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Programa Minimalista em Foco: Princípios e Debates José Ferrari-Neto

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Programa Minimalista em

Foco: Princípios e Debates

José Ferrari-NetoCláudia Roberta Tavares Silva

(organizadores)

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Os Organizadores:

José Ferrari NetoPossui graduação em Letras pela Universidade Católica de Petrópolis (1999), especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), mestrado (2003) e doutorado (2008) em Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica - RJ (2003). Tem experiência em docência e pesquisa na área de Linguística, com ênfase em Psicolinguística e Aquisição da Linguagem. Atualmente é Professor Adjunto I de Linguística e Língua Portuguesa na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), atuando no LAPROL (Laboratório de Processamento Linguístico)

Cláudia Roberta Tavares SilvaGraduou-se em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e doutorou-se em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística dessa universidade, tendo realizado o doutorado sanduíche na Universidade Nova de Lisboa (UNL) no período de 2003 a 2004. Atualmente, é Professora Adjunta 2 e docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), atuando nas áreas de Letras e Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, centrando a atenção principalmente nos campos da sintaxe, da morfologia e da variação linguística.

Os Autores:

Adeilson Pinheiro Sedrins Professor Adjunto de Língua Portuguesa da Universidade Federal Rural de Pernambuco - Unidade Acadêmica de Serra Talhada. Doutor em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas (2009). Graduado em Letras (Português-Inglês) pela Universidade Federal de Alagoas (2004). Atua em pesquisas na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, principalmente em pesquisas sobre a sintaxe das construções nominais do português brasileiro, sob a perspectiva da teoria gerativa chomskyana.

Danniel da Silva Carvalho Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (2004) e doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (2008) com estágio sanduíche na Queen Mary, University of London. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: sintaxe, traços-phi, variação linguística, sistema pronominal do português.

Dorothy Bezerra Silva de Brito Possui Licenciatura em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (2004) e doutorado em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas (2009) com estágio sanduíche na Universidade de Cambridge, Inglaterra (2007-2008).Tem experiência na área de Linguística, com ênfase

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em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: concordância, clíticos reflexivos, reflexivo, teoria de traços e gramática gerativa. Atualmente é professora adjunta I de Linguística na Universidade Federal Rural de Pernambuco - Unidade Acadêmica de Serra Talhada.

Eduardo Kenedy Nunes Arêas Professor Adjunto de Linguística da Universidade Federal Fluminense (UFF), lotado no Departamento de Ciências da Linguagem (GCL). Atua na graduação em Letras e no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Pesquisador na área de Psicolinguística e Teoria Linguística. Fundador e coordenador do Grupo de Estudos em Psicolinguística (GEPSICO - UFF) e de seu Laboratório (LAPSI - UFF). Doutor e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Interesses de pesquisa: Psicolinguística: aquisição e processamento de línguas naturais; interfaces entre sintaxe, semântica e discurso; distúrbios da linguagem e déficits linguísticos; linguagem e evolução. Teoria Linguística: modelos cognitivos de Língua-I; estudos comparativos de sintaxe; morfossintaxe do português brasileiro.

Letícia Maria Sicuro Corrêa Obteve PhD., em 1986 (University of London), com tese em Psicolinguística, e desde então atua no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUC-Rio. Coordenou o GT (Grupo de Trabalho) de Psicolinguística da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística), de 1988-2002, fundou e coordena o LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem) e atuou como pesquisador visitante (CNRS) na Universidade Paris-V. Sua linha de pesquisa Processamento e Aquisição da Linguagem se caracteriza por integrar teoria linguística (na perspectiva do Minimalismo) com o estudo psicolinguístico da produção e da compreensão da linguagem, e da aquisição da língua materna, na perspectiva da criança que processa a fala à sua volta. Recentemente, essa linha de pesquisa se desdobra para o estudo do Déficit Específico da Linguagem dando origem a projetos de cunho mais aplicado, voltados para a identificação da natureza dos problemas de linguagem de crianças.

Maria Denilda Moura Possui Graduação em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (1964), mestrado em Letras - Université de Besançon (1972) e doutorado em Linguística Teórica e Descritiva- Université Paris 8 (1980). Realizou estágios de pós-doutoramento na University of Ottawa e na École Pratique des Hautes Études - Université Paris 4. Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de Alagoas, pesquisador da Universidade Federal de Alagoas, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nas seguintes áreas: linguística, variação linguística, sintaxe comparativa, sintaxe do português.

Marcelo Amorim Sibaldo Possui graduação em Letras pela Universidade Federal de Alagoas (2004) e doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (2009). Atualmente é Professor Adjunto I da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Tem experiência na

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área de Linguística. Atuando principalmente nos seguintes temas: Português Brasileiro, Sintaxe Gerativa, Sintaxe da Predicação, Small Clauses, Cópula.

Marina Rosa Ana Augusto Possui graduação em Letras pela Faculdade Ibero Americana de Letras e Ciências Humanas (1987), mestrado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (1994) e doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (2003) . Atualmente é Professor Colaborador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística. Atuando principalmente nos seguintes temas: ilha factiva, teoria gerativa, movimento.

Mirian Santos de Cerqueira Possui graduação em Letras (habilitação português/inglês) pela Universidade Federal de Alagoas (2001), mestrado (2003) e doutorado em Linguística (2009) pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas. É Professora Adjunta do Curso de Letras da Universidade Federal de Goiás, Campus de Goiânia, em regime de dedicação exclusiva, desde maio de 2010, onde ministra as seguintes disciplinas: Sintaxe, Sintaxe do Português e Estágio em Ensino de Língua Portuguesa.

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Sumário

Prefácio

João Costa

00

1 Introdução: As Bases e os Objetivos da Gramática Gerativa

José Ferrari-Neto

00

2 O Minimalismo: Conceitos-Chave

José Ferrari-Neto

00

3 Traços

Danniel da Silva Carvalho

00

4 Estrutura de Constituintes

Adeílson Pinheiro Sedrins e Marcelo Amorim Sibaldo

00

5 Léxico e Computações Lexicais

Eduardo Kenedy Nunes Arêas

00

6 Entendendo a Concordância sob o Viés Minimalista

Cláudia Roberta Tavares Silva, Maria Denilda Moura e Mirian Santos de

Cerqueira

00

7 Movimento

Adeílson Pinheiro Sedrins

00

8 Derivação em Fases

Marcelo Amorim Sibaldo

00

9 Teoria da Ligação

Cláudia Roberta Tavares Silva e Dorothy Bezerra Silva de Brito

00

10 A Aquisição da Linguagem no Arcabouço Minimalista sob uma

Perspectiva Psicolinguística

Letícia Maria Sicuro Corrêa e Marina R. A. Augusto

00

1

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Introdução: As Bases e os Objetivos da Gramática Gerativa

José Ferrari-Neto

1. A Capacidade Humana de Linguagem:

Das coisas que distinguem os seres humanos dos animais, certamente uma das

que mais chamam a atenção é a linguagem. De fato, ainda que algumas espécies

animais possuam sistemas de comunicação bastante interessantes (como o

movimento das abelhas ou a vibração sonora emitidas pelas baleias, por exemplo),

nenhum desses parece sequer se aproximar da sofisticação, complexidade e poder

exibidos pela linguagem humana. As diferenças entre eles são tão grandes e marcantes

que só mesmo metaforicamente pode-se usar o termo “linguagem” para denominar os

sistemas comunicativos dos animais. Quando se observa que, mesmo submetidos a

treinamento intenso, animais não aprendem linguagem humana (experiências desse

tipo conduzidas com chimpanzés provam essa afirmação) e que crianças adquirem sua

língua materna de forma rápida e eficiente, aparentemente sem esforço, parece não

haver dúvidas de que a linguagem é uma faculdade específica da espécie humana.

Durante algum tempo, prevaleceu a ideia de que a linguagem humana era algo

socialmente constituído, adquirido e compartilhado. Essa visão é típica das correntes

estruturalistas que dominavam a Linguística na primeira metade do século XX, e que

ainda encontram guarida em muitas teorias linguísticas atuais. Não cabe aqui discutir

as razões pelas quais muitos adotam tal ponto de vista, conquanto se deseje apontar

que, a partir da década de 1950, com os trabalhos do linguista norte-americano Noam

Chomsky, houve uma ruptura com essa visão. A concepção externalista da Linguística

Estruturalista cede lugar à concepção internalista, na qual o foco de interesse está

menos nos aspectos sociais, culturais, comunicativos e interacionais das línguas

humanas, e mais nos aspectos formais, relativos à compreensão e à produção de

enunciados linguísticos pelos falantes.

A visão internalista é também conhecida por mentalista, uma vez que acredita

que esses aspectos ligados à produção e à compreensão residem, em ultima análise,

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na mente dos falantes. Sob essa visão, a linguagem seria um componente especifico da

mente humana. Para usar uma notação típica de Chomsky, pode-se dizer que a

linguagem é um componente P da mente humana, um certo estado mental, ao lado de

outros componentes M, N, O, os quais poderiam representar a memória, o

pensamento, e o raciocínio, por exemplo. As diferentes línguas humanas existentes

corresponderiam, sob essa perspectiva, em diferentes instanciações de P. Chomsky,

dessa forma, impõe um deslocamento no foco de atenção da Linguística – a

preocupação passa a ser a caracterização dos estados mentais subjacentes à produção

e à compreensão de sentenças de uma língua, e não mais a descrição e a categorização

dos produtos externos desses estados, os quais são efetivamente produzidos e

percebidos pelos falantes sob a forma de expressões de uma língua. Esses últimos, de

resto, continuavam a receber tratamento descritivo em outros ramos da ciência da

linguagem.

O componente mental dedicado à linguagem humana é concebido, de acordo

com uma concepção mentalista, como uma gramática gerativa, de onde decorrem

outros termos assemelhados, como gerativismo ou Linguística Gerativa. O termo

gerativo (uma tradução da palavra inglesa generative, sendo que em Portugal há ainda

o termo generativo) alude ao fato de que a linguagem pode ser concebida, na

perspectiva internalista, como uma capacidade ou conhecimento (ou talvez como

mecanismo) que gera expressões linguísticas, ou seja, que constrói objetos abstratos

que se constituem como instruções aos sistemas físicos de produção e compreensão

de sentenças. Esses objetos abstratos produzidos por esse mecanismo gerativo

também podem ser entendidos como representações mentais da relação som-sentido

codificada em uma sentença, razão pela qual são entendidas pelos sistemas

responsáveis pelo processamento dos aspectos sonoros (como os aparelhos auditivo e

fonador, por exemplo) e significativos (como os sistemas conceptuais) da linguagem

humana. Gerativismo normalmente nomeia a linha de investigação linguística

inaugurada por Chomsky em meados das décadas de 1950/1960 e trilhada desde

então por seus seguidores, ainda que existam correntes ditas gerativistas não

diretamente ligadas a Chomsky1.

