Texto Sobre O Poder Moderador Na Cena Política Brasileira Do II Reinado

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DOMINGO, 30 DE MARÇO DE 2008 O Poder Moderador na cena política brasileira do II Reinado A presença do Imperador na organização política brasileira é do exímio articulador, ou aparador de arestas, perante as disputas entre os partidos. O Poder Moderador consta como o quarto poder da organização estatal. Tem como base, sobretudo, as idéias Benjamin Constant(17671830) – publicista e constitucionalista na França. Fundamentalmente o Poder Moderador, plantase numa concepção de uma monarquia constitucional, onde o Rei exerceria o poder neutro de assegurador de toda a organização política1 , ficando acima de todos os outros poderes, sem ser responsabilizado, teria posição privilegiada para coordenar a política sem os apegos às emoções populares e nem aos apupos partidários. Em uma palavra, havendo a divisão dos poderes de modo horizontal – Executivo, Legislativo e Judiciário, perante esses três, havia uma divisão vertical, onde o Poder Moderador estava acima, e seguidamente, no 'outro andar' estariam os outros três poderes. No Brasil, no entanto, o imperador assumiu tanto a posição de Chefe do Poder Executivo e Chefe Supremo da Nação, detendo o Poder Moderador. Essa era uma diferença frente a teoria de Benjamin Constant(onde o Rei não governa). Assim, as diferenças do Poder Moderador, entre Constant e o que foi aplicado no Brasil eram: no Brasil o Chefe do Estado é o governante suprapartidário – elemento neutro; no Brasil é marcadamente um poder excepcional a serviço da manutenção da constituição vigente, fazendo o controle de constitucionalidade para que os representantes do povo extrapolem o âmbito de mandato que lhes cabe ao serem eleitos; idéia de que, no Brasil, a nação está encarnada no Imperador, e ele a representa pessoalmente. As fases da história política do Brasil passam por três fases marcantes: 1 – Governo Constitucional e Representativo – 1824 – 1837 2 – Governo Parlamentar – 1837 – 1881 3 – Parlamentarismo – 1881 – 1889 Em linhas gerais essas três fases representam os momentos de interpretação da constituição de 1824, e algo mais contundente, a crise da monarquia no Brasil. Desde a independência, o país foi marcado pela disputa entre centralismo e descentralização. Os primeiros eram mais vinculados à burocracia estatal, eram os “coimbrãos”(pois boa parte havia estudado em Coimbra – Portugal), os conservadores; o segundo grupo, faziam parte os aristocratas rurais, que eram tidos como liberais. É conveniente apontar uma situação decisiva que permitiu que o país possuísse um cunho centralizador, desde o início. A independência do país foi assegurada, frente a Portugal, e a garantia do território estando nas mãos de D. Pedro I, com o próprio apoio dos liberais, foi possível porque os mesmos temiam a recolonização do país por parte dos Portugueses. Ocorreu uma “união de situação” para unificar o país. Mas logo depois, as disputas reiniciaram. E percorreram todo o período que durou o regime imperial no Brasil. Quando Oliveira Viana aponta na obra “O Ocaso do Império”, que o “Rei reina, mas não governa”, referese ao papel de D. Pedro II de árbitro da situação. Mas o autor destaca que a atuação do Imperador não é passiva, senão ativa. O Imperador realizava uma política de troca de partidos no poder, alternando poderes2 . Isso precisava ser feito, pois não havia como crer nas eleições políticas, já que eram extremamente fraudadas. Uma questão que se deve apontar é como fazer democracia num país que não tinha povo!? Oliveira Viana parece apontar para a idéia de que o imperador realizava a organização política, substituindo a própria ausência de democracia. Como o discurso democrático era realizado pela classe menos democrática, isto é, os aristocratas rurais que queriam a permanência do regime escravista; só controlando politicamente os avanços dessa posição e realizar, paulatinamente(como foi o próprio processo de abolição da escravidão), um processo de inserção da sociedade na vida civil e política3 . Por fim, podemos apontar outros aspectos que acentuavam o viés centralizador do 2o Reinado. Se o Poder Moderador, na figura do Imperador, já possuía influência em todos os outros poderes4 , logo no início do segundo reinado um outro instrumento: a “Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840” que engessava o judiciário conforme interpretação da lei do Imperador, além de ser usado para evitar as usurpações das assembléias legislativas algo que acentuou o centralismo.

