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David André Pestana Gouveia O Contrato de Factoring À luz da Legislação Portuguesa e da Responsabilidade dos Intervenientes The Contract of Factoring Regarding the Portuguese Legislation and the Responsibility of their Intervenients Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), do Mestrado em Ciências Jurídico- Forenses Orientadora: Sra. Professora Doutora Carolina de Castro Nunes Vicente Cunha Coimbra, 2019

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David André Pestana Gouveia

O Contrato de Factoring

À luz da Legislação Portuguesa e da Responsabilidade dos Intervenientes

The Contract of Factoring

Regarding the Portuguese Legislation and the Responsibility of their Intervenients

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º

Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau

de Mestre), do Mestrado em Ciências Jurídico-

Forenses

Orientadora: Sra. Professora Doutora Carolina de Castro Nunes Vicente Cunha

Coimbra, 2019

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David André Pestana Gouveia

O CONTRATO DE FACTORING

À LUZ DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA E DA

RESPONSABILIDADE DOS INTERVENIENTES

Dissertação no âmbito do mestrado em Ciências Jurídico-Forenses

orientada pela Senhora Professora Doutora Carolina de Castro Nunes Vicente Cunha e apresentada à Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra.

Janeiro de 2019

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e família, em especial à minha Mãe, Lurdes Pestana, e à minha irmã, Sílvia

Gouveia, e pai, Rui Gouveia, por todo o apoio incondicional prestado ao longo destes anos

de luta e aprendizagem.

Aos meus grandes amigos e colegas, por toda ajuda e motivação que me deram o que me

proporcionou uma enorme fonte de inspiração e dedicação. Certamente, nada disto seria

possível sem o vosso apoio.

Ao João Amado, André Ribeiro, André Almeida, Jéssica Viveiros, que sempre me fizeram

sentir em família. Mas também ao João Gouveia, Júlio Fernandes e Manuel Ribeiro, que

que sempre me bem acolhem quando regresso às minhas origens e encorajaram.

Á minha patrona, Carla Menezes, que sempre se disponibilizou em prestar qualquer apoio

ao longo do Curso de Estágio da Ordem dos Advogados de 2018.

À Senhora Professora Doutora Carolina Cunha, pela disponibilidade e sabedoria com que

me presenteou na orientação desta dissertação.

Como não poderia deixar de ser, um agradecimento em especial à Direcção-Geral do

Ensino Superior que me proporcionou toda esta oportunidade de enriquecimento

intelectual e de crescimento como pessoa ao longo da Licenciatura em Direito e do

presente Mestrado.

A todos os outros que, de uma forma ou de outra, fizeram parte da minha vida académica e

que sempre contribuíram com um pouco do vosso tempo para tornarem este

empreendimento e percurso possível.

À Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, fonte de conhecimento.

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RESUMO

O Contrato de Factoring, contrato de financiamento, que ao longo dos últimos anos tem

logrado um inegável crescimento, ao atingir uma determinada supremacia na nossa

sociedade, tem desencadeado variados problemas a nível da sua noção utilizada e

conceptualismos empregues quanto aos seus sujeitos, e essencialmente problemas

relacionados com a responsabilidade dos seus intervenientes.

Em Portugal, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18 de Julho, tem

emergido mais polémica em saber qual o intuito do legislador com esta nova intervenção.

Nesse sentido, a noção elencada no seu art.º 2.º e as terminologias utilizadas no art.º 3.º,

surgem como ponto essencial, assim como a análise dos casos geradores de

responsabilidade civil dos seus intervenientes no âmago do contrato de factoring.

Palavras-chave: Contrato de Factoring; Factoring; Transmissão de créditos;

Responsabilidade do factor; Contrato de factorização. 5

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ABSTRACT

The Factoring Agreement, a financial contract, that has been growing rapidly over the last

decades, has reached such a preponderance in today's mass society that it raises a number

of problems in terms of its legal nature, determinability of concepts and, at a central level,

its most important concerns, the responsbility of the intervenients.

In Portugal, since the last decret known by DL 171/95, of 18 July, the problems regarding

interpretation of the follow activity still presists, so as the previews ones remain.

In this sense, it is essential to question whether the Portuguese legal system would benefit

from a clarification of the actual notions and concepts used for intervenients by the

metioned decret, and question if there are more adequate concepts to fulfill the Unidroit

Convention. Not only, but it‟s important to analise the situations in which ones the parties

could be responsible for their acts.

Key-words: Factoring Agreement; Financial contract; Civil responsability;

Portuguese legislation; Financial transaction. 5

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SIGLAS E ABREVIATURAS

Ac.: Acórdão

Art.: Artigo

Arts.: Artigos

CC: Código Civil

CCom: Código Comercial

Cfr.: Conforme

CIRE: Código de Insolvência e Recuperação de Empresas

CPI: Código de Propriedade Industrial

CRP: Constituição da República Portuguesa

CSC: Código das Sociedades Comerciais

DL.: Decreto-Lei

Ed.: Edição

Ibidem: No mesmo local mas em página diferente

Idem: No mesmo local e na mesma página

LU: Lei Uniforme das Letras e Livranças

n.º: número

n.ºs: números

Ob. cit.: obra citada

P.: página

PME‟s: Pequenas e Médias Empresas

Pp.: páginas

Proc.: Processo

REL.: Relator

RGICSF: Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras

RGPD: Regime Geral da Protecção de Dados

ss.: seguintes

STJ: Supremo Tribunal de Justiça

TRE: Tribunal da Relação de Évora

TRG: Tribunal da Relação de Guimarães

TRL: Tribunal da Relação de Lisboa

TRP: Tribunal da Relação do Porto

Vide: Veja

Vol.: Volume

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A presente dissertação não segue as normas de grafia do Novo Acordo Ortográfico.

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS……………………………………………………..….……1

RESUMO…………………………………………………………………..……….2

ABSTRACT…………………………………………..…………………………….3

SIGLAS E ABREVIATURAS………………………………………………….…..4

A. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS……………..…………………………...7

1. CAPÍTULO I. O COSMOS DO FACTORING…….………...….....…………...10

1. A Noção do Factoring face à conjuntura legal em Portugal………………....10

1.1. Dos Sujeitos e terminologias……………………………..........................17

1.2. Da Forma……………………………………………………...…......…...21

1.3. Do Objecto e das Obrigações em geral no Contrato de Factoring…….....22

2. CAPÍTULO II. A RESPONSABILIDADE DOS INTERVENIENTES ………..29

1. Da Responsabilidade pelo incumprimento no contrato de Factoring…..…....29

1.1. A Responsabilidade por facto imputável ao factor…………...….….…...30

1.1.1. Responsabilidade Pré-Contratual………………………………...32

1.1.2. Responsabilidade Contratual……………………………………..33

1.1.3. Responsabilidade Extracontratual………………………………..39

1.2. A Responsabilidade por facto imputável ao “factorizado”……………....40

1.2.1. Responsabilidade Contratual………………………………….….40

1.2.2. Responsabilidade Extracontratual……………………………......44

1.3. A Responsabilidade do devedor…………...…….………………….……45

3. CONCLUSÃO .......................................................................................................... 49

4. BIBLIOGRAFIA E JURISPRUDÊNCIA CONSULTADA ................................ 51

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A. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A globalização trouxe consigo fundamentalmente a nível socioeconómico, como a

vários outros níveis, tanto aspectos positivos como aspectos negativos. Isto porque, na

nossa genética de seres humanos (como a natureza obriga), também em virtude da teoria

do homo economicus, há sempre o desígnio de procurar por melhores condições de vida.

Deste modo, fruto deste fenómeno e da autonomia privada, o assunto aqui invocado foi

provocado por “empreendedores” primitivos1, que nos remetem à altura do colonialismo,

dos quais viviam do mundo mercantil para garantir a sua subsistência e tornar possível a

prática mercantil e o comércio internacional, eram estes operadores/intermediários de

comerciantes que, ao assumirem o risco da cobrança dos créditos, (re)vendiam os produtos

destes a terceiros e em nome daqueles.

Tal assunto é comummente designado como o factoring ou, ainda, numa tentativa

de difusão deste conceito no ordenamento jurídico português, há quem o designe por

“cessão financeira”.

Anteriormente o factoring era conhecido como uma actividade completamente

diferente daquela que é praticada e conhecida nos dias de hoje. Antes, era maioritariamente

conhecida como uma actividade de intermediação nas trocas, de maneira a tornar possível

o escoamento de bens fornecidos por um produtor para os vários mercados, assumindo

(muitas das vezes), o factor, o risco da cobrança dos créditos e antecipando fundos2.

Todavia, com o passar dos tempos e das várias alterações que esta figura tolerou,

prevaleceram características que ainda se verificam e predominam através da sua praxis

negocial – a função essencialmente financeira, garantística e administrativa, e os seus

elementos essenciais caracterizadores.

Presentemente o factoring é estatuído em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 171/95, de

18 de Julho3, por força das várias evoluções legislativa que foram sucedendo

4. Com isto,

1 Cfr. CARVALHO, SÓNIA ALEXANDRA MOTA DE, “O Contrato de Factoring na prática

negocial e sua natureza jurídica”. In Publicações Universidade Católica. Porto, 2007, pp. 24 e ss. E pelas

feitorias atlânticas, vide CORDEIRO, A. MENEZES. “Da Cessão Financeira (factoring)”. Lex edições

jurídicas. Lisboa, 1994, p. 25 e 26. Ainda sobre a origem do factoring ver CORDEIRO, A. MENEZES.

“Manual de Direito Bancário”, 4ª Edição. Editora: Almedina, 2010, pp.685 e ss. 2 Ibidem CORDEIRO A. M., “Da Cessão Financeira”, op. cit, pp. 25 a 30.

3 Sabendo que em 1965 surgiram as duas primeiras sociedades de factoring, em Portugal, sendo,

esta figura introduzida no nosso meio, através do DL n.º 46.302, de 27 de Abril de 1965. Apesar de ter sido

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Dissertação de Mestrado

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sempre houve e ainda existem matérias que fazem escorrer muita tinta. Pois, tal como o

efeito (negativo e positivo) do fenómeno da globalização, o factoring também sujeita-se a

esta mesma divisão simbiótica: surgem, consequentemente, dois lados diferentes da mesma

moeda – o verso (aspecto positivo) e o reverso (aspecto negativo) –, no mundo comercial e

social. É nesta senda investigativa que pretendemos, com base nos diplomas legais que o

regulam em Portugal, averiguar e apurar determinados problemas que surgem (e podem

surgir) no cosmos do factoring à luz da prática negocial actualmente existente.

Neste caminho, em primeiro lugar e como componente estrutural, importa

aprofundar a noção5 e o que se pretende identificar com esta actividade aqui convocada, já

que tal noção não é uniforme. De facto, varia consoante a prática jurídica de país para país,

adoptando uns uma vertente mais flexível, enquanto outros optam por circunscrever a

“cessão financeira” a um mecanismo central constituído por numerosas variáveis

características. Nesta bifurcação decisória, importa saber, então, qual será a maneira que

nos parece ser a mais adequada.

Além disso, há que embarcar na dimensão das terminologias utilizadas quanto ao

factoring (conhecido pelo direito anglo-saxónico) e dos seus sujeitos ou intervenientes6,

sendo este um contrato nominado7, importa desde logo aferir como se designam os seus

partícipes.

Por fim, como escopo fundamental desta dissertação, já tidos os seus contornos

esquemáticos e essenciais abordados, há que analisar os casos que geram os mecanismos

de responsabilidade dos seus intervenientes, tanto por factos imputáveis ao factor, como

por factos imputáveis ao “factorizado”, e ainda quanto à responsabilidade do devedor.

apenas em 1986 que se passou a regulamentar propriamente esta actividade, por implementação do DL n.º

56/86, de 18 de Março. Neste sentido vide MONTEIRO, ANTÓNIO PINTO/CUNHA, CAROLINA NUNES

VICENTE. “Sobre o Contrato de Cessão financeira ou de “Factoring””. In Boletim da Faculdade de

Direito, Universidade de Coimbra. Volume Comemorativo. Coimbra, 2002, p.10 4 A este propósito ibidem, MONTEIRO A. P./CAROLINA, CUNHA. “Sobre o Contrato de

Factoring”, op. Cit, pp. 21 a 23. 5 Noção definida pelos artigos 2.º e 7.º do DL n.º 171/95, de 18 de Julho

6 Sujeitos ou intervenientes que vêm designados no artigo 3.º do diploma legal anterior.

7 Ver MONTEIRO A. P./CAROLINA, CUNHA, op. Cit., p. 13. Em sentido contrário, entendendo

que se trata de um contrato inominado, veja-se MARTINEZ, PEDRO ROMANO. “Contratos Comerciais –

Apontamentos”. Editora: Principia, Lisboa, 2001, pp. 66, nota 10.

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Actualmente, este estudo torna-se relevante na exacta medida em que o factoring

é utilizado, cada vez mais, pelas empresas portuguesas (i.e., Pequenas e Médias Empresas,

PME‟s)8, cujos benefícios proporcionados e as vantagens são numerosas. Contudo, não é

por isso que devemos, sem mais, deixar de olhar, atentamente, para algumas das suas

desvantagens e eventuais consequências, quer estas provenham de atitudes danosas por

incumprimento, quer por atitudes contrárias à boa-fé e/ou abusivas por parte dos

intervenientes que podem conformar esta relação jurídica. Não olvidando, que na

celebração do contrato de factoring há todo um início, um meio e um fim. Percurso que se

torna relevante à luz da sua complexa “imagem global”, quanto à negociação, transmissão

do crédito e respectiva execução contratual para efeitos de se apurar o tipo de

responsabilidade de cada um dos seus intervenientes.

8 Também utilizado por advogados ou médicos – Honorar-factoring ou factoring em “miniatura”

– cfr. MONTEIRO, PINTO/CAROLINA, CUNHA, op. Cit., p. 24.

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1. CAPÍTULO I. O COSMOS DO FACTORING

1. A Noção do Factoring face à conjuntura legal em Portugal.

O factoring, em termos jurídicos, surgiu em Portugal com o Decreto-Lei (DL) n.º

46.302, de 27 de Abril de 1965, que ficou conhecido por ser objectivado como uma

actividade de efectivação da cobrança de créditos de terceiros, que era praticado por

instituições parabancárias9. Este primórdio Decreto-Lei veio instituir em Portugal uma

regulamentação específica para as instituições que se dedicavam ao factoring, designadas

como instituições parabancárias (que as enumerava exemplificativamente como quatro

tipos)10

. No entanto, dada necessidade urgente de legislar, descurou-se da essência da

actividade aqui em questão, tratando-se apenas da regulamentação que vincularia as

entidades responsáveis para o exercício desta actividade.

Considerando-se que esta actividade ainda era muito recente e que não estava

amadurecida, emerge nova alteração através do DL n.º 56/86, de 18 de Março de 1986, que

de acordo com o seu preâmbulo pretendia essencialmente implementar “a sistematização

genérica das bases económico-jurídicas da actividade de factoring no País.”11

. Neste

diploma, verificou-se que o legislador prestou mais atenção às sociedades de factoring, do

que propriamente ao factoring em si mesmo (visto que esta actividade surgiu somente

disciplinada nos seus primeiros cinco artigos).

Só mais tarde, já depois de ter entrado em vigor, em 1 de Janeiro de 1993, o

Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), emerge o

DL n.º 171/95, de 18 de Julho, de 1995, o qual revogou o anterior diploma que

regulamentava o factoring, e pelo qual ficou conhecido como o decreto que veio

“desregulamentar” o regime do contrato de factoring (como se depreende do seu proémio),

na medida em que o legislador vem atribuir preferência à vontade das partes em detrimento

de uma rígida legislação.

Com a chegada deste último diploma, embora ainda existam Autores em sentido

contrário12

, entendemos que já podemos considerá-lo como um contrato socialmente (e

legalmente) típico ou nominado13

, dada a sua realização de forma reiterada e tendo já um

carácter geral e legal permanente.

9 Idem CARVALHO, SÒNIA, op. Cit., pp. 174 e ss.

10 Como é definido no seu artigo 1.º a noção de instituições bancárias, ver CORDEIRO A. M., op.

Cit., 1994, pp. 31 e ss. 11

Através do seu artigo 19.º existia uma articulação com os Avisos emitidos pelo Banco Central

de Portugal, que se pode observar mais detalhadamente idem MONTEIRO/CUNHA, op. Cit., 2002, pp. 21 e

ss.; Id. CARVALHO, SÒNIA. Op. Cit., 2007, pp. 176 e ss; CORDEIRO A. M., op. Cit., 1994, pp. 34 e ss; E

mais tarde CORDEIRO A. M., “Manual de Direito Bancário”, 4ª Edição. Editora: Almedina, 2010, pp. 699 e

ss. 12

MONTEIRO, MAFALDA. “O Contrato de Factoring em Portugal”, Editora: ELCLA, Porto,

1996, pp. 37 e ss. 13

Sobre a diferença entre os contratos típicos ou nominados e os contratos atípicos ou inominados

veja-se VARELA, JOÃO DE MATOS ANTUNES. “Das obrigações em geral”, Vol. I, 9ª Edição. Editora:

Livraria Almedina. Coimbra, 1998, pp. 280 e ss.

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Dissertação de Mestrado

11

Ora, com esta nova intervenção legislativa14

, em face do problema da sua

tipificação na lei, como também é postulado pelos anteriores autores, entendemos que,

dada a sua grande complexidade e componentes que englobam esta figura, quanto ao

problema da tipicidade, não se pode perspectivar como uma opção rígida, mas sim, através

de uma articulação, atinente ao caso concreto, que se reconduz à noção desta figura que

estes Autores defendem (como veremos), partindo de um meio mais denso até às margens

mais naturais, emanando a “flexibilidade desta figura” 15

. Por outras palavras, dados estes

contornos, podemos já afirmar que o que há é uma tipicidade legal em que o verdadeiro

tipo (ou o “tipo aberto”) não se afigura como “(…) uma mera soma ou justaposição de

elementos, cuja presença simultânea há que averiguar, mas uma percepção do fenómeno

na sua complexidade, através da imagem global composta pelos vários elementos em

conjunto; logo o que há que determinar, perante o caso concreto, é a intensidade com que

tais elementos se apresentam (…)”. Isto porque, como ainda proferem estes autores, em

virtude do esclarecimento apresentado no preceituado artigo 1.º, “(…) o DL 171/95, de 18

de Julho, não contém uma norma que defina rigorosamente o contrato de factoring e cujo

preenchimento desencadeie a aplicação de um regime minucioso.”.

Porém, entendemos que com esta nova intervenção legislativa, numa posição de

pretender desregulamentar este fenómeno, não significa que se pretenda, com isso,

considerá-lo como contrato atípico16

. Aliás, tudo leva a crer que a razão do legislador não

foi tornar esta figura numa configuração demasiado rígida, pois um dos grandes problemas

no nosso ordenamento jurídico é que cada vez mais se impõe que a máquina legislativa

funcione, acabando, muitas da vezes, por descurar de aspectos essenciais para uma

harmonização jurídica relativamente aos vários casos e vicissitudes que possam surgir no

quotidiano.