1 Dentre essas podem ser citadas a Lexical-Functional Grammar (Bresnan, 2000) e a Head Driven Phrase Structure Grammar (Sag & Wasow, 1999), todas assumindo uma concepção mentalista de linguagem e

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Esse componente da mente humana tem recebido vários nomes ao longo do

desenvolvimento da Linguística Gerativa – faculdade da linguagem, órgão (mental) da

linguagem, instinto da linguagem (proposto pelo cientista cognitivo canadense Steven

Pinker) e, mais recentemente, Gramática Universal. Modernamente, tem-se preferido

o termo Gramática Universal para nomear a capacidade humana de linguagem. Uma

teoria que dê conta de especificar as características e propriedades dessa capacidade é

denominada teoria da Gramática Universal, sendo que a construção dessa teoria

constitui o principal objetivo dos gerativistas. Nesse sentido, o termo gramática,

tomado isoladamente, designa tanto o conjunto de mecanismos mentais dedicados à

produção/compreensão de sentenças quanto o construto teórico elaborado com vistas

à explicitação das propriedades, características e o modo de funcionamento desse

mecanismo. A colocação do adjetivo universal decorre do fato de que, segundo

Chomsky, essas características, propriedades e modo de funcionamento são universais,

ou seja, são observados em todos os falantes de todas as línguas humanas. É por isso

que se diz que a Linguística Gerativa está interessada nos universais linguísticos, aqui

entendidos como o conjunto das propriedades gerais e universais da linguagem

humana, e, nesse sentido, diferente de outras noções de “universais linguísticos”2.

A explicitação do que realmente constitui a Gramática Universal é o grande

objetivo do Programa Minimalista. O objetivo desse livro é mostrar e ilustrar algumas

das características da Gramática Universal, numa ótica minimalista. Mas, antes de se

seguir nessa tarefa, cumpre dizer que a concepção de Gramática Universal se assenta

em bases bastante sólidas. A caracterização dessas bases, portanto, torna-se

fundamental, e é o que será feito nas seções a seguir.

1.1 As Bases Cognitivas da Gramática Universal

Um dos pontos em que se apoia a concepção de Gramática Universal é o fato

de os linguistas gerativistas a considerarem parte da cognição humana. Isso significa

dizer que a linguagem faz parte daquilo que os seres humanos conhecem – daí que um

dos objetivos da Linguística é justamente determinar o que os falantes sabem sobre

sua língua, o que os torna capazes de produzir e compreender expressões em sua

buscando caracteriza-la como um mecanismo gerativo de sentenças.2 Como, por exemplo, os universais lingüísticos de Greenberg (1963)

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língua nativa. Boa parte da pesquisa gerativista tem-se concentrado na caracterização

desse conhecimento linguístico, sua forma, natureza e propriedades.

Essa abordagem cognitiva da linguagem decorre de uma constatação óbvia:

falantes de uma língua são capazes de ter intuições sobre a forma das sentenças, de

maneira a captar coisas não diretamente observadas nos dados iniciais. Os exemplos

clássicos que ilustram essas intuições são as sentenças ambíguas, a descontinuidade

entre constituintes e as sentenças agramaticais. Vejamos as frases abaixo:

(1) Carlos falou com a menina que mora longe.

(2) O operário que disse que viria nos ajudar está chegando hoje.

(3) *O que a Lia disse que o colega que emprestou faltou hoje ?

Um falante de português, se instado a tal, não teria dificuldades em afirmar

que, no caso de (1) o constituinte [que mora longe] pode estar se referindo tanto a

[Carlos] quanto a [a menina], o que acarreta um duplo sentido para a frase: ou Carlos

disse à menina que ele, Carlos, mora longe, ou Carlos disse algo para a menina e ela

sim é quem mora longe. Já no caso de (2) a distância linear entre [o operário] e [está

chegando hoje] não impede que o primeiro segmento seja interpretado como o sujeito

do segundo segmento, ou seja, a relação sintática entre dois segmento de frase pode

ocorrer mesmo que esses segmentos não estejam em posições contíguas na sentença.

Por fim, (3) dificilmente seria aceita como uma forma interrogativa possível para a

frase Lia disse que o colega que emprestou o carro faltou hoje, e na qual o pronome

interrogativo que corresponde a [carro] na frase afirmativa.

O que mais chama a atenção em casos como os acima não são exatamente as

diferenças observadas, mas sim o fato de sermos capazes, como falantes de português,

de perceber essas diferenças mesmo sem as sentenças fornecerem pistas para isso.

Em realidade, as sentenças se nos apresentam à percepção como uma simples

sequência linear de palavras; entretanto, algo em nossa mente confere às sentenças

uma estrutura hierárquica, de sorte que podemos captar o modo como os elementos

se combinam para produzir o significado. Além disso, esse “algo” nos torna capazes de

identificar diferenças robustas entre sentenças aparentemente muito semelhantes,

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como Joaquim é capaz de alegrar (onde Joaquim é quem alegra) e Bolo é fácil de fazer

(onde o bolo é feito por alguém). Enfim, para um falante compreender e produzir uma

sentença, é necessário ir além daquilo que se apresenta diretamente à sua percepção,

e, para “ir além”, é preciso ter algum tipo de conhecimento sobre a língua. Esse

conhecimento igualmente permite ao falante reconhecer sentenças bem ou mal

formadas em sua língua. Observemos as frases a seguir:

(4) Jaques não comprará passagem para a viagem de férias.

(5) Para a viagem de férias, Jaques não comprará passagem.

(6) ?Não comprará, para a viagem de férias, Jaques a passagem.

(7) *de férias não viagem a comprará para passagem a Jaques.

Reconhecemos sem problemas como bem formadas as sentenças (4) e (5),

ainda que em (5) tenha havido uma mudança na ordem dos constituintes.

Conseguimos proceder assim em razão de nosso conhecimento sobre o português,

conhecimento este que faz com que estranhemos (6), tendo alguma dificuldade em

aceitá-la como uma frase possível em português. Mas não há modo de algum falante

de português tomar (7) como uma sentença válida em nossa língua: nosso

conhecimento de português nos impede de tomar uma decisão assim.

Concluindo, os falantes de línguas humanas possuem um conhecimento

linguístico que os torna capazes tanto de reconhecer como as palavras se combinam

para formar uma frase e o sentido que decorre dessa combinação, atribuindo à frase

em questão uma estrutura hierárquica abstrata, quanto de avaliar sua correção e boa

formação. Por outro lado, é importante enfatizar que esse conhecimento linguístico é

tácito, o que significa dizer que não adianta perguntar aos falantes de uma dada língua

as regras e os princípios de combinação e boa formação de sentenças – o falante não

conseguirá explicitá-los (a menos que seja um linguista !), ainda que faça uso dessas

mesmas regras e princípios constantemente em seu uso linguístico. O objetivo da

Linguística Gerativa, em suas várias versões, inclusive o Programa Minimalista, é

justamente tornar esse conhecimento explícito, por meio da elaboração de um modelo

teórico que espelhe as características e propriedades desse conhecimento.

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Ao longo da história do Gerativismo, esse conhecimento recebeu

denominações diversas. Inicialmente, chamou-se a ele competência linguística,

referindo-se ao conhecimento tácito que um falante possui sobre sua própria língua. O

termo competência foi definido em contraste com o termo desempenho

(performance), usado para designar tanto o uso ou os produtos desse conhecimento

em situações efetivas de comunicação linguística, quanto os mecanismos de percepção

e processamento de linguagem que subjazem à competência. Esses termos enfatizam

a divisão entre o conhecimento linguístico, de natureza mental e interiorizado, de um

lado, e o aspecto visível desse conhecimento, manifestado nas sentenças produzidas,

de outro. O foco de interesse da Linguística deve ser a descrição da competência,

servindo-se, para isso, dos dados do desempenho.

Posteriormente, o conhecimento de um falante sobre sua língua foi definido

em termos de língua-I. Com esse termo, Chomsky faz alusão ao fato de que, ao

estudarmos a competência linguística, estamos, em realidade, estudando um sistema

cognitivo interno, individual e intensional (com S), presente nas estruturas

mentais/cerebrais de um falante de uma dada língua. Um falante de português, por

exemplo, possui um falante internalizado que o capacita a produzir sentenças em

português. E o mesmo se dá com falantes de inglês, francês, japonês, ou qualquer

outra língua humana natural. – é a esse conhecimento que Chomsky denomina língua-

I. Estudar o português como língua-I equivale a estudar o sistema de conhecimentos

mental e internalizado que um falante de português apresenta em sua mente.

Assim compreendido, o termo língua assume um contorno peculiar no

gerativismo, um tanto distinto daquele em que é habitualmente empregado. Língua se

refere a um determinado sistema de conhecimentos linguísticos radicados na mente, e

não mais somente aos objetos materiais (que se consubstanciam em sentenças e

expressões) gerados por esse sistema – para esses, o termo adequado é língua-E (de

externa e extensional), definida como o conjunto de sentenças possíveis de serem

determinadas pela língua-I. Fica, desse modo, bem marcada a distinção entre a

intensão (o sistema) e a sua extensão (os produtos gerados por esse sistema). Deve-se

ter a língua-I como objeto principal de investigação da Linguística, e, para estudá-la,

usamos os dados da língua-E.

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Uma teoria sobre a competência linguística de um falante de uma dada língua,

ou, dito de outro modo, uma teoria sobre a língua-I, é denominada gramática, definida

como um modelo teórico da competência/língua-I. Nesse sentido, o termo gramática

aproxima-se da noção de língua apresentada acima – assim, se se estuda o sistema de

conhecimentos de um falante de russo, deve-se focar a gramática internalizada que

um falante de russo possui. O termo gramática afasta-se, dessa forma, do sentido

normativo-prescritivo usual e passa a nomear uma teoria de uma língua-I particular,

isto é, um modelo teórico do sistema de conhecimentos representado por essa língua-

I. Esse modelo deve satisfazer a requisitos de adequação descritiva, na razão em que

deve permitir a geração (isto é, a formação e a interpretação) de sentenças de uma

língua, e somente essas, possibilitando assim a descrição da estrutura abstrata dessas

sentenças.