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D O M I N G O , 3 0 D E M A R Ç O D E 2 0 0 8

O Poder Moderador na cena política brasileira do II Reinado

A presença do Imperador na organização política brasileira é do exímio articulador, ou aparador de arestas,perante as disputas entre os partidos.

O Poder Moderador consta como o quarto poder da organização estatal. Tem como base, sobretudo, asidéias Benjamin Constant(1767­1830) – publicista e constitucionalista na França. Fundamentalmente o PoderModerador, planta­se numa concepção de uma monarquia constitucional, onde o Rei exerceria o poder neutro deassegurador de toda a organização política1, ficando acima de todos os outros poderes, sem ser responsabilizado,teria posição privilegiada para coordenar a política sem os apegos às emoções populares e nem aos apupospartidários. Em uma palavra, havendo a divisão dos poderes de modo horizontal – Executivo, Legislativo eJudiciário, perante esses três, havia uma divisão vertical, onde o Poder Moderador estava acima, e seguidamente,no 'outro andar' estariam os outros três poderes.

No Brasil, no entanto, o imperador assumiu tanto a posição de Chefe do Poder Executivo e Chefe Supremoda Nação, detendo o Poder Moderador. Essa era uma diferença frente a teoria de Benjamin Constant(onde o Reinão governa). Assim, as diferenças do Poder Moderador, entre Constant e o que foi aplicado no Brasil eram: noBrasil o Chefe do Estado é o governante suprapartidário – elemento neutro; no Brasil é marcadamente um poderexcepcional a serviço da manutenção da constituição vigente, fazendo o controle de constitucionalidade para que osrepresentantes do povo extrapolem o âmbito de mandato que lhes cabe ao serem eleitos; idéia de que, no Brasil, anação está encarnada no Imperador, e ele a representa pessoalmente.

As fases da história política do Brasil passam por três fases marcantes:

1 – Governo Constitucional e Representativo – 1824 – 1837

2 – Governo Parlamentar – 1837 – 1881

3 – Parlamentarismo – 1881 – 1889

Em linhas gerais essas três fases representam os momentos de interpretação da constituição de 1824, e algomais contundente, a crise da monarquia no Brasil. Desde a independência, o país foi marcado pela disputa entrecentralismo e descentralização. Os primeiros eram mais vinculados à burocracia estatal, eram os “coimbrãos”(poisboa parte havia estudado em Coimbra – Portugal), os conservadores; o segundo grupo, faziam parte osaristocratas rurais, que eram tidos como liberais.

É conveniente apontar uma situação decisiva que permitiu que o país possuísse um cunho centralizador,desde o início. A independência do país foi assegurada, frente a Portugal, e a garantia do território estando nasmãos de D. Pedro I, com o próprio apoio dos liberais, foi possível porque os mesmos temiam a recolonização dopaís por parte dos Portugueses. Ocorreu uma “união de situação” para unificar o país. Mas logo depois, asdisputas reiniciaram. E percorreram todo o período que durou o regime imperial no Brasil.

Quando Oliveira Viana aponta na obra “O Ocaso do Império”, que o “Rei reina, mas não governa”, refere­seao papel de D. Pedro II de árbitro da situação. Mas o autor destaca que a atuação do Imperador não é passiva,senão ativa. O Imperador realizava uma política de troca de partidos no poder, alternando poderes2. Isso precisavaser feito, pois não havia como crer nas eleições políticas, já que eram extremamente fraudadas. Uma questão quese deve apontar é como fazer democracia num país que não tinha povo!?

Oliveira Viana parece apontar para a idéia de que o imperador realizava a organização política, substituindo aprópria ausência de democracia. Como o discurso democrático era realizado pela classe menos democrática, isto é,os aristocratas rurais que queriam a permanência do regime escravista; só controlando politicamente os avançosdessa posição e realizar, paulatinamente(como foi o próprio processo de abolição da escravidão), um processo deinserção da sociedade na vida civil e política3.

