Texto Semina Rio Rousseau

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Universidade de São Paulo – FFLCH - Departamento de Filosofia Disciplina: Ética e Filosofia Política I - Professora: Dra. Maria das Graças de Souza Aluna: Gisele Figueiredo Endrigo Número USP: 5685640 Data: 18/11/2009 Seminário – Do Contrato Social - Rousseau Capítulos IV e V do livro III: da democracia e da aristocracia

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Universidade de São Paulo – FFLCH - Departamento de Filosofia

Disciplina: Ética e Filosofia Política I - Professora: Dra. Maria das Graças de Souza

Aluna: Gisele Figueiredo Endrigo Número USP: 5685640

Data: 18/11/2009

Seminário – Do Contrato Social - Rousseau

Capítulos IV e V do livro III: da democracia e da aristocracia

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Em Do Contrato Social, no Livro III, Rousseau explica seu conceito de

governo e discorre acerca de suas várias formas.

Para Rousseau, toda ação do corpo político pressupõe o concurso de duas

forças: a vontade, consubstanciada no poder legislativo, e a ação, pertencente ao poder

executivo. Essa afirmação poderia levar-nos a pensar que o filósofo compartilha de uma

ideia de separação dos poderes, à maneira de Montesquieu. No entanto, conforme se

depreende do Capítulo II, do Livro II, a soberania é indivisível. Desse modo, só há um

poder propriamente dito: o poder legislativo, ou seja, o poder pertencente à vontade geral

de declarar leis (fundamentais). Todo o resto, isto é, todas as outras ações do corpo político

são consideradas atos de magistratura (administrativos).

Assim, no Capítulo I do Livro III, Rousseau conceitua o Governo como o

titular do poder executivo: “corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano

para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da

liberdade, tanto civil como política”. O Governo é responsável pelo ato de colocar em

prática as leis fundamentais declaradas pelo soberano e zelar pela sua observância por

parte dos súditos, podendo, para tanto, instituir decretos (que não são consideradas leis

propriamente ditas, mas atos de administração). A função jurisdicional também estaria

incluída entre as atribuições administrativas.

Quanto à pessoa a quem cabe o exercício do poder executivo, poderá ser o

príncipe ou magistrado, que tanto pode ser um homem ou um corpo formado por alguns ou

vários magistrados. Independente da denominação ou do número, o príncipe ou magistrado

é considerado um “empregado” do soberano, uma pessoa ou corpo a quem é confiado o

poder de executar aquilo que foi declarado pela vontade geral.

Como corpo intermediário, o Governo estabelece uma relação entre o

soberano e o Estado (o povo enquanto súdito). Rousseau percebe que essa relação se dá na

forma de uma proporção contínua, ou seja, o soberano está para o Governo assim como o

Governo está para o Estado. Dessa forma, se o Estado é composto de muitos súditos, o

Governo deverá aplicar uma força maior em sua administração e o Soberano, por sua vez,

deverá ter mais força para conter o Governo.

No Capítulo II, Rousseau trata do princípio que constitui as várias formas

de governo. É o princípio do número, ou seja, relaciona-se com número de membros que

compõe o governo. Mas, primordialmente, esse princípio é o da legitimidade, ou seja, a

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forma de governo deve ser expressão da vontade geral. Para Montesquieu, ao contrário,

cada forma de governo corresponde a um princípio: na democracia é a virtude, na

aristocracia é a moderação e na monarquia é a (falsa) honra. Mas Montesquieu descreve as

formas de governo como elas são de fato, ao passo que Rousseau as descreve como

deveriam ser e, no campo do ideal, todas elas obedecem ao mesmo princípio da

legitimidade.

Levando-se em conta que a pessoa que compõe o Governo (príncipe,

magistrado ou corpo político) possui três vontades diversas: a vontade própria do

indivíduo, a vontade do corpo político e a vontade soberana, segue-se que no governo de

um só, confunde-se a vontade particular do príncipe com a vontade geral do soberano, e há

o perigo de que os atos do monarca não passem de expressão de seus próprios interesses.

Se, ao contrário, o Governo é exercido pelo soberano, será composto de tantos magistrados

quanto forem os cidadãos. Aparentemente há uma coincidência entre a vontade geral do

soberano e a vontade do Governo, mas, na realidade, o Governo enfraquece quanto mais

numerosos forem os magistrados. A atividade do Governo acaba diminuída em função do

enfraquecimento provocado pelas vontades particulares dos magistrados. E quanto mais

magistrados, maior o número de interesses privados.

