução de Controvérsias poderia vir a se constituir em fator inovador,

pois significaria para países menores e sem trunfos negociadores, instrumento de

defesa que barraria as políticas protecionistas dos países desenvolvidos (AGOSIN,

1995: 371). Nesse último aspecto, encontra convergência com Michalopoulos (2000)

que avalia positivamente a criação do dito mecanismo, por conferir maior grau de

certeza aos países em desenvolvimento como meio de proporcionar proteção contra os

países desenvolvidos e maiores possibilidades de resultados favoráveis, se comparado

a disputas bilaterais, fora do escopo da Organização Mundial do Comércio. Todavia,

contrariamente a Agosin, Michalopoulos atribui à Rodada Uruguai a ampliação de

acesso a mercados para os países em desenvolvimento, devido à inclusão, nas

disciplinas do GATT, de temas de especial interesse para esses países, como

Agricultura e Têxteis e Vestuário, por exemplo, acrescentada ao aperfeiçoamento do

Acordo de Salvaguardas que extinguiu a possibilidade de aplicação do instituto de

Restrições Voluntárias às Exportações, além da redução de tarifas sobre bens

industriais, da ordem de 34%. Reconhece, no entanto, que os países em

desenvolvimento perderam autonomia legiferante por terem que participar dos Acordos

sobre Propriedade Intelectual, Serviços e Investimentos – respectivamente TRIPS,

GATS e TRIMS – temas que antes dispunham de ampla liberdade de ação, valendo o

mesmo para outros acordos, dos quais outrora não participavam (MICHALOPOULOS,

2000: 13-14)171. E é nesse ponto que Ostry (2002) destaca a profunda diferença entre

o antigo GATT e a nova OMC, pois, com a inserção desses até então chamados novos

171 Refere-se, especificamente, aos Acordos de Subsídios, Barreiras Técnicas ao Comércio, Valoração Aduaneira e Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (MICHALOPOULOS, 2000: 14).

189

Page 190: Texto Helio

temas, mesmo que não idênticos – uma vez que tratam de questões diferentes –

possuem característica comum à medida que abrangem sistemas legais e regulatórios,

de natureza doméstica, incorporados à esfera econômica internacional. Tal

propriedade conota-lhes forte grau de intromissão no âmbito das soberanias nacionais,

não apresentando, portanto, nenhuma similitude com o rarefeito modelo de integração

do GATT, centrado somente em barreiras externas e dotado de salvaguardas que

preservavam o espaço doméstico, marcando, assim, a passagem de um modelo de

regulação negativa, do GATT ou, o que os países não deviam fazer, para outro de

regulação positiva, da OMC, ou, o que os governos devem fazer (OSTRY, 2002: 3).

Messerlin (1993) lembra que o GATT conferia plena liberdade às Partes Contratantes,

sendo o que seus participantes queriam que ele fosse, ou seja, se quisesse ser

protecionista, o GATT o seria, levando em conta apenas o interesse de seus produtores

nacionais, mas, se tomasse em causa o equilíbrio de interesses entre produtores e

consumidores, o GATT adquiriria tônus de liberalização comercial, ou seja, o GATT

desenvolvia o ritmo que suas Partes desejavam individualmente (MESSERLIN, 1993:

256).

Page (2001) pressupõe que algumas lições devem ser extraídas da experiência

da Rodada que operou a maior transformação ocorrida na regulação das relações

comerciais mundiais, desde a tentativa de criação da OIC nos anos 1940-1950. A

primeira delas é depreendida do fato de que os países que obtiveram alguns ganhos

foram aqueles que participaram ativamente das negociações e, aqueles que assim não

se comportaram perderam, muito embora os ganhos possam ser superestimados até

para justificar a participação. No decorrer da Rodada, mais de três dezenas de países

acederam ao GATT, como reflexo da crença de os países em desenvolvimento se

considerarem parte importante nas negociações e que a OMC se tornara o mais

importante fórum de negociações comerciais. A segunda decorre que alianças

formadas entre países desenvolvidos geram acordos que, posteriormente, são impostos

aos países em desenvolvimento, mas quando ocorrem divergências de posições entre

aqueles, os segundos podem tirar proveito para se fazerem valer, potencializado ainda

190

Page 191: Texto Helio

mais se formadas alianças com países desenvolvidos como caso no do Grupo de

Cairns, ou seja, quando há interesses divididos entre países poderosos, resultados

satisfatórios para os países em desenvolvimento são factíveis (PAGE, 2001: 25-26). Tal

perspectiva é corroborada por Draper & Sally, ao asseverar que, após a Rodada

Uruguai, o tipo de coalizão que passou a predominar foi a chamada coalizão à la carte,

de caráter altamente pragmático, misturando variadas combinações de países em

desenvolvimento assim como com países desenvolvidos, delineando uma minoria de

países em desenvolvimento que passou a tomar parte ativamente na cena multilateral

comercial (DRAPER & SALLY, 2005: 6).

À guisa de ilustração, segue abaixo quadro demonstrativo da expansão da

quantidade de Partes Contratantes do GATT, desde o início da Rodada Kennedy, em

julho de 1964 até ao fim da Rodada Uruguai, em 1986.

191

Page 192: Texto Helio

QUADRO VI ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO

ACESSÃO DE PARTES CONTRATANTES (JULHO DE 1964-DEZEMBRO DE 1994)

ANO DE ACESSÃO

PARTE CONTRATANTE

1964 Malawi, Malta

1965 Burundi, Gâmbia

1966 Guiana, Iugoslávia, Ruanda, Suíça

1967 Argentina, Barbados, Coréia do Sul, Irlanda, Polônia

1968 Islândia

1970 Egito, Ilhas Maurício

1971 Romênia, Zaire

1972 Bangladesh

1973 Cingapura, Hungria

1978 Suriname

1979 Filipinas

1981 Colômbia

1982 Tailândia, Zâmbia

1983 Belize, Maldivas

1986 Hong Kong, México

1987 Antigua e Barbuda, Botswana, Marrocos

1988 Lesoto

1990 Bolívia, Costa Rica, Tunísia, Venezuela

1991 El Salvador, Guatemala, Macau

1992 Moçambique

1993 Bahrein, Brunei Darussalam, Dominica, Eslováquia, Fiji, Mali, Santa Lucia, São

Vicente e Granadinas, Suazilândia

1994 Angola, Djibouti, Granada, Guiné, Guiné-Bissau, Emirados Árabes Unidos,

Eslovênia, Honduras, Ilhas Salomão, Liechtenstein, Papua Nova Guiné,

Paraguai, Qatar, St. Kitts e Nevis

Elaborado a partir de dados disponíveis pela Organização Mundial do Comércio.

192

Page 193: Texto Helio

Vale salientar que, tendo em vista o exposto, do princípio da Rodada Kennedy ao

final da Rodada Uruguai, 65 novas Partes Contratantes acederam ao Acordo Geral,

sendo que desse total, 37 o fizeram no decurso da última Rodada, dos quais 23 em

seus dois anos finais, o que vem a embasar as asserções de Page a respeito da

percepção da importância que países mais frágeis passaram a atribuir à nascente

Organização Mundial do Comércio, aliada ao temor, alegado por Ricupero, de ficar fora

das regras multilaterais e expostos à coerção bilateral. Outro fato de destaque é que, a

partir de 1966, começaram a aceder ao GATT os países comunistas, sendo o primeiro a

Iugoslávia, seguida de Polônia (1967), Romênia (1971) e Hungria (1973), os quais

vieram se juntar à então solitária Tchecoslováquia172.

Portanto, pode-se definir a Rodada Uruguai como o corolário do processo que se

iniciou em fins dos anos 1970, fragmentando a ampla coalizão terceiro-mundista do

Movimento dos Não-Alinhados e do Grupo dos 77, que conheceu seu apogeu naquela

década, ao requerer a Nova Ordem Econômica Internacional.

A reação desencadeada pelas novas lideranças conservadoras na política,

porém liberais no campo econômico, vieram a minar a heterogênea formação dos

países em desenvolvimento, acrescida dos choques sucessivos do petróleo e seus

impactos sobre muitas das combalidas economias de países dependentes do

fornecimento do insumo, muitos já suficientemente endividados pela necessidade de

financiar o próprio crescimento, outros simplesmente para poder pagar as suas próprias

contas relativas à importação do produto. Enquanto os países desenvolvidos iam

conseguindo recuperar-se economicamente e, ao mesmo tempo, percebiam que o

emprego político do petróleo havia sido fortemente superestimado, a cizânia entre os

países em desenvolvimento ia se alastrando, dividindo-os entre os novos ricos do

petróleo, os recém-industrializados do Leste Asiático, os latino-americanos endividados

e uma massa de africanos e outros asiáticos abaixo da linha da pobreza. Culminando

172 Após o desmembramento da antiga Tchecoslováquia, os dois novos Estados, República Tcheca e Eslováquia, foram admitidos automaticamente como Partes Contratantes do GATT, em 1993.

193

Page 194: Texto Helio

tal processo, o outro lado da balança da Guerra Fria dava seus primeiros sinais de

colapso, ao se aventurar nos desertos do Afeganistão e, simultaneamente, defrontar-se

com uma crise econômica sem precedentes, fatores que somados, levariam à ruína da

experiência do socialismo concreto, deixando o campo livre para o “inimigo capitalista”,

que encontrava livre terreno para sua expansão. E essa expansão foi impulsionada

pelo avanço das novas tecnologias, principalmente da informática e da biotecnologia,

que acarretariam na revolução da própria dinâmica capitalista, que passava a se

assentar majoritariamente nos bens intangíveis, inaugurando a economia do

conhecimento.

Compelidos pela crise econômica e defasados pelos novos paradigmas

tecnológicos, além de perderem sua aliada – ao menos em termos retóricos, a União

Soviética – os países em desenvolvimento tiveram que se ater à supremacia dos novos

paradigmas e ao esvaziamento dos fóruns onde esbanjavam sua maioria quantitativa. A

articulação das corporações empresariais, preocupadas em assegurar o retorno de

seus investimentos, cada vez mais elevados, encontrou eco e apoio nos países

desenvolvidos que voltavam a entender o GATT como o foro ideal para regular os

novos temas da dinâmica econômica internacional, especificamente Serviços,

Propriedade Intelectual e Investimentos, considerando ainda a tradição das decisões

por consenso. Graças ao fracionamento da coalizão dos países em desenvolvimento e

à prevalência dos interesses dos grupos em detrimento do bloco outrora unívoco, uma

nova rodada foi lançada que se constituiria como divisor de águas na regulação do

comércio internacional ao inserir os bens intangíveis como temas comerciais e, mais

ainda, transformar as novas regras oriundas desse novo concerto em regulação

positiva, por meio de mecanismos como o single undertaking, ao requerer a adequação

dos regulamentos nacionais e, por conseguinte, relativizando o conceito clássico de

soberania nacional, tendo em vista a opção de restar à margem do quadro regulatório e

seus conseqüentes ônus.

194

Page 195: Texto Helio

Por fim, a emergência da Organização Mundial do Comércio, como sucedânea

do GATT, com sua vastidão de temas, veio a consolidar a perspectiva de múltiplas

coalizões, variáveis em relação aos temas e à composição de seus integrantes,

sepultando a clássica divisão Norte-Sul.

195

Page 196: Texto Helio

Capítulo V

A articulação dos países em desenvolvimento na Conferência de Doha: o caso da flexibilização das regras

de propriedade intelectual

Criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja dinâmica deliberativa

definiu como regra o consenso entre seus Membros173, pelo disposto no Artigo 9.9,

embora a modalidade de votação não tenha sido descartada, a não ser em último caso.

Com isso, esquivou-se da perspectiva de se reproduzir na OMC os mecanismos

encontrados no âmbito das Nações Unidas que permitissem a produção de maiorias

sem a devida efetividade de implementação dos Acordos. E, como visto, a OMC possui

uma série de enforcements que, dificilmente, se coadunariam com processos

deliberativos não consensuais. Consenso é definido como a ausência de objeções dos

Membros presentes, em torno de determinada matéria ou acordo. É fato que o

consenso já prevalecia no antigo GATT, embora o Artigo XXV do Acordo Geral

dispusesse que as deliberações fossem tomadas pelo critério de cada Parte, um voto.

No entanto, como ressalta Narlikar, os países em desenvolvimento jamais se

interessaram em usufruir dessa maioria, principalmente a partir dos anos 1950, quando

começaram a aceder maciçamente ao GATT, com vistas à revisão dos seus termos

(NARLIKAR, 2005: 13). A par, o ambiente advindo do pós-Guerra Fria transformou as

querelas comerciais em conflitos de interesse, os quais propiciam inúmeras

perspectivas de barganha (HIRSCHMAN in LAFER, 1998: 35). Junta-se a esta

condição, a amplitude dos Acordos abrangidos pela OMC, o que faz, inclusive,

diferenciar-se da própria noção de consenso presente à época do GATT e do aumento

do número de Membros (LAFER, 1998: 35). Além do mais, efetivamente, a OMC não

possui qualquer vinculação formal com as Nações Unidas, por se tratar de um Acordo

173 A partir da criação da OMC, os países e territórios aduaneiros pertencentes ao GATT e doravante passaram a ser designados como Membros de uma organização internacional, ratificada por todos, diferentemente do GATT que, por não possuir caráter institucional, denominava-os como Partes Contratantes.

196

Page 197: Texto Helio

revestido de total independência e não guardar, mediante seus próprios dispositivos,

explicitamente, ligação direta com aquele organismo, mas apenas por meio de acordos

de cooperação (SACERDOTI, 1998: 58). Acresce, ainda que, todas as antigas Partes

Contratantes do GATT dispunham de até um ano para optar pelos Acordos da OMC,

renunciando ao Acordo Geral.

Como órgão máximo de deliberação, a Conferência Ministerial da OMC, reunindo

os representantes responsáveis pela negociação das políticas comerciais dos

Membros, a cada dois anos, tornou-se o grande momento de arrancada, ou de

paralisia, das conversações em torno dos avanços dos acordos celebrados desde a

Rodada Uruguai.

A I Conferência Ministerial, ocorrida em Cingapura, em 1996, já significou um

desses momentos quando novos temas começaram a ser ventilados para ser discutidos

no âmbito da Organização. Dentre esses temas, constavam Padrões Trabalhistas (core

labour standards), Investimentos, Concorrência, Transparência em Compras

Governamentais e Facilitação de Comércio.

Padrões Trabalhistas foi levado à pauta da Conferência pelos países

desenvolvidos, particularmente por Estados Unidos e Noruega, que vinculavam,

mormente pelos norte-americanos, a questão da proteção dos trabalhadores, sujeitos a

situações de exploração, ao comércio internacional. Em princípio, defendiam a

liberdade de associação, organização e reivindicação, erradicação do trabalho forçado

e do emprego de mão-de-obra infantil, assim como o fim de toda e qualquer

discriminação no mercado de trabalho. Com efeito, essa pauta refletia a forte

preocupação dos países desenvolvidos pela evidência da avalanche de produtos

vendidos a baixos preços, no mercado desses países, oriundos de países em

desenvolvimento, principalmente de parte da China, Índia e economias de países de

segunda linha do Leste Asiático, como Tailândia, Filipinas, Indonésia, onde a proteção

ao trabalho é bastante tênue ou mesmo inexistente. Como acentua Lafer (1998), trata-

197

Page 198: Texto Helio

se de tema de enorme complexidade por envolver questões éticas, outras relacionadas

à liberdade política, respeito aos direitos humanos e, ça va sans dire, questões de

competitividade comercial, como concorrência desleal. Da parte dos países em

desenvolvimento, a proposição foi percebida como manobra protecionista visando a

impedir a expansão das economias menos desenvolvidas, por meio da introdução de

seus produtos em mercados consumidores de maior vulto (LAFER, 1998: 58). Remete,

ainda, à questão que havia ficado para trás, quando da falência da criação da OIC, sem

a abrangência complexa atual, quando procurava vincular comércio e emprego. O

tema acabou por não ser deliberado nessa Conferência que, a despeito de reconhecer

a relevância do tema, embora considerasse que não possuía viés protecionista,

remeteu-o à competência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), por entender

ser o organismo internacional competente para discutí-lo. No entanto, o tema voltaria à

baila mais adiante e, desde então, a OIT vem tratando sobre a questão (MANSOOR,

2004: 3; HOWSE, 1999: 11).

Quanto aos demais quatro temas, que foram arrolados sob a denominação de

Temas de Cingapura, deliberou-se que deveriam voltar a ser debatidos mais adiante e,

para tal, foram criados grupos de trabalhos para cada um deles. Especificamente

quanto a Investimentos, o Acordo firmado ao final da Rodada Uruguai previa que seus

dispositivos fossem aperfeiçoados até cinco anos após sua vigência, sendo

intimamente relacionados ao tema de Política de Concorrência. Sua adoção plena

significaria a efetiva harmonização multilateral do tema, uma vez que o TRIMS excetuou

os países em desenvolvimento de seu alcance temporariamente, quando da ocorrência

de oscilações na balança de pagamentos, conforme definido pelo Artigo XVIII do GATT-

1994174. Ficou vedado se empregar medidas relacionadas ao comércio que o

distorcessem, por meio da utilização de mecanismos como exigência de conteúdo

nacional ou índice de nacionalização. Além do mais, o TRIMS restringe-se a Bens,

ficando ao largo do seu escopo Serviços e Propriedade Intelectual, temas sensíveis aos

174 O GATT-1994, referente a Bens, foi um dos acordos emergidos da Rodada Uruguai, substituindo o antigo GATT-1947.

198

Page 199: Texto Helio

interesses dos países desenvolvidos. Nesse aspecto, os países desenvolvidos,

pressionados pelas grandes corporações multinacionais ou transnacionais, pleiteiam

pela ampliação do Acordo, em vista de seus interesses globais, enquanto alguns países

em desenvolvimento175 ainda consideram que política de investimentos deva continuar

a ater-se à alçada estrita das soberanias nacionais (LAFER, 1998: 55-56; TROYANO,

1998: 568-572; THORSTENSEN, 2001: 102-104).

Política de Concorrência diz respeito à regulação de monopólios e fornecedores

exclusivos de serviços, por via da harmonização multilateral, remetendo à questão das

Práticas Restritivas ao Comércio da OIC, no âmbito das disciplinas da OMC, porém o

tema é dotado de grande complexidade por se entrelaçar com questões relativas a

dumping, propriedade intelectual, investimentos, monopólios estatais, assim

configurando, da mesma forma, intenso debate entre países desenvolvidos e alguns

países em desenvolvimento, como Índia, Paquistão, Egito e membros Associação das

Nações do Sudeste Asiático (ASEAN)176 (LAFER, 1998: 56; THORSTENSEN, 2001:

334-338).

Transparência em Compras Governamentais revelava a preocupação dos

Estados Unidos com o baixo índice de adesão ao Acordo Plurilateral de Compras

Governamentais, aceito por pouco mais de 20 países, bem como a questão da

corrupção e do restrito acesso à capacidade compras efetuadas pelo setor público.

Depreende-se, daí, que fica criada a confusão entre transparência e acesso a

mercados, separando as posições dos países desenvolvidos e, mais uma vez, alguns

países em desenvolvimento (LAFER, 1998: 74; THORSTENSEN, 2001: 344).

Por fim, Facilitação de Comércio significa a simplificação de procedimentos

alfandegários, por meio da padronização e harmonização de documentações e outros

175 Explicitamente, opunham-se ao Acordo Índia, Paquistão, Bangladesh, Malásia, Indonésia, Zimbábue, Tanzânia, Quênia e Cuba (LAFER, 1998: 56). 176 Integram a ASEAN Brunei Darussalam, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar (ex-Birmânia), Tailândia e Vietnam.

199

Page 200: Texto Helio

códices relativos ao comércio internacional. Novamente, o tema era requerido pelos

países desenvolvidos e os países em desenvolvimento detentores de competitividade

em suas exportações, em oposição àqueles que alegavam não ter condições de

implantar as reformas exigidas (THORSTENSEN, 2001: 346-350).

Com a conclusão dos Acordos da Rodada Uruguai, predominava a noção de que

novas rodadas não seriam mais necessárias e, que, portanto, caberia à OMC,

ordinariamente, levar avante as questões relativas ao comércio internacional. E, assim

aconteceu na chamada abordagem pós-Rodada Uruguai – diferentemente da

conclusão das rodadas do antigo GATT, quando tudo retornava à calmaria até que

nova onde protecionista agitasse a todos – pois diversos acordos setoriais continuaram

a ser negociados e concluídos (SCHOTT, 1998: 5-6). Todavia, em 1997, a

Comunidade Européia começaria a aventar a possibilidade da eventual abertura de

uma nova Rodada de Negociações Multilaterais. O objetivo consistiria em inserir novos

temas que viriam a ampliar seu poder de barganha, frente às investidas sobre questões

que eram a ela particularmente sensíveis, como a liberalização agrícola (AMORIM,

2000: 103).

A II Conferência Ministerial, realizada em Genebra, em 1988, culminou com as

comemorações do 50º aniversário do sistema multilateral de comércio, marcado pela

entrada em vigor do antigo Acordo Geral bem como reiterar os princípios da OMC, além

de definir o Programa de Trabalho da III Conferência.

A III Conferência Ministerial, ocorrida em Seattle, em 1999, tinha como hipótese

de trabalho lançar uma nova Rodada de Negociações Multilaterais, denominada de

Rodada do Milênio. Marcada por tumultos generalizados de rua, promovidos pelos

movimentos contrários à globalização, a Conferência se encerrou melancolicamente,

diante das abissais divisões que deram o tom das posições dos Membros, bem como

da rebelião maciça dos países menos desenvolvidos. Em relação à esta última causa,

sempre foi habitual a prática no antigo GATT do Green Room, ou seja, a realização de

200

Page 201: Texto Helio

reuniões fechadas em que pouco mais de quinze países – os mais atuantes e

poderosos – tomavam as decisões, que acabavam sendo aceitas pelos demais, em

troca de alguma compensação (THORSTENSEN, 417-418). A par disso, não se

encontrava consenso em qualquer um dos temas que comporiam o mandato

negociador da nova Rodada. Assim sendo, tanto em temas tradicionais quanto em

relação aos novos temas, nenhuma posição se aproximava177.

No que tocava aos temas já tradicionais, em Agricultura, por exemplo, o Grupo

de Cairns insistia em avançar na liberalização do comércio agrícola, visando a resgatar

o propósito inicial da Rodada Uruguai, inviabilizado pelo Acordo de Blair House entre

Estados Unidos e Comunidade Européia. Esta, por sua vez, radicalizava ainda mais

sua posição, ao desejar introduzir os conceitos de multi-funcionalidade e bem-estar

animal, que os países em desenvolvimento entendiam como manobra diversionista, de

puro caráter protecionista, que evitaria maiores pressões sobre a abertura de seu

mercado. Havia, ainda, no âmbito da Agricultura, mais um tema a causar celeuma, só

que, desta feita, divergiam Estados Unidos e Comunidade Européia por conta do

acesso a mercados dos produtos geneticamente modificados, que esta vedara por meio

da decretação de moratória para esse tipo de produto. Em Serviços, os países

desenvolvidos demandavam por maior liberalização de setores em áreas de profundo

interesse e altamente promissoras em relação aos mercados dos países em

desenvolvimento, como Bancos e Finanças, Telecomunicações, Consultoria e

Transportes e a abertura de negociações para o setor marítimo. Em Acesso a Mercado

de Bens, reproduzia-se a mesma polarização entre os dois campos, em que os países

desenvolvidos visavam à redução de barreiras tarifárias, enquanto os países em

desenvolvimento, em de busca de proteção às suas indústrias domésticas, alegavam

que ainda se encontravam em fase de adaptação às novas regras definidas na última

rodada. Alguns desses temas, para poder concluir a Rodada Uruguai, foram deixados

para negociação futura, chamados de built-in-agenda.

177 A narrativa que se segue, relativa aos acontecimentos que precederam à III Conferência Ministerial está baseada em Thorstensen (2001: 409-412).

201

Page 202: Texto Helio

Por outro lado, havia as demandas específicas dos países em desenvolvimento,

como aquelas relacionadas às chamadas Medidas de Implementação dos Acordos da

Rodada Uruguai, ao reclamar por avaliações e modificações dos Acordos, como as

cláusulas de tratamento especial e diferenciado. Na percepção desses países, tais

prerrogativas estariam sendo ignoradas pelos países desenvolvidos, os quais, por sua

vez, aceitavam apenas proceder à identificação dos entraves encontrados, sem

necessariamente supor que se devesse efetuar qualquer tipo de revisão.

Em relação aos novos temas, os dois mais polêmicos Temas de Cingapura, isto

é, Investimentos e Concorrência, igualmente causavam divisões, como desde a própria

Conferência Ministerial que lhes atribuiu o nome. Ambos os temas eram de principal

interesse da Comunidade Européia, que requeria suas respectivas harmonizações,

visando a discipliná-los no âmbito da OMC. Especificamente, no caso de

Investimentos, considerava ser necessário que houvesse compatibilidade dos diversos

acordos existentes com as regras da Organização, assim como garantir proteção aos

investimentos internacionais. Já no caso de Política de Concorrência, definir

multilateralmente as regras a respeito de concorrência desleal.

Padrões Trabalhistas, tema que havia sido considerado de competência da OIT,

voltava à cena, sob pressão dos sindicatos norte-americanos e europeus, que se

sentiam ameaçados pela concorrência derivada tanto da importação de produtos

quanto da mobilização de indústrias para países onde a proteção ao trabalho e as

condições salariais lhes seriam desvantajosas, com o conseqüente aumento do

desemprego local. No outro espectro, os países em desenvolvimento percebiam a

reintrodução da questão como mais uma manifestação do protecionismo dos países

desenvolvidos. Semelhante percepção era estendida ao tema relativo a Meio

Ambiente, o qual os países desenvolvidos buscavam correlacionar mais rigorosamente

com as questões comerciais, em atenção às preocupações ambientais de suas

sociedades.

202

Page 203: Texto Helio

Antes mesmo da realização da Conferência, como afirma Amorim (2000) –

diferentemente das vezes anteriores, quando se buscava aproximar posições nas

reuniões preparatórias e encontros prévios – nos ocorridos em Budapeste e Lausanne,

desta feita, deu-se o enrijecimento de posições, não havendo clima adequado para

negociações (AMORIM, 2000: 107). Assim, diante de tantos impasses e posições

exacerbadas, acrescidos das manifestações de rua que chegaram mesmo a impedir o

acesso dos Ministros à sede do evento, a Conferência foi suspensa ao terceiro dia sem

emitir sequer Declaração Final.

Evidentemente que a causa a que mais se deu destaque para o fiasco da

Conferência de Seattle foi a mobilização das organizações não-governamentais e dos

movimentos anti-globalização, os quais, por sua vez, cantaram vitória e entoaram loas à

supostamente previsível morte da OMC. Os artigos publicados no Le Monde

Diplomatique por militantes desses movimentos eram iniciados por expressões como

“Après la victoire de Seattle, il faut maintenant construire un autre avenir” (PETRELLA, 2000: 6) ou,

ainda, “Le succés du mouvement civique à Seattle...” (GEORGE: 2000: 4). Contudo, outras

análises dão conta que muito mais críticas foram as condições inerentes à própria

dinâmica institucional da OMC, herdada do GATT, que ainda não soubera proceder à

transição para uma organização mundial, levando a Conferência ao fracasso, como a

exclusão da maior parte dos países de menor desenvolvimento relativo, com reduzido

poder de barganha, que, então, resolveram alterar as regras do jogo (AMORIM, 2000:

113-114; THORSTENSEN, 2001: 417-418; SCHOTT, 2000: 5-6).

Após o abalo, a OMC retornaria à normalidade no início de 2000, procurando

efetuar o balanço dos acontecimentos e analisar as providências que deveriam ser

tomadas no sentido de corrigir os rumos que se faziam necessários, principalmente no

tocante à questão da participação dos países mais frágeis, visando à maior inserção no

processo decisório, assim como tratar outro assunto crucial, que se constituía

igualmente alvo de críticas, que era a ausência de transparência, ambos interligados.

No primeiro caso, deliberava-se por proporcionar maior acesso a mercados aos países

203

Page 204: Texto Helio

de menor desenvolvimento relativo, por meio da ampliação dos mecanismos

preferenciais a eles disponíveis, embora eles almejassem a liberalização total para seus

produtos. Os países desenvolvidos ofereceram isenções para produtos mais sensíveis,

frustrando os países menores e, ainda, desagradando os países em desenvolvimento,

preocupados que a medida pudesse vir a causar algum tipo de distorção comercial178.

Quanto à transparência, problema de múltiplas dimensões, pois envolvia questões

relacionadas ao processo decisório da organização, por meio do consenso, assim como

a dinâmica das reuniões informais, ou o Green Room. No primeiro caso, a regra foi

mantida, porém sem conseguir solucionar a questão da participação de todos. No

segundo, definiu-se que as reuniões continuariam, mas comunicadas a todos os

Membros e seguidas da divulgação de seus resultados. Outra dimensão referia-se à

participação de outras organizações internacionais intergovernamentais e das

organizações não-governamentais, encontrando-se, nesse aspecto, divididos os países

desenvolvidos e os em desenvolvimento. No caso das primeiras organizações citadas,

os países desenvolvidos, advogavam pela presença ampla, enquanto os países em

desenvolvimento eram partidários do acesso restrito e, quanto às organizações não-

governamentais, do mesmo modo, os países desenvolvidos defendiam a participação

irrestrita enquanto os países em desenvolvimento, ao contrário, se opunham à

presença destas organizações por considerar que tal situação iria dificultar o

entendimento em torno de posições negociadas, já que estariam sob vigilância e

pressão (THORSTENSEN, 2000/2001: 124-127).

Os preparativos para a IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do

Comércio se iniciaram sob o impacto do fracasso do lançamento da Rodada do Milênio.

Delegações dos então 142 Membros começaram a discutir os pontos constantes da

agenda de antemão com uma dúvida primordial, qual fosse, se se deveria lançar uma

nova Rodada de Negociações Multilaterais ou discutir a implementação dos acordos

178 Outra questão de relevância para os países de menor desenvolvimento relativo refere-se à capacitação de pessoal técnico requerida para participar e acompanhar das reuniões da OMC, decidindo-se por uma série de providências nesse sentido, como, por exemplo, aumento de recursos destinados a treinamento (THORSTENSEN, 2000/2001: 125).

204

Page 205: Texto Helio

existentes e, mais uma vez, verificavam-se divergências de posições de países e blocos

a respeito, assim como em relação aos temas que constariam da agenda.

De uma parte, Comunidade Européia, Noruega, Suíça, Japão e Coréia do Sul

defendiam a realização de nova Rodada, com inclusão ampla de temas como meio

ambiente e padrões trabalhistas, visando a garantir suas posições de competitividade,

além de avaliarem que novos temas serviriam para contrabalançar a pressão sobre

Agricultura e Serviços. De outra parte, os Estados Unidos, ainda sem dispor da

autorização do Congresso para novas negociações comerciais, defendiam a realização

da rodada, porém com alcance restrito a alguns temas como Agricultura, Serviços, Bens

Não-Agrícolas, Facilitação de Comércio e Comércio Eletrônico, todos de interesse dos

exportadores americanos. No entanto, não aceitavam Meio Ambiente e recusavam-se

a discutir Anti-dumping, ponto extremamente sensível para os interesses industriais do

país e alvo constante das demandas de países exportadores com alto grau de

competitividade, como o Brasil e o Japão, em setores defasados da produtividade

norte-americana. Da parte de alguns países desenvolvidos, em geral caracterizados

por comportamento mais aguerrido nas negociações, como Índia, Egito, Paquistão e

Malásia, encontravam-se posições mais reticentes ao lançamento de nova rodada,

condicionando sua concordância desde que, primeiramente, fossem implementados os

Acordos da Rodada Uruguai e, mesmo assim, sem a introdução de novos temas. E,

por fim, outro grupo de países em desenvolvimento, composto de Brasil, Argentina e

México, tinha interesse nos temas relacionados à Agricultura, bem como negociação e

revisão de acordos existentes como Anti-dumping, Subsídios e TRIMS, mas guardavam

cautela ou reserva sobre Serviços, Meio Ambiente e Padrões Trabalhistas,

considerando os dois últimos como ocultação de medidas protecionistas da parte dos

países desenvolvidos.

E novamente a ciranda das divergências em torno dos mesmos pontos voltava a

girar. Nos chamados “Velhos Temas” como em Agricultura, se repetia o confronto entre

os protecionistas, integrados pela Comunidade Européia, Noruega, Suíça, Japão e

205

Page 206: Texto Helio

Coréia do Sul, e os que defendiam a liberalização, capitaneados pelo Grupo de Cairns.

Em Têxteis e Vestuário, opunham-se os países exportadores, que alegavam poucos

ganhos derivados do Acordo da Rodada Uruguai, como Índia, Paquistão, Japão, Hong

Kong e os países membros da ASEAN, aos Membros da OCDE, todos importadores.