Por este meio, em força do perímetro conferido de liberdade às partes, garante-se

uma margem de permeabilidade inerente a uma eventual estipulação de normas

dispositivas, cuja estipulação ficará sempre incumbida aos contraentes, inspirada na

vontade presuntiva das partes. Também o DL n.º171/95, de 18 de Julho, veio consagrar na

sua génese os elementos essenciais constituintes do esquema negocial típico da figura

jurídica do factoring – designadamente pela função de antecipação de fundos, cobrança

dos créditos aos devedores, e respectivo pagamento à entidade “factorizada”, sem prejuízo

das outras modalidades que o factoring poderá assumir.

Ainda na esteira destes autores, é referido (e bem) que, pela concentração de

vários elementos, há que atentar ao caso concreto para se apurar se tais elementos se

encontram todos reunidos (ou não), e com que intensidade os mesmos se apresentam, de

modo a se discernir que modalidade configura. Elementos pelos quais, se pretendermos

individualizar o tipo legal do contrato de factoring, surgem 3 tipos de critérios

fundamentais que subjazem este tipo legal:

1) Os critérios relativos ao conteúdo – como se alude nos artigos 2.º, n.º 2

(serviços de gestão), no artigo 8.º, n.º 1 (cobrança de créditos) e n.º 2

(antecipação de fundos), sendo estes os que incubem ao factor. Num outro

14

Fruto das várias críticas doutrinárias por força da regulamentação excessiva que emergiu com os

anteriores diplomas, já anteriormente mencionados. 15

Idem MONTEIRO, P./CUNHA, C., op. Cit., 2002, pp. 18 e ss. 16

Ibidem CARVALHO, SÓNIA., op. Cit., 2007, p. 231.

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Dissertação de Mestrado

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polo, descortina-se o artigo 2.º, n.º 1 (relacionado com a transmissão dos

créditos) e artigo 7.º, n.º 2 (quanto à obrigação de também enviar os

documentos necessários), elementos que se tornam em obrigações que ficam

a cargo do cliente ou entidade “factorizada”;

2) Os critérios subjectivos – que como se compreende pelo artigo 4.º, n.º 1,

para existir um contrato desta natureza, será necessário que a posição do

factor seja desempenhada por um banco ou uma sociedade de factoring. Por

outro lado, o artigo 2.º, n.º 1, exige que a qualidade da sua contraparte seja

cumprida por uma entidade que revista a qualidade de fornecedor ou

prestador de serviços (tanto no mercado externo ou interno)17

– estes

elementos são respeitantes à qualidade dos sujeitos;

3) Os critérios alusivos ao seu quid ou objecto18

– traduzem-se nos créditos

que são referidos pelo artigo 2.º, no seu n.º 1 do DL n.º 171/95, 18 de Julho.

À luz da ratio legis do DL n.º 171/95, de 18 de Julho e dos critérios fundamentais

do factoring, é importante ainda referir que, para se alcançar uma noção que englobe todos

estes seus elementos essenciais e características – de modo a que não se desvirtue o seu

âmago fundamental e tudo o que comporta –, é necessário ainda atentar que este contrato

traduz-se num meio idóneo para se recorrer ao financiamento, em detrimento dos outros

tipos tradicionais de contratos que pertencem a esta categoria financeira. Ou seja, quer

queiramos, quer não, sem olvidar as demais funções19

que o factoring possa conferir, é

impossível denegarmos esta função de financiamento que esta figura jurídica suporta.

A sua vertente financeira ou de liquidez torna-se a causa negotii essencial no

factoring (tal como é compreendido para a generalidade da doutrina), pois se formos a

identificar os elementos que compõem a estrutura e que caracterizam esta figura,

apercebemo-nos que existem três funções que usualmente constituem o âmbito essencial

deste contrato. Em primeira mão surge a sua função de financiamento, que se coaduna com

uma das vantagens deste contrato, na medida em que permite imediata liquidez à entidade

“factorizada”. Isto é, através da antecipação de fundos por parte do factor ao

“factorizado”, este último poderá aumentar de imediato a sua liquidez, favorecendo o

balanço da sua empresa, de forma a permitir o crescimento da sua actividade (seja por

incrementar a sua rendibilidade, quer seja por impulsionar a sua expansão), aumentando

também o seu fundo de maneio e tornando-se mais atraente para o giro comercial. Pelo

prisma do factor, com esta antecipação do valor do crédito (parcial ou total) à entidade

“factorizada”, será lhe atribuída uma comissão pela qual também poderá acrescer juros,

sendo por isso também benéfica para o próprio factor.

Não obstante estas razões, a par de que esmagadora maioria das empresas recorre

a este tipo de contrato por esta vantagem, também entendemos que esta é função

primordial do factoring, tendo em conta a posição de PINTO MONTEIRO e CAROLINA

17

Pelo nosso ponto 1.1 do presente capítulo. 18

Ver no ponto 1.3. 19

Cfr. ENTERRIA, JAVIER GARCIA DE. “Contrato de Factoring y Cesion de Creditos”, In

Prólogo de Aurelio Menéndez Catedrático de Derecho Mercantil, 2ª Edição, Editorial Civitas, Madrid, 1996,

pp. 41 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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CUNHA20

, quando advogam que, pela vigência do RGICSF, existem entidades que

reúnem especificidades concretas para praticarem a actividade do factoring, que por essa

razão ficam adstritas a esta apertada regulamentação. Por seu turno, não faria sentido,

também, aplicar esta forte regulamentação a todas as outra entidades que se dedicassem

frequentemente a celebrar contratos que, “(…) embora enquadráveis na noção genérica de

factoring (…)”, não efectuassem antecipação de fundos. Acrescentando, ainda, que

também “(…) não faria sentido impedir entidades, que não sejam sociedades de factoring

nem bancos, de celebrar habitualmente contratos em virtude dos quais aquelas se

obrigassem a uma mera gestão e cobrança dos créditos tomados à contraparte (mesmo

que assegurassem a cobertura do risco de crédito), sob o pretexto de que tais contratos

seriam classificáveis como de factoring e, por conseguinte, lhes estaria vedada a sua

celebração pelo artigo 4.º, n.º 1, do DL 171/95.”.

Em segundo lugar do pódio, a função que se realça neste contrato passa pela

função da cobertura do risco, conferindo uma função garantística21

deste contrato para a

entidade “factorizada”. Isto porque, mediante a vontade das partes com estipulações neste

sentido, se o factor assumir o risco (na medida em que com a transmissão dos créditos

também se opera a transmissão do risco para o adquirente), a entidade “factorizada” fica

desonerada de – em caso de incumprimento devido ao não pagamento do devedor ao factor

–, responder perante o factor. Todavia, esta é uma faculdade que cabe às partes apreciar e

estipular em concreto no determinado contrato.

Finalmente, numa outra alternativa funcional, inerente ao contrato de factoring

subsiste a função administrativa e jurídica, que compreende todos os actos que envolvam

os serviços de gestão de crédito e da sua cobrança, mas também aqueles de consultadoria e

jurídicos, proporcionando à entidade “factorizada” uma poupança a nível de tempo e de

recursos que usualmente seriam despendidos nestas matérias22

.

Assumindo as três funções evidentes que existem no factoring, importa sublinhar

e ter a noção de que, a nosso entender, a função de financiamento é aquela que caracteriza

melhor este contrato, embora possam sempre as partes enveredar por uma das outras

funções concomitantemente ou exclusivamente. Aliás, não é por acaso que muitos autores

consideram este como um contrato que pertence à categoria dos contratos de

financiamento, e por esta razão o elemento “antecipação de fundos” deveria de ser tido em

conta como elemento principal e não meramente eventual ou acidental, em nossa opinião.

Na verdade não há propriamente uma razão suficientemente plausível para se

considerar ser a função garantística como a principal, pois esta é complementar à função

de financiamento, uma vez que o factor relativamente à assunção do risco do crédito

20

Conquanto exista o argumento indecisivo referente ao facto de o DL 171/95, de 18 de Julho, se

referir expressamente quanto ao elemento característico da antecipação de fundos no seu n.º 2, do artigo 8.º,

como se pode depreender em MONTEIRO/CUNHA, op. Cit., 2002, pp. 6 e 7. 21

Na doutrina alemã surtiu numa distinção entre factoring impróprio (em que o risco corre por

conta do cedente) de factoring próprio (que opera a transferência do risco para o cessionário, cumprindo

assim a função de garantia própria deste tipo de contratos), ver VALENTE, MIGUEL ÂNGELO MARTINS.

“Incidência Prática do Recurso ao Contrato de Factoring e a Função de Garantia”, In Teses de Dissertação

de Mestrado, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2004, pp. 8 e 9; e

CARVALHO, SONIA, op. Cit., 2007, pp. 161 e ss. 22

Cfr, SILVA, JOÃO CALVÃO DA. “Direito Bancário”. Editora: Edições Almedina, Coimbra,

2002, p. 430.

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Dissertação de Mestrado

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sempre dispõe da faculdade de “optar” entre a aceitação ou não daquele determinado

crédito. Ainda assim, atendendo à garantia que usualmente é conferida quanto à

“antecipação de fundos”, esta só existe no factoring se estiver patente em primeiro lugar a

função de financiamento, através da antecipação de fundos.

A par da causa negotii que achamos ser a essencial neste âmago, para uma fiel

noção do contrato em questão, é indispensável atentar também à figura do contrato de

factoring internacional conferida pela Convenção do Unidroit23

, perfilhada na Conferência

Diplomática que decorreu em Otava, entre 9 e 28 de Maio de 1988, Ainda assim,

proveniente de vários estudos e investigações, percebemos que a noção do factoring não

seja unívoca, pela consideração dos elementos essenciais variar na prática negocial de país

para país, é por isso que a Convenção do Unidroit emerge em virtude do factoring

internacional, de forma a regular esta figura jurídica de um modo geral e flexível. O que,

por sua vez, se pretendermos tomar esta noção geral como aquela mais adequada para

designar o factoring a nível interno, acontecerá que esta tentativa ficará frustrada, desde

logo, ao tentarmos enquadrá-la, em concreto, com os vários ordenamentos jurídicos dos

quais têm contornos distintos uns dos outros24

.

Existe, por isso, uma tremenda dificuldade em encontrar uma noção unívoca de

contrato de factoring, uma vez que, atenta a complexidade que comporta esta actividade, a

valoração dos elementos essenciais que constituem este funcionamento divergem25

.

Observando as várias modalidades que o factoring pode revestir26

, numa óptica

que contemple todas as suas componentes dinâmicas e estáticas, nada nos impossibilita de

tentar alcançar uma noção ou definição de contrato de factoring que co-envolva os seus

elementos característicos e essenciais na praxis negocial em Portugal. Aliás, até é

aconselhável, desde que se mencione que o factoring é composto por um carácter

multifacetado27

, do qual os seus intervenientes têm a faculdade de escolher aqueles

elementos que melhor satisfaçam as suas necessidades, em virtude do princípio da

liberdade contratual (art.º 405.º CC) e consoante os interesses dos seus contraentes. como

Neste entender, perante um olhar em concreto na praxis negocial do factoring

utilizado no nosso ordenamento jurídico, resta-nos também tentar avançar uma posição,

enquadrada com a noção dada pela Convenção do Unidroit e com os contornos legislativos

utilizados em Portugal, correspondendo ao que vem a ser socialmente conhecido com a

23

Antes desta Convenção, a matéria sobre este contrato internacional era regulada pela Convenção

de Roma da CEE sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de 19 de Junho de 1980, como sustenta

BRITO, MARIA HELENA. “Os contratos bancários e a Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre

a lei aplicável às obrigações contratuais”, RB, n.º 28, Out.- Dez., 1993, p. 82. 24

Cfr. BRITO, MARIA HELENA. “O Factoring Internacional e a Convenção do Unidroit”.

Editora: Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pp. 26 e ss. 25

Vide NATIVI, BERNARDINO. “I serizi finanziari e di gestione dele società di factoring”. In Il

factoring per le piccole e medie imprese, a cura di Bianca Cassandro. Casa Editrice: Giuffre, Milano, 1982,

p. 36. E ainda CARNEVALI, UGO. “I problemi giuridici del factoring”. In Le operazioni bancarie, a cura di

Giuseppe, tomo II, B. Portale, 1978, p. 796. 26

De modo a entender melhor as diversas modalidades que o factoring permite, veja-se

MONTEIRO, MAFALDA MONTEIRO. “O Contrato de Factoring”, op. Cit., 1996, pp. 22 e ss; 27

Como também sustenta VAZ, TERESA ANSELMO. “O Contrato de Factoring”, In Revista da

Banca, II, Direito e Banca. N.º 3, Julho/Setembro 1987, p. 56.

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Dissertação de Mestrado

15

nossa doutrina28

e jurisprudência29

, mas também valorando, como não poderia deixar de

ser, a componente legislativa.

A Convenção do Unidroit define o factoring nos seus artigos 1.º e 2.º como “(…)

o contrato celebrado entre duas pessoas – o fornecedor e a empresa de factoring,

denominada o cessionário –, em virtude do qual:

a) O fornecedor pode ou deve ceder à outra parte (o cessionário) créditos

nascidos de contratos de compra e venda de mercadorias concluídos entre o fornecedor e

os seus clientes (devedores), com exclusão dos que se referem a mercadorias adquiridas a

título principal para uso pessoal, familiar ou doméstico;

b) O cessionário deve desenvolver pelo menos duas das seguintes funções: - o

financiamento ao fornecedor, designadamente através de concessão de empréstimo ou de

pagamento antecipado; - o registo de contas relativas aos créditos; - a cobrança dos

créditos; - a protecção contra a falta de pagamento dos devedores;

c) A cessão dos créditos deve ser notificada aos devedores.”30

.

Desta definição percebemos que a Convenção simplesmente confere a indicação

de um fio condutor ou de critérios orientadores a seguir, para existir uma verdadeira

uniformização e harmonização de regras a aplicar perante esta conjuntura jurídica. Pese

embora alguns autores considarem “ (…) redutora esta concepção, na medida em que

poderá apenas estar preenchida a sua função principal (para a generalidade da doutrina,

a função de financiamento) (…)”31

. Entendemos, porém, como é notório pela expressão

“pelo menos duas das seguintes funções”, que o espírito desta Convenção baseia-se apenas

num afloramento avançado por um princípio da harmonia jurídica internacional, em

virtude das funções desempenhadas no factoring. Conferindo a cada Estado uma margem

de discricionariedade legislativa para se implementar e transpor esta figura jurídica de

acordo com cada ordenamento jurídico, salvaguardando assim uma mínima uniformização

e harmonia legislativa a nível internacional.

O legislador português no DL 171/95, de 18 de Julho, identificou no artigo 2.º a

noção do factoring como uma actividade desenvolvida no seu todo, o qual vem mencionar

o contrato de factoring somente no seu artigo 7.º, impondo a solenidade que este deverá

assumir – a forma escrita (incluindo nesta formalidade todo o conjunto das relações que o

factor irá assumir perante a sua contraparte). Mais, o legislador vem a identificar (de uma

maneira menos feliz, como iremos aprofundar no ponto 1.1) os seus sujeitos no seu artigo

3.º, anunciando também o modo de operar o pagamento dos respectivos créditos cedidos

no seu artigo 8.º.

28

Ver MENEZES CORDEIRO, op. Cit., 1994, pp. 13 e ss. Com outras posições BRITO, M. “O

Factoring Internacional”, op. Cit., p. 53; CARVALHO, SÓNIA. “Contrato de Factoring”, op. cit, pp. 241 e

ss.; Ou VAZ, TERESA ANSELMO, op. Cit., p. 57. Todavia, não partilhamos nenhuma destas concepções

como a mais adequada para definir o factoring. 29

Já existe jurisprudência neste sentido, veja-se Ac. STJ, datado em 03-05-2016; em 15-01-2013;

e em Ac. TRC, datado em 02-07-2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 30

Cfr. BRITO, M. “O Factoring Internacional”, op. Cit, p. 42. 31

Como defende VALENTE, MIGUEL, op. Cit., 2004, p.7.

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Dissertação de Mestrado

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Neste entender, avaliando o que tem de ser analisado, MENEZES CORDEIRO32

defende que o contrato de factoring – numa acepção com vista a aproximar das outras

acepções – “(…) é o contrato pelo qual uma entidade – o cliente ou o aderente – cede a

outra – o cessionário financeiro ou o factor – os seus créditos sobre um terceiro – o

devedor ou debitor – mediante uma remuneração.”. Isto é, na esteira deste autor, apesar de

esta ser uma acepção com o intuito de aproximar, acaba por ser de tal forma genérica e

abstracta que não é favorável ao que o factoring verdadeiramente respeita, nem é conforme

a sugestão da Convenção do Unidroit, como se pode observar. Como também não há

qualquer motivo que favoreça a uniformização sugerida pela Convenção, uma vez que a

mesma não salvaguarda, nem satisfaz a verificação de “(…) pelo menos duas das seguintes

funções”. Aliás, ao versar a sua posição numa tentativa de aproximação, torna-a de tal

modo geral e abstracta que torna-se fácil de confundir com uma simples cessão de créditos

ou uma outra semelhante figura jurídica, acabando por desvirtuar o factoring, ignorando

também a harmonização jurídica que a Convenção do Unidroit vem tentar implementar.

Por outro lado, numa outra posição, PINTO MONTEIRO e CAROLINA CUNHA

sufragam que o contrato de factoring “(….) é o contrato entre um fornecedor ou prestador

de serviços e um factor, em virtude do qual o primeiro se obriga a ceder ao segundo os

créditos provenientes de contratos celebrados com os seus clientes, comprometendo-se o

factor a proceder à antecipação de fundos, quando solicitada, e a desempenhar pelo

menos uma das seguintes funções: I – gestão e cobrança dos créditos; II – cobertura do

risco da insolvabilidade dos devedores.”.

Esta posição foi uma das fontes de inspiração para o presente labor investigativo,

porque esta noção compreende os elementos essenciais constituintes do factoring, o que se

torna adequado para uma eventual alteração do teor do actual artigo 2.º do DL n.º 171/95,

de 18 de Julho. Ao se adoptar esta concepção, simultaneamente, estaremos a dar segurança

jurídica ao contrato de factoring, mas também a favorecer a sugestão da Convenção do

Unidroit, em virtude de uma harmonização jurídica internacional. Isto é, considerando o

elemento “antecipação de fundos” como é aqui perfilhada (“quando solicitada”), e com

base nas hipóteses em que o factor se deve comprometer “(…) a desempenhar pelo menos

uma das seguintes funções: I – gestão e cobrança dos créditos; II – cobertura do risco da

insolvabilidade dos devedores”. Estaremos notoriamente a ir ao encontro da proposta da

Convenção quando na sua al. b), n.º 2, do artigo 1.º, que propõe ao factor o dever de pelo

menos desempenhar duas funções, das três funções existentes (função de financiamento,

ou a função garantística ou função administrativa).

Por outras palavras, ao introduzirmos o elemento “antecipação de fundos” como

elemento tipificado na noção de factoring, além de atribuir mais segurança jurídica quanto

à utilização desta ferramenta jurídica no giro comercial, conferindo aos seus intervenientes

a informação do que podem contar ao contratarem nestes termos. Também favoreceríamos

e consolidaríamos a concepção sustentada na Convenção do Unidroit, sem se desvirtuar as

outras duas funções, designadamente: a função garantística e a função administrativa e

jurídica.