Estabelecidas as noções e o princípio do Governo, Rousseau passa a

discorrer acerca da divisão dos governos, no Capítulo III. Se o soberano confia o Governo

a todo o povo ou à maior parte do povo, de modo que haja mais cidadãos magistrados do

que simples cidadãos particulares, essa forma de governo é a democracia. Se, ao contrário,

confia o Governo a um reduzido número, de modo que haja mais simples cidadãos

particulares do que magistrados, essa forma de governo é a aristocracia. Se concentrar o

Governo nas mãos de um só, essa forma é a monarquia ou Governo real.

Rousseau não defende uma forma de governo em particular, afirmando

que a conveniência de se adotar esta ou aquela forma depende de cada caso particular, ou

seja, de fatores como tamanho do território, número de súditos, relação entre as riquezas e

até do clima. Para o filósofo, se a forma de governo escolhida é verdadeira expressão da

vontade geral, então é um governo legítimo. Mas de modo geral, a democracia conviria aos

Estados pequenos, a aristocracia aos médios e a monarquia aos grandes, levando-se em

conta aquela relação de proporção contínua.

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Ao passar a discorrer sobre cada forma de governo, Rousseau, em

princípio, observa que na democracia haveria a vantagem de que “aquele que faz a lei sabe,

melhor do que ninguém, como deve ser ela posta em execução e interpretada”. Mas uma

observação mais acurada leva à constatação de que há a grande desvantagem da indistinção

entre o público e o privado, i.e., entre a vontade geral e as vontades particulares. Na

democracia, há o constante perigo da influência dos interesses privados nos negócios

públicos, a não ser que o povo fosse sempre virtuoso. Mas um povo assim, que fosse

sempre guiado pela vontade geral, nem teria necessidade de ser governado. Esse povo seria

um povo de deuses e governo tão perfeito não conviria aos homens.

Ademais, se povo permanecesse continuamente em assembleia, não

poderia se ocupar de mais nada, o que o forçaria a delegar algumas funções,

descaracterizando-se, assim, a forma de governo, pois se delegou, já não é mais

democracia.

Rousseau afirma que a democracia exige condições favoráveis específicas

para existir e se manter: um Estado muito pequeno, no qual seja fácil reunir o povo; uma

grande simplicidade de costumes, que não gere questões muito complexas a serem

decididas; igualdade entre as classes e as fortunas, pouco ou nada de luxo, que poderia

gerar a corrupção dos súditos, e a virtude dos cidadãos. Nesse sentido, compartilha das

ideias de Platão e Montesquieu.

A democracia, no entanto, é a forma de governo que está mais sujeita às

guerras civis e às agitações intestinas. A interferência direta dos mais variados interesses

particulares pressiona a democracia de tal forma, que é preciso mais força e coragem por

parte dos cidadãos para manter a forma original. Se a desordem se apodera do Governo, e

se esse só age em função das vontades particulares dos magistrados e, não mais, de acordo

com a vontade geral, há o perigo dessa forma degenerar em anarquia, da qual,

frequentemente, surge a figura de um “salvador” que, não raro, revela-se um tirano ou

ditador. Tal fato remete diretamente a Platão, que em A República, já afirmava que toda

forma de governo se corrompe e que todo excesso provoca reação contrária. Nesse sentido,

a excessiva liberdade da democracia acaba degenerando em excessiva servidão. A mais

absoluta e intolerável servidão se origina da mais pura liberdade.

No Capítulo V, Rousseau trata da aristocracia, na qual o Governo é

confiado a um número reduzido de magistrados. Ao contrário da democracia, em que as

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figuras do Governo e do Soberano se confundem no mesmo corpo (povo), na aristocracia a

distinção entre estes é bem nítida.

Há duas vontades gerais, no sentido de que há a vontade geral do

Soberano, e a vontade do Governo que é geral em relação ao Estado, mas particular em

relação ao Soberano. No entanto, o Governo só age em nome do soberano, i.e., em nome

do próprio povo, já que a pessoa a quem é confiado o governo é um delegado, comissário

ou, ainda, funcionário do povo.

A seguir, Rousseau faz uma breve consideração sobre a história da

aristocracia, nos parágrafos 2º. e 3º. Haveria três espécies de aristocracia: a natural, dos

povos “primitivos”, observada, por exemplo, no governo confiado a um Conselho de

anciões; a hereditária, consubstanciada no governo das famílias dos nobres ou patrícios, e,

finalmente, a eletiva, na qual o governo é confiado a um pequeno número, por eleição.

Rousseau só admite como forma legítima a aristocracia eletiva, pois a natural só conviria a

povos simples e a hereditária, que seria o governo dos interesses de uma classe, a pior

forma de governo. Dentre essas três espécies, somente a aristocracia eletiva se encaixa no

conceito de república legítima, na medida em que só ela seria verdadeira expressão da

vontade geral.

Aristocracia seria o governo dos melhores. Aristos significa o melhor. Em

A República, Platão afirma que, se de modo geral, cada cidadão deve exercer o papel que

melhor desempenha, a administração da cidade deve ser confiada àqueles que tem vocação

para tanto. Ou seja, o governo deveria ser confiado àquele que fosse capaz de manter em

vigor as leis e os costumes da república. Para ele, os bons governantes seriam os filósofos,

porque só estes têm amor pela verdade, conhecem, vivem e se nutrem dela; e seus atos

conduzem ao que é verdadeiramente bom, belo e justo. A aristocracia, dessa forma, seria o

governo de um grupo de homens sábios e virtuosos, dos melhores homens, mais aptos a

manter a estabilidade da república. Seria o governo bom e justo.

Montesquieu, ao contrário, descrevendo esta forma de governo a partir

das aristocracias de fato de seu tempo, constata que é o governo de um corpo de nobres,

que age de acordo com os interesses da própria classe. Para se manter, uma aristocracia

deve ter como princípio a moderação, isto é, uma virtude relativa que faça com que os

nobres se reprimam uns aos outros, que não haja uma ambição de poder desmedida por

parte de um ou alguns nobres. É necessário também que o povo tenha certa prosperidade e

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influência no governo, ou que seja tão pequeno e pobre que a parte dominante não tenha

qualquer interesse em oprimi-la.

Retomando a leitura de Rousseau, a aristocracia ideal possuiria duas

vantagens primordiais: a distinção dos poderes, nitidamente divididos entre Governo e

Soberano, e a eleição dos magistrados pelo critério do mérito (probidade, luzes e

experiência, etc), que também constituiria outra garantia de um governo sábio, ao contrário

do critério da riqueza defendido por Aristóteles (embora este também descreva a escolha

segundo o mérito). Outras vantagens seriam a maior facilidade de organização, discussão e

tomada de decisões em assembleias, além do Estado ser melhor representado por um grupo

perante outros Estados, do que por uma multidão.

À maneira de Platão, Rousseau afirma que “a melhor ordem e a mais

natural é que os mais doutos governem a multidão, quando se tem certeza de que o fazem

visando o benefício dela e não o seu.” Das formas de governo que Rousseau apresenta,

esse conceito de eleição de um pequeno número para governar o povo, pelo critério do

mérito, é o que mais se aproxima da forma de nossas democracias contemporâneas, pois a

democracia do Contrato refere-se àquelas de participação direta das cidades antigas.

Entretanto, assim como a democracia, a aristocracia exige algumas

condições para se manter: uma virtude relativa (não é necessária uma virtude absoluta

como nas democracias), moderação entre os ricos e contentamento entre os pobres, assim

como Montesquieu observou, e um Estado não tão grande, pois uma vasta extensão

obrigaria a divisão em departamentos e a distribuição de chefes para governá-los, que

poderiam se tornar tão independentes a ponto de causar uma cisão.

O grande perigo que deve ser observado nas aristocracias é que há uma

inclinação inevitável do interesse (particular) do corpo formado pelos governantes

enfraquecer a direção da força pública segundo a regra da vontade geral, da mesma forma

que há uma propensão do poder executivo em legislar, atribuição que deveria ser exclusiva

do poder legislativo (Soberano). E quando esse interesse do corpo não age mais em nome

da vontade geral, mas de um interesse próprio, principalmente fundado na renda, a

aristocracia degenera em oligarquia.

A teoria de Rousseau legou-nos um importante subsídio para pensar a

nossa forma de governo atual. Observa-se nos governos contemporâneos o mesmo tipo de

degeneração da aristocracia em oligarquia, também pensadas por Platão e Montesquieu.

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Aquele corpo de governantes, teoricamente eleitos segundo seus méritos para administrar a

res publica em nome do povo, revela-se um grupo que só governa segundo seu próprio

interesse econômico, orientado pela busca por bens materiais e enriquecimento. Temos,

então, uma organização do Estado fundada sobre a renda, em que os ricos governam e os

pobres são privados de todo o poder: o governo de um grupo que detém o poder

econômico, mas desprovido das qualidades necessárias de um bom governante. Nesse

sentido, o nosso governo é composto de verdadeiras oligarquias: a dos grandes

proprietários rurais, dos banqueiros, dos setores extrativistas, etc. Todo cuidado é pouco na

correção destas distorções, pois o efeito colateral é sempre uma possibilidade: a tirania ou

ditadura, a degenerescência final de todas as piores formas de governo.

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