Por fim, podemos apontar outros aspectos que acentuavam o viés centralizador do 2o Reinado. Se o PoderModerador, na figura do Imperador, já possuía influência em todos os outros poderes4, logo no início do segundoreinado um outro instrumento: a “Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1840” ­ que engessava o judiciárioconforme interpretação da lei do Imperador, além de ser usado para evitar as usurpações das assembléiaslegislativas ­ algo que acentuou o centralismo.

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Também é importante atentar para o fato de que a organização política do país por seu território era bemdiferente de hoje. Só com a República(1889) é que passaram a existir Estados­Federativos. Antes, o território eradividido por províncias, e não havia competências próprias que não passassem pelo poder central(Rio de Janeiro –capital). Inclusive os presidentes de províncias(algo semelhante ao que é hoje o governador do Estado), poderiagovernar a partir da capital, e não agindo por sua deliberação na província que o elegeu. Sendo essa característicamais um ponto afirmador do caráter centralizador do Estado brasileiro, algo que será minado pela oposição (luzias,liberais). A ponto de a crítica gerar a crise necessária para derrubar Dom Pedro II e o Império.

1 [interessante é que na Constituição Brasileira de 1824, o art. 98: “O Poder Moderador é a chave de toda aorganização política, e é delegada privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro

Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos mais

poderes políticos”, faz uma tradução incorreta do que Benjamin Constant escreveu ao se referir à chave. Segundo Afonso

Arinos de Melo Franco(in: O Constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal. Ministério da Justiça. Arquivo

Nacional, 1972.[Introdução de Afonso Arinos de Melo Franco]) “chave” se referia, em francês à “clef”, onde a melhor

tradução seriafecho(de abóboda), aquilo que segura o prédio[da organização política], sendo coordenador e não

impositor da estrutura política.

2 Situações de domínio da Assembléia, conforme cada partido:

1844 – 1848 = Partido Liberal

1848 – 1852 = Partido Conservador

1852 – 1860/62 = Conciliação ( com liderança Conservadora, sem exclusivismos)

1862 – 1868 = Liga Progressista (semelhante à situação anterior, mas com predomínio de liberais)

1868 – 1878 = Partido Conservador

1878 – 1885 = Partido Liberal

1885 – 1888 = Partido Conservador

1888 – 1889 = Partido Liberal

­ Lembrando que em cada situação, pode ter havido vários gabinetes, exceto na última.

3 O que manteve a coesão entre conservadores e liberais, durante todo o império, certamente foi amanutenção do regime escravista. Isso é mais arraigado nos liberais(que eram os fazendeiros) do quenos conservadores(maioria funcionários do Estado).

Um dos maiores anacronismos ocorridos no 2o Império foi a aprovação da Lei Saraiva. Onde o votopassou a ser estabelecido por critério literário. Foi um projeto dos liberais, que já se preparavam paranão deixar os negros participarem da vida política, pois esses, cedo ou tarde, conquistariam sua

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liberdade. O resultado foi: O Brasil era um país que se votava mais que na Inglaterra, relativo àpopulação de cada um; e depois da Lei Saraíva, o número de votantes diminuiu de modo assustador –de 1114.066 eleitores para 145.296 eleitores.

4 “Constituição de 1824, art. 101: O Imperador Exerce o Poder Moderador: I – Nomeando ossenadores, na forma do Art. 43; II – Convocando a Assembléia Geral extraordinariamente nosintervalos das sessões, quando assim o pede o Império; III – Sancionando os Decretos e Resoluçõesda Assembléia Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62; IV – Aprovando e suspendendointeiramente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: Arts. 86, e 87; V – Prorrogando ouadiantando a Assembléia Geral e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos em que o exigir asalvação do Estado, convocando imediatamente outra que a substitua; VI – Nomeando e demitindolivremente os ministros de Estado; VII ­ Suspendendo os magistrados nos casos do Art. 154; VIII –Perdoando e moderando as penas impostas aos réus condenados por sentença; IX – Concedendoanistia em caso urgente e que assim aconselhem a humanidade a bem do Estado”. Fica claro que oImperador, através do Poder moderador interferia em qualquer um dos poderes.