32

Veja-se CORDEIRO A. M., op. Cit., 1994, pp. 13 e ss; id., CORDEIRO A. M., op. Cit., 2010,

pp. 562 e ss. Aproveitando esta definição, VALENTE, MIGUEL, op. Cit., 2004, p. 7 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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Desta feita, pressupõe-se que podemos ter aqui uma noção adequada de factoring,

pois, por um lado, caracteriza e respeita os elementos do factoring, nomeadamente quando

“(...) se obriga a ceder ao segundo os créditos provenientes de contratos celebrados com

os seus clientes, comprometendo-se o factor a proceder à “antecipação de fundos, quando

solicitada (…)”. Por outro lado, dá voz às recomendações estipuladas na Convenção do

Unidroit, em prol da discricionariedade legislativa de se ter que verificar “pelo menos

duas” das funções desempenhadas no factoring, verificadas através das estipulações que

compõem e caracterizam esta actividade, por força da alternativa do factor se comprometer

a executar duas das funções usualmente efectuadas neste âmago, tais como: a gestão e

cobrança de créditos; e/ou a cobertura do risco da insolvabilidade dos devedores”.

Ficando, assim, ao encargo das partes a escolha de “pelo menos uma” dessas duas funções,

tal como a “antecipação de fundos”, tudo com vista no interesse e da liberdade contratual.

Tendo isto em consideração, louvando o princípio da liberdade contratual, numa

eventual alteração da redacção do art.º 2.º, em voz da teoria referida, teríamos numa

primeira parte da estatuição da norma o elemento “antecipação de fundos, quando

solicitada” já verificado. Acrescendo na sua segunda parte, então, a condição de o factor

ter de desempenhar “pelo menos uma das seguintes funções”: a função garantística

(cobertura do risco); e/ou a função administrativa (de gestão e cobrança dos créditos).

1.1. Dos Sujeitos e terminologias

O artigo 3.º do DL n.º 171/95, de 18 de Julho, qualifica juridicamente os

intervenientes neste enredo negocial, terminologias que se prendem com a noção de

factoring e com a sua problemática terminológica. O legislador classifica os sujeitos

envolvidos no factoring como: o Factor, que se traduz na entidade que irá exercer,

mediante contrato e a vontade das partes, a actividade de factoring em benefício do seu

cliente; o «Aderente»33

, pelo qual cede os créditos ao factor. Por fim, emerge, num plano

que não está contido na moldura principal do contrato de factoring, a figura dos

“Devedores” que são os terceiros devedores dos créditos cedidos pelo titular desse crédito

ao factor. Isto porque, os devedores não participam, de modo activo, no contrato de

factoring. Havendo quem diga que o devedor é “ (…) completamente estranho àquela

relação contratual”34

. Porém, ainda que não faça parte daquela relação contratual, é um

partícipe que, por fruto desse contrato, poderá estar envolvido no âmago das obrigações e

cumprimento contratual da relação estabelecida (que pela notificação efectuada ao

devedor, o pagamento só será liberatório se for feito ao factor, ou até mesmo o próprio

dever de notificar o devedor).

Mormente, quanto à terminologia do contrato e dos sujeitos no factoring, o

legislador no preâmbulo do próprio DL n.º 56/86, de 18 de Março, afirma que “ (…) Dada

a fase relativamente embrionária de implementação do factoring no nosso país, teve-se

por preferível, neste primeiro ensaio de sistematização, fixar por via legal parâmetros

muito genéricos da actividade, (…) ”. O que se percebe pela necessidade urgente e

contemporânea de regulamentar esta actividade, de modo a lhe dar concretude e clareza.

Todavia, pela “fase relativamente embrionária de implementação”, acredita-se que havia

33

Cuja definição não parece ser a mais fiel ao cosmos do factoring e ao que ele representa. 34

Cfr. VAZ, TERESA. Op. Cit., 1987, pp. 62 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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uma certa inibição em dar um passo “maior do que a perna”, atendendo ao estado

prematuro das circunstâncias.

Actualmente, sem prejuízo do constante crescimento e demais vicissitudes, já se

reúnem condições favoráveis para se tentar enveredar por uma adequada denominação,

com vista na ideia de que “A ciência jurídica portuguesa tem o direito e o dever de

denominar em português os institutos novos que vão surgindo”35

. Com estas premissas

pretendemos destacar as terminologias utilizadas pelo legislador, das quais discordamos do

vocabulário que é empregado quanto ao próprio contrato de factoring, ou “cessão

financeira”, e quanto à nomenclatura utilizada para denominar a contraparte do factor (ou o

seu cliente).

No contrato de factoring, sem prejuízo de ser contrato por adesão36

, ao utilizar-se

a designação «aderente», questiona-se até que ponto não se estará também a desvirtuar o

núcleo essencial do factoring? A resposta é dada por SÓNIA CARVALHO ao criticar esta

designação, por transmitir “ (…) a ideia que o cliente do factor ao celebrar os contratos de

factoring se limita a celebrar um contrato de adesão.”37

.

Na verdade, o factoring tem na sua génese características muito mais amplas do

que um mero contrato por adesão. Ou melhor, o facto de o factoring pertencer ao mundo

dos contratos por adesão justifica-se unicamente por ser necessária uma racionalização da

técnica de contratação, visto que este fenómeno não é tido como um tipo contratual, mas

sim como um modo de formação dos contratos38

(que são feitos por adesão). E como tal,

não poderia deixar de ser, os contratos comerciais são celebrados através de contratos por

adesão, todavia, estes contratos comerciais não se quedam social e legalmente conhecidos

como apenas contratos por adesão, pois são conhecidos pelas suas devidas características e

terminologias no giro comercial e na sociedade.

Por seu turno, existem vários autores que ao pronunciarem a denominação

«aderente», não parecem ficar totalmente convencidos39

da sua verosimilidade. E com

razão, pois, veja-se que o factoring não se cinge apenas num singelo contrato por adesão, é

muito mais que isso. Tal actividade envolve a “aquisição de créditos a curto prazo,

derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços, nos mercados interno e

externo.”. Mas também “as acções complementares de colaboração entre as entidades

habilitadas a exercer a actividade de factoring (…)”, que se traduzem no “(…) estudo dos

riscos de crédito e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos

transaccionados”. Por esta actividade compreender uma diversidade de actos jurídicos e

actos materiais, cremos que ao se utilizar o termo «aderente» estaremos a desvirtuar a sua

imagem global e essência40

.

35

Cfr. CORDEIRO A. M., op. Cit., 1994, pp. 22 e 23. 36

Sujeito também ao regime ao DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. 37

Vide perspectiva CARVALHO, SÓNIA, op. Cit, 2007, p. 27. 38

Ver MONTEIRO, A. PINTO. “Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil”,

Reimpressão, Editora: Almedina, Coimbra, 2003, pp. 46 e ss; 39

Como sustenta VALENTE, MIGUEL, op. Cit., p. 7., atento também ao modo de como é

proferido “ (...) o dito “aderente”… (…) ”, em MONTEIRO, P./CUNHA, C., op. Cit., 2002, p. 28. 40

Referindo-se ao sujeito envolvido no factoring. Assim, se emergisse uma fiel terminologia de tal

sujeito, esta deveria de ter impacto na noção do contrato de factoring, conforme a actividade desenvolvida

nesta complexa e vasta moldura contratual.

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Dissertação de Mestrado

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Decorrente da tomada de decisão por esta terminologia, veja-se que o

procedimento só poderia ser uma das três alternativas possíveis41

:

a) Ou aportuguesando uma locução estrangeira;

b) Ou reanimando uma expressão em vernáculo caído em desuso;

c) Ou criando um termo novo, de preferência com um étimo latino e com

observância dos vectores evolutivos que se conduziram à língua portuguesa.

Destas várias alternativas possíveis, abonámos nós que o argumento utilizado para

a inutilização da última metodologia (c) não é suficientemente convencedor. Simplesmente

o que sucede é que no nosso quotidiano é frequente a utilização da denominação

“factorizado” ou entidade/empresa/sociedade “factorizada”. No entanto, verifica-se que há

uma relutância em solidificar tal entendimento. Relutância pela qual não deveria de existir,

dado que esta figura negocial foi trazida, desde logo, pelas Feitorias Atlânticas, em que

nós, portugueses, fomos os principais pioneiros.

Importa ainda não desvalorizar que esta figura jurídica é conhecida

internacionalmente, pois, não é só utilizado por nós, é também conhecida por diversos

países. Neste multiculturalismo verificamos que cada país tornou tal locução estrangeira

em algo mais nacional42

, observando os vectores evolutivos do seu idioma congénito e

originando uma terminologia nova.

Perante tais terminologias, há autores que designam o dito «aderente» também

como “cedente”, inclusive conhecem (pela doutrina maioritária) esta figura jurídica como

contrato de “cessão financeira”.

No entanto, achamos que o termo “cedente” (assim como denominar este contrato

por cessão financeira) é bastante redutor43

. Para tal, bastará compreender que, no cosmos

do factoring, trata-se o mecanismo da cessão de créditos como algo somente instrumental44

e não principal. O que é perceptível, uma vez que, além da utilização da via da cessão de

créditos, existem autores que defendem a admissibilidade de se utilizar como instrumento

41

Cfr. CORDEIRO A. M., op. Cit., 1994, p. 21. E, mais tarde, com o mesmo pensamento sobre

estas três alternativas possíveis em id., “Manual de Direito Bancário”, op. Cit., 2010, pp. 687 e ss. 42

Como o caso da Alemanha, que não tiveram relutância em germanizar a terminologia deste

contrato (Factoring-Geschäfte ou Factoring-Vertrag), assim como na sua bravura ao fixar sem quaisquer

problemas a designação para a contraparte do factor (Factoringkunde). E França com a estipulação da

designação affacturage. Na Itália o seu sotaque inconfundível torna a sua designação patente. Não obstante

esta facilidade do continente europeu, também se olharmos para o outro lado do planeta, no continente

americano, mais concretamente no Brasil, o legislador e a doutrina não têm qualquer problemas em designar

as coisas pelos nomes (ex: faturizada ou faturizadora), como é o caso em ROMANO, ROGÉRIO

TADEU. “O contrato de factoring e os crimes de colarinho branco”. In Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-

4862, Teresina, ano 20, n. 4545, 11 dez. 2015. Acedido em 20 out. 2018, e disponível

em: https://jus.com.br/artigos/45199. E ainda em BITTAR, CARLOS ALBERTO. “Contratos Comerciais”.

Editora: Forense Universitária, 1990, p. 192. 43

Veja-se CARVALHO, SÓNIA, op. Cit., 2007, pp. 21 e ss.; PIRES, JOSÉ CARLOS SANTOS

MOTA FERREIRA. “O Contrato de Factoring, a Estrutura e Causa”, in Dissertação de Mestrado na área de

Ciências Jurídico-Empresariais da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra, 1996, p.

10, 11 e ss. 44

Cfr. MONTEIRO P./CUNHA, C. op. Cit., 2002, p. 27; e CAMPOS, DIOGO LEITO/PINTO,

CÁUDIA SAAVEDRA. “Créditos Futuros, Titularização e Regime Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2007, pp.

11 a 14.

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Dissertação de Mestrado

20

o mecanismo da sub-rogação (caso se trato de factoring em que há a assunção das dívidas e

do risco – modalidade de factoring pro soluto).

Desta feita, não há um estrato primário em que se tenha por assente os devidos e

respectivos termos para classificar esta figura e os seus intervenientes, tendo em conta o

seu escopo e núcleo essencial. Todas as classificações utilizadas até hoje comportam45

apenas algo secundário ou complementar – «aderente» ou «cedente» –, e não como algo

principal e linear, atinente aos interesses dos intervenientes, conforme o exercício desta

actividade46

. Contudo, entendemos que, apresentando uma estrutura complexa, o factoring

deveria de ser conhecido (não só socialmente, mas também legalmente) como uma figura

jurídica una e sólida que se consiga distinguir de todas as outras, categorizada

juridicamente como um contrato de financiamento, sujeito à categoria jurídica dos

contratos de adesão e composta por uma complexidade de funções. Portanto, sem embargo

de outros entendimentos, acreditamos que ainda estamos perante uma “zona cinzenta”

quanto ao entendimento terminológico no âmbito legalmente típico, mas que deveria de ser

clarificada, na medida em que já é tempo de darmos reconhecimento aos feitos portugueses

e atribuir uma designação que faça jus ao seu todo, tanto quanto aos seus intervenientes

como a esta magnânima figura jurídica que é o factoring ou, rectius e stricto sensu,

contrato de “factorização”.

Por este raciocínio, defendemos que quanto à contraparte do factor, a expressão

que nos afigura como a mais adequada seria «factorizado»47

. Ou no caso de estarmos a

falar de sociedades ou empresas, o mais indicado seria recorrer à denominação de

entidade/sociedade/empresa “factorizada”. Estes vocábulos não são estranhos, aliás,

muitos autores já assim pronunciam. Todavia, não se entende o motivo de não se tipificar

estas terminologias, pois não nos leva a crer que sejam opções redutoras da figura jurídica

aqui embebida.

Neste seguimento, tendo em conta a terceira via das alternativas supracitadas por

A. MENEZES CORDEIRO, atentando ao que esta figura jurídica comporta, acreditamos

que ao ser utilizado e difundido no nosso país, a expressão adequada passaria pela

designação de contrato de factoring, ou, em alternativa e seguindo o idioma português e os

seus vectores evolutivos, designar-se como contrato de “factorização”. Além disso, no

contrato de “factorização”, já se poderia entender (e bem) que quanto aos seus

intervenientes poderíamos encontrar em primeira linha:

a) O factorador ou factor – “as entidades habilitadas a exercer a actividade de

factoring nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de

Dezembro”;

45

Vide CORDEIRO A. M., op. Cit., 1994, pp. 19 e ss. 46

Se assim fosse, então, para a contraparte do «aderente» o mais correcto seria, como bem

sabemos, indicar por proponente. Ou, por outro lado, se fosse a se designar por “cedente”, então, teríamos

também de designar o factor por “cessionário”. 47

Esta expressão já é utilizada em tempos e obras anteriores, PIRES, JOSÉ MARIA. “Elucidário

de Direito Bancário: as instituições bancárias; a actividade bancária”. Editora: Coimbra Editora, 2002, pp.

665. E ainda CORDEIRO A. M., op. Cit., 2010, p. 696; VALENTE, MIGUEL, op.cit., 2004, pp. 39 e ss.

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Dissertação de Mestrado

21

b) O “factorizado” ou entidade “factorizada” – “o interveniente no contrato de

factoring que transmita créditos ao factor”;

c) Os devedores - “os terceiros devedores dos créditos transmitidos pelo

factorizado ao factor”.

Assim, com base neste pragmatismo e com um olhar atento pelos comportamentos

levados a cabo em diversos países, tal como em diversos ordenamentos jurídicos,

conseguimos depreender que já se reúnem as condições favoráveis para se tentar assumir

uma tomada de posição adequada no que tange às terminologias do contrato de Factoring

(ou contrato de “factorização”) e quanto à designação da contraparte do factor, como

“entidade factorizada” ou “factorizado”.

1.2. Da Forma

Nos dias de hoje e nos termos do Decreto-Lei n.º 171/95, de 18 de Julho,

consoante o seu preceituado no n.º 1 do artigo 7.º, “O contrato de factoring é sempre

celebrado por escrito e dele deve constar o conjunto das relações do factor com o

respectivo aderente.”. Ou seja, trata-se de um contrato formal48

, que necessita do

preenchimento deste requisito formal, além dos seus requisitos materiais, dado que o

legislador pretendeu atribuir uma maneira solene de garantir a segurança jurídica no nosso

ordenamento jurídico. O que se compreende muito bem pela complexidade estrutural e

esquemática que compõe esta figura jurídica, mas também pelos vários operadores que

pretendam enveredar pela via do factoring, ao invés de optar pela escolha de outros tipos

de contratos, ficam salvaguardados para efeitos de incumprimento contratual, entre outras

vicissitudes.

Não obstante, quanto aos devedores-pessoas singulares, há que ter em atenção a

imposição do Regime Geral da Protecção de Dados (RGPD), ao abrigo do art.º 5.º e n.º 1

do art.º 7 e ss., “Quando o tratamento for realizado com base no consentimento, o

responsável pelo tratamento deve poder demonstrar que o titular dos dados deu o seu

consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais.” Ou seja, é ainda aqui

necessário verificar neste acto solene o consentimento dado pelo titular dos dados pessoais

(o devedor) com quem o factorizado – o fornecedor ou prestador de serviço – celebrou o

anterior contrato de prestação de bens ou serviços.

Esta temática é abordada nesta dissertação e não foi por acaso, pois, basta

pensarmos que a consequência que se desencadeará para ambas as partes, pelo

incumprimento desta obrigação formal, poderá culminar na nulidade do negócio.

48

Vide MONTEIRO, M. “O Contrato de Factoring”, op. Cit., 1996, p. 40.

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Dissertação de Mestrado

22

1.3. Do Objecto e das Obrigações em geral no contrato de factoring

No nosso actual DL n.º 171/95, de 18 de Julho, no seu n.º 1 e n.º 2 do artigo 2.º,

podemos encontrar o quid/objecto do factoring que se traduz principalmente nos créditos

transmitidos que provêm da venda de produtos ou da prestação de serviços que se vençam

num curto prazo. Salvaguardando a ideia de que o conceito “curto prazo” revela-se

indeterminado49

, pelo que deveremos atentar sempre aos usos e costumes reiterados nas

práticas comerciais em que essa relação comercial se baseie e no respectivo crédito que se

insere.

Este quid está intimamente ligado com as obrigações em geral que, além de

caracterizarem o contrato de factoring, surgem como verdadeiras obrigações e deveres que

ficam ao encargo dos seus contratantes, que ficam incumbidos pelo seu cumprimento.

Desta ligação resulta que os elementos que cada um considere como essenciais ou

eventuais/acidentais poderão ter grande influência, na medida em que poderão ser

considerados como obrigações/prestações principais, ou obrigações/prestações

secundárias e acessórias, sem prejuízo dos deveres de conduta que impendem sobre os

seus constituintes.

Num quadrante principal, a nosso ver, podemos identificar as

obrigações/prestações principais que se traduzem: a) na transmissão de créditos por parte

do factorizado; b) na aquisição, mediante aprovação, dos créditos por parte do factor; c) no

pagamento ao factorizado do valor dos créditos; d) na retribuição do factor; e) na prestação

de serviços de cobrança do crédito; f) e na antecipação de fundos.

Por outro lado, num quadrante secundário, também decorrente do respectivo

contrato, existem ainda prestações secundárias ou acessórias, tais como: g) a cobertura do

risco ou assunção do risco de insolvência do devedor; h) prestação de outros serviços

acessórios (jurídicos, económicos e contabilísticos).

Paralelamente a estas principalidades e secundariedades surgem os deveres de

conduta50

que se caracterizam por serem deveres que não interessam à prestação principal,

todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação

integra. Neste mundo paralelo, estes deveres concorrem com as prestações principais e

secundárias, designadamente: i) o dever de informação recíproco e dever de colaboração; e

ainda j) o dever de notificar o devedor.

