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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 17 CAPÍTULO I A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO ALTO RIO NEGRO: UM CONSTRUTO INTERCULTURAL ....................................................................................................... 22 1.1. UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA ........................................................................................ 22 1.1.1. A educação escolar indígena no Brasil .................................................................................. 22 1.1.2. A educação escolar indígena no Alto Rio Negro .................................................................... 24 1.1.3. A educação escolar indígena no Rio Içana ............................................................................. 30 1.2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ....... 37 1.2.1. Interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade ............................................ 37 1.2.2. Desmistificação do conceito de cultura, de tradicional e de modernidade ............................ 42 CAPÍTULO II O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA .......................... 51 2.1. UMA PESQUISA QUALITATIVA ............................................................................................... 51 2.1.1. O campo como gênese do problema: uma abordagem etnometodológica .............................. 52 2.1.1.1. A construção de um percurso .......................................................................................... 55 2.1.1.1.1. Um encontro com o tema......................................................................................... 55 2.1.1.1.2. Terras indígenas: muito prazer! ............................................................................... 56 2.1.1.1.3. Pamáali: impressões de um primeiro contato .......................................................... 62 2.1.1.1.4. De volta à Pamáali: expressões de um segundo contato .......................................... 65 2.2. UM ESTUDO DE CASO: A REPRESENTATIVIDADE INTERCULTURAL DA PAMÁALI ... 69 2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS ................................................................................................... 71 2.3.1. A análise de documentos ......................................................................................................... 72 2.3.2. As entrevistas .......................................................................................................................... 72 2.3.3. Registros e observação de campo ........................................................................................... 73 2.3.3.1. Oficinas: um registro etnológico ..................................................................................... 74 2.4. ELEMENTOS BÁSICOS DA PESQUISA ..................................................................................... 77 2.4.1. Problema ................................................................................................................................. 77 2.4.2. Questões norteadoras ............................................................................................................. 78 2.4.3. Objetivo geral ......................................................................................................................... 78 2.4.4. Objetivos específicos ............................................................................................................... 78 2.4.5. Objeto da pesquisa .................................................................................................................. 78 2.4.6. Sujeitos da pesquisa ................................................................................................................ 79 CAPÍTULO III A EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL DA PAMÁALI ....................................... 80 3.1. SOBRE PAMÁALI......................................................................................................................... 80 3.1.1. Sentidos da Pamáali ............................................................................................................... 81

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 17

CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO ALTO RIO NEGRO: UM

CONSTRUTO INTERCULTURAL ....................................................................................................... 22

1.1. UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA ........................................................................................ 22

1.1.1. A educação escolar indígena no Brasil .................................................................................. 22

1.1.2. A educação escolar indígena no Alto Rio Negro .................................................................... 24

1.1.3. A educação escolar indígena no Rio Içana ............................................................................. 30

1.2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ....... 37

1.2.1. Interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade ............................................ 37

1.2.2. Desmistificação do conceito de cultura, de tradicional e de modernidade ............................ 42

CAPÍTULO II – O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA .......................... 51

2.1. UMA PESQUISA QUALITATIVA ............................................................................................... 51

2.1.1. O campo como gênese do problema: uma abordagem etnometodológica .............................. 52

2.1.1.1. A construção de um percurso .......................................................................................... 55

2.1.1.1.1. Um encontro com o tema......................................................................................... 55

2.1.1.1.2. Terras indígenas: muito prazer! ............................................................................... 56

2.1.1.1.3. Pamáali: impressões de um primeiro contato .......................................................... 62

2.1.1.1.4. De volta à Pamáali: expressões de um segundo contato .......................................... 65

2.2. UM ESTUDO DE CASO: A REPRESENTATIVIDADE INTERCULTURAL DA PAMÁALI ... 69

2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS ................................................................................................... 71

2.3.1. A análise de documentos ......................................................................................................... 72

2.3.2. As entrevistas .......................................................................................................................... 72

2.3.3. Registros e observação de campo ........................................................................................... 73

2.3.3.1. Oficinas: um registro etnológico ..................................................................................... 74

2.4. ELEMENTOS BÁSICOS DA PESQUISA ..................................................................................... 77

2.4.1. Problema ................................................................................................................................. 77

2.4.2. Questões norteadoras ............................................................................................................. 78

2.4.3. Objetivo geral ......................................................................................................................... 78

2.4.4. Objetivos específicos ............................................................................................................... 78

2.4.5. Objeto da pesquisa .................................................................................................................. 78

2.4.6. Sujeitos da pesquisa ................................................................................................................ 79

CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL DA PAMÁALI ....................................... 80

3.1. SOBRE PAMÁALI ......................................................................................................................... 80

3.1.1. Sentidos da Pamáali ............................................................................................................... 81

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3.1.3. Construindo uma escola indígena ........................................................................................... 85

3.1.4. Organização e funcionamento da escola ................................................................................ 87

3.2. O RCNEI E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EIBC: SINTONIAS E OUSADIAS ... 89

3.2.1. Nos planos pedagógicos e de gestão ....................................................................................... 89

3.2.2. Nos conceitos de escola diferenciada e/ou intercultural ........................................................ 93

3.2.2. Na formação dos professores .................................................................................................. 95

3.2.3. No Ensino de Ciências .......................................................................................................... 100

3.3. O ENSINO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DA PESQUISA.............................................................. 105

3.3.1. A pesquisa como princípio científico .................................................................................... 110

3.3.2. A pesquisa como princípio educativo ................................................................................... 113

3.3.3. A relação com o desenvolvimento sustentável ...................................................................... 115

3.4. PAMÁALI : UM LABORATÓRIO VIVO ................................................................................... 120

3.4.1. A monografia “Um estudo da caça no Médio Rio Içana” .................................................... 123

3.4.2. Pesquisa de campo e iniciação científica ............................................................................. 124

3.5. MONOGRAFIAS BANIWA E CORIPACO: DOS MITOS À CIÊNCIA .................................... 125

3.5.1. O lugar dos mitos na escola Pamáali ................................................................................... 131

CAPÍTULO IV – PROJETOS DE PESQUISA E ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS: UMA

ESTRATÉGIA DE ENSINO DE CIÊNCIAS VIA PESQUISA PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS

DO ALTO RIO NEGRO........................................................................................................................ 138

4.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS CONTEXTOS INDÍGENAS: O AMBIENTE COMO FONTE DE

CONHECIMENTO ............................................................................................................................. 138

4.2. MÉTODOS DE PROJETOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS .......................................................... 139

4.3. PROJETOS DE PESQUISA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO INDÍGENA:

CONSOLIDANDO OBJETIVOS SUSTENTÁVEIS .......................................................................... 143

4.3.1. Por que projetos de pesquisa? .............................................................................................. 143

4.3.2. Foco na sustentabilidade ...................................................................................................... 145

4.4. CONFIGURANDO A ESTRATÉGIA DE PROJETOS DE PESQUISA NAS ESCOLAS

INDÍGENAS ....................................................................................................................................... 146

4.4.1. Por onde começar? ............................................................................................................... 146

4.4.2. O que priorizar? ................................................................................................................... 146

4.4.3. Como estruturar os projetos de pesquisa? ............................................................................ 147

4.5. UM NORTE METODOLÓGICO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA PAMÁALI .................... 147

CONSIDERÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 151

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 155

ANEXOS ................................................................................................................................................. 163

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INTRODUÇÃO

A educação escolar indígena no Brasil está em processo de construção e de

autoafirmação e as experiências baseadas na interculturalidade oportunizam a

interlocução entre diferentes povos portadores de diversas culturas e de diferentes

entendimentos sobre fazer Ciência. Os desafios são expressivos, mas as práticas de

ensino desenvolvidas em algumas escolas indígenas do país têm atingido processos

educativos emancipatórios no que concerne aos aspectos socioambientais, culturais,

econômicos e políticos.

Na região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas, algumas experiências estão em

andamento; entre elas, a experiência da Escola Indígena Baniwa e Coripaco (EIBC-

Pamáali)1, situada no Médio Rio Içana. Pamáali é uma entre tantas outras escolas

indígenas, que tem como cerne metodológico, o ensino com pesquisa; um ensino cuja

base filosófica é essencialmente construtivista. Trata-se de uma proposta pedagógica

que articula saberes e práticas, onde o ciclo pesquisa-ação-pesquisa2 possibilita um

Ensino de Ciências atrelado aos projetos de desenvolvimento sustentável da região.

A nossa experiência como professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas

escolas públicas estaduais e municipais, como também o nosso envolvimento com a

formação de professores há 10 anos, nos fazem refletir sobre as dificuldades que

caracterizam o processo ensino-aprendizagem, no que se refere à relação entre formação

do professor e o seu desenpenho em sala de aula. Essa questão foi fundamental para

escolhermos cursar um Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia, levando em

consideração a perspectiva interdisciplinar de seu Programa. Enveredar pela temática de

Educação escolar indígena foi um encontro oportuno com uma realidade desconhecida

por nós e que por isso mesmo nos cativou e estimulou como foco de pesquisa.

1 No corpo do trabalho, ora usaremos EIBC, ora Pamáali.

2 Termo e grifo nossos.

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O conhecimento da perspectiva intercultural de ensino e aprendizagem processada na

Pamáali reuniu considerações de cunho político e pedagógico que se tornaram

necessárias a partir do momento que contactamos com as lideranças indígenas de São

Gabriel da Cachoeira, das comunidades do Alto Rio Negro pelas quais passamos e da

escola Pamáali, onde referenciamos o nosso problema de pesquisa.

Um estudo que busca conhecer esse processo suscita o grande desafio de

compreendermos a forma como os indígenas constroem o conhecimento, levando em

conta: as dificuldades de formação dos professores, as deficiências de infraestrutura das

escolas indígenas e, a forma como professores e alunos Índios entrelaçam os saberes

tradicionais e ocidentais em seus projetos de ensino-aprendizagem.

Assim, as reflexões que embasaram a referente pesquisa denotam uma contextualização

do problema, enfatizando a importância das experiências interculturais para a

configuração de uma educação escolar indígena não restritiva e inclusiva sob os pontos

de vista sociocultural, ambiental, econômico e político. Que espécie de intersecção

cultural se tem buscado e com que finalidades? Na trajetória da Pamáali, que percursos

metodológicos estão sendo construidos de forma a consolidar ou não esses objetivos?

Como os Baniwa e Coripaco estão pensando sua educação formal e qual a imbricação

com o Ensino de Ciências na Amazônia brasileira? Estas perguntas nos remetem às

trajetórias educacionais indígenas, que por serem singulares, oferecem uma diversidade

de experiências que possibilitam a construção de um projeto maior de sociedade

indígena – diferenciada em sua especificidade – e por isso mesmo, digna de

reconhecimento e de direitos constituidos.

Existem estudos de grande relevância sobre como a educação intercultural indígena vem

se concretizando em várias localidades do Brasil3. A questão intercultural como

afirmam Tassinari, Silva, Ferreira (2001) e Santos (2003) está para a escola indígena

como um projeto de emancipação política e sociocultural que apresenta uma tensão

constante entre conhecimentos ocidentais e conhecimentos tradicionais, entre políticas

3 Meunier & Freitas, 2005; Santos, 1989, 2003, 2006, Oliveira, 2006b, 2008; Silva, 2001; Tassinari, 2001; Ferreira,

2001 e outros.

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das aldeias e políticas nacionais e internacionais. Essa tensão culmina quando se

precisam definir estratégias de empreendimentos específicos para cada comunidade

indígena, respeitando seus interesses, suas culturas e seus propósitos de

sustentabilidade.

Esse imbricamento de propósitos e de práticas de ensino constituiu o objetivo da nossa

pesquisa que foi justamente conhecer a relação que os indígenas Baniwa e Coripaco

estabelecem com os conhecimentos ocidentais, uma vez que elegeram a

interculturalidade como projeto educacional de desenvolvimento. Por meio das

metodologias adotadas pela EIBC-Pamáali, pudemos encandear os objetivos específicos

do nosso estudo, fazendo a relação entre o Ensino de Ciências na Amazônia e o processo

de ensino com pesquisa adotado no Ensino Fundamental e no Ensino Médio Integrado,

como principal estratégia de acesso aos conhecimentos indígenas e não-indígenas.

Para contemplarmos os objetivos propostos nesse estudo, organizamos a dissertação em

quatro capítulos, cujos enfoques do problema de pesquisa foram construidos numa

perspectiva metodológica de “bricolage” de diferentes métodos e estratégias de

investigação, em que tecemos as nossas considerações a partir do conhecimento de

campo.

No primeiro capítulo, fazemos uma breve restropectiva histórica sobre a educação

escolar indígena no Brasil e no Alto Rio Negro, até a consolidação dos processos

educacionais indígenas no Rio Içana. Neste mesmo capítulo, fundamentamos a questão

da interculturalidade e a complexidade que esta perspectiva representa para a construção

e o reconhecimento das práticas pedagógicas indígenas. Para isso, recorremos aos

estudos de pesquisadores como Santos (2001, 2003); Lévi-Strauss (1989); Gersem dos

Santos (2001); Meunier & Freitas (2005); Silva, Tassinari (2001); Morin (2007); dentre

outros.

No segundo capítulo, abordamos o percurso metodológico e teórico da pesquisa,

explicitando em detalhes, as dimensões etnográficas e etnológicas dos fatos analisados,

caracterizando as técnicas de coleta e análise dos dados, correspondentes ao alcance dos

objetivos de um estudo qualitativo, e delineamos os elementos básicos da pesquisa. Esse

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percurso foi fundamentado nas reflexões de Pires (2009), Kaufmann (1996), Haguette

(1987), Yin (2005) e outros.

O terceiro capítulo tem como foco a análise da experiência intercultural da Pamáali,

reunindo informações e considerações sobre o seu processo histórico, seu Projeto

Político Pedagógico (PPP), suas metodologias de ensino via pesquisa e sobre a produção

das monografias Baniwa e Coripaco, como aquelas resultantes da inter-relação entre os

conhecimentos tradicionais indígenas e os conhecimentos científicos da cultura

ocidental. As nossas reflexões neste capítulo seguiram uma lógica dialética de

argumentação, cujo diálogo com autores como Demo (2002), Eagleton (2005), Pinto

(2005), Waldman (2006), Wright (2005), dentre outros, possibilitou o esclarecimento

sobre os métodos de ensino priorizados pela proposta curricular da EIBC em relação ao

que propõe o Referencial Curricular Nacional para as escolas Indígenas (RCNEI). Tais

arguições destacaram o Ensino de Ciências via pesquisa como uma opção metodológica

que aglutina aspectos culturais, científicos e de sustentabilidade dos povos Baniwa e

Coripaco, consolidando uma escola que favoreça esses processos.

No quarto e último capítulo propusemos uma estratégia de Ensino de Ciências via

pesquisa para escolas indígenas do Alto Rio Negro, através da elaboração de “projetos

de pesquisa” pelos alunos do Ensino Médio Integrado Indígena, que possam

corresponder às necessidades de sustentabilidade de suas comunidades, dando

continuidade aos estudos monográficos realizados por eles no Ensino Fundamental. Esta

proposta está baseada na metodologia de ensino e aprendizagem por projetos,

fundamentada por Zabala (1998) e Martins (2007), que ratificam a necessidade de

focarmos os métodos globalizadores nos processos de ensino-aprendizagem dos

conteúdos nas escolas, considerando, principalmente, o protagonismo dos alunos na

produção do conhecimento.

São muitas as divergências de concepções e de práticas que norteiam os programas de

ensino das escolas indígenas, por uma educação escolar intercultural. Cada etnia tem

especificidades que acabam por direcionar suas metodologias e seus currículos, porém,

três propósitos são comuns a grande maioria dos povos indígenas do Alto Rio Negro: (i)

não querem permanecer isolados em relação aos processos tecnológicos produzidos pela

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Ciência ocidental, pois as condições de sobrevivência na região são difíceis; (ii)

pretendem cultivar suas tradições e processos identitários; (iii) buscam aliar perspectivas

de trabalho aos programas de ensino das escolas, agregando estratégias de exploração

dos recursos naturais às práticas autossustentáveis.4

Nesse sentido, os objetivos que são comuns a esses povos, justificam empreendimentos

educacionais via pesquisa, abrindo espaço para o estudo dos conhecimentos indígenas e

da relação com a Ciência ocidental. Esse hibridismo certamente agrega pensamentos

contrários, mas estabelece, também, uma relação de complementaridade. Um aspecto

que se amplia em objetivos e em significados quando o indígena opta por um processo

de etnodesenvolvimento que não separa o homem da natureza e que não exclui da

convivência humana o bio-, o eco-, o mito e a Ciência.

4 Freitas, 2008.

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CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

NO ALTO RIO NEGRO: UM CONSTRUTO

INTERCULTURAL

“No diálogo intercultural, a troca não é apenas entre

diferentes saberes, mas também entre diferentes

culturas, ou seja, entre distintos universos de sentidos

e, em grande medida, incomensuráveis.”

Boaventura Santos

1.1. UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA

1.1.1. A educação escolar indígena no Brasil

Antes da década de 1990, a educação escolar indígena no Brasil foi regida por interesses

etnocêntricos, em que o objetivo principal era a integração dos Índios à sociedade

nacional, apartando-os de suas terras, de seus valores culturais e de suas vivências

sociais e mitológicas. Durante cinco séculos, os indígenas brasileiros não foram

reconhecidos como pessoas capazes de gerir sua própria educação. Mesmo porque os

ideais do Estado Nacional estavam acima das reais necessidades dos Índios, uma vez

que as intenções políticas e econômicas dos colonizadores portugueses estavam em

primeiro plano.

Segundo Freire (2004) e Ferreira (2001), a educação escolar indígena no Brasil teve sua

primeira e mais longa fase no período colonial, em que foi marcada pela catequese, pela

negação da diversidade cultural dos Índios e pela incorporação de mão-de-obra indígena

à sociedade nacional. A segunda fase teve início com a criação do Serviço de Proteção

aos Índios (SPI), em 1910, estendendo-se até a formação da Fundação Nacional do

Índio (FUNAI) que passa a articular uma política de valorização da diversidade

linguística e cultural dos povos indígenas, com o propósito de integrá-los às novas

exigências de mercado regional do país.

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O final dos anos de 1960 aos anos de 1970 marca a terceira fase da escolarização

indígena no Brasil. Foi um período de afloramento de organizações indigenistas não-

governamentais que começaram a fomentar mudanças significativas no processo de

formação e de mobilização das associações e das organizações indígenas em todo país.

Nesse sentido, Ferreira (2001) afirma que:

A atuação das organizações não-governamentais pró-índio e a respectiva

articulação com o movimento indígena fizeram com que se delineasse uma

política e uma prática indigenista paralela à oficial, visando a defesa dos

territórios indígenas [e] a assistência à saúde e à educação escolar.5

Desse modo, o impulso dos primeiros movimentos indigenistas no Brasil, no final dos

anos de 1970, ocasionou o início da quarta fase da educação escolar indígena que hoje

se encontra em situação de culminância. É a fase mais expressiva de reconhecimento

das prerrogativas indígenas em relação à educação diferenciada6, à defesa de territórios,

à diversidade linguística e cultural e ao direito à assistência médica.

As organizações pró-índios, entre as quais as organizações não-governamentais (ONGS)

nacionais e internacionais atuantes nas regiões de todo o país, criaram força nos anos de

1980, e atualmente compõem a frente de algumas conquistas educacionais respaldadas

juridicamente, modificando o perfil de muitas escolas indígenas que se propõem

interculturais.

Hall (1997) enfatiza que a queda do regime militar e a possibilidade de abertura política

vigente no Brasil acasionaram uma relação menos conflituosa entre as ONGS e o

governo, sendo esta regida por estratégias de consulta, de negociação e de colaboração.

Entretanto, tais pressupostos devem sempre conduzir-se com cautela, uma vez que

envolvem muitas frentes de interesses e de concepções de desenvolvimento. Afirma

ainda que essas organizações começaram a se proliferar na Amazônia nos anos noventa,

devido ao enfoque ambientalista de sustentabilidade da região, visando ações

complementares em relação à educação. Essas ações possibilitaram a construção de

5 Ferreira, 2001, p. 87.

6 Aqui entendida como refletora do modelo de educação formal pensado pelos indígenas.

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projetos ousados de escolarização indígena, facultando aos Índios a parceria necessária

para a constituição de seus primeiros movimentos políticos e autossustentáveis.

Por parte do poder estatal, a eleboração do Referencial Curricular Nacional para as

Escolas Indígenas (RCNEI)7 fortaleceu as bases indígenas de educação formal,

conferindo-lhes o respaldo pedagógico, administrativo e curricular necessários ao

empreendimento de suas escolas. Assim,

a mudança substancial na política de educação indígena ocorreu com a

promulgação, em outubro de 1988, da Constituição Federal, que reconhece

aos povos indígenas o direito à diferença [...]. As diretrizes para a política

nacional de educação indígena estabelecem que a escola indígena deverá ser

específica, diferenciada, intercultural e bilíngue.8

Os artigos 78 e 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996)

determinam que a educação escolar indígena seja contemplada com programas

integrados de ensino e pesquisa. E cabe ao Sistema de Ensino da União promover ações,

junto aos povos e às comunidades indígenas, que possibilitem o fortalecimento de suas

tradições, a valorização de suas Línguas e de suas Ciências, e também a garantia do

acesso às tecnologias e aos conhecimentos científicos da sociedade nacional9.

1.1.2. A educação escolar indígena no Alto Rio Negro

“Torna-se fundamental que as formas próprias de

aprendizado indígena norteiem as metas dos trabalhos

escolares e balizem, assim, as construções coletivas de

uma sabedoria milenar em contato com outros saberes

e outras culturas.”

Hoje, vivem na região do Alto Rio Negro 23 etnias10

que pertencem a quatro troncos

linguísticos diferentes: Tukano Oriental, Aruak, Maku e Yanomami. Estes povos

somam 35 mil pessoas que moram em 700 comunidades na Amazônia brasileira, nas

7 Brasil, 1998.

8 Freire, 2004, p.25.

9 Brasil , 1998.

10 Arapaso, Baniwa, Bará, Barasana, Baré, Coripaco, Desana, Dow, Hupda, Karapanã, Kubeo, Makuna, Mirity-

tapuya, Nadöb, Pira-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Warekena, Wanana, Yanomami, Yuhupde (MAPA

LIVRO, 2000, p.31).

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cinco terras indígenas já homologadas e reconhecidas (1998), que formam uma área

contínua de 106.000 km2.11

Há mais de dez anos, projetos-pilotos em educação diferenciada estão em

desenvolvimento na região do Alto Rio Negro. E desde o início de 2008, as escolas

Pamáali, Taracuá, Kariamã, Pari Cachoeira, Tuyuca e Wanano têm desenvolvido o

Ensino Médio Integrado Indígena (EMII), tendo como prerrogativas projetos

sustentáveis para suas comunidades. As instituições que têm apoiado essas iniciativas

são a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade do Estado do

Amazonas (UEA), as ONGS, representadas, sobretudo, pelo Instituto Sociambiental

(ISA)12

.

As escolas indígenas que hoje se configuram no município de São Gabriel da Cachoeira,

na região do Alto Rio Negro são o reflexo de uma história de lutas travadas pelas

lideranças indígenas locais que decidiram se organizar e reivindicar seus direitos

perante a sociedade brasileira. As escolas que se constituem como diferenciadas ou

interculturais, fazem parte de uma história recente de valorização da cultura indígena e

de reconhecimento de suas especificidades.

Entretanto, tal reconhecimento é nem sempre suficiente para que um processo de

educação indígena diferenciada se constitua como prática nas escolas indígenas. Este

passo deve estar atrelado às políticas nacionais, estaduais e municipais que sustentem as

práticas diferenciadas de ensino pensadas pelos Índios, concedendo-lhes o apoio

pedagógico, tecnológico e financeiro necessários ao funcionamento das escolas.

Em localidades distantes como o Alto Rio Negro, a logística de acesso às aldeias e às

escolas, como também de manutenção das mesmas, compreende despesas superiores

àquelas computadas em outras geografias, o que certamente bloqueia ou dificulta muitas

ações do governo nesta região. Porém, o que deve reger e configurar essas ações são as

escolhas e os direitos dos Índios em não permanecerem isolados. E uma decisão desta

dimensão é mais do que um produto de movimentos indígenas intraétnicos e

11 Mapa livro, 2000.

12 Relatório EMII (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, 2008).

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interétnicos; é a ratificação da autodeterminação desses povos na gerência de seus

destinos.

Conforme Gersem dos Santos (2001), a educação escolar indígena no Alto Rio Negro

avançou a partir da década de 1970, quando, nacionalmente, o processo de demarcação

de terras indígenas tornou-se meta reivindicatória de lideranças indígenas e de

organizações indigenistas não-governamentais, em áreas de grande concentração de

índios. Estes, na década seguinte, optaram por deixar claro que precisavam tomar as

rédeas de sua educação, uma vez que para isso, precisavam conquistar a autonomia

territorial.

Ainda nas abordagens de Gersem dos Santos, os problemas enfrentados junto a

Prefeitura Municipal de São Gabriel da Cachoeira, no final dos anos de 1990, servem

como exemplos para demonstrar o quanto é complicada a efetivação de uma educação

escolar indígena partidária dos interesses coletivos socioculturais e econômicos das

comunidades indígenas do Alto Rio Negro.

Uma exigência imprópria à realidade geográfica local é a determinação dos mesmos

critérios de liberação de recursos para as escolas indígenas e não-indígenas. As

dificuldades de logística para se chegar às escolas situadas ao longo do Rio Içana e do

Rio Uaupés, principais afluentes do Rio Negro, são incomparáveis em relação às outras

localidades. No período da seca ou do verão, os recursos humanos (práticos indígenas

condutores das voadeiras) e materiais (motores, combustível etc.) potencializam-se, pois

nesse período, as viagens se tornam mais longas e dispendiosas, além de muito

perigosas.

Em 1997, foi criado no Município de São Gabriel da Cachoeira o Programa

Construindo uma Educação Escolar Indígena, resultante de experiências, encontros,

seminários realizados entre 1980 e 1990 com a participação dos professores indígenas.

Gersem dos Santos (2001) declara que este Programa estava embasado em princípios

que fundamentam a história de lutas por uma educação escolar indígena diferenciada no

Alto Rio Negro.

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27

Em sua visão de administrador, as linhas políticas devem estar atreladas às questões

pedagógicas e culturais, do contrário, as leis favoráveis a estas iniciativas não serão

efetivadas em contextos indígenas. Tal prerrogativa sinaliza a criação de políticas

públicas coerentes com a geopolítica local e com uma ótica de sustentabilidade

socioambiental, que inclua as humanidades, “as gentes construtoras”13

dessa

realidade.

Ainda enfatizando a necessidade de novas percepções da realidade histórico-cultural dos

povos indígenas do Alto Rio Negro, Gersem dos Santos reafirma a exigência de uma

política de educação que reconheça quatro pressupostos básicos para o funcionamento

das escolas indígenas ditas diferenciadas: (1) o entendimento de que as escolas

indígenas precisam considerar princípios e métodos próprios de aprendizagem dos

povos indígenas; (2) a compreensão de que a escola não é o único lugar de aprendizado

– as comunidades são geradoras de conhecimentos; (3) o reconhecimento dos Índios de

que a escola é hoje uma necessidade “pós-contato”; (4) todo esforço de projeção de uma

nova educação escolar indígena deve ser pensado e concretizado com a participação dos

Índios.14

Diante dessas metas reivindicatórias, os desafios socioculturais e políticos de uma

educação escolar indígena começam a se configurar como problemas emergentes na

região. Após cem anos de uma educação centralizada em princípios extratribais

determinados pela filosofia européia, era de se esperar que muitos Índios não

compreendessem a nova perspectiva de organização e de estruturação das escolas

indígenas. Muitos achavam mais pertinente continuar investindo nos conhecimentos dos

não-índios, pois só assim poderiam se autoafirmar na sociedade brasileira. Esse desafio

sociocultural foi um dos principais empecilhos que as primeiras lideranças indígenas

enfrentaram nas comunidades do Alto Rio Negro, durante a década de 1990.

Os desafios políticos persistem até hoje, principalmente quando os mecanismos

jurídicos e administrativos não acompanham a lógica dos novos percursos pedagógicos

13 Termo e grifos nossos.

14 Gersem dos Santos, 2001.

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28

implementados nas escolas; ou seja, não garantem investimentos necessários para a

viabilização de uma educação intercultural nas comunidades do Rio Negro15

.

Na época, esses desafios correspondiam à universalização do Ensino Fundamental, à

infraestrutura das escolas, aos programas de carreira, à qualificação dos professores e à

descrença no Poder Público. Esses desafios, embora amenizados nos dias de hoje, ainda

estão muito presentes nas pautas de reivindicação das lideranças indígenas locais,

principalmente a questão da formação inicial e continuada dos docentes indígenas.

A interculturalidade, por sua vez, propicia uma nova maneira de se pensar a formação

desses profissionais16

que estão à frente da educação escolar do Alto Rio Negro. É uma

necessidade que se impõe como prioritária, pois as experiências de Educação

intercultural em andamento, cerca de 9 (nove) anos na região, apresentam ainda um

quadro de professores com apenas o magistério indígena17

, sem uma formação mais

abrangente para trabalhar numa perspectiva intercultural.

Essa situação se ratifica como um dos principais desafios administrativos da Secretaria

de Educação do Município de São Gabriel da Cachoeira (SEMEC) e das lideranças

indígenas representadas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

(FOIRN), cujas dificuldades se acentuam em razão das diferentes concepções dos

professores indígenas sobre educação intercultural e diferenciada. Para eles, ainda é

muito difícil eleborar e executar propostas curriculares condizentes com este conceito

de educação.

Mesmo em face de alguns comprometimentos de formação assumidos pelos indígenas,

as alternativas e os projetos de educação formal são criados e implementados como

alternativas experimentais de ensino, refletoras dos interesses e das práticas indígenas.

A esse respeito Gersem dos Santos comenta:

15 Gersem dos Santos, 2001.

16 9.700 professores, 90% indígenas ( Relatório FOIRN – Educação Escolar Indígena no Alto Rio Negro, 2007).

17 Formação em nível médio oferecido pela SEDUC-AM, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação

(SEMEC) de São Gabriel da Cachoeira.

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29

Nossa experiência indica que, de fato, para respeitar e garantir o direito de

uma educação própria aos índios, é imprescindível a necessidade de um

tratamento diferenciado às escolas indígenas, inclusive quanto à carreira

profissional dos professores, que precisa ser definida pelos próprios índios,

de acordo com a organização social de cada povo, mesmo que para isso

tenhamos que quebrar a hegemonia e excentricidade de nossas leis.18

Durante sua administração como Secretário de Educação no Município de São Gabriel

de Cachoeira (1997 e 1998), Gersem dos Santos ratifica que a constância de

experiências, de encontros, de seminários, de cursos realizados com os professores

indígenas, nos últimos 30 anos, ou seja, a partir de meados dos anos 1980, compõe

ações representativas de um movimento progressivo de efetivação de uma educação

escolar indígena coerente com os contextos e com os interesses das comunidades locais.

Desse modo, torna-se fundamental que as formas próprias de aprendizado indígena

norteiem as metas dos trabalhos escolares e balizem, assim, as construções coletivas de

uma sabedoria milenar em contato com outros saberes e outras culturas.

Em busca desse movimento ininterrupto e de dupla via de conhecimentos, os Índios do

Alto Rio Negro têm se destacado como povos que optaram pelo não-isolamento e,

portanto, pela relação intercultural necessária aos projetos de vida sustentável de suas

comunidades. Esse projeto sustentável, ainda em construção, tem duas veias políticas

fundamentais: (1) preservar a essência do ser Índio19

em situações de contato e de

conflito identitárias inevitáveis e; (2) criar alternativas de subsistência, visando uma

política de desenvolvimento sustentável na região.

18 Gersem dos Santos, 2001, p. 128.

19 Grifos nossos.

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30

1.1.3. A educação escolar indígena no Rio Içana

“– Para onde vocês estão indo?

– Pergunta o velho indígena.

– Estamos indo para Pamáali.

– Ah sim, escola nossa! Escola indígena!”20

As escolas indígenas localizadas no Rio Içana – rio das comunidades indígenas Baniwa

e Coripaco –, têm uma história de lutas e conquistas que começou a se concretizar a

partir dos anos de 1980. Historicamente, os povos dessa região têm empreendido uma

série de reuniões e assembléias em que a preocupação por uma educação tradicional,

alicerçada nos saberes cultivados por seus ancestrais, tem sido o cerne das discussões.

Há também uma preocupação em agregar os conhecimentos dos não-índios aos seus

programas educativos.

Essa predisposição em dialogar com a cultura ocidental tem origens no próprio processo

histórico de subjugação e de exploração que sofreram com as constantes invasões de

seus territórios, assegurando-lhes menos uma condição de igualdade de direitos

socioculturais e econômicos do que uma condição de subalternos e de incapazes. Tal

intencionalidade intercultural tem raizes na necessidade de defesa e de embate

intelectual, como também na atual situação de desenvolvimento sustentável de suas

comunidades ribeirinhas e indígenas.

Os povos indígenas que habitam a bacia do Rio Içana são aproximadamente 17 mil. Os

Baniwa estão concentrados ao longo desse rio, na parte noroeste da Amazônia

brasileira, e os Coripaco vivem, em grande maioria, na Venezuela (3.236 indígenas) e

Colômbia (6.790 indígenas), onde fazem fronteira com o Brasil21

. Estes povos, no

período da colonização, foram fortemente influenciados pelas forças religiosas

católicas, através da ação manipuladora dos missionários, perdendo grande parte de suas

referências culturais. Esses religiosos destruiram suas malocas e suprimiram as práticas

tradicionais (ritos e mitos) de seus convívios.22

20 Conversa com um velho indígena na subida do Rio Içana ( Pesquisa de campo, dezembro de 2009).

21 Mapa livro, 2000.

22 Wright, 2005.

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31

Na história de contato entre Índios e não-índios, os missionários desempenharam junto

ao poder colonizador, forte influência sociocultural sobre os povos indígenas do Alto

Rio Negro. Nas análises de Galvão (1979),

os missionários em seu zelo catequista e desejo de controle secular desse

grande contingente humano, condenavam sumariamente as práticas religiosas

indígenas [...]. A interferência no setor religioso significava também ferir as

instituições sociais, sobretudo as formas de casamento e as relações de

parentesco.23

A partir dos primeiros contatos com os missionários católicos, a educação formal

assume o perfil estratégico de transformar ações simbolicamente relevantes para os

povos indígenas, em práticas nocivas, pecaminosas e sem significado.

A dilaceração dos valores tribais se acentua com o estabelecimento de internatos, onde

os jovens e as crianças indígenas aprendiam a ideologia cristã como portadora de regras

disciplinares e comportamentais ajustáveis aos interesses do colonizador. Castradoras de

manifestações míticas e espontâneas, tais regras e ensinamentos deixaram marcas

profundas nas relações intra-aldeias e extra-aldeias, dentre as quais, os conflitos

religiosos que se estabeleceram no Alto Rio Negro. Como resultado, “nos últimos anos,

a competição de religiões, católica e protestante, emergiu como um fator novo de

segmentação de sociedades tribais no Rio Içana.”24

Essa retomada histórica nos remete à responsabilidade de pensarmos a educação escolar

indígena a partir do conhecimento e reconhecimento dos ideais de formação escolar

almejados pelos Índios do Rio Içana e do Alto Rio Negro como um todo. Qualquer

iniciativa do governo que contraste com os problemas vivenciados por eles em suas

diferentes comunidades e com os percursos históricos revelados pelos posicionamentos

de cada etnia, não terá ressonância nas práticas escolares.

O grande dilema do compartilhamento de pressupostos e de propostas para a

concretização de uma escola indígena pode ser dissipado com posturas humildes de

mais escutar do que prescrever, de mais conhecer do que inferir. Atitudes como estas

23 Galvão, 1979, p.141.

24 Ibidem, p.143.

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32

são os pequenos passos promissores de um diálogo respeitoso entre culturas diferentes,

que evidenciará o respeito às concepções indígenas de educação formal. A possibilidade

de uma escola ajustável aos objetivos desses povos começou a inscrever-se no processo

de luta por uma educação indígena intercultural e bilíngue, a partir da fundação da

Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), em julho de 1992. Isto ocorreu durante

a I Assembléia Geral dos Povos Baniwa e Coripaco, realizada na comunidade de

Juivitera.

A OIBI foi criada para formalizar um trabalho social e político junto a FOIRN25

que

fiscaliza as terras indígenas demarcadas e que implementa ações de autonomia dos

povos Baniwa e Coripaco em relação à educação, à cultura, à sustentabilidade e à saude.

Dessa forma, em 17 anos de existência da OIBI, o número de escolas na região

aumentou consideravelmente, passando de 20 a mais de 50 escolas municipais indígenas

em funcionamento nas comunidades.

Um problema revelado durante a pesquisa de campo é que a maioria dessas escolas não

está conseguindo equacionar sua filosofia pedagógica com uma proposta intercultural de

ensino. O construto dos saberes formais segue um currículo e uma metodologia muito

aproximados daqueles das escolas urbanas. Nesse sentido, não conseguem interligar os

conhecimentos tradicionais indígenas ao programa de ensino em exercício.

As situações vivenciadas durante a pesquisa in loco mostraram a dificuldade de

autonomia que algumas escolas indígenas enfrentam na elaboração e na realização de

seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP). É o caso da Escola Kariamã em Assunção

do Içana que possui um quadro de professores com grau superior completo26

e que tem

o Ensino Médio reconhecido pela SEDUC.

No entanto, conforme declarações dos próprios professores, eles não conseguem

trabalhar numa proposta intercultural, porque se sentem inseguros para elaborar o seu

Projeto Político Pedagógico, sendo este o resultado de uma construção coletiva e

25 Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, criada em 1987.

26 Esses docentes participaram do Programa de Formação dos Professores e Valorização dos Profissionais de

Educação (PROFORMAR), da Escola Normal Superior (ENS), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

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33

sintetizadora das reivindicações de alunos, docentes, pais e comunidades. Declararam,

ainda, necessitar de assessorias dos profissionais das universidades estaduais e/ou

federais para ajudá-los no processo de construção do PPP e de formação docente

continuada, com acompanhamento e com realização de oficinas. E mais, necessitam

revitalizar e fortalecer a cultura indígena e, ao mesmo tempo, preparar os jovens para o

trabalho profissional nas comunidades. Estas questões foram discutidas na Escola

Kariamã em Assunção do Içana, na viagem de retorno a São Gabriel da Cachoeira,

voltando da EIBC-Pamáali, em agosto de 2008.

Em dezembro de 2009, subindo o Rio Içana para o segundo momento da pesquisa de

campo na EIBC, conversamos rapidamente com dois professores indígenas de Assunção

do Içana e obtivemos novidades em relação à situação detectada em 2008.

Embora a elaboração do PPP tenha ocorrido com dificuldade, os professores afirmaram

a sua efetivação. Quanto aos computadores encaixotados desde 2007, foram finalmente

instalados (ver foto 1 e 2). Mas, a grande dificuldade no momento é o manuseio das

máquinas, pois estão aguardando o curso de formação em informática, tanto para os

alunos, como para os professores.

Foto1 e 2 – Escola Indígena Kariamã em Assunção do Içana

Fonte: campo, dez. 2009

Devido à necessidade de conversarmos com os professores sobre as práticas de Ensino

de Ciências com as séries iniciais, agendamos uma reunião com os professores de

Assunção, no retorno da Pamáali, mas as intempéries da viagem comprometeram o

cronograma de ações e não foi possível estar com eles.

Atualmente, a escola Kariamã funciona com turmas de Ensino Fundamental e Ensino

Médio, com uma frequência de 187 alunos e um corpo docente de 21 professores, dos

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34

quais 14 estão matriculados no “Curso de pedagogia: licenciatura plena intercultural”,

implementado pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Universidade do

Estado do Amazonas (UEA), a partir de 2009.

De acordo com o PPP da EIBC, foi a partir dos anos 1980 que as primeiras escolas de

ensino fundamental de 1ª a 4ª série começaram a funcionar nas comunidades indígenas

do Rio Içana. Essas escolas funcionavam com professores de outras etnias, porque os

professores Baniwa e Coripaco eram em número reduzido. Assim, o ensino da Língua

materna dessas etnias não era efetivado na maioria das escolas e os alunos não podiam

se incluir numa perspectiva de valorização dos conhecimentos tradicionais ameríndios,

manifestados principalmente pela Língua.

A questão da Língua é um fator importante para o processo de emancipação das escolas

indígenas em geral. A escrita da Língua Portuguesa foi introduzida no Içana através dos

missionários, durante a década de 1920. O propósito era justamente o aculturamento dos

Índios, tirando-lhes um instrumento de poder e de identidade, ou seja, extirpando de

seus convívios, a Língua materna.

A língua se torna um instrumento de poder quando representa simbolicamente a cultura

de um povo e os resguarda de possíveis usurpações valorativas culturalmente

constituídas e de caráter ideológico. É também reveladora de mundos específicos,

construidos a partir de estruturas significativas que traduzem as intenções dos

indivíduos e a situação social de um povo ou de uma comunidade. Assim, na concepção

de Sena (2001) “a palavra repassa, de forma velada ou ostensiva, todas as minúcias que

caracterizam uma formação social que, por sua vez, é o verdadeiro espelho das

condições e das relações que marcam a vida de uma comunidade.”27

Em vista desse conceito, o cultivo da oralidade e da escrita da Língua nativa para os

povos indígenas é fator imprescindível no processo de autoafirmação sociocultural,

econômica e política na inter-relação com outras sociedades. E Meunier & Freitas

(2005) reforçam:

27 Sena, 2001, p.17.

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35

A história tem mostrado que o acesso à escrita não constitui uma condição e

garantia para a sobrevivência digna dos diferentes povos; entretanto, é através

da escrita que a humanidade teve acesso ao método científico. O acesso à

tecnologia perpassa, necessariamente, pela adequada incorporação da ciência

ao projeto específico de cada povo.28

Numa escola intercultural indígena, a Língua dos povos nativos é instrumento de

desenvolvimento socioeconômico, de valorização histórico-cultural e de afirmação

identitária. Assegura a participação dos Índios em processos de emancipação política e

sociocultural. Hoje, a escrita em Baniwa e Coripaco transforma-se numa “tecnologia de

ponta”29

, pois representa o primeiro passo para que uma educação intercultural se

processe. É uma exigência para a organização de uma sociedade que multiplica seus

contatos por meio das facilidades promovidas pelas tecnologias da informação.

São muitas as dificuldades30

que essas escolas enfrentam para desenvolver uma

proposta de ensino intercultural, principalmente, porque no discurso de algumas

lideranças indígenas, falta apoio logístico e pedagógico dos órgãos governamentais.

Estes, segundo esses líderes, se valem da autonomia da escola indígena para se

eximirem de suas responsabilidades junto a esses povos.

Apesar de todas as parcerias que a FOIRN e demais organizações do Alto Rio Negro31

estabelecem com instituições não-governamentais e governamentais32

, as questões

referentes às políticas públicas para a educação escolar indígena intercultural, são ainda

incoerentes com os direitos garantidos aos Índios pela Constituição Federal de 1988.

São incoerentes porque apresentam exigências curriculares e de formação dos

professores indígenas, assemelhando-se muito às das escolas urbanas ou rurais.

Estabelecem critérios de avaliação das escolas pouco fundamentados na diversidade de

problemas experienciados por cada escola, ainda que estas estejam situadas no mesmo

rio.

28 Meunier & Freitas, 2005, p. 124.

29 Termo e grifo nossos.

30 Informações contidas no Relatório final do I Seminário sobre o Ensino Médio Integrado Indígena no Alto Rio

Negro, Março de 2008.

31 Atualmente são 50 organizações filiadas à FOIRN. Informações contidas no Relatório final do I Seminário sobre o

Ensino Médio Integrado Indígena no Alto Rio Negro, Março de 2008.

32 SEDUC, Universidades Estaduais e Federais, Escolas Agrotécnicas etc.

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36

As amarras a um currículo e a um programa de ensino sem valorização da cultura

indígena Baniwa e Coripaco é um desafio a ser superado. Foi nesse contexto de

insatisfação, que as lideranças indígenas do Rio Içana pensaram a EIBC, como uma

experiência intercultural de educação escolar indígena. Um lugar que representa uma

ideologia indígena sobre educação formal, sustentada por critérios sociambientais,

culturais e científicos, próprios de um povo com fortes motivos para optar pelo

etnodesenvolvimento e por alianças técnico-científicas com a sociedade dos não-índios.

Nas afirmações dos velhos indígenas do Içana, aqueles que têm acompanhado de perto o

processo histórico de construção dessa realidade, pudemos constatar a expressão de

orgulho e de reconhecimento quando dizem: “Pamáali, escola nossa, escola indígena!

Escola construida por nós”.

Desse modo, o Ensino de Ciências, fortemente ligado aos problemas ambientais e

sustentáveis da região do Alto Rio Negro e da Amazônia como um todo, tem uma

expressiva relação com o fortalecimento das tecnologias de subsistência desses povos,

através do ensino com pesquisa.

Cabe ressaltar que o ensino via pesquisa é a base metodológica que direciona as

atividades de ensino e aprendizagem na escola. A compreensão dos professores

indígenas sobre pesquisa tem um caráter científico e educativo, cuja finalidade é a

projeção dos alunos no cenário sociocultural, político e etnocientífico da região do

Içana, transformando-os em agentes desses processos em suas comunidades.

A perspectiva intercultural, muitas vezes compreendida como uma educação

diferenciada, ainda apresenta, por parte dos professores da Pamáali, dissonâncias

conceituais que decorrem de concepções distorcidas de educação diferenciada. Na

prática, a questão intercultural é bastante expressiva e denota a complexidade de

articulação entre conhecimentos diferentes, mas que, por isso mesmo, se

complementam.

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37

1.2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: DESAFIOS

E POSSIBILIDADES

“A compreensão da complexidade do homem exige a

não mutilação da condição humana, exige também

que as representações simbólicas dos processos da

natureza espiralizem para fora, indo ao encontro e

fundindo-se com os fundamentos da cultura mundial.

Exige finalmente, que esses mesmos processos da

natureza sejam contornados pelos fundamentos

filosóficos, políticos e sócio-artísticos da cultura

universal.”

Marcílio de Freitas

1.2.1. Interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade

Nos dias atuais, o termo “interculturalidade” é traduzido sob vários enfoques e

representa um grande desafio para as escolas que constroem seus programas de ensino,

a partir desta perspectiva. A relação dessa prática com o Ensino de Ciências em

contextos indígenas se torna ainda mais complexa por abranger uma dimensão

etnológica que envolve identidades, situações políticas e socioculturais nada

harmoniosas. Isto possibilita uma experiência entremeada de desafios, de contradições e

de acertos bastante enriquecedora para a composição de uma nova maneira de se pensar

a educação indígena.

Em primeiro lugar, seria importante uma reflexão sobre a prática da interculturalidade

em contextos indígenas, sob o ponto de vista de alguns estudiosos como Silva (2001),

Tassinari (2001) e Santos (2003). Segundo Silva, as escolas indígenas vivem hoje um

momento de fluxos de conhecimentos resultantes de 30 anos de movimentos indígenas

em favor da demarcação de territórios e do reconhecimento das tradições e da cultura

indígena. Tassinari acrescenta ser a existência de escolas interculturais um reflexo de

dilemas de culturas em contato, que se modificam historicamente e que se

interfluenciam, causando ressignificações identitárias. Santos argumenta a favor de um

movimento cosmopolita voltado para os direitos humanos, que faça fluir organizações

locais contra processos de globalização hegemônicos, possibilitando diálogos

interculturais. É nesse sentido que ele reforça ser contra o universalismo, pois, “há que

propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas, isto é, convergentes,

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38

ainda que expressas em linguagens distintas e a partir de universos culturais

diferentes.”33

Nesse contexto de interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade,

surgem pontos em comum que ajudarão na compreensão de uma relação complexa entre

conhecimentos tradicionais indígenas e ocidentais que hoje começam a ganhar espaço

nas escolas indígenas de muitas regiões do Brasil.

A escola formal não nasceu para os indígenas como uma opção. Nasceu como uma

consequência pós-contato que, somente a partir da década de 1990, passou a cultivar

uma ideologia diferente daquela que o Estado Nacional e as missões religiosas

pensaram para eles por cinco séculos.

O propósito de uma educação diferenciada ou intercultural para os indígenas tem

origem nas demandas contextuais de formação escolar das diferentes etnias, cada uma

com história e simbologias próprias. De acordo com o RCNEI, ocorre que,

desde muito antes da introdução da escola, os povos indígenas vêm

elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas de pensamento e

modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e

reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e

o sobrenatural. O resultado são valores, concepções e conhecimentos

filosóficos próprios, elaborados em condições únicas e formulados a partir de

pesquisa e reflexões originais.34

Nesse sentido, o entendimento do que seja uma escola indígena perpassa pelo

reconhecimento dos saberes e da concepção de vida dos povos indígenas. É importante

reconhecê-los como autores de um conhecimento secular e que tem norteado suas

práticas cotidianas. Possuidores de um conhecimento historicamente construido são

capazes de determinar, também, a estrutura curricular dos programas de ensino de suas

escolas. E cabe ao Estado e a outras instituições apoiarem suas decisões, provendo-lhes

recursos, formação para os professores indígenas e condições empreendedoras para que

o direito a uma escola indígena intercultural possa se efetivar nas comunidades.

33 Santos, 2003, p. 441.

34 Brasil, 1998, p. 22.

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39

Hoje, o processo de formalização de grande parte das escolas indígenas está ainda em

construção, e algumas delas continuam arraigadas aos currículos da sociedade

envolvente por questões históricas, políticas e burocráticas.

Os motivos são históricos, porque cada sociedade indígena tem uma relação de contato

singular, quando está envolvida pela cultura nacional. Alguns povos indígenas estão em

contato com a cultura do não-índio há muito tempo, outros, nem tanto, e hoje, qualquer

iniciativa de autogestão dos interesses ameríndios depende da forma como cada povo

indígena percebe os seus valores e lida com os valores de outras culturas. Esse grau de

percepção interfere ativamente nas opções de determinadas etnias relacionadas ao

convívio com culturas adversas às suas, inclusive no mesmo espaço geográfico. É o

caso, por exemplo, dos Índios urbanos, que hoje engendrados em territórios citadinos,

decidiram permanecer Índios vivendo as mesmas situações dos não-índios. Essa

convivência tem despertado interesse de pesquisadores de todo o país em avaliar ou

analisar a complexidade etnológica desses fenômenos migratórios indígenas que geram

conflitos em torno do conceito de “ser índio”. Em relação a esta situação, convém

destacar o comportamento dos Iaminauás do Acre, que, conforme estudos recentes do

pesquisador Oscar Calavia Sáez35

, mantém com a sociedade envolvente uma relação de

proximidade por opção. No artigo publicado por Sáez na Revista Ciência Hoje

(setembro, 2008), a forma como esse povo concebe suas tradições tem raizes históricas

que lhes conferem a mutabilidade de comportamentos e ações, em sua maioria,

contrários à perspectiva de indianidade dos indigenistas, mas que derivam de pontos de

vista próprios e que expressam a autencidade de seus valores.

É também uma questão política, porque a articulação entre povos culturalmente diversos

é variável e depende do histórico de engajamento político das lideranças e das

comunidades indígenas de cada região e do estado jurídico do território habitado.

A questão dos direitos coletivos dos indígenas ao território transforma-se em ponto

chave para que uma escola intercultural voltada para os interesses e necessidades

indígenas seja uma realidade. Dessa forma, Nunes & Santos (2003) inferem que

35 Estudante do Programa de Pós-graduação em antropologia social da Universidade Federal de Santa Catarina-

UFSC.

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40

a territoriedade é, sem dúvida, uma dimensão fundamental da afirmação

desses direitos coletivos, [esbarrando-se] com as concepções liberais de

propriedade. É nela que reside a garantia do reconhecimento de uma

identidade coletiva e dos direitos coletivos dos povos indígenas.36

Os povos que ainda estão lutando pelo direito sob seus territórios, dificilmente

conseguirão viabilizar propostas educacionais adaptadas à perspectiva de auto-

sustentabilidade almejada. Isto significa dizer que as concepções liberais de

propriedade, regidas pela “lógica do capital” não correspondem à “lógica dos povos

indígenas” em relação ao território. Este tem para os Índios um significado histórico de

pertencimento, lugar sagrado de seus antepassados, intimamente ligado às suas

afirmações identitárias37

.

Por sua vez, Marés (2003) infere que terra e conhecimento têm processos históricos

muito parecidos em relação à forma como foram usados pelas potências européias. Há

um processo antigo de usurpação da terra e dos conhecimentos tradicionais, sem

atribuir-lhes o merecido valor. Por esta razão, a alteração dos direitos de propriedade da

terra implica em alteração de propriedade sobre o conhecimento.

É finalmente uma questão burocrática, porque o reconhecimento de uma escola formal

indígena depende das ações governamentais que legitimem seus processos de ensino,

muitas vezes delimitados por propostas contrárias aos interesses e às necessidades das

comunidades envolvidas.

Esses três fatores possivelmente convergem para a realização de experiências

interculturais bem ou mal sucedidas em diferentes contextos indígenas. Conforme Paula

(1999), no centro das discussões entre as principais lideranças indígenas do país e da

América latina, é consenso a exigência da interculturalidade nos currículos das escolas

indígenas. A consolidação dessa meta depende de intensiva articulação política de

lideranças locais, da formação inicial e continuada dos professores indígenas e da

participação ativa dos Índios na construção de seus programas e projetos educacionais.

36 In: Santos, 2003, p.45.

37 Santos, 2003; Faria , 2003.( Grifos nossos).

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41

Entretanto, a interculturalidade não se constitui numa inovação em termos de prática

que se impõe aos contextos das aldeias, pois desde os primeiros contatos, Índios e não-

índios estabeleceram alguma forma de trânsito cultural.38

Nesse encontro de culturas

opostas, indígenas e não-indígenas se apropriam de conhecimentos extrínsecos às suas

visões de mundo. Estabelecem relações que problematizam a dicotomia entre tradição e

modernidade. E esta relação tem se demonstrado conflituosa na maioria dos casos, pois,

o cotidiano da maior parte dos povos indígenas do Brasil desenrola-se num

contexto de tensão entre conhecimentos indígenas e ocidentais, entre políticas

públicas e política de aldeias, entre tendências políticas internacionais e a

definição de estratégias e de opções específicas de vida e de futuro para

populações indígenas.39

Essa forma de interação desajustada tem como palco a escola, um espaço atravessado

por tensões políticas e culturais, que tem como função, achar pontos congruentes de

diálogo. Este é um processo necessário que pode produzir descobertas e

reconhecimentos mútuos. Nessa linha de pensamento, Santos (2003) relaciona o

reconhecimento mútuo entre as culturas tradicional e ocidental ao exame primeiro da

incompletude cultural de cada uma. Isto significa que o primeiro obstáculo para a escola

indígena que se propõe intercultural é enfrentar as frustrações causadas por sentimentos

imperiosos da cultura ocidental. Este é um fato que certamente representa um dos

grandes desafios para a educação do século XXI.

Infelizmente, na concepção de alguns intelectuais da sociedade moderna, os povos

conhecidos como tradicionais ou arcaicos estão aquém de processos civilizatórios, por

não necessitarem das inovações e potencialidades tecnológicas proporcionadas pelo

desenvolvimento científico contemporâneo. Estabeleceu-se ou conjecturou-se que a

civilização ocidental é mutável e moderna e que o mundo da tradição tem a estabilidade

como principal característica. Esse pensamento radical tem alicerces discriminatórios

que só dificultam as relações interculturais.

38 Fleuri, 2003.

39 Brasil, 1998, p.36.

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42

1.2.2. Desmistificação do conceito de cultura, de tradicional e de modernidade

“Eu talvez use uma furadeira elétrica, mas também

um martelo. A primeira tem 20 anos, o segundo

centenas de milhares de ano. Eu serei um carpinteiro

„de contrastes‟ porque misturo gestos provenientes de

tempos diferentes? Ao contrário, mostrem-me uma

atividade que seja homogênea do ponto de vista do

tempo moderno. Alguns dos meus genes têm 500

milhões de anos, outros 100.000, e meus hábitos

variam entre alguns dias e alguns milhares de ano.”

Bruno Latour

Desmistificar essa trajetória de rotulações em torno das culturas tribais requer,

sobretudo, uma melhor compreensão sobre o conceito de cultura, de tradicional e de

modernidade. De acordo com Waldman (2006),

o mundo tradicional, ao lado da permanência e da estabilidade, estava

possuido por um senso próprio de evolução, materializado numa ampla gama

de manifestações artísticas, culturais e históricas. Por essa razão, não se deve

qualificar sociedades tradicionais como „estáticas‟, ainda que tenham uma

relativa estabilidade.40

A construção de uma relativa estabilidade por essas sociedades tem respaldo nas

práticas cotidianas que estabelecem com o espaço e com o tempo. Os povos portadores

de um tempo cíclico, não vetorial, não podem ser ignorados pelas sociedades modernas,

por possuirem um outro estilo de vida, uma concepção particular de mundo e uma

sociedade construida sob diferentes bases culturais.

Sendo o conhecimento uma construção social e política, afere-se ao conceito de

modernidade, princípios históricos, econômicos e civilizatórios. Esses processos,

segundo as concepções unilaterais de evolução, são inerentes às sociedades modernas e

estão ausentes em sociedades arcaicas.

No entanto, na análise de Waldman (2006), a dinâmica do conhecimento ocidental foi

sempre exógena, ou seja, a civilização moderna sempre incorporou saberes de outros

povos. Dessa forma,

40 Waldman, 2006, p.52

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43

o conhecimento da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento

das outras culturas. A experiência da alteridade nos leva a „ver‟ aquilo que

nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar a

atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano e que consideramos

evidente.41

Diante da perspectiva de alteridade, a educação escolar indígena que se propõe

intercultural, precisa melhor ser interpretada no que concerne ao currículo por ela regido

e à formação dos professores indígenas. Que tipo de formação esses professores querem

e precisam para que a interculturalidade aconteça? Diante das especificidades das etnias,

com diferenças linguísticas, socioambientais e territoriais, não caberia a elas decidirem

sobre as diretrizes desse currículo?

A Educação intercultural também pressupõe metodologias que atendam a essa forma de

sistematizar e de conduzir os saberes nas escolas indígenas. Como desenvolvê-las?

Como fundir os diferentes conhecimentos sem perdas socioculturais historicamente

construidas? Que metodologias possibilitam a articulação entre os saberes? De acordo

com Tassinari (2001), estas questões estão muito presentes nas análises de algumas

experiências-piloto que têm desenvolvido essa proposta de ensino em várias localidades

do Brasil.

Dessa maneira, Silva (2001) considera a lógica de funcionamento das escolas indígenas

como locais privilegiados de pesquisa, que encadeia propostas de desenvolvimento

etnocientífico, por meio da valorização das etnociências ou da Ciência do Índio. Esta

preocupação pedagógica e de sustentabilidade é uma prerrogativa de grande parte das

pautas de reivindicação dos povos indígenas de todas as regiões brasileiras.

No entanto, é uma questão que tem causado muitas discussões em torno dos direitos

coletivos dos Índios sobre os conhecimentos tradicionais. Juridicamente, esses

conhecimentos não se enquadram num dos critérios fundamentais das patentes, ou seja,

a novidade. Nesse sentido, Ayres (2003) argumenta que “os conhecimentos tradicionais,

por serem tradicionais e passarem de geração em geração, mesmo que restritamente, já

41 Ibidem, p.32

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44

foram divulgados, então não possuem novidade absoluta, não podendo ser protegidos

como patentes.”42

Tal impasse só ratifica a presença antiga da interculturalidade nas aldeias, mesmo que

seja de forma unilateral. A interlocução entre o conhecimento dos indígenas e o

conhecimento dos não-índios tem uma história conhecida desde longo tempo, que

infelizmente, não foi nem justa e nem respeitosa, mas que sempre existiu.

No contexto contemporâneo, a proposta intercultural de ensino nas comunidades

indígenas é no mínimo dialógica. Isto porque representa uma necessidade de achar

caminhos para a subsistência de seus povos, com tecnologias alternativas provenientes

da cultura ocidental. Silva & Azevedo (2000) afirmam ser a escola indígena um lugar

estratégico de educação para o trabalho, pois deve refletir o seu projeto social de

empreendimentos profissionais voltados para as necessidades dos povos tradicionais.

Esta preocupação tem monopolizado as iniciativas indígenas de educação intercultural

em grande parte do Brasil e tem fomentado propostas curriculares condizentes com esta

perspectiva. Isto se reflete principalmente nos Estados do Amazonas, Roraima e Acre,

onde podemos encontrar uma forte ressonância desses propósitos nos objetivos de

educação formal traçados pelos professores indígenas. Estes entendem que a escola

precisa propiciar aos jovens estudantes opções de trabalho que possam garantir-lhes a

permanência nas suas comunidades. Somada à questão de subsistência, estão os

conflitos de identidades que os jovens indígenas sofrem, apartando-se de suas aldeias

em busca de trabalho e estudo.

Uma pesquisa realizada com os Baniwa no Alto Rio Negro, por Weigel (2000), mostrou

que os sentidos da escola para essa etnia se configuram numa ambivalência de

propósitos. Isto significa que, por uma nova conjuntura social e de sobrevivência, a

escola interfere na sua organização social, criando uma tensão progressiva entre

“preservar seus rituais e saberes míticos” e “abrir espaços de relação intercultural com a

sociedade envolvente.”43

42 Ayres, 2003, p. 123.

43 Grifos nossos.

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45

Nesse processo, as escolas funcionam como espaços de “fronteiras.” 44

Por esse motivo,

Silva (2001) argumenta que as sociedades indígenas, nas duas últimas décadas, estão

vivendo um momento de ebulição em relação aos seus processos de autoafirmação

cultural e de emancipação. Isto confere à escola indígena o desafio de manter os

aspectos estruturantes de sua cultura, promovendo a radicação das formas peculiares de

pensamento e das vivências de cada etnia. Este desafio inclui a valorização de suas

línguas e de seus modos singulares de produção, reelaboração e transmissão de

conhecimentos.

Assim, as escolas em constituição nas aldeias, estão mescladas de concepções nativas e

exógenas do conhecimento, e embora ainda não tenham consolidado a educação

intercultural, estão caminhando nessa direção. Diante desse fato, algumas questões são

pertinentes: Como os indígenas estão processando essa experiência? Como estão

construindo seus currículos? Que metodologias estão utilizando para contemplar a

interlocução entre conhecimentos tradicionais e ocidentais? E isso é possível? Estas

perguntas expressam a complexidade que significa unir num só projeto, questões de

cunho filosófico e pragmático, de cunho sustentável e sociocultural. São problemas que

buscam respostas nas concepções de cada povo sobre o que é o conhecimento. São

pontos articuladores de uma escolha que implica mentes respeitosas e atitude de

cooperação.45

São extremos que se entrecruzam em favor de um projeto maior de

sociedade: vida sustentável. Nessa linha de pensamento, Gadotti (2008) complementa:

Chamo de vida sustentável o estilo de vida que harmoniza a ecologia humana

e a ambiental mediante tecnologias apropriadas, economias de cooperação e

empenho individual. É um estilo de vida intencional, que se caracteriza pela

responsabilidade social, pelo serviço aos demais e por uma vida espiritual

significativa.46

Dessa maneira, acreditamos que algumas escolas indígenas do Alto Rio Negro buscam,

na forma intercultural de ensinar, caminhos para a auto-sustentabilidade dos povos da

região. E a escola tem sido um ponto de referência nesse processo, pois atualmente, este

44 Tassinari, 2001.

45 Gardner, 2008.

46 Gadotti, 2008, p.14.

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46

tipo de educação encontra-se em processo de experimentação na Amazônia brasileira,

como é o caso da Escola Pamáali, no Rio Içana.

Uma das questões principais propostas por Meunier & Freitas (2005) é a necessidade de

uma didática de ensino e aprendizagem que corresponda à dialética necessária entre as

culturas. Isto significa que uma didática da educação voltada para o desenvolvimento

sustentável

deve permitir ao aluno tocar com o dedo as realidades do nosso mundo. [...] É

necessário, por conseguinte, começar a ensinar pelo contexto no qual o aluno

encontra-se inserido, esse deve aprender a se apropriar, assimilar e

compreender as realidades de maneira ativa.47

Esse modo de investigar a natureza e os fenômenos encontra respaldo em metodologias

de ensino que considerem a pesquisa como eixo condutor do aprendizado, um dos

objetivos centrais do Ensino de Ciências na Amazônia.

1.3. Do diálogo entre culturas, uma nova racionalidade

“As sociedades precisam de estabilidade e mudança, de

ordem e liberdade, de tradição e inovação, de

planejamento e laissez-faire. Nossa saude e nossa

felicidade dependem de buscarmos simultaneamente

atividades ou metas mutuamente opostas.”

Fritz Schumacher

Para uma educação escolar intercultural, pressupõem-se concepções de conhecimentos

antagônicas, que a exemplo das escolas indígenas se tornam mais aguçadas. Dessas

concepções, surgem os problemas centrais das relações de poder, estabelecendo-se

confrontos que só reforçam hierarquias entre etnias, elegendo-se critérios

discriminatórios de cultura. Assim, “de modo particular, no mundo ocidental a cultura

européia tem sido considerada natural e racional, erigindo-se como modelo da cultura

universal.”48

47 Meunier & Freitas, 2005, p.135.

48 Fleuri, 2003, p.18.

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47

Nesse contexto, as outras culturas, consideradas inferiores, sofreram e ainda sofrem o

peso de uma realidade que precisa ser doutrinada, colonizada culturalmente, como se

seu processo histórico nada tivesse de interessante e válido a acrescentar à humanidade

e à Ciência. Todas as formas de pensamento mítico, religioso, popular, contrárias à

racionalidade científica seriam formas “primitivas” de ver e explicar o mundo,

pertencentes a povos nada esclarecidos e nada inteligentes.

Numa concepção de escola intercultural, os conhecimentos e as tecnolgias de etnias

diferentes se complementam desde que haja parcerias e não hierarquias. De acordo com

Santos (2003) “o reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de

um diálogo intercultural.”49

Sendo assim, as diversidades culturais existentes entre as

sociedades devem somatizar atitudes inclusivas de solidariedade e de conhecimentos. E

isso só é possível mediante o compartilhamento de aprendizagens entre os povos,

diminuindo a probabilidade de se tornarem destrutivos. Entretanto, não compactuamos

com a perspectiva de um radicalismo filosófico ou existencial de compreensão dos

problemas de um mundo globalizado. Trata-se, sobretudo, de um olhar ampliado sobre

os problemas fundamentais que afligem a humanidade, em suas carências primárias de

sobrevivência e de afirmação identitária.

Lévi-Strauss (1989), ao estudar o pensamento do Índio e sobre como ele constrói o

conhecimento, modifica concepções estereotipadas sobre o homem “selvagem” e

“primitivo” que não estuda a natureza e que não estabelece com ela uma relação de

investigação, descobertas e criatividade. Nesse sentido, explicita:

Foi no período neolítico que se confirmou o domínio do homem sobre as

grandes artes da civilização: cerâmica, tecelagem, agricultura e domesticação

dos animais. Hoje ninguém mais pensaria em explicar essas conquistas

imensas pela acumulação fortuita de uma série de achados feitos por acaso ou

revelados pelo espetáculo passivamente registrado de determinados

fenômenos naturais.50

Quando Lévi-Strauss (1989) afirma que o Índio é capaz de estabelecer um diálogo com

a natureza, podendo construir uma tecnologia própria para resolver problemas práticos e

49 Santos, 2003, p. 447.

50 Lévi-Strauss, 1989, p.29.

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48

expressar sua arte, delega às civilizações consideradas primitivas ou arcaicas, a mesma

predisposição à inventividade e à produção de conhecimento atribuida ao homem, na

modernidade. Esta abordagem justifica que a ideia de uma atitude passiva do Índio

perante a natureza começa a ser desconstruida. Nessa nova visão, o pensamento

selvagem se constitui em pensamento científico porque fica evidenciado que o Índio, a

sua maneira, há muito tempo vem fazendo Ciência. O grande paradoxo, segundo Lévi-

Strauss é que

existem dois modos de pensamento científico, com uma e outra funções, não

certamente estágios desiguais de desenvolvimento do espírito humano, mas

dois níveis estratégicos em que a natureza se deixa abordar pelo

conhecimento científico – um aproximadamente ajustado ao mundo da

percepção e ao da imaginação, e outro deslocado; como se as relações

necessárias, objeto de toda a ciência, neolítica ou moderna, pudessem ser

atingidas por dois caminhos diferentes: um muito próximo da intuição

sensível e outro mais distanciado.51

É bem verdade que a forma como o indígena aborda a realidade tem implicações

simbólicas muito diferentes daquelas que regem a cultura ocidental. Estas

representações, conforme Lévi-Strauss, fazem parte de uma dinâmica indissociável

entre homem e natureza, possibilitando uma convivência sensível e equilibrada entre

humanidade e ambiente.

Por sua vez, Santos (2008) faz uma análise do conceito de Ciência moderna como

portadora de um modelo global de estudo científico que se julga superior a qualquer

outra forma de conhecimento, não estruturado segundo seus princípios epistemológicos

e suas regras de abordagem do real. Esta forma de entender o saber científico acarretou

a existência de um paradigma dominante definidor de fronteiras entre senso comum e

Ciência, assentando-se numa lógica compartimentada do conhecimento. Aferem-se ao

método científico, características quantificáveis e reducionistas que nada têm a ver com

a complexidade.

O autor reforça ainda que se verifica hoje uma crise do modelo de racionalidade

científica, imprimindo à sociedade contemporânea uma nova lógica de interesse

intelectual, em que se criam caminhos alternativos para a resolução do problema de

51 Ibidem, p.30.

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49

conteudo do conhecimento científico. Nesse sentido, uma explicação viável para este

problema é ter que reconhecermos que se trata de “um conhecimento mínimo que fecha

as portas a muitos outros saberes sobre o mundo e que transforma a natureza num

autômato.”52

A partir dessa lógica, Santos contextualiza a situação de revolução científica que

vivemos hoje, como também social porque passa a exigir uma nova maneira de

relacionamento com a natureza e com as humanidades. Trata-se de um século que clama

por entendimentos em todas as facetas dos poderes instituidos, articulando os problemas

de forma analítica e intencional, e não apenas como relações de causa e efeito. É o que

ele denomina de “conhecimento prudente”53, aquele capaz de integrar as Ciências e

promover a inter-relação entre cultura, ambiente, sociedade e tecnologias.

Esse conhecimento que ora se impõe ao contexto das civilizações, sejam elas ocidentais

ou tradicionais, traz uma perspectiva pós-moderna de se fazer Ciência. Mesmo porque o

que rege o encontro entre as disciplinas e entre os povos são as políticas e os temas

planetários que colocam em sintonia aspectos globais e locais.

Contudo, se não houver mudança de concepções em relação ao conceito de Ciência

moderna, o processo de exclusão se acentuará e as diferentes culturas não terão espaço

para o diálogo. Desse modo, a dicotomia entre senso comum e saber científico só tem

ratificado um Ensino de Ciências descontextualizado, próprio de uma elite intelectual

que não alia os objetivos da Ciência aos propósitos humanitários e éticos.

Antes de qualquer tentativa de entendimento entre saberes, é preciso que as concepções

dos sujeitos, mesmo empobrecidas por pensamentos radicais, encontrem um meio de

reconhecimento mútuo entre as culturas. Não precisamos concordar com a forma de

pensar do outro, só precisamos olhar para as suas manifestações e deixar fluir as

experiências de alteridade que, certamente, nos enriquecem. É nesse sentido, que Morin

acrescenta: “o objetivo principal da educação na era planetária é o educar para o

despertar de uma sociedade-mundo.”54

52 Santos, 2008, p. 53.

53 Grifos nossos.

54 Morin, 2007, p. 63.

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50

Essa perspectiva de educação abrange experiências diversas de conhecimento ancoradas

em posturas de solidariedade e compromisso com as humanidades. Conhecer como o

indígena está construindo ou tem construido seus processos científicos atrelados à

educação confere à pesquisa científica a responsabilidade de aferir legitimidade às

práticas científicas desenvolvidas pelos povos indígenas do Alto Rio Negro.

A necessidade de inclusão da sociodiversidade aos processos de desenvolvimento

sustentável de uma região é enfatizada pelas reflexões de Leff (2006) e de Capra (1996)

que apostam nas várias matrizes do potencial criativo da humanidade, através da

valorização das culturas locais. Leff defende o conceito de “racionalidade ambiental”

como sinônimo de política da diferença, pois está sendo gestada no social, nesse novo e

necessário encontro de povos – Índios, Negros, Caboclos, Quilombolas e não-Índios.

Capra reafirma essa tendência, advertindo que a nossa visão de mundo não responde aos

problemas atuais. Vivemos uma realidade de superpovoamento e de interligação global;

entretanto, os nossos valores e percepções não acompanham as mudanças dos contextos,

pois continuamos investindo em processos de produção não condizentes com uma

perspectiva humanitária de perpetuação da vida.

Assim, o direcionamento de estudos sobre a relação entre diferentes culturas começa a

pontuar os principais desafios e graus de complexidade inerentes a análise desse

contexto. A pesquisa nesse campo exige um percurso metodológico de investigação

complexo, pois além de envolver pessoas, envolve culturas diferentes e concepções

divergentes sobre o processo de conhecer, de ensinar e de aprender. A construção desse

percurso, embora revelado no corpo de todo o trabalho, será melhor explicitado no

capítulo a seguir.

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51

CAPÍTULO II – O PERCURSO TEÓRICO-

METODOLÓGICO DA PESQUISA

2.1. UMA PESQUISA QUALITATIVA

O desenho metodológico que traçamos para alcançar os objetivos propostos em nosso

estudo baseia-se principalmente na abordagem qualitativa de apreensão do fenômeno

social, sem, contudo, desconsiderar os aspectos quantitativos complementares ao

processo de elucidação dos dados empíricos examinados. Assim, na análise de Pires

(2009),

quantidade e qualidade não são opostos, mas complementares. Dentro de uma

ciência humanizada, há uma linha de continuidade lógica a estender-se das

classificações qualitativas até as mais rigorosas formas de medida. Ao lado

do aspecto puramente técnico, ou mecânico, físico ou biológico, – enfim

experimental, – existem os aspectos social e político da ciência, sua dimensão

ética, cultural e histórica.55

Essa concepção relacional e sistêmica dos fatos sociais ou naturais encontra elo nas

reflexões de Morin (2004) sobre a necessidade de fazermos “ciência com consciência”,

onde as questões relacionadas aos focos de pesquisa têm dimensões contextuais que não

podem ser ignoradas na produção científica. Fazer ciência é inserir-se num mundo para

além do in vitro, sendo de enorme relevância o avanço de uma relação causa-efeito para

uma relação mais completa, aquela que além da dimensão explicativa dos fenômenos,

considera a dimensão compreensiva do objeto estudado.

É nesse sentido que procuramos caminhar na pesquisa de campo, cujas características

etnográficas foram substanciais na composição das nossas impressões e expressões

contextuais do objeto de estudo. Para concretizarmos uma abordagem compreensiva do

percurso educacional indígena investigado, houve a necessidade de adotarmos como

55 Pires, 2009, p.75.

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52

categoria de análise uma perspectiva etnológica de apreensão dos fatos. Uma vez que,

segundo Pires (2009)56

, “a trajetória que vai do conhecimento da realidade, do

entendimento dessa realidade, da interpretação dessa realidade e da explicação dessa

realidade, situa, em termos de níveis, a passagem evolutiva da etnografia para a

etnologia.”

2.1.1. O campo como gênese do problema: uma abordagem etnometodológica

Normalmente os itinerários investigativos das pesquisas científicas de caráter

qualitativo, realizadas em campo, seguem uma lógica de estudo dos processos sociais

historicamente construidos e previamente conhecidos pelo pesquisador. Entretanto, a

pesquisa que realizamos não tinha um problema formalizado inicialmente, pois não

tínhamos o conhecimento prévio do lócus de estudo.

O caminho metodológico que percorremos seguiu uma lógica inversa: primeiro o

campo, depois o problema, as questões norteadoras, os objetivos, a busca por

fundamentação teórica que se ajustasse às exigências epistemológicas da realidade

estudada (pesquisa bibliográfica, aportes teóricos sobre questões indígenas). Foi gerido

num processo interativo com o contexto de investigação, onde a revelação do objeto de

estudo foi gradativa e surpreendente, cabendo um trabalho de construção metodológica

que atendesse à dinâmica e ao grau de imprevisibilidade da realidade pesquisada.

Essa perspectiva de investigação científica encontra sustentação nas formas alternativas

de abordagem qualitativa, entre as quais, a etnometodologia. Na análise de Haguette

(1987), as exigências dos contextos sociais e históricos imprimem um delineamento de

estudos cada vez mais complexo. Desse modo, ao comentar sobre a etnometodologia,

infere que a mesma “procura descobrir os „métodos‟ usados pelas pessoas na sua vida

diária em sociedade, a fim de construir a realidade social. Procura descobrir também a

natureza da realidade construida por elas.”57

56 Ibid, p. 69.

57 Haguette , 1987, p. 50.

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53

Ao vivenciarmos a experiência de ir para o campo sem um problema de pesquisa

formulado, mesmo porque não tínhamos qualquer referência teórica ou empírica das

vivências indígenas do Alto Rio Negro, acabamos privilegiando a observação não-

direcionada e ocasional da práxis indígena, rica em detalhes e episódios, fortuitamente

apreendidos. Se a nossa intenção era conhecer essa realidade e encontrar a conexão da

prática escolar indígena com o Ensino de Ciências, descobrimos que a experiência é

fundamental para a constituição dessa relação.

Conhecendo a realidade, o problema se configura com mais clareza e a teoria se faz

necessária para compreendermos a sua origem e o significado para os sujeitos da

pesquisa, como também o processo histórico e político que o define. O próprio modo de

apreensão da realidade já é um construto metodológico que delimita a forma de

caminhar na pesquisa, delineando a exploração e análise dos fatos encontrados, bem

como a compreensão das relações contraditórias inerentes aos contextos históricos de

construção social.

É nesse sentido que Kaufmann (1996) compreende a pesquisa de campo como ponto de

partida e de composição do problema a ser interpretado ou construído. Nesse caso, a

constituição das reflexões sobre o objeto de estudo se constrói no percurso das

investigações onde tudo é válido: as conversas desinteressadas, as entrelinhas de

entrevistas espontâneas, um comportamento, um acontecimento que surge de repente.

Para Kaufmann, o pesquisador se constitui num “bricoleur”, encontrando no campo a

gênese do seu trabalho. Dessa maneira, como um “arquiteto intelectual”, vai

construindo suas impressões sobre a realidade estudada.

A composição dessas reflexões, de acordo com Pires (2009), confere ao trabalho

científico um grau de autenticidade e originalidade justificado pela maneira como o

quadro de análise se constitui. O conhecimento de campo, a princípio descritivo, deve

evoluir para um processo de arguição e interlocução, cuja meta é a relação entre os

fatores, os episódios, as ações compartilhadas, os mecanismos e os processos. Esse é o

momento mais rico de uma pesquisa, ou seja, o momento etnológico de abordagem das

variantes sociais, em que procuramos responder aos porquês de uma determinada

configuração, priorizando os significados que os sujeitos da pesquisa atribuem à

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54

realidade e aos problemas investigados. Assim, o sentido da pesquisa se manifesta e o

pesquisador demonstra a capacidade de sintetizar o percurso de suas descobertas,

identificando relações e interpretando-as.

Ao enfatizar a função da etnometodologia em pesquisas qualitativas, Pires (2009)

afirma:

A pesquisa qualitativa, em sua vertente etnometodológica, aposta na

necessidade de enfrentar o provocante desafio do entendimento de como se

configura e funciona o processo natural que a mente humana desenvolveu, e

continua desenvolvendo, para chegar ao conhecimento das coisas.58

Esse modo alternativo de investigar e conhecer os fenômenos prioriza o contexto como

matriz das observações, das reflexões e das análises do pesquisador. Tem como cerne a

compreensão da realidade, levando em consideração a subjetividade dos sujeitos da

pesquisa.

Ao tratar-se de uma pesquisa em contextos indígenas, mais especificamente em uma

escola indígena, a etnometodologia proposta por Haguette (1987), Kaufmann (1996) e

Pires (2009) norteou as observações de campo, onde a interlocução com os sujeitos da

pesquisa (alunos e professores da escola Pamáali) foi determinante para o encadeamento

da investigação e para a interpretação do pensamento desses sujeitos sociais em relação

à perspectiva intercultural de educação que desenvolvem.

Nesse contato, etnologicamente desvendado, construimos uma forma própria de

investigar essa realidade. O significado é o norte dessa caminhada e valoriza, também,

as prerrogativas de quem pesquisa. Assim, no caso do nosso percurso, o encontro do

pesquisador com o tema denota o início desse construto metodológico: da descrição da

experiência vivida aos significados das relações pensadas pelos sujeitos da pesquisa; das

impressões e expressões do campo à interpretação dos fatos encontrados.

58 Ibidem, p. 78.

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55

2.1.1.1. A construção de um percurso

“Assim como o acaso nos protege,

o tema encontra a gente.”

2.1.1.1.1. Um encontro com o tema

A nossa trajetória como professora tem mostrado que o magistério deve ser antes de

tudo uma opção. É uma profissão que indica claramente ser difícil equacionar boas

intenções com infraestrutura e com condições mínimas de trabalho para tornar possível

o alcance dos nossos planejamentos e das nossas ações. Esta falta de sintonia entre o

que se pensa e o que se pode fazer é muito comum, e os nossos propósitos em melhorar

o ensino ficam sempre comprometidos. É por esta razão que, ser professora por opção,

ajuda muito. Isto não significa admitir que ser professor59

seja apenas uma questão de

gostar ou estar sempre disposto a encarar os desafios com bom ânimo, sem considerar

as implicações históricas e políticas desse ofício. Mas, acreditamos que a verdadeira

motivação daquilo que fazemos, tem relação com nossas crenças e nossos sonhos, e

com nossas escolhas também.

No início do mestrado, em agosto de 2007, alguns de nós, mestrandos, não tínhamos

orientador. Somente no segundo semestre da pós-graduação, os pares (orientador-

orientando) começaram a se formalizar efetivamente. Até então, eu estava sob a

orientação do Professor Yuri Expósito Nicot, que leu o meu projeto e se propôs a me

ajudar no que fosse possível.

Em janeiro de 2008, conheci a Professora Maria Auxiliadora de Souza Ruiz, que estava

compondo o quadro de professores do Programa de Pós-Graduação em Educação e

Ensino de Ciências na Amazônia (PPGEECA) e que, a partir daquele momento, poderia

me orientar. A mesma ministraria a disciplina “Mitos e saberes populares na

Amazônia” e aproveitei para iniciar alguns estudos sobre a cultura indígena. A convite

da professora, participei de um Workshop para a criação do Museu vivo da Amazônia

59 Grifo nosso

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56

(MUSA), onde pude ter conhecimento sobre o seu processo de implantação e conhecer

um pouco sobre a inclusão da socidiversidade amazônica nesse projeto.

Ainda neste primeiro semestre, participei de um seminário sobre “Tópicos de Ensino em

Biologia” que acabou resultando num artigo sobre a imbricação necessária e complexa

entre tecnologia, sociedade e ambiente na Amazônia. Ao ler sobre esta questão e ao

discutir no seminário alguns problemas da Amazônia, comecei a querer mudar o meu

projeto. Comecei a pensar no quanto a nossa região é desconhecida pelos seus

conterrâneos, e no caso do Ensino de Ciências, que espaço a Amazônia teria nos livros

didáticos e nas abordagens em sala de aula? Ao comentar esse fato com a professora

Auxiliadora Ruiz, além de um bom incentivo, ela me propôs uma experiência diferente.

Na verdade, ela me apresentou um novo desafio: conhecer um pouco da realidade

indígena do Alto Rio Negro. Surgiria a possibilidade de conhecer Pamáali (Escola

Indígena Baniwa e Coripaco no Rio Içana), com uma experiência-piloto em educação

intercultural. No primeiro momento fiquei apreensiva, pois até então, jamais tinha

pensado numa pesquisa em área indígena. Era o princípio de uma jornada “não

digerida”; nem na teoria, nem na prática. Era tudo novidade. Mas, assim como o acaso

nos protege, o tema encontra a gente; e fomos ao campo.

2.1.1.1.2. Terras indígenas: muito prazer!

Na segunda quinzena de agosto de 2008, acompanhamos o professor Olivier Meunier,

Antropólogo e pesquisador francês, que precisava avaliar os processos de educação

indígena em andamento na região do Alto Rio Negro a fim de viabilizar, junto à

Universidade do Estado do Amazonas, estratégias de formação dos professores

indígenas na própria região. Tratava-se de um processo de reconhecimento das

comunidades que poderiam funcionar como pólos de formação, em pontos estratégicos

e acessíveis aos professores indígenas do Alto Rio Negro.

Antes de subirmos o Rio Negro e seguirmos viagem até Pamáali no Rio Içana,

precisávamos acertar algumas questões burocráticas e de cunho logístico em São

Gabriel da Cachoeira para que pudéssemos adentrar em terras indígenas. Foi o nosso

primeiro contato com as lideranças indígenas locais, podendo observar alguns passos

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57

importantes no contato com os Índios. A forma como se organizam perpassa pelo

princípio do diálogo e do respeito mútuo. Aquele que chega é sempre convidado a

expressar seus objetivos e suas intenções. Ao mesmo tempo, precisa compartilhar esse

momento com os Índios, onde tudo é decidido coletivamente. Ouvi-los falar em seus

idiomas é um momento significativo de cidadania, de troca, de valorização das

diferentes culturas ali representadas.

Para adentrarmos em terras indígenas, precisávamos de autorização da FUNAI e de um

documento emitido pela FOIRN com a identificação de cada um de nós. Éramos quatro

pessoas: Olivier Meunier, professora Auxiliadora Ruiz, eu e o barqueiro, um indígena

de etnia Baniwa, chamado Custódio Benjamin. O percurso por uma região de fortes

cachoeiras e corredeiras exige perícia de quem conduz o barco. Na época eu não sabia,

mas hoje eu entendo por que a maior parte dos indígenas dessa região é chamada de

Povos do Rio. Quando subimos o Rio Negro e chegamos ao Rio Içana, ainda estava

bem cheio, sem tantos perigos de encontro com as pedras. Mas mesmo assim, foi

percebível o cuidado que Custódio tinha ao escolher o caminho mais seguro, ou seja, o

percurso pelo leito do rio.

Foi uma viagem tranquila, com algumas alternâncias entre sol e chuva; um exercício

contínuo de “levanta a lona” e “baixa a lona”. Passamos por várias comunidades, dentre

as quais, Assunção do Içana, Ambaúba e Juivitera, as únicas onde foi possível parar

por alguns minutos e conversar com alguns indígenas.

Foto 3 e 4 – Comunidade Assunção do Içana

Fonte: campo, dez. 2009

Em Assunção do Içana era momento de missa e o canto evangélico espalhava-se por

toda a comunidade através de auto-falantes. Lembro-me que, à entrada da igreja, alguns

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58

jovens professores comentavam sobre a nossa chegada, perguntando se não ficaríamos

uns dias com eles, pois precisavam conversar sobre alguns problemas referentes ao

funcionamento da escola local. Acordamos que na volta, ficaríamos umas horas para

ouvi-los, pois tínhamos que pernoitar na comunidade de Custódio, chamada Ambaúba.

No entanto, o sol começava a se por, e quando ele se põe, a noite chega muito rápida.

Assim, tivemos que parar em Nazaré, numa comunidade anterior a sua. Lá, foi possível

ainda com claridade, tomarmos um banho, comermos e nos prepararmos para dormir.

No dia seguinte, continuamos nossa viagem, mas, paramos em Ambaúba para Custódio

falar com sua família. Fomos bem recebidos naquela comunidade. Eles nos ofereceram

um delicioso vinho de bacaba e depois retomamos o nosso percurso. Aproximadamente,

de hora em hora, passávamos pelas comunidades – Castelo Branco, Belém, Taiaçu

Cachoeira, Tunuí Cachoeira. Nesta, tivemos que parar para que os indígenas

transportassem o nosso bote pelas corredeiras. Tunuí Cachoeira tem uma vista

belíssima, pois está situada numa região cheia de montanhas.

Foto 5 – Comunidade Tunuí Cachoeira

Fonte: EIBC, mai 2006

Dando sequência à viagem, passamos por Uarirambá, São José, Santa Rosa, Tapira

Ponta, Santa Marta até chegarmos a Juivitera. Ao pararmos em Juivitera, encontramos

uma terra arenosa, com morros de areia branquinha e fina, cheia de coqueiros na

entrada. Havia também uma “comunidade de rãs e sapos” na beira do rio, bastante

receptivos com suas cantorias. Era impressionante a quantidade desses anfíbios, muitos

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59

ainda girinos, por toda parte, e fiquei curiosa para saber por quê. Fomos recebidos por

um velho indígena – o que eles chamam de Komu60

da comunidade – com o qual

conversamos por um bom tempo. A conversa foi muito interessante, principalmente em

relação à influência das religiões Católica e Protestante na região do Içana que geraram

conflitos identitários e divisórios, causando graves consequências. Estas dificultam

ainda hoje a revitalização das tradições e dos rituais indígenas dos Baniwa e Coripaco.

Fomos forçados pelo tempo a continuar viagem, mas ficamos com vontade de escutar as

histórias de resistência desses povos, muito bem rememoradas pelo nosso anfitrião. No

entanto, não podíamos permanecer mais tempo, pois precisávamos chegar à EIBC ainda

de dia.

E finalmente, a chegada a Pamáali foi à tardinha. Fomos recebidos com um canto, uma

homenagem dos alunos e professores. Primeiro eles cantaram na Língua Baniwa e

depois em Português. Todas as comunidades em que chegamos, temos que nos

identificar, falar dos objetivos da nossa ida às terras indígenas para depois ouvir a

opinião do capitão, dos professores e de algumas famílias. Alguns nos fazem perguntas

e expõem seus problemas. Em Pamáali, procedemos da mesma maneira para depois o

coordenador, junto com os professores, acertar a primeira reunião e organizar um

cronograma de ações, durante a nossa permanência na escola. Esta é muito parecida

com um acampamento, com horários determinados, com um ritmo organizado de ações

e que funcionava desde o ano 2000. Eles nos alojaram numa área onde deveria

funcionar a biblioteca que estava ainda por concluir e já bastante deteriorada. Fomos

informados que naquela mesma semana chegariam assessores do ISA61

para ministrar

dois cursos aos alunos: um sobre produção de textos jornalísticos e um outro sobre

informática básica. Mas mesmo assim, deu para organizarmos uma agenda de

observações de algumas aulas ministradas pelos professores indígenas da escola, para

fazermos entrevistas e para participarmos de algumas atividades de campo, junto com

os alunos. (ver fotos abaixo).

60 É o velho sábio da comunidade ou o pajé. Quando jovem, ele é iniciado pelos pajés sobre os segredos das plantas

medicinais e sobre os conhecimentos de seus ancestrais (mitos e ritos), trornando-se pajé. O Komu é também a

biblioteca viva dos povos indígenas do Alto Rio Negro.

61 Organização não governamental, onde uma de suas sedes está situada em São Gabriel da Cachoeira.

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60

Foto 6 e 7 – Escola EIBC-Pamáali

Fonte: campo, ago. 2008

Eu estava muito ansiosa para conhecer um lugar demarcado juridicamente e

considerado como terras indígenas. Esse nome “terras indígenas”62

era uma

motivação. Primeiro, porque nunca tinha estado entre comunidades indígenas mais

próximas, quanto mais em aldeias tão distantes e agora protegidas pela União. Segundo,

porque o poder da mídia é forte, tanto que a imagem dos povos indígenas, comumente

divulgada, retrata uma visão estereotipada – de Índios que moram no meio da selva, em

malocas, e que fazem muitos rituais. Por não conhecer a história desses povos, imaginei

encontrar um ambiente parecido, pelo menos com malocas. Sou uma prova expressiva

de como as representações que temos dos indígenas é fruto do que as escolas, a

televisão e os livros didáticos divulgam sobre os Índios, ou melhor, do que nada dizem

de concreto e de verossímil sobre eles.

Nesse momento, senti vergonha de ser brasileira, morando numa região com uma

história muito antiga de contato com os Índios e com a maior população de indígenas do

país. Assim, fiquei interessada em realmente mudar o meu projeto e começar a estudar a

questão indígena. A minha preocupação se acirrou mais ainda, quando comecei a pensar

no vínculo que faria com o Ensino de Ciências, quando na concepção de muitas pessoas

– principalmente dos catedráticos63

–, os Índios “não fazem ciência”64

, ou seja, o

máximo que fazem, é senso comum. A partir daí, esse truncado de concepções tornou-se

a faísca necessária para eu pensar no meu problema de pesquisa em Ensino de Ciências

na Amazônia, tendo como foco a escola indígena, ou mais precisamente, os caminhos

62 Grifos nossos.

63 Aqui entendidos como portadores de um saber superior, adeptos de um racionalismo científico.

64 Grifos nossos.

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61

que esta escola tem traçado na sua educação, buscando um ensino condizente com seus

interesses e suas necessidades. E como a Escola já desenvolvia uma proposta

intercultural de ensino formal, seria muito interessante estudar a forma como a Ciência

do Índio e a Ciência do não-índio se entrelaçam, se apóiam ou se complementam nesse

possível diálogo.

Estava decretada a minha longa jornada de leituras, estudos, e muito trabalho, pois

agora o meu tempo de dois anos para estudar um tema, resumiu-se em um ano e poucos

meses. Mas como afirmei anteriormente, fazer algo por opção ajuda muito.

Principalmente quando a escola é espaço privilegiado de intenções e ações políticas, que

podem modificar uma realidade. Estar entre os indígenas, conhecer de perto seus

problemas sociais e econômicos, poder contribuir para o processo de legitimação de

uma série de ações sistemáticas de ensino e de sua cultura é bastante gratificante.

Diante das condições estruturais da Pamáali, podemos dizer que os recursos materiais e

didáticos não estão a contento, mas o processo ensino-aprendizagem vivenciado por

seus alunos e professores indígenas tem um cerne metodológico criativo e muito

significativo para os Baniwa e Coripaco. Significativo porque foi construido e

reconstruido por eles. Não foi algo imposto, pré-estabelecido por instâncias alheias ao

seu contexto social e político. É um projeto de vida que tem na escola a projeção de seus

intentos filosóficos de existência. Acreditam no que fazem, e, por isso, conseguem ser

respeitados por quem chega e vê o que são capazes de realizar.

Tal qual o Rio Içana, abrigado por tantas belezas, caudaloso e contínuo, cheio de

contornos e desafios, os povos indígenas Baniwa e Coripaco exprimem o desejo de

triunfar. Entre tanta natureza, da qual nunca se sentiram apartados, demonstram saberes

antigos, adquiridos ou criados, não importa. São povos que se comunicam e que

valorizam a Língua nativa e a Língua de seus colonizadores, mesmo que outrora a

Língua do não-índio tenha servido como veiculo de dominação e de castração de seus

valores.

Atualmente, compreendem a Língua escrita da Língua Portuguesa e de outras Línguas

como uma estratégia política, propiciadora das relações com outras etnias. E nesse

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62

enlace, tal estratégia favorece o reconhecimento da cultura e da cidadania dos povos

indígenas, diminuindo as fronteiras socioculturais existentes.

2.1.1.1.3. Pamáali: impressões de um primeiro contato

A experiência da Pamáali nos oportunizou vivenciar muitas situações, dentre as quais, a

alimentação dos alunos indígenas, a forma como a escola se organiza, as metodologias

de ensino, os trabalhos de campo, as atividades de pesquisa em andamento. Naquele

momento, as possibilidades de encontrarmos um foco para a nossa pesquisa era a nossa

meta. As nossas leituras sobre a educação escolar indígena e sobre seu processo

histórico só estavam começando e o campo seria a matriz de possíveis questões que

norteariam a minha pesquisa.

Procuramos conhecer o espaço, a estrutura das casas, as salas de aula, a cozinha, a casa

das Ciências65

, os dormitórios dos alunos. A situação dos quadros das salas de aula,

como também a cobertura das casas demonstravam um quadro estrutural em péssimas

condições. Não pudemos conter a nossa surpresa em relação à alimentação dos alunos,

que não incluia peixe no cardápio. Havia apenas feijão, jabá,66

enlatado e arroz,

produtos fornecidos pela Secretaria de Educação do Município de São Gabriel da

Cachoeira como merenda escolar.

Tivemos momentos frutíferos de observação de algumas aulas e de acompanhamento de

atividades de campo. Fizemos, juntamente com os alunos e com o professor

coordenador dessas atividades, a trilha para a roça, bastante distante das casas, cerca de

dois a três quilômetros (45 min de caminhada). Esta mesma trilha é usada como “trilha

das ciências”, onde os alunos costumam observar, cultivar e coletar plantas, sementes,

raizes e lascas de troncos de árvores que servem como remédio. É importante ressaltar

que essas plantas são catalogadas nas línguas Baniwa, Coripaco e Portuguesa67

. E mais,

65 Local de realização de experimentos e seleção de insetos, anfíbios, peixes, tipos de pimenta etc. para estudo.

66 Sinônimo de charque ou carne seca.

67 Hoje 363 espécies de árvores catalogadas. (pesquisa de campo, dez. 2009).

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63

algumas delas são pesquisadas pelos alunos como recursos auto-sustentáveis:

cosméticos e fitoterápicos.

Foto 8 a 11 – A Trilha das Ciências

Fonte: campo, agos. 2008 e dez.2009

Apesar da precariedade das salas de aula, existe em Pamáali um espaço não-formal,

uma espécie de laboratório vivo que pode subsidiar muito conhecimento sobre a

biodiversidade da fauna e da flora locais. Os alunos ficam pouco tempo nas salas, só o

suficiente para discutirem alguns conceitos, registrarem as perguntas sobre um

determinado conteudo, enfim, como eles dizem: “o suficiente para que os alunos

aprendam a teoria”.

As explicações dos professores em aulas expositivas são sempre ratificadas, um fato que

se justifica pela prática bilíngue e hierarquizada de ensino da Língua: primeiro em

Baniwa e depois em Português. O processo interativo entre professor e aluno no campo

teórico parece restrito, ou seja, não há muita interlocução teórica, expressão oral de

conceitos. O que há, na verdade, são muitas perguntas e as dúvidas são aos poucos

esclarecidas mediante pesquisas e aulas práticas. Observei algo interessante: embora

seja uma Língua estrangeira para os Baniwa e Coripaco, o Português é muito bem

escrito por eles. Além disso, são muito aplicados em tudo que fazem, pois “tempo” não

é problema. Essa questão do tempo é muito engraçada! Em várias situações pudemos

observar que o nosso tempo não é o tempo deles. É como se eles nos perguntassem “Por

que a pressa?” Este fato demonstra o caráter qualitativo que os Índios imprimem à sua

educação. Ratifica a ressonância entre escola e prazer, algo que as nossas escolas –

escolas de branco, como eles dizem –, precisam aprender com os indígenas.

Outro fato que nos chamou a atenção foi a forma como a escola, na medida do possível,

procura se organizar. Todas as ações são informatizadas: as reuniões, os planejamentos,

as monografias que os alunos produzem sobre suas pesquisas, o PPP, os relatórios

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64

anuais das atividades pedagógicas, os dossiês de avaliação dos anos letivos da Pamáali.

Estes registros foram cedidos a nós muito gentilmente pelo Coordenador e Professor da

escola, Juvêncio da Silva Cardoso (Baniwa). Através desses registros, pudemos

caminhar bastante na pesquisa, no sentido de termos acesso ao processo de construção

de uma história de educação intercultural que Pamáali vem realizando há nove anos,

inclusive com a iniciativa de implantação do EMII, a partir de 2008.

O campo sem dúvida, para quem gostaria de iniciar um “namoro” com a educação

indígena, foi muito positivo. O que vimos em Pamáali deu para ter uma ideia de como

as coisas funcionam entre os indígenas, na realização de seus propósitos. Embora sejam

minoria no país, apenas 734.131 indivíduos68

, esboçam e concretizam projetos ousados,

estrategicamente articulados e fundamentados juridicamente. Existe uma razão coletiva

que aniquila as barreiras de qualquer imposição contrária aos seus objetivos e às suas

escolhas. Há uma congruência de compromissos entre as comunidades, capaz de superar

perspectivas individuais de desenvolvimento, sendo possível o intercâmbio de ações

cooperativas intra e interétnicas.

Uma impressão eu tive: a autodeterminação e a organização que os move, não permitem

brechas para o fracasso. As dificuldades enfrentadas são inúmeras. Numa das conversas

com os alunos e professores, um deles disse que nem sempre tem combustível para

chegar a Pamáali, e a única solução é a subida a remo69

. A energia elétrica nunca é

suficiente e as alternativas de produção de energia, adaptáveis ao local, não são

viabilizadas.

Os recursos de informática são irrisórios e em número inadequado para a quantidade de

alunos. A dificuldade de alimentação para os estudantes é uma constante, mas superável

pelo compromisso das famílias de todas as comunidades em contribuir com parte do que

pescam, caçam ou plantam, para a escola.

68 Porantim nº 253, jan/fev, 2003, p.9 ( Conselho Missionário Indígena – CIMI).

69 Para quem não conhece a realidade da região, não faz idéia da distância, porque têm alunos que passam cerca de 6

a 8 dias para chegar á Pamáali.

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65

A formação dos professores é outro desafio, talvez um dos principais. Conforme

observamos, a interlocução com os saberes da cultura ocidental exige uma

fundamentação nesses conhecimentos, e muitos dos professores indígenas reconhecem

essa necessidade. Dessa forma, reivindicam a seriedade das políticas públicas federais,

estaduais e municipais em relação a uma proposta intercultural de formação inicial e

continuada dos professores indígenas no Estado do Amazonas.

Entre tantos desafios, três situações sinalizam avanços significativos na educação

escolar indígena do Alto Rio Negro: (1) a ousadia de começar projetos e, na ação, forçar

o reconhecimento de uma educação diferenciada – ou seja, intercultural; (2) a não

aceitação de currículos pré-estabelecidos pelo Estado que não respondam aos seus

problemas e não valorizem suas tradições; (3) a certeza de que a conquista do território

é só o início e o respaldo necessário para continuar seu processo de emancipação.

2.1.1.1.4. De volta à Pamáali: expressões de um segundo contato

“O cientista social pesquisa in situ. Com a vantagem

de poder voltar sempre que quiser ao „campo‟ da

pesquisa, seja para novas verificações, seja para

complementação de informação, seja, ainda, para

apreciar a evolução ocorrida junto a essa realidade

em determinado espaço de tempo.”

José Pires

A mudança do termo impressões para expressões70

no segundo contato com Pamáali

tem um propósito conceitual ligado ao processo de evolução de apreensão da realidade

estudada. Segundo o dicionário Aurélio71

, o termo expressão significa enunciação do

pensamento por gestos ou palavras escritas ou faladas; o termo impressão, em uma de

suas acepções, significa estado físico ou psicológico resultante da atuação de elementos

ou situações exteriores sobre os sentidos – sensação.

No primeiro momento de contato com o campo de estudo, o que predominou foram as

impressões, ou seja, as sensações resultantes das observações aleatórias e ao mesmo

70 Grifos nossos.

71 Dicionário Aurélio, p.405.

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tempo compositoras de uma vivência indígena. O segundo momento foi mais

intencional, com expressões claras do que procurávamos esclarecer, aprofundar,

conferir ou ainda verificar com mais atenção e direcionamento. Foi realmente um

momento marcado pela expressão dos significados das ações processadas na escola,

principalmente no olhar de seus agentes.

Para chegarmos à Pamáali no início de dezembro de 2009, enfrentamos muitos

problemas por causa da seca. A região do Alto Rio Negro, antes coberta pelas águas,

mostrava o percurso difícil das cachoeiras que deixavam à mostra as enormes pedras. Se

na cheia levamos dois dias para chegar ao Médio Rio Içana, em Pamáali, na seca,

levamos três dias e meio. Enfrentamos um percurso de 390 km de São Gabriel da

Cachoeira até Pamáali. Passamos pelas principais comunidades do Rio Içana72

, desde

Boa Vista na sua foz, passando por Camarão, Piraiaurara, Assunção do Içana, Nazaré,

Tunui Cachoeira, Juivitera, Tucumã Rupitá, até chegarmos à Pamáali.

Algumas mudanças foram detectadas na infraestrurura da escola: as casas, antes

deterioradas, estão em processo de reforma; as salas de aulas foram ampliadas; uma

nova cozinha foi construida; a biblioteca, mesmo com poucos livros, está funcionando

(ver fografias na página seguinte). Em relação ao número de alunos, aumentou

consideravelmente. Hoje, Pamáali tem 01 turma de Ensino Médio73

(28 alunos

matriculados) e 02 de Ensino Fundamental (53 alunos matriculados). Quanto aos

aspectos pedagógicos, a mudança mais significativa foi a rotatividade dos professores,

pois do grupo anterior, apenas dois professores permanecem na escola. O Projeto

Político Pedagógico do Ensino Fundamental não foi modificado e o PPP do Ensino

Médio Integrado Indígena está em processo de elaboração. Estas questões pedagógicas

serão melhor explicitadas no capítulo destinado à experiência intercultural da EIBC.

72 O Rio Içana é um dos afluentes das cabeceiras do Rio Negro. Seus principais afluentes são os rios Yawiarí, Ayarí,

Cuyari, Pirayawara e Cubate. Sua bacia tem uma área de aproximadamente 3.5 milhões de hectares, dos quais 2.7

milhões em território brasileiro. Somente o Rio Içana possui uma área de 696 km de extensão, dos quais 620

encontra-se em território brasileiro. 110 km serve de linha de fronteira entre Brasil e Colômbia. (CARDOSO, projeto

de pesquisa, 2009, p. 3). 73 Funcionando como anexo da Escola Indígena Kariamã em Assunção do Içana.

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67

Foto 12 a 14 – Reconstrução das casas

Fonte: campo, dez.2009

Foto 15 a 22 – Salas de Aulas de Ensino Fundamental e Médio

Fonte: campo, agos. 2008

Fonte: campo, dez.2009.

Foto 23 a 26 – Biblioteca da EIBC

Fonte: campo, agos. 2008 e dez.2009

Foto 27 a 34 – Cozinha da EIBC

Fonte: campo, agos. 2008

Fonte: campo, dez.2009

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68

O objetivo desse segundo momento em Pamáali foi fundamental para avaliarmos o

percurso das metodologias de Ensino de Ciências via pesquisa na escola, como também

para complementar algumas questões referentes ao PPP do Ensino Fundamental, que

precisavam de informações complementares.

Outra preocupação para este momento foi a reunião com os professores da escola para

conversarmos sobre o produto que teríamos que apresentar, ao final da pesquisa. Este

produto, de alguma forma, deveria contribuir para o processo de legitimação e de

emancipação da escola indígena intercultural no Alto Rio Negro, tendo como alicerce

pragmático a experiência da EIBC como uma das escolas pioneiras nessa proposta de

ensino. Na opinião do Coordenador da escola, Raul Feliciano Miguel Brazão, como

também dos outros professores, seria viável que esse produto refletisse os interesses

políticos e pedagógicos da escola indígena almejada pelos Baniwa e Coripaco,

priorizando as necessidades de sustentabilidade das comunidades do Rio Içana.

Entendemos, portanto, que as prerrogativas de educação formal dos indígenas do Alto

Rio Negro são singulares porque consideram os interesses coletivos de um grupo, tendo

como parâmetros para a ação, as suas concepções de escola indígena. Assim, sem

desconsiderar o significado da escola para os Baniwa e Coripaco, procuramos a conexão

dessa educação com um Ensino de Ciências em espaços não-formais. E acabamos

encontrando um elo muito forte com a metodologia de ensino com pesquisa, que

determinou a imbricação entre Ensino de Ciências e educação escolar indígena.

Dessa maneira, pensamos uma proposta pedagógica que represente essa imbricação:

uma estratégia de Ensino de Ciências através da pesquisa para o Ensino Médio

Integrado em contextos escolares indígenas, que reflita a perspectiva intercultural de

educação, tendo como parâmetro para sua elaboração, a experiência da Pamáali.

Também neste retorno, entrevistamos os alunos e os professores; ministramos oficinas

para os discentes, com o intuito de reunir material para a análise da relação entre ensino

com pesquisa e o desenvolvimento sustentável e, participamos da trilha das Ciências

com a turma de EMII. Aproveitamos para registrar as atividades de campo e de sala de

aula relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, isto é, à forma como está sendo

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69

desenvolvido. Estes procedimentos de observação e coleta de dados serão aprofundados

nos tópicos específicos a cada um deles no percurso metodológico aqui desenhado.

2.2. UM ESTUDO DE CASO: A REPRESENTATIVIDADE

INTERCULTURAL DA PAMÁALI

“Prática é condição de historicidade. Caso contrário,

não acontece. A história concreta nunca é o que a

utopia sonha, o que a teoria constrói; mas é o possível

concretamente, a maneira de acontecer.”

Pedro Demo

A pesquisa de campo em um local específico, cuja análise do processo está delimitada,

tem relação com a estratégia de estudo de caso, que conforme Yin (2005) é muito

utilizada em investigações que visam esclarecer questões do tipo “como” e “por que”,

e em contextos da vida real que representem uma particularidade significativa de um

processo mais geral.

As técnicas para coleta de dados utilizadas nessa estratégia de análise são bastante

pertinentes a uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo e etnometodológico, como é

o caso do estudo que realizamos. Retornando às inferências de Pires (2009),

a maioria dos autores situa o estudo de caso como sendo uma estratégia de

investigação integrante da pesquisa qualitativa. A razão desta tendência deve-

se ao fato de que a abordagem qualitativa presta-se muito à pesquisa aplicada

descritiva, campo fértil aberto à pesquisa educacional, que enfatiza os

aspectos qualitativos de uma realidade estudada.74

Nessa direção, fazer uso da estratégia de estudo de caso em nosso trabalho é aferir à

Pamáali o que Chizotti (1991) denomina de “unidade significativa de um todo,” cuja

experiência se torna relevante a partir de uma descrição crítica de seus processos em

relação aos parâmetros de seu universo. É por esta razão que um estudo de caso não

pode se restringir à descrição pormenorizada de uma realidade, sem fazer inferências

aos aspectos descritos.

74 Pires, 2009, p.92.

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70

Concordamos com Pires (2009), quando afirma que o mais importante num estudo de

caso, não é o fato de ser simples ou múltiplo, de ser indutivo ou dedutivo. O que

prevalece como válido é o grau de representividade de suas inter-relações com o

universo onde está inserido. Assim, “quando se pretende fazer inferências relativas ao

universo tendo que recorrer a amostras desse universo, é necessário estimar os

parâmetros do universo a partir da amostra, o que envolve a questão da

representatividade.”75

Dito desta forma, a representatividade não é testável. Os estudos de caso, como

amostras de uma realidade, apresentam resultados passíveis de generalização a partir do

julgamento de quem entra em contato com os resultados da pesquisa e afere a um

contexto mais abrangente a relevância desse estudo. Entretanto, para fazer isto, precisa

conhecer a situação concreta dos problemas ligados a esse contexto.

Por sua vez, Yin (2005) especifica que os dados para os estudos de caso podem se

basear em muitas fontes de evidências: “documentação, registros em arquivos,

entrevistas, observação direta, observação participante, e artefatos físicos.”76

Tais

procedimentos são fundamentais no processo de coleta de dados para ratificar

aprendizados empíricos que são certamente passíveis de contestação e que precisam

apresentar consistência teórica. Yin nos lembra que o estudo de caso se ajusta às

pesquisas qualitativas pelo fato de abranger uma diversidade de evidências, sendo a

estratégia adequada para lidar com várias fontes de informação apreendidadas no

campo.

Em consonância com essas afirmações, Kaufmman (1996) reforça a respeito da relação

entre teoria e pesquisa de campo, colocando-as no centro da sociologia compreensiva e

da metodologia qualitativa. Na tradição das ciências sociais, é definida como histórica, e

abstrata, sob a forma de uma arquitetura conceitual, originária da hipótese. Esta

definição a partir da teoria deriva seguindo em direção da arte da linguagem, daquele

que procura teorizar e que tem uma cultura teórica. O objetivo deve sempre ser não a

75 Ibidem, p. 92.

76 Yin, 2005, p. 110.

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71

produção de teoria para a teoria, mas a descoberta, a capacidade inteligivelmente social.

Para isto, precisa confrontar regularmente e de maneira controlada os modelos de

explicação dos fatos: tal é a função do método, como um instrumento que deve ser

simples, variável, evolutivo. Mesmo porque o método evolui historicamente e o ponto

crucial dessa evolução “é justamente a „confrontação crítica‟ entre teoria e observação,

„movimento pendular ininterrupto entre os níveis do saber.‟”77

Assim, a pesquisa que realizamos in loco com os indígenas Baniwa e Coripaco, focando

uma de suas escolas, tem como estratégia complementar de trabalho de investigação, o

estudo de caso. A escolha do local para a realização da pesquisa se deve principalmente

à “oportunidade da experiência”, que, na verdade, tem também relação com o processo

histórico de educação indígena no Alto Rio Negro. E Pamáali é uma das referências em

Educação Intercultural, uma vez que desenvolve essa proposta desde 2000.

Como a EIBC é de difícil acesso e as condições logísticas são poucas, organizamos dois

momentos de estudo na escola (relatados no início deste capítulo), sendo cada momento

por um período de quinze dias. Parte da nossa coleta de dados foi abstraida de

documentos arquivados, informatizados pela escola e pelas Organizações Indígenas e

não governamentais locais (FOIRN, ISA, ACEP78

). Outra parte, a mais significativa,

fluiu da pesquisa de campo através de entrevistas, filmagem, observação direta,

observação participante etc.

2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS

Os procedimentos que adotamos para a coleta e o tratamento de dados dizem respeito ao

desenho metodológico da pesquisa e aos objetivos propostos neste percurso. Devido às

características etnográficas e etnológicas do objeto de estudo, a observação de campo,

as entrevistas e a análise de documentos foram as formas fundamentais de

conhecimento do problema, como também da compreensão da situação pesquisada.

77 Termo utilizado por Norbert Elias (1993, p.35), citado por Kaufmann, 1999, p. 24. 78 Associação do Conselho Escolar de Pamáali (ACEP).

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72

Procedimentos ligados ao registro de campo como fotos, filmagem e artefatos físicos

foram estratégias complementares que fortaleceram as evidências das ações

desenvolvidas por alunos e professores, relacionadas ao Ensino de Ciências através da

pesquisa na escola, como também serviram para falar “por si só”79

do lócus do estudo.

As oficinas realizadas com os alunos, que derivaram textos escritos e desenhos

elaborados por eles, funcionaram como instrumentos de análise da relação entre a

perspectiva intercultural de educação indígena e os dois focos entrelaçados a ela: o

Ensino de Ciências através da pesquisa e o desenvolvimento sustentável na região do

Rio Içana. A fim de elucidarmos os principais procedimentos, fazendo a relação entre

teoria e prática, abordamos cada um em particular.

2.3.1. A análise de documentos

Segundo Severino (2007), a técnica conhecida como documentação é “toda forma de

registro e sistematização de dados, informações, colocando-se em condições de análise

por parte do pesquisador.”80

Os documentos analisados cumpriram três propósitos:

levantar dados sobre o grupo pesquisado; identificar as ações desenvolvidas pela escola

e; fornecer fontes utilizadas no desenvolvimento do raciocínio argumentativo da

dissertação.

Os documentos em poder da escola estudados por nós foram o Projeto Político

Pedagógico (PPP-2007); as monografias produzidas pelos alunos do Ensino

Fundamental (turmas 2004 e 2006); os relatórios da EIBC (2007 e 2008); o dossiê

Pamáali – Projeto Educação Escolar no Alto Rio Negro (2007); o relatório do I

Seminário do Ensino Médio Integrado Indígena (2008).

2.3.2. As entrevistas

Na pesquisa de campo, as entrevistas contemplaram as prerrogativas da abordagem

etnometodológica comentada anteriormente. No primeiro momento de contato com os

79 Grifos nossos.

80 Severino, 2007, p.124.

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73

Baniwa e Coripaco em Pamáali, procuramos investir em entrevistas espontâneas ou não-

estruturadas, concentrando-nos mais na percepção das ideias ou pensamentos implícitos

contidos nas falas dos alunos e dos professores. Estas entrevistas foram mais uma

conversa, uma forma de conhecer as perspectivas e histórias de vida do grupo

investigado, estabelecendo com eles um certo grau de amizade e de confiança. Quanto a

esta forma de entrevistar, Yin (2005) infere que, num estudo de caso, as entrevistas

agem em dois níveis ao mesmo tempo: satisfazem o interesse do investigador em

relação ao problema de estudo e, contribuem para a aproximação amigável entre

pesquisador e sujeitos da pesquisa. Para isto, Kaufmann (1996) reforça que é preciso

romper com as hierarquias, de tal forma que o entrevistado se sinta à vontade e a

conversação entre dois indivíduos seja nesse nível. Este estilo de conversa toma

realmente corpo, fazendo com que o indivíduo se esqueça da entrevista, falando

naturalmente em torno do sujeito.

O segundo momento no campo foi mais diretivo e intencional. As entrevistas com os

professores seguiram a mesma lógica das nossas intenções, ou seja, foram estruturadas a

partir de um questionário prévio (ver anexo 1, pag. 164), organizador das questões a

serem esclarecidas na entrevista coletiva com eles. Em síntese: entrevistas estruturadas

“são aquelas direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação

interna, aproximando-se muito do questionário, embora sem a impessoalidade deste”.81

As entrevistas com os alunos seguiram uma trajetória diferente, pois não foram

embasadas em questionário prévio. As perguntas surgiam de acordo com o contexto de

atividades que realizávamos junto com eles, como a trilha das Ciências, a visita à casa

das Ciências, as oficinas e as conversas em sala de aula. Entretanto, o conteudo das

perguntas foi direcionado para as questões norteadoras da pesquisa.

2.3.3. Registros e observação de campo

Yin (2005) argumenta que a observação direta e participante são técnicas muito usadas

em uma estratégia de estudo de caso. Em Pamáali, utilizamos a observação como um

81 Severino, 2007, p. 125.

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74

dos principais meios de conhecimento dos comportamentos ou condições ambientais

relevantes para o estudo. Fizemos observação direta porque o campo se constituiu na

matriz de todo o processo de conhecimento do local estudado, tornado-se sua principal

referência. Fizemos também observação participante, na medida em que a nossa

investigação avançou do estágio de passividade para um estágio de vivência em muitas

práticas desenvolvidas na escola, junto com os alunos e com os professores.

Os registros de campo incluiram artefatos físicos, entendidos por Yin como alguma

evidência física (fotos, filmagem, textos escritos, desenhos etc.) que possa contribuir

para um exame mais apurado de caracteres culturais, de uma forma de expressão e que

possa demonstrar um processo de aprendizagem ou ainda uma representação simbólica

de um lugar, de um conceito, etc. (ver fotos abaixo).

Foto 35 a 38 – Laboratório vivo da Pamáali

Fonte: campo, ago.2008 e dez 2009

Assim, os procedimentos que adotamos em relação à coleta de informações na sala de

aula, nas oficinas, nas atividades práticas dos alunos, na área da escola, no percurso da

viagem, nas comunidades indígenas por onde passamos, constituiram-se em registros ou

artefatos físicos de grande valor etnográfico e etnológico para a configuração dos dados

e da interpretação dos mesmos.

2.3.3.1. Oficinas: um registro etnológico

A realização de oficinas pode ser caracterizada neste trabalho, como um instrumento de

análise de dados, constituindo-se em registro de campo. Porém, o principal propósito de

tal instrumento foi o registro de aspectos etnológicos (no nível do significado)

considerados na pesquisa.

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75

Realizamos duas oficinas com os alunos: uma, na primeira viagem à Pamáali (agosto de

2008) e outra, no segundo momento da pesquisa (dezembro de 2009). A primeira

oficina teve dois objetivos: (1) perceber a familiaridade dos alunos indígenas com o

texto poético e orientá-los sobre as características desse gênero textual; e, (2) identificar

os mitos de origem Baniwa e Coripaco de animais e plantas regionais conhecidos pelos

alunos e estudados nas aulas de Ciências Naturais. A proposta era que eles

descrevessem, poeticamente, essas origens.

Foto 39 a 40 – Oficina 1: Produção de textos poéticos: mitos de origem (1º momento)

Fonte: campo, ago.2008

Foto 41 a 42 – Oficina 1: Produção de textos poéticos: mitos de origem (2º momento)

Fonte: campo, ago.2008

Na segunda oficina, propusemos aos alunos do EMII, ex-alunos do Ensino Fundamental

em Pamáali, que expressassem as dimensões mitológicas (através de desenhos) e

científicas (através da escrita) de seus trabalhos de pesquisa (monografias), fazendo a

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76

relação dos estudos realizados com o desenvolvimento sustentável da região do Rio

Içana.

Foto 43 a 44 – Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação com

a sustentabilidade (1º momento)

Fonte: campo, dez 2009

Foto 45 a 46 – Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação

com a sustentabilidade (2º momento)

Fonte: campo, dez 2009

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77

Foto 47 a 48– Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação

com a sustentabilidade (3º momento)

Fonte: campo, dez 2009

Os resultados desse estudo estão explicitados no terceiro capítulo deste trabalho, quando

focamos a imbricação entre educação intercultural, ensino via pesquisa e

desenvolvimento sustentável, examinando as monografias que contemplaram a relação

entre esses três aspectos.

2.4. ELEMENTOS BÁSICOS DA PESQUISA

2.4.1. Problema

Considerando que a escola Pamáali desenvolve uma proposta de ensino intercultural há

mais de nove (9) anos, como a Ciência do Índio e a Ciência do não-índio estão

imbricadas nesse processo e de que forma um Ensino de Ciências através da pesquisa

viabiliza essa relação? Ainda nesse contexto, qual a contribuição da experiência

intercultural da Pamáali para o Ensino de Ciências na Amazônia?

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78

2.4.2. Questões norteadoras

• Como os Baniwa e Coripaco estão construindo sua educação escolar formal?

• Por que a opção por uma educação intercultural?

• Que metodologias sustentam essa prática de ensino e qual a relação com o Ensino de

Ciências na Amazônia?

2.4.3. Objetivo geral

• Contribuir para o processo de construção de uma educação escolar indígena

intercultural na Amazônia brasileira, tendo como parâmetro a experiência de ensino

com pesquisa, vivenciada na Escola Indígena Baniwa e Coripaco-Pamáali no Alto Rio

Negro e suas implicações para o Ensino de Ciências na Amazônia.

2.4.4. Objetivos específicos

• Estudar as práticas de ensino intercultural via pesquisa, vivenciadas na Pamáali e suas

imbricações com o Ensino de Ciências na Amazônia;

• Compreender a necessidade de uma educação indígena pautada na interculturalidade,

tendo em vista os problemas socioambientais, culturais e de auto-sustentabilidade dos

povos indígenas do Rio Içana, no Alto Rio Negro;

• Propor uma estratégia de Ensino de Ciências via pesquisa para o Ensino Médio

Integrado em escolas indígenas do Alto Rio Negro, tendo como parâmetro para sua

elaboração, a experiência intercultural da Pamáali.

2.4.5. Objeto da pesquisa

O foco de análise e de reflexão deste trabalho centraliza-se no processo de construção

da educação intercultural desenvolvida na Escola Indígena Baniwa e Coripaco-Pamáali

no Médio Rio Içana, no Alto Rio Negro, que favorece um estudo do Ensino de Ciências

através da pesquisa. Nesta perspectiva, os indígenas propõem um itinerário escolar que

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79

seja um eco de suas histórias, suas tradições e seus projetos de desenvolvimento

socioambientais e econômicos, articulados ao caráter recursivo de suas ações.

2.4.6. Sujeitos da pesquisa

São os professores (seis) e alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio integrado

Indígena (81 estudantes) da escola EIBC-Pamáali.

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80

CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL

DA PAMÁALI

3.1. SOBRE PAMÁALI

A escola indígena Pamáali situa-se na bacia do Rio Içana, um dos principais afluentes

do Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira-Amazonas, em terras

indígenas demarcadas e homologadas a partir de abril de 1998. Foi construida numa

área de 3 (três) km², cujo percurso de São Gabriel da Cachoeira até sua sede é de

aproximadamente 390 km.82

Foto 49 – Escola indígena Pamáali

Fonte: Arquivos da EIBC

Hoje, o município de São Gabriel da Cachoeira abriga cerca de 40% dos Índios

existentes no Estado do Amazonas, o que significa ser 10% da população indígena do

Brasil. Vivem em seu território (112.255km²) 22 povos indígenas83

distribuidos em

quatro famílias linguísticas: Tukano oriental, Aruak, Maku e Yanomami. A sua

população é 90% indígena.

82 EIBC, pesquisa de campo, dezembro de 2009.

83 Tukano oriental: Tukano, Dessano, Kubeo, Wanano, Tuyuka, Pira-tapuia, Miriti-t puya, Arapaso, Karapanã, Bará,

Siriano, Makuna; Aruak: Baniwa, Kuripaco, Baré, Werekena e Tariana; Maku: Hupda, Yuhupde, Dãw e Nadõb;

Yanomami. (GERSEM DOS SANTOS, 2001).

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81

Historicamente, por representar quase o total da população do município, os Índios

dessa região têm construido um caminho de lutas pela demarcação de suas terras e pela

autoafirmação política, econômica e sociocultural de seus povos, sendo a educação, uma

de suas principais bandeiras.84

Vale ressaltar que as Línguas Baniwa, Tucano, Ñhengatu

e Portuguesa são faladas, oficialmente, em São Gabriel da Cachoeira.

Os povos indígenas mentores da escola Pamáali, os Baniwa e Coripaco, são da família

linguística Aruak, distribuidos em 93 comunidades ribeirinhas. Os Baniwa ocupam todo

o Rio Içana e seus afluentes Aiari, Cuiari e Cubate e também formam comunidades no

Rio Negro, sendo encontrados nas cidades de São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio

Negro), Barcelos e Santa Isabel (Médio Rio Negro) e Manaus (Baixo Rio Negro). Os

Coripaco ou Wakuenai, variantes do nome Baniwa, moram às margens dos Rios Inírida

e Guiania, na Venezuela e na Colômbia, em espaços de fronteira com o Brasil85

.

O local de construção da escola tem motivações pragmáticas e mitológicas. Os motivos

pragmáticos dizem respeito ao ponto estratégico que o lugar representa para a

acessibilidade dos alunos. Ao situar-se no Médio Rio Içana, a escola Pamáali fica

próxima dos Baniwa, como também dos Coripaco. Os motivos mitológicos, por sua vez,

estão relacionados ao histórico de sacralidade do local.

3.1.1. Sentidos da Pamáali

“As geografias tornam-se verbo.”

Enrique Leff

De acordo com Wright (2005), os mitos Aruak explicam o surgimento dos ancestrais

Baniwa e Coripaco a partir dos territórios que ocuparam, sendo o principal deles, a

cachoeira de Hipana. Esses territórios possuem sítios arqueológicos que podem revelar a

antiga ocupação desses povos, nos principais rios da região. Desse modo, nas pesquisas

de Wright:

84 Gersem dos Santos, 2001.

85 Mapa Livro (2000).

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82

a cachoeira de Hipana, ou Uapui, considerada o „Umbigo do mundo‟ por

muitos povos Aruak do norte, é certamente um dos lugares de ocupação

ancestral a partir do qual os povos Aruak se dispersaram. [...] O Rio Içana e

especialmente o Rio Aiary, próximo à cachoeira de Hipana – o lugar de

nascimento mítico da humanidade para a maioria dos povos Aruak-falantes

do Noroeste da Amazônia – e também os igarapés Uaraná, Quiary e Pamáali,

provavelmente, possuem sítios antigos importantes.86

Esse indicativo de ancestralidade ligado aos territórios mostra que na concepção dos

Baniwa e Coripaco, lugares têm vida e são espaços significativos de espiritualidade.

Além de que, segundo Wright, a origem desses povos não está associada à vinda de

antepassados de regiões distantes trazidos pela anaconda, como está para os Tukano. Na

verdade, os mitos de origem Baniwa e Coripaco estão associados a um lugar específico

(Hipana) e a outros poucos territórios considerados sagrados na região do Rio Içana.

No caso da EIBC, o poder simbólico da palavra Pamáali conferiu ao processo de

construção da educação escolar Baniwa e Coripaco, o caráter indígena de não

dicotomizar homem e natureza, mito e Ciência. Conforme o que está registrado no seu

dossiê (2007), a escola foi construida numa área onde antigamente era a terra sagrada

dos Waliperi-Dakenai, chamados de Hemapana. Esses ancestrais, conforme a mitologia

Aruak, originaram os Baniwa e Coripaco, hoje subdivididos em fratrias, descendentes

dos mesmos irmãos ancestrais. Toda vez que esses subgrupos querem ocupar uma área,

deve ser de acordo com o território étnico onde cada povo tinha seus lugares sagrados.

O nome Pamáali é devido, principalmente, ao nome de um guerreiro chamado Paanhali

que foi morto com suas armas de guerreiro e jogado no igarapé que circunda toda a área

da escola, hoje chamado de igarapé Pamáali.

Entretanto, outros sentidos foram atribuidos ao nome Pamáali, em decorrência das

possíveis (re) significações míticas que compõem as relações entre esses povos e a

natureza. O imaginário indígena, fertilizado pela forte relação que o Índio estabelece

com os animais, as plantas, as árvores, os lugares etc., tem gerado inúmeras

interpretações sobre o signo87

, ou seja, sobre a necessidade de atribuirem ao nome ou à

palavra, mais de um significado. Dessa forma, o termo Pamáali, além de representar um

86 Wright, 2005, p.14.

87 Nos estudos de Vygostsky o signo é a palavra que medeia a formação de um conceito e depois torna-se o seu

símbolo. (VYGOSTSKY,1998, p.70).

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83

lugar sagrado, onde morreu um grande guerreiro Baniwa, significa também uma árvore

que dá muitos frutos, cuja casca luminosa serve para iluminar os caminhos escuros e

confusos na mata fechada.

Essa dimensão simbólica da relação Índio/natureza e da proximidade que os Baniwa e

Coripaco têm com o mundo vegetal é explicitada em um de seus mitos cosmogônicos:

Estes povos também têm seu Deus criador, Heko, e seu Deus que dá a vida,

Kali, que viveram no céu; e outros seres sobrenaturais que vivem na Terra. A

que dá criação da Terra, Heko, perguntou do primeiro ser vivente como

gostaria que fosse a vida da humanidade. O primeiro homem respondeu: „Eu

quero ser como as plantas‟. Por isso, para os Baniwa e Coripaco, a vida

humana é comparada à vida vegetal. Algumas árvores morrem pequenas,

outras adultas, outras mais velhas. Na beira do rio, quando se encontram

muitas árvores caidas, significa que muitas pessoas vão morrer também. A

vida tem muita relação com a natureza, se as árvores morrem, muitas

sementes morrem, as plantinhas morrem, os seus galhos quebram. Assim

também os homens morrem, apesar de alguns alcançarem certa idade. Por

isso sabemos hoje, vendo toda essa realidade, que a humanidade tem toda

semelhança com o mundo vegetal. Por essa razão, os povos Baniwa e

Coripaco respeitam muito a natureza, principalmente as árvores88.

Os indígenas, portanto, ressaltam o valor da terra e de seus atributos, a partir do que ela

representa em termos de existência; o que transcende o sentido de sobrevivência. Por

esta razão, os valores implícitos em suas ações são tão importantes quanto àqueles que,

pragmaticamente, costumamos evidenciar numa relação entre indígenas, ambiente e

territórios. Essa relação complexa justifica estudos pertinentes entre antropologia e

ambiente, pois nas reflexões de Waldman (2006),

em todas as sociedades tradicionais, a presença da natureza nos mitos, nas

cosmogonias, nas representações simbólicas, nas manifestações religiosas e,

além disso, nas práticas materiais e nas transformações incorporadas à

paisagem criada, sempre foi uma evidência marcante.89

O que revelamos como forma cultural de significados tem raizes em estudos e pesquisas

psicossociais que enfatizam a relação entre cultura e manifestações comportamentais.

Os estudos de Vygotysky (1998) sobre os aspectos sociais e culturais de formação da

mente humana comprovaram que “o uso de signos conduz os seres humanos a uma

88 Histórico dos Baniwa e Coripaco (EIBC-PPP, 2005, p.6).

89 Waldman, 2006, p.58.

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84

estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e

cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura.”90

Essa particularidade da psicologia do homem imprime à linguagem uma função

simbólica de grande relevância para a expressão dos pensamentos de diferentes

sociedades. Os indígenas, por exemplo, criam suas narrativas num processo de diálogo

entre imaginação e contexto. Tal relação não se dá de forma aleatória, por isso, ao

retratar o grau de importância da imaginação nos processos de formação dos

pensamentos humanos, Vygotsky (1998) ressalta que:

A principal diferença entre a imaginação e as demais formas de atividade

psíquica humana consiste no seguinte: a imaginação não repete em formas e

combinações iguais impressões isoladas, acumuladas anteriormente, mas

constrói novas séries, a partir das impressões anteriormente acumuladas.91

Sendo assim, o ato de imaginar é ato de criar, constituindo-se numa atividade superior

do intelecto humano, determinante nas situações de interpretação da realidade social.

Fica claro, portanto, que os aspectos cognitivos inerentes ao ser humano, de forma

alguma são os únicos determinantes de seus comportamentos e de suas capacidades de

compreensão da realidade. A cultura e a historicidade de cada povo delimitam os

horizontes de interpretação dos fatos, gerando diferentes concepções de conhecimento.

Essa questão nos remete à importância da memória coletiva indígena, perpassada e

alimentada pelos mitos, através da oralidade. Percebemos, nessa cultura oral, a presença

de uma ideologia sutilmente interpretada, alicerçada nos contextos históricos, políticos e

socioculturais de cada povo indígena. Exatamente por essa razão, os Baniwa e Coripaco

percebem a escola indígena como um espaço de criação, porque o próprio significado de

Pamáali, grávido de sentidos, mostra o caráter subjetivo de um projeto coletivo de

educação formal indígena.

90 Vygotsky, 1998, p.54.

91 Ibidem, p.107.

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85

3.1.3. Construindo uma escola indígena

Foi com a proposta de dar sentido às práticas escolares indígenas Baniwa e Coripaco,

que, em agosto de 2000, a EIBC começou suas atividades, compondo o quadro de

experiências-piloto de sete (7) escolas de Ensino Fundamental no Alto Rio Negro92

.

Estas escolas aceitaram o desafio de trabalhar numa proposta diferenciada de ensino,

com iniciativa curricular própria, bilíngue/multilíngue e intercultural.

O processo de construção do Projeto de Educação Escolar Baniwa e Coripaco-Pamáali93

é resultante de uma sequência ininterrupta de encontros promovidos pela FOIRN, pela

OIBI, pelos professores e alunos e pelas comunidades da região. Essas iniciativas

começaram em 1995, por ocasião do primeiro encontro de educação escolar indígena no

Rio Içana.

Nos anos subsequentes (1996, 1997, 1998 a 2007), a definição de metas para a

implantação de uma escola indígena diferenciada, no sentido de abranger a cultura do

não-Índio e a cultura do Índio, culminou em algumas ações fundamentais para sua

implementação: (1) a definição de uma grafia Baniwa; (2) a escolha do lugar

simbolicamente apropriado e estrategicamente geográfico para a construção das casas94

;

(3) o processo de formação dos professores (magistério indígena); (4) a aprovação do

PPP da escola no Conselho Municipal de Educação; (5) a implantação do Ensino

Médio.

Mesmo com todas as dificuldades, Pamáali iniciou suas atividades com o objetivo de

formar o cidadão Baniwa e Coripaco, possibilitando a permanência dos jovens

indígenas em suas comunidades de origem, contribuindo para a sustentabilidade dos

povos da região. De acordo com o planejamento estratégico da EIBC (2006), a escola

tem objetivos desafiadores devido a diversos problemas como: o difícil acesso à escola

(região de fortes cachoeiras); o alto custo do combustível para o transporte dos alunos e

professores; as dificuldades com alimentação; a falta de recursos didáticos; as

92 Escolas de: Cucuí, Assunção do Içana, Iauaretê, Pari-Cachoeira, Taracuá, Tuyuka, Pamáali.

93 Estas informações constam nos relatórios anuais da Escola Pamáali (2006, 2007) e no Projeto Educacional para o

Alto Rio Negro (FOIRN, 1999).

94 Salas de aula, casa da farinha, casa das ciências, casas dos professores, dormitórios para os alunos, casa do

combustível, secretaria, biblioteca, cozinha.

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dificuldades quanto ao processo de formação inicial e continuada dos professores

indígenas.

Para realizar uma proposta de ensino intercultural, com uma metodologia via pesquisa e

com um ensino bilíngue durante nove anos, contou com o apoio pedagógico de

assessores do ISA e de especialistas de escolas agrotécnicas. Contou também com o

apoio financeiro da Rainforest Foundation – Noruega, da FUNAI e da SEMEC.

É uma experiência que tem demonstrado ser possível o desenvolvimento de uma

educação intercultural, onde o ensino com pesquisa representa uma alternativa

metodológica para promover a emancipação política, sociocultural e econômica dos

Baniwa e Coripaco.

Vários projetos de pesquisa implementados pelos alunos da escola têm relação com

estes propósitos de desenvolvimento. Parte deles corresponde aos objetivos de

fortalecimento e de revitalização dos conhecimentos tradicionais Baniwa e Coripaco.

Uma outra parte refere-se às necessidades de desenvolvimento sustentável da região,

relacionadas ao conhecimento e à investigação científica da biodiversidade e do

potencial ecossistêmico do Alto Rio Negro.

A partir da prerrogativa de sustentabilidade, a escola funciona como um laboratório

vivo de aprendizado das Ciências Naturais, principalmente porque as atividades

curriculares desenvolvidas têm a pesquisa como um processo regido por dois princípios:

o “princípio educativo” e o “princípio científico”.95

Assinale-se que esses fundamentos direcionam as estratégias de ensino-aprendizagem e

sustentam um planejamento interdisciplinar dos conteudos das disciplinas do núcleo

comum, com os temas das disciplinas do núcleo profissionalizante ou diversificado (ver

anexo 2, pag. 165). Trata-se, portanto, de um projeto de interlocução entre

conhecimentos, que adota a pesquisa como um meio de garantir o diálogo entre os

saberes tradicionais e os saberes ocidentais.

95 Ver Demo, 2002. (Termos e grifos do autor).

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87

3.1.4. Organização e funcionamento da escola

Ancorados nos objetivos e na estrutura da EIBC, os professores e alunos se dividem em

várias funções. Atualmente, todos os professores são Índios e cursaram o magistério

indígena. Dos seis professores atuantes, 1 (um) está cursando Antropologia ambiental e

sustentabilidade, pela Universidade Federal do Amazonas e os demais estão

frequentando o “Curso de pedagogia: licenciatura plena intercultural” da Universidade

do Estado do Amazonas.

A escola trabalha com as séries finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio

Integrado Indígena (em processo de reconhecimento), oferecendo aos alunos das

comunidades do Rio Içana a continuidade de seus estudos na própria região. Para que a

escola funcione adequadamente, a mesma está organizada da seguinte maneira:

As atividades de organização interna da escola competem aos alunos e aos

professores e as funções96

são compartilhadas e exercidas em rotatividade, por tempos

determinados pelo grupo;

O programa de ensino é flexível e ajustável ao contexto de interesse dos alunos e às

necessidades socioculturais, econômicas e sustentáveis das comunidades. Por esta razão,

está atrelado aos temas transversais da grade curricular, sendo possível a relação entre

as disciplinas do Núcleo Comum e as disciplinas do Núcleo diversificado. Este ensino

se realiza em quatro etapas anuais, com períodos de um mês de recesso entre cada etapa.

Nesse período de recesso, chamado de entre-etapa, os alunos pesquisam nas

comunidades e ajudam nas atividades agrícolas, pesqueiras e de caça, principalmente na

abertura de roças familiares;

Os conteudos das disciplinas do Núcleo Comum são pensados de acordo com os

temas e objetivos das pesquisas realizadas pelos alunos nas entre-etapas, sem estarem

desvencilhados dos conteudos programáticos das escolas não-indígenas;

Os assuntos da parte diversificada estão relacionados às práticas sustentáveis para a

região. Esses conteudos são trabalhados através de cursos técnicos ou

96 São 14 (quatorze) funções: coordenador da escola; administrador; auxiliar administrativo; conselheiro educacional;

orientador pedagógico; secretária; coordenador do trabalho de campo; monitor (aluno); capitãozinho (aluno);

estagiários (alunos); bibliotecário (aluno); auxiliar de cozinha; cozinheira; conselheiros.

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profissionalizantes ligados fortemente aos temas transversais propostos na grade

curricular;

Quanto aos níveis de ensino, a escola optou por organizar-se em Ciclos, pois esta

proposta foi a que melhor se ajustou à filosofia indígena de processos de aprendizagem,

sempre respeitando os ritmos dos alunos e os limites de cada um;

Os conteudos desenvolvidos no terceiro ciclo constituem-se na base para o

aprofundamento desses mesmos conteudos no quarto ciclo. Neste, o aluno deverá

pensar numa temática de pesquisa que será desenvolvida durante dois anos, junto a sua

comunidade de origem ou na própria escola, apresentando, ao final do Ensino

Fundamental, uma monografia;

O sistema de avaliação segue uma lógica contínua e processual, valorizando as

produções individuais e coletivas dos alunos, tanto nas atividades práticas quanto nos

trabalhos teóricos. Para avaliar o processo de aprendizagem dos conteudos

programáticos científicos, culturais e simbólicos dos povos Baniwa e Coripaco em

relação com os conhecimentos não-indígenas, os professores optaram por uma avaliação

descritiva e individual, através de produções discursivas (escritas e orais);

Em relação ao calendário escolar adotou-se para o Ensino Fundamental o sistema de

etapas com dois meses de duração, com carga-horária de 8 horas/aula diárias e 48 horas

semanais, não havendo aulas apenas no domingo. A carga-horária total do curso,

durante quatro anos, em regime integral é de 4608 horas;

A metodologia mestra da escola é o ensino através da pesquisa que incentiva os

alunos a adotarem “o caderno da realidade”, cuja finalidade é a sistematização dos

resultados das pesquisas, anotando os dados coletados, descrevendo e/ou desenhando o

percurso da pesquisa.97

Ressaltando a questão dos temas transversais, a ligação entre estes e as perspectivas de

profissionalização indígena para a região do Alto Rio Negro é fundamental para o

encaminhamento das pesquisas de campo que os alunos realizam. A importância desses

temas se manifesta na forma como são pensados e previamente discutidos pela ACEP,

97 EIBC, PPP, 2005.

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89

formada por representantes das comunidades do Rio Içana e pelos professores, pais e

alunos da escola.

Dessa maneira, os temas transversais, contemplados na grade curricular da escola, estão

notoriamente imbricados com as projeções de autonomia e de desenvolvimento

sustentável dos Baniwa e Coripaco. Com base nessa inferência, funcionam como temas-

problema articuladores das práticas de ensino (teóricas e práticas) realizadas junto aos

alunos.

3.2. O RCNEI E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EIBC:

SINTONIAS E OUSADIAS

3.2.1. Nos planos pedagógicos e de gestão

As sintonias constatadas entre a proposta do Projeto Político Pedagógico (PPP) da

EIBC98

e as sugestões do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas

(RCNEI)99

são reveladoras de uma política nacional de educação escolar condizente

com as prerrogativas indígenas de educação formal. As ousadias, mais do que

dissonâncias, representam a efetivação de práticas inovadoras, sustentadas pela

ideologia indígena de construção de uma escola com “cara de Índio”100

– uma

expressão frequente nas falas dos Baniwa e Coripaco sobre o significado de Pamáali.

Esse horizonte está consubstanciado no Referencial Curricular Nacional para as escolas

indígenas, baseado nos princípios da Carta Magna de 1988 e na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional de 1996. Esses princípios conferem aos indígenas o

respaldo jurídico necessário ao desenvolvimento de projetos educacionais autônomos

em relação ao desenho curricular e ao funcionamento de suas escolas. Assim,

a escola pode organizar-se de acordo com as conveniências culturais,

independentemente do ano civil. No artigo 23, a Lei trata da diversidade na

organização escolar, que poderá ser de séries anuais, períodos semestrais,

98 Ibidem.

99 Brasil, 1998.

100 Termo e grifo nossos.

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90

ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados por

idade e outros critérios. [...] Com relação à elaboração do currículo, a LDB

enfatiza, no artigo 26, a importância da consideração das „características

regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela‟ de

cada escola, para que sejam alcançados os objetivos do Ensino Fundamental.

[...] Em relação ao calendário escolar, cabe ressaltar que o mesmo deve

adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas.101

Paralela à implementação das leis brasileiras, vigorou a política internacional de apoio

aos projetos de autoafirmação indígena no Brasil. A primeira organização internacional

que deu início a um processo de reconhecimento dos direitos indígenas, foi a

Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1957. A mesma adotou a

Convenção sobre a proteção e integração das populações aborígines e outras populações

tribais e semi-tribais nos paises independentes. No entanto, a sua política de integração

dos Índios à sociedade nacional, desmerecendo os fatores culturais que regiam os

objetivos sociais e políticos dos povos indígenas, foi substituida por outra convenção

(Convenção nº 169), no final dos anos de 1980. O grande diferencial desta nova

convenção foi dar autonomia de ação indígena sob seus percursos de organização social,

política e econômica, dando-lhes o direito de decisão sobre questões como educação e

saude.

Essa conquista jurídica acabou reforçando a criação de escolas indígenas, pensadas a

partir dos contextos e necessidades das etnias, com suas especificidades culturais e

socioeconômicas. Nascia o que se pode chamar de política educacional formal

indígena, que pudesse expressar as prerrogativas de uma escola diferenciada para os

Índios.

Com os direitos garantidos em lei e com a constante mobilização dos Índios em fazer

valer essas conquistas, a reivindicação por uma escola indígena bilíngue/multilíngue e

intercultural, passou a ser consenso entre os indígenas de grande parte do país. Hoje, as

escolas que se propõem diferenciadas, porque indígenas, estão construindo os seus

Programas de ensino, baseados num currículo não-fechado e coerente com os objetivos

de cada etnia.

101 Brasil, 1998, p.33.

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91

Nesse contexto, as sintonias e ousadias aqui traçadas, correspondem à necessidade de

respeitarmos uma ideologia indígena de educação formal, uma vez que sempre

reforçamos o valor semântico da palavra indígena, como complemento indispensável

ao substantivo escola. As escolhas do Índio, que em nossa opinião definem o começo de

ações educativas ousadas, são partidárias de práticas escolares indígenas que enfrentam

o determinismo dos sistemas educativos convencionais. Porém, vale ressaltar que as

experiências educacionais indígenas inovadoras mostram que o direito de escolha não é

suficiente para o sucesso de uma escola indígena diferenciada. Então,

as mais expressivas experiências de construção de currículos têm sido

realizadas por algumas organizações indígenas e da sociedade civil, em

parcerias diversas com as universidades. Contam com o apoio político e

financeiro, na maioria dos casos, insuficiente, ainda que as práticas aí geradas

venham servindo de referencial para outras iniciativas por parte dos sistemas

de ensino.102

Isso quer dizer que pensar e realizar uma educação diferenciada é, antes de tudo, viver

um projeto político de educação, com alicerces econômicos que possam sustentá-la.

Essa condição transforma discursos vazios sobre educação escolar indígena em práticas

educativas realmente construtivas, sob os pontos de vista pedagógico, administrativo e

intercultural.

É por essa razão que as vivências escolares indígenas não podem deixar os processos de

ensino-aprendizagem caminhar no lado oposto dos interesses das comunidades, dos pais

e alunos e dos professores. Não podem também ignorar os processos mais abrangentes e

mais específicos de implantação de políticas públicas para a educação indígena. Pois

essa atitude de conciliar escola e contexto é um desafio que implica a construção

coletiva de um Projeto Político Pedagógico nas escolas. A expressão “construção

coletiva”103

é o diferencial nessa atitude, pois no percurso das atividades escolares, os

ajustes são necessários e os problemas não são individuais.

102 Brasil, 1998, p. 39.

103 Grifos nossos.

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92

Na realidade escolar da Pamáali, a edificação do PPP foi determinante para a

legitimação do Ensino Fundamental, que teve a participação das lideranças indígenas

representantes da OIBI, dos pais e alunos, das comunidades e dos professores.

No processo de planejamento das metas da escola, como também de sua organização,

houve uma maior participação dos professores e da ACEP, formado por uma diretoria

de três pessoas. Este conselho tem um período de 4 (quatro) anos de mandato,

auxiliando nas situações de dificuldades da escola e decidindo sobre os problemas

referentes aos módulos letivos, aulas no campo, indisciplina dos alunos, alimentação,

programa de ensino e oficinas pedagógicas.

A organização do Projeto Político Pedagógico se articula a duas questões fundamentais:

a metodologia de ensino com pesquisa e o processo de desenvolvimento sustentável na

região do Içana. A primazia desses dois aspectos denota a preocupação dos Baniwa e

Coripaco com um projeto de educação formal que articule os saberes indígenas e não-

indígenas e que invista na autonomia dos alunos. Em tal circunstância, o PPP garante

que os discentes, junto com os professores, escolham o que irão estudar pois,

a organização do ensino é feita por tema de pesquisa, e a escolha do tema tem

como ponto de partida o interesse que os alunos têm. Além do interesse dos

alunos, a escolha do tema obedece à realidade das comunidades, pois é lá que

eles irão desenvolver sua pesquisa104

.

Em síntese, o ensino através da pesquisa é uma das principais sintonias com o RCNEI,

que prioriza o reconhecimento das práticas investigativas indígenas e de seus processos

peculiares de ensino e aprendizagem.

Ademais, segundo esse referencial, muito antes da introdução da escola, os indígenas

desenvolviam processos de investigação científica, relacionados ao mundo natural,

classificando seus diversos elementos. Tal modo de apreensão da realidade implica

“pensar a escola indígena a partir das concepções indígenas do mundo, do homem e das

formas de organização social, política, cultural, econômica e religiosa desses povos.”105

104 EIBC (PPP, 2005, p.16).

105 Brasil, 1998, p.22.

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93

Torna-se relevante, portanto, a contribuição e a participação efetiva dos Índios no

processo de gestão escolar indígena. Essa participação se torna coerente na medida em

que não há qualquer possibilidade de uma escola indígena se organizar e funcionar,

segundo os parâmetros da escola do não-índio. Quem conhece a realidade do Alto Rio

Negro, pelo menos uma parte dela, entende a determinação desses povos em construir

uma escola indígena própria. As suas concepções de educação escolar, embora algumas

vezes contraditórias106

, são bem diferentes daquelas que direcionam as escolas da

sociedade envolvente. Além de que, as particularidades geográficas, políticas,

históricas, econômicas e socioculturais da região do Alto Rio Negro são bastante

expressivas em relação a outras localidades.

O grande problema é que as experiências de educação diferenciada ou intercultural em

processo na região, ainda insipientes, mostram que o percurso de formação dessas

escolas, mais do que uma escolha ou vontade indígena, exige compromisso

administrativo dos sistemas educacionais estaduais, municipais e federais, na gerência

de recursos apropriados ao contexto. Esses recursos são tanto materiais quanto

humanos, pois sem formação de pessoal, como fazer uso de forma inteligente e

responsável dos recursos materiais? Muitos recursos tecnológicos chegam às escolas

indígenas: computadores, impressoras, filmadoras etc. Entretanto, a falta de formação

técnica dos profissionais transforma esses recursos em peças descartáveis, tanto pelo

“mau uso” quanto pelo “não uso”.

3.2.2. Nos conceitos de escola diferenciada e/ou intercultural

Concernente ao RCNEI, as escolas que se propõem indígenas possuem quatro

características fundamentais: ser comunitária, intercultural, bilíngue ou multilígue,

específica e/ou diferenciada. Esses aspectos são decisórios no desenvolvimento das

atividades escolares ditas interculturais. E Pamáali, na medida do possível, tem atendido

a esses parâmetros. Porém, o que observamos durante as entrevistas com os professores

da escola é que o conceito de interculturalidade ainda não é consenso entre eles. Por

106 Contradições na comparação discurso/prática, decorrente de lacunas conceituais sobre educação intercultural ou

educação diferenciada.

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94

falta de compreensão desse conceito, alguns preferem usar apenas os termos “escola

diferenciada” ou “escola indígena”107

, o que acaba gerando contradições entre

discurso e prática.

Nas inferências do PPP e conforme as práticas de ensino observadas, a escola é

diferenciada porque atende aos interesses e às necessidades das comunidades indígenas,

o que na verdade é pressuposto para uma educação intercultural. A escola é também

intercultural porque a sua grade curricular, as metodologias de ensino e a valorização da

diversidade cultural e linguística ratificam essa prática. Deste modo, em alguns trechos

do PPP, podemos observar as seguintes interpretações: “a escola Pamáali tem como

objetivo o ensino intercultural e bilíngue, visando a valorização plena das culturas

Baniwa e Coripaco e a afirmação e [valorização] de suas identidades étnicas.”108

Ou

ainda,

as escolas Baniwa e Coripaco de Ensino Fundamental têm, como principal

objetivo, a formação do cidadão Baniwa e Coripaco voltada para a

responsabilidade do trabalho em suas comunidades, para a criatividade e para

a liberdade, para o respeito aos seus próprios valores, no diálogo

intercultural.109

Retomando as definições contidas no RCNEI, uma educação indígena é específica e

diferenciada “quando concebida e planejada como reflexo das aspirações particulares de

cada povo indígena”110

, inclusive em relação à autonomia sobre o funcionamento da

escola. É intercultural, quando reconhece e mantém a diversidade cultural e linguística,

promovendo uma situação de comunicação entre experiências socioculturais e históricas

diferentes, sem considerar uma cultura superior à outra.

No discurso dos professores e no próprio PPP da escola, esses conceitos se misturam,

pois tanto um quanto o outro, definem a proposta pedagógica da EIBC. No entanto, para

aqueles que ainda não compreenderam o que é uma proposta intercultural de ensino, a

resistência a essa palavra é evidente. Nas entrevistas, um dos professores disse: “aqui

107 Grifos nossos.

108 EIBC, PPP, 2005.

109 Ibidem.

110 Brasil ,1998, p.25.

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trabalhamos com um ensino diferenciado, com escola indígena, que vai buscar o

conhecimento indígena Baniwa e Coripaco com os velhos, através da pesquisa.”111

Diante dessa definição, entendemos que a perspectiva intercultural para esse professor,

em particular, parece desmerecer o caráter indígena tão enfatizado por ele. No entanto,

na prática, o que mais se constata é a preocupação com um ensino híbrido, mesclado de

saberes indígenas e não-indígenas, trabalhados com afinco nas monografias e nas

atividades de sala de aula.

Essas dificuldades conceituais sinalizam a necessidade de formação inicial e continuada

para os professores indígenas, em exercício. Principalmente, porque a perspectiva

intercultural de educação indígena exige professores qualificados para trabalhar os

conhecimentos da cultura ocidental na escola. Além do mais, estas escolas estão em

processo de legitimação, e para isso, o Artigo 87, parágrafo 3º, inciso III, da Lei de

Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional determina ser obrigação da União, dos

Estados e dos Municípios a realização da formação desses professores, usando os

recursos de educação à distância. O RCNEI reforça ainda a urgência na habilitação

desses profissionais em nível superior ou através de formação e treinamento em serviço.

3.2.2. Na formação dos professores

Na região do Alto Rio Negro, as alternativas de formação do professor indígena incluem

muitos desafios e dificuldades, sobremaneira por se tratar de uma região com 23 etnias

diferentes e cada uma com Língua e características socioculturais específicas. Sem

contar as diferentes concepções que esses aspectos determinam em relação às práticas e

às escolhas indígenas de ensino formal. Estas especificidades de cada região e de cada

etnia se configuram numa das principais barreiras para se pensar a formação do

professor indígena – uma situação inerente ao desafio da formação de formadores de

professores Índios.

Ainda em conformidade com o Referencial Curricular Indígena, esses formadores

precisam alinhar-se às ideologias próprias de cada etnia, respeitando o espaço de

111 Pesquisa de campo, dezembro de 2009.

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reafirmação cultural e socioeconômica, proporcionado pela escola. Para isso, mudanças

apenas no plano jurídico não garantem a efetivação de práticas interculturais de ensino.

Há necessidade de transformações pedagógicas que considerem dois fatores básicos: (1)

o reconhecimento das experiências em curso bem sucedidas e; (2) a confiabilidade na

gestão dos Índios sob seus processos de ensino-aprendizagem, investindo na formação

contínua e inicial dos professores e valorizando as pedagogias indígenas como metas de

estudo e de reflexão.

Acrescente-se que, em Pamáali, observamos quatro aspectos referendados pelo RCNEI,

concernentes ao processo de formação de professores indígenas e de formadores de

professores indígenas, a seguir:

A reflexão sobre a prática – percebemos que, mediante as aspirações e necessidades

das comunidades, os professores se apropriam dos problemas da escola e buscam

solucioná-los. Pensam as metodologias e práticas pedagógicas, registrando todos os

avanços e todas as dificuldades encontrados. Realizam reuniões semanais para avaliar o

processo ensino-aprendizagem;

A preparação para um estudo independente – verificamos o processo de

autonomia intelectual dos professores na atuação como orientadores dos projetos de

pesquisa dos alunos, na busca de informações na internet sobre os conteudos

relacionados aos temas das pesquisas e aos assuntos da cultura ocidental que ensinam.

Uma ousadia é que eles são pesquisadores e participam das investigações de campo,

junto com os alunos;

A preparação do professor-pesquisador – observamos que o fator criatividade

direciona a produção do conhecimento. Eles procuram ser autores e não apenas

reprodutores de um conhecimento;

A produção de materiais didático-pedagógicos – constatamos que a escola tem

uma função social e educacional, resultante de processos de iniciação científica, de

estudo independente e de reflexão sobre a prática. Na EIBC, as monografias servirão de

instrumentos pedagógicos para a educação de outros alunos indígenas, como também de

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97

diagnóstico dos problemas socioambientais das comunidades, e de seu patrimônio

cultural.

Convém enfatizar que durante os nove anos de funcionamento da escola, os professores

tiveram acompanhamento pedagógico, com assessoria constante de profissionais de

diversas áreas do conhecimento. Participaram de oficinas pedagógicas e obtiveram

formação técnica necessária ao desenvolvimento de alternativas auto-sustentáveis no

Rio Içana. Esses cursos, em sua maioria, foram feitos em serviço.

Em nossa opinião, a proposta do RCNEI em transformar esses aspectos em disciplinas,

é desnecessária. Mesmo porque, como estratégias de abordagem de assuntos, podem ser

trabalhadas através de oficinas de formação, tanto para os alunos como para os

professores indígenas. Temas como “estudo dirigido” e “iniciação à pesquisa”, também

propostos como disciplinas, seriam melhor explorados didaticamente, em forma de

oficina. Dessa forma, a sistematização do trabalho de observação da natureza e da

tradição indígena no cotidiano das escolas e das comunidades, como também o trabalho

de levantamento e de registro dos conhecimentos mitológicos, seriam vivenciados na

relação teoria-prática.

A participação dos professores indígenas como formadores desses profissionais torna-se

imprescindível, pois estão mais familiarizados com a realidade de seus povos do que os

docentes não-índios. Mesmo porque eles são os melhores conhecedores de seus

problemas e de suas realidades sociais, de seus ecossistemas, de suas Línguas, de seus

processos científicos, de suas significações mitológicas e de seus percursos políticos e

históricos de relação com a escola formal. Diante disso, eles precisam estar à frente dos

processos de formação, somando e trocando conhecimentos com os docentes não-

indígenas. E, com base nas afirmações dos professores da Pamáali, essa seria a

alternativa mais coerente e prognóstica, se não fossem os determinismos burocráticos.

Acreditamos, portanto, que o percurso de formalização de uma escola indígena não

pode dar certo se a formação de seus professores for pensada e executada somente por

profissionais não-índígenas. Até porque, dificilmente as propostas pedagógicas

diferenciadas em desenvolvimento no Alto Rio Negro estão alicerçadas em orientações

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curriculares disssonantes de seus contextos. As decisões sobre as metodologias, o

currículo, os temas transversais, os conteúdos programáticos, as avaliações e o

funcionamento das escolas indígenas nessa região são discutidas, em seminário, de

acordo com as reivindicações e as concepções das comunidades locais.

Dando sequência a esse reciocínio, percebemos que o processo de ensino-aprendizagem

nas escolas indígenas é inverso ao de muitas escolas da cultura ocidental. O primeiro é

extremamente concreto e o segundo, por demais abstrato. Nesse sentido, a formação de

professores indígenas depende de formadores Índios conhecedores de suas experiências

e vivências para fazer a relação entre teoria e prática, porque a compreensão do saber

fazer indígena extrapola o nível do discurso teórico. É nesse contexto que Nietzsche

(2005), tão apropriadamente, definiu a relação complexa entre culturas ou povos

diferentes:

Não basta utilizar as mesmas palavras para compreendermos uns aos outros;

é preciso utilizar as mesmas palavras para a mesma espécie de experiências

interiores, é preciso, enfim, ter a experiência em comum com o outro. Por

esse motivo os indivíduos de um povo se entendem melhor do que membros

de povos diversos, mesmo que estes se sirvam da mesma Língua; ou melhor,

quando as pessoas viverem juntas por muito tempo, em condições

semelhantes (clima, solo, perigos, necessidade, trabalho) nasce algo que „se

entende‟, um povo.112

Não podemos esquecer, também, que as metodologias adotadas nos cursos de formação

de professores indígenas, podem comprometer a qualidade de concretização de uma

escola indígena intercultural. Nessa ordem de preocupação, podemos citar, como

exemplo, a experiência dos professores indígenas da Escola Kariamã, em Assunção do

Içana, que cursaram o Programa de formação e valorização dos profissionais de

educação (PROFORMAR), em São Gabriel da Cachoeira. Eles revelaram encontrar

dificuldades para construir uma escola indígena diferenciada, que valorizasse a cultura

indígena e não-indígena. Esse curso provocou expectativa em relação ao processo de

construção dessa escola, mas as metodologias de ensino adotadas, no Proformar,

privilegiaram os contextos escolares do não-índio. Diante deste fato, não se sentiram

seguros para formalizar uma proposta intercultural de ensino na escola. Assim, num de

112 Nietzsche , 2005, p.165. (grifos do autor).

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seus depoimentos, um dos professores afirmou: “o curso que fizemos não ensinou a

construir uma escola indígena e nós não temos assessoria pedagógica como a Pamáali.

Por isso a gente continua trabalhando igual a escola do Branco.” 113

Dessa maneira, a busca pela autonomia indígena sob a administração de suas escolas e

de seus processos próprios de ensino-aprendizagem, inclui três exigências

fundamentais: a qualidade da formação dos professores indígenas; a formação dos

formadores que atuarão nessa formação e a garantia de formação continuada através de

oficinas e de assessorias.

Outra questão importante é a qualidade do ensino processado pelas escolas indígenas.

Se esta qualidade não for garantida, a busca por uma consolidação dos propósitos

educacionais dos Índios, do ponto de vista das aldeias ou comunidades, agregará ao

mesmo tempo, elementos de valor e de perdas. Isto fica bem claro, quando refletimos

sobre os movimentos indígenas do Alto Rio Negro em legitimar suas escolas, criando

alternativas de consolidação de seus projetos através de parcerias114

.

Ainda mais, no entendimento das lideranças indígenas do Alto Rio Negro, essas

parcerias são estratégias políticas que ajudam a efetivar muitas conquistas em relação ao

território, à educação, à saude e à autossustentabilidade dos povos indígenas da região.

Por essa lógica, as relações de cumplicidade entre o Estado Nacional e as metas

indígenas transcendem os determinismos nacionais de educação. A esse respeito, Silva

(2001) esclarece:

Mais apropriado, portanto, é caracterizar esse momento como um ponto de

inflexão, mas um ponto de inflexão ainda em constituição, sem que se saiba

claramente qual a direção seguinte. [...] Por isso este é também um momento

propício para o debate crítico, para a reflexão teórica e política, para a análise

fundamentada em conhecimento detalhado de casos concretos, em pesquisas

documentais, em etnografias de processos e de situações específicas, porém

muito diversificadas. 115

113 Pesquisa de campo, agosto de 2008.

114 Parcerias com Organizações não-governamentais nacionais e internacionais.

115 Silva, 2001, p.11.

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100

Por essas e outras razões, Pamáali representa uma negação aos determinismos

norteadores da sociedade envolvente na forma de conduzir a educação formal indígena.

Em seus processos ousados de construção intercultural, sacramenta um caminho

promissor de educação escolar aproximado dos interesses e das reais necessidades de

cada etnia, em diferentes contextos. Confirma, dessa forma, a necessidade de inflexão,

isto é, de posturas resilientes nos processos de efetivação da escola indígena.

3.2.3. No Ensino de Ciências

Em relação ao ensino de Ciências, a EIBC adota a pesquisa como meio de produção de

conhecimentos e de investigação do ambiente. Nesse raciocínio, as comunidades

indígenas são geradoras de aprendizado, sendo portadoras de problemas a serem

investigados pelos alunos. Assim, o professor indígena torna-se “um interlocutor entre

as aspirações da comunidade, as demais sociedades e a escola.”116

Portanto, a proposta de ensino com pesquisa contempla um dos objetivos primordiais da

educação intercultural, como também do Ensino de Ciências na Amazônia, uma vez que

os contextos indígenas estão fortemente entrelaçados com as questões ambientais e

auto-sustentáveis. Esse norte metodológico alia cultura aos conhecimentos científicos

processados nas áreas de Ciências Naturais, exigindo e possibilitando a prática da

interdisciplinaridade.

Três focos dos temas transversais pensados para as escolas indígenas contemplam as

temáticas “ambiente” e “sustentabilidade”117

: Terra e conservação da biodiversidade;

Autossutentação; Saude e educação. Os outros três temas focalizam a cultura:

Pluralidade cultural; Ética; Direitos, lutas e movimentos. Assim organizados, são

“temas que permitem um elo de discussão entre as áreas de estudo, para que passem,

todas, a servir a um projeto social definido pela comunidade.”118

116 Ibidem, p.43.

117 Grifos nossos.

118 Ibidem, p.93.

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101

Essa inter-relação entre Ciência e cultura faz com que a proposta do RCNEI enverede

por um programa de ensino das Ciências Naturais, aliado à tecnologia e à valorização

das etnociências. Seguindo essa linha de análise, Pinto (2005) ressalta que “uma boa

parte do que conhecemos como etnociências, ou seja, ciências que se fundamentam no

conhecimento produzido pelas sociedades indígenas e locais, foram praticadas no Brasil

e em particular na Amazônia.”119

Exatamente por isso, torna-se relevante uma

graduação ou uma pós-graduação em Ensino de Ciências na Amazônia, principalmente,

se considerarmos a participação das populações indígenas, caboclas e quilombolas nos

processos de desenvolvimento científico da região, fortemente determinado pela cultura

e pelos diversos sentidos e valores que este termo encerra.

Eagleton (2005), ao dissertar sobre a idéia de cultura e de sua multiplicidade de sentidos

adquiridos historicamente, conclui que, além de determinações históricas, o conceito de

cultura inclui questões existenciais de grande relevância. E afirma:

Neste único termo, entram, indistintamente em foco, questões de liberdade e

determinismo, o fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado. Se

cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo daquilo que cresce

naturalmente, o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre

o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz. 120

O autor afere, portanto, um duplo sentido ao significado de cultura: o de matéria-prima

(um corpo natural que existe além de nós) e o de construtivismo, já que interferimos

nessa matéria para conhecê-la e transformá-la. Por esse prisma, a insistência na

oposição entre natureza e cultura, em nada reflete a dialética que sempre existiu entre

homem e natureza.

Essa questão é fundamental para entendermos a relação dos indígenas com o território e

com a biodiversidade e o ecossistema do espaço habitado. A intervenção do Índio na

natureza, conforme a proposta do RCNEI, imprime à sociedade indígena o caráter

científico e tecnológico, próprio da atividade humana. No diálogo com a cultura

nacional, o estudo das ciências nas escolas indígenas tem dois propósitos: (1) a

119 Pinto, 2005, p.170.

120 Eagleton, 2005, p.11.

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102

necessidade de compreensão da lógica, dos princípios e dos conceitos da Ciência

ocidental, promovendo o diálogo em melhores condições com a sociedade nacional e;

(2) a apropriação dos instrumentos e recursos tecnológicos que possam garantir a sua

sobrevivência física e cultural.

Como a área de Ciências da natureza está diretamente ligada aos temas transversais

“Terra e biodiversidade” e “Autossustentação”, o PPP da Pamáali viabiliza a criação de

projetos de desenvolvimento sustentável para a região do Içana. As pesquisas

direcionadas para essa questão resultam em monografias, que serão aprofundadas no

EMII, como problemas de projetos de pesquisa.

A preocupação dos Baniwa e Coripaco com a questão da sustentabilidade encontra

ressonâncias nas considerações de pesquisadores e estudiosos da Amazônia como

Becker (2006); Benchimol (2002); Pinto (2005); Ribeiro (2000); Silva, Freitas (2003);

dentre outros, que traduzem a importância da Ciência do Índio na construção de um

cenário científico de grande valor para o desenvolvimento das Ciências ocidentais. Isto

se ratifica nas reflexões de Pinto, quando o mesmo afirma que:

Mais importante ainda, é o reconhecimento dos direitos das sociedades

indígenas de prosseguirem seus processos culturais e tecnológicos através de

conhecimentos que devem ser, quando for o caso, permutados em condições

satisfatórias para essas sociedades que muito nos ensinaram durante todos

esses séculos121

.

Silva (2003) acentua essa prerrogativa, ao abordar a questão do desenvolvimento

sustentável como uma relação de complementaridade entre culturas com diferentes

concepções e valores. Essa relação deve se servir dos elementos contraditórios para

efetivar uma postura essencialmente humana de compreensão da vida, como um sistema

e uma complexidade de relações sociais e históricas transformadoras de uma sociedade,

num determinado tempo e espaço.

Assim, a busca dos povos indígenas por outros conhecimentos, encontra respaldo no

Ensino de Ciências na Amazônia, cujo objetivo principal é a sociedade. Este objetivo

121 Pinto, 2005, p. 71.

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103

deve contemplar a melhoria de condições de vida desses povos, em regiões de difícil

acesso, através de tecnologias e de alternativas sustentáveis de exploração e uso dos

recursos naturais da região e, deve também facultar-lhes os direitos necessários de

comunicação e desenvolvimento.

Em vista desses objetivos, os processos de ensino-aprendizagem das Ciências naturais

nas escolas indígenas e, particularmente na EIBC, são expressivos em relação às

escolhas indígenas sob seus processos emancipatórios de educação. E essas escolhas

foram construidas historicamente, tornando-se hoje, uma política de educação

intercultural.

No RCNEI, a imbricação entre o Ensino de Ciências e o desenvolvimento sustentável

tem suas bases na metodologia de ensino com pesquisa. Os conteudos curriculares

também cooperam para esse propósito, porém, a sintonia maior é a proposta de

trabalhos por temas, todos congruentemente ajustáveis às concepções indígenas de

investigação do ambiente.

A esse respeito, vivenciamos na Pamáali, várias situações. Primeiro nos perguntamos

como os indígenas constroem a sua relação com a natureza e a partir deste diagnóstico,

tentamos compreender suas concepções de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais;

ou melhor, das Ciências. Acabamos descobrindo que no estudo do ambiente, todas as

Ciências são contempladas e nas aulas práticas, de campo, essa mesclagem é bastante

evidente.

Fotos 50 a 51 – O estudo das Ciências Naturais

Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez.2009

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104

Aprendemos que os indígenas possuem um conhecimento minucioso do meio natural:

conhecem a diversidade biológica (espécies da fauna e flora de seus territórios) e a

diversidade ecológica deste mesmo espaço, ou seja, dos seus diferentes ecossistemas.

Nesse processo, a forma como experimentam o “desconhecido”122

tem fortes raízes

culturais.

Fotos 52 a 53 – O diálogo entre as Ciências

Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez.2009

Essencialmente sinestésicos, eles observam inúmeros fenômenos da natureza. Através

do tato, do cheiro de diferentes odores, da leitura visual dos movimentos do sol, das

estrelas, das pegadas dos animais na floresta, dos sinais de chuva e dos diferentes

ambientes geográficos dos rios e dos espaços terrestres, dentre outras relações com o

ambiente, o Índio consegue manifestar seu conhecimento sobre a natureza. Consegue

também produzir as ferramentas necessárias para o uso de tecnologias próprias às suas

necessidades de plantio, de pesca, de fabricação de artefatos domésticos, de construção

de moradia, de canoas etc.

Mediante a forma própria de o Índio experimentar e testar o seu objeto de estudo,

podemos também lhe aferir uma percepção sensível da natureza, estabelecendo com ela,

graus significativos de sinais. É o caso de perguntarmos: Como um indígena sabe o

momento certo para a caça, para a pesca e para a colheita de alimentos? Como ele

percebe a presença de uma víbora no seu caminho? Como, de repente, ele acha o

caminho da aldeia ou da água, mesmo estando perdido na mata? Como ele constrói as

122 Aqui entendido como descobertas no mundo natural (Grifo nosso).

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105

casas e as malocas com tanta perfeição de medidas? Como, numa corredeira cheia de

pedras, ele consegue navegar pelo único canal disponível?

Para entendermos melhor essa imbricação Índio-natureza, torna-se necessária a

desmistificação de algumas concepções ingênuas que habitam o imaginário de muitas

pessoas sobre as vivências indígenas na atualidade, principalmente quando se aborda a

questão ambiental. O Índio contemporâneo amazônico vive em contato direto com a

natureza e com ela sempre manteve três tipos fundamentais de diálogo: simbólico,

utilitarista e de investigação científica – dá nome e agrupa diversos elementos da

natureza, ou seja, sistematiza um conhecimento, classificando elementos pela cor, pelo

cheiro, pelo sabor, pela forma, pela tentativa e erro através do teste, observando o que

acontece com um animal quando consome determinada planta etc.

Os conhecimentos científicos indígenas processados dessa forma, devido à

complexidade das consequências pós-contato, extrapolam a prática do que hoje se

denomina como etnociências. Por este fato, podemos afirmar que hoje, na região

Amazônica, existe um quarto tipo de diálogo em vias progressivas de consolidação: o de

desenvolvimento sustentável.

Essas constatações são notórias quando conhecemos de perto, como os indígenas do

Alto Rio Negro estão aliando as práticas escolares aos projetos sustentáveis de

exploração dos recursos naturais, através do ensino via pesquisa.

3.3. O ENSINO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DA PESQUISA

Um dos grandes problemas da educação nos dias de hoje é tornar o ensino uma

atividade significativa para o aluno. Um outro problema é inserir o professor numa

lógica de ensino que atenda a esse desafio. A grande questão é: que processos de

ensino-aprendizagem estão norteando as práticas educativas? Estas práticas estão

contribuindo para a formação de alunos autônomos e críticos? As metodologias

pensadas por grande parte dos professores possibilitam a construção dessa autonomia?

Estas perguntas introduzem o nosso questionamento sobre as escolas de não-indígenas

que conhecemos e que nos dá segurança para afirmar: essa escola que construimos não

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106

serve ao propósito de produção individual ou coletiva dos alunos e dos professores, pois

ainda mistifica o conceito de pesquisa e ainda perpetua o significado de “apenas

repasse de conteudos”, ou “o lugar de pouca problematização e questionamento

das questões estudadas”.123

Infelizmente, o que vemos com muita frequência no nosso sistema de ensino nacional,

são escolas engajadas no acúmulo de resultados de aprendizagem, sem, contudo,

valorizar os processos de crescimento e de decisão dos alunos em relação aos seus

projetos de vida e de sociedade. Este grau de importância dos resultados, em detrimento

dos processos, não gera produção e nem autoria, o que justifica a nossa comparação

com as escolas indígenas interculturais, porque estas são embasadas em uma lógica

contrária àquelas.

Essa lógica atende aos propósitos indígenas de emancipação política, sociocultural e

economicamente sustentável, tendo como princípio educativo a pesquisa. Nesse sentido,

afere-se à Escola Indígena Baniwa e Coripaco, uma prática diferenciada de ações, a

partir das seguintes constatações:

os alunos e professores são aprendentes e ensinantes; são aderentes à produção

própria de conhecimentos, inclusive elaborando livros-texto para serem utilizados na

alfabetização e nas séries iniciais do Ensino Fundamental (ver fotos na página seguinte);

os projetos da escola estão em sintonia com os projetos das comunidades e da

sociedade indígena;

o contexto demanda as práticas curriculares, e não o inverso;

a interdisciplinaridade não é uma dificuldade, é uma consequência da construção

coletiva de planejamentos, estudos e pesquisa;

a escola compartilha ações e responsabilidades entre professores, pais, alunos e

comunidades;

os métodos de ensino são mais dialógicos, provocando mais questionamentos por

parte dos alunos do que respostas e assim, desperta-lhes a vontade de fazer descobertas;

123 Grifos nossos.

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107

a Arte é tão Ciência quanto as demais disciplinas, e por uma grande razão: Ciência e

cultura sempre andaram juntas;

as práticas ou atividades escolares convergem para o exercício da solidariedade e do

respeito, ou seja, os valores não são disssociados dos conteudos científicos.

Fotos 54 e 55 – Livros-texto publicados

Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009.

Essa breve comparação entre o norte metodológico das escolas indígenas e a realidade

educacional vivenciada em muitas escolas brasileiras da “sociedade envolvente”, como

afirmam os indígenas, é uma forma de expressar o quanto precisamos mudar as nossas

concepções de ensino e de aprendizagem, as nossas metodologias e a nossa posição de

apenas “ensinantes”. Na sequência dessa explanação Severino (2007) afirma que:

A atividade de ensinar e aprender está intimamente vinculada ao processo de

construção do conhecimento, pois ele é a implementação de uma equação de

acordo com a qual educar significa conhecer; e conhecer [...] significa

construir o objeto; mas construir o objeto significa pesquisar. 124

A compreensão da pesquisa como parte do ensino e do processo de aprendizagem se

compõe numa proposta que geralmente só é desenvolvida quando os alunos chegam à

Universidade. Nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, salvo algumas exceções,

não se dá a devida importância à pesquisa como aquela que propicia posturas diferentes

de construção de conhecimento. Buscar alternativas nesse sentido poderia (re) significar

as práticas de ensino nas escolas, principalmente no Ensino de Ciências.

Muitas vezes é difícil imaginar uma aula de Física, Química, Biologia, Matemática, sem

atividades que levem a um experimento, a uma observação de uma planta, de

124 Severino, 2007, p.25.

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108

transformações químicas ou físicas no ambiente, a uma excursão em espaços não-

formais, ou a qualquer situação que provoque a relação abstrato-concreto.

Fotos 56 e 57 – Dos experimentos aos conceitos

Fonte: Arquivos da EIBC, ago. 2008

A partir dessa prerrogativa, Severino (2007) infere que essa relação se concretiza

quando atrelamos o ensino à pesquisa, como a via de acesso à experiência e, a partir

dela, à sistematização dos conceitos. Demo (2002) também salienta que a relação

ensino-pesquisa se torna complexa porque há uma insistência em subestimar a pesquisa,

colocando-a em patamares inatingíveis para aqueles que ensinam. E acrescenta ainda:

“quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas

ensina, jamais o foi [...] não se atribui a função de professor a alguém que não é

basicamente pesquisador.”125

Essa situação do professor que ensina e ao mesmo tempo pesquisa, embora muitas vezes

polemizada, tem em seu cerne uma questão primária de postura investigativa e

diagnóstica inerente às práticas educativas. A simbologia em torno do ofício de

pesquisador acaba distanciando os sujeitos sociais dessa prática, onde o conformismo da

execução de tarefas parece mais adequado e confortável. Com efeito, Demo (2002)

argumenta ser necessária a desmistificação da pesquisa, tornando-a naturalmente

inserida na prática. Neste ponto, além das virtudes teóricas, convém aferi-la a função de

motivação e socialização do conhecimento.

A pesquisa, portanto, deve ter ao mesmo tempo o sentido de busca de conhecimento

científico, como também um significado político de realização. Na escola EIBC, o

sentido político veio à tona, quando perguntamos aos professores sobre o porquê da

125 Demo, 2002, p. 15.

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109

opção por essa metodologia de ensino, e o professor Juvêncio Cardoso fez a seguinte

declaração:

A gente avaliou que esse sistema de pesquisa tinha que ser de acordo com a

realidade do Içana. E a gente já discutiu, em nível de Município, que todas as

escolas vão trabalhar via pesquisa para registrar o conhecimento já

acumulado através dos velhos e para registrar a história indígena. Essas

monografias vão fundamentar outras pesquisas no Ensino Médio [...] e vão

também atender às necessidades de sustentabilidade de cada comunidade. É

por isso que os temas são variados e que o professor não fecha a área de

interesse do aluno.126

A análise que fazemos desse depoimento ratifica três objetivos em relação à prática da

pesquisa: (1) registrar em Língua Baniwa e Coripaco os conhecimentos tradicionais

indígenas para não se perderem; (2) detectar as situações-problema de cada

comunidade, seja sobre questões de sustentabilidade ou de cunho sociocultural e; (3)

estabelecer uma política de educação escolar indígena via pesquisa.

Essa relação direta com os propósitos de emancipação de um povo, através da educação,

denota as características de criatividade e descoberta das atividades investigativas. Estes

dois fatores corroboram com a ideia de que a “pesquisa é processo que deve aparecer

em todo trajeto [escolar], como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta

emancipatória.”127

A fecundidade desse imperativo torna relevante a nossa reflexão sobre o ensino via

pesquisa e sua relação com o desenvolvimento sustentável e com o Ensino de Ciências.

Essa trilogia de fatores tributários um do outro, tem sólido aparato nas análises de Demo

(2002) sobre o significado da pesquisa como princípio educativo e como princípio

científico. Principalmente, porque o nosso objeto de estudo, uma escola indígena

intercultual, desenvolve os dois pontos de vista. Tem também fundamentação nas

considerações de Saviani (1987), cuja abordagem da didática da pesquisa encontra

reflexo nas práticas educacionais da Pamáali. Para tanto, seria oportuno definirmos os

dois conceitos apresentados por Demo, para assim, situarmos a prática de ensino da

Pamáali nesses dois caminhos.

126 EIBC ( Pesquisa de campo, dezembro de 2009 – entrevista com os professores).

127 Demo, 2002, p.16.

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110

3.3.1. A pesquisa como princípio científico

Os estudos numa acepção científica são definidos por Demo (2002), como aqueles

próprios de estágios rigorosos de investigação, com precisão de dados científicos e

acuidade teórica e metodológica, concernentes ao nível acadêmico de ensino. Porém, o

autor faz questão de frisar que a visão formal da pesquisa está entremeada de um

princípio educativo, uma vez que a formação do pesquisador criativo, implicado com a

realidade, disciplinado e historicamente crítico, deve ser semeada e trabalhada em todos

os níveis do ensino básico.

Conforme esse conceito, em que medida a pesquisa como princípio científico é uma

prática nas escolas indígenas do Alto Rio Negro, que hoje desenvolvem uma educação

intercultural? Em primeiro lugar, os estudos realizados pelos alunos da EIBC, resultam

em produções (monografias), cujo processo de elaboração segue padrões científicos de

formalização e de estudo. Em cada trabalho monográfico podemos identificar o

problema de pesquisa, a fundamentação teórica, a metodologia empregada para coleta e

análise dos dados, os resultados da pesquisa. (ver anexos 3 e 4, p. 166-167 ). Parte

desses estudos se fundam em experiências de iniciação científica, cujos autores são

alunos bolsistas de projetos de pesquisa implementados pelo Instituto Nacional de

Pesquisa na Amazônia (INPA), na região do Rio Içana.

Cerca de 50% dessas monografias (um total de 18 estudos) são representativas de um

conhecimento elaborado sobre plantas medicinais Baniwa e Coripaco; orquídeas do

Içana; peixes da região; experiências de manejo ambiental; práticas alternativas de auto-

sustentabilidade (avicultura, piscicultura, agricultura); pimentas Baniwa; caça e pesca

Baniwa; diversidade de plantas que possuem óleo; variedade de insetos existentes em

determinada área do Rio Içana; mudanças climáticas na região; dentre outras que

referendam conhecimentos relacionados às Ciências da Natureza. Para explicitarmos o

caráter científico destes trabalhos, delimitamos, nesta dissertação, um tópico específico

para as monografias Baniwa e Coripaco, considerando os aspectos da didática da

pesquisa endossados por Saviani (1987).

Retomando ainda as análises de Demo (2002), o princípio científico das pesquisas está

diretamente relacionado com a questão curricular, que necessita embasar-se nos

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111

contextos. Ao fazer uma crítica às práticas comuns de pesquisa, não estruturantes dos

percursos de ensino e aprendizagem nas escolas, adverte que:

A pesquisa continua aparecendo conjunturalmente, enquanto deveria ser a

própria estrutura curricular. O aluno leva para a vida não o que decora, mas

o que cria por si mesmo. Em vez do pacote didático e curricular como medida

de ensino e da aprendizagem, é preciso criar condições de criatividade, via

pesquisa, para construir soluções, principalmente diante de problemas

novos.128

Essa compreensão de pesquisa, como estrutura curricular, encontra ressonância nas

metodologias processadas na Pamáali. A proposta de formação dos alunos e professores

da EIBC contempla uma filosofia de educação voltada para a realidade, para os

objetivos das comunidades do Rio Içana e para o exercício e a preservação da cultura

Baniwa e Coripaco. Cultiva, portanto, a imbricação entre processos de ensino-

aprendizagem, pesquisa e intervenção social. Tem em seu cerne os problemas de

desenvolvimento sustentável dos povos indígenas que habitam o Alto Rio Negro, tendo

em vista que “os povos indígenas da região desenvolveram, ao longo de milênios,

formas sofisticadas de adaptação ao meio ambiente, conhecida como a mais pobre de

toda a Amazônia, pela baixa fertilidade e acidez de suas terras e pobreza dos rios em

peixes.”129

Nesse contexto de dificuldades ao lidar com a carência de alimentos fornecidos pela

terra e pelos rios, os Baniwa e Coripaco precisam investir em práticas alternativas de

sobrevivência. Estão pensando uma escola indígena que, desde o Ensino Fundamental,

crie nos estudantes um vínculo com os lugares que habitam – não apenas um vínculo

cultural, aprendendo com os velhos, Komus, pajés ou mestres, os seus mitos,

tecnologias e tradições sociais –, mas também um vínculo com as possibilidades de

conhecimento dos recursos naturais da região e de exploração dos mesmos.

Esse duplo objetivo se concretiza através da pesquisa nas comunidades de origem de

cada aluno. A cada dois meses de estudo na escola Pamáali, os alunos têm um recesso

de um mês em suas comunidades. Lá, estudam os problemas e as potencialidades locais

que podem ser objetos de pesquisa. Fazem registros e entrevistas, coletam informações,

128 Demo, 2002, p.56. (Grifo do autor).

129 Mapa Livro, 2000, p.10.

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112

materiais do solo e da água, plantas e espécies de alimentos, de peixes, de insetos, de

répteis etc. Estes se tornam objetos de estudos na Casa das Ciências que funciona como

um laboratório não-formal, sendo um local destinado à catalogação e à dissecação de

animais, de estudo dos tipos de solo e de socialização de experimentos químicos, físicos

e matemáticos. E os registros de campo sistematizados nos “cadernos de realidade”130

constituem-se em fontes teóricas importantes para a produção das monografias. Buscam

também o conhecimento com os velhos e com os pajés sobre os mitos Baniwa e

Coripