Texto para Discussão - Orçamento Público

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O ORÇAMENTO PÚBLICO – APONTAMENTOS PARA O DEBATE

Fernando Rezende

1- As qualidades do orçamento.

Em face da sua importância para a vida econômica, social e política de uma nação, o orçamento público deve ser dotado de características que permitam responder afirmativamente às seguintes questões, que buscam aferir sua aderência a quatro atributos principais que ele deve exibir para obter um selo de qualidade, a saber: equilíbrio, previsibilidade, compreensão e contribuição à vitalidade democrática.

Equilíbrio - Em que medida as decisões sobre a composição e alocação dos recursos que compõem o orçamento, bem como a implementação das políticas nele contempladas, contribui para o equilíbrio macroeconômico e para a distribuição dos frutos do progresso de forma mais equilibrada na sociedade?

Previsibilidade - O orçamento aprovado deriva de decisões assentadas em um projeto nacional de desenvolvimento e tem a credibilidade indispensável para que sirva de orientação para decisões e ações adotadas por agentes públicos e privados?

Compreensão - A leitura e a análise do orçamento público permitem que a sociedade delas extraia um claro entendimento com respeito aos objetivos perseguidos pelo governo no curto e médio prazos, bem como das ações adotadas para eles serem alcançados?

Contribuição à Vitalidade Democrática - O processo de formulação, aprovação e implementação do orçamento oferece oportunidades para que os cidadãos participem das escolhas orçamentárias, particularmente no tocante a políticas que afetam os indivíduos e a coletividade?

Em face das distorções que o processo orçamentário brasileiro foi acumulando ao longo das últimas décadas, é impossível responder afirmativamente a qualquer das perguntas formuladas, o que implica a existência de enormes barreiras ao alcance do objetivo de melhorar a eficiência e a qualidade do gasto. Questões tais como o desequilíbrio na repartição dos recursos, a irregularidade na execução orçamentária, a prevalência de uma visão setorial na gestão das políticas públicas e a ausência de garantias de continuidade dos investimentos, impedem que o gestor governamental possa administrar com competência seus programas. Não se trata de falta de conhecimento sobre o que precisa ser feito, e sim de ausência de condições efetivas para uma eficiente gestão.

O encurtamento da perspectiva temporal da política orçamentária é outro aspecto que merece ser destacado. O predomínio do curto prazo passou a ser conveniente, pois qualquer tentativa de racionalizar as escolhas orçamentárias,

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planejar a despesa pública e regularizar a execução do orçamento, reduz a liberdade do Executivo para controlar a realização da despesa e o poder de barganha do Legislativo para negociar as questões de seu interesse.

Para a qualidade do processo orçamentário, também é essencial a existência de um regime de financiamento que forneça previsibilidade aos gestores públicos, com respeito à disponibilidade de recursos no prazo necessário para a conclusão das obras e a operação dos serviços, bem como assegure a sincronia entre os cronogramas físicos e financeiros, de modo a evitar atrasos e paralisações que inviabilizam a conclusão dos investimentos no prazo previsto e aumentam os custos em razão de um descompasso nesses cronogramas.

Incertezas com respeito às previsões de receitas e à execução orçamentária geram instabilidade macroeconômica e acarretam desequilíbrios sociais. A atual composição das receitas orçamentárias apresenta alta participação de tributos economicamente ineficientes e socialmente injustos. O encurtamento dos prazos em que as decisões são tomadas e os controles sobre a liberação dos recursos tornam o orçamento imprevisível, tanto para os agentes públicos quanto para os agentes privados. Incertezas, imprevisibilidade e deficiências na mensuração e avaliação de programas, projetos e ações prejudicam a eficiência da gestão e a eficácia das políticas públicas, ao passo que as dificuldades de compreensão do orçamento público, limitam o controle social, daí decorrendo baixo grau de accountability pública, e uma limitada contribuição do orçamento para a democracia.

Previsibilidade e estabilidade financeira são necessárias, mas não são suficientes. É preciso, ainda, que a execução dos projetos disponha de um sistema de acompanhamento que permita a adequada compreensão de outros motivos que possam comprometer a ocorrência de atrasos na execução dos cronogramas, de modo que os administradores públicos possam intervir preventivamente para evitar que isso ocorra, ou atuar com rapidez para corrigir o problema. Ademais, as informações geradas por esse sistema devem atender aos requisitos de visibilidade e transparência, a fim de que os demais poderes da República e a sociedade possam atuar supletivamente com vistas ao objetivo de garantir a eficiência no uso dos recursos e a eficácia dos recursos aplicados.

A adoção de uma visão estratégica nas escolhas sobre a alocação de recursos orçamentários reforça o foco em resultados a serem alcançados pelos programas e projetos governamentais. O foco nos resultados demanda a necessidade de o orçamento ser reconhecido como um instrumento importante, não apenas para a gestão governamental, mas também para o exercício do controle social sobre o Estado. Isso significa que o orçamento precisa ser transparente, isto é, que as informações nele contidas possam ser traduzidas em linguagem acessível a distintos segmentos da sociedade, que os resultados das avaliações adquiram credibilidade e que a população se interesse em participar do processo de elaboração e em acompanhar sua execução.

A participação da sociedade é importante, pois a contribuição do orçamento público para a vitalidade democrática não se restringe, naturalmente, às relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Para tanto, o acesso e a compreensão das informações orçamentárias são essenciais (Rezende &

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Cunha, 2002:8), condição essa que deverá se beneficiar do grau de organização da sociedade e de novas facilidades propiciadas pela tecnologia da informação e da comunicação, que poderão contribuir para o aumento do interesse dos cidadãos pelo orçamento público e para o surgimento de diferentes formas de envolvimento social com a dinâmica orçamentária nos anos à frente.

A figura, adiante apresentada, exibe as relações entre os elementos que concorrem para a qualidade do orçamento e os requisitos que precisam ser atendidos para que ela se materialize.

a) A redução de incertezas e a melhoria na qualidade do financiamento contribuem para o equilíbrio e a previsibilidade. A previsibilidade se beneficia da ampliação do horizonte temporal e de melhorias na composição da receita, ao passo que o equilíbrio concorre para a eficiência e a eficácia das políticas públicas;

b) De outra parte, a previsibilidade facilita a compreensão e esta contribui para um maior grau de accountability pública. Juntas, eficácia e accountability reforçam a contribuição do orçamento para a vitalidade democrática;

c) Em conjunto, confiança nas previsões de receita, estabilidade da execução orçamentária, qualidade da informação e clareza da exposição contribuem para reduzir incertezas, ampliar o horizonte do orçamento, aumentar a eficiência da gestão e a eficácia das políticas e dar transparência ao processo orçamentário.

As qualidades do orçamento

Fonte: Fernando Rezende e Armando Cunha. Gestão Pública e Desenvolvimento, no prelo.

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2- Orçamento, Eficiência da Gestão e Qualidade do Gasto

A eficiência da gestão pública depende: a) de como as decisões sobre a alocação de recursos são tomadas; b) de como as políticas que resultam dessas decisões são financiadas; c) da forma como as responsabilidades pela execução dessas políticas são repartidas entre o governo central e os governos subnacionais; d) de como os recursos são gerenciados; d) e de que maneira a implementação dessas políticas é controlada e avaliada. Portanto, depende de uma adequada sintonia entre o processo orçamentário, o regime tributário, as relações intergovernamentais, e a organização administrativa. Cabe indagar:

a) A qualidade do orçamento cria entraves para uma gestão eficiente do gasto público?

b) A composição do financiamento compromete a competitividade da economia e a qualidade da despesa pública?

c) As relações intergovernamentais revelam se há equilíbrio na repartição de responsabilidades e de recursos e se prevalecem condições adequadas à cooperação dos entes federados na gestão das políticas públicas?

d) A estrutura da organização administrativa indica disfunções que podem comprometer a ação do Estado?

Importa, pois, adotar uma visão integrada dos vários aspectos que interferem na qualidade da gestão pública. O orçamento pode ser bem formulado e executado, mas se ele é financiado por tributos de má qualidade, os impactos positivos de uma boa gestão do gasto governamental podem ser anulados pelo impacto negativo de um regime tributário que penaliza os investimentos e a geração de empregos e onera mais pesadamente os próprios beneficiários das políticas sociais. O gasto não pode ser eficientemente gerenciado, se as responsabilidades de cada nível do governo não estiverem bem definidas e se a repartição dos recursos fiscais não promover um adequado equilíbrio entre recursos e encargos. Ademais, a qualidade do gasto é comprometida se a organização administrativa não facilitar a articulação dos órgãos setoriais, para terem em conta a interdependência dos problemas, e se inexistirem mecanismos e incentivos que favoreçam a cooperação intergovernamental na gestão das políticas públicas. Tendo em vista o anterior, uma lista das questões a serem observadas para avaliar se as condições para uma gestão eficiente e eficaz dos recursos públicos estão dadas, inclui as seguintes:

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a) As decisões de gasto estão inseridas em uma visão estratégica que indique de que maneira, e como, o uso dos recursos públicos pode trazer melhores resultados para o crescimento econômico e o bem-estar social?

b) Os poderes Executivo e Legislativo operam em harmonia no processo de elaboração e aprovação do orçamento?

c) A execução orçamentária fornece aos gestores das organizações públicas condições adequadas para o desempenho de suas atividades, entre elas suficiência das verbas, regularidade nos repasses e flexibilidade no uso, exigindo, em contrapartida, compromissos com a apresentação de resultados?

d) A atividade dos gestores sofre embaraços decorrentes da não antecipação de questões que venham a provocar a interrupção de obras e o fornecimento de serviços?

e) A descentralização de grande parte das responsabilidades públicas foi acompanhada de medidas que concorram para a cooperação intergovernamental na gestão das políticas públicas?

f) O gasto público é objeto de um processo contínuo de avaliação?

g) Há transparência nas decisões orçamentárias e na programação e na execução do gasto para que os cidadãos exerçam seu papel?

3- Lições da Experiência Internacional As principais vertentes das reformas orçamentárias promovidas em vários países do mundo nas últimas décadas reforçam a importância atribuída à incorporação de uma visão estratégica nas decisões sobre a alocação de recursos públicos e a mudanças que contribuam para: melhorar a qualidade do gasto público; introduzir compromissos com o resultado da ação governamental; e promover a responsabilização dos governantes. No tocante à elaboração de uma visão estratégica, os estudos que analisam essas experiências destacam que ela não deve se limitar ao horizonte temporal de um mandato político, sendo também importante dotar os órgãos setoriais da capacidade necessária para participar dessa tarefa. Um planejamento de longo prazo é importante para orientar a elaboração de orçamentos plurianuais (medium term expenditure framework) no qual as prioridades de cada governante, traduzidas em objetivos e metas a serem alcançadas, estariam refletidas em previsões de aplicação de recursos para o prazo dos respectivos mandatos.

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Uma condição importante a ser observada na elaboração de um orçamento plurianual é que ele não deve ater-se a previsões de investimentos, a exemplo do que era feito no passado. De fundamental importância para a eficácia e a qualidade do gasto é prever, neste orçamento, os recursos necessários à manutenção e operação da ampliação de programas existentes, bem como os decorrentes de novas iniciativas do governo. Isto é, o orçamento plurianual tem que contemplar o impacto dos investimentos nas despesas correntes. Isto é importante não apenas para a eficiência da gestão e a qualidade do gasto, mas também para a sustentação do equilíbrio das contas públicas, pois evita problemas originados pela ausência dessas previsões. Quanto ao segundo aspecto destacado na literatura internacional, as recomendações extraídas das experiências internacionais destacam a importância de o processo orçamentário focalizar os resultados e não os meios a serem aplicados, o que requer mudanças radicais em hábitos e comportamentos profundamente arraigados. Três sugestões derivam dessa recomendação. A primeira enfatiza a concessão de maior liberdade aos gestores responsáveis pela execução dos programas contemplados no orçamento para utilizar os recursos que estão sob sua responsabilidade. A contrapartida dessa liberdade é a responsabilidade que passam a ter com os resultados de sua atuação e a certeza de que serão cobrados por seu desempenho, no caso de ele ser insatisfatório. O alcance dessa liberdade pode variar, mas uma condição adotada em algumas experiências internacionais é a limitação de usar recursos destinados a investimentos para financiar gastos correntes. A segunda é a credibilidade das avaliações, que depende da transparência das metodologias aplicadas e pode se beneficiar também da capacidade de os órgãos setoriais contribuírem para o exercício dessa função. E a terceira reitera a importância da combinação da transparência o orçamento e das avaliações para que a população se interesse em participar do processo orçamentário em acompanhar sua execução, para o que um programa de educação orçamentária também dá sua contribuição. 4- Mudanças no processo orçamentário enfrentam dificuldades e limitações

4.1- De natureza política As limitações de natureza política dizem respeito a conflitos dentre os Poderes Executivo e Legislativo no processo de discussão, aprovação e execução do orçamento. Incluem também a mobilização de setores da sociedade com direitos pré assegurados sobre parcelas do orçamento para defendê-los ou propor sua ampliação. Essas dificuldades são maiores quando o grau de rigidez do orçamento é elevado, uma vez que mudanças que acarretem eventuais riscos para o cumprimento de metas fiscais, ou afetem interesses cristalizados, podem imobilizar o Executivo ou gerar resistências no Legislativo. .

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4.2- De natureza econômica

Em boa medida, as condições para promover mudanças no processo orçamentário dependem da conjuntura econômica. A elaboração e a execução do orçamento precisam atentar para a preservação do equilíbrio macroeconômico, que tende a encurtar o horizonte das decisões orçamentárias e promover a fragilização dos órgãos responsáveis por essa tarefa. Numa conjuntura adversa, mudanças geram resistências e a superação dessas resistências depende do cuidadoso desenho de um processo de transição, e da formação de um forte compromisso político com a adoção das medidas necessárias para melhorar a qualidade do orçamento e da despesa pública. A adoção de uma política fiscal anticíclica no orçamento plurianual, mediante a reserva de recursos oriundos de receitas extraordinárias poderia ajudar a superar as resistências econômicas, visto que recursos acumulados em períodos de prosperidade poderiam ser mobilizados para sustentar o ajuste fiscal em momentos de reversão do ciclo.

4.3- De natureza comportamental

Não menos importantes do que as dificuldades políticas e econômicas são as questões de ordem comportamental. Substituir o foco nos setores pelo foco nos problemas, tal como recomendado pela experiência internacional, implica em romper com a tradição e em alterar rotinas há muito estabelecidas.

5- Oportunidades Mas como sugere a sabedoria chinesa que associa crises a oportunidades, as principais experiências internacionais indicam que a ocorrência de crises fiscais ajudou a promover as reformas demandadas para melhorar a eficiência e a qualidade dos gastos, tendo em vista permitir que o ajuste das contas públicas se beneficiasse da decorrente economia de recursos Outros fatores que também teriam contribuído para viabilizar mudanças foram: momentos de transição política marcados por percepções distintas dos problemas; demandas do Legislativo por maior influência nas decisões estratégicas relacionadas ao uso dos recursos públicos; e pressões da sociedade por uma maior qualidade do gasto público. Assim, é preciso contrapor ao argumento de que é preciso aguardar condições favoráveis para a realização de mudanças, a advertência de que acomodar-se a um regime inadequado é a forma mais garantida de acumular problemas futuros. Como numa conjuntura favorável a predisposição para mudar enfraquece, a cada nova crise a situação torna-se mais grave e o impacto das medidas necessárias para corrigir os problemas será maior e mais doloroso. Agir no momento certo é a única forma de evitar que isso venha a ocorrer.

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