Em Bens Não-Agrícolas, os países desenvolvidos seguiam praticando picos tarifários

para proteger alimentos e têxteis enquanto os países em desenvolvimento iam

procurando manter seus próprios níveis de tarifas, considerados demasiadamente altos

pelos primeiros. Quanto a Serviços, o bloco dos países desenvolvidos, liderados por

Comunidade Européia e Estados Unidos, na condição de principais exportadores,

visava aos grandes mercados consumidores, como os de Brasil e Índia que, portanto,

mostravam-se fortemente resistentes. Em Regras de Comércio, como Anti-dumping,

Subsídios e Salvaguardas, instalava-se o confronto entre Estados Unidos, Comunidade

Européia, Canadá e Austrália, como utilizadores, em contraposição a Japão, Coréia,

membros da ASEAN e Hong Kong, que são exportadores de produtos industrializados.

Outra questão polêmica, dada a crescente incidência, era a respeito dos Acordos

Regionais onde se abria o confronto entre Comunidade Européia, os integrantes do

North American Free Trade Association (NAFTA) e o Mercosul contra membros

independentes como Japão, Hong Kong, Coréia e Índia, que se sentiriam prejudicados

pelas barreiras desses blocos. Em Propriedade Intelectual, acirravam-se as disputas

entre países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno das polêmicas sobre

microorganismos, acesso a medicamentos e proteção da biodiversidade.

Quanto aos chamados “Novos Temas”, ocorria a polarização entre países

desenvolvidos e em desenvolvimento quanto aos Temas de Cingapura (Investimentos,

Concorrência, Transparência em Compras Governamentais e Facilitação de Comércio),

bem como Comércio Eletrônico e, em relação a Padrões Trabalhistas e Meio Ambiente,

havia o receio dos países em desenvolvimento de que se constituíssem, a partir de sua

inserção ou aprofundamento, novas barreiras ao comércio.

206

Page 207: Texto Helio

Em outubro de 2001, o Embaixador Stuart Harbinson, de Hong Kong e Chairman

do Conselho Geral, lançava os documentos preliminares à Conferência, quais fossem, o

referente às Medidas de Implementação dos Acordos da Rodada Uruguai e o draft da

Declaração Ministerial que conteria os termos das negociações, o qual imediatamente

sofreria ácidas críticas, principalmente no capítulo referente à Agricultura, por não ter

sido do agrado dos países em desenvolvimento, que alertaram que, sem negociações

agrícolas efetivas, não haveria Rodada. Residia a principal crítica no fato de o

documento estar redigido de forma que apontava para negociações de longo prazo e

graduais. Em meados do mesmo mês, representantes de 22 Membros reuniam-se em

Cingapura, em busca de acordo que viabilizasse o lançamento de nova Rodada de

Negociações Multilaterais, durante a IV Conferência, manifestando o temor que novo

fracasso ocorresse caso as negociações não chegassem a bom termo, o que poderia

colocar em causa a própria existência da Organização, pela impossibilidade de atingir

resultados palpáveis e concretos para atingir maior grau de liberalização do comércio

mundial.

Dentre todos os pontos divergentes, havia um que acabou por extrapolar as

negociações intramuros da OMC e foi alçado à condição de campanha pública mundial,

aquele que tratava sobre acesso a medicamentos e sua relação com o TRIPS.

Justamente, desde fins de 1996, o Brasil tornou legalmente obrigatória a

distribuição de medicamentos anti-retrovirais aos portadores de HIV/AIDS, lançados

comercialmente no início do ano anterior179. O inédito programa – para os padrões

brasileiros de atenção à saúde pública – desenvolvido pela Coordenação Nacional de

DST/AIDS do Ministério da Saúde, englobando também atendimento ambulatorial pela

rede pública, acompanhamento da evolução do tratamento através de exames

laboratoriais de última geração, assim como campanhas de prevenção à contaminação

e de adesão ao tratamento, passou a receber elogios e reconhecimento da comunidade

médica nacional e internacional, de organismos internacionais (Nações Unidas e 179 Lei nº 9.313 de 13 de novembro de 1996.

207

Page 208: Texto Helio

Organização Mundial da Saúde) e de organizações não-governamentais. Como

resultado da ação governamental, os índices de mortalidade da doença decresceram

sensivelmente, assim como permitiram uma sobrevida qualitativamente elevada aos

seus portadores, tanto sintomáticos quanto assintomáticos180. Buscando escapar ao

monopólio dos laboratórios multinacionais produtores desses medicamentos, o

Ministério da Saúde, através da Rede de Laboratórios Farmacêuticos Oficiais, passou a

produzir substitutos genéricos. Os medicamentos anti-retrovirais, produzidos

localmente, não afrontavam as regras do TRIPS, uma vez que todos foram

desenvolvidos anteriormente à Lei de Propriedade Intelectual de 1997181.

No caso dos medicamentos surgidos – e protegidos – após a introdução dessa

regra legal, o Ministério da Saúde valeu-se dos dispositivos previstos nos artigos 68 e

71 da referida Lei, para instar aos laboratórios multinacionais a reduzirem seus preços

para o Brasil182. Dessa forma, brandindo a combinação desses dois artigos, o Governo

brasileiro obteve a redução de preços de alguns medicamentos novos, que considerava

abusivos, assim como utilizou seu poder de compra e a mobilização causada pelo êxito

de seu programa de atenção183.

Ainda que tendo alcançado sucesso em obter a redução dos preços destes

medicamentos, sempre através de negociações com os laboratórios farmacêuticos, tal

feito não impediu que os Estados Unidos abrissem um painel na Organização Mundial 180 Ver dados da Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde do Brasil. In: www.aids.gov.br 181 De um total de então 12 medicamentos componentes do esquema de controle do HIV, à época, o Brasil produzia sete deles, sendo o restante diretamente adquirido dos laboratórios produtores, que são patenteados inclusive no Brasil, já em consonância com a nova legislação. 182 Reza o artigo 68 que será dado o licenciamento compulsório caso não se tenha iniciada a produção interna da tecnologia patenteada, após três anos da concessão, desde que se configure a existência de abuso do poder econômico. Já o artigo 71 permite que tal licenciamento seja feito em situações de emergência nacional ou de interesse público, regulamentado pelo Decreto nº 3.201 de 06/10/99, que delimita a licença compulsória de patente, nos casos citados, apenas para uso público não-comercial. No caso da aplicação de ambos os artigos, está garantido o direito de recurso à Justiça e o pagamento de royalties, em conformidade às regras do TRIPS. 183 Tal pode ser exemplificado nos acordos obtidos com a Merck, que reduziu o preço do Efavirenz em 59% e, logo depois, quando do último embate com o laboratório suíço Roche, que comercializa o medicamento Nelfinavir, sob licença da Pfizer para fora do mercado americano, obtendo uma redução em torno de 58%, além da promessa de seria iniciada a produção local pela Roche em futuro breve.

208

Page 209: Texto Helio

209

do Comércio, em janeiro de 2001, no último dia da Administração Clinton, acusando a

lei brasileira e, em particular o artigo 68, de violar as regras do TRIPS e ameaçar os

investimentos realizados pelos laboratórios, mesmo não tendo o Brasil, até então, se

utilizado efetivamente dessa prerrogativa para “quebrar patentes”184. Repetia-se,

assim, a força do lobby dos laboratórios farmacêuticos sobre o Governo americano, a

exemplo do ocorrido durante as negociações para a definição da agenda da Rodada

Uruguai. Após negociações bilaterais, Brasil e Estados Unidos – já na Administração

George W. Bush – chegaram a um entendimento sobre a questão: o Brasil avisaria aos

Estados Unidos, com antecedência, de sua eventual intenção de “quebrar uma patente”

e estes retiraram sua queixa em junho, não sem antes consultar a indústria

farmacêutica185. Ademais, o Brasil estava preparando ação idêntica contra aquele país,

para demonstrar que a lei de propriedade intelectual norte-americana continha

dispositivos idênticos à brasileira. Teria contado, também, o peso da opinião pública,

refletida em editorial do New York Times, em apoio ao Brasil. De fato, o temor

americano consistia em que outros países em desenvolvimento pudessem seguir o

exemplo brasileiro e adotassem o mesmo mecanismo na fase de adequação de suas

legislações nacionais enquanto, por sua vez, as empresas temiam que os próprios

países desenvolvidos questionassem os preços praticados nos respectivos mercados

internos. Como exemplo, a Tailândia, onde a epidemia alcança elevado índice de

morbi-mortalidade e onde são realizados testes-piloto de desenvolvimento de vacina

anti-HIV, já havia ameaçado os laboratórios com o recurso à licença compulsória, tendo

obtido redução de preços superior à esperada.

184 Tecnicamente, o termo “quebrar patentes”, empregado vulgarmente, é inadequado, pois pressupõe uma supressão total e definitiva de direitos, equivalente a confisco ou cassação, o que não é o caso, pois mesmo em caso de aplicação de licença compulsória, é devido o pagamento de royalties ao titular da invenção, sendo ainda tal situação de caráter temporário. 185 Quando o Ministério da Saúde do Brasil ameaçou a Roche com o licenciamento compulsório para a produção do Nelfinavir, o laboratório protestou alegando que, pelos termos desse acordo, o Governo americano deveria ter sido avisado, pois a patente é americana e pertence a Pfizer. O Brasil retrucou o argumento, uma vez que sua relação era com a Roche e que se estava invocando o artigo 71, que não havia sido objeto do acordo e sim o artigo 68.

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210

Enquanto se desenrolava a disputa entre Brasil e Estados Unidos no âmbito da

OMC, outro embate se dava, sendo, dessa vez, entre os laboratórios produtores e o

Governo da África do Sul. O país reconhecia patentes para substâncias farmacêuticas

desde 1978, por meio do Patents Act nº 57. Todavia, com a adoção, em 1997, do

Medicines and Related Substances Control Act Amendments, ficava permitida a

produção local ou importação de medicamentos genéricos, mesmo que protegidos pela

legislação anterior. Em reação, 39 laboratórios186 questionaram a legalidade da

Emenda junto à Suprema Corte de Apelação, alegando ser ela contrária aos princípios

do TRIPS, do qual é o país signatário. Com a atuação do Brasil e o recrudescimento da

epidemia em toda a África subsaariana e, em especial na África do Sul, a ação ganhou

repercussão internacional quando da ocorrência do julgamento em março de 2001. O

Governo sul-africano recebeu apoios de toda a ordem como da Cruz Vermelha

Internacional, do New York Times e, concretamente, da Índia, que se propôs a fornecer

matérias-primas, e do Brasil, que ofereceu tecnologia de formulação187. Sob intensa

pressão das organizações não-governamentais e da opinião pública em geral, os

laboratórios retiraram a ação em troca da garantia do Governo sul-africano de respeitar

as regras multilaterais188. A mobilização das ONGs também colocou em evidência os

altos custos do tratamento anti-HIV nos países desenvolvidos. Segundo avaliação da

firma IMS Health, de um total de US$ 317,2 bilhões gastos em medicamentos, em geral,

186 Dos 39 laboratórios, três eram grandes produtores de medicamentos anti-retrovirais: GlaxoSmithKline, Merck e Bristol-Myers Squibb. 187 O fornecedor de medicamentos genéricos anti-HIV é uma empresa privada indiana, Cipla LTD, que os oferecia a países africanos a valores 40% mais baratos do que a proposta feita pelas multinacionais, e é a mesma da qual o Brasil importa matéria-prima para a produção dos genéricos formulados localmente. Como já dito, a Índia, em conformidade com as regras do TRIPS, terá reconhecido patente para medicamentos em 2005, estando livre para comercializá-los aqueles fora do alcance dessa data. Porém, ao mesmo tempo em que oferece medicamentos aos países em desenvolvimento, a Índia sofre críticas por não ter uma política de atenção aos portadores de HIV/AIDS do país, o que motiva os laboratórios multinacionais a afirmar que a empresa não estaria preocupada com os doentes de AIDS, mas apenas interessada em conquistar mercados, embora caiba ressaltar que se trata uma empresa privada. Nessa disputa, na mesma semana em que ocorria o julgamento na África do Sul, a Cipla pedia formalmente licença ao governo desse país para exportar medicamentos anti-retrovirais. 188 Enquanto isso, esses mesmos laboratórios negociavam a redução de preço dos medicamentos com outros países africanos como Senegal e Costa do Marfim, e outros ainda, como Quênia e Etiópia, declararam a AIDS emergência nacional, como primeiro passo para a importação de medicamentos genéricos.

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211

no mundo em 2000, 88% desse valor o foram nos Estados Unidos, Europa e Japão189,

desgastando ainda mais sua imagem também nos países desenvolvidos.

Em abril, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, durante sua 57ª

Sessão Anual, aprovava moção apresentada pelo Brasil, por 52 votos, com a solitária

abstenção dos Estados Unidos, considerando acesso a medicamentos como direito

fundamental, conforme transcrita parcialmente abaixo:

“1.Estime que l’accès aux médicaments, dans le contexte de pandémies telles que celle de VIH/sida, est un des éléments essentiels pour la réalisation progressive du droit de chacun de jouir pleinement du droit au meilleur état de santé physique et mentale qu’il est capable d’atteindre;

2.Invite les États à mettre en œuvre des mesures, conformément au droit international applicable, y compris les accords internationaux auxquels ils ont adhéré, qui contribueraient:

a) À mettre à disposition, en quantités suffisantes, des produits pharmaceutiques et des techniques médicales servant à traiter des pandémies telles que celle de VIH/sida ou les infections opportunistes les plus courantes qui y sont associées;

b) À offrir à tous, y compris aux secteurs les plus vulnérables de la population, la possibilité d’avoir accès sans discrimination à ces produits pharmaceutiques et techniques médicales, à un prix abordable pour tous, y compris les groupes socialement défavorisés;

c) À donner la certitude que les produits pharmaceutiques ou techniques médicales servant à combattre des pandémies telles que celle de VIH/sida ou les infections opportunistes les plus courantes qui y sont associées, quels que soient leur source et pays d’origine, sont scientifiquement et médicalement appropriés et de bonne qualité“190.

189 Conforme dados do IMS Word Review 2000. In: http://www.ims-global.com/ insight/news_story/0103/ news_story_010314.htm 190 Cf. Resolução E/CN.4/RES/2001/33 da Comissão de Direitos do Homem das Nações Unidas, intitulada Accès aux médicaments dans le contexte de pandémies, telles que celle de VIH/sida, 71e seance, 23 avril 2001.

Page 212: Texto Helio

212

Em maio de 2001, também a Organização Mundial da Saúde apoiaria a causa

defendida pelo Brasil, aprovando moção, durante sua Assembléia Geral, conclamando

a todos os Estados Membros a...

“(8) to support, encourage and provide incentives for increased investment in research related to HIV/AIDS, including social and behavioural research, and in the development of new preventive and therapeutic approaches and technologies, including in particular HIV/AIDS vaccines and microbicides;

(…)

(10) in order to increase access to medicines, to cooperate constructively in strengthening pharmaceutical policies and practices, including those applicable to generic drugs and intellectual property regimes, in order further to promote innovation and the development of domestic industries consistent with international law;”191.

No mês seguinte, em junho, a Assembléia Geral das Nações Unidas promovia

Sessão Especial sobre HIV/AIDS, cuja Declaração Final afirmava a prioridade do

acesso a tratamento, nos trechos que se seguem:

“15. Recognizing that access to medication in the context of pandemics such as HIV/AIDS is one of the fundamental elements to achieve progressively the full realization of the right of everyone to the enjoyment of the highest attainable standard of physical and mental health;

16. Recognizing that the full realization of human rights and fundamental freedoms for all is an essential element in a global response to the HIV/AIDS pandemic, including in the areas of prevention, care, support and treatment, and that it reduces vulnerability to HIV/AIDS and prevents

191 Cf. Fifty-Fourth World Health Assembly WHA 54.10 Agenda 13.6, 21 May 2001 Scaling up the response to HIV/AIDS.

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213

stigma and related discrimination against people living with or at risk of HIV/AIDS;

17. Acknowledging that prevention of HIV infection must be the mainstay of the national, regional and international response to the epidemic; and that prevention, care, support and treatment for those infected and affected by HIV/AIDS are mutually reinforcing elements of an effective response and must be integrated in a comprehensive approach to combat the epidemic;

18. Recognizing the need to achieve the prevention goals set out in this Declaration in order to stop the spread of the epidemic and acknowledging that all countries must continue to emphasize widespread and effective prevention, including awareness-raising campaigns through education, nutrition, information and health-care services;

19. Recognizing that care, support and treatment can contribute to effective prevention through increased acceptance of voluntary and confidential counselling and testing, and by keeping people living with HIV/AIDS and vulnerable groups in close contact with health-care systems and facilitating their access to information, counselling and preventive supplies;”192.

O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, em seu Relatório de

Desenvolvimento Humano do ano de 2000, chegou a defender a suspensão do

pagamento de royalties, em caso de interesse público.

Apertando o cerco contra os laboratórios, organizações não-governamentais,

militantes da causa da AIDS ou da saúde pública e dos direitos humanos, como a

“Médicos sem Fronteiras”, Oxfam Internacional, Third World Network, Human Rights

Watch e outras, desencadearam uma campanha mundial em apoio ao Brasil e aos

demais países em desenvolvimento em sua luta contra a AIDS, acusando-os de

estarem apenas interessados em lucros e indiferentes à vida humana. Durante o

processo judicial corrido na África do Sul, militantes de diversas ONGs atuaram

192 Cf. Declaration of Commitment on HIV/AIDS "Global Crisis — Global Action" United Nations General Assembly Special Session on HIV/AIDS June 25-27 2001.

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214

ativamente, pela imprensa ou pela Internet, na mobilização da opinião pública. A ONG

“Médicos sem Fronteiras” lançou campanha pelo acesso a medicamentos a baixo custo,

anunciando que iria adquirir medicamentos genéricos fabricados por empresas

indianas. Durante a reunião ordinária do Conselho do TRIPS, na OMC, em junho de

2001, voltada para debater a questão de acesso a medicamentos e a relação com a

propriedade intelectual, mais de cem organizações não-governamentais divulgaram

declaração em apoio à revisão dos termos do Acordo multilateral.

A solicitação de inclusão do tema na reunião ordinária do Conselho do TRIPS foi

feita pelos 41 países africanos que são membros da OMC, com vistas a abrir as

discussões preparatórias para a IV Conferência Ministerial da OMC, que viria a ser

realizada em Doha, Catar, em novembro. Dois documentos foram apresentados para o

debate, sendo um pela Comunidade Européia e, outro, por um grupo de países em

desenvolvimento193. O documento europeu considerava que o TRIPS, em seu

conteúdo, abria possibilidades para a flexibilização de sua aplicação não carecendo de

revisão, mesmo que tais exceções não fizessem menção explícita à saúde pública.

Reiterava, também, a importância da garantia dos direitos de propriedade intelectual

para o estímulo à criatividade e à inovação, inclusive, no tocante a novos

medicamentos. O documento concluía afirmando que melhorias das condições de

saúde pública deveriam ser integradas por políticas e ações de ordem social,

econômica e sanitária, que se complementariam entre si, atendo-se o TRIPS à questão

de acesso a medicamentos, não podendo, portanto, ser o Acordo responsabilizado pela

crise de saúde pública dos países em desenvolvimento, reiterando a disposição da CE

em colaborar para sua resolução194. Já o documento dos países em desenvolvimento

afirmava, em seu preâmbulo, que a questão sobre TRIPS e saúde pública não

193 Barbados, Bolívia, Brasil, Equador, Filipinas, Grupo Africano, Honduras, Índia, Indonésia, Jamaica, Paquistão, Paraguai, Peru, República Dominicana, Sri Lanka, Tailândia e Venezuela. O Grupo Africano (Membros da OMC) englobava, à época, 41 dos 53 países do continente. 194 Documento IP/C/W/280 12 de junho de 2001 (01-2903). In: www.wto.org

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215

constituía fato isolado, mas que integrava um processo que deveria assegurar aos

Membros da OMC que o dito Acordo não minaria o direito dos Membros de formular

suas próprias políticas de saúde pública bem como o de adotar medidas para sua

proteção. Embora considerassem que o TRIPS permitia a implementação de políticas

de saúde pública, seria necessário explicitar os pontos onde isto parecesse obscuro,

ampliando sua flexibilidade. Prosseguia invocando todas as manifestações em torno

dos efeitos do TRIPS sobre a saúde pública e os apoios recebidos à causa da

flexibilização: o affair sul-africano, as resoluções da OMS e das Nações Unidas, a XI

Cúpula de Chefes de Estado e Governo do Grupo dos Quinze (G-15)195 e, finalmente, o

apoio de organizações não governamentais como a “Médicos Sem Fronteiras”, Oxfam e

Consumers International. Tratava-se de um documento político, mas também técnico,

pois esmiuçava, artigo por artigo, os ditames do TRIPS que impediriam maior

desenvoltura nas questões pertinentes às políticas de saúde pública. Um dos termos

mais contundentes é o que, ao tratar do Artigo 7, afirmava que os direitos de

propriedade intelectual não existiam no vácuo, mas que se suporia beneficiarem a

sociedade como um todo e não apenas a garantir direitos privados. E, por fim,

declarava que, onde os proprietários de patentes falhassem em cumprir os objetivos do

TRIPS e de políticas de saúde pública, os Membros poderiam tomar medidas para

garantir a transferência e a disseminação de tecnologias que melhor proporcionassem

acesso a medicamentos196.

Em setembro, já com vistas à formulação do draft da Declaração Ministerial a ser

discutido em Doha, novamente reuniu-se o Conselho do TRIPS. Desta feita, três foram

os projetos apresentados, sendo o primeiro o dos países em desenvolvimento,

acrescido das adesões de Bangladesh, Cuba e Haiti; o segundo, de um grupo de

países desenvolvidos (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão e Suíça) na primeira

195 O G-15 foi constituído em 1989 com o objetivo de promover a cooperação Sul-Sul e o diálogo Norte-Sul sobre comércio, investimento e tecnologia. È composto por Argélia, Argentina, Brasil, Chile, Egito, Índia, Indonésia, Jamaica, Malásia, México, Nigéria, Peru, Quênia, Senegal, Sri Lanka, Venezuela e Zimbábue. A XI Cúpula realizou-se em Jacarta, Indonésia, em maio de 2001. 196 Documento IP/C/W/296, 19 de junho de 2001. In: www.wto.org

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216

parte e, na segunda parte, apresentado por Canadá, Estados Unidos, Japão, Nova

Zelândia, República Tcheca e Suíça; o terceiro, de Hong Kong-China, que tratava

especificamente da questão de licença compulsória. A peça principal do primeiro

documento afirmava que

“…Nothing in the TRIPS Agreement shall prevent Members from establishing or maintaining marketing approval procedures for generic medicines and other healthcare products, or applying summary or abbreviated marketing approval procedures based on marketing approvals granted earlier for equivalent products.”197.

O segundo documento, emanado pelos países desenvolvidos, reiterava os

termos daquele anteriormente apresentado pela Comunidade Européia quanto ao papel

da propriedade intelectual para o avanço do conhecimento e quanto à combinação de

políticas voltadas para a saúde pública, reconhecia

“...that it is, therefore, the common responsibility of international organizations, governments, non-governmental organizations and private actors, through their areas of responsibility, to contribute to the promotion of the most favourable conditions for improving access to medicines for treatment of HIV/AIDS and other pandemics;” 198.

Reafirmava, ainda, que o TRIPS dispunha de flexibilidades, as quais deveriam

ser utilizadas pelos Membros para oferecer medicamentos necessários aos tratamentos

de HIV/AIDS e de outras pandemias.

No entanto, o round final estava reservado para a Conferência Ministerial da

Organização Mundial do Comércio, em Doha, em novembro de 2001. Seria lá que se 197 O documento discorria ainda sobre a liberdade de autorização às importações paralelas, liberdade de estabelecer as razões para outorga de licenças compulsórias, possibilidade de conceder licenças compulsórias à produção no exterior, procedimentos de aprovação de comercialização abreviada para genéricos, possibilidade de utilizar informações confidenciais por exigência do interesse público, abstenção de imposição ou de ameaça de imposição de sanções dentro ou fora da OMC, prorrogação dos períodos de transição para os países em desenvolvimento e países menos avançados, vigilância contínua por parte do Conselho do TRIPS. Conforme Documento IP/C/W/312 WT/GC/W/450 de 04 de outubro de 2001 (01-4803). In: www.wto.org 198 Documento IP/C/W/313 de 04 de outubro de 2001 (01-4779). In: www.wto.org .

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217

teria a interpretação definitiva das regras constantes do Acordo TRIPS aplicadas à

saúde pública e, em especial, à questão das políticas nacionais voltadas à terapêutica

da AIDS. O Brasil, liderando um grupo de países em desenvolvimento, apresentou uma

proposta visando a tornar claras e definidas as regras no âmbito do TRIPS, que

permitissem flexibilizar o monopólio conferido pelos direitos de patente, no que se

refere a acesso a medicamentos, enfrentando a oposição de Estados Unidos, Canadá,

Suíça, Japão e outros. Ampliando o campo de desentendimento, os países

desenvolvidos julgavam o TRIPS instrumento satisfatório para a resolução de situações

dessa natureza, enquanto os países em desenvolvimento reivindicavam uma

declaração mais incisiva, como um adendo ao Acordo, que os resguardassem de

sanções futuras. Daí, a posição de que “nada no Acordo TRIPS não impede e não

deverá impedir os membros de tomar medidas para proteger a saúde pública”.

O embate já se daria na própria conceituação do tema, pois, enquanto os países

desenvolvidos aceitavam conversações sobre acesso a medicamentos, os países em

desenvolvimento argumentavam em torno de emergência de saúde pública, termo que

lhes permitiria maior lastro para futuras ações. A divergência residia nas possibilidades

que se abririam diante de situações que permitissem o recurso à utilização da

prerrogativa, a ser definida pelo acordo final. Acesso a medicamentos restringiria esse

recurso a situações específicas enquanto saúde pública tornava-se uma definição

extremamente abrangente.

Tal polêmica, evidentemente, é derivada do reforço das regras da propriedade

intelectual no âmbito multilateral, pela elaboração do TRIPS, e sua passagem para a

OMC, organização extremamente fortalecida pelos instrumentos coercitivos que dispõe.

Dentre as diversas modificações introduzidas pelo TRIPS, no que se refere

especificamente a patentes, definiu-se por sua extensão a todos os setores

tecnológicos199. A partir de iniciativa do Brasil, associado a outros países em

199 Cf. TRIPS Agreement: 1994, art.27.1.

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218

desenvolvimento, o TRIPS, em suas Disposições Transitórias (Art. 65), estabeleceu a

adoção parcelada de patenteamento a setores tecnológicos não anteriormente

protegidos, conferindo o prazo de dez anos, ou seja, 2005, para os países em

desenvolvimento – categoria em que se incluíam Brasil e Índia, quanto a patentes

farmacêuticas200. Portanto, no caso desses dois países, o TRIPS obrigava-lhes a

adotar, até o fim deste prazo, o patenteamento de produtos e processos nesse setor.

No entanto, o Brasil adequou sua legislação a estas regras sete anos antes do prazo201,

decorrente das incessantes pressões bilaterais empreendidas pelos Estados Unidos202.

Já a Índia só veio a reconhecer patente para medicamentos em 2005, estando até

então livre para comercializá-los, sem o pagamento de royalties.

Em tese, ao mesmo tempo em que preconiza a livre circulação de mercadorias

em âmbito internacional, a patente assegura os direitos de propriedade intelectual de

processos e produtos com o devido reconhecimento do monopólio temporal e de

pagamento de royalties por uso de terceiros, evitando a pirataria e as contrafações

(SOARES, 1995: 99). Diferentemente dos acordos anteriores que fundamentaram as

questões de propriedade intelectual em nível internacional, como a Convenção da

União de Paris (1883) e suas subseqüentes revisões, os quais reservavam aos países

o direito de criarem salvaguardas ou exceções, através do não-reconhecimento de

proteção a determinadas categorias de produtos ou processos, o TRIPS se firma como

um acordo que não apenas busca a harmonização das legislações, garantindo o mais

amplo livre comércio, respeitando-se os direitos de propriedade intelectual, mas impõe-

se como uma legislação multilateral que obriga a adequação das legislações nacionais

dos países signatários a seus ditames, sob pena de aplicação de sanções ou

200 A Lei nº 5.772/71 – antigo Código da Propriedade Industrial do Brasil – não contemplava a patenteabilidade de produtos e processos farmacêuticos e alimentícios (restrição estendida à biotecnologia, conforme entendimento do INPI, a época). O Patent Act da Índia, de 1970, contemplava patente apenas para processo farmacêutico, limitado a um período de 07 anos. 201 Tal fato se deu com a entrada em vigor da Lei nº 9.279/96, com vigência a partir de maio de 1997 que, além de conferir patenteabilidade na área farmacêutica, a nova Lei derrogou a excepcionalidade para produtos alimentícios e químicos em geral. 202 Existe ampla bibliografia a respeito das pressões norte-americanas sobre o Brasil para que o País adotasse regras mais rígidas relativas à propriedade intelectual, por meio de retaliações comerciais e outras formas de pressão sendo que, para tal, dentre muitas, vale citar TACHINARDI (1993), LYRIO (1994), ALMEIDA (1994).

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219

represálias, por meio do Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC,

caracterizando total ineditismo no campo dos direitos da propriedade intelectual

(SOARES, 1995: 114). Acresce que, pelo princípio do single undertaking, todos se

renderam a tal situação, pois, segundo Stegemann (2000), se, aparentemente, países

em desenvolvimento, países recém-industrializados e países em regime de economia

de transição decidiram fazê-lo, foi porque nutriam expectativas acerca de eventuais

compensações derivadas de outros acordos do bloco geral da OMC, embora ressalte

que muitos países não procederam a essa escolha por conta de acesso a mercados,

mas em razão de não ter, efetivamente, escolha, já que era de conhecimento amplo, ao

final da Rodada Uruguai, que a alternativa que se apresentava consistia em se sujeitar

aos acordos bilaterais, sem sequer ter acesso às prerrogativas conferidas pelo

Mecanismo de Solução de Controvérsias (STEGEMANN, 2000: 1242-1243). E é

justamente pelas possibilidades geradas pelo ambiente multilateral que os países em

desenvolvimento disporiam de alternativas, contidas no próprio Acordo do TRIPS para

até mesmo corrigi-lo, pois, conforme Kongolo (2000), há vários artigos em seu texto que

poderiam ser utilizados como estratégia por esses países, do ponto de vista interno,

enquanto que, como estratégias externas, caberia fundar um sistema regional que

considerasse, de um lado, os direitos de propriedade intelectual e, de outro, o que

chama de herança tradicional (KONGOLO, 2000: 350)203.

Com a adoção do Acordo de Propriedade Intelectual, no âmbito da criação da

Organização Mundial do Comércio, o sistema da propriedade intelectual deixava de se

ater especificamente à esfera da OMPI para se alocar à competência da OMC,

sujeitando-se às mesmas regras que ditam o comércio internacional, relativas a

garantias de competitividade, livre concorrência e circulação de mercadorias. Essa nova

modalidade de acordo internacional, de caráter global, leva a três ordens de

consideração, que acabam por convergir e entrecruzar-se, quais sejam, a política, a

econômica e a social. A primeira trata do papel dos Estados Nacionais como fonte

203 Kongolo cita, por exemplo, no caso das alternativas permitidas pelo próprio Acordo TRIPS, o Artigo 27.2 que trata da noção de ordem pública e a exceção conferida para a proteção do ambiente e o Artigo 30, que prevê também exceções aos direitos dos titulares (KONGOLO, 2000: 350).

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220

exclusiva de seus respectivos arsenais legais, na busca do seu interesse específico e

de suas populações, no exercício de sua condição de Estados independentes e na

aplicação do conceito de soberania nacional. A segunda trata do poder econômico e,

no caso específico do TRIPS, da revolução tecnológica em curso, principalmente nos

campos da informação e da biotecnologia, e da garantia do monopólio das tecnologias,

geradas majoritariamente nos países e/ou blocos mais avançados, primordialmente

Estados Unidos, Europa e Japão, a partir dos grandes conglomerados empresariais.

Ou seja, em princípio, aos países que não possuem capacitação para acompanhar a

vaga revolucionária das novas tecnologias, estaria reservado o papel de importador de

conhecimentos e técnicas, ou mesmo de produtos acabados, uma vez que impedidos

de obtê-los pelo poder coercitivo das regras multilaterais e por força de suas próprias

legislações nacionais, a elas adaptadas, a menos que paguem royalties por tais

conhecimentos e técnicas. E a terceira, a que garantia acesso a suprimentos

essenciais, sem obstáculos, à manutenção da saúde e do bem-estar social.

Outro fato novo, que marca a ruptura em relação aos sistemas anteriores,

relaciona-se à dissociação entre a produção do conhecimento, intangível, e a produção

material em escala, tangível. E é a intangibilidade da produção, traduzida em elementos

como conhecimento, informação, tecnologia e marca, que confere domínio na economia

globalizada (FURTADO,1999: 106-107). Assim, a propriedade intelectual, protegendo o

direito desses elementos intangíveis, agora reconhecido internacionalmente pelo

acordo do TRIPS, assegura o patamar de expansão do capital. Reichman (1995)

considera que a transmissão das leis de propriedade intelectual para o campo

econômico internacional estabelecerá, gradualmente, padrões mínimos universais

regendo as relações entre países de maior grau de inovação e outros menos

adiantados, em um mercado mundial integrado. Ainda, que, ao superar a Convenção

de Paris no tocante à limitação territorial, o TRIPS reconheceu a força das indústrias

baseadas no conhecimento, que alteraram radicalmente a natureza da competição

internacional (REICHMAN, 1995: 346-347). O mesmo autor manifesta a preocupação

de que, ao não adotarem essas novas regras, alguns países em desenvolvimento

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221

acabariam por se prejudicar, na medida que isto despertaria a ocorrência de ações

protecionistas por parte de países desenvolvidos, o que beneficiaria mais estes do que

os primeiros (REICHMAN, 1997: 91-92). Correa (2000), por sua vez, afirma que seja

tarefa difícil proceder à avaliação dos impactos do TRIPS sobre os países em

desenvolvimento, em seu conjunto, dada a disparidade dos níveis de desenvolvimento

econômico e tecnológico entre eles. No entanto, é possível supor que no caso de

países de maior grau de industrialização, o impacto da adesão às regras de

propriedade intelectual recairia sobre as condições de obtenção de tecnologia externa,

além do preço dos produtos protegidos e da perspectiva de produção baseada em

processos imitativos. Já nos casos de países com reduzido nível de industrialização, o

efeito se daria sobre os preços dos produtos que passaram a ser protegidos ou que a

proteção tenha sido assegurada (CORREA, 2000: 24)204.

No campo da biotecnologia, essa questão torna-se absolutamente vital, por

encerrar segmentos de aplicação que envolvem a vida humana e a sobrevivência dos

povos, alimentação e saúde, o que leva também sua extensão ao terreno da ética ou da

chamada bioética. O debate em torno dos alimentos geneticamente modificados, do

acesso a medicamentos e de novas possibilidades terapêuticas – a partir da engenharia

genética – tem se tornado campo de preocupações, estudos e de definição de políticas

públicas por parte de organizações não-governamentais, acadêmicos e Governos em

todo o mundo, tomados de perplexidade pelo potencial cada vez maior das inovações

nesse campo e pela polêmica em torno de seu monopólio versus a quem se destinam

essas inovações, em última instância ao bem-estar da humanidade, denotando a

questão no campo social. O caso mais gritante dessa polêmica vinha sendo o do

acesso a medicamentos e terapias pelas populações dos países em desenvolvimento

ou menos desenvolvidos, atingidas pela epidemia de HIV/AIDS. Essa situação agrava-

204 Correa considera que, além desses fatores, os direitos de propriedade intelectual constituiriam apenas uma das facetas que poderiam influir sobre o fluxo de investimentos estrangeiros – à época da Rodada Uruguai, a argumentação dos países desenvolvidos era a de que maior grau de segurança desses direitos incentivaria o aumento dos investimentos – pois outros fatores atuam como atração como tamanho do mercado, políticas macroeconômicas, etc. (CORREA, 2000: 24).

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222

se, sobretudo, no caso do continente mais empobrecido, a África e particularmente a

região subsaariana, que não possui condições de adquirir os medicamentos – todos de

custo bastante elevado – para distribuir à população afetada e, menos ainda, de

capacitação para desenvolver uma produção local, seja pela transferência formal de

tecnologia, seja pela formulação a partir de tecnologias já em domínio público ou cópias

ilegais. Essa questão insere-se, mais amplamente, em como se promover um amplo

acesso a medicamentos de última geração, uma vez que os acordos internacionais

asseguram o monopólio da exploração, através da patente, por vinte anos. Da mesma

forma, outra questão vem sendo colocada acerca do acesso aos recursos genéticos da

biodiversidade, “matéria-prima” para a criação de novos alimentos e medicamentos, em

sua maior parte presentes nos países em desenvolvimento ou menos avançados e

distanciados da corrida tecnológica. E, por conseguinte, coloca-se a questão sobre a

quem pertence, exclusiva ou cooperativamente, os direitos de propriedade intelectual,

resultantes das inovações decorridas do uso desses recursos, que envolvem as

reservas da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais, utilizados pelas

populações originárias desse ambiente?205

Tomando-se a idéia de Barbosa (1999) sobre a dinâmica inventiva e a questão

levantada por Reichman (1995) sobre o reconhecimento pelo TRIPS da importância da

indústria do conhecimento, pode-se verificar um intenso esforço de capacitação e

investimento das empresas de maior porte em pesquisa e desenvolvimento de produtos

por meio do emprego das técnicas de biotecnologia como a engenharia genética, a

biologia molecular, a genética molecular, a imunologia molecular, a bioquímica

molecular e de formação de massa crítica que abrange todo o processo produtivo,

desde os estudos iniciais de viabilidade até o produto final, numa escala de centenas de

milhões de dólares, associado a uma forte estrutura de marketing. Garantidas pela

proteção patentária, que confere direitos exclusivos de exploração das tecnologias, seja

205 Trata-se de questão igualmente polêmica que, para uma corrente de interpretação, coloca em choque os preceitos estipulados pela Convenção da Diversidade Biológica, que assegura que os recursos da biodiversidade pertencem aos Estados frente aos desígnios do Acordo TRIPS que definem ser qualquer tecnologia desenvolvida propriedade privada de quem assim procedeu, sendo que tal questão foi mandatada no termo negociador da Rodada Doha.

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223

pela produção, importação ou pelo licenciamento a terceiros por duas décadas em

escala mundial, as empresas geradoras de tecnologia nesses setores necessitam obter

um retorno financeiro altamente compensador de seus investimentos, que lhes permita

uma contínua capacidade de inovação.

Essa constante capacidade de inovação possibilitada pelos fatores descritos e

empreendida por empresas fortemente capitalizadas, cujas matrizes estão sediadas

basicamente nos Estados Unidos e Europa, gera um acúmulo de conhecimento, capital

e domínio do mercado mundial bastante concentrado, configurando os grandes

conglomerados multinacionais. Essas formações, de características oligopolísticas,

assim, habilitam-se a agregar novas potencialidades de expansão das fronteiras de

conhecimento e de mercado, a partir de elementos até recentemente pouco valorizados

como a formulação de medicamentos a base de produtos naturais, oriundos do

complexo da biodiversidade, e o desenvolvimento de novas vacinas, ampliando seus

patamares de competitividade. Esse conjunto de ações e estratégias imprime um ritmo

acelerado de desenvolvimento tecnológico industrial e, igualmente, dos paradigmas

científicos, fazendo-os cair em rápida obsolescência. No aspecto econômico, a força do

capital se revela preponderante, ultrapassando as fronteiras nacionais, elegendo alguns

e excluindo outros, numa roda ditada pela competitividade. No aspecto científico-

tecnológico, esse mesmo capital deita sua força na geração do conhecimento e na

inovação tecnológica continuada, onde produzir subordina-se ao saber. E a proteção

de conhecimentos e inovações, garantidas em acordos multilaterais pelas novas regras

da propriedade intelectual, sob pena de sanções comerciais que não mais apenas

retaliações bilaterais, assegura um domínio e uma concentração de técnicas difíceis de

serem rompidas ou burladas. Quando todo este modelo se aplica à sobrevivência,

como medicamentos e alimentos que, por sua vez, se tornaram segmentos industriais

altamente competitivos e rentáveis, insere-se a questão da ética e da eqüidade entre os

povos.

Page 224: Texto Helio

224

Como reação a esse estado de coisas, surgiu uma onda cujo propósito

fundamental consiste em construir a definição de “bens públicos globais” ou “bens

públicos mundiais”, apresentada como uma concepção revolucionária. Sen (2000),

Prêmio Nobel de Economia, estabelece uma distinção sobre o que se pode adquirir

para uso próprio – os bens privados – e o que se pode usufruir ou “consumir juntos”

como um padrão de bem-estar social e os meios que promovem a eqüidade, como

saúde e educação, que seriam os bens públicos, não necessariamente de mercado

(SEN, 2000: 153). Essa reação vem, diante do quadro sanitário dos países em

desenvolvimento, e da situação africana em particular, contestando ativamente o

sistema mundial de patentes reforçado pelo TRIPS, e a própria OMC, protestando

contra todo o processo de globalização.

Portanto, a campanha dos países em desenvolvimento, mobilizada pelo êxito do

Programa brasileiro de atenção aos portadores de HIV/AIDS, constituiu plataforma

fundamental para as organizações não-governamentais internacionais que refutam a

dimensão acachapante da globalização econômica que, em sua perspectiva, atenderia

somente aos interesses do capital internacional oligopolizado em detrimento do bem-

estar das populações mundiais, considerando a OMC e todos os seus acordos, a

síntese perfeita desse processo. E, por tal, tornaram-se aliados de primeira hora na

empreitada dos países em desenvolvimento para alcançar a flexibilização do Acordo de

Propriedade Intelectual.

A atuação dessas organizações não-governamentais de alcance mundial, ou

atores transnacionais da sociedade civil organizada, foi proporcionada,

primordialmente, pelo fim da Guerra Fria, de um lado e, pelo avanço tecnológico dos

meios de comunicação e transporte de outro. A literatura a respeito desse fenômeno

aponta, consensualmente, para a crescente participação e influência das organizações

não-governamentais no âmbito das relações internacionais e nos processos

multilaterais, primeiramente pela revolução engendrada pelas telecomunicações e a

instantaneidade com que os fatos são apresentados à opinião pública, tornando o

Page 225: Texto Helio

225

mundo uma efetiva aldeia global (VILLA, 1999: 21; SMITH, 1998: 26). Outras razões

seriam de caráter político, dado o pluralismo ocidental que permite, mais facilmente, a

emergência de organizações societais (VILLA, 1999: 22), ou, ainda, o crescimento de

organizações internacionais, voltadas para estimular a cooperação em torno de temas

de comércio e política econômica, buscando reforçar capacidades internacionais para

solucionar problemas coletivos, como a manutenção da paz e o monitoramento

ambiental (SMITH, 1998: 95). Embora alguns autores dêem diferentes denominações

para esses atores, todos os caracterizam de forma mais ou menos idêntica. Villa (1999)

propõe uma caracterização ampla, a qual seria “agente societal que estabelece um tipo

inovador de vinculações extra-estatais, baseando-se em contatos, coligações e interações através das

fronteiras nacionais ante os quais os órgãos centrais da política externa estatal, ou supranacional, têm

relativa, ou nenhuma, capacidade regulatória” (VILLA, 1999: 22). Keck & Sikkink (1999)

denomina-os Transnational Advocacy Networks (TANs), redes de ativistas que se

distinguem pela centralidade de idéias, valores e princípios que motivam sua formação

constituindo “forms of organizations characterized by voluntary, reciprocal and horizontal patterns of

communication and exchange (...) organized to promote causes, principled ideas and norms, and often

involve indivíduals advocating policy changes...” (KECK & SIKKINK, 1999: 89-91). Outros,

como Smith (1998), chamam-nos de Transnational Social Movement Organisations

(TSMOs), os quais seriam ONGs que se engajam internacionalmente e objetivam, em

primeiro lugar, trazer mudanças progressivas em temas específicos, assinalando a

presença de uma rede transnacional global, que emergem de redes pré-existentes ou

associações, que proporcionam interações entre indivíduos com interesses comuns; em

segundo lugar, fornecem novas e contínuas possibilidades de expressão a populações

marginalizadas; em terceiro lugar, buscam criar vínculos onde os laços entre pessoas

ou grupos sejam fracos e, em quarto lugar, como atividade principal, formatar e

conduzir um discurso público transnacional sobre questões globais (SMITH, 1998: 95-

96), partilhando normas, modos e influência política com objetivo temático limitado,

sendo exemplos Anistia Internacional, Greenpeace e Oxfam (MARTENS, 2000, 118).

Emergem em torno de temas que, atuando em rede, procuram promover e avançar em

suas missões e campanhas, tanto em nível nacional, quanto internacional por meio de

Page 226: Texto Helio

226

conferências internacionais e outros formas que ajudam a fortalecer a própria rede

(KECK & SIKKINK, 1999: 92-93). Primam pela capacidade de mobilizar

estrategicamente informações para ajudar a criar novos temas e categorias visando a

persuadir, pressionar e ganhar influência sobre organizações e governos muito mais

poderosos, tentando não somente influenciar resultados políticos como também

transformar os termos e a natureza do debate. Atuam procurando influenciar da mesma

forma que outros grupos sociais e, por essas organizações não disporem de poder, no

sentido tradicional do termo, usam o poder da informação, idéias e estratégias, visando

a alterar as informações e o contexto de valores, segundo os quais os Estados

elaboram suas políticas (KECK & SIKKINK, 2000: 94-95). Aliás, para Villa (1999), é a

influência que fornece o campo de delimitação da atuação dos atores transnacionais.

Na medida que não dispõem dos mecanismos de coerção, no sentido weberiano do

monopólio do uso legítimo da força, como os Estados Nacionais, resta aos atores

transnacionais a utilização da influência, no sentido, igualmente weberiano, da ação

politicamente orientada, voltada para a construção do consenso (VILLA, 1999: 23-24).

Portanto, a influência não está vinculada a instituições que sejam fontes de autoridade

formal, mas repousa “...nas respostas societais globais que apresentam, em face dos desequilíbrios

sistêmicos gerados pelos novos fenômenos transnacionais de segurança como os desajustes ecológicos,

saúde, identidade cultural e qualidade de vida dos cidadãos em todo o planeta” (VILLA, 1999: 24).

Também Keck & Sikkink (2000) definem os tipos e meios de influência, que seriam a

criação e a atenção para um tema e o estabelecimento da respectiva agenda; a

influência sobre posições superficiais de Estados e Organizações; a influência sobre

procedimentos institucionais; influência sobre mudança política em atores alvo, sejam

sobre Estados, organizações regionais ou internacionais ou atores privados e a

influência sobre o comportamento dos Estados (KECK & SIKKINK, 2000: 98). Villa

(1999) categoriza os meios de influência para cada ator alvo, sendo que, para o sistema

interestatal recorre a pesquisas, propostas, alianças e negociações, além da

propaganda; para o sistema supranacional, como as Conferências, por exemplo, busca

alianças com Estados contra propostas de outros visando à construção de consensos;

e para o sistema transnacional, voltam-se, em geral, para as multinacionais ou para

Page 227: Texto Helio

227

ONGs com visões divergentes sobre uma mesma questão (VILLA, 1999: 27-29).

Kriesberg (1997) adverte, no entanto, que a capacidade de influência das organizações

sofre alguns tipos de constrangimento em suas ações como os custos de transação

decorrente de atuar em nível internacional, a competição entre elas e as dificuldades de

se implementar uma ação coordenada no plano internacional. A par, diferentemente de

outros atores globais, as organizações transnacionais são desprovidas de poder

enquanto que – reconhece – os Estados ainda continuam os mais poderosos dentre

todos, principalmente se mais ricos. Tal situação, no entanto, longe está de incapacitar

sua ação, conferindo-lhes o cenário internacional chance de desempenhar papel

peculiar no processo político global e ampliar sua influência sobre as políticas

transnacionais (KRIESBERG, 1997: 15-16).

Especificamente, quanto à interação entre atores transnacionais e organizações

internacionais, Smith (1998) considera que estes proporcionam transparência às

negociações entre países que, normalmente, se dão de forma obscura. Devido às

pressões encaminhadas pelos atores transnacionais, os governos tendem a fazer mais

concessões e ter maior responsabilidade (accountability) nessas arenas (SMITH, 1998:

102-103). Martens (2000) considera, igualmente, que essa interação possibilita ganhos

para as ONGs, pois ganham visibilidade, devido à atenção da mídia – principalmente

quando da realização das Conferências globais – e, por conseguinte, obtém êxito para

suas causas, fazendo coro com Smith (MARTENS, 2000: 121-122). Como Villa (1999)

mesmo ressalta, esse constitui seu método de ação, por meio da sensibilização da

opinião pública, da ação direta e do acompanhamento da mídia (VILLA, 1999: 29).

Martens levanta outro ponto positivo para as ONGs na participação junto às

Organizações Internacionais, pois ampliam suas redes através do contato com outras

ONGs, fortalecendo suas conexões (MARTENS, 2000, 122). Contudo, tanto Martens

quanto Villa ressalvam a importância do papel dos Estados Nacionais: Martens afirma

que os Estados ainda decidem os procedimentos e conteúdos das Conferências assim

como determinam a participação das ONGs e quais delas influenciam em seus

Page 228: Texto Helio

228

resultados (MARTENS, 2000: 122)206, enquanto Villa lembra que aos Estados ainda

compete “...o atributo da soberania, definindo normas, regulamentos e políticas em determinado

território e, com isso, definindo pautas para a ação dos atores transnacionais”, porém, tendo em

vista que os fenômenos globais são, por natureza, descentralizados, fogem ao controle

desses Estados, propiciando a influência dos atores transnacionais (VILLLA, 1999: 31).

Isto posto, a IV Conferência Ministerial da OMC se tornou palco fundamental

para a demonstração de força e influência das organizações não-governamentais,

principalmente no tocante à flexibilização do Acordo TRIPS e da relativização dos

direitos de propriedade intelectual, pois representava, nessa perspectiva, o embate

entre o que consideravam os direitos do capital e os direitos da Humanidade.

A IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, realizada em

novembro de 2001, em Doha, abrangeu diversos temas relativos ao comércio

internacional, pendentes em grande parte de negociação e resolução entre seus

Membros. Tanto os chamados temas “velhos” (redução de tarifas, subsídios, anti-

dumping, etc.) quanto os temas “novos” (meio-ambiente, padrões trabalhistas,

investimentos e concorrência, comércio eletrônico, etc.), provocavam cisões assim

como determinaram coalizões de interesses que variavam conforme cada um deles.

Além das divergências sobre os diversos temas a constar da agenda,

assombravam, ainda, o cenário da Conferência, ameaçando seu êxito, as reações de

grupos organizados, e outros nem tanto, ao processo de globalização; a profusão de

acordos regionais e bilaterais firmados à margem de um grande acordo multilateral

global, que só a OMC poderia promover e; por fim, o excesso de disputas comerciais,

havido por conta da indefinição de regras que apenas um consenso global poderia

206 Em relação à Organização Mundial do Comércio, as organizações da sociedade civil participam das Conferências Ministeriais, na condição de observadoras, após preencherem os requisitos estabelecidos pela Organização. De 1996 (I Conferência) a 2001 (IV Conferência), o número de organizações mais que quintuplicou. No entanto, além dessa participação nas Conferências, o raio de ação dessas organizações limita-se a participação em simpósios temáticos, contatos com o Secretariado e reuniões regulares. É editado um boletim, de periodicidade mensal, exclusivamente para as organizações não-governamentais, relatando as atividades da OMC.

Page 229: Texto Helio

229

prescrever. Por outro lado, havia o reconhecimento da necessidade de se lançar uma

nova Rodada, como fato novo e positivo que produzisse alguma dose de otimismo no

panorama mundial, principalmente após a ocorrência dos atentados de 11 de setembro.

Mas não era apenas esse o único fator perturbador naquele momento, pois já se

vislumbrava a escalada de uma recessão mundial, agravada por aquele terrível

acontecimento. Além disso, após o fracasso de Seattle, urgia criar-se uma imagem de

legitimidade e, principalmente, de efetividade à Organização, por meio da redução do

nível de protecionismo das economias mais poderosas e da maior inserção dos países

em desenvolvimento e menos avançados no sistema mundial de comércio (AMORIM &

THORSTENSEN, 2002:58)207.

No início dos trabalhos, verificavam-se diversos pontos nevrálgicos a dificultar a

perspectiva de se encontrar entendimentos, sendo o maior deles, o tema da

liberalização agrícola, seguidos pela celeuma sobre patentes e saúde pública, e mais

Anti-dumping e Medidas de Implementação, os chamados temas tradicionais e, Meio

Ambiente, tema considerado novo, embora já estivesse em discussão no âmbito do

cotidiano da OMC. Ainda como complicadores, os chamados Temas de Cingapura, ou

temas novíssimos, principalmente Investimentos e Concorrência e, em menor escala,

Transparência em Compras Governamentais e Facilitação de Comércio.

207 Entendimento semelhante é expresso por Robert B. Zoellick, então diretor do U.S. Trade Representative, em documento de 30 de outubro de 2001 (ZOELLICK, 2001: 4-5).

Page 230: Texto Helio

230

QUADRO VII DISTRIBUIÇÃO DA POSIÇÃO DOS MEMBROS POR CATEGORIA DE TEMAS TRADICIONAIS

OMC/Doha-2001

ATORES EM CONTENDA

TEMAS TRADICIONAIS

POSIÇÃO POR MANTER

POSIÇÃO POR REVER

Agricultura

Comunidade Européia, Japão, Coréia do Sul, Noruega, Suíça

Grupo de Cairns, Estados Unidos

Propriedade Intelectual

Estados Unidos, Canadá,

Suíça, Japão

Brasil, Índia, Grupo Africano

Anti-dumping

Estados Unidos

Japão, Coréia do Sul, Brasil

Medidas de

Implementação

Estados Unidos e

Comunidade Européia

Índia, Egito, Paquistão, Malásia

Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen, (2002).

Page 231: Texto Helio

231

QUADRO VIII DISTRIBUIÇÃO DA POSIÇÃO DOS MEMBROS

POR CATEGORIA DE TEMAS NOVOS OMC/Doha-2001

ATORES EM CONTENDA

TEMAS NOVOS

FAVORÁVEIS

CONTRÁRIOS

Investimentos e Concorrência

Comunidade Européia, Japão

Índia, Egito, Paquistão,

membros da ASEAN

Padrões Trabalhistas

Comunidade Européia e

Estados Unidos

Brasil, Índia, Egito, Paquistão, Malásia, membros da ASEAN

Comércio e Meio Ambiente

Comunidade Européia,

Noruega, Suíça

Grupo de Cairns

Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen (2002).

Assim, pairava, até então, sobre a OMC, o espectro de um novo fracasso – que

até a véspera da Conferência de Doha parecia iminente – o qual poderia colocar em

causa a própria existência da Organização, pela impossibilidade de atingir resultados

palpáveis e concretos com vistas a um maior grau de liberalização do comércio

mundial, à promoção do desenvolvimento econômico e à inserção das economias dos

países em desenvolvimento e menos avançados no comércio mundial. Até às vésperas

da realização da Conferência, não havia qualquer perspectiva de acordo sobre os

Page 232: Texto Helio

232

diversos temas em questão, sendo que, aos países em desenvolvimento, todos

tocavam de perto.

Em dezembro de 2001, dois anos após o fracasso do lançamento da Rodada do

Milênio, durante a Conferência Ministerial de Seattle, a Organização Mundial do

Comércio logrou construir, durante a IV Conferência Ministerial, em Doha, uma agenda

de negociações que veio a configurar a Rodada de Doha ou a Agenda de Doha para o

Desenvolvimento. Tal feito só se tornou possível por conta das concessões de todas as

partes em busca de um consenso mínimo que viabilizasse o lançamento desta nova

Rodada. Assim, buscando evitar o fiasco da Conferência, os Membros acabaram por

ceder em suas posições iniciais, em meio a intensas negociações, que selaram o

lançamento da nova Rodada e a extensão de seu mandato, que se encerraria em 01 de

janeiro de 2005, sendo que as negociações tiveram início em janeiro de 2002,

aplicando-se o princípio do single undertaking, pelo qual os resultados constituiriam

parte de um compromisso único ou, no jargão da OMC “nada estará acordado enquanto

tudo não estiver acordado”.

No trade off das negociações entre os atores em contenda, cada um cedeu um

pouco, em busca do consenso possível, ou o que se poderia denominar de

“concessões pelo consenso”, relativas a cada um dos temas polêmicos208.

No tema da Agricultura, Comunidade Européia, Suíça, Noruega, Coréia do Sul

e Japão aceitaram discutir a revisão de suas práticas protecionistas, comprometendo-se

com a extinção gradual dos subsídios, porém, “sem prejulgar os resultados das

negociações”. Em troca, os Estados Unidos, que haviam se aliado ao Grupo de Cairns

nesta questão, dispuseram-se a colocar em pauta o tema de anti-dumping, ferramenta

protecionista a qual o país tem recorrido intensamente. No quesito a respeito das

relações entre patentes e saúde pública, os Estados Unidos acabaram por ceder,

208 A narrativa que se segue, sobre a construção do consenso em Doha, é baseada em Amorim & Thorstensen (2002: 62-77).

Page 233: Texto Helio

233

aceitando a flexibilização do Acordo TRIPS em casos de emergência de saúde pública,

cedendo também o Brasil quantos aos termos finais da Declaração pertinente, e a Índia,

que se propunha a rever todo o Acordo.

No que se refere às Medidas de Implementação, tema que se atém aos acordos

da Rodada Uruguai ainda passíveis de aplicação, alguns países em desenvolvimento,

como Índia, Egito, Paquistão e Malásia, chegaram mesmo a ameaçar boicotar o

lançamento de uma nova Rodada. Consistia este tema uma das principais

reivindicações destes países, sob a alegação de que, antes de se cogitar em

estabelecer um novo mandato de negociações, era preciso concluir a implementação

dos acordos decorrentes da Rodada anterior que, até aquele momento, em quase nada

os havia beneficiado no que tangia a uma efetiva liberalização comercial, sendo eles,

por isso, frontalmente contrários à adoção de novos temas. Aí, cederam Comunidade

Européia e Estados Unidos que, inicialmente, aceitavam apenas identificar essas

medidas sem, necessariamente, ter que proceder à sua revisão. Nesse aspecto, o

Brasil desempenhou papel fundamental, ao assegurar a inclusão desse tema no

conjunto de temas sujeito ao princípio do single undertaking, bem como a Declaração

sobre TRIPS e Saúde Pública, logrou obter uma declaração em separado209.

Meio Ambiente terminou por entrar na Rodada, como desejava a Comunidade

Européia, contudo, sem os requisitos que lhe eram tão caros, como os princípios da

precaução, multi-funcionalidade e bem-estar animal, vistos por seus adversários na

Agricultura como mero estratagema protecionista. Substancialmente, incluiu-se o

estudo da compatibilidade entre as regras da OMC e os diversos Acordos Multilaterais

Ambientais no que diz respeito às suas cláusulas comerciais, assim como a proposição

para a redução ou eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias para bens ou

serviços ambientais e, igualmente, “sem prejulgar os resultados das negociações”.

209 Implementation-related issues and concerns, Decision of 14 November 2001. Disponível em http://www.wto.org/ english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_implementation_e.htm

Page 234: Texto Helio

234

Para os novíssimos temas, Investimentos e Concorrência, fortemente

combatidos pela Índia e seus aliados próximos, encontrou-se uma solução, no mínimo,

curiosa. Excluídos do mandato de negociações pertencente à Rodada, criaram-se

Grupos de Trabalhos para tratar dos seus termos, sendo que só seriam iniciadas as

negociações após a realização da V Conferência Ministerial, em Cancun, em setembro

de 2003, caso houvesse “consenso explícito”, embora não se soubesse exatamente o

que queria dizer tal expressão, pois todas as deliberações tomadas no âmbito da OMC

o são por consenso. Valeu o mesmo dispositivo para Transparência em Compras

Governamentais e Facilitação de Comércio. Ou seja, os Temas de Cingapura não

entraram no mandato da Rodada, mas também não saíram, situação que se arrastaria

desde a Conferência de Cingapura até a Conferência de Cancun.

QUADRO IX

CONCESSÃO DOS MEMBROS POR

TEMAS PARA O CONSENSO

OMC/Doha-2001

Membro que cedeu

Tema em que cedeu

Em que ponto cedeu

Comunidade Européia

Agricultura

Aceita a inserção da expressão “phasing out”

(extinção gradual dos subsídios), mas sem prejulgamento do resultado das negociações

Estados Unidos, Suíça,

Canadá, Japão

Patentes e Saúde Pública

Aceitaram a flexibilização do TRIPS em caso de emergência

de saúde pública

Estados Unidos

Anti-dumping

Aceitou abrir negociações

Page 235: Texto Helio

235

QUADRO IX (cont.)

Estados Unidos e

Comunidade Européia

Medidas de Implementação

Aceitaram como parte integrante das negociações

(single undertaking)

Comunidade Européia, Japão,

Índia, Malásia e ASEAN

Temas de Cingapura

Tema aceito para discussão,

mandatado mediante

“consenso explícito”

Comunidade Européia e

Grupo de Cairns

Meio Ambiente

Tema mandatado, porém sem o

alcance pretendido

Comunidade Européia e

Estados Unidos

Padrões Trabalhistas

Tema mantido no âmbito da OIT

Comunidade Européia e

Estados Unidos

Comércio Eletrônico

Tema não mandatado

Elaborado a partir de Amorim & Thorstensen (2002).

No entanto, a matéria considerada a mais polêmica da Conferência resultou,

surpreendentemente, na primeira a alcançar o consenso. As partes ultimaram

entendimentos sobre a redação final do parágrafo 4º da Declaração sobre Propriedade

Intelectual e Patentes, de forma a definir-se tempos verbais que promovessem o

necessário consenso. Assim, o emprego do verbo dever no futuro condicional – “does

not and should not prevent” – ao invés de “shall not”, como desejavam inicialmente os

países em desenvolvimento, propiciou as bases do entendimento que evitou o

confronto. Os Estados Unidos cederam em algo e o Brasil também, conforme

demonstram partes do texto da Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública que, pela

relevância que foi atribuída ao tema, foi desmembrada da Declaração Final:

Page 236: Texto Helio

236

“1. We recognize the gravity of the public health problems afflicting many developing and least-developed countries, especially those resulting from HIV/AIDS, tuberculosis, malaria and other epidemics.

2. We stress the need for the WTO Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS Agreement) to be part of the wider national and international action to address these problems.

3. We recognize that intellectual property protection is important for the development of new medicines. We also recognize the concerns about its effects on prices.

4. We agree that the TRIPS Agreement does not and should not prevent members from taking measures to protect public health. Accordingly, while reiterating our commitment to the TRIPS Agreement, we affirm that the Agreement can and should be interpreted and implemented in a manner supportive of WTO members' right to protect public health and, in particular, to promote access to medicines for all.

In this connection, we reaffirm the right of WTO members to use, to the full, the provisions in the TRIPS Agreement, which provide flexibility for this purpose.”210.

As posições mais radicais, como a da Índia, que insistia na proposta original dos

países em desenvolvimento de rever o Acordo, e outras, mais radicais ainda, de

algumas ONGs, que se batiam contra todo o espírito do TRIPS, foram demovidas.

Indubitavelmente, os termos da Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública

representaram uma vitória do poder de pressão e, principalmente, de negociação dos

países em desenvolvimento. Mas, como declarou o Embaixador do Zimbábue na OMC

e presidente do Conselho do TRIPS, Boniface Chidyausiku, trata-se de “uma apólice de

seguros” (ESP, 15/11/2001: B10), algo para ser utilizado em caso de “emergência de

saúde pública”, conceito que, aliás, a Declaração reservou a cada país como interpretar

ou definir. O TRIPS foi preservado, e até mesmo fortalecido, pois todos reiteraram seu

210 Excertos da Declaration on the TRIPS agreement and public health, Adopted on 14 November 2001. Disponível em http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm

Page 237: Texto Helio

237

compromisso com seus termos e com o direito da propriedade intelectual. Ou seja, tem-

se agora um passe livre para agir, em caso de necessidade.

Analistas (WINESTOCK & COOPER, 2001: B12) consideram que o episódio da

ameaça americana de “quebrar a patente” do medicamento Cipro, pertencente à Bayer

alemã, quando da perspectiva de uma escalada terrorista biológica, após os atentados

de 11 de setembro, teria levado os Estados Unidos a perceberem a importância da

flexibilização do Acordo. Sem dúvida que tal questão pode ter colaborado para a

resolução da contenda, mas não só. Igualmente, segundo alguns analistas, quando do

julgamento na Suprema Corte sul-africana, o Governo norte-americano já não havia

dado apoio integral às reivindicações dos laboratórios farmacêuticos multinacionais, o

que já demonstraria certa reserva em relação aos astronômicos lucros dessas

empresas, em grande parte gerado pelo alto custo do tratamento contra HIV/AIDS no

próprio país211, alterando a posição norte-americana, graças à mobilização da opinião

pública (BLOCK, 2001: B16; COOPER, ZIMMERMAN & MCGINLEY, 2001: B11). Ainda

durante as negociações em Doha, o lobby dos laboratórios farmacêuticos tentou

pressionar o negociador americano com o objetivo de alterar o resultados das

negociações, sem sucesso.

Fruto da construção do consenso possível, a Declaração Final da IV Conferência

exprime, em seu teor, ambivalências que dão margem a diversas interpretações,

fazendo com que se a leia conforme a ótica dos interesses de cada parte envolvida. Às

vezes mesmo, parece se contradizer em seus termos. Expressões empregadas para

satisfazer a todos os Membros terminaram por engendrar uma tessitura que viria a

provocar uma série de impasses nas negociações em andamento. No entanto, há uma

tônica dominante dos textos resultantes de Doha, a qual enfatiza a maior inserção dos

países em desenvolvimento e menos desenvolvidos no comércio internacional, como 211 No início do processo judicial, o Governo americano, durante a Administração Clinton, colocou a África do Sul na lista de países enquadrados na Section 301, a legislação americana que impõe sanções aos países considerados contrários a seus interesses comerciais. Ainda, durante a campanha eleitoral, os Estados Unidos mudaram sua posição, não tomando parte, posição reiterada pelo Governo Bush e, também, pela União Européia.

Page 238: Texto Helio

238

promotora do desenvolvimento e condição necessária para o estabelecimento de um

efetivo sistema multilateral de comércio (AMORIM & THORSTENSEN, 2002: 59-60). A

boa intenção encontra-se presente em todas as Declarações: na Declaração Final, na

definição do Programa de Trabalho, em que a maior parte dos temas alude à integração

dos países em desenvolvimento e menos avançados no sistema mundial de comércio,

na Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública e na Declaração sobre Medidas de

Implementação. Tal predominância, reiteradamente afirmada, refletiria a preocupação

em responder tanto às críticas internas, dos Membros menos influentes da

Organização, que até Seattle eram relegados a plano secundário nas negociações,

como também aos movimentos anti-globalização, que acusam ser a OMC um “clube de

ricos”.

Diante de todos os impasses previsíveis, porém evitados na undécima hora,

Sally (2003) atribui a alguns fatores o êxito do lançamento da Rodada, sendo o primeiro

a atuação do Embaixador Stuart Harbinson, Chairman do Conselho Geral e condutor

das negociações imediatamente anteriores à Conferência, ao conseguir conferir um

ambiente de transparência e confiabilidade, por meios de consultas permanentes,

restaurando o que havia sido perdido em Seattle. A segunda causa teria sido o

atentado de 11 de setembro, pois, sem a sua ocorrência, dificilmente se teria auferido o

consenso necessário, dentre outros motivos, não só porque as ONGs encontravam-se

menos barulhentas naquele momento, mas, principalmente, pelo cenário que se

desenhou após a tragédia, ou seja, uma crise política internacional somada à escalada

recessiva que se formava, colaborando para a demonstração de cooperação que

Seattle, igualmente, não tivera (SALLY, 2003:9). Laird (2002) salienta que, no entanto,

o êxito da Rodada, que na verdade, tem outro nome oficialmente – Programa de

Trabalho – só seria alcançado se fossem levados em conta os reclamos dos países em

desenvolvimento, pois, após Seattle, estes têm muito pouca vontade de negociar

quaisquer temas que não estejam vinculados a seu interesse direto (LAIRD, 2002: 59-

60).

Page 239: Texto Helio

239

Narlikar afirma que os resultados constantes do Programa de Trabalho definido

em Doha, que conformaram o mandato negociador da Rodada, derivaram do impacto

da ação das diversas coalizões atuantes no processo. Assim, as questões relativas aos

interesses dos países menos desenvolvidos são fruto dos esforços da coalizão

denominada Small and Vulnerable Economics Group212, composta por Membros

insulares em sua maioria. Outro resultado da ação de coalizões foi a decisão de

protelar (waiver) o Acordo de Parceria entre o Grupo ACP e a Comunidade Européia,

pela articulação dos países pertencentes àquele Grupo com o Grupo Africano. Da

mesma forma, a Declaração sobre TRIPS e Saúde Pública deveu-se à ação da coalizão

homônima (NARLIKAR, 2004:10).

Cabe ressaltar que, a despeito de todas as críticas que são dirigidas à

Organização, praticamente todos os países são Membros da OMC ou estão em

processo de acessão213. Além daqueles que já eram Partes Contratantes do GATT e

que, em seguida se tornaram Membros, mais vinte países a ela acederam, entre 1996 e

2005, conforme demonstra o quadro abaixo:

212 A coalizão é composta por Barbados, Dominica, Fiji, Granada, Ilhas Mauricio, Ilhas Salomão, Jamaica, Lesoto, Papua Nova Guiné, Santa Lucia, Trinidad e Tobago. 213 Em acessão estão Afeganistão, Andorra, Argélia, Azerbaijão, Bahamas, Belarus, Butão, Bósnia-Herzegovina, Cabo Verde, Casaquistão, Guiné Equatorial, Etiópia, Iêmen, Irã, Iraque, Laos, Líbano, Líbia, Montenegro, Rússia, Samoa, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Seychelles, Sudão, Tajiquistão, Tonga, Ucrânia, Usbequistão, Vanuatu, Vietnam.

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240

QUADRO X MEMBROS ACEDIDOS A OMC APÓS SUA CRIAÇÃO

1996-2005

ANO

MEMBRO

1996

Bulgária, Equador

1997

Mongólia, Panamá

1998

Quirguistão

1999

Estônia, Letônia

2000

Albânia, Croácia, Geórgia, Jordânia, Omã

2001

China, Lituânia, Moldova

2002

Taipe Chinesa (Taiwan)

2003

Armênia, Macedônia

2004

Camboja, Nepal

2005

Arábia Saudita

Elaborado a partir de dados disponíveis pela OMC

Erigida a nova Organização Mundial do Comércio, em vigor desde 01 de janeiro

de 1995, dotada de todo seu aparato regulador e mesmo coercitivo definido pelos

países desenvolvidos, coube aos países em desenvolvimento, naquele primeiro

momento, atuar ainda de forma bastante tênue, após a avalanche de pressões sofridas

durante as negociações e a própria fase de conclusão dos Acordos que lhe deram

origem. Evitou-se, igualmente, uma “onusização” da OMC, adotando-se o critério

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241

deliberativo do consenso, em nada semelhante ao do GATT, pois se tratava de uma

organização bem mais complexa e, ainda, se adicionava o princípio do single

undertaking em que todos os Acordos estavam amarrados uns aos outros. Já em

Cingapura, em 1996, novos temas, de interesse dos países desenvolvidos foram

esboçados e percebeu-se que era ainda precoce introduzí-los em nova etapa

negociadora e, por conseguinte, foram protelados para posterior discussão. Em

Genebra, motivo de comemorações pela ocasião do qüinquagésimo aniversário do

sistema multilateral de comércio, pouco de significativo ocorreu, gestando a grande

surpresa para Seattle, em 1999.

Embora se presumisse que não haveria novas rodadas, após criada a OMC, os

temas que já se enunciavam configuravam uma complexidade de negociações que,

habilmente, a Comunidade Européia pleiteou que conformassem uma nova Rodada de

Negociações, até para evitar que nas negociações dos temas built-in-agenda, ficasse a

mercê das demandas por maiores concessões visando à liberalização na Agricultura.

Diante dos impasses sucessivos, e agravados pelos movimentos contrários à

globalização, Seattle redundou em um fracasso sem precedentes na história do sistema

multilateral do comércio em seus mais de cinqüenta anos de existência. Nunca um

encontro ministerial, desde o antigo GATT, deixara de emitir uma declaração final ou

termo de compromisso. Inédito também o fato de ocorrer uma rebelião maciça dos

países de menor desenvolvimento relativo, que manifestavam ali sua profunda

insatisfação pelo constante processo de exclusão a que eram submetidos, por meio da

prática de se tomar decisões, concentradas em poucos atores, em recinto fechado – o

célebre Green Room – as quais depois estes países eram meramente participados.

Assim, muito mais que as manifestações que a mídia colocou em evidência, foi a

revolta dos menores participantes que paralisou o jogo e colocou em causa toda a

Organização. E, exatamente, esse poder lhes foi conferido pela regra adotada do

consenso. E a Rodada do Milênio simplesmente não aconteceu, percebendo-se que,

naquele momento, os países em desenvolvimento começavam a aprender a utilizar as

regras do jogo que não foram feitas nem por eles e nem para eles.

Page 242: Texto Helio

242

Embora combalida, a OMC seguiu seu ritmo de trabalho, buscando proceder a

uma avaliação interna dos seus procedimentos e de suas práticas, com vistas a não

mais repetir o ocorrido. Ao menos na retórica, a preocupação com os países em

desenvolvimento e, particularmente, aqueles de menor desenvolvimento relativo

passava a ser tônica dominante nas manifestações oficiais.

Dois anos depois, quando das vésperas da realização da IV Ministerial, as

divergências em torno dos mesmos pontos se reproduziam, causando o temor de novo

fracasso que poderia acometer gravemente a Organização. Porém, os eventos de 11

de setembro perpetraram uma atmosfera de solidariedade e cooperação, por conta do

choque provocado pela ação do inimigo invisível e intangível, colaborando para a

construção de um consenso mínimo que permitiu o lançamento da Rodada, cuja maior

referência se tornou a questão do desenvolvimento. Temas dos mais polêmicos como

aquele da relação entre acesso a medicamentos e propriedade intelectual, que veio a

forjar uma nova single-issue coalition, alcançou resultado tranqüilizante para todos os

Membros. Assim, colaborou para a obtenção do acordo, o ambiente favorável à

negociação que permeou toda a IV Conferência Ministerial, tanto que em relação aos

demais temas polêmicos, todas as partes antagônicas cederam em suas posições

iniciais, para alcançar o consenso que permitisse o lançamento da nova Rodada de

Negociações Multilaterais. Também relacionado ao trauma de Seattle, em Doha houve

o entendimento de que se deveria envolver, de maneira mais efetiva, todo o conjunto de

países em desenvolvimento nas negociações e não apenas os mais relevantes, como

ocorria anteriormente, desde os tempos do GATT.

Page 243: Texto Helio

243

CONCLUSÃO

A história da participação dos países em desenvolvimento no sistema

comercial tem sido caracterizada por uma trajetória oscilante, porém tenaz na busca da

prevalência de seus interesses e necessidades, inerente à perspectiva do

desenvolvimento econômico e de maior envolvimento no ordenamento econômico

mundial.

Assim o foi quando das negociações para o estabelecimento da Organização

Internacional do Comércio (OIC) quando, ao receberem o projeto delineado pelo

Departamento de Estado dos Estados Unidos, cuja ênfase repousava sobre a idéia do

livre comércio, almejaram inserir diversos pontos que, somados às exceções obtidas

para a reconstrução européia, alargaram-no o suficiente para que se sentissem

efetivamente atendidos e representados no que viria a constituir a nova Organização.

Ainda poucos, em maioria latino-americanos, foram ativos e altivos, levando à mesa de

negociações as demandas e expectativas voltadas ao crescimento econômico e à

industrialização. A par, como instância provisória de aplicação imediata, se desenhava

o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), dedicado exclusivamente a negociações

de redução tarifária para produtos industriais, aplicando-se a Cláusula da Nação Mais

Favorecida (MFN) que garantia a reciprocidade das concessões, no esquema produto a

produto.

Frustrada a implantação da Organização Internacional do Comércio pelo

desinteresse de seus próprios idealizadores, motivados por disputas internas sobre as

diferentes percepções da Carta de Havana e pelos embates da Guerra Fria que se

instalara, restou o GATT que, com suas rodadas periódicas, lograva atender aos

interesses dos adeptos do livre comércio, obtendo sucessivos e bem sucedidos cortes

tarifários, principalmente nas rodadas consecutivas àquela primeira de Genebra, em

1947, as de Annecy e Torquay, em 1949 e 1951, respectivamente. Ocorre que a lógica

do GATT em nada satisfazia aos interesses dos então ainda denominados países

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244

subdesenvolvidos, pois pelo princípio estabelecido, nada tinham a oferecer a não ser

produtos primários, virtualmente excluídos das negociações. Ou seja, de protagonistas

atuantes nas Conferências de Londres, Genebra e Havana, passaram à condição de

meros coadjuvantes em meio às rodadas negociadas entre europeus e norte-

americanos, sendo as únicas disputas dignas de nota a que movia os Estados Unidos

contra o sistema de preferências imperiais mantidos pela Grã-Bretanha e seus antigos

domínios e a querela contra a Tchecoslováquia, única Parte Contratante integrante do

mundo socialista.

Lentamente, os países em desenvolvimento começaram a ecoar sua voz nas

sessões ministeriais do GATT, já rotinizadas, mediante a evidência do fracasso da OIC.

Em 1955, quando do primeiro processo de revisão do GATT, instituiu-se novo

dispositivo ao Artigo XVIII, conferindo algumas exceções aos países em

desenvolvimento, permitindo a alteração ou retirada de concessões tarifárias efetuadas

para a proteção a indústrias nascentes (infant industries) e o recurso a Restrições

Quantitativas à Balança de Pagamentos, assim como, desde que notificado

previamente, adotar medidas não conformes às regras do GATT visando à promoção

de setores industriais específicos. Tal concessão não serviu para aplacar as críticas

dos países em desenvolvimento que insistiam em algum tipo de tratamento especial

assim como a facilitação de acesso a mercados para produtos primários. Em 1958, era

lançado o Haberler Report, elaborado por equipe de quatro economistas, o qual

recomendava que fosse reduzida a proteção do mercado agrícola dos países

desenvolvidos, isso no mesmo momento em que era firmado o Tratado de Roma,

fundando a Comunidade Econômica Européia, que viria, logo depois, por meio da

Política Agrícola Comum, a fortalecer o bastião da resistência européia ao acesso a seu

mercado. Propunha ainda que se encontrassem mecanismos para a estabilização dos

preços das matérias-primas, principais itens de exportação dos países em

desenvolvimento. Nada das recomendações do referido Relatório foi adotada, a

despeito das tonitruantes declarações de solidariedade.

Page 245: Texto Helio

245

Simultaneamente a esse processo, desencadeado a partir do final dos anos 1940

e intensificado na segunda metade dos anos 1950, ocorriam as ondas de

descolonização das possessões européias, primeiramente na Ásia e, depois, na África,

tenha sido por negociações transacionadas entre a metrópole e a elite local, tenha sido

por movimentos de libertação nacional que, em alguns casos, recorreram até mesmo à

luta armada. As lideranças desses novos Estados, extremamente preocupadas com a

viabilidade econômica e política de seus países, recusavam-se a aceitar a ordem

bipolar da Guerra Fria que os instava a tomar partido em um dos dois campos reinantes

do sistema internacional, ou seja, entre os Estados Unidos com sua ordem capitalista e

a União Soviética com sua ordem totalitária. Gerou-se, daí, o movimento de

solidariedade afro-asiática, que engendrou o famoso “Espírito de Bandung”, advogando

os princípios da coexistência pacífica, não intervenção e não agressão, dentre outros,

desencadeando, posteriormente, no Movimento dos Não Alinhados, que viria a ganhar

o apoio de outros países fora desse eixo, mormente a Iugoslávia de Tito, que transitava

com desenvoltura nos agora três mundos – capitalista, comunista e subdesenvolvidos.

Essas dezenas de novos Estados soberanos vão maciçamente engrossar as

fileiras dos organismos internacionais existentes, tanto as Nações Unidas quanto o

GATT, sendo que, no caso desse último, beneficiados por dispositivos que

asseguravam sua acessão automática, independentemente de negociações tarifárias

prévias, caso a antiga metrópole aplicasse suas regras no território. Como prevalecia a

prática do consenso no GATT, tal não redundou na formação de maioria que

acarretasse em mudança radical de seus princípios. Porém, nas Nações Unidas, no

âmbito da Assembléia Geral, esses novos membros foram encontrar os pioneiros,

dentre os quais, os países latino-americanos, até então, porta-vozes quase solitários da

plataforma do desenvolvimento, que vinham implementando a proposta de

industrialização por substituição de importações, concebida por Raúl Prebisch, quando

da criação da Comissão Econômica da América Latina (CEPAL), nos final dos anos

1940.

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246

O encontro das duas vertentes no seio das Nações Unidas aumentou o reclamo

por condições adequadas ao desenvolvimento desses países, levando à proclamação

da década de 1960 como a Década do Desenvolvimento. E prosseguiram na

articulação que redundou, em oposição à rigidez do GATT, na convocação da

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), cujo

primeiro secretário geral foi justamente Raúl Prebisch.

Como efeito desse movimento, o GATT introduziria ao texto do Acordo Geral a

sua Parte IV, intitulada Comércio e Desenvolvimento, que atenuava o princípio da

reciprocidade, estabelecido pela Cláusula MFN, ao estipular que os países

desenvolvidos não deveriam esperar dos países em desenvolvimento, concessões no

mesmo nível que por eles houvesse sido efetuada, assim como reconhecia a

necessidade de melhorar as condições de acesso a mercados para produtos primários

de forma que seus preços garantissem renda suficiente para os países produtores e

fossem justos para os consumidores.

A segunda conseqüência desse processo foi a institucionalização da UNCTAD

como agência das Nações Unidas que, para os países em desenvolvimento, deveria se

constituir no grande foro de negociações comerciais, em alternativa ao GATT, onde não

encontravam espaço adequado e receptivo para suas demandas.

Outro desdobramento desse movimento foi a criação da primeira ampla coalizão

dos países em desenvolvimento, o Grupo dos 77 (G-77), que não sofria dos

constrangimentos de membership exigidos ao Movimento dos Não Alinhados e voltados

especificamente para o debate e a apresentação das reivindicações de ordem

econômica desses países, coroando a junção havida no início da década de 1960,

tendo sido o papel desempenhado por Prebisch fundamental para consolidar não

apenas a plataforma como a união do Grupo, significando a internacionalização de suas

idéias. O segundo passo consistiu na formulação da proposta do Sistema Generalizado

de Preferências, que procurava ampliar o acesso a mercados dos países desenvolvidos

Page 247: Texto Helio

247

e relativizar ainda mais a Cláusula MFN. Prebisch logrou superar as divisões em torno

da proposta, surgidas pelo temor dos países menos desenvolvidos entre aqueles em

desenvolvimento de ser o Sistema inicialmente direcionado apenas para os produtos

manufaturados e semi-manufaturados, por conta da alteração do perfil de países que já

operavam a transformação de suas economias como os da América Latina e Leste da

Ásia. Ainda, tratou de convencer os principais defensores do livre comércio e ardorosos

batalhadores contra a instituição de quaisquer sistemas preferenciais, os Estados

Unidos, a apoiarem sua proposta, operando um hábil jogo contra a Europa. Na II

Conferência da UNCTAD, em 1968, já institucionalizada como agência das Nações

Unidas, o SGP foi aprovado, sendo posteriormente adotado pelo GATT em 1971.

1973 marcaria o ano do início das transformações da ordem econômica mundial,

pois em setembro começava a Rodada Tóquio, estendendo-se até 1979, que, pela

primeira vez, agregaria novos acordos à esfera do GATT, assim como deliberaria pela

Enabling Clause que ampliava o escopo da não reciprocidade e estendia o sistema

generalizado de preferência para o intercâmbio comercial entre os países em

desenvolvimento. Porém, o grande impacto se daria com o prenunciado emprego do

petróleo como instrumento de barganha econômica, acelerado com a ocorrência da

Guerra do Yom Kippur. Em retaliação aos países ocidentais simpatizantes a Israel, os

membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) promoviam um

boicote aos Estados Unidos e a alguns países europeus e, mais ainda, decretavam

uma elevação dos preços da ordem de 400% indiscriminadamente, tanto para países

desenvolvidos quanto em desenvolvimento. Tal atitude fez com que alguns países em

desenvolvimento concebessem a proposta de empregar a mesma estratégia para

outros produtos primários, fazendo os países desenvolvidos temerem por uma escalada

mundial de cartelização de matérias-primas. Logo depois, na Conferência do

Movimento dos Não Alinhados em Argel, é lançada a proposta de uma Nova Ordem

Econômica Internacional, cujo mote fundamental consistia na revisão da divisão

internacional do trabalho. Uma série de encontros e conferências, inaugurando a

chamada oil diplomacy, foi encetada visando a encontrar meios que viessem a atender

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248

às reivindicações dos países em desenvolvimento assim como arrefecer os ânimos que

garantissem o abastecimento para os países desenvolvidos.

Em conseqüência, foram realizadas as VI e VII Sessões Especiais da

Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1974 e 1975, respectivamente, sendo que a

primeira lançava formalmente a plataforma da Nova Ordem Econômica Internacional e

a segunda discutia propostas que favorecessem os países em desenvolvimento assim

como a reforma da própria instituição, cujo propósito era voltado à sua reorientação

para esses países.

Os apelos inflamados do chamado Terceiro Mundo viriam, de um lado, a esboçar

as primeiras reações dos países desenvolvidos e, por outro, a começar a fragmentar a

ampla coalizão dos países em desenvolvimento. Assim, os países desenvolvidos

davam início a propostas visando a estabelecer algum mecanismo de consenso no

âmbito da UNCTAD ou do Conselho Econômico e Social, com o intuito de combater o

que chamavam de “tirania da maioria”, cujo ápice foi a equiparação do sionismo como

forma de discriminação racial. De outra forma, os países em desenvolvimento

dependentes das importações de petróleo, ainda que timidamente, manifestavam

insatisfações contra o tratamento igualitário conferido pelos países produtores sem

levar em conta as necessidades de seu desenvolvimento industrial.

Enquanto os países desenvolvidos paulatinamente se recuperavam do primeiro

choque, os países em desenvolvimento recorriam a empréstimos externos para pagar

precisamente a conta petróleo, porém desta vez não mais ao Fundo Monetário

Internacional, mas aos bancos privados internacionais, abarrotados dos petrodólares.

Esse processo, acentuadamente declinante para os países em desenvolvimento,

chegaria a seu auge ao fim da década de 1970, quando uma conjunção de fatores se

agregaria para golpear a articulação terceiromundista. A eleição da liderança

conservadora encabeçada por Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, seguida quase

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249

imediatamente pela de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, inspirados, no campo

econômico, pelas doutrinas monetaristas de cunho ortodoxo impregnadas de acento

liberal, viriam a trazer a idéia da primazia do mercado sobre o Estado, colaborando para

forte expansão das grandes empresas investidoras de tecnologia do Ocidente. Junta-

se a tais fatos, a invasão soviética sobre o Afeganistão que abalaria a hegemonia

comunista na Europa Oriental, minada posteriormente pela eleição do papa polonês e

da contestação operária neste país, implicando no recrudescimento da Guerra Fria. A

par, a segunda crise do petróleo, gerada pela revolução islâmica no Irã, agravaria a

situação dos países em desenvolvimento, expondo a lenta agonia do Terceiro Mundo,

cada vez mais endividado e empobrecido.

Os modelos alternativos à ordem liberal, que se instalava, começavam a entrar

em crise, todos centrados na ação do Estado, fossem o welfare state europeu, o

socialismo concreto soviético ou a substituição de importações latino-americanas,

restando menos vulneráveis os novos países industrializados (NICs) do Leste Asiático.

E, por conseguinte, a ampla coalizão do Terceiro Mundo também começava a se

esfacelar, quando Reagan decreta unilateralmente a morte da Nova Ordem Econômica

Internacional, no momento em que os lideres mundiais se encontravam reunidos para

buscar saídas para os países em desenvolvimento.

De outro lado, novas coalizões surgiam, porém, não formadas por Estados e sim

por grandes empresas preocupadas e interessadas em proteger os vultosos

investimentos efetuados em tecnologia e em garantir mercados seguros da contrafação.

Tinha início a reação dos países desenvolvidos, debilitados economicamente os

países em desenvolvimento, para inserir novos temas, como propriedade intelectual e

serviços, no âmbito do GATT, decorrentes da fantástica escalada tecnológica, calcada

em setores de ponta que viriam a revolucionar o conhecimento, a biotecnologia e a

informática, como também a química fina e novos materiais. Considerando que as

agências das Nações Unidas não se constituíam ambiente favorável às suas

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250

pretensões, o GATT, pela norma vigente do consenso, tornava-se campo mais seguro

para tal intento. A primeira investida foi infrutífera, porém estava demarcado o terreno

para a próxima vez, o que veio a ocorrer em 1986.

Em princípio, os países em desenvolvimento, aglutinados no Informal Group of

Developing Countries, reflexo do G-77 no GATT, tentaram bloquear a agenda proposta,

porém a unidade logo foi se desvanecendo, colocando-se de um lado, Brasil e Índia,

liderando a coalizão do G-10, vetando a ampliação da agenda. De outro, um grupo de

vinte países em desenvolvimento que, parte constituída pelos NICs – os quais tinham

interesse em ampliar suas exportações para os mercados externos – e parte, temerosa

de ficar à margem do processo, formaram o G-20, tendo como base primordial a

iniciativa do Embaixador colombiano de montar grupos de estudos e consultas para

avaliar o tema de Serviços, dinâmica posteriormente denominada Jaramillo Process.

Assim, enquanto uma coalizão se opunha veementemente a tratar da questão, outra foi

em busca de perspectiva negociadora pragmática. A fissura se daria quando o G-10

apresentou draft reafirmando sua posição, levando o G-20 para outro extremo,

juntando-se ao G-9, grupo de países desenvolvidos, principalmente europeus,

formando uma nova coalizão, inédita em termos da política comercial, o Café au lait,

cujo nome é atribuído por suas duas principais lideranças, Colômbia e Suíça. E foi

esse grupo que viabilizou o lançamento da Rodada Uruguai do GATT, ao apresentar

draft que incorporava as principais demandas de todos os lados. Ou seja, aqueles que

apontavam para a radicalização acabaram isolados e, posteriormente, na negociação

de ambos os novos temas, foram flexibilizando suas posições por conta do próprio

processo de adequação de suas economias à Nova Ordem Mundial, representada

justamente por esses dois novos temas, que representavam a inauguração da

economia ou era do conhecimento.

Nos temas de interesse dos países em desenvolvimento, particularmente

Agricultura, pouco antes do início da Rodada, outra coalizão foi forjada, igualmente de

característica inédita, juntando países em desenvolvimento e desenvolvidos, o Grupo

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251

de Cairns, sob a liderança da Austrália, voltada para combater o protecionismo agrícola

europeu. Situação incomum, em que, nesse caso, Estados Unidos e Comunidade

Européia estavam em pólos opostos, dando início ao surgimento de diferentes

clivagens em torno da variedade de temas que seriam incorporados no decorrer da

Rodada, ficando o Grupo mais próximo da posição norte-americana que, nessa

perspectiva, era até mais radical, exigindo imediata abertura dos mercados e redução

rápida dos subsídios agrícolas.

Tanto Cairns quanto Café au lait inauguravam a dinâmica de formação de single

issue coalitions, dotadas de características negociadoras e propositivas, fazendo

perceber que coalizões de veto, pura e simplesmente, não encontrariam espaço no

GATT, habituado ao consenso, e muito menos na rede complexa que se formava com a

inserção da diversidade de temas. O G-10 e o Café au lait acabaram sucumbindo

antes mesmo do princípio das negociações, mas por motivos diferentes. O G-10 se

esvaziou quando suas duas principais lideranças, Brasil e Índia se dispuseram a

negociar, e o Café au lait por não ter construído laços que propiciassem sua

sobrevivência após o cumprimento de seus objetivos. Restou Cairns como modelo de

sobrevivência, buscando sempre novas causas em torno do mesmo tema, mantendo o

Grupo bastante atuante até há pouco tempo atrás. Ambos fizeram escola, pois quase

todas as coalizões surgidas já no âmbito da nova Organização Mundial do Comércio

(OMC) eram – e são – fundamentalmente single issue coalitions.

A dinâmica criada pela OMC, definindo o consenso como processo deliberativo

maior e a adoção do princípio do single undertaking levou à formação de uma série de

coalizões móveis, compostas por diferentes atores, desprovidas de regras fixas de

pertencimento e alinhamento, colocando muitas vezes os integrantes de uma mesma

coalizão em oposição em outra coalizão, configurando a chamada geometria de

coalizões variáveis.

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252

As sucessivas Conferências Ministeriais da OMC, órgão máximo deliberativo,

transformaram-se em momentos cruciais da organização e do avanço da liberalização

comercial. Cingapura, em 1996, já apresentava outros novos temas – ou novíssimos –

que opunham países desenvolvidos a países em desenvolvimento, mas não houve

veto, deixando-se simplesmente para se negociar posteriormente após a conclusão dos

grupos de estudos formados para analisá-los ou, no caso de padrões trabalhistas,

considerá-lo de competência da Organização Internacional do Trabalho. Em Genebra,

o mesmo se deu em Comércio Eletrônico, protelando-se as negociações.

Entre Genebra e Seattle, apareceram as primeiras especulações, movidas pela

Comunidade Européia, acerca do lançamento de nova rodada de negociações

multilaterais, embora houvesse entendimento generalizado que novas rodadas não

seriam mais necessárias, cabendo à OMC a condução das negociações, em nível

ordinário. No entanto, buscando escapar do ataque dos países que visavam a seu

mercado agrícola, trouxe a proposta como estratagema objetivando dotar-se de

elementos maiores de barganha.

Não houve consenso em Seattle quanto à inclusão dos novíssimos temas, dada

a oposição de alguns países em desenvolvimento que cobravam, antes de tudo, a

implementação de acordos da Rodada Uruguai e o prosseguimento de outros,

relacionados a temas que eram de sua conveniência e interesse, como Agricultura,

processo conhecido como built-in-agenda. Além disso, igualmente fato inédito, ocorreu

a rebelião dos países de menor desenvolvimento relativo que, tradicionalmente, ficavam

à margem do processo negociador e deliberativo, aceitando tudo o que era antes

tratado a portas fechadas por grupo restrito de países – o Green Room – que constituía

prática herdada do antigo GATT. E, muito mais por essa ferrenha oposição do que

pelas manifestações de rua protagonizadas pelos movimentos contrários à globalização

– que viam na nova OMC sua mais perfeita tradução, diferentemente do GATT que

tinha um aspecto essencialmente técnico – a III Conferência redundou em fracasso

absoluto. O que difere a fugaz tentativa de se lançar a Rodada do Milênio da bem

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253

sucedida instalação da Rodada Uruguai é que, em primeiro lugar, os países em

desenvolvimento não se opuseram gratuitamente à inclusão dos novos temas, mas

aprenderam a utilizar o poder de barganha que dispunham para exigir a implementação

de acordos que os beneficiavam, embora valha salientar que não se tratava de posição

unânime, mas de alguns deles. Em segundo lugar, a revolta provocada pelos menores

não aconteceu para negar a Organização ou o sistema, mas para pleitear maior

participação e audiência, recusando-se ao papel de massa de manobra. Ou seja, todos

passaram a entender a dinâmica de trade off propiciada pela Organização, fruto da

vinculação de todos os temas e da própria condição do consenso.

Para a IV Conferência Ministerial, a perspectiva da ausência de consenso

novamente se avizinhava com a repetição das divisões entre os temas, acrescido por

outro mais polêmico, a questão relativa a acesso a medicamentos, o qual ganhou

intensa relevância pelo êxito do Programa brasileiro de atenção a portadores do

HIV/AIDS e pela dramática situação africana, opondo a coalizão de TRIPS e saúde

pública, apoiada pelas organizações não-governamentais, contra alguns países

desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Suíça. Com os atentados de

11 de setembro e a iminência de uma escalada recessiva mundial e a encruzilhada em

que se encontrava a OMC, todas os Membros cederam em suas posições iniciais,

possibilitando condições para se chegar ao consenso e viabilizar o lançamento de nova

rodada de negociações multilaterais, intitulada Agenda de Doha para o

Desenvolvimento, cuja tônica dominante era a maior inserção dos países em

desenvolvimento e, particularmente os de menor desenvolvimento relativo no sistema

comercial multilateral.

Mais uma vez, em Doha, a norma deliberativa do consenso facilitou o

entendimento, considerando as circunstâncias externas, e todos, de alguma forma,

perderam ou ganharam. Foram inúmeras as posições e coalizões estabelecidas para

as negociações, mas no trade off, todas apresentavam atitudes propositivas e não

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254

negativas ao processo, tentando apenas, maximizar seus ganhos e interesses, mas

diante da perspectiva de tudo perder, cederam em algo.

Diante do exposto, pode-se depreender que as hipóteses enunciadas

originalmente são passíveis de confirmação, uma vez que coalizões reforçam o poder

de barganha dos países em desenvolvimento, e o consenso constitui elemento de

fortalecimento da posição desses países, tornando-se, igualmente, importante fator de

negociação para o prosseguimento da liberalização do comércio mundial. Se os países

em desenvolvimento, no decorrer do processo de multilateralização do comércio

mundial desde a OIC, passando pelo GATT e, principalmente, culminando na OMC,

oscilaram em poder e influência, os mais de cinqüenta anos desse sistema significaram

aprendizado de como transitar e ondular em um ambiente que não fora por eles criado

nem para eles desenhado.

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255

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