The emergency of International Law Environmental Deise ...

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241 Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 3, n. 1, 2013 (p. 241-260) * Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Linha de Pesquisa: Direito Ambiental, Trabalho e Desenvolvimento. Bolsista da UCS. Advogada. A emergência do Direito Ambiental Internacional 10 • Artigo The emergency of International Law Environmental Resumo: Os danos ambientais não estão mais restritos ao território dos Estados em que foram gerados. O Direito Ambiental Internacional emergiu lentamente, acompanhando a nova consciência ambiental. Não existe um marco histórico do surgimento desse ramo do direito, mas a Conferência de Estocolmo de 1972 e a Conferência do Rio de Janeiro de 1992 são consideradas fundamentais para a formação de um regramento internacional sobre o meio ambiente. A autonomia, a multidimensionalidade e a presença de soft norms caracterizam o Direito Ambiental Internacional. O regramento internacional ambiental segue princípios gerais próprios, e o descumprimento das normas ambientais internacionais autoriza a ingerência ecológica. Palavras-chave: Direito Ambiental Internacional. Dano ambiental transfronteiriço. Princípios. Ingerência. Abstract: Environmental damage is no longer restricted to the territory of States that were generated. The International Environmental Law emerged slowly, following the new environmental awareness. There is a milestone in the emergence of this branch of law, but the 1972 Stockholm Conference and the Conference of Rio de Janeiro in 1992 are considered essential to the formation of an international regramento on the environment. Autonomy, the multidimensionality and the presence of soft norms characterizing the International Environmental Law. The international environmental regramento following general principles themselves. Failure to comply with international environmental standards authorizing the ecological interference. Keywords: International Environmental Law. Transboundary environmental damage. Principles. Interference. Deise Salton Brancher *

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241Revista Direito Ambiental e sociedade, v. 3, n. 1, 2013 (p. 241-260)

* Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Linha de Pesquisa:Direito Ambiental, Trabalho e Desenvolvimento. Bolsista da UCS. Advogada.

A emergência do DireitoAmbiental Internacional

10 • Artigo

The emergency of International Law Environmental

Resumo: Os danos ambientais não estão mais restritos ao território dos Estadosem que foram gerados. O Direito Ambiental Internacional emergiu lentamente,acompanhando a nova consciência ambiental. Não existe um marco históricodo surgimento desse ramo do direito, mas a Conferência de Estocolmo de 1972e a Conferência do Rio de Janeiro de 1992 são consideradas fundamentaispara a formação de um regramento internacional sobre o meio ambiente. Aautonomia, a multidimensionalidade e a presença de soft norms caracterizam oDireito Ambiental Internacional. O regramento internacional ambiental segueprincípios gerais próprios, e o descumprimento das normas ambientaisinternacionais autoriza a ingerência ecológica.Palavras-chave: Direito Ambiental Internacional. Dano ambientaltransfronteiriço. Princípios. Ingerência.

Abstract: Environmental damage is no longer restricted to the territory ofStates that were generated. The International Environmental Law emergedslowly, following the new environmental awareness. There is a milestone in theemergence of this branch of law, but the 1972 Stockholm Conference and theConference of Rio de Janeiro in 1992 are considered essential to the formationof an international regramento on the environment. Autonomy, themultidimensionality and the presence of soft norms characterizing theInternational Environmental Law. The international environmental regramentofollowing general principles themselves. Failure to comply with internationalenvironmental standards authorizing the ecological interference.Keywords: International Environmental Law. Transboundary environmentaldamage. Principles. Interference.

Deise Salton Brancher*

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IntroduçãoPor muitos séculos a humanidade compreendeu o meio ambiente como

uma fonte inesgotável de recursos naturais, deixando bastante evidentesua concepção antropocêntrica ao se apropriar indiscriminadamente dessasriquezas para satisfazer as necessidades e os interesses apresentados pelasociedade.

O emprego irracional e desordenado dos recursos naturais provocougraves desequilíbrios ecológicos e comprovou a possibilidade deesgotamento. A ocorrência de tragédias ambientais, inicialmente limitadasno espaço geográfico, exigiu dos governos locais o estabelecimento denormas voltadas à preservação ambiental.

Contudo, principalmente a partir do século passado, os desastresambientais atingiram proporções globais, ultrapassando fronteiras,ameaçando a continuidade da vida no Planeta e gerando conflitos nacomunidade internacional, especialmente divergências de ordem econômica,a exemplo do incidente conhecido como Trail Smelter Case,1 em que asemissões tóxicas geradas por uma fábrica instalada no Canadá afetavamos habitantes de cidade vizinha norte-americana.

O aumento e a magnitude dos desastres ambientais despertaram aopinião da comunidade internacional, que passou a reconhecer a necessidadede uma regulamentação preventiva, punitiva e protetiva do meio ambiente,no âmbito internacional, que contasse com a participação de todas asnações, oportunizando a formação de um Direito Ambiental Internacional.