De modo a conhecer um pouco melhor as prestações principais que vincam os

traços fundamentais desta figura jurídica, vejamos o seguinte:

a) A transmissão de créditos por parte do factorizado – Esta prestação é

formulada por dois sentidos ou pólos norteadores, que se funda no corolário

49

Quanto a esta indeterminação conceitual, existem autores que defendem que um prazo normal

seria entre os 30 e os 180 dias. Contudo, quanto a isto, aplaudimos à posição defendida por MONTEIRO A.

P./CUNHA, C. op. Cit., 2002, p. 25. 50

Estes deveres decorrem hoje genericamente do princípio da boa-fé, aflorado no artigo 762.º do

Código Civil, mas também uma vez que o Contrato de Factoring está intimamente ligado ao regime dos

contratos por adesão, nomeadamente o DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, e no que tange o seu art.º 15.º.

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Dissertação de Mestrado

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da junção do princípio da globalidade e do princípio da exclusividade

relativamente à cessão do crédito51

.

Ou seja, num sentido negativo, com fonte numa obrigação de non facere,

surge o princípio da exclusividade que vem impor ao factorizado a

incumbência de não estabelecer quaisquer relações de factoring com outras

sociedades, no que tange àquele crédito em concreto ou a todos os créditos

que decidam “factorizar”. O escopo essencial desta obrigação e deste

princípio baseiam-se principalmente na situação de evitar que seja permitido

estabelecer outros tipos de relações de factoring, uma vez que assim

consegue-se acautelar os interesses destes face a hipotéticos comportamentos

dolosos das entidades factorizadas (como falaremos no Capítulo II).

Por outro lado, num sentido positivo, emerge a obrigação de um facere, que

versa no princípio da globalidade da transmissão, pelo qual o factorizado se

obriga a ceder ao factor todos os créditos, presentes e futuros, que advenham

da sua actividade normal. Esta obrigação é fundamental para acautelar os

interesses do factor, visto que permite uma melhor distribuição dos riscos

inerentes à actividade. Não só, mas também torna-se numa obrigação

necessária para que seja conferido à entidade factorizada uma atmosfera de

segurança jurídica, com vista a uma vantajosa oferta dos serviços que lhe são

prestados.

É pacificamente aceite em Portugal, doutrinal e jurisprudencialmente, que o

mecanismo jurídico preferencial para se conceber esta obrigação é a cessão de

créditos, regulada pelos art.º 577.º e seguintes do Código Civil. Não

descurando, porém, que é também aceite a utilização do mecanismo da sub-

rogação, regulada pelo artigo 589.º e seguintes do mesmo diploma, sendo este

o mecanismo preferencial em França52

.

b) A aquisição, mediante aprovação, dos créditos por parte do factor – Esta

obrigação torna-se fundamental, a nosso entender. Pois, apesar de ser patente

que tal obrigação é baseada numa alternativa de aprovação (ou não) dos

créditos em questão, decisão53

levada a cabo pelo factor, o qual terá de

adquiri-los para então se desencadear os efeitos que este contrato visa

desempenhar. Isto é, embora pareça ser conferida uma ampla margem de

discricionariedade ao factor, acontece que essa noção se desvanece quando se

clarifica que esta discricionariedade versa somente quanto à “cobertura do

risco”, pois para existir contrato de factoring o factor terá sempre de adquirir

os créditos ao seu titular.

Ora, esta é uma obrigação essencial, dado que é através dela que geralmente

se estabelece se os créditos serão ou não aprovados em “cessão pro soluto”,

“pro solvendo” (que quanto a estas duas modalidade, se fará parcialmente ou

51

Acerca destes dois princípios veja-se SAGUNTO, PÉREZ FONTANA. “El „Factoring‟”, in

Revista de derecho comercial y de la empresa, ano 7, n.º 31-33, Julho-Dezembro. Editora: Montevideo,

1984, p. 12; e MONTEIRO M., op. Cit., 1996, pp.40 e ss. 52

Ver CORDEIRO, A. MENEZES. “Da cessão financeira: factoring”, op. Cit., 52. 53

Que se funda numa “operação técnica de selecção denominada aprovação”, como sugere

(MONTEIRO M. , 1996, p. 45; e ZUDDAS, GOFFREDO. “Il contratto di Factoring”, Napoli, Jovene, 1983,

pp.86 e ss.

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Dissertação de Mestrado

24

totalmente) ou se será “com recurso” ou “sem recurso”54

. Ou seja, este

momento coaduna-se com a tomada de decisão por parte do factor em que irá

aceitar quais serão os devedores e definir dentro de um limite máximo o risco

quer irá assumir de insolvência de cada um desses devedores (ou não)55

.

c) A prestação de serviços de cobrança do crédito – Um dos elementos

essenciais, prende-se exactamente com esta prestação principal da prestação

de serviços de cobrança do crédito aos seus respectivos devedores. Este

elemento está implícito56

no n.º1 do art.º 8.º do DL 171/95, de 18 de Julho.

Com a transmissão da titularidade dos créditos do factorizado para o factor,

este último, em regra, ficará incumbido de prestar os serviços de cobrança do

crédito perante os terceiros devedores.

Embora se encontre implícito no diploma que regula esta actividade, este

elemento é fundamental à figura jurídica aqui em causa, dado que está

intimamente ligado com o caso de quando o factor assume ou não o risco de

insolvência do devedor. E além disso, está profundamente ligado com os casos

de oponibilidade dos meios de defesa conferidos ao devedor ou à sua renúncia

perante o factor (que iremos abordar brevemente no Capítulo II).

d) O pagamento ao factorizado do valor dos créditos – De acordo com os

estipulado no art.º 8.º o factor fica obrigado a pagar ao factorizado o valor

nominal dos créditos cedidos. Este pagamento é feito de duas maneiras

atendendo ao momento em que deverá de ser feito.

Desta forma, atento ao n.º 1 do art.º 8.º, o pagamento deverá de ser feito nas

datas de vencimento dos respectivos créditos ou na data de um vencimento

médio presumido que seja contratualmente estipulado, tendo presente a noção

de que por esta via terão também que indicar a forma como será determinado

esse pagamento57

.

Ou, por outro lado, ao abrigo do n.º 2 e n.º 3, do art.º 8.º, pode o factor pagar

antes dos vencimentos (médios ou efectivos) dos respectivos créditos, que

poderá ser feito na sua “(…) totalidade ou parte dos créditos cedidos ou

possibilitar, mediante a prestação de garantia ou outro meio idóneo, o

pagamento antecipado por intermédio de outra instituição de crédito.”. No

entanto, esta possibilidade de concessão de liquidez antecipada ao factorizado

tem os seus limites, visto que, de acordo com o n.º 3, do art.º 8.º, se retém a

ideia de que “Os pagamentos antecipados de créditos, efectuados nos termos

do número anterior, não poderão exceder a posição credora do aderente na

data da efectivação do pagamento.”.

e) A retribuição do factor – O elemento que versa na retribuição do factor vem

nos elucidar que este contrato não se trata de um mero contrato gratuito, mas

54

Quanto à cessão pro soluto, pro solvendo, com recurso ou sem recurso veja-se ibidem,

MONTEIRO M., op. cit, 1996, p. 4 e pp. 45 e ss, que defende que esta obrigação só tem sentido para aquelas

posições que rejeitem que o contrato de factoring se traduza num contrato de cessão de créditos futuros. 55

Quanto a esta prestação há uma grande polémica doutrinal estrangeira, quanto aos limites do

exercício deste direito e quanto à configuração desta transmissão. Todavia, também perfilhamos da posição

de MONTEIRO M., op. Cit., 1996, p. 48. 56

Ibidem MONTEIRO P./CUNHA C., op. Cit., 2002, p. 25. 57

Vide VAZ, TERESA., op. Cit., 1987, p. 70.

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Dissertação de Mestrado

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oneroso e/ou sinalagmático, na medida em que há um equilíbrio económica

entre ambas as partes. Neste entender, estipulava o art.º 5.º do DL n.º 56/86,

de 18 de Março, que perante os serviços prestados pelo factor ao factorizado,

o primeiro auferia de uma “(…)comissão de factoring, juros, nos casos de

pagamentos antecipados, e uma comissão de garantia quando possibilita a

cobrança antecipada por intermédio de outras instituições de crédito,

mediante a prestação de garantia ou outro meio idóneo (…)”58

. Competindo

ao Banco de Portugal estabelecer as normas a que deviam obedecer as

comissões e os juros cobráveis nos termos do diploma anteriormente em vigor.

Todavia, com a alteração implementada pelo DL 171/95, de 18 de Julho, estas

normas, juntamente com todo o diploma, são revogados. Não só, como ainda o

legislador veio a omitir este elemento da noção de factoring actualmente em

vigor e estipulada neste supradito diploma.

Destarte, entendemos que, apesar de este elemento ser um elemento omisso na

respectiva noção desta actividade jurídica, tem sempre de ser considerado,

pois a ser esta actividade exercida por Instituições de Crédito e Sociedades

Financeiras, que têm como escopo final o lucro, perante outros profissionais

(ainda que liberais), há sempre um desígnio de sinalagmaticidade aquando da

celebração do contrato de factoring.

f) A antecipação de fundos – O n.º 2 do art.º 8.º do DL 171/95, de 18 de Julho,

vem expressamente consagrar este elemento, que é efectuado pelo factor à

entidade factorizada, mediante o interesse e a vontade das partes, à luz do

princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do Cód. Civil).

Tendo as partes interesse em proceder a uma antecipação de fundos (até

porque se apresenta como mais vantajoso para ambos as partes, na medida em

que, por um lado, o factorizado fique com liquidez imediata. E, por outro lado,

o factor irá auferir de uma comissão e juros sobre esta antecipação), o factor

desenvolve uma verdadeira função de financiamento perante o factorizado.

Esta antecipação pode ser efectuada, pelo primeiro ao segundo, consoante seja

efectuada na totalidade dos créditos que serão transmitidos ou somente feita

parcialmente (visto que irá abranger só uma parte do montante dos créditos

que irão ser transmitidos). Por contrapartida, o factorizado fica obrigado a

restituir essas quantias antecipadas com os respectivos juros, aquando do

vencimento desses créditos cedidos (que são pagos pelos devedores

Porém, importa salientar que quanto a este elemento, existem autores que

consideram como um traço dito eventual ou acidental. Posição pela qual não

colhe o nosso entendimento, por compreendermos que a função de

financiamento é uma das funções que marcam essencialmente a grande

utilização e desempenho desta actividade, tal como é exposto no ponto 1,

deste Capítulo I. Até porque, ab initio, só irá ser constituída uma garantia a

favor do factor se houver lugar em primeira mão a uma antecipação de fundos

ou somente nos casos de factoring com recurso e com ou sem antecipação de

fundos, atendendo que nos casos com recurso e com antecipação essa garantia

será maior, atendendo ao risco que acarreta.

58

Ibidem MONTEIRO M., op. Cit., 1996, pp. 57 e 58.

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Dissertação de Mestrado

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Todavia, no nosso entendimento, visualizamos que a modalidade do factoring

com recurso apenas emerge por uma questão de incumprimento contratual que

impende sobre o factorizado, uma vez que há a obrigação sobre este de ter que

apresentar créditos sobre devedores que estejam numa situação de

solvabilidade, o que por si só não representa verdadeiramente uma garantia,

mas sim uma consequência pelo não cumprimento ainda que verificado a

posteriori – pois o devedor só não irá pagar, à partida, se estiver numa

situação de insuficiência económica, ou por não ter sido notificado

devidamente sobre o contrato de factoring, ou então por invocar outros meios

de defesa conferidos pelo nosso ordenamento jurídico. Ainda assim, é

importante realçar que muitos recorrem ao factoring por conferir imediata

liquidez, facto que é reconhecido e inegável por maioria da razão.

Num outro quadrante, destacam-se as prestações secundárias ou acessórias,

como por exemplo:

g) A cobertura do risco ou assunção do risco de insolvência do devedor – Por

se tratar de um elemento eventual ou até mesmo não essencial, a assunção do

risco não se vislumbra em todas as modalidades de factoring, e casos há em

que até mesmo quando surge, depende sempre de uma condição posterior do

factor e de uma manifestação nesse sentido por parte do factorizado59

.

Sabendo que, esta solução ao estar estritamente ligada com a mencionada em

b), questiona-se a essência da mesma como “garantia”, uma vez que embora

tenha consagração legal expressa no art.º 587.º do Cód. Civil, cuja sua

estipulação, a nosso entender, versa essencialmente como um requisito a

cumprir, pela entidade factorizada, aquando da celebração do factoring com

recurso. Assim, nos casos em que o devedor não paga, incorre, naturalmente,

o factorizado em incumprimento, podendo o factor exigir o pagamento à

contraparte, o que não nos parece surgir esta “garantia” como propriamente

um verdadeiro direito de garantia real, mas antes como uma garantia pessoal60

.

h) A prestação de outros serviços de gestão e acessórios (jurídicos,

económicos e contabilísticos) – No que toca aos serviços de gestão do

crédito, de contabilidade e aos serviços jurídicos (tendo em vista o

contencioso derivado dos litígios provenientes dos créditos factorizados na

modalidade pro solvendo), os mesmos podem ser disponibilizados à entidade

factorizada. Estes serviços são tidos como elementos não essenciais ou

complementares, na medida em que através da estipulação das cláusulas de

exclusividade (a favor do factor), obrigam a entidade factorizada a seguir

59

Cfr. DUARTE, RUI PINTO. “Escritos sobre Leasing e Factoring”, In Novas perspectivas do

direito comercial. Editora: Almedina, Coimbra. 1988, p. 26. 60

Há quem compreenda a Fiança – VASCONCELOS, LUÍS PESTANA, “Dos contratos de

cessão financeira (Factoring)”, in BFDUC, “Stvdia Ivridica 43”, Coimbra Editora, 1999, pp. 341-349. E

ainda VALENTE, MIGUEL, “Função de Garantia”, op. Cit., p.17 e ss. Mais importante e posição pela qual

também aderimos quanto a esta “garantia”, ver CUNHA, CAROLINA. coord. MONTEIRO, ANTÓNIO

PINTO. “Contrato de Factoring e Gestão do Risco: Análise de Alguns Mecanismos Jurídicos – A Renúncia a

Meios de Defesa e as Cláusulas de Incedibilidade”, in O Contrato na Gestão do Risco e na Garantia da

Equidade. Edição Instituto Jurídico Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p.

221.

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Dissertação de Mestrado

27

determinadas condições de venda, atribuindo com isso o direito do factor ter

acesso à sua escrituração, usufruindo de pleno conhecimento da actividade

desenvolvida pelo seu cliente. Isto não quer dizer que o factor tenha que se

intrometer na actividade do factorizado, mas somente vem acentuar que o

primeiro tem ao seu dispor todos os meios para proceder diligentemente à sua

actividade normal com segurança (jurídica). Mais concretamente, tem a

cognição do grau de solvência da clientela, é-lhe permitida a contabilização e

gestão da totalidade dos créditos do factorizado, assim como pode prestar

auxilio na prospecção do mercado e de potenciais futuros clientes, e ainda

pode prestar serviços jurídicos no que concerne a litígios derivados dos

créditos transmitidos.

Paralelamente a estes surgem os deveres de conduta, que impendem sobre as

partes e que se desencadeiam paralelamente às prestações principais e secundárias, não

impedindo por isso o seu funcionamento, tais como:

i) O dever de informação recíproco e dever de colaboração – O contrato de

factoring pelo seu modo de formação se traduzir num contrato por adesão,

fica, como é claro, sujeito ao regime do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. Por

esta razão, o dever de informação tem que ser cumprido de acordo com as

suas cláusulas, mas também de acordo com o disposto no art.º 6.º e n.º 2 do

art.º 11.º. Havendo, por isso, um dever geral, mas também especial de dar

conhecimento ao factorizado de todas as informações e detalhes que esta

actividade comporte, dada a imanente imposição legal às Instituições de

Crédito e Sociedades de Factoring sufragado ao abrigo do disposto no n.º 1,

do art.º 53.º e art.º 77.º e ss., do RGICSF.

Além disso, há um dever de colaboração recíproco61

de modo a evitar a todo

o custo os riscos que estão associados a esta conjuntura, visto que há que

clarificar a“(…) situação económico-financeira dos devedores cedidos até à

obrigação de permitir que o factor leve a cabo actividades de inspecção e

controlo na sua própria empresa, sobretudo nas áreas de contabilidade e

administração.”62

. Esta é uma imposição pelo princípio da boa-fé, que além

da sua previsão geral no art.º 227.º do Cód. Civil, tem consagração específica

no art.º 15.º e art.º 16.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

j) O dever de notificação do devedor63

– Tendo presente que o devedor é um

terceiro alheio à relação jurídica estabelecida entre o factor e a entidade

factorizada, o que sucede é que este negócio jurídico também lhe afecta, uma

vez que num Estado de Direito Democrático (art.º 2.º da Constituição da

61

Cfr. FRIGNANI, ALDO. “Studi sul factoring”, in Factoring, leasing, franchising, venture

capital, leveraged buyout, hardship clause, countertrado, cash and carry, merchandising. 4ª Edição, Editora:

Torino: G. Giappichelli Editore, 1991, pp. 323. 62

Ibidem, MONTEIRO, P./CUNHA, C., op. Cit., 2002, p. 34. 63

Salvaguardando a modalidade do Non-Notification Factoring, como é descrita por R. RUOZI/B.

ROSSIGNOLI, “Manuale del factoring (Manual on factoring)”, Milan, Giuffré, 1984, p. 26.; MARCHI,

GIANLUIGI DE/CANNATA,GIUSEPPE, “Leasing e Factoring”, 4ª Edição, Milano, 1986, p. 275. E

designada em Portugal por factoring confidencial, também sujeito aos termos do art.º 583.º do CC sem por

isso deixar de haver protecção do devedor, VASCONCELOS, LUÍS MIGUEL PESTANA, “Dos contratos

de cessão financeira”, op. Cit., pp. 45 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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República Portuguesa) são consagrados os seus corolários do princípio da

segurança jurídica e da protecção da confiança, que implicam um mínimo de

certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente

criadas numa ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade

na ordem jurídica e na actuação do Estado.

No afloramento destes corolários, o n.º 1 do art.º 583.º do Cód. Civil vem

estipular que, perante a utilização do instrumento da cessão de créditos na

transmissão da titularidade dos créditos, a notificação do devedor é um

pressuposto de eficácia da cessão de créditos. E como é sustentado na esteira

de PINTO MONTEIRO e CAROLINA CUNHA “(…) Essa notificação pode

ser feita extrajudicialmente, pelo que, no contrato, as partes limitam a

determinar qual delas deverá realizá-la e através de que meios – ficando,

normalmente, esse ónus a cargo do aderente (…)”64

, cujo o pagamento será

somente liberatório quando feito pelo devedor ao factor (como também

veremos melhor no Capítulo II). Salientando ainda que esta notificação pode

ocorrer mesmo antes da formalização (art.º 7.º do DL 171/95) do contrato de

factoring, pois esta notificação é perspectivada como um “simples requisito de

eficácia da cessão perante o devedor cedido; a sua ausência não impede a

perfeição do negócio translativo e a consequente circulação do crédito para a

esfera jurídica do cessionário”65

.

64

Ibidem MONTEIRO A. P./CUNHA, C., op. Cit., 2002, p.34.; CUNHA, CAROLINA. “Contrato

de Factoring”, op. Cit., p. 227. 65

Cfr. LEITÃO, MENEZES.” Cessão de créditos”, op. Cit., pp. 359 e ss, em especial p. 361;

VARELA, JOÃO DE MATOS ANTUNES. “Das obrigações em geral”, Vol. II, 7ª Edição, 7ª Reimpressão

de 1997. Editora: Livraria Almedina. Coimbra, 2012, pp. 310 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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2. CAPÍTULO II. A RESPONSABILIDADE DOS INTERVENIENTES

1. Da Responsabilidade pelo incumprimento no contrato de Factoring

No acordo vinculativo ajuizado entra as declarações de vontade, contrapostas mas

perfeitamente harmonizáveis entre si, emitidas por ambas as partes, estabelece-se o

contrato de factoring. O que cronologicamente se divulga por ser um contrato duradouro,

composto por uma relação jurídica obrigacional complexa ou em sentido amplo66

, pela

qual, ao abrigo do art.º 408.º do CC, se caracteriza por um conjunto de vínculos jurídicos

que nascem do mesmo facto e que se interligam tendo em vista a mesma unidade de fim –

sendo este contrato conhecido como um contrato de financiamento, embora sempre

atendendo aos outros importantes serviços subordinados funcionalmente que esta

conjuntura compreende e originadores de um verdadeiro contrato sinalagmático cuja

remuneração baseada em juros e comissões se justifica.

Desta feita, como núcleo essencial nesta senda investigativa, resta-nos abordar a

temática incidente e primordial da responsabilidade dos seus intervenientes neste contrato,

sabendo que o mesmo se apresenta em várias fases67

.

A actividade de factoring, como se pôde constatar, apresenta diversas vantagens

para ambos os contratantes neste acordo, tais como: confere liquidez imediata ao

factorizado, a eventual transferência do risco para o factor nos casos do factoring sem

recurso. Ao passo que este último irá auferir de comissões e juros ou outros meios

monetários que, de outra forma, ficariam na posse da entidade factorizada.

Entre outros benefícios, este é um contrato compreendido por diversas prestações

ou obrigações e deveres que ficam incumbidos aos seus contraentes, mas também engloba

e confere uma multiplicidade de direitos aos seus intervenientes. Por essas razões imporá

ter aqui presente o pensamento do provérbio “a vida não é um mar de rosas”, o que

analogicamente aplicando, reparamos que no factoring existem desvantagens e

consequências que lhe são inerentes, como é o caso dos nocivos “problemas

psicológicos”68

, os quais irão recair sobre os terceiros devedores do factorizado, ao verem

outra entidade alheia a vir cobrar tais créditos, especialmente quando não são notificados

do sucedido. Ou, num outro verso, por existir a perda de independência que a entidade

factorizada irá se sujeitar com a celebração deste contrato, ficando assim as Sociedades de

factoring e Instituições de Crédito incumbidas de exercer estas valências com as devidas

diligências que lhes são impostas. Por isto, pretende-se no presente labor aprofundar as

situações geradoras de uma obrigação de indemnizar pelos danos causados ou o direito de

resolução do contrato, acoplado com a indemnização do interesse contratual negativo.

Estas situações ocorrem na sua generalidade por factos imputáveis ao factor, por factos

imputáveis ao factorizado ou, ainda, por razões de incumprimento do devedor.

66

Ibidem VARELA, A., “Das obrigações em geral”, Vol. I, 1998, pp. 64 e ss. 67

Sobre as fases de “vida” de um contrato ou negócio jurídico veja-se COSTA, MÁRIO JÚLIO

DE ALMEIDA, “Responsabilidade Civil pela ruptura das negociações preparatórias de um contrato”.

Reimpressão, Editora: Coimbra Editora, 1994, pp. 45 e ss. 68

Vide CORDEIRO M./CUNHA, C., op. Cit., 1994, pp. 72 e ss; VALENTE, MIGUEL, op. Cit.,

2004, p. 12 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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Isto é perceptível desde o momento da celebração do contrato de factoring

propriamente dito aos actos que ocorrem ao longo da sua execução e que se prolongam no

tempo69

, sucedendo ocasiões em que, fruto da incumbência destes grandes encargos, se

verificam condutas que podem surtir em responsabilização70

por quem as praticou e ainda,

como a doutrina maioritária entende71

, ser fundamento para recorrer às regras relativas ao

contrato de agência, culminando na cessação do contrato de factoring por mútuo acordo,

caducidade, denúncia e resolução.

1.1. A Responsabilidade por facto imputável ao factor

O factor é a entidade habilitada a exercer a actividade de factoring, ao abrigo do

art.º 3.º, al. a) do DL n.º 171/95, de 18 de Julho, recaindo sobre este sujeito obrigações de

prestar e ainda deveres de conduta que devem de ser mantidos de forma diligente, dado o

carácter sinalagmático que este contrato reveste, sob pena de incorrer em responsabilidade

pelo seu não cumprimento.

No prospecto de vida do contrato de factoring, desde o momento antes da sua

celebração até ao momento do seu desenvolvimento e execução, além da responsabilidade

pré-contratual (art.º 227.º do Cód. Civil) que o factor pode incorrer, também lhe pode ser

imputada, uma vez verificadas certas vicissitudes que originem o não cumprimento de

determinadas obrigações, a responsabilidade contratual ou mesmo incorrer em

responsabilidade extracontratual por factos ilícitos. O presente labor que nos propomos a

dissertar incide essencialmente sobre estes casos que, de uma forma breve, acreditamos ser

importante curar.

O factor é onerado por um amplo leque de deveres72

muito superiores àqueles que

recaem sobre um mandatário comum. O que é natural dado o forte conhecimento que

desempenha na sua actividade, supervisionado pelo Banco de Portugal, e sobretudo quanto

69

Como é suscitado por PIRES, M. “Elucidário de Direito Bancário”, op. Cit., 2002, p. 668, se

adoptarmos por uma tese unitária existirão apenas duas fases que se estruturarão num único contrato, o qual

será fonte de todas as obrigações e direitos dos contraentes. Por outro lado, se adoptarmos a acepção da tese

plural, sucederá um desdobramento desta operação em dois contratos “(…) – um contrato base em que se

organizam as relações presentes e futuras das partes e de contratos de 2ª ordem que efectivamente as

transmissões dos créditos e as respectivas aprovações, à medida que esses créditos vão surgindo na esfera

jurídica do “aderente”. 70

Podendo até ocorrer concurso de responsabilidades. 71

Ver CORDEIRO, A. MENEZES, “Da Cessão Financeira”, op. Cit., p. 95. 72

Desde logo pela via da responsabilidade pré-contratual que, embora ainda não vinculados por

qualquer contrato ou cláusula, recai sobre ambas as partes, à luz do art.º 227.º do Cód. Civil, os deveres que

pautam a sua actuação patenteada por valores de conduta sérios e responsáveis, tidos pelo princípio geral da

boa-fé – Cfr. COSTA, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA, “Responsabilidade Civil pela ruptura”, op. cit, pp.

33 e ss. Diferente será a conhecida responsabilidade civil pela “terceira via”, tal como é sustentada na

jurisprudência por acórdãos do STJ de 25-10-2012 e 17-01-2013, todos publicados in http://www.dgsi.pt; e,

na doutrina, sustentada por LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES. “Direito das Obrigações”,

Volume I, 4.ª edição, Editora Almedina, Coimbra, 2005, pp. 339, e FRADA, CARNEIRO DA. “Uma

„terceira via‟ no Direito da Responsabilidade Civil? O problema da imputação dos danos causados a

terceiros por auditores das sociedades”, Editora: Almedina, Coimbra, 1997, pp. 85-111, em especial p. 95.

Quanto a esta eventual “terceira via”, partilhamos da mesma opinião da sufragada pela Autora BARBOSA,

ANA MAFALDA CASTANHEIRA NEVES DE, “Lições de Responsabilidade Civil”, 1ª Edição, Editora:

Princípia, Coimbra, 2017, pp. 22 e ss.

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Dissertação de Mestrado

31

à entidade factorizada que recorre ao primeiro para este lhe coadjuvar e melhorar a sua

débil situação económica ou situação precária muito inferior em termos de recursos

administrativos da que o factor dispõe para o efeito.

Destarte, não é por acaso que este interveniente compreendido nas Sociedades

Financeiras e Instituições de Crédito está adstrito às rígidas regras do RGICSF, mas ainda

fundamentalmente é imposto que o factor seja uma entidade altamente qualificada e

notoriamente ciente do meio onde se insere, dotada dos conhecimentos técnico-científicos

exigidos para proceder a esta actividade, conferindo as vantagens já conhecidas à entidade

factorizada.

Porém, a finalidade constante não é a de um mero mandatário comum, por isso

este contrato poderá ter uma finalidade inerente a uma obrigação de resultados, ao invés de

uma obrigação de meios73

. O que, de certa forma, poderemos observar pela função

garantística e pelos demais contornos envolventes, dentro dos limites da lei, que as partes

pretendam acordar, nomeadamente se se estiver perante um contrato de factoring com ou

sem recurso, ou também designado como com ou sem regresso74

.

Por seu turno, além da imposição do respeito aos deveres de conduta, é também

imperioso respeitar o cumprimento do acordado pelas partes, por força do princípio pacta

sunt servanda (n.º 1 do art.º 406.º do Cód. Civil) de modo a se observar o resultado

pretendido por ambos, sob pena de poder incorrer em responsabilidade contratual e ainda

em responsabilidade extracontratual em relação a terceiros por factos ilícitos dada actuação

censurável ou culposa por parte deste interveniente.

Nesta linha de pensamento, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar interna,

da responsabilidade por ilícitos de mera ordenação social e criminal75

que possa existir mas

que não nos debruçaremos na presente investigação, importa elencar e organizar os

seguintes casos conforme os seus institutos: a) os casos de responsabilidade pré-contratual;

b) responsabilidade contratual; e c) responsabilidade extracontratual ou delitual.

73

Numa obrigação de meios, pelo incumprimento, o promitente não está obrigado a indemnizar a

outra parte. Por outro lado, perante uma obrigação de resultados, o promitente garante a própria verificação

do facto, obrigando-se a indemnizar a outra parte se o terceiro, por qualquer razão, não cumprir. 74

Neste sentido VALENTE, MIGUEL, op. Cit., pp. 13 e ss, pois, no factoring sem recurso o

factor assume o risco de não cumprimento por parte do devedor – obrigação de resultado; e com recurso o

factor não assume tal risco – obrigação de meios. 75

Em especial, quanto às sanções estipuladas no RGICSF por responsabilidade criminal veja-se os

artigos 200.º e 200.º-A, e sobre os Ilícitos de Mera Ordenação Social, no mesmo diploma, veja-se os art.ºs

201.º e ss.

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Dissertação de Mestrado

32

1.1.1. Responsabilidade Pré-contratual

Decorrente das negociações prévias entre o factor e o factorizado, pode suceder

que os contraentes já tenham estipulado quais os interesses que importam em acordar

para ambos e que futuramente sejam o motivo e o objecto de se vincular, originando

uma expectativa jurídica relevante. Todavia, considerando que o contrato de

factoring terá de assumir uma formalidade solene, por força do art.º 7.º do DL n.º

171/89, de 18 de Julho (da qual já abordamos no Capítulo I, em 1.3.) – sob pena de

se poder aplicar o art.º 220.º do Cód. Civil –, mas se tal momento nunca se vier a

realizar, frustrando as respectivas expectativas jurídicas de quem pretendeu contratar

outrem para alcançar determinado objectivo, é importante salientar que estas

situações impõem responsabilidade por quem frustrou as legitimas expectativas de

quem, por boa-fé, pretendia contratar.

Proveniente destas negociações e destes tipos de vicissitudes – também aqui se

aproveita para aplicar quer ao factor, quer ao factorizado –, que geram entre as partes

uma relação especial que fundamenta o aparecimento de determinados deveres de

conduta. Nomeadamente, por existir um dever de protecção quanto aos bens

jurídicos envolvidos no negócio, cuja violação dos mesmos pode gerar

responsabilidade pré-contratual, ao abrigo da violação do princípio da boa-fé

aflorado no teor do art.º 227.º do Cód. Civil.

Estes deveres de conduta76

são tão importantes que as consequências da sua

violação não se quedam só por esta fase prévia, pois também se ocorrer uma eventual

violação após o término das relações contratuais os responsáveis podem ser

responsabilizados, nos termos análogos a esta via, em responsabilidade pós-

contratual.

Neste sentido, nas negociações prévias o factor ao avaliar quais os créditos que

irão ser objecto do respectivo contrato, pode incorrer em responsabilidade pré-

contratual, se de tal forma der a entender que esses créditos serão aceites e num

momento posterior, aquando do momento formal do acordado, rejeitar ou omitir os

mesmos. Salvaguardando a situação de que não se basta, para o efeito, um simples

“sim” ou “aceito”, pois, que desse momento prévio, o factor, para incorrer neste tipo

de responsabilidade, terá de apresentar e formular na outra parte uma convicção que

seja de tal maneira forte77

, que criará as respectivas e legítimas expectativas jurídicas

na esfera jurídica do factorizado quanto à efectiva “cobertura do risco” e aceitação

de quais serão os devedores, definindo dentro de um limite máximo o risco quer irá

assumir de insolvência de cada um desses devedores (ou não).

Ou ainda, se o factor também utilizar os dados dos créditos desses devedores

(especialmente no que tange a pessoas singulares) para outros fins, também poderá a

entidade factorizada recorrer a esta via para o responsabilizar por eventuais danos

76

Nos deveres de conduta realça-se o dever de lealdade ou correcção; o dever de informação ou de

notificação; o dever de protecção; e o dever de cooperação. 77

Considerando a posição de um bonus pater familias, como elenca o Ac. STJ de 06-10-2005, tida

pela indicação específica dos devedores em causa, através da análise feita pelo factor e pela sua aceitação dos

créditos apresentados, sem prejuízo do disposto em nosso Capítulo I, ponto 1.3, al. b),

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Dissertação de Mestrado

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que possam surtir na sua esfera jurídica78

. Não só, como se ocorrer a celebração de

um negócio inválido79

, ou existindo a celebração de um negócio válido, mas que seja

desvantajoso, havendo violação de deveres de informação na fase pré-negocial, pode

haver fundamentos para responder civilmente, por esta via da responsabilidade pré-

contratual ou extracontratual.

Assim, se os contraentes actuarem por meio de uma conduta, negligente ou

dolosa, violadora de os deveres de conduta congregados nesta fase prévia da relação

jurídica, poderão responder pelos seus actos, atendendo às regras do ónus de prova

constantes no Cód. Civil.

1.1.2. Responsabilidade Contratual

Da celebração e respectiva formalização do contrato de factoring, pode ocorrer

casos em que o factor venha a responder pelo incumprimento das obrigações em

sentido técnico e estipuladas no respectivo contrato, ao abrigo do art.º 2.º e art.º 7.º

do DL 171/95. De facto, existe responsabilidade contratual, em geral, quando ocorre

uma destas tríades: i) não cumprimento; ii) cumprimento defeituoso; iii) mora (atraso

no cumprimento). Como muitos Autores defendem80

, isto sucede devido à

transformação de um dever primário de prestação num dever secundário de

indemnização, nos termos dos artigos 562.º (reposição natural) e excepcionalmente

nos termos do art.º 566.º (quando a reposição natural é impossível), os dois do Cód.

Civil.

Das actividades elencadas no art.º 2.º do DL supracitado e estipuladas no

respectivo contrato (art.º 7.º), se o factor não cumpri-las como acordado, seja por

entrar em mora, por cumprimento defeituoso ou até mesmo por não cumpri-las na

sua integralidade ou parcialidade, por força do art.º 406.º, n.º 1 do Cód. Civil,

incorrerá em responsabilidade contratual.

Além disso, no domínio da responsabilidade contratual, compreendendo estas

situações mencionadas, é também integrado neste meio “(…) as hipóteses em que o

dever de prestar é cumprido, mas em que os deveres de protecção são preteridos,

gerando-se uma lesão na pessoa ou no restante património do credor”, o que, apesar

de quanto a este ponto existirem autores que compreendam que os deveres impostos

pela boa-fé têm natureza delitual, não se aplicando o regime contratual, nós

entendemos, como é sufragado na esteira de MAFALDA CASTANHEIRA NEVES

que tais deveres regidos pela boa-fé podem ser aplicados no regime contratual81

.

78

Pelo RGPD e pelo princípio da confiança, tais dados serão apenas utilizados para o fim

contratual em questão, não olvidando as regras do sigilo profissional. 79

Se o factorizado ao celebrar um contrato em que o crédito é inexistente ou contrário à ordem

pública, acabará também por viciar todo o negócio. 80

Cfr. BARBOSA, MAFALDA, “Lições de Responsabilidade”, op. Cit., pp. 405 e ss. 81

Ibidem, BARBOSA, MAFALDA, op. Cit., pp. 410 e ss., pelo que em determinados casos

poderá ocorrer, um concurso de fundamentos de uma mesma motivação indemnizatória, que se desencadeará

em simultâneo a responsabilidade contratual e extracontratual.

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Dissertação de Mestrado

34

Deste modo, delineando o perímetro contratual como aquele em que “devem ter-

se por compreendidos no conteúdo da relação contratual os deveres de cuidado

necessário para evitar danos pessoais ou patrimoniais, susceptíveis de ser

desencadeados (segundo uma relação de tipo idêntico à da doutrina da causalidade

adequada), por qualquer das actividades que cada parte está obrigada a executar ou

legitimada para realizar em vista desse fim (…)”. Ou seja, entramos no perímetro

contratual, para efeitos de responsabilidade contratual, quando “o comportamento

danoso teve lugar na actuação ou execução do contrato, isto é, em íntima conexão

com ela e não por ocasião dela”82

.

Nestes termos, sobre o factor impende a responsabilidade de gestão,

administração e o sucesso das cobranças dos créditos transmitidos. Mas também

todos os deveres inerentes de conteúdo positivo e negativo (respectivamente, os

deveres de informação e deveres de não colocar obstáculos ao poder de controlo da

sua contraparte83

). De todo o modo, pode vir o factor a responder contratualmente

quando ocorra a violação do princípio da boa-fé, princípio basilar no cosmos

contratual. E ainda quando ocorra a impossibilidade de cumprir com as suas

obrigações.

Ao falarmos da violação do princípio da boa-fé, não são raros os casos em que

esta transgressão possa ocorrer, uma vez que, prima facie, sendo este um contrato

formado por adesão, pelo qual confere ampla margem de discricionariedade ao

factor, faz com que o factorizado permaneça numa situação mais débil. Por

conseguinte, nos casos em que quando o factor inicialmente se vincula, propondo-se

a realizar determinados resultados, e concomitantemente estipula – para este efeito se

não o conseguir lograr –, permissões concedidas para a alteração, criação ou

revogação unilaterais de certas condições ou serviços, sem qualquer fundamentação

ou razões ponderosas. O que sucede é que irá deixar o factorizado numa situação

frágil e insegura, na medida em que quando realizou e assinou o contrato tinha como

finalidade aquele, e só aquele, resultado pretendido. Por estas razões, o legislador

veio salvaguardar os interesses do factorizado, exigindo, desde já, uma solenidade a

verificar aquando da celebração do contrato de factoring (art. 7.º do DL 171/95) e ao

consagrar o princípio da boa-fé embebido no teor do art.º 227.º no Cód. Civil.