É a partir das diversas “gramáticas” das línguas-I particulares que é construída a

teoria da Gramática Universal. Em realidade, a Gramática Universal pode ser

concebida como uma gramática de todas as línguas-I possíveis (Chomsky define-a

como sendo “uma teoria das línguas-I...que reconhece as línguas-I que são

humanamente acessíveis (isto é, adquiridas) pelos seres humanos”.). Isto quer dizer

que a Gramática Universal constitui-se como uma teoria a respeito das gramáticas

possíveis das línguas humanas, como se tratasse da resposta à pergunta quais são as

características que definem/especificam as gramáticas das línguas-I ?

Gramática da(s) língua(s)-I é, portanto, uma teoria sobre o conhecimento que

temos de uma língua humana particular; Gramática Universal é uma teoria sobre a

natureza geral do conhecimento linguístico. A primeira especifica propriedades

específicas de cada língua, a segunda determina as propriedades universais da

capacidade humana de linguagem. A Gramática de uma língua-I é uma descrição

(modelo) teórica do conhecimento internalizado que um falante tem de sua língua;

Gramática Universal é uma descrição (modelo) teórico do que torna possível esse

conhecimento ser adquirido, se desenvolver e ser usado efetivamente.

Para elaborar tanto uma gramática da língua-I quanto um modelo de Gramática

Universal, os linguistas lançam mão de um recurso eficiente (ainda que controverso !):

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o julgamento de gramaticalidade. Explorando as intuições que os falantes possuem

sobre sua língua, os linguistas podem testar hipóteses sobre possíveis princípios que

regem as gramáticas, bem como sobre possíveis estruturas subjacentes às sentenças e,

com isso, podem ter acesso aos conteúdos mentais da linguagem, determinando,

assim, suas características e propriedades – podem, igualmente, construir uma

gramática de língua-I e elaborar uma teoria de Gramática Universal. A gramaticalidade

é uma medida de boa formação linguística, isto é, o quanto uma dada expressão é

gerada de acordo com os princípios da gramática da língua-I sob análise, tão tendo

nada a ver com a ideia de normatização e prescrição da gramática tradicional. O

julgamento de gramaticalidade é uma ferramenta poderosa, na medida em que

permite deduzir princípios gerais de funcionamento e estruturação linguística a partir

de um conjunto de dados de produção submetidos à análise intuitiva dos falantes.

Para fechar esse ponto sobre as bases cognitivas da capacidade humana de

linguagem, cumpre analisar o modo como a linguagem se encaixa na organização geral

dos sistemas de conhecimentos igualmente radicados na mente humana. Sobre esse

ponto, duas perspectivas têm sido adotadas. A primeira vê a cognição indissociada por

domínio, o que significa dizer que todos os domínios cognitivos (como a cognição

numérica, musical, etc.) são produtos de uma mesma capacidade cognitiva geral, que

se desenvolve segundo padrões universais e imutáveis. Essa perspectiva é denominada

holismo, e é observada em algumas correntes da Psicologia Cognitiva, como as teorias

de Jean Piaget e de Lev Vygotsky, por exemplo, e da Linguística Geral, como a

Linguística Cognitiva. A segunda perspectiva, adotada por Chomsky e demais

gerativistas, concebe a cognição humana como que constituída de módulos cognitivos

especializados, com propriedades específicas para cada módulo e com padrões de

desenvolvimento distintos. O nome dado a essa concepção é modularidade, e sua

formulação inicial remete a Fodor (1983). A noção de Gramática Universal é

fortemente apoiada numa concepção modular da mente, postulando então princípios

de funcionamento e modos de desenvolvimento bastante específicos, o que significa

dizer que a aquisição e o funcionamento da linguagem ocorrem de forma altamente

independente em relação a outros domínios da cognição. As principais evidências para

sustentar a ideia de modularidade da linguagem provêm da análise de casos de

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pessoas que apresentam déficits cognitivos e interacionais severos (como casos de

retardo mental agudo e autismo, respectivamente), mas que ainda assim preservam

intocada em grande medida a capacidade de adquirir e usar uma língua. A análise e a

descrição do processo de aquisição da linguagem, um dos pontos centrais do projeto

de investigação gerativista, também mostrou que o desenvolvimento da linguagem

ocorre de forma bastante singular, com marcos desenvolvimentais que só

indiretamente se relacionam com seus correlatos em outros módulos da cognição

humana.

1.2 As Bases Biológicas da Gramática Universal

Outro ponto de apoio da ideia de Gramática Universal está assentado na

organização biológica da espécie humana. Ao se analisarem alguns fatos da linguagem,

observam-se alguns fenômenos e características que, ao que parece, lhe são bastante

peculiares. Propriedades das línguas humanas naturais que têm sido apontadas ao

longo do desenvolvimento da Linguística (como a dupla articulação, a estruturação

sintática, etc.) são registradas apenas na linguagem humana, e em nenhuma outra

forma de comunicação ou interação animal. E é evidente também que apenas os seres

humanos são capazes de adquirir e usar um sistema com as características da

linguagem humana (até o momento, a pesquisa científica não evidenciou uma única

espécie animal que tenha aprendido uma língua natural, a despeito das muitas

tentativas nesse sentido, em especial como hominídeos, com resultados pouco

animadores).

Se é assim, a pergunta que se impõe é: o que é que os seres humanos possuem

que os torna capazes de adquirir e usar uma língua natural ? A resposta, intuiu

Chomsky, só poderia estar na organização biológica da espécie, a qual determinaria

certas propriedades mentais dedicadas à capacidade linguística. Isso implica admitir

que a Gramática Universal é produto da constituição biológica humana, ou seja,

adquirimos e usamos uma língua natural porque assim o permite a configuração

biológica da nossa espécie. Assim, da mesma forma que somos biologicamente

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“programados” para enxergar ou andar sobre duas pernas, somos igualmente aptos a

desenvolver uma capacidade para a linguagem. A analogia com outros órgãos do corpo

não é gratuita nem fortuita – Chomsky tem-se referido à capacidade linguística

humana como um órgão mental.

Esse órgão mental se desenvolveria de modo a apresentar suas características e

propriedades particulares porque a Gramática Universal assim as determina, e

somente os seres humanos adquirem línguas naturais porque a Gramática Universal é

produto da constituição biológica humana. A capacidade humana de linguagem não é

só mentalista e cognitiva, ela é também biológica, no sentido em que esse termo

remete ao modo específico como a espécie humana se constitui ao longo do processo

evolutivo.

Tal visão “biológica”, contudo, não está livre de discussões e polêmicas. No

decorrer da história das reflexões filosóficas e dos estudos sobre a linguagem, a

concepção biológica da linguagem repetidas vezes entrou em choque com uma outra

visão, a que enxerga a capacidade humana de linguagem como um produto social,

decorrente do modo como os seres humanos se organizam socialmente. No fundo,

trata-se do velho debate entre os que concebem a linguagem como um produto

natural, portanto decorrente da organização mental da espécie, e os que postulam a

ideia de que a linguagem é um produto convencional, determinado pelo modo como é

usado na comunicação, expressão e interação entre os seres. Já no século V a.c., tal

discussão se fazia presente, como ilustra o filósofo grego Platão em seu famoso

diálogo Crátilo. Desde então, as posições naturalista e convencionalista têm se

alternado na preferência dos filósofos e dos linguistas.

Segundo Chomsky, a resistência em se aceitar a ideia de um “órgão mental” da

linguagem, em analogia com outros órgãos da anatomia humana, é uma decorrência

da grande dificuldade de se admitir que a linguagem, assim como outros produtos do

pensamento, possui um lugar no mundo natural, podendo (e devendo !) ser

investigado da mesma forma que em outros fenômenos naturais, tais como os físicos,

químicos ou biológicos. Abordamos a linguagem, diz Chomsky, de forma muitas vezes

irracional – ao descrevermos a visão, por exemplo, começamos por descrever os

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órgãos envolvidos, sua constituição física, seu modo de funcionamento, sua relação

com os demais sistemas do corpo, até que tenhamos uma teoria do sistema visual,

mas ninguém se preocupa em saber, logo de início, como o modo com que nos

relacionamos ou trazemos marcas culturais afeta a maneira como “vemos” coisas. Só

para a linguagem esses fatores são tomados como fundamentais. Isso não quer dizer

que a cultura, a sociedade, a comunicação, a interação, e outras coisas, não tenham

lugar ou importância na linguagem, certamente o têm, em especial quando se

consideram questões ligadas à língua-E: aspectos culturais representados nas línguas,

o papel social delas, suas funções na sociedade, etc. Mas essas questões não são

relevantes quando se trata de determinar as propriedades básicas da linguagem ou

sua aquisição. Basta imaginar o quanto seria difícil, por exemplo, explicar certas

características, como a recursividade ou a estrutura sintagmática em termos de uso

social, comunicativo, ou em termos de ferramenta ou instrumento de interação. É por

essa razão que uma investigação de base biocognitiva e mental melhor se presta a

uma abordagem estritamente gramatical e científica da linguagem, podendo apontar

relações causais entre os fatos linguísticos, e saindo da simples descrição de aspectos

da linguagem e seu uso.

1.3 A Hipótese Inatista:

O terceiro ponto do tripé em que se assenta a ideia de uma capacidade

humana de linguagem e a questão do inatismo. Assumindo-se a natureza mental,

cognitiva e biológica da Gramática Universal, fica faltando postular uma hipótese

concernente ao problema de se explicitar o modo como ela se desenvolve na mente

dos falantes e sobre que bases esse processo ocorre. Em outras palavras, trata-se da

necessidade de se formular uma hipótese inicial para o processo de aquisição e

desenvolvimento da linguagem.

A descrição e a explicação de tal processo é, incontestavelmente, um dos

objetivos principais da Linguística Gerativista. Pode-se até mesmo dizer que toda a

elaboração teórica do gerativismo é orientada por esta questão. Isso porque, da

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mesma forma que o modelo teórico da gramática deve satisfazer a um critério de

adequação descritiva (deve dar conta da geração das sentenças de uma língua, e

somente essas), deve atender também a requisitos de adequação explicativa, isto é, o

modelo deve prever o modo como a criança adquire sua língua. Portanto, a adequação

descritiva e a adequação explicativa surgem como critérios empíricos de verificação e

testagem da eficiência do modelo.