Assim, o presente artigo tem por objetivo analisar a emergência doDireito Ambiental no âmbito internacional, seus aspectos históricos eelementos característicos, assim como os princípios que norteiam essenovo ramo do Direito e o confronto existente entre a ingerência ecológicae o exercício da soberania.

1 CEZARIO, Leandro Fasolo. O Caso da Fundição Trail (Trail Smelter Case), Estados Unidos versusCanadá: características transfronteiriças dos danos ao meio ambiente e a responsabilidadeinternacional do Estado por danos ambientais. Disponível em: <hhttp://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-ambiental/164152>. Acesso em: 12 set. 2010.

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A emergência do Direito Ambiental no âmbito internacionalA apropriação dos recursos naturais pode gerar danos ambientais de

grande amplitude, que desrespeitam fronteiras geográficas, políticas ejurídicas, como ocorre com as chuvas ácidas, o desaparecimento de espéciesanimais e vegetais, a diminuição da camada de ozônio, a escassez de águapotável, etc.

As grandes catástrofes ambientais presenciadas nos últimos temposcomprovam que a intervenção desmedida do homem na natureza temcomo consequência a ocorrência de danos ambientais que ultrapassam asdemarcações territoriais. Carrera e Séguin assim comentam sobre os efeitostransfronteiriços da degradação ambiental:

Não há fronteiras para os efeitos de uma atividade impactante. OPlaneta é um sistema fechado, assim, o que se faz num paísrepercute no outro. Polui-se aqui, chove ácido ali. Todos estamosdireta e indiretamente ligados, como em uma teia de aranha, ondeo toque de um ponto é sentido em qualquer parte da teia.2

Desse modo, os efeitos globais na degradação ambiental exigiramuma regulamentação jurídica de abrangência igualmente global, exigindo aformação de um Direito Ambiental Internacional, assim compreendido porGuerra:

O Direito Ambiental Internacional pode ser traduzido em umconjunto de normas que criam direitos e deveres para os váriosatores internacionais (não apenas para os Estados), numaperspectiva ambiental, atribuindo igualmente responsabilidadese papéis que devem ser observados por todos no planointernacional, visando à melhoria da qualidade de vida para aspresentes e futuras gerações.3

2 CARRERA, Francisco; SÉGUIN, Elida. Planeta Terra: uma abordagem de Direito Ambiental. 2 ed.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 49.

3 GUERRA, Sidney. Globalização na Sociedade de Risco e o Princípio da Não-Indiferença em MatériaAmbiental. In: ______ (Org.). Globalização: desafios e implicações para o Direito Internacionalcontemporâneo. Ijuí, RS: Ed. da Unijuí, 2006. p. 441.

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Contudo, a inserção das questões ambientais nas pautas da comunidadeinternacional, e mais ainda a formalização de normas jurídicas dotadas deeficácia, ocorreram de forma lenta, determinada pela gradualconscientização de indivíduos e governos acerca da efetiva possibilidadede concretização dos riscos decorrentes das atividades humanas sobre omeio ambiente, conforme assinala Oliveira:

Após uma tomada de consciência acerca dos riscos que ocrescimento demográfico sem controle, o aumento do consumode energia e os danos ecológicos poderiam causar para oequilíbrio natural da Terra, a comunidade internacional percebeuque o meio ambiente requer uma regulamentação na qual estejapresente [sic] a participação e cooperação de todos os Estados.4

A afirmação da ciência da ecologia igualmente desencadeou oacirramento dos debates, uma vez que, favorecida pelos desenvolvimentoscientífico e tecnológico, ofereceu conhecimentos técnicos para acompreensão da relação existente entre os seres e o meio em que vivem,assim como para fundamentar as várias suspeitas de eminentes desastresambientais de grandes proporções.

E considerando que a mudança da consciência ambiental internacionalocorreu de forma gradual, assim como não contou com a imediataparticipação de todas as nações, inexiste, no Direito Internacional, ummarco oficial da regulamentação de direitos e deveres do meio ambiente.

Não obstante, a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, e aConferência do Rio de Janeiro, ocorrida em 1992, que serão abordadaspormenorizadamente no presente estudo, são consideradas eventosdeterminantes para a celebração de importantes atos internacionaismultilaterais e para o desenvolvimento do Direito Ambiental na searainternacional.

4 OLIVEIRA, Rafael Santos de. Direito Ambiental Internacional: o papel da soft low em suaefetivação. Ijuí: Uniijuí, 2007. p. 104.

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A Conferência de Estocolmo de 1972Atendendo à recomendação do Conselho Econômico e Social e as

reivindicações dos movimentos ambientalistas liderados pelos paísesdesenvolvidos, e considerando os desastres ambientais de grandesproporções que vinham ocorrendo, a Assembleia Geral da Organizaçãodas Nações Unidas aprovou em 1968 a convocação de uma conferênciainternacional para tratar do meio ambiente humano.

Em 1972, foi realizada a Conferência de Estocolmo sobre o MeioAmbiente, cujo evento culminou na aprovação de três importantesdocumentos: a Declaração de Estocolmo, o Plano de Ação para o MeioAmbiente e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

A Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, segundoViana, “foi o primeiro grande passo dado, em âmbito internacional, para atutela jurídica do meio ambiente, tendo a importância equivalente àDeclaração dos Direitos do Homem”.5 Entre os 26 princípios da declaração,é possível reconhecer a preocupação com temas, como: poluição, políticasambientais, educação ambiental, cooperação entre os Estados,responsabilidade, crescimento demográfico, bem como o direito à vidadigna.

O Plano de Ação para o Meio Ambiente continha recomendaçõesvoltadas ao desenvolvimento de políticas ambientais, divididas em trêsprincipais ramos de atuação, conforme assinala Soares:

2. um Plano de Ação para o Meio Ambiente, conjunto de 109recomendações, centrada em três grandes tipos de políticas: (a)as relativas às avaliação do meio ambiente mundial, o denominado“Plano Vigia” (Earthwatch); (b) as de gestão do meio ambiente; e(c) as relacionadas às medidas de apoio (como a informação,educação e formação de especialistas);6

5 VIANA, Rui Geraldo Camargo. A política ambiental em nível internacional e sua influência noDireito pátrio. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; FONSECA, José Roberto Franco (Coord.). O DireitoInternacional do terceiro milênio: estudos em homenagem ao Professor Vicente Marotta Rangel..São Paulo: LTr, 1998. p. 920.

6 SOARES, Guido Fernando da Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergência,obrigações e responsabilidades. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 54.

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O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) foiinstituído para desenvolver programas de ação em nível internacional epara proteção do meio ambiente e tem como principais objetivos: “mantero estado do meio ambiente global sob contínuo monitoramento; alertarpovos e nações sobre problemas e ameaças ao meio ambiente e recomendarmedidas para aumentar a qualidade de vida da população sem comprometeros recursos e serviços ambientais das futuras gerações”.7

A Conferência de Estocolmo e os documentos aprovados na ocasiãorepresentam um grande marco na evolução do Direito AmbientalInternacional, impondo aos governos o enfrentamento de uma situaçãofática e jurídica extremamente delicada e em vias de exaurimento. Contudo,também revelaram um conflito diplomático que emergiu entre os paísesdesenvolvidos e os em desenvolvimento, no final dos anos de 1960, cujadissidência é assim explicada por Varella:

A pressão em favor dos limites ambientais pedidos aos países doSul era vista como um instrumento utilizado pelo Norte parabloquear o desenvolvimento econômico dos países emergentes;atitude esta refletida nos discursos dos diplomatas do Sul, quese opunham à questão ambiental e defendiam o mesmo direitode destruir a natureza que tinham usufruído os países do Nortedurante as épocas de maior desenvolvimento econômico. 8

Ainda assim, a Conferência de Estocolmo oportunizou a identificaçãoe a compreensão dos problemas ambientais, especialmente porque essesestão intimamente ligados a questões econômicas e políticas,9 assim comoiniciou uma mudança na consciência da comunidade mundial e possibilitoua celebração de inúmeros acordos e tratados internacionais de preservaçãoambiental, impulsionando o desenvolvimento do Direito AmbientalInternacional.

7 PROGRAMA das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/agencias_pnuma.php> Acesso em: 26 mar. 2010.

8 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: DelRey, 2003. p. 30.

9 OLIVEIRA, op. cit., p. 141.

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A conferência do Rio de Janeiro de 1992Nos 20 anos seguintes da Conferência de Estocolmo,

concomitantemente à celebração de inúmeros acordos internacionaismultilaterais de preservação ambiental e a intensa atuação de movimentosambientalistas, a humanidade verificou o crescimento econômico dos paísesdesenvolvidos, a emergência de alguns países em desenvolvimento, osavanços tecnológico e científico, mas igualmente presenciou miséria,desigualdades sociais, aumento da degradação dos recursos naturais ecatástrofes ambientais sem precedentes.

Em 1987, esse cenário mundial foi denunciado pelo RelatórioBrundtland, que identificou a poluição ambiental, a diminuição dos recursosnaturais e problemas de natureza social como as principais questõesambientais a serem enfrentadas por todas as nações e apontou odesenvolvimento sustentável como “a forma de desenvolvimento quesatisfaz às necessidades das gerações presentes sem comprometer acapacidade das gerações futuras de alcançar a satisfação de seus própriosinteresses”.10

Tendo como base o Relatório de Brundtland, no ano de 1992, ocorreua Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente eDesenvolvimento – ECO/92, no Rio de Janeiro. A escolha do Brasil comosede da segunda grande conferência sobre o meio ambiente foi especialmenteinfluenciada pela opção ambientalista da Constituição Federal de 1988,que elevou os direitos ambientais à condição de direitos fundamentais,conforme assinala Soares:

Com efeito, foram tais mandamentos constitucionais, quedeterminaram à política exterior brasileira reconduzir-se e fixar-se num rumo definido na sua opção ambientalista e, portanto,com base numa inequívoca política determinada pelo legisladorconstituinte, a opção diplomática pelo meio ambientetransformar-se-ia de uma política circunstancial ou episódica emuma preocupação constante e dominante nas relaçõesinternacionais do Brasil, uma vez que o meio ambiente se haviatransferido para a esfera constitucional, inserto, pois, dentro dasnormas fundamentais do Estado brasileiro.11

10 GUERRA, op. cit., p. 444-445.11 SOARES, op. cit., p. 88.

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O título da Conferência do Rio de Janeiro indica a nova diretriz que acomunidade internacional passaria adotar em termos de meio ambiente,estando agora voltada ao desenvolvimento sustentável, ou seja, a preservaro meio ambiente para as gerações presentes e futuras sem olvidar danecessidade de desenvolvimento socioeconômico para que os indivíduostenham suas necessidades básicas satisfeitas.

Na Conferência do Rio de Janeiro, foram produzidos cinco importantesinstrumentos diplomáticos: a Convenção da Diversidade Biológica; aConvenção sobre Mudanças Climáticas; a Agenda 21; a Declaração doRio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; e a Declaração de Princípiossobre as Florestas.

Segundo Wold, a Convenção da Diversidade Biológica e a Convençãosobre Mudanças Climáticas representam os resultados mais relevantes daECO/92 para o processo de formulação do Direito Internacional do MeioAmbiente, pois apresentaram uma abordagem holística de problemasambientais globais.12

A Agenda 21 propõe um programa de ação voltado ao desenvolvimentomundial, oferecendo linhas gerais às convenções-quadro. É consideradapor Varella o texto mais concreto, na medida em que prevê com precisãoas deficiências das instituições internacionais e nacionais e apresenta umtom de denunciação, prevendo prazos, recursos e estabelecendo osresponsáveis pelas ações.13

A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e aDeclaração de Princípios sobre as Florestas apresentam um conjunto deprincípios que reconhecem o meio ambiente como um direito intergeracionale propõem políticas ambientais de âmbito global para proteção dos recursosnaturais, aqui abrangidas a cultura e a identidade dos povos.

Assim, a Conferência do Rio de Janeiro, marcada por um discursopautado pelo desenvolvimento sustentável e a intergeracionalidade do direitoao meio ambiente equilibrado, aflorou a consciência de que o meio ambienteé um valor global e que extrapola as fronteiras políticas e jurídicas dosEstados, inaugurando um novo capítulo no Direito Internacional, o DireitoInternacional do Meio Ambiente.

12 WOLD, Chris. Emergência de um conjunto de princípios destinados à proteção internacional domeio ambiente. In: ______. Princípios de Direito Ambiental: na dimensão internacional ecomparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 8.

13 VARELLA, op. cit., p. 65.

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As características do Direito Ambiental InternacionalO Direito Ambiental Internacional emergiu lentamente a partir da

conscientização da comunidade global acerca da importância da preservaçãodo meio ambiente, cujo processo iniciou nos países desenvolvidos, tendose consolidado como ramo do Direito a partir da Conferência de Estocolmoe da Conferência do Rio de Janeiro.

Portanto, a formação do Direito Ambiental Internacional ocorreu deforma desordenada e heterogênea, sem que haja um marco determinado eespecialmente marcada por conflitos de interesses econômicos entre paísesdesenvolvidos e países em desenvolvimento, conforme assinala Varella:

O direito ambiental internacional nasceu de forma particularmentecomplexa, oriundo de um processo desordenado que tem origemem diferentes fontes, com normas de valores distintos, esuperposição de regras tratando do mesmo tema, para as quaiscada Estado vota a favor ou contra, inspirando-se em lógicasdiferentes. No entanto, este direito constrói-se sem qualquercoordenação, no âmbito internacional.14

No entanto, ainda que sua gênese seja marcada pela complexidade epela desordem, o Direito Ambiental Internacional é identificado por suaautonomia, pois apresenta evolução diferenciada no tempo e no espaço,finalidade específica de tutelar o meio ambiente em sua dimensão global,objeto próprio, meios regulatórios e produção normativa peculiares.15

O Direito Ambiental Internacional também é multidimensional, tendovista sua necessária interação com outros ramos do Direito, a exemplo doDireito Constitucional, uma vez que o Direito Ambiental é inegavelmenteum direito fundamental, assim como com outras áreas do conhecimento,conforme assinala Oliveira:

A abordagem das questões relativas à proteção ao meio ambienteexige uma análise em conjunto com as demais áreas doconhecimento, pois lida com valores e interesses que sãoatingidos pelas medidas tomadas para o alcance de seus objetivos.Uma das faces desse direito está intimamente ligada à própria

14 VARELLA, op. cit., p. 21-22.

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evolução da ciência e tecnologia, tendo em vista que são osavanços nessas áreas que ora servem como instrumentos deproteção, ora atuam como causadores de dano ambiental.16

Outra importante característica distintiva do Direito AmbientalInternacional é a presença de normas desprovidas de obrigatoriedade, namedida em que, embora se manifeste como um direito positivado emtratados e acordos entre as nações, normas cogentes convivem com normasdesprovidas de coercitividade.

Varella leciona que a acumulação de normas cogentes e soft norms éuma das principais características do Direito Ambiental Internacional, eque o nível de obrigatoriedade e eficácia dessas normas é determinadopelo comportamento dos Estados contratantes, o que acaba por gerarincerteza e insegurança jurídica.17

A flexibilidade de grande parte das normas jurídicas internacionaisreferentes ao meio ambiente se reflete não apenas na sua normatividade,mas igualmente na sua aplicabilidade, conforme explica Oliveira:

Ou seja, a sua flexibilidade e a sua evolutividade manifestam-sepor meio dos instrumentos empregados, bem como peloconteúdo das disposições adotadas. Quanto aos instrumentos,seu caráter soft é revelado pela ausência de força jurídicavinculante expressa em diversos tipos de mecanismos, dentreeles: resoluções, declarações, programas, códigos de conduta,atos finais de conferências internacionais. Quanto ao seuconteúdo, o mesmo pode ser manifestado em normas em“gestação”, ou seja, ainda não totalmente consolidadas ouacabadas.18

Nesse sentido, o Direito Ambiental Internacional, que emergiu de mododesordenado e complexo, acabou por se consolidar como um ramoautônomo e multidimensional, que encontra agora o desafio de atribuir àssuas normas a necessária obrigatoriedade, a fim de que alcance a almejadaeficácia.

15 OLIVEIRA, op. cit., p. 113-114.16 Ibidem, p. 123.17 VARELLA, op. cit., p. 24.18 OLIVEIRA, op. cit., p. 130.

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Os princípios norteadores do Direito Ambiental InternacionalAssim como todos os ramos de um sistema jurídico, o Direito

Ambiental Internacional é norteado por princípios gerais que funcionamcomo valores fundamentais para a estruturação das normas jurídicas, bemcomo a aplicação dessas ao caso concreto. Sobre a importância dosprincípios para a afirmação do Direito Ambiental Internacional, Wold afirmaque,

no plano internacional, tais princípios não são, tecnicamente,considerados obrigatórios, não obstante, por influenciarem aestruturação do direito ambiental interno e por seremefetivamente empregados pelos formuladores da políticaambiental internacional, eles possuem uma importância ímparpara a proteção do meio ambiente em âmbito local einternacional.19

Considerando que o Direito Ambiental Internacional éconcomitantemente autônomo e multidimensional, alguns de seus princípiostêm íntima relação com outros ramos do conhecimento, como a economia,por exemplo, enquanto outros são próprios das relações em nívelinternacional, conforme se observará a partir da análise de seus princípiosmais elementares.

O Princípio da Soberania Permanente sobre os Recursos Naturaissurgiu no final da década de 1950, quando os países em desenvolvimento,muitos deles recentemente descolonizados, buscavam instrumentos paraeliminar práticas muito comuns de apropriação de seus recursos naturaispelos países desenvolvidos e, posteriormente, pelas empresas estrangeiras.

Segundo esse princípio, que tem por base o direito à autodeterminaçãoe à independência econômica e está previsto no art. 2º da Declaração doRio, o Estado é soberano para explorar os seus recursos naturais em proldo desenvolvimento de seu povo. Contudo, a essencialidade dos recursosnaturais e as dimensões globais dos danos ambientais exigem a relativizaçãodessa soberania e sua compatibilização os demais princípios, como o daresponsabilidade20 e o do dever de não causar dano ambiental.

19 WOLD, op. cit., p. 6-7.20 GUERRA, op. cit., p. 448.

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O Princípio do Direito ao Desenvolvimento também surgiu no finalda década de 1950, associado ao processo de descolonização, porémemergiu no âmbito do Direito Econômico Internacional, quando os paísesem desenvolvimento repetiam o modelo de crescimento econômico dospaíses desenvolvidos.

Em decorrência do avanço das doutrinas neoliberais, o direito aodesenvolvimento recuou no Direito Econômico Internacional, mas avançouno Direito Ambiental Internacional, principalmente a partir dos anos 90,demonstrando a imprescindibilidade do desenvolvimento para que aspessoas vivam com qualidade, possibilitando a construção jurídica doconceito de desenvolvimento sustentável.21

Na lição de Wold, o direito ao desenvolvimento apresenta doiscomponentes elementares: o primeiro consiste na reafirmação da soberaniapermanente sobre os recursos naturais, e o segundo afirma que os indivíduostêm o direito fundamental de contribuir e participar dos desenvolvimentoscultural, político, econômico e social de sua nação, cujo direito deve serprotegido pelo Estado.22 Significa dizer que Estados e cidadãos têm odireito de serem economicamente independentes, podendo se utilizar dosrecursos naturais de forma sustentável para alcançar essa finalidade.

O Princípio da Responsabilidade Comum, mas Diferenciada, surgiude forma mais expressiva com os debates travados na Conferência do Riode Janeiro, também por pressão dos países em desenvolvimento, podendoser reconhecido nos instrumentos multilaterais subscritos naquele evento,conforme se verifica no art. 7º da Declaração do Rio de Janeiro:

Os Estados deverão cooperar em espírito de solidariedademundial para conservar, proteger e restabelecer a saúde e aintegridade do ecossistema da Terra. Na medida em que tenhamcontribuído em graus variados para a degradação do meioambiente mundial, os Estados têm responsabilidades comuns, masdiferenciadas.23

21 VARELLA, op. cit., p. 21.22 WOLD, op. cit., p. 11.23 DECLARAÇÃO do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1992. Disponível em: <http://

www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=18&idConteudo=576>.Acesso em: 29 mar. 2011.

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O referido artigo propõe que todos os Estados sejam solidários e unamesforços em prol da permanente preservação dos recursos naturais, masrecomenda que a responsabilidade em face da degradação ambiental sejafixada segundo o grau de degradação ambiental mundial provocado pornação.

Segundo Wold, esse princípio, que tem sido parâmetro para a soluçãode conflitos transfronteiriços, evidencia que os países desenvolvidosdegradam mais que os países em desenvolvimento, e que aqueles possuemmais recursos financeiros e tecnológicos para implementar normasprotetivas, preventivas e corretivas.24 Assim, resta justificado o pleito dospaíses em desenvolvimento no sentido de que os Estados sejamresponsabilizados pelos danos que efetivamente causarem.

O Princípio da Precaução, que segundo Derani é a essência do DireitoAmbiental,25 orienta a comunidade internacional pela abstenção darealização de atividades sobre as quais recaiam incertezas científicas acercada ocorrência de riscos ambientais, com vistas à sustentabilidade e àproteção intergeracional.

A aplicação do Princípio da Precaução antecede não apenas ao dano,mas ao próprio risco, e tem sido de grande importância para a tomada dedecisões no âmbito do Direito Ambiental Internacional, conforme salientaDerani:

Por suposto, o princípio da precaução reflete a tendência dodireito internacional ambiental de que a melhor proteção ao meioambiente está na prevenção do que na remediação de danos muitasvezes irreparáveis ou na recuperação do ambiente por meio demedidas protetivas. O princípio da precaução vem recebendo cadavez mais atenção do direito internacional, na medida em quereflete a necessidade de tomada de decisões que possam anteverprováveis danos ambientais causados por substâncias ou produtosdos quais não se tem ainda certeza científica quanto ao seuimpacto no meio ambiente. 26

24 WOLD, op. cit., p. 15-16.25 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 149.26 DERANI, Cristiane; RIOS, Aurélio Virgio Veiga. Princípios do Direito Internacional Ambiental. In:

RIOS, Aurélio Virgílio Veiga (Org.). O direito e o desenvolvimento sustentável: curso de DireitoAmbiental. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 95.

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Contudo, no que tange à implementação desse princípio, Wolddenuncia que existem divergências acerca do grau de incerteza da ocorrênciade danos ambientais e exemplifica que os tribunais domésticos aplicam oPrincípio da Precaução diante da mínima evidência objetiva de risco,enquanto a Organização Mundial do Comércio (OMC) exige um conjuntomaior de evidências e tolera certo grau de risco.27

O Princípio do Poluidor-Pagador, contido no art.16 da Declaraçãodo Rio, é um instrumento de política ambiental que obriga osempreendedores a arcarem com os custos ambientais decorrentes daatividade econômica que exploram. Essa internalização de custos ambientaisa ser imposta pelo Estado obriga os atores econômicos a adotarem medidasde prevenção, controle e reparação dos impactos negativos decorrentes daprodução de seus bens e serviços.

Assim, Derani lembra que “a idéia central é de que, além da imposiçãode um regime de responsabilidade jurídica pelo dano ambiental, o princípiodo poluidor-pagador induza ou fortaleça mecanismos de mercado que sejaminstrumentos aptos a inibir a ação prejudicial ao meio ambiente”.28

O Princípio do Dever de Não Causar Dano Ambiental representaum compromisso que indivíduos e Estados assumem perante a comunidadeinternacional que integram de atuar de forma diligente, tendo em vista queo meio ambiente se caracteriza como um bem de preocupação comum atoda a humanidade, que conta com vários titulares, mas que está sujeito àdegradação em proporções globais.

Em decorrência desse princípio, surge para os Estados um deverespecífico de regulamentar e fiscalizar as atividades que exigem apropriaçãode recursos naturais realizadas em seu território, especialmente mediante ainternalização dos acordos multilaterais celebrados e a criação de umconjunto de normas internas que efetivamente proteja o bem ambiental.

O Princípio da Responsabilidade Estatal complementa o princípioanterior e demonstra a preocupação da comunidade internacional comdanos ambientais transfronteiriços, atuando como limite para a soberania.Se, por um lado, os Estados gozam do direito de se apropriar dos recursosnaturais existentes em seu território, por outro, têm o dever de regulamentar

27 WOLD, op. cit., p. 18.28 DERANI, 2005, op. cit., p. 109.

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e fiscalizar as atividades desenvolvidas sob sua jurisdição, em atenção àsnormas internacionais às quais se obrigaram, sob pena de terem que arcarcom os danos que atingirem outros territórios.

O Princípio do Desenvolvimento Sustentável chegou a ser debatidona Conferência de Estocolmo, mas foi na Conferência do Rio de Janeiroque a comunidade internacional procurou melhor compreender suaabrangência. Vários artigos da Declaração do Rio de Janeiro fazemreferência à necessidade de equilibrar desenvolvimento econômico e meioambiente, a fim de não comprometer o atendimento às necessidades dageração presente, tampouco as das futuras.

A pretensão do Princípio do Desenvolvimento Sustentável não éimpedir o desenvolvimento econômico, mas que a humanidade planejeracionalmente esse necessário crescimento, com atenção à esgotabilidadee à intergeracionalidade dos recursos naturais. Nesse sentido, Guerraassinala:

Busca-se com isso a coexistência harmônica e proporcionalentre economia e meio ambiente, permitindo-se odesenvolvimento de forma sustentável, planejada, para que osrecursos hoje existentes não se esgotem ou se tornem inócuos,isto é, o desenvolvimento sustentável é o princípio que buscaencontrar o equilíbrio entre a atividade econômica e o usoadequado, racional e responsável dos recursos naturais para asgerações atuais e futuras.29

Os recursos naturais representam a matéria-prima do desenvolvimentoeconômico, e o desenvolvimento econômico se revela imprescindível paraque os indivíduos vivam com qualidade e dignidade, mas somente umambiente ecologicamente saudável, equilibrado e sustentável possibilitauma vida digna.

A ingerência como instrumento internacional de proteção do meioambiente

A partir dos princípios anteriormente analisados, a maioria delesreconhecidos na Declaração do Rio de Janeiro de 1992, é possível concluir

29 GUERRA, op. cit., p. 446.

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que os Estados, no exercício de sua soberania, têm o direito de explorar osrecursos naturais existentes em seu território com a finalidade de promovero desenvolvimento.

Não obstante, oferecendo equilíbrio ao exercício da soberania estatal,igualmente é imputado aos Estados um dever de cooperação e desolidariedade na proteção do meio ambiente. Para honrar essecompromisso, os Estados devem adotar a necessária cautela em face dosriscos decorrentes das atividades desenvolvidas sob sua jurisdição, alémde lhes ser atribuída a responsabilidade diante da ocorrência de danosambientais que ultrapassem suas fronteiras e venham a atingir outrosEstados.

A própria Declaração do Rio de Janeiro, em seu Princípio 18, determinaque os Estados comuniquem imediatamente os demais a ocorrência deeventos naturais ou emergências que possam provocar danos ambientaistransfronteiriços.

Desse modo, uma vez excedido o exercício da soberania sobre osrecursos naturais e desatendidas as obrigações assumidas ante os demaisentes internacionais, é plenamente admissível que os Estados soframintervenção. Nessa hipótese, a ingerência se revela lícita, funcionando comocontrole legítimo por parte de um parceiro que se julga prejudicado pelaexecução ou inexecução de um compromisso entre Estados.30

Varella refere que a ingerência ecológica ainda não ocorreu e queinexiste previsão expressa para tanto nas normas internacionais. No entanto,o autor lembra que o meio ambiente já foi citado como bem passível defundamentar a ingerência, mesmo que ao lado de outros bens jurídicos e,quem sabe, até menos importantes. Por isso, Varella compreende que omaior obstáculo foi vencido, qual seja, o reconhecimento da possibilidadede intervenção para defesa do meio ambiente e da necessidade de se adotarum conceito relativo de soberania para a solução dessas questões.31

Nesse aspecto, o Conselho de Segurança da ONU, órgão competentepara autorizar intervenções, já se manifestou no seguinte sentido: “Aausência de guerra e conflitos militares entre os Estados não garante por sisó a paz e a segurança internacional. As fontes não-militares de instabilidade

30 BACHELET, Michel. A ingerência ecológica: Direito Ambiental em questão. Lisboa: InstitutoPiaget, 1997. p. 246.

31 VARELLA, op. cit., p. 119.

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nos campos econômico, social, humanitário e ecológico se tornam ofensasà paz e à segurança.”32

A possibilidade de intervenção ecológica decorre da consciência deque os recursos naturais são essenciais à manutenção da vida e condicionama existência da humanidade, mas estão dispostos na natureza de formasignificativamente desigual e caminham para o esgotamento.

Nesse sentido, o compromisso de todas as nações de proteger o meioambiente e o direito de exigir o cumprimento das obrigações assumidas naseara internacional autorizam a ingerência ecológica, aqui compreendidanão como um procedimento de eliminação da soberania estatal, mas desua relativização em nome de algo maior e mais importante que é amanutenção da vida.

ConclusãoAs atividades humanas alcançaram tal nível de interação com a

natureza que os danos ambientais decorrentes de atividades realizadas emdeterminado país não estão mais restritos ao seu território, podendo gerarprejuízos de toda ordem em outros Estados, ou mesmo em todo o Planeta,como ocorre com a poluição atmosférica transfronteiriça e a diminuiçãoda camada de ozônio.

Assim, a degradação ambiental provocada pelo homem transpôs asfronteiras geográficas e exigiu a formação de um regramento internacional.No entanto, o desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional ocorreulentamente, acompanhando a mudança de consciência da comunidadeglobal, que gradualmente reconhece a essencialidade do meio ambientepara o desenvolvimento da sociedade e, principalmente, para a manutençãoda vida na Terra.

Embora não exista um marco histórico pontual relativo ao surgimentodo Direito Ambiental Internacional, a Conferência de Estocolmo e aConferência do Rio de Janeiro, realizadas em 1972 e 1992, respectivamente,oportunizaram debates entre as nações acerca dos problemas ambientais eda formação de um sistema jurídico global para a solução de problemasque transcendam o território de cada Estado.

32 Ibidem, p. 119.

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A Conferência de Estocolmo promoveu a identificação e acompreensão de muitos problemas ambientais, ocorridos tanto em termoslocais como globais, e culminou com a aprovação da Declaração deEstocolmo, o Plano de Ação para o Meio Ambiente e o Programa dasNações Unidas para o Meio Ambiente.

Vinte anos depois, a Conferência do Rio de Janeiro acirrou o debateacerca do desenvolvimento sustentável e da intergeracionalidade dosrecursos ambientais, assim como oportunizou a celebração da Convençãoda Diversidade Biológica, da Convenção sobre Mudanças Climáticas, daAgenda 21, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimentoe da Declaração de Princípios sobre as Florestas.

Esses importantes documentos, e outros tantos instrumentoscelebrados na seara internacional, assinalam que, embora a emergência doDireito Ambiental Internacional tenha ocorrido de forma desordenada eheterogênea, esse ramo do Direito se consolidou como autônomo emultidimensional e segue importantes princípios para a formulação denormas e as tomadas de decisão – soberania permanente sobre os recursosnaturais; direito ao desenvolvimento; responsabilidade comum, masdiferenciada; precaução; poluidor-pagador; dever de não causar danoambiental; responsabilidade estatal; e desenvolvimento sustentável.

O Direito Ambiental Internacional enfrentou muitas dificuldades parase consolidar, a exemplo da resistência dos países em desenvolvimento eda falta de cooperação de alguns países desenvolvidos. Ainda, a convivênciade normas cogentes com normas de pouca ou nenhuma obrigatoriedadetambém representa um fator a dificultar a eficácia do Direito Ambiental noâmbito internacional.

Mesmo com a presença de soft norms, é certo que todos os Estadostêm o dever de colaborar com a política internacional de preservaçãoambiental, respeitando os acordos que firmaram, adotando medidas deproteção, prevenção e reparação, evitando a ocorrência de danos ambientaislocais, assim como de catástrofes que transcendam os limites geográficose afetem outras nações.

Ao desconsiderarem as normas internacionais ambientais, os Estadosviolam seu dever de colaboração e solidariedade, especialmente quandohouver transgressão e se verificarem danos ambientais transfronteiriços,autorizando, assim, a intervenção em seus territórios pelos demais membrosda comunidade internacional.

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Não obstante a ingerência ecológica imponha limites ao exercícioabsoluto da soberania estatal, rompendo com uma cultura milenar de livreapropriação dos recursos naturais pelos Estados, ela tem o papel políticode lembrar às nações que, sem olvidar do direito das nações aodesenvolvimento, o meio ambiente equilibrado e a vida digna são direitosde toda a humanidade.

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Referências

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