Nesta senda, também por este contrato ser formulado por adesão, composto por

cláusulas contratuais gerais, poderá aplicar-se o regime do DL n.º 446/85, de 25 de

Outubro, que vem sancionar como nulas todas as cláusulas abusivas e violadoras do

princípio da boa-fé, à luz dos artigos 15.º, 16.º e ss., do referido diploma.

O Autor, JOSÉ MARIA PIRES84

, exemplifica um caso típico e frequente neste

âmbito, tal como quando estamos perante um contrato de factoring sem recurso

(factor assume o risco), que, depois da cessão do crédito, poderá vir a existir uma

perda da sua garantia de boa cobrança transformando-se (apenas por vontade

82

PINTO, CARLOS ALBERTO DA MOTA, “Cessão da posição contratual”, In Dissertação de

Doutoramento em Ciências Jurídicas na FDUC, Reimpressão, Colecção Teses, Almedina Editora, Coimbra,

2003, pp. 407 e ss. 83

Como menciona LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES, “Cessão de Créditos”,

Colecção Manuais Universitários, Reimpressão, Editora Almedina, Coimbra, 2015, pp. 303 e 304. 84

Ver PIRES, JOSÉ MARIA, “Elucidário de Direito Bancário”, op. Cit., pp. 670 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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unilateral do factor) num crédito cedido com recurso, desprotegendo o factorizado.

Todavia, na esteira deste autor e também entendemos nós assim, que esta

transformação só seria possível até à entrega dos bens ou da realização da prestação

do serviço. Porém, não obstantes esses casos, nem aí será possível para o factor

realizar a transferência do risco do incumprimento para o factorizado, sem existir

qualquer fundamento ponderoso. Pois, uma cláusula a admitir esta possibilidade seria

uma cláusula violadora do princípio da boa-fé, e como tal sancionada por nulidade

ao abrigo do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

Destarte, quando ocorre a alteração por acto unilateral e sem fundamentação

suficientemente ponderosa85

por parte do factor, dos limites anteriormente

estipulados dos quais se tinha proposto a cobrir ou garantir o respectivo crédito ao

factorizado, diminuindo os seus montantes (tanto em termos qualitativos86

como

quantitativos87

); ou que se trate de eventuais alterações unilaterais das comissões

devidas pela sua prestação dos serviços a que ficou incumbido pelo acordado, mas

repentinas ou injustificadas. Ou se suspender ou proceder a uma revisão do contrato

por acto unilateral. Estas cláusulas serão sempre consideradas nulas ao abrigo da

violação do princípio geral da boa-fé.

Naturalmente, com este tipo de condutas, por parte do factor, pode o factorizado

alegar e aplicar, analogicamente, o regime do contrato de agência que permite a

qualquer parte resolver o contrato se se verificar circunstâncias que prejudiquem

gravemente ou que tornem impossível a realização do fim contratual88

– contando, o

factorizado, com o cumprimento integral do que foi celebrado inicialmente, não

podendo assim, por acto unilateral e sem fundamentação, a contraparte alterar o que

foi contratualmente acordado como lhe aprouver.

Num outro pólo, nos casos em que o factor fique impossibilitado de cumprir com

as suas obrigações, seja por entrar em mora (ao abrigo do art.º 8.º, n.º 2 e 3 do DL

171/95), por incumprimento parcial, ou até por essa mora se converter em

incumprimento definitivo (como nos casos em que o factor entra em situação de

insolvência89

), ou se cumprir defeituosamente as suas prestações, pode o factorizado,

mediante prova dos factos, responsabilizar o factor, invocando os danos que sofreu e

que poderá vir a sofrer, podendo até mesmo resolver o contrato. Perante estas

situações o mesmo ocorre se existir uma transmissão entre o factor e uma outra

sociedade de factoring ou instituição de crédito, em que o primeiro-factor, por se

encontrar numa situação débil ou por uma questão de melhor gestão do fluxo de

caixa, recorrer ao factoring com outra entidade terceira transmitindo o crédito que

outrora lhe foi cedido, de modo a actuar na satisfação do interesse do credor (a

entidade factorizada). Pelo que poderá a vir ser responsabilizado contratualmente,

85

Casos diferentes, merecedor sempre de reflexão, serão os emergentes por catástrofes e

fenómenos semelhantes, ao abrigo do art.º 437.º do Cód. Civil. 86

Quanto aos créditos que irá aceitar. 87

Quanto ao “plafond” que irá estipular. 88

Solução sufragada pelo art.º 30.º, al. b) do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, e avançada por muitos

Autores, tais como VASCONCELOS, LUÍS D. P. PESTANA. “Dos contratos de cessão financeira”, op.

Cit., pp. 268 e ss. 89

Veja-se para este efeito VALENTE, MIGUEL., op. Cit., pp. 45 e ss., e LEITÃO, LUÍS M. T.

DE MENEZES, “Cessão de Créditos”, op. Cit., p. 520.

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Dissertação de Mestrado

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ainda que por factos praticados por terceiro90

, perante o sujeito que lhe transmitiu

primitivamente o crédito, na medida em que o primeiro-factor terá sempre deveres de

prestação para com a sua contraparte (entidade factorizada), e nesse entender terá de

cumpri-los na sua integralidade, sem prejuízo da sua autonomia privada, mas por

força da imposição do princípio pacta sunt servanda (art. 406.º, n.º 1 do CC),

princípio da confiança e da boa-fé (art.º 227.º do CC).

Sem prejuízo das demais situações, o factor dispõe de dois direitos, neste

contrato, em face ao incumprimento do factorizado no factoring com recurso: tem

um direito de crédito sobre o devedor; e de um direito de regresso sobre o

factorizado, pelo que, na esteira de CAROLINA CUNHA91

, se das “actuações do

factor que deslealmente lhe dessem azo a embolsar duas vezes a mesma soma”,

sendo estes mecanismos subsidiários entre si, ao que se se aplicar um, o outro

extingue-se necessariamente. E nos casos em que o factor pretende “embolsar duas

vezes a mesma soma”, poderá ser responsabilizado92

contratualmente perante o

factorizado, mobilizando-se a cláusula geral da boa-fé.

Por conseguinte, importa referir as situações nos contratos com recurso, em que

há a obrigação do factorizado em garantir a existência e exigibilidade do crédito

(art.º587.º do CC). Nestes casos o factor, por incumprimento do factorizado, poderá

sempre lançar mão desta válvula de escape, devolvendo os créditos ao factorizado e

exigindo deste, se tiver ocorrido antecipação de fundos, os montantes acordados sem

prejuízo da indemnização que terá direito, nos termos gerais.

Ainda assim, não existindo razões suficientemente subsistentes para se aplicar a

teoria da eficácia externa das obrigações como defendem alguns Autores93

, podem

ocorrer casos, para este efeito, em que o factor estipule cláusulas de modo a limitar a

eficácia da cessão do crédito, dado que o devedor poderá sempre vir opor a este um

direito ou meio de extinção da obrigação de que era titular perante o factorizado nos

termos do art.º 585.º CC.

Deste modo, os clausulados contratuais ao reforçarem a obrigação legal

anteriormente mencionada, para garantir a cobrança desse crédito, fazem com que o

risco diminua substancialmente. Todavia, o factor ao estipular cláusulas que

impeçam quaisquer direitos, compensações ou meios de extinção da obrigação

perante o factorizado, coloca muitas questões quanto à sua admissibilidade.

O art.º 583.º do Cód. Civil estipula que uma vez notificado94

o devedor, então é

que se produzirão os efeitos da cessão, é por isso que antes desta notificação o art.º

90

Ibidem, BARBOSA, MAFALDA, “Lições de Responsabilidade”, op. Cit., pp. 429 e ss. 91

Idem CUNHA, CAROLINA., op. Cit. 2015, p. 50. 92

E extracontratualmente perante o devedor, dado o ponto 1.1.3. 93

Neste sentido, CORREIA, FERRER. “Da responsabilidade do terceiro que coopera com o

devedor na violação de um pacto de preferência”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 98.º, pp. 335 e

ss.; CAMPOS, DIOGO LEITE. “A responsabilidade do banqueiro pela concessão ou não-concessão do

crédito”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 46, Lisboa, 1986, p. 51.; e ainda VAZ, ALEXANDRE

MÁRIO PESSOA. “Do efeito externo das obrigações (algumas perspectivas da mais recente doutrina

portuguesa e alemã)”, Edição Policopiada, 1997. 94

A nosso entender, deverá ser feita imperiosamente pelo factorizado ao devedor, e

facultativamente pelo factor ao devedor, por carta regista com aviso de recepção.

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Dissertação de Mestrado

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584.º do mesmo diploma, tutela e salvaguarda os seus interesses e direitos. Desta

maneira, há que fazer a destrinça entre duas situações distintas e que podem ter

soluções diferentes.

Isto porque, à luz do Ac. TRP datado em 06-12-201695

, a situação de o devedor,

por sua vontade própria, renunciar tais direitos ou meios de oponibilidade perante o

factorizado96

, aquando da celebração do contrato que dá origem ao crédito (seja de

fornecimento ou de prestação de serviços ou bens) que será, posteriormente,

transmitido para a esfera jurídica do factor. Difere da situação de tal manifestação de

vontade nunca suceder, e posteriormente o factor vir a estipular cláusulas que

excluam ou limitem esta oponibilidade das excepções anteriores ao conhecimento da

cessão97

.

Consequentemente, no primeiro caso, embora muitos possam entender, ab initio,

que há uma ideia contrária à ordem pública (art.º 280.º CCivil). Em nosso entender, a

melhor solução sobre a admissibilidade (ou não) da renúncia pelo devedor dos meios

de defesa de oponibilidade deverá sempre depender de caso para caso. Porém, em

geral, quanto a esta primeira situação, partilhamos da posição sufragada por

CAROLINA CUNHA98

, quando sustenta a genérica admissibilidade da renúncia do

devedor-cedido à oponibilidade dos meios de defesa que o art.º 585.º do CCivil lhe

faculta, de modo que essa privação representa um retorno ao princípio geral (res

inter alios acta) e também é feita com base na sua própria escolha e vontade.

Por sua vez, nos casos citados em segundo lugar, quando não há renúncia do

devedor, por acto voluntário, e quando o factor estipula cláusulas que excluam ou

limitem a eficácia da cessão de créditos, ou que pretenda impor a renúncia por acto

unilateral dos meios de defesa do devedor, ainda que indirectamente e sem este

tomar conhecimento, então, entendemos que deverá, sim, de se estar perante uma

situação de invalidade de estipulações negociais, por existirem cláusulas nulas

contrárias à ordem pública, prevista no art.º 280.º CCivil99

, por ser uma renúncia

abdicativa a direitos ou faculdades potestativas – que pode a nulidade ser arguida a

todo o tempo e por qualquer interessado nos termos do art.º 286.º do CC.

E nestes casos não poderá o factor resolver o contrato com base neste fundamento

(pois tais cláusulas serão nulas), mas tão-só poderá resolver o contrato perante o

factorizado com base no incumprimento por não ter garantido a solvabilidade e

existência do respectivo crédito (art.º 587.º CC). Contudo, pelo contrário, poderá o

factor, reconhecendo e não se conformando com esta conjuntura, também vir a

responder contratualmente, nos termos gerais, e na medida em que surtirem danos

provocados na esfera jurídica do devedor com base nestes factos.

95

In Proc. N.º 492/14.0TVPRT.P1, Rel. Ana Lucinda Cabral, disponível em www.dgsi.pt. 96

Ou mesmo perante o factor. 97

Vide CUNHA, CAROLINA. “Letras e Livranças: Paradigmas actuais e recompreensão de um

Regime”, in Tese doutoramento em Ciências Juridico-Empresariais, Faculdade Direito da Universidade de

Coimbra, Reimpressão, Editora: Almedina, Coimbra, 2012, pp. 250 e 251. Ainda assim, entendemos que há

que atender ao objecto creditório cedido em causa. 98

Cfr. CUNHA, CAROLINA, op. Cit., 2015, pp. 222 e ss. 99

Ver MONTEIRO, A. PINTO. “Cláusulas limitativas”, op. Cit., 2003, pp. 46 e ss.

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Posto isto, nos casos análogos ao do Ac. STJ de 20-10-2011100

, pode suceder que,

como esta notificação ao devedor (art.º 583.º) pode ser feita tanto pelo factor como

pelo factorizado101

, nos casos em que o devedor pagar ao factor, embora tenha

ocorrido uma notificação de uma cessão subsequentemente malograda ou não

realizada ainda, pode a obrigação ficar extinta, ficará o devedor protegido perante o

factor e o factorizado. Isto, na medida em que tanto por via do art.º 770.º, al. a) do

CC, como analogicamente aplicando o regime do contrato de agência, o seu Capítulo

III, art.º 23.º, estando o devedor de boa-fé, ao abrigo do princípio da confiança, e

pagando ao factor (credor aparente), o pagamento é liberatório. Daqui cabe ao

devedor reclamar perante o factor a restituição do enriquecimento por este obtido,

que poderá sempre recorrer subsidiariamente ao regime do art.º 473.º do CCivil102

. E

nos casos em que existe o conhecimento positivo da inexistência ou invalidade da

cessão, a consequência jurídica poderá culminar no abuso de direito, art.º 334.º CC,

mas com a possibilidade do art.º 476.º, n.º 2 do mesmo diploma103

.

Ainda assim, o devedor de boa-fé sempre poderá opor ao factor a sua existência

de todos os meios de defesa e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao

factorizado104

. Sem prejuízo de existirem circunstâncias que possam vir a ser

admissíveis, portanto lícitas, como a genérica admissibilidade da renúncia do

devedor-cedido à oponibilidade dos meios de defesa, ficando por isso salvaguardada

a posição do factor – sublinhando, contudo, que sendo esta renuncia uma declaração

de vontade, negócio jurídico unilateral, estará como é, claro, sujeito a problemas de

interpretação como ainda, pode padecer de vícios que impeçam a sua validade105

.

100

Ac. STJ, datado em 20-10-2011, Proc. N.º 11873/03.5TBVNG.P1.S1, Rel. Silva Gonçalves,

disponível em www.dgsi.pt. 101

Salvaguardando a nossa posição nos termos mencionados em nossa nota 94. 102

Veja-se CUNHA, CAROLINA, “Contrato de Factoring e Gestão do Risco”, op. Cit., pp. 224 e

ss.; LEITÃO, MENEZES. “Cessão de Créditos”, op. Cit., pp. 362 e ss.; PROENÇA, BRANDÃO. “Débito,

crédito, aparência e realidade. Acórdão do STJ de 20.10.2011, Proc. 11873/03”, In Cadernos de Direito

Privado, n.º 37, Janeiro/Março 2012, pp. 12 e ss.; CUNHA, CAROLINA, “Contrato de Factoring: Quem

Paga Mal, Paga Duas Vezes? - Acórdão do STJ de 26.09.2002, Proc. 1460/02”, in Cadernos de Direito

Privado, n.º 3, Julho/Setembro de 2003, pág. 40 e ss. 103

Ver LEITÃO, MENEZES. “Cessão de Créditos”, op. Cit., pp. 363 e 364. 104

Como reitera o Ac. TRG de 21-04-2016, proc. N.º 2939/15.0T8VCT-A.G1, Rel. José Amaral,

disponível em www.dgsi.pt., onde cita o Ac. STJ de 04-05-2010 na sua decisão. 105

Vide CUNHA, CAROLINA. “Contrato de Factoring”, op. Cit., p. 236 e 237 e ss. E ainda

COELHO, F. PEREIRA. “ A Renúncia Abdicativa no Direito Civil (Algumas notas Tendentes à Definição do

seu Regime) ”. Editora: Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pp. 103 e ss.

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Dissertação de Mestrado

39

1.1.3. Responsabilidade Extracontratual

A responsabilidade extracontratual, por factos ilícitos106

, nos termos do art.º 483.º

CC, versa na tutela de bens jurídicos salvaguardados pelo nosso ordenamento

jurídico, que essencialmente é mobilizada por existir uma violação de direitos

absolutos ou violação de disposições legais de protecção de interesses alheios e no

abuso de direitos.

Desta feita, se o factor violar direitos absolutos, tanto do factorizado como do

devedor, existindo um nexo de causalidade entre a conduta censurável e o resultado

ilícito, poderá ser responsabilizado por factos ilícitos.

Assim, à luz da analogia dos casos da teoria da aparência ou do “falsus

procurator”, como é mencionado no Ac. TRL, datado em 25-11-2011107

, se o factor

actuar, numa veste de aparência que lhe confira legitimidade para todos os efeitos, e

vir a praticar factos ilícitos, por meio de uma conduta censurável e lesiva de direitos

ou interesses e bens jurídicos tutelados pelo nosso ordenamento jurídico, tanto

perante a sua contraparte108

como perante terceiros, poderá vir a responder contratual

e extracontratualmente e ser obrigado a indemnizar pelos danos provocados, nos

termos gerais.

Não só, mas também nos casos análogos ao que foi decidido pelo Ac. TRL e Ac.

STJ, datados em 17-06-2010, em virtude do acesso imediato que o factor pode ter a

todos os elementos de identificação dos clientes do factorizado e à facturação ou

mesmo o “know-how”, permitindo ao primeiro a obter uma posição de destaque na

área comercial, com o consequente prejuízo para o factorizado. De facto, sempre

poderão os lesados, à luz do uso excessivo da liberdade de concorrência, nos termos

dos arts.º 2.º e 64.º CSC, articulando-os com o art.º 317.º do CPI e art.º 483.º do

CC109

, vir a propor acção por responsabilidade extracontratual contra o factor (ou na

sua individualidade contra o efectivo responsável) com base na concorrência

desleal110

.

106

Ibidem BARBOSA, MAFALDA, op. Cit., p. 13, e pp. 99 e ss; e VARELA, A. “Das

Obrigações em Geral”, Vol I., op. Cit., pp.518 e ss. 107

Cfr. Ac. TRL, datado em 25-11-2011, Proc. N.º 1062/2001.L1-6, Rel. Maria Manuela Gomes,

disponível em www.dgsi.pt. 108

Através de comportamentos ou cláusulas abusivas, sujeitas ao regime do DL n.º 446/85. 109

E nos casos dos arts. 254.º, n.º1 e n.º 5 do CSC. 110

Diferente da concorrência ilegal ou dos casos de estipulação de uma cláusula de não

concorrência que se aplicará sempre o regime da responsabilidade contratual, como é discernido no referido

aresto do Ac. TRL, datado em 17-06-2010, Proc. N.º 9431/04-6TBOER.L1-8, Rel. Catarina Manso; e ainda

Ac. STJ, datado em 17-06-2010, ambos disponiveis em www.dgsi.pt.

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Dissertação de Mestrado

40

1.2. A Responsabilidade por facto imputável ao “factorizado”

Já analisadas algumas das situações primordiais que o factor poderá incorrer em

incumprimento contratual e extracontratual, resta-nos agora abordar quais as situações

mais problemáticas que no âmago do contrato de factoring poderão, por factos imputáveis

ao factorizado, vir este a responder contratualmente e extracontratualmente. Não olvidando

que quanto à responsabilidade pré-contratual ou pós-contratual aproveitamos também o

que foi salientado em nosso ponto 1.1, no presente Capítulo.

1.2.1. Responsabilidade Contratual

O factorizado ao ser um sujeito que pode conformar a relação jurídica contratual

de diversas formas, torna-se um elemento-chave ou essencial neste meio, uma vez

que ao ter esta actuação principal, o mesmo terá de zelar diligentemente pelos

deveres em sentido positivo e em sentido negativo subjacentes na relação contratual.

Tendo presentes as situações genéricas em que pode ocorrer responsabilidade

contratual, tais como: i) não cumprimento; ii) cumprimento defeituoso; iii) mora

(atraso no cumprimento). É frequente emergirem certos problemas que se levantam a

propósito da responsabilidade do factorizado face ao factor de boa-fé.

Desde logo, nos casos da existência de uma prestação em sentido positivo, de

facere, através da estipulação de uma cláusula que verse no princípio da globalidade,

o factorizado fica incumbido de transmitir ao factor todos os créditos, presentes e

futuros, que advenham da sua actividade normal111

. Todavia, quando o mesmo não

cumpra ou cumpra defeituosamente, pode vir o factor a responsabilizar a sua

contraparte para o efeito, e caso já não seja possível proceder à reposição natural

(art.º 562.º CC), pode o factor recorrer à indemnização prevista nos termos do art.º

566.º do CC, sem prejuízo de estar na possibilidade também de resolver o contrato,

ao abrigo do art.º 24.º do regime do contrato de agência que é aplicado

analogicamente.

Decorrente dos deveres de prestação, deve o factorizado manter o saldo positivo

na sua conta-corrente, tendo por isso que proceder com a devida diligência, sob pena

de resolução do contrato, nos termos do art.º 24.º do regime do contrato de agência

supramencionado, dado que no factoring com recurso e antecipação, quando o factor

acciona a “garantia” que se consubstancia no “exercício do direito de regresso”112

.

Transmitindo de volta ao factorizado os respectivos créditos que este garantiu serem

existentes, e simultaneamente irá também debitar da conta-corrente o montante que

foi outrora antecipado por tais créditos (nos termos da reposição natural, art.º 562.º

do CC, salvaguardando a hipótese, se esta for impossível, de recorrer à via do art.º

566.º do mesmo diploma).

No que tange às comissões e juros que devem de ser pagos ao factor – por ser este

um contrato bilateral e oneroso –, os quais justificam a essencialidade deste

contracto, dados os serviços adicionais e acessórios que este sujeito desempenha. Se

111

Ver 1.3., al. a), no Capítulo I. 112

Vide CUNHA, CAROLINA. “Contrato de Factoring”, op. Cit., 2015, pp. 221 e ss.

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Dissertação de Mestrado

41

o factorizado não os pagar devidamente, poderá ser sempre responsabilizado,

atendendo ao tipo de pagamento que foi acordado, e sendo motivo, em última

instância, de resolução com “justa causa” do contrato por parte do factor.

O mesmo se aplica quanto à obrigação de entregar todos os documentos e meios

probatórios (art.º 586.º do CC), assim como a transmitir todas as garantias e outros

acessórios do direito transmitido (art.º 582.º do CC), sob pena de incorrer em

responsabilidade contratual perante o factor, e em último caso sendo também “justa

causa” para o factor resolver o contrato.

Todas estas obrigações são também afloramentos da obrigação de garantir a

existência do crédito que será transmitido, ao abrigo do disposto no art.º 587.º do CC.

E como salienta o legislador, a solvência do devedor só será garantida se tal for

expressamente estipulado no contrato. Consequentemente, incorrerá em

incumprimento, seja por cumprimento defeituoso, mora ou em definitivo, o

factorizado que incumprir com estas obrigações (e com as demais estipuladas, tais

como o dever de notificar o devedor) ficando incumbido de indemnizar, nos termos

gerais, a sua contraparte.

Por outro lado, também se pode pensar o mesmo quando falamos na prestação em

sentido negativo, de um non facere, que se poderá referir a uma cláusula de

exclusividade, em que o factor impõe ao factorizado a incumbência de não

estabelecer quaisquer relações de factoring com outras sociedades, no que tange

àquele crédito em concreto ou a todos os créditos que decidam “factorizar”113

. Ou

nos casos em que os contraentes estabeleçam um pactum de non cedendo ou cláusula

de incedibilidade114

que entre nós é admitida, pelo art.º 405.º do CC e até nos termos

do art.º 577.º, n.º 2 do CC. Se o factorizado não a cumprir, cedendo os respectivos

créditos a um terceiro (ainda que possa precludir com os casos de venda bem alheio,

como veremos), pode o factor vir a ser indemnizado pelo interesse contratual

negativo, e ainda lançando mão do direito de resolução do contrato, sem prejuízo de

poder sempre recorrer à oponibilidade dessa cláusula nos termos do art.º 577.º do

CC. Pois, tudo o que aqui se pretende, em primeira instância, é que o negócio

jurídico produza os seus efeitos normais.

Quanto ao objecto contratualmente acordado, sobre os créditos possíveis de

transmissão pelo factorizado ao factor, tem que se salientar que os mesmos não

poderão consubstanciar em créditos litigiosos, exceptuando os casos vertidos no art.º

581.º do CC, sob pena de se tratar de um negócio nulo ao abrigo do art.º 579.º do CC,

ficando o factorizado obrigado a reparar os danos causados, nos termos gerais (art.º

580.º CC). Esta nulidade da cessão não pode ser invocada pelo cessionário (leia-se,

factor), podendo ser invocada por qualquer interessado para o efeitos com aquela

exclusão e podendo ser de conhecimento oficioso.

Importa referir ainda que o factorizado se tiver transmitido qualquer tipo de

crédito futuro, então terá forçosamente que fazer os esforços necessários para ser vir

113

Se bem que esta cláusula nos dias de hoje já não é tão utilizada, ver CARVALHO, SÓNIA. “O

Contrato de factoring”, op. Cit., p. 194. 114

Ibidem CUNHA, CAROLINA, op. Cit., pp. 244 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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a adquirir os mesmos (art.º 897.º), de modo a ter cabimento na situação prevista do

art.º 880.º e art.º 893.º do CC. Pois, se tal não vier a se suceder o mesmo estará a

fazer um negócio sobre bens alheios, o que culminará na sanção prevista no disposto

do art.º 892.º - nulidade atípica, dada a 2.ª parte do art.º 892.º –, sem prejuízo de se

verificar a situação prevista no art.º 895.º, ficando o factorizado incumbido de

indemnizar o factor nos danos pelo não cumprimento contratual, nos termos gerais. E

caso o factor actue de boa-fé, não pode o factorizado opor esta nulidade, devendo ser

restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for

possível, o valor correspondente.

Doravante, a doutrina tem-se debruçado essencialmente nos casos de transmissão

em cadeia, quando ocorre uma dupla alienação do mesmo crédito cedido, em que o

factorizado se dirige, em primeiro lugar, a um factor e celebra um primeiro contrato

de factoring, mas, posteriormente, recorre a outra entidade habilitada para o efeito

para celebrar um outro contrato sobre os mesmos créditos que outrora cedeu à

primeira entidade (seja para beneficiar de dois tipos de antecipação de fundos ou de

maior e imediata liquidez, seja por não pretender contratar com alguma das entidades

que outrora assim o quis). Nestes casos, embora, prima facie, se pense que possa

prevalecer a regra do princípio do nemo plus iuris (Art.º 291.º CC), é importante ter

em atenção o previsto no art.º 584.º do CC, que sustenta que “(…) prevalece a

cessão que primeiro for notificada ao devedor ou que por este tiver sido aceita.”.

Além disso aplicam-se aos contratos onerosos, na medida em que sejam conformes

com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais

respectivas, as normas da compra e venda, nos termos do art.º 939.º do CC.

No entanto, em defesa dos interesses do devedor e da segurança jurídica, o

negócio cuja notificação seja a primeira a ser efectuada ao devedor ou por este aceite,

será a que prevalecerá. O que nos leva a salientar que entre as duas entidades de

factoring ou de concessão de crédito aqui em causa, uma delas será prejudicada pela

conduta do factorizado. Por esta feita, na esteira de MOTA PINTO115

, o factor só

poderá ser indemnizado pelo interesse negativo – uma vez que este já abrange os

danos emergentes e lucros cessantes. Enquanto autores como ANTUNES

VARELA116

e RIBEIRO FARIA117

, entendem que nestes casos pode o factor ser

indemnizado tanto pelo interesse negativo, como pelo interesse positivo ou

cumprimento do contrato. Numa outra óptica emerge ASSUNÇÃO CRISTAS, que

entende que sempre se poderá demandar o factorizado doloso por ter vendido um

bem alheio ao segundo adquirente, culminando na nulidade do contrato nos termos

do art.º 298.º ou art.º 291.º do CC118

119

.

A nosso entender, se o factorizado actuar à luz de uma conduta dolosa, deve de se

mobilizar analogicamente o art.º 898.º, e não logrando a convalidação do contrato

(quer seja por se verificar os casos do art.º 896.º ou não consiga efectivamente lograr

115

Cfr. PINTO, MOTA. “Cessão da posição”, op. Cit., p. 461. 116

Ver VARELA, ANTUNES. “Das Obrigações em Geral”, Vol II, op. Cit., p. 315. 117

Em FARIA, JORGE L. A. RIBEIRO DE. “Direito das Obrigações”, Vol. II, Editora:

Almedina, Coimbra, 1990, pp. 520 e ss. 118

Idem CRISTAS, ASSUNÇÃO, op. Cit., pp. 246 e ss. 119

De harmonia com VARELA, ANTUNES. “Das Obrigações”, Vol. II, op. Cit., pp. 315 e ss.

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a obrigação do art.º 897.º do CC)120

, aplicar-se-á o disposto no art.º 900.º e 904.º do

CC. Isto é, deve o factorizado de indemnizar o factor-prejudicado pelo dano negativo

(dano in contrahendo) ocorrendo a resolução do contrato, já que se impõe a

obrigação de indemnizar os prejuízos que a contraparte não teria sofrido se o contrato

nunca tivesse sido celebrado, com base no dano da confiança aflorado no art.º 227.º e

ao abrigo do art.º 587.º do CC, patente na obrigação da garantia e existência do

crédito. Contudo, excepcionalmente à luz do Ac. STJ datado de 21-10-2010121

, pode,

nos termos do art.º 801.º do CC, o factor vir a ser indemnizado pelo interesse

contratual positivo, desde que tal não acarrete qualquer situação geradora de

desequilíbrios ou benefícios injustificados.

Outro caso diferente seria se, havendo prova dos prejuízos e lucros cessantes que

sempre teria se o contrato fosse convalidado, poderia ser indemnizado pelos lucros

cessantes pela celebração do contrato nulo, em virtude dos danos positivos com base

no cumprimento do contrato, por força do art.º 900.º e 904.º do CC. Estes casos

podem ocorrer, como é tanto sustentado na doutrina, quando entre o devedor e o

factorizado haja um pactum de non cedendo (ou venda de um crédito alheio), e ainda

assim o factorizado (não conformado) celebrar um contrato de factoring, com vista

na antecipação de fundos, com o factor, em que este último desconheça da

convenção ao momento da cessão ou se o primeiro tentar ocultar tal pacto,

especialmente se o pacto for inoponível ao factor de boa-fé.

Quanto à convalidação anteriormente mencionada, mesmo que se esteja perante

uma relação jurídica comercial, em que se aplicam os art.ºs 463.º e ss e o art.º 467.º,

n.º 2 do CCom. (ou ex vi art.º 939.º do CC), o negócio será valido caso a obrigação

de convalidação se verifique. Todavia, o mesmo já não sucederá se tal não se

realizar, o que fará com o factorizado tenha de responder perante o factor pelo

interesse contratual positivo, pois o contrato seria sempre válido, ocorrendo apenas o

seu incumprimento pela não verificação da obrigação de adquirir o respectivo crédito

alienado a terceiro122

.

Além destes casos, coloca-se a questão de ocorrer a possibilidade de o factorizado

fraudulentamente ceder créditos inexistentes ou falsificados123

, titulados por facturas

falsas. Nestes casos, dada a frequente garantia da existência e exigibilidade dos

créditos (art.º 587.º) que impende sobre este, os interesses do factor ficarão

acautelados, uma vez que o negócio jurídico com base nestes créditos culminará em

nulidade, por impossibilidade do objecto, ao abrigo do disposto no art.º 280.º do CC.

Ou seja, além de existir aqui um incumprimento contratual por falta de verificação

daquela obrigação, o negócio ao culminar em nulidade – nos casos em que não há

possibilidade de o factorizado restituir aquilo que lhe foi antecipado ou regularizar a

situação –, poderá o factor de boa-fé recorrer (tendo à data da celebração do contrato

feito cabalmente os esforços técnico-científicos que lhe eram exigidos e ainda assim

não logrando decifrar a falsificação de tais documentos, pela astúcia do factorizado),

120

Como refere Assunção Cristas – CRISTAS, ASSUNÇÃO. “Dupla Venda de um Direito de

Crédito”, in Separata da Revista "O Direito", n.º I-II, ano 132.º, 2000, p. 246 e ss. 121

In Proc. N.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1, Rel. Barreto Nunes. E ainda em Ac. STJ datado de 15-12-

2011, Proc. N.º 1807/08.6TVLSB.L1.S1, Rel. Álvaro Rodrigues, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 122

Vide CARVALHO, SÓNIA. “O Contrato de Factoring”, op. Cit., pp. 290 e ss. 123

Ibidem, op. Cit., pp.297 e ss.

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com base neste fundamento, e ser devidamente indemnizado com base no instituto da

responsabilidade contratual, nos termos gerais. Até porque coloca-se a questão de se

o factorizado outrora ter garantido a verificação dos termos do art.º 587.º do CC,

porque razões não poderá esta situação culminar num abuso de direito (art.º 334.º do

CC), na sua modalidade de venire contra factum proprium124

?

Não só nestes casos, mas também quando há uma simulação absoluta (art.º 240.º

do CC) por parte do factorizado, de modo a obter para si as quantias monetárias

antecipadas, celebrando um negócio que dissimula a real pretensão de não celebrar

qualquer negócio. O que pode, por isso, culminar em nulidade a ser arguida por

qualquer interessado, e o factor vir a ser indemnizado por esta conduta ilícita por

parte de quem simulou, nos termos da responsabilidade civil.

1.2.2. Responsabilidade Extracontratual

Analisados determinados casos abundantes na doutrina e na jurisprudência

geradores da mobilização do instituto da responsabilidade contratual, resta-nos

abordar os eventuais casos em que o factorizado responde por factos ilícitos, que

pela sua conduta censurável lesa bens jurídicos tutelados pelo nosso ordenamento

jurídico.

Parafraseando o aresto do Ac. TRC, datado em 24-02-2015125

, é sábido que as

pessoas colectivas, e, em particular, as sociedades comerciais (leia-se, sociedades de

factoring ou Instituições de Crédito), enquanto realidade técnico-jurídica, podem ser

lesadas na sua boa imagem, no seu crédito comercial, reclamado como prestígio da

sua actuação negocial perante o mercado dos seus clientes, na aquisição dos seus

produtos ou na prestação dos seus serviços, o que leva a estabelecer a ligação de uma

tal realidade com os danos de natureza patrimonial, a indemnizar, porquanto “toda a

ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial,

revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a

partir da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má

imagem que se propaga.”. Por esse modo, a ofensa do bom nome, reputação e

imagem comercial de uma sociedade comercial apenas pode produzir um dano

patrimonial indirecto reflectido na diminuição da potencialidade de lucro, não sendo,

por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais.

Assim, nestes termos, se o factorizado praticar factos ilícitos, tanto perante um

factor (como se mencionou), ou perante o devedor, por se verificar que lesou direitos

absolutos ou perante terceiros alheios à relação jurídica, podem os lesados sempre,

ao abrigo do art.º 483.º do CC., demandar o responsável, atendendo ao nexo de

causalidade da sua conduta culposa e ao resultado ilícito perpetrado na esfera jurídica

de quem outrora viu o seu bem jurídico a ser violado.

124

Como veremos em 1.3. 125

Cfr. Ac. TRC, datado em 24-02-2015, Proc. N.º 7825/08.7TBOER.C2, Rel. Fontes Ramos,

disponível em www.dgsi.pt.

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1.3. A Responsabilidade do devedor

Concluindo o ciclo de eventuais responsabilidades entre os principais

intervenientes na relação jurídica do contrato de factoring, resta-nos debruçarmo-nos sobre

a responsabilidade do devedor. Embora seja um “estranho àquela relação contratual”, não

podendo responder pelo contrato firmado entre o factor e o factorizado, não deixa de ser

um interveniente que poderá conformar também a mesma, uma vez que é ele quem irá

pagar liberatoriamente ao factor o crédito transmitido, com base no contrato celebrado

entre ele e o factorizado.

Desta feita, importa analisar os casos em que, nos termos do art.º 583.º, n.º 2 e

584.º do CC, o devedor ao tomar conhecimento (ou aceitar) da cessão de créditos, decide

ignorá-la, efectuando o pagamento, por má-fé, ao factorizado; ou, por outro lado, realiza o

pagamento de forma defeituosa ou entra em mora; os casos em que ocorre uma cedência

fraudulenta de créditos inexistentes onde o devedor entrou em conluio (simulação) com o

factorizado; e, por fim, os casos em que o devedor entra em insolvência.

Atinente à matéria referente ao pagamento liberatório do crédito cedido, importa

discernir se se está perante um contrato de factoring com recurso ou sem recurso, visto que

no primeiro o factor não assume o risco, enquanto no segundo o factor assume o risco do

não pagamento do crédito cedido.

No factoring sem recurso, o factor, pelo não pagamento devido (por incorrer em

mora ou cumprimento defeituoso, ou até mesmo por incumprimento definitivo) do

devedor, poderá sempre dispor dos meios de defesa126

que dispunha contra o factorizado.

O que é claramente percebido dada a veste de credor de pleno direito que este assume,

podendo por isso gerar sobre o devedor a obrigação de indemnizar pela falta de

cumprimento, nos termos dos arts.º 789.º do CC.

No entanto, quando falamos num contrato de factoring com recurso, a situação já

não sucederá da mesma forma, atendendo ao facto de que aqui o factor não assume o risco,

e em caso de não pagamento do devedor, poderá sempre o primeiro interpelar o factorizado

para repor as quantias antecipadas, quando tiver ocorrido lugar a estas, mediante a entrega

dos créditos cedidos (pela via do art.º 562.º, da reposição natural, ao abrigo também do

art.º 587.º do CC). Porém, a questão que tem vindo a suscitar algumas dúvidas cinge-se se

é admissível (ou não), concomitantemente a esta opção, o factor vir também a exigir

responsabilidades ao devedor.

Ora, neste tipo de contrato o que realmente existe, em abono do factor, são dois

direitos diversos que o mesmo poderá recorrer quanto ao incumprimento: um direito de

crédito sobre o devedor; e outro direito de regresso sobre o factorizado. Por isto, se o

factor decidir optar por exigir o cumprimento ao devedor – por ter entrado em mora127

ou

cumprir parcialmente/defeituosamente, ou até mesmo incumprir definitivamente –, pode

ser ressarcido no respectivo montante acrescido dos juros moratórios, ao abrigo do art.º

804.º do CC. Situação diversa, será se o factor decidir ressarcir-se perante o factorizado,

situação que já mencionamos em 1.2., e que, para todos os efeitos, atendendo à relação de

subsidiariedade, o “exercício com sucesso de um dos direitos terá de implicar,

necessariamente, a extinção do outro (…)”128

.

126

Como s acção de cumprimento ou da execução específica nos casos em que seja admissível. 127

Cfr. VARELA, A. “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, op. Cit., pp. 113 a 126. 128

Vide VALENTE, MIGUEL, op. Cit., pp.56 e ss.

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Perante a questão do pagamento liberatório, pode ainda o devedor de má-fé, que

teve conhecimento ou aceitou a cessão do crédito, nos termos do art.º 583.º, n.º 2 do CC,

ao decidir ignorar tais factos, efectuar o pagamento ao factorizado.

Nestes casos, o legislador acautelou os direitos e interesses do factor que age de

boa-fé, mediante prova do conhecimento do devedor da existência da devida transmissão

de créditos. Para isso consagrou no art.º 770.º do CC, que tal pagamento não será

liberatório ou extintivo da obrigação129

, tendo, para isso, o devedor de efectuar novo

pagamento ao verdadeiro credor. Além do mais, é patente nos termos do art.º 476.º do CC,

que existe a possibilidade do direito de repetição do indevido.

Todavia, nestas circunstâncias e havendo um contrato de factoring com recurso,

embora se possa colocar a questão de se perante o accionamento deste direito poderá ainda

vir o factor a demandar o factorizado pelo incumprimento do devedor. A resposta quanto a

esta questão, a nosso entender, fica aclarada quando mencionamos que tais direitos são

subsidiários entre si, e se há o recurso a um, então o outro terá necessariamente que se

extinguir, como mencionamos anteriormente, sob pena de se estar perante os casos

abordados em 1.1, do presente Capítulo130

.

A questão do conceito do conhecimento pelo devedor tem colocado à tona vários

entendimentos. Num extremo surge a doutrina maioritária, designadamente VAZ SERRA,

que entende que tenha de ser um conhecimento efectivo131

. Num outro extremo emerge a

doutrina sufragada por ASSUNÇÃO CRISTAS132

que sustenta, contrariamente, que basta

a ignorância censurável pelo devedor dessa cessão, ou seja a verificação de uma

configuração ética subjectiva da boa-fé.

Nesta linha de pensamento, a Autora prevê que, se se verificarem duas cessões,

onde o devedor tenha apenas conhecimento da primeira cessão, e ainda assim pagar ao

segundo adquirente, paga mal, não extinguindo a obrigação. Pois, para ser liberatório, o

pagamento terá de ser efectuado por um devedor que age sobre a égide da boa-fé

subjectiva ética133

. Num outro prisma maioritário, subsiste a acepção de que o pagamento

será liberatório, desde que o devedor, com ou sem culpa, desconheça da cessão (havendo

até presunção de ignorância da transmissão em abono do devedor nestes termos)134

.

Face ao exposto, conforme provou MENEZES LEITÃO em relação à Autora

supracitada, para se perfilhar de tal posição – pela qual o devedor tendo conhecimento da

primeira cessão, e notificado só pela segunda, não deverá de pagar a este último –, ter-se-ia

que fazer uma interpretação abrogante do art.º 584.º do CC. Enquanto, pelo contrário,

ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA sufragam pela posição de interpretação rígida

129

Tal como decidiu o Ac. TRE, datado em 19-11-2015, Proc. N.º 687/12.1TBABF-F.E1, Rel.

Sílvio Sousa, disponível em www.dgsi.pt. 130

Todavia, se o factor estipular uma cláusula de representação ou de cobrança a favor do

factorizado, mesmo após a notificação do devedor, deverá mobilizar-se o art.º 769.º do CC. Pelo que o factor

ao investir poderes de representação e de cobrança no factorizado, mesmo que a prestação do devedor seja

feita a este último, deve o mesmo transmitir as devidas quantias ao factor, sob pena de poder lançar mão do

mecanismo previsto no art.º 1161.º, al. e) do CC, condenando o factorizado a pagar o montante devido, ver

CUNHA, CAROLINA, “Contrato de Factoring”, op. Cit., pp. 40 a 51. 131

SERRA, VAZ. “Cessão de créditos ou de Outros Direitos”, in Boletim do Ministério da Justiça,

nº especial, 1955, p. 261. 132

“Dupla Venda”, op. Cit., pp.233 e ss. 133

Esta doutrina parte de uma premissa da doutrina italiana, onde há um duplo ónus a cargo do

devedor. Contudo, estes ónus não existem no direito português. Ver, por todos, GERI, BIGLIAZZI.

“Osservazioni in tema di buona fede e diligenza nel pagamento al creditore aparente (com particolare

riferimento alla cessione dei crediti)”, RTDPC, n.º XXII, 1968, pp. 1314 e ss. 134

VARELA, ANTUNES. “Das Obrigações”, Vol. II, op. Cit., p. 320.

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do respectivo artigo – ocorrendo duas cessões, e havendo notificação apenas de uma,

deverá prevalecer apenas aquela que tiver sido efectivamente notificada.

Assim, na posição de MENEZES LEITÃO, ambos os artigos 584.º e o art.º 583.º,

n.º 2 do CC, são compatíveis entre si. Ou seja, se ocorrer uma dupla alienação do mesmo

crédito, tendo o devedor conhecimento positivo desta situação, se pagar ao factorizado,

pagará mal, porque sempre poderá o factorizado lançar mão do mecanismo da exceptio

doli, consagrado no art.º 583.º, n.º 2 do CC. O factor ao fazer isto, como sustenta o Autor,

também poderia lançar mão deste mecanismo em face ao segundo adquirente que sabia não

ser titular do crédito, sem que a segurança e certeza jurídicas fiquem prejudicadas.

Em suma, concluímos com o Autor que, no caso de dupla alienação do mesmo

crédito, a prioridade será atribuída com base no art.º 584.º do CC, em que a notificação que

tiver sido primeiramente efectuada ao devedor será a que prevalecerá. No entanto, se o

devedor tiver o conhecimento de quem é o verdadeiro titular desse crédito, mesmo

existindo notificação ou simples aceitação, poderá o factor recorrer à exceptio doli prevista

no art.º 583.º, n.º 2 do CC.

Atinente à responsabilidade do devedor, através do Acórdão do Tribunal de Milão

de 21-2-1975, importa ainda debruçarmo-nos sobre os casos em que existe uma cedência

(fraudulenta) de créditos inexistentes, em que o factorizado entra em conluio com o

devedor. O que poderá ocorrer através de simulações absolutas ou através da falsificação

de documentos e facturas.

Como entende LUÍS PESTANA VASCONCELOS, imperioso será apurar se o

devedor já teria mantido relações obrigacionais prévias com o factor. Na medida em que se

o devedor nunca manteve tais relações ou desconhecendo os factos, não será

responsabilizado.

Neste entendimento, proveniente das relações obrigacionais logradas no passado,

entre o devedor e o factor, através das várias cobranças efectuadas, estabelece-se uma

relação de confiança, que impõe deveres de protecção, lealdade e informação, decorrentes

do princípio da boa-fé, vigorando mesmo após o término da relação, como entende

MENEZES CORDEIRO e por força do art.º 762.º, n.º 2 do CC. O que, consequentemente,

ocorrendo a notificação do devedor de um crédito inexistente, impenderá sobre este um

dever de informação para com o factor, elucidando a inexistência do crédito135

.

Contudo, a solução já não será a mesma se, independentemente de existir qualquer

relação prévia com o factor, o devedor e o factorizado entrarem em conluio com o escopo

de ludibriar o factor. Estes casos podem ocorrer por simulação, dado que pelo esquema

delineado entre ambos, o factorizado ao contratar com o factor, e este antecipando fundos.

Se o primeiro, posteriormente, recorrer ao devedor que, por mútuo acordo, decidam

revogar tais créditos que serviam de base ao crédito transmitido, prejudicando o factor.

Deste modo, estes acordos ao se traduzirem em declarações negociais ficam sujeitas ao

regime dos negócios jurídicos, pelo que devem ser declaradas nulas, por se estar perante

um negócio nulo nos termos do art.º 240.º do CC, sendo por isso esse negócio inoponível

ao factor. A protecção do factor (sendo também um interessado), nestes casos, na esteira

de ORLANDO CARVALHO e a nosso entender136

, deve ser tutelada perante os

135

Vide CARVALHO, SÓNIA. “O Contrato de Factoring”, op. Cit., pp. 299 e ss. 136

Contrariamente a este entendimento veja-se obra da Autora referida em nota 160, op. Cit., pp.

300 e ss.

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Dissertação de Mestrado

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simuladores como perante qualquer interessado, por força do art.º 243.º, n.º 2 do CC e do

art.º 286.º do CC, sem prejuízo de também poder ser invocada ex officio.

Além disso, o factorizado ao se vincular perante o factor, deve garantir a

existência do crédito, à luz do art.º 587.º do CC, pelo que, ainda que subsidiariamente,

sempre se poderia recorrer ao instituto do abuso de direito, na sua vertente de venire contra

factum proprium, nos termos do art.º 344.º do CC, perante estas declarações revogatórias e

o que ficou anteriormente acordado137

.

Por sua vez, nos termos do Ac. STJ datado em 09-07-1998, existindo uma relação

de conluio entre o factorizado e o devedor, em que pela astúcia de um se consiga realizar

documentos e facturas falsas, pode o factor vir a responsabilizar (criminalmente e ainda)

civilmente e solidariamente, por factos ilícitos, o devedor que nada fizer ou omitir tais

factos, por conhecer da efectiva inexistência dos créditos que servem de base ao negócio, e

que pelo esquema gizado venha a arrecadar para si quantias (ilícitas) acordadas com o

factorizado, ao abrigo do art.º 483.º e ss., do CC.

Por fim, salvaguardando todos os casos que possam vir accionar a

responsabilidade do devedor perante um contrato de factoring, se o devedor se declarar

insolvente coloca-se a questão de se saber se poderá, e em que termos, vir a ser

responsabilizado. Importa fazer aqui a dicotomia dos casos do factoring sem recurso dos

com recurso. Pois, se se estiver perante um contrato de factoring sem recurso, o factor só

poderá reagir contra o devedor, accionando todos os meios que o factorizado já dispunha

contra este último, uma vez que o factor assume o risco de incumprimento do devedor. A

solução já será outra nas situações de factoring com recurso, tendo presente que o factor

dispõe dos dois direitos subsidiários e mencionados anteriormente, ainda que venha a

responsabilizar ambos solidariamente, só poderá ser ressarcido por uma das vias, sob pena

de vir a receber a mesma prestação de ambos.

Assim, tanto no factoring sem recurso como no factoring com recurso em que o

factor venha a responsabilizar o devedor insolvente, deve de lhe ser conferidos todos os

direitos que são atribuídos pela ordem jurídico a qualquer originário credor das respectivas

prestações, tais como: reclamação de créditos sobre a insolvência (artigo 36.º, n.º 1, al. j) e

128.º, n.º 1 do CIRE); fazer parte da assembleia de credores ou de aprovar um plano de

insolvência, e dos demais direitos conferidos pelo CIRE138

137

Ou, por outro lado, essa declaração negocial seja entendida como um negócio jurídico contrário

à ordem pública ou ofensivo aos bons costumes, nos termos dos arts.º 280.º e 281.º do CC. 138

Cfr. VALENTE, MIGUEL. “Contrato de Factoring”, op. Cit., p. 59.

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Dissertação de Mestrado

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3. CONCLUSÃO

No presente labor, brevitatis causa, propusemo-nos a abordar um conjunto de

questões nucleares do contrato de factoring, das quais têm vindo a causar polémica

doutrinária e jurisprudencial, nomeadamente quanto à noção do contrato sub judice e

terminologia dos seus sujeitos. A causar maior impacto, foi a temática da responsabilidade

dos intervenientes pelo incumprimento ou por factos ilícitos, que achamos serem razões

pertinentes e merecedoras de uma análise contributiva, ainda que ínfima, destas temáticas

em face do que já vem a ser entendido por vários Ilustres Autores.

Atinente a estas questões entendeu-se que o legislador português com o escopo de

regulamentar esta figura jurídica, numa primeira fase, veio por necessidade a fazê-lo de

maneira apressada e pouco concisa, pois só se importou em curar acerca das instituições

que se dedicavam a este dinamismo, não se focando na actividade propriamente dita.

Porém, com os avanços que foram emergindo pela praxis negocial, o legislador deu mais

concretude a esta situação, nomeadamente com a vigência do RGICSF e do DL n.º 171/95,

de 18 de Julho, de 1995, o qual revogou o anterior diploma que regulamentava o factoring.

Com esta nova e articulada regulamentação, entendemos que o legislador pretendeu apenas

atribuir linhas orientadores para definir o que é o contrato de factoring em si (ou

propriamente dito), como é nos dado pelo prius metodológico da articulação do seu art.º 2.º

e 7.º, sem prejuízo dos seus demais artigos e modalidades que esta figura possa revestir,

também com base no princípio da liberdade contratual.

Mormente, à luz dessa regulamentação, ficou entendido que é hora de proceder,

mutatis mutandis, a uma alteração do teor patente no seu art.º 2.º, com base na noção

avançada pela teoria de PINTO MONTEIRO e CAROLINA CUNHA, de maneira a

respeitar a uniformização e harmonia legislativa a nível internacional, mas também por

cumprir toda a essência que descreve e caracteriza o factoring propriamente dito. Ou seja,

actualmente já se reúnem condições favoráveis para classificar e se proceder a uma

adequada tipificação legal desta conjuntura jurídica ainda que numa vertente “aberta”,

ofertada pela sua ampla hospitalidade para no contrato-base (o contrato de factoring

propriamente dito) se permitir estipular e regular o conteúdo dos negócios secundários e

sucessivos, importantes para a execução do contrato aqui em causa.

De facto, como se apurou, tal como em diversos ordenamentos jurídicos se fez, é

possível depreender que já se reúnem as condições minimamente suficientes para se tentar

assumir uma tomada de posição diferente da actual quanto às terminologias utilizadas

quanto ao contrato de Factoring (ou contrato de “factorização”) e quanto à designação da

contraparte do factor, que poderá ser tida como “entidade factorizada” ou “factorizado”,

como já é (ainda que inconscientemente) admitido socialmente entre nós.

Por fim, analisou-se e apurou-se a realidade das situações geradoras de uma

obrigação de indemnizar pelos danos causados ou o direito de resolução do contrato,

acoplado com a indemnização do interesse contratual negativo. Isto porque, na dinâmica

desta relação complexa onde as personagens principais e secundárias interagem, existem

sempre vicissitudes que podem sempre conformar estas relações jurídicas. Não obstante

esses casos, viu-se que sendo um contrato duradouro, o contrato de factoring tem um

início, um meio e um fim. Cronologia que, pela sua fase pré-negocial ou inicial, podem

também os seus intervenientes serem responsabilizados, à luz dos deveres de conduta que

ambos devem diligentemente atender, por força dos deveres de lealdade ou correcção; os

deveres de informação ou de notificação; o dever de protecção; e o dever de cooperação.

Sem embargo de o contrato de factoring produzir efeitos no momento após a sua efectiva

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Dissertação de Mestrado

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solenidade, existem já condutas que pela sua consolidação originam uma relação jurídica

pré-negocial, o que a ocorrer alguma eventual violação por parte dos seus intervenientes,

poderá gerar responsabilidade pré-contratual. O mesmo se aplicará, como se mencionou,

nos casos após o término da relação jurídica, onde podem responder pelo instituto da

responsabilidade pós-contratual nos mesmos termos.

Além disso, delineado o seu perímetro e âmbito de aplicação contratual, por um

lado, o factor pode responder pela gestão, administração e o sucesso das cobranças dos

créditos transmitidos. Ou ainda por todos os deveres inerentes de conteúdo positivo e

negativo (designadamente, os deveres de informação e deveres de não colocar obstáculos

ao poder de controlo da sua contraparte). Isto é, poderá responder contratualmente quando

viole o princípio da boa-fé, princípio basilar no cosmos contratual, mas também quando

ocorra a impossibilidade de cumprir com as suas obrigações. Por outro lado, poderá o

factorizado responder se incumprir uma prestação em sentido positivo, de facere (seja

através da violação do princípio da globalidade; ou da violação da obrigação de manter o

saldo positivo na sua conta-corrente, das comissões e juros que devem de ser pagos ao

factor; a obrigação de garantia da existência do crédito, que se reflecte também na entrega

de todos os documentos e meios probatórios, assim como na transmissão de todas as

garantias e outros acessórios), e ainda poderá responder se violar deveres de prestação em

sentido negativo, de non facere (seja por uma eventual violação de uma cláusula de

exclusividade; ou se ambos estabelecerem entre si um pactum de non cedendo ou cláusula

de incedibilidade). Aliás, quanto ao objecto contratual (o crédito), o mesmo não poderá ser

um direito litigioso, nem inexistente (especialmente se inicialmente se tiver sido celebrado

um contrato sobre bens futuros), sob pena de responder o factorizado perante o factor (e

demais interessados) que seja(m) prejudicado(s) por tais comportamentos. Necessário,

neste labor, foi a análise feita sobre os casos de responsabilidade por dupla alienação do

mesmo crédito ou de abuso de direito, visto que na relação jurídica verificada entre o

factor/factorizado, predominam princípios da boa-fé em virtude da confiança instaurada

entre ambos o contraentes que se poderá (e vai) repercutir na esfera jurídica de uma outra

relação entre factor/devedor e factorizado/devedor. Pois, o factor poderá sempre demandar

o devedor pelo seu não cumprimento (seja por cumprimento parcial/defeituoso, entrar em

insolvência, pela mora ou incumprir definitivamente), já que dispõe de todos os meios que

o factorizado dispunha sobre ele. Ou, caso contrário, poderá o factor (no factoring com

recurso) vir a reagir perante o factorizado por este não cumprimento do devedor,

relembrando que não poderá obter a mesma prestação de ambos. Noutro prisma, não tendo

sido notificado ou desconhecendo a transmissão, pode o devedor opor determinados meios

de defesa, que já dispunha em face do factorizado, contra o factor.

Aliás, o devedor ao entrar em conluio com o factorizado poderá também

responder civil e solidariamente perante o factor, por factos dolosos, dos quais

pressuponham ludibriar este último para benefício comum. Sem descurar que pela lesão de

direitos absolutos ficarão sempre sujeitos à responsabilidade extracontratual.

Assim, todos os seus intervenientes têm o poder de conformar esta relação

jurídica complexa, que através das suas condutas podem fortalecer e vir a dar ainda mais

voz a esta ferramenta no giro comercial. Por este modo, à luz da legislação portuguesa,

deve este contrato de factoring ser tido como um mecanismo de financiamento disponível

a todos, mas, no entanto, os manifestos abusos ou desproporcionalidades que poderão

colocar em causa o normal cumprimento do mesmo, o que sempre se imporá

responsabilizar todos aqueles que, por condutas dolosas, pretendam prejudicar quem de

boa-fé os venha a utilizar.

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Dissertação de Mestrado

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