O problema central suscitado pela questão da aquisição da linguagem é o de

determinar a origem do conhecimento linguístico: provém ele da experiência dos

sentidos ou sua origem está situada na própria constituição da razão humana ? Em

realidade, a questão da origem do conhecimento linguístico está inserida no debate

maior da questão da origem de todo o conhecimento humano, a qual vem motivando

um longo e vasto debate no campo da epistemologia. De um lado, situam-se os que

concebem a fonte do conhecimento na experiência dos sentidos, chamados

empiristas. O empirismo como corrente epistemológica tem seu início em Aristóteles,

e teve como destacados defensores os filósofos David Hume, John Locke, George

Berkeley e, mais recentemente, Bertrand Russell. Os defensores do empirismo

acreditam que a origem do conhecimento em geral (e, por extensão, do conhecimento

linguístico) está situada na experiência sensível a qual o sujeito do conhecimento (no

caso, a criança) é submetido. Dessa forma, a aquisição e o desenvolvimento da

linguagem são basicamente determinados por fatores externos à mente humana, mais

precisamente, pela interação entre a criança e o ambiente linguístico em que essa se

acha inserida, e por propriedades dos dados linguísticos iniciais aos quais a criança é

exposta. Os empiristas tendem a ver o processo da aquisição da linguagem

basicamente como uma questão de aprendizagem, no sentido de internalização de

práticas exteriores à mente, que recebe um papel reduzido nesse processo. A ênfase

recai na caracterização do ambiente de interação e dos dados iniciais, com os aspectos

mentais caracterizados apenas em termos de princípios cognitivos gerais, como a

capacidade de efetuar generalizações e associações, tanto no domínio linguístico

quanto no conhecimento em geral, assumindo-se que a mente humana é indissociada

por domínio (oposta, portanto, à hipótese da modularidade).

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De outro lado ficam os filósofos e pensadores que veem a fonte do

conhecimento na atividade racional dos seres humanos, ou seja, na razão ou mente

humana – são os chamados racionalistas. O início da tradição racionalista na

epistemologia dá-se com Platão e tem como seguidores René Descartes, Georg Leibniz,

Immanuel Kant e, nos nossos dias, Noam Chomsky. De acordo com o racionalismo, os

aspectos ligados à mente humana são cruciais no processo de constituição do

conhecimento em geral, inclusive o linguístico. Assim, as propriedades centrais da

capacidade humana de linguagem são determinadas, em boa parte, por princípios e

propriedades das estruturas mentais da espécie humana, com os dados linguísticos

iniciais servindo como “gatilhos” para o desencadeamento do processo. A perspectiva

racionalista tende a conceber a aquisição de linguagem mais como uma questão de

desenvolvimento de uma capacidade humana para adquirir uma língua, só

parcialmente determinada por fatores externos, como o ambiente de interação e a

língua que serve como fonte inicial de dados para a criança. Portanto, são os aspectos

internos, mais que os externos, que determinam as bases do mecanismo de aquisição,

sua forma, velocidade e características.

Chomsky faz uma opção decidida pela perspectiva racionalista, e muitos podem

vir a acreditar que essa adesão ao projeto racionalista é gratuita. Entretanto, isso não é

verdade. Foi a crítica a uma série de falhas nos postulados empiristas dominantes na

pesquisa em aquisição da linguagem na primeira metade do século XX, bem como a

observação de uma série de especificidades no processo de aquisição, que levou

Chomsky a romper com as teses do empirismo. O marco desse rompimento é o ano de

1956, quando Chomsky publica uma recensão crítica ao livro Verbal Behavior, do

psicólogo norte-americano Frederic Skinner, então o maior nome da corrente de

estudos psicológicos denominada comportamentalismo ou behaviorismo. Essa

corrente surgira no início do século XX, graças ao trabalho de pesquisadores como o

russo Ivan Pavlov e o norte-americano James Watson, e defendia a noção de que,

sendo a mente inacessível à investigação científica (uma “caixa preta”, como se diria

depois), tudo o que restava à Psicologia enquanto ciência era a investigação dos

fatores externos que determinavam o comportamento, fatores estes chamados de

estímulos, bem como a pesquisa sobre as consequências desses fatores no

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comportamento real observável, as respostas, nos termos behavioristas. Observando-

se os estímulos, diziam eles, pode-se prever quais serão as respostas, além de que um

controle adequado do estímulos poderia produzir as respostas que se desejassem. O

comportamento humano, dentre os quais a aprendizagem e uso da língua, seria, sob

essa perspectiva, reduzido a um mero produto da atuação de uma série qualquer de

estímulos. Todo o comportamento seria passível de ser explicado em termos de

estímulo e resposta, prescindindo de qualquer fator de ordem interna ou mental, os

quais ficariam restritos a um pequeno conjunto de capacidades indutivas e analógicas

gerais. Isso era tudo que os comportamentalistas colocavam na mente humana. A

ênfase era dada na análise dos estímulos: sendo uma corrente de estudos baseada em

pressupostos empiristas, era evidente que toda a informação relevante para a

aquisição de conhecimento, ou para determinar um certo padrão de comportamento,

deveria estar presente nos dados iniciais, ou seja, nos estímulos. Na análise do

comportamento, buscava-se caracterizá-lo de forma e se poder determinar quais os

estímulos que os provocavam. Essa forma de conceber o comportamento ficou

conhecida como condicionamento clássico, na qual determinados estímulos

provocavam determinadas respostas comportamentais.

Em Verbal Behavior (Comportamento Verbal, em português), Skinner apresenta

uma teoria de aquisição de linguagem totalmente concebida em termos

comportamentais, bem ao modo behaviorista, apenas introduzindo um novo

componente, o reforço. Segundo Skinner, determinados estímulos produziriam

determinados comportamentos correspondentes, e esses poderiam ser mantidos se

fossem reforçados, ou seja, se fossem, por assim dizer, “premiados”. Desse modo, se

se desejasse que um certo comportamento se manifestasse em alguém, bastaria

controlar os estímulos corretos e reforçar esse comportamento toda vez que ele se

aparecesse à observação. Daí, o estímulo até poderia ser suprimido, que o

comportamento esperado permaneceria em atuação – essa era a concepção básica do

condicionamento operante. A ideia que Skinner defendeu em seu livro era de que

também o processo de aquisição, desenvolvimento e uso da linguagem poderia ser

explicado em termos de estímulo-resposta-reforço. Isso equivale a dizer que a

linguagem humana e sua aquisição poderia ser descrita e analisada olhando-se apenas

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os dados (os estímulos) e vendo os comportamentos que eles desencadeavam (as

respostas), reforçando-se sempre que tais comportamentos aparecessem. A descrição

linguística à maneira estruturalista se encaixava bem com esse postulado, e não foi à

toa que o comportamentalismo teve notável influência sobre a Linguística

Estruturalista, em especial a norte-americana, sobretudo em Bloomfield.

Em sua resenha crítica à concepção skinneriana de aquisição da linguagem,

Chomsky lançou mão de uma série de argumentos. O primeiro consistia na observação

de que somente a partir dos dados linguísticos a que a criança é exposta durante a

aquisição não seria possível caracterizar o processo. Em outras palavras, as

informações contidas nos estímulos apresentados à criança, sozinhas, não seriam

suficientes para que ela construísse um sistema altamente complexo e intrincado

como é a linguagem humana. Os estímulos seriam não tão ricos como supunham

Skinner e os demais empiristas, ao contrário – eles seriam bastante pobres, muito

pouco informativos sobre as propriedades gerais da linguagem e características

gramaticais da língua em aquisição. Em suma, contando apenas com eles nenhuma

criança atingiria um pleno conhecimento da gramática de uma língua, nem em um

prazo incrivelmente rápido (uma criança leva, em média, cerca de dois anos e meio

para ter um bom domínio de sua língua materna). Esse argumento ficou conhecido

como o Argumento da Pobreza do Estímulo, e pode ser considerado uma variante de

um problema maior de epistemologia, o qual consiste em uma crítica às posições

empiristas sobre as origens do conhecimento: o Problema de Platão. De acordo com

ele, como é possível que os seres humanos saibam tanto sobre o mundo, diante de tão

poucas evidências ? Essa pergunta foi formulada como uma crítica ao empirismo, na

medida em que esse sustenta que, sendo a experiência sensível a única fonte de dados

para a obtenção de conhecimentos, todas as informações deveriam estar acessíveis ao

que se apresenta aos sentidos, ou seja, nos estímulos, e isso não se verifica (ou ainda

não se verificou inequivocamente) no mundo natural. Um exemplo, no campo da

linguagem, pode ser ilustrado a seguir. Vejam-se essas duas frases:

(a) João mandou a Paula estudar.

(b) João prometeu a Paula estudar.

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Um falante pleno de português não teria dificuldade em reconhecer que, na

primeira sentença, é Paula quem vai estudar, ou seja, o termo [Paula] é o sujeito do

verbo no infinitivo. Já na segunda sentença, seria igualmente fácil para o mesmo

falante identificar o termo [João] como sujeito do infinitivo, isto é, dessa vez é João

quem vai estudar. Há, por conseguinte, uma diferença semântica entre as duas

sentenças, o que remete para a existência de duas estruturas sintáticas distintas. Mas

a questão básica é: como uma criança adquirindo português perceberia a distinção

entre elas ? Note que não há nada na frase que dê pistas à criança sobre como

proceder – o estímulo é “pobre” a esse respeito. No entanto, crianças compreendem

bem a diferença e adquirem esses tipos de estruturas facilmente, como isso seria

possível ?

Um empirista poderia alegar que a criança poderia contar com outros tipos de

informação para dirimir a questão, como o contorno prosódico da frase e informações

contextuais. Mas isso aumentaria muito a quantidade de informações a serem

processadas, o que acarretaria em um gasto considerável de tempo na aquisição de

uma língua. Ora, como já vimos, a criança aprende uma língua muito rapidamente, o

que depõe contra essa solução. E mesmo que fosse viável essa proposta, a sua adoção

obrigaria a imaginar que a criança conhecesse todos os contornos melódicos

disponíveis em sua língua, bem como soubesse de todos os contextos em que tais

frases pudessem ser usadas e que ainda fosse capaz de usar todas essas informações

para depreender a estrutura sintática da frase, ou seja, que fosse capaz de passar da

fonética/fonologia e pragmática para a sintaxe de sua língua. É evidente que a criança,

em algum momento de seu desenvolvimento, irá identificar informações pragmáticas

e contextuais presentes nos dados iniciais, até mesmo porque isso também faz parte

do que ela tem de saber sobre sua língua, mas não é interessante supor que ela faça

isso nas fases iniciais da aquisição de linguagem, quando a estrutura mais básica da

gramática ainda está sendo reconhecida e adquirida. Mesmo se o fizesse, seria ainda o

caso de se indagar que pistas sobre o contexto estão presentes em frases como as

apresentadas no exemplo, o que nos faria retornar novamente para a questão da

pobreza do estímulo.

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O Argumento de Pobreza do Estímulo apresenta ainda outra faceta. Nem

sempre as frases que a criança ouve se apresentam bem “construídas” como as que

figuram nos exemplos dados. No mais das vezes, nossas produções linguísticas, que

servem como ponto de partida para a criança que adquire uma língua, são repletas

daquilo que se convencionou chamar de “falhas de desempenho”. Se fossem gravadas

durante 24 horas as sentenças que produzimos ou ouvimos de outras pessoas, seria

fácil constatar que elas são cheias de hesitações, falsas partidas, mudanças abruptas

de foco e de tema, engasgos, trocas de sons, sílabas e palavras e toda a sorte de

enganos e equívocos (na literatura técnica, essas falhas recebem o nome de slip-of-

the-tongue phenomena, ou fenômenos de lapsos de língua). Daí ser possível afirmar

que os dados iniciais se apresentam à criança de forma muito esparsa e fragmentada,

sendo difícil para a criança, contando somente com esses dados incompletos, construir

todo um complexo e intrincado sistema como o das línguas humanas. Deveria existir,

pois, algum tipo de conhecimento prévio que supriria as lacunas presentes nos dados e

permitisse à criança identificar a gramática em aquisição.

O segundo questionamento feito por Chomsky à abordagem empirista-

comportamentalista baseia-se em uma observação bastante perspicaz das concepções

defendidas pelos empiristas. Admita-se que, a despeito da pobreza e da fragmentação

dos dados, a criança consiga a partir deles chegar à totalidade da gramática de sua

língua usando inferências indutivas e capacidades cognitivas gerais e não-específicas.

Nesse caso, observa Chomsky, como explicar o fato de que ela sempre chega a uma

determinada gramática, e não a outra igualmente possível ? Em outros termos, os

dados com os quais a criança lida poderiam, em princípio, permitir que ela elaborasse

uma gramática totalmente distinta do da gramática alvo – não há nada neles que

impeça que a criança induza ou infira construções não existentes.

Este problema apontado por Chomsky foi denominado o Problema Lógico da

Aquisição da Linguagem, e surge a partir da constatação de que, sem algo para “guiar”

a criança, fica impossível garantir que ela alcance o resultado esperado, ou seja, que

adquira a sua língua, e não outra. Chomsky propôs então que restrições de alguma

ordem devem existir para que o conjunto de gramáticas possíveis de serem

construídas a partir dos dados seja limitado. Essas restrições fariam parte de uma

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capacidade inata, e seriam específicas da linguagem, isto é, só se aplicariam ao

processo de aquisição de uma língua, restringindo a forma final das gramáticas.

O Problema Lógico da Aquisição também possui uma outra formulação. Nesse

segundo aspecto, o que é ressaltado é o fato de que é impossível a criança tomar

contato com todas as frases de sua língua (nem com os adultos isso ocorre !!!). O que

acontece em verdade é que ela ouve apenas um conjunto muito pequeno das frases

possíveis, e mesmo assim consegue chegar à totalidade do sistema. A criança adquire

todo um conjunto de mecanismos gerativos que a permite produzir e compreender

sentenças em sua língua tendo sido exposta a apenas a uma pequena parcela das

produções linguísticas geradas por esses mecanismos. De modo análogo, é como se

um mecânico aprendesse todo o funcionamento de um automóvel tendo visto apenas

algumas partes dele, como os pneus ou o câmbio, por exemplo. A criança que adquire

uma língua tem, então, de projetar um sistema maior (a gramática de sua língua) a

partir de um subconjunto das frases geradas por esse sistema (os dados) – por isso, o

Problema Lógico é também conhecido como o Problema da Projeção. Como a criança

procede a essa projeção ?

O terceiro questionamento de Chomsky refere-se à criatividade linguística. Para

ele, a linguagem é um meio finito que gera um número infinito de sentenças. Isso quer

dizer que, a partir de um número relativamente pequeno de operações e de um

conjunto de elementos passíveis de serem manipulados por essas operações, é

possível construir um conjunto inumerável de sentenças. Daí que uma criança

adquirindo uma determinada língua pode vir a produzir uma sentença a qual nunca

ouvira antes, o que se choca frontalmente com a abordagem empirista – se a criança

não foi submetida a um certo estímulo, como explicar o aparecimento dele na fala da

criança ? O empirismo nos força a aceitar uma correspondência um-para-um entre

estímulo e resposta, e, na linguagem humana, isso nem sempre acontece.

Chomsky tem desde o início de sua atuação como linguista chamado a atenção

para o que ele denominou de aspecto criativo da linguagem. Diferentemente dos

estruturalistas, que consideravam a linguagem como um conjunto de hábitos

linguísticos definidos socialmente, constituindo assim um sistema genérico de

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comunicação, expressão e interação entre indivíduos, restando à criança aprender

esse sistema a partir do contato com eles, Chomsky vê a linguagem como uma

capacidade, exclusiva da espécie humana, de combinar e recombinar unidades

linguísticas em ordens específicas determinadas pela gramática da língua em questão,

com vistas a gerar um número potencialmente infinito de sentenças – essa capacidade

seria representada pelas operações da sintaxe. Uma abordagem empirista da

linguagem, ainda que dê conta da depreensão das unidades sobre as quais a sintaxe

opera, dificilmente permitira a determinação do modo de funcionamento e das

propriedades desse mecanismo gerativo sintático, visto que, conforme já

demonstrado, as operações por ele definidas não são diretamente observáveis nos

dados. Também não explicaria, pelas mesmas razões, como a criança atingiria o

conhecimento dessas operações a partir do material linguístico primário. Dessa forma,

a questão da criatividade linguística coloca-se como um problema bastante grave para

teorias de aquisição da linguagem de base empirista, necessitando de outras formas de

teorização que o levem em consideração.

Foi justamente isso que ocorreu na passagem da perspectiva empirista-

estruturalista para a visão racionalista-gerativista. Tomados em conjunto, o Argumento

da Pobreza do Estímulo, o Problema Lógico da Aquisição e o aspecto criativo

constituíam um questionamento do qual a Linguística não podia mais fugir. Para

superá-los, Chomsky propôs que os seres humanos viessem ao mundo dotados de uma

predisposição inata para a aquisição da linguagem, no que ficou conhecido como a

Hipótese Inatista. Na formulação dessa hipótese, Chomsky recorreu a concepções

filosóficas racionalistas, resgatando e atualizando, portanto, o antigo debate entre

racionalistas e empiristas. Admitindo-se um componente inato dedicado à aquisição da

linguagem, os problemas acima colocados teriam sua solução no mínimo

encaminhada, o que não ocorreria em um paradigma de base empírica.

É claro que, ao propor a existência desse componente inato, restou a Chomsky

e aos que o seguiram determinar que tipo de informação seria inata e quais as que

deveriam ser adquiridas. Conforme se verá mais adiante, esse é um enorme problema

com o qual todos os que assumem uma perspectiva racionalista têm de se deparar. Em

realidade, sendo a aquisição da linguagem definida como o fenômeno no qual uma

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criança parte de uma situação em que não dispõe de uma língua e, com base nos

dados linguísticos à sua volta, chega a dominar a gramática de sua língua na produção

e compreensão de sentenças, a predisposição inata sugerida pela Hipótese Inatista se

configuraria como o estado inicial desse processo, sendo o conhecimento linguístico

adquirido, descrito em termos de uma gramática internalizada definido como o estado

final do processo. A tarefa central da teoria linguística gerativa é justamente

caracterizar esses dois estados, sendo a razão pela qual a questão da aquisição da

linguagem assume um caráter decisivo no âmbito do desenvolvimento da teoria3.

Inicialmente, esse componente inato foi caracterizado em termos de um

Language Acquisition Device (LAD ou Dispositivo de Aquisição de Linguagem).

Contudo, essa caracterização, que se aplicava especificamente à questão da aquisição

da linguagem, rapidamente evoluiu para uma concepção na qual o componente inato

especificava não apenas o conjunto de conhecimentos necessários para a aquisição de

uma língua, mas também as propriedades gerais das línguas humanas. Daí que a noção

de LAD foi preterida pela noção de Gramática Universal. GU, portanto, passou a ser

compreendida como uma teoria do estado inicial do processo de aquisição, a qual

especificaria a programação biológica inata responsável por dotar a espécie humana

da capacidade de adquirir e usar uma língua natural.

Com essa proposta de Gramática Universal, Chomsky pretendeu dar conta do

Problema Lógico da Aquisição, uma vez que GU limitava o conjunto das gramáticas

finais possíveis a que se poderia chegar a partir dos dados iniciais, atuando de forma a

restringir a forma final das gramáticas. Ela permitia também explicar também como a

criança, sendo exposta a apenas um subconjunto dos dados, conseguia chegar ao

sistema completo da língua, na medida em que propunha um estado inicial altamente

rico, o qual poderia ser acessado a partir de um número relativamente pequeno de

dados iniciais. De igual modo, o Problema da Pobreza do Estímulo e a questão da

criatividade linguística ficaram melhor equacionados. Assim, pode-se dizer que a ideia

3 Essa preocupação acarretou o surgimento e a consolidação da Aquisição da Linguagem enquanto disciplina científica, já nos alvores do gerativismo. Entretanto, é justo registrar que, concentrada na caracterização dos estados iniciais e finais do processo de aquisição, a teoria gerativa refugou a questão de como se chega a um partindo do outro, isto é, absteve-se que teorizar sobre a dinâmica do processo. Desse último ponto, ocupou-se uma outra disciplina, a Psicolinguística, em especial um ramo desta, denominado Psicolinguística Desenvolvimental.

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de Gramática Universal resolvia a questão da aprendibilidade, já que dotava o modelo

de língua por ela sugerido de condições que explicavam o modo como ela era

aprendida.

Um modelo teórico mais detalhado sobre a Gramática Universal foi dado em

1981, com o advento do Modelo de Princípios e Parâmetros (P&P), modelo que

antecedeu o Minimalismo. De acordo com P&P, a Gramática Universal seria composta

por dois tipos de informações. Uma, mais rígida, invariável, presente em todas as

gramáticas possíveis das línguas humanas, e que regulam o funcionamento da

gramática como um todo. Outra, mais flexível, aberta, específica de cada língua

humana em particular. A estas denominou-se parâmetros. Os parâmetros podem ser

concebidos como uma espécie de “comutador linguístico”, cujo valor final e definitivo

é atingido no decorrer do processo de aquisição da linguagem, por meio da fixação

desses comutadores em uma das duas posições possíveis com base na informação

obtida pela criança no meio linguístico em que ela se acha inserida. Em P&P, a

aquisição da linguagem é concebida como um processo de fixação de valores de

parâmetros, valores estes que variam de língua para língua. As opções possíveis, ou

seja, os valores, são determinados geneticamente pela Gramática Universal, e fazem

com que a gramática final adquirida pela criança seja altamente restrita. Quando todos

os valores de parâmetros estão fixados, a criança adquire o que se convencionou

chamar de Gramática Nuclear (em inglês Core Grammar), formada por um complexo

de ligações entre os princípios universais e imutáveis especificados pela Gramática

Universal, e os parâmetros, que determinam de um modo altamente específico as

propriedades de cada língua particular.

O Modelo de Princípios e Parâmetros representou um enorme avanço na

Teoria Gerativa de linguagem. Graças à sua concepção modular, uma série incrível de

fenômenos pode ser analisada, descrita e explicada detalhadamente, de maneira a

formar um corpo teórico altamente rico e consistente. A ideia de aquisição como um

processo de fixação de valores de parâmetros possibilitou um incremento nos estudos

sobre a aquisição de linguagem, na medida que propunha, pela primeira vez, uma

noção clara do que atribuir ao estado inicial do processo de desenvolvimento

linguístico, bem como permitia a elaboração de um modelo do estado final do mesmo

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processo. Também a noção de Gramática Universal como conjunto de princípios

universais se revelou bastante produtiva na pesquisa sobre as propriedades gerais

(cognitivas e biológicas) da linguagem humana. Por essa razão, boa parte das

propostas teóricas do Minimalismo são resultado da incorporação das noções

formuladas no âmbito do Modelo P&P, em especial no que se refere à Gramática

Universal e ao processo de aquisição da linguagem. Daí que se convencionou dizer que

o Programa Minimalista não é um novo modelo no quadro geral da Teoria Gerativa,

mas sim uma extensão, adaptada em muitos pontos e refletindo uma nova forma de

teorização (que leva em conta a relação do sistema de conhecimentos linguístico com

as chamadas interfaces), do que foi anteriormente proposto no Modelo de Princípios e

Parâmetros. Nos capítulos seguintes deste livro, serão mostradas e discutidas algumas

dessas novas concepções, bem como o novo design da língua, que emergiu daí.

Referências Bibliográficas:

2

O Minimalismo: Conceitos-Chave

José Ferrari-Neto

1. Por que “Programa” ?

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Observando-se a história do gerativismo, chama a atenção os diversos momentos

pelos quais ele passou. Em cada um deles, uma maneira nova de se encarar questões de

investigação linguística desde sempre presentes no gerativismo surgia, sendo essa maneira

logo nomeada por “teoria” ou “modelo” – assim foi com a teoria/modelo padrão, de 1965,

com a teoria/modelo padrão estendido, do início da década de 1970, e com a teoria/modelo

de Princípios e Parâmetros, mais recentemente. Contudo, o Minimalismo recebeu desde logo

o prenome “programa” – o texto de Chomsky que marca o seu advento é intitulado A

Minimalist Program for Linguistic Theory. Por que foi assim, e não simplesmente

teoria/modelo minimalista ?

Uma possível razão para isso é o fato de que o termo programa melhor define o que

vem sendo feito no âmbito do gerativismo desde o seu surgimento em meados da década de

1960. Como bem mostra Borges Neto (2004), a teoria linguística gerativa apresenta-se como

um programa de investigação científica, o qual, a despeito de seus muitos desenvolvimentos,

tem-se mantido extremamente coerente com suas premissas e postulados fundamentais e

bastante focado em suas questões e objetivos principais. Nesse sentido, as outras versões do

gerativismo talvez devessem receber também o termo programa em suas denominações, o

que não é possível, obviamente. Mas é inegável que o uso da palavra “programa” para

designar o momento atual do gerativismo é bastante feliz, na medida em que permite uma

melhor compreensão de que, em realidade, é feito sob o título de linguística gerativa.

O que é um programa de investigação científica ? A expressão foi cunhada pela

primeira vez pelo filósofo da ciência húngaro Imre Lakatos, em 1978, e é relativa à maneira

como ele concebe a evolução e a história da ciência. Para Lakatos, o que distingue o

conhecimento científico das demais formas de conhecimento é o fato de ele se estruturar em

torno de uma série de proposições não-testáveis (testável no sentido dado por outro filósofo

da ciência, desta vez Karl Popper) que expressam as assunções básicas em que se fundamenta

a abordagem teórica pretendida – a essa série de proposições Lakatos denominou núcleo. Ao

lado do núcleo, há ainda, nos programas de investigação científica, uma heurística, constituída

de um conjunto de procedimentos metodológicos que delimitam a pesquisa científica

conduzida sob a perspectiva do programa em questão. A heurística seleciona e organiza os

problemas e as questões a serem enfrentadas no curso da pesquisa, como se fosse uma forma

de plano de trabalho, que elenca os tópicos de investigação e o modo de abordá-los.

Para Lakatos, um programa de investigação científica avança propondo uma série de

modelos teóricos distintos entre si, pois, no decorrer do processo de criação de conhecimento

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em ciência, hipóteses auxiliares são criadas para dar conta dos dados à medida que eles vão

sendo coletados. Isso é o que ocasiona as diferenças entre os modelos. Conforme o

pensamento de Lakatos, não há problema em os modelos diferirem, desde que mantenham

em comum o seu núcleo e a heurística. A vantagem de assim se proceder, e o que garante o

sucesso da ciência em face aos demais tipos de conhecimento é que hipóteses novas podem

substituir as antigas, e novas propostas teóricas podem surgir daí, sem que se tenha de

abandonar os objetivos e as questões centrais, que ficam preservadas no núcleo e na

heurística, o que confere flexibilidade e eficiência ao processo de produção de conhecimento

científico.

De acordo com alguns autores (Borges Neto, 2004; Boeckx, 2006), a teoria gerativa de

Chomsky configura-se como um caso paradigmático de programa de investigação científica.

Isso porque os diversos modelos já propostos têm-se organizado em torno de um núcleo

comum e têm compartilhado de uma mesma heurística. Isso faz com que as diversas propostas

teóricas surgidas nesse âmbito, bem como os vários direcionamentos conferidos à teoria girem

em torno de pontos em comum. Daí o gerativismo poder ser considerado um

empreendimento, o qual, durante sua realização e efetivação, resulta no surgimento de uma

teoria complexa e elaborada sobre a capacidade humana de linguagem, na forma como

apresentada no capítulo anterior.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o núcleo da teoria linguística gerativa constitui-

se dos seguintes pontos (cf. Borges Neto, 2004):

a. Os enunciados linguísticos produzidos por um falante de uma dada língua são, pelo

menos em parte, determinados por estados mentais-cerebrais deste mesmo

falante;

b. A natureza desses estados mentais-cerebrais pode ser descrita em termos de

operações computacionais que constroem representações e atuam sobre elas,

modificando-as.

O item (a) acima apresentado refere-se ao caráter mentalista da concepção de

linguagem defendida pelo gerativismo, de acordo com o apresentado no capítulo anterior – diz

respeito, portanto, à ontologia da linguagem humana, concebida, sob a perspectiva gerativista,

como um sistema de conhecimentos radicados na mente do falante. Já o item (b) concerne à

maneira como o gerativismo vem estudando esse sistema de conhecimentos, procurando criar

modelos formais que ilustrem o modo como as operações computacionais atuam para formar

e transformar as representações linguísticas – diz respeito, portanto, à epistemologia da

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linguagem da linguagem humana. O núcleo do programa de investigação gerativista, dessa

forma, define tanto uma particular concepção de linguagem humana, ou seja, o tipo de objeto

natural que era vem a ser, quanto uma específica maneira de se investigar e se conhecer esse

objeto.

No que tange à sua heurística, pode-se dizer que o gerativismo basicamente a definiu

ao propor uma série de questões de pesquisa em torno das quais se estruturaria todo o

desenvolvimento da teoria linguística gerativa. Essas questões são listadas a seguir:

1. O que é o conhecimento da língua (onde língua é tomada no sentido de língua-I,

conforme exposto no capítulo anterior) ?

2. Como esse conhecimento é adquirido ?

3. Como esse conhecimento é posto em uso ?

4. Que sistemas físicos no cérebro servem de base ou suporte para esse conhecimento ?

Em seu conjunto, essas quatro questões indicam as questões básicas que uma teoria

de língua deve responder, sendo que o desenvolvimento do programa de investigação por elas

instaurado deve ser feito de modo concomitante, com as questões servindo de medida de

avaliação uma para as outras. Isso significa que o programa deve evoluir fornecendo

explicações que permitam a verificação empírica em todos os níveis explicativos recobertos

pelas questões de pesquisa. Assim, pouco adiantaria se os linguistas chegassem a um modelo

formal do conhecimento linguístico (ou seja, à resposta da pergunta 1) que não permitisse a

formulação e testagem de hipóteses sobre o modo como esse conhecimento é adquirido,

posto em uso pelo falante e implementado no cérebro. A teoria deve ser formulada de tal

forma a permitir alcançar simultaneamente as “respostas” para as quatro questões propostas.

Metodologicamente, a heurística do programa de investigação gerativista define-se

como uma aplicação do método dedutivo. Isso porque, contrariamente a outras correntes de

estudos linguísticos, as quais tentam inferir regras gerais de estrutura e funcionamento da

linguagem a partir da análise de casos particulares, num procedimento tipicamente indutivo, o

gerativismo começa por propor princípios universais que regem a linguagem e deduzi-los dos

dados observáveis nas línguas humanas. Nesse processo de dedução, por vezes são usados

métodos auxiliares de investigação e inquirição, sendo o mais conhecido deles o julgamento de

gramaticalidade, um recurso à intuição do falante sobre a sua língua que muito auxilia no

estabelecimento dos princípios gerais de linguagem deduzíveis dos dados.

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Aclarados o seu núcleo e a sua heurística, não fica difícil perceber por que a alcunha

programa se coaduna bem com o que tem sido feito em termos de investigação científica

pelos linguistas gerativistas, desde o surgimento dessa corrente de estudos linguísticos, em

meados da década de 1950. O fato de as versões anteriores não o adotarem não retira do

gerativismo o seu caráter programático, o que é atestado ao se perceber que muitos não se

referem ao gerativismo como uma “teoria”, mas sim como um conjunto de questões de

pesquisa e de pressupostos ontológicos e epistemológicos que guiam a investigação e a

elaboração de um conhecimento unificado sobre a linguagem humana. Nesse sentido, a

adoção recente do termo programa pode ser justificada em virtude de uma melhor clarificação

acerca das bases e dos objetivos do gerativismo em geral e do Minimalismo em particular.

2. Por que “Minimalista” ?

Se as diversas versões pelas quais o gerativismo passou constituem-se como diferentes

desenvolvimentos de um mesmo programa de pesquisa científica, então não se pode afirmar

que o Minimalismo é uma nova “teoria” sobre a linguagem humana, nem que ele rompe mais

ou menos radicalmente com outros modelos gerativos anteriormente propostos. Isso seria

abdicar completamente da ideia de programa que vem sendo exposta aqui. É nesse sentido

que se deve dizer que O Minimalismo não se constitui em um novo quadro teórico do

gerativismo, nem que substitui o modelo que o precedeu, denominado Modelo de Princípios e

Parâmetros (P&P). Tampouco pode ser tratado como uma mera continuação ou sequência

natural do modelo P&P. Em realidade, O Programa Minimalista é, antes de tudo, uma nova

forma de se conceber a Faculdade da Linguagem e, portanto, a Gramática Universal, que,

partindo das conquistas teóricas de P&P, propõe algumas novas questões que não poderiam

ser tratadas com o ferramental descritivo-explicativo consolidado no modelo anterior.

Dessa forma, o Programa Minimalista constitui-se como um conjunto de orientações

motivadas pela ideia intuitiva de se evitar a postulação de entidades teóricas que não sejam

conceptualmente necessárias dentro da teoria, o que levou os linguistas a submeterem alguns

aspectos, construtos e resultados da arquitetura do modelo P&P a uma intensa avaliação

crítica. E de onde surgiu a necessidade de se efetivar essa avaliação ? De acordo com Boeckx

(2006) o Programa Minimalista “surgiu da percepção do sucesso da abordagem de P&P”,

assumindo-se esse modelo e indagando se o seu formato não poderia ser otimizado, com

vistas a um modelo teórico de maior potencial explicativo e descritivo. Na base dessa

otimização está a ideia de que a Faculdade de Linguagem possui um design ótimo – as

questões de partida para o Minimalismo são: Quão bem projetada é a Faculdade da

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Linguagem? Que condições a Faculdade da Linguagem deve satisfazer para atingir essa forma

otimizada ? O quanto a linguagem se aproxima de um projeto assim otimizado?

A hipótese inicial é a de que a Faculdade de Linguagem é perfeitamente formada, ou

seja, configura-se como uma resposta ótima às condições que deve satisfazer. E por “ótimo”

deve-se entender que a linguagem atinge um altíssimo grau de eficiência com um número

“mínimo” de recursos e operações – daí a alcunha minimalista. Esta é a razão pela qual o

Minimalismo postula uma Faculdade de Linguagem sem mais nem menos princípios e

parâmetros do que o necessário, buscando dessa forma enxugar o poder descritivo do modelo

teórico dessa faculdade, definindo um mínimo de operações e excluindo o que for

desnecessário, objetivando a elaboração de uma teoria que seja simétrica, uniforme, enxuta e

econômica, uma vez que a linguagem humana apresenta, por hipótese, essas características.

Percebe-se que o Programa Minimalista assenta-se na ideia de que é preciso remover

do modelo tudo aquilo que não é estritamente necessário, ou que provoque assimetrias ou

falta de uniformidade e de economia. Essa é, digamos, a tese minimalista principal. Ela está

alicerçada naquilo que Chomsky nomeou de virtual conceptual necessity (ou necessidade

conceptual virtual, em português) – na medida em que a linguagem apresenta-se como um

design ótimo em relação às condições que deve satisfazer, tudo que é proposto em termos de

teoria (princípios, elementos e operações) ou deve ser justificado em termos das condições

externas dadas pelas interfaces com as quais a língua se relaciona (e que determinam as

condições a serem satisfeitas), ou por condições de economia previstas para o sistema da

linguagem. De acordo com Boeckx (2006), a virtual conceptual necessity implica também que

se deve indagar se os princípios linguísticos propostos se seguem de suposições e axiomas

mais básicos que têm de ser necessariamente supostos quando se começa a investigar a

linguagem. Portanto, a adoção de uma noção de necessidade conceptual virtual surge como

uma medida de avaliação dos postulados que vão sendo sugeridos à medida que a pesquisa

avança, no sentido de se avaliar se obedecem tanto a requisitos de simetria, uniformidade e

economia, quanto de motivações epistemológicas mais básicas e centrais.

A partir de Martin e Uriagereka (2000), uma distinção foi estabelecida, dividindo-se a

tese minimalista básica em duas, conhecidas como tese minimalista fraca (weak minimalista

thesis) e tese minimalista forte (strong minimalist thesis). A primeira configura-se como uma

busca pela melhor teoria possível para a Faculdade de Linguagem, e pressupõe a aplicação do

princípio de Occam, postulado no âmbito da Filosofia da Ciência. De acordo com esse princípio,

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se duas teorias explicam uma mesma quantidade de dados ou fenômenos empíricos, a que

apresentar a menor quantidade de postulados e entidades teóricas é a mais adequada e

conformada aos fatos. O princípio de Occam, definido como um apelo à simplicidade teórica,

apresenta-se como um critério ao qual as teorias tem de enformar, caso queiram ter sua

validade e aplicação justificadas. Nesse ajuste à simplicidade formal, entidades teóricas

inicialmente postuladas para dar conta de dados empíricos e fenômenos muitas vezes são

eliminadas, em prol de um modelo mais enxuto – essa “poda” é conhecida como Navalha de

Occam, uma das facetas de princípio homônimo.

A Navalha de Occam é, por assim dizer, um princípio de elaboração e construção do

conhecimento científico, relacionando-se, portanto, com os aspectos ligados à formulação de

teorias e desenvolvimento de metodologias de investigação. A tese minimalista fraca é, por

sua vez, uma espécie de releitura desse princípio, aplicada à ciência da linguagem, Daí que é

possível identificá-la com a vertente teórico-metodológica do Minimalismo, a qual indaga até

que ponto existem fundamentos empíricas que sustentem uma concepção minimalista da

linguagem, o que pode ser entendido como redutíveis às propriedades conceptualmente

necessárias e ao mesmo tempo mantendo as características e propriedades observadas na

linguagem humana, no tocante à teoria, e em que medida é possível simplificar análises,

postular princípios explicativos gerais que permitam eliminar estipulações meramente

descritivas e evitar soluções de “engenharia lingüística”, isto é, que se adequem ao formalismo

proposto, mas que não obedecem ao princípio de Occam, em maior ou menor grau.

O princípio de Occam tem um fundamento bastante claro. Ele apoia-se na concepção

de que a natureza, isto é, a realidade a ser desvelada e conhecida pela ciência, tem um design

ótimo, no mesmo sentido que aqui se defende para a linguagem. Isso equivale a dizer que a

organização do mundo que se nos dá a conhecer é regida por princípios de simplicidade,

simetria, etc. Por conseguinte, a tese minimalista forte, partindo da sua contraparte fraca,

pergunta o quanto a Faculdade de Linguagem, por si, é ótima em sua natureza primeira – é a

vertente ontológica do Minimalismo. O ponto a se considerar aqui não é o de quão ótima é a

teoria desenvolvida sobre a Faculdade da Linguagem, mas sim o quão ótima é a Faculdade da

Linguagem propriamente. Para Chomsky (1998), o Programa Minimalista é uma tentativa de

encarar as questões surgidas a partir da adoção das teses minimalistas fraca e forte, ainda que

se deva admitir a existência de um conflito entre as evidências empíricas observadas no

universo da linguagem e as exigências e expectativas advindas do princípio de Occam. Na

busca por uma caracterização “ontologicamente minimalista” da linguagem, as ferramentas de

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que os linguistas podem lançar mão são as definidas por uma teoria que se assuma como

“metodologicamente minimalista”. Daí a frase de Chomsky, que expressa bem essa tensão:

"Há questões minimalistas, mas não respostas minimalistas”.

3. A Arquitetura da Linguagem:

O Programa Minimalista, em consonância com os fundamentos básicos do gerativismo,

atribui grande importância ao lugar e ao papel da linguagem no âmbito da mente e cognição

humanas, tomando-a como campo privilegiado para a investigação e discussão de aspectos

ligados ao desenvolvimento e funcionamento mental e cognitivo dos seres humanos. Em

especial, assume-se no Minimalismo a ideia de que a Faculdade de Linguagem é um sistema de

natureza mental, cognitiva e biológica destinado à tarefa de gerar expressões que permitam

aos falantes se comunicarem, expressarem-se e interagirem, a partir de um conjunto de

intenções definidas conceptualmente. Essas intenções organizam-se naquilo que se

convencionou chamar de sistemas de pensamento, os quais contêm tudo aquilo que serve de

conteúdo para os atos de descrever, referir, perguntar, exprimir, enfim, falar sobre o mundo.

Mas faria pouco sentido se a linguagem contactasse apenas os sistemas de

pensamento. Na medida em que os conteúdos desses sistemas são internos, necessitam de

algo que os exteriorize, se quiserem servir como algo a ser comunicado ou expresso.

Evidentemente que é preciso haver também a ação reversa, já que os falantes interiorizam

esses mesmos conteúdos no processo de comunicação, expressão e interação. Por essa razão,

a linguagem também contacta um sistema de produção e um sistema de recepção, ambos de

natureza sensorial e/ou motora e perfeitamente adaptados a tarefas de comunicativas,

expressivas e interacionais – na produção tem-se um sistema vocálico-articulatório, e na

compreensão tem-se um sistema de percepção neuro-auditivo.

Tanto os sistemas de pensamento quanto os sistemas de produção/compreensão são

sistemas externos à linguagem, ou seja, não fazem parte dela, ainda que mantenham contato

estreito. Na tradição do gerativismo, tem-se chamado esses sistemas externos de sistemas de

desempenho, também conhecidos como sistemas de performance. Há assim dois diferentes

sistemas com quais a linguagem contacta, sistemas de pensamento, no Minimalismo

denominados sistemas C-I (de conceptual-intencional) e os sistemas sensório-motores,

denominados sistemas A-P (de articulatório-perceptual). Os sistemas de desempenho são os

responsáveis pelo uso linguístico, ou seja, pela realização efetiva da linguagem nas diversas

situações em que ela é requerida.

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Minimamente, isto é, com o menor número possível de operações e a partir de um

número mínimo de elementos, a Faculdade de Linguagem tem de associar um conteúdo

comunicativo-intencional produzido no sistema C-I a um conteúdo fônico produzido no

sistema A-P. Para tanto, ela gera expressões em cada nível de representação que

respectivamente contacte cada um dos sistemas de desempenho – esse níveis de

representação são os níveis de interface. No Programa Minimalista, o nível de interface com o

sistema A-P é o nível de representação PF (de Phonetic Form, Forma Fonética), e o nível de

interface com o sistema C-I é o nível de representação LF (de Logical Form, Forma Lógica). As

expressões geradas pela Faculdade de Linguagem em cada um dos níveis de interface podem

ser entendidas como instruções respectivas a cada nível de representação, o que permite a ela

associar um dado conteúdo mental a uma dada porção sonora, permitindo assim conceber o

processo de associação som-sentido que está na base de qualquer teoria sobre a linguagem

humana.

Para produzir essas representações, a Faculdade de Linguagem conta com um sistema

computacional linguístico, constituído de um conjunto de operações que atua recursivamente

sobre um conjunto de unidades atômicas com propriedades especificadas. Dentre as

operações desse sistema computacional estão Merge (Concatenar), Move (Mover, descrito no

capítulo 7), Copy (Copiar), Agree (Concordar ou Checar, descrita no capítulo 6), Select

(Selecionar), etc. Os elementos atômicos são definidos em termos de traços (descritos no

capítulo 3) e estão armazenados em um componente denominado Léxico (descrito no capítulo

4). Portanto, a Faculdade da Linguagem opera com um conjunto de operações recursivas sobre

traços estocados no Léxico, gerando representações para cada nível de interface, C-I e A-P – é

a chamada derivação, que ocorre respeitando restrições de processamento e de memória, o

que está na base da noção de fase (descrita no capítulo 8). O Minimalismo sugere o conceito

de Spell-Out para nomear o ponto da derivação em que as respectivas representações se

separam e seguem para os níveis de interface correspondentes. Reduzida, portanto, a sua

configuração “mínima”, a Faculdade da Linguagem teria o seguinte design em Y invertido:

Sistema Computacional

Léxico

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4. Condições de Legibilidade, Condições de Economia e Princípio da Interpretação Plena:

Uma das questões que motivaram o advento da concepção minimalista de linguagem

foi a de saber por que a linguagem humana tem a forma que tem. Por que há certos princípios

e não outros, e por que ela deve obedecer a esses princípios e não a outros, e coisas assim.

Uma resposta possível é a que de a linguagem possui as características que possui em função

das pressões que sofre das interfaces. Uma vez que os sistemas C-I e A-P possuem uma

natureza distinta da Faculdade de Linguagem, obedecendo a princípios próprios de

funcionamento e apresentando uma estrutura com propriedades específicas e independentes

da Faculdade de Linguagem, é plausível natural supor que eles impõem condições sobre ela,

na medida em que a Faculdade de Linguagem tem de atender aos requisitos impostos pelas

interfaces ao gerar representações que tem de ser reconhecidas como instruções para esses

níveis. Dessa forma, para serem legíveis (isto é, usáveis por estes sistemas), as expressões

geradas pela Faculdade Linguagem têm de satisfazer as condições de legibilidade impostas

pelos sistemas de desempenho. Nessa concepção, pode-se afirmar que a Faculdade da

Linguagem está encaixada nos sistemas de desempenho, interagindo com eles e operando de

modo a satisfazer as condições gerais externas impostas por eles. As questões teóricas que se

impõem a partir daí são a de saber quais são essas condições impostas à Faculdade da

Linguagem em relação ao lugar que ela ocupa no conjunto de sistemas cognitivos e mentais da

espécie humana e a de estabelecer até que ponto o seu modo de funcionamento é

determinado por essas condições. Uma terceira questão é a de se conhecer até que ponto é

que o desenho fundamental da Faculdade de Linguagem pode ser considerado uma solução

ótima para satisfazer as condições de legibilidade impostas pelos sistemas de desempenho.

Como vimos, assume-se, no Minimalismo, que a Faculdade de Linguagem é uma resposta

ótima às condições de legibilidade.

Spell-Out

Phonetic Form (PF) Logical Form (LF)

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Das condições de legibilidade decorre um princípio central no Minimalismo – o

princípio de que as informações remetidas aos níveis de interface não possuem elementos

“estranhos” aos respectivos sistemas de desempenho, isto é, elementos que não podem ser

interpretados por eles. A este requisito tem-se chamado o Princípio da Interpretabilidade

Plena (Full Interpretation Principle - FI). Assim, a interface PF, interpretada pelo sistema A-P, é

exclusivamente constituída por arranjos de traços fonéticos, com uma estrutura silábica e

prosódica, numa ordem temporal; e a interface LF, interpretada pelo sistema C-I, é

exclusivamente constituída por traços semânticos, organizadas no modo exigido por C-I. Uma

derivação converge se FI não é violado, do contrário, fracassa (ing. crash).

Vê-se que a idéia que subjaz ao conceito do Princípio da Interpretabilidade Plena é a

de que a forma da gramática das línguas humanas é função das restrições impostas pelos

sistemas com os quais interage. Nessa perspectiva, o produto de uma derivação linguística

procede de uma articulação entre o sistema da língua e os sistemas de desempenho. A

convergência, ou seja, o sucesso de uma derivação, é garantida pela aplicação do Princípio da

Interpretabilidade Plena, que impõe que todas as informações enviadas para PF e LF sejam

legíveis nestes níveis de interface e, por conseguinte, interpretadas fonética e

semanticamente. As restrições à forma final das gramáticas passam a ser vistas como

decorrência da atuação do Princípio da Interpretabilidade Plena, o qual atua em função das

interfaces da língua com sistemas de desempenho.

Além das condições de legibilidade e do Princípio da Interpretabilidade Plena, o

Programa Minimalista introduz a ideia de que as operações computacionais que geram

derivações satisfazem a condições de economia. Com isso, postula-se que o sistema

computacional opera de modo a exigir o mínimo necessário para a derivação de uma sentença.

Tal requisito é necessário na medida em que o procedimento gerativo computacional exige

recursos de memória de curto prazo e outros recursos de processamento, sendo assim

limitado por eles. De um modo geral, pode-se estabelecer as seguintes restrições de

economia:

Apenas as derivações convergentes são submetidas às condições de economia.

Uma derivação que fracassa é descartada e não bloqueia outras derivações.

Uma derivação convergente mais econômica bloqueia uma derivação

convergente menos econômica

Uma condição de economia pode ser violada para satisfazer a convergência.

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Tomados em conjunto, as condições de legibilidade e de economia, mais o Princípio de

Interpretabilidade Plena, garante à Faculdade de Linguagem uma perfeita integração como os

sistemas externos por meio dos quais a linguagem se efetiva e é posta em uso. A análise das

relações entre o sistema da língua e os sistemas de interface passa obrigatoriamente pela

investigação do modo como essas condições e princípios atuam, na medida em que se toma a

concepção minimalista de que são as pressões das interfaces que determinam, em boa parte,

o formato da linguagem. Portanto, economia e interpretação plena devem ser tratadas como

pilares da concepção minimalista de linguagem.

5. Derivando uma Sentença:

Para dar início a uma derivação, uma operação Select atua sobre esses itens

armazenados no léxico, formando uma Numeração. Numeração é, assim, um conjunto de itens

lexicais selecionados (LI) e de seus índices (i), que especificam o número de vezes que LI é

selecionado (LI, i). Como informação de natureza fonológica não pode ser lida em LF, e,

inversamente, informação de natureza semântica não pode ser lida em PF, foi proposta

(Chomsky 1995) a operação de Spell-out, que permite separar os objetos distintos das duas

formas. Após a aplicação de Spell-out, a derivação divide-se em duas: uma que segue até PF e

outra que vai até LF. As operações realizadas antes do spell-out acontecem no que é chamado

de sintaxe aberta (overt syntax), contrariamente à sintaxe encoberta (covert syntax), que

aconteceria após o spell-out (Chomsky, 1995).

Os traços opcionais de uma ocorrência particular de um dado item lexical, como, por

exemplo, um traço de caso acusativo ou traço de número plural, podem ser acrescidos ou no

momento em que o item é selecionado para a numeração ou no momento em que é

introduzido na derivação. A especificação de caso e de traços é em princípio acrescentada a

um item lexical (como um nome) provavelmente no momento em que é selecionado para a

numeração. Desta forma, na numeração, o caso e os traços são especificados alguns pela

entrada lexical (os chamados traços intrínsecos, como o traço de gênero e o traço categorial)

outros pela operação que forma a numeração (os chamados traços opcionais, como o traço

acusativo ou de número plural).

Traços formais podem ser interpretáveis ou não-interpretáveis, intrínsecos ou

opcionais. Um traço é interpretável quando pode ser lido nos níveis de interface. É intrínseco

quando o seu valor já está especificado na entrada lexical e é opcional quando o seu valor

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varia, sendo especificado quando selecionado para a numeração. A manifestação desta

opcionalidade é morfológica tanto nos nomes quanto nos determinantes (presença ou não do

morfema relativo ao traço em questão). Em termos gerais, traços formais interpretáveis são os

traços- de categorias lexicais como N ou V, e traços não-interpretáveis são os traços- de

categorias funcionais que concordam com N ou V. Chomsky (1999) propõe que a

interpretabilidade dos traços é determinada no léxico, inatamente, sendo a distinção entre

eles proposta em termos de valor: traços não-interpretáveis entram na derivação sem valor, e

traços interpretáveis entram na derivação com seus valores especificados.

A par da distinção interpretável/não-interpretável, havia ainda, segundo o

Minimalismo (1995), a oposição entre traço forte e traço fraco. Os primeiros são aqueles que

acarretam movimento na sintaxe aberta, tendo, portanto, repercussão morfológica, já os

segundos acarretam movimento na sintaxe coberta, por conseguinte sem expressão

morfológica. A distinção forte-fraco explicaria as diferenças observadas entre as diversas

línguas existentes, já que os valores paramétricos específicos de uma língua seriam

decorrência da força de um traço em uma língua particular. Contudo, a oposição forte/fraco

aplicada aos traços foi abandonada em versões mais recentes do Programa Minimalista

(Chomsky, 1999). Todos esses conceitos relativos a traços estão expostos no capítulo 3.

6. Para concluir:

Nessa breve caracterização, procurou-se aclarar alguns dos termos e conceitos mais

importantes do Minimalismo. A sequência dos capítulos a seguir terá por objetivo mostrar ao

leitor, em mais detalhes, o modo de funcionamento do modelo de língua sugerido pelo

Programa Minimalista, definindo operações computacionais de derivação de sentenças e

caracterizando os elementos envolvidos na computação. Dessa forma, itens não abordados

aqui seguramente estão apresentados nas páginas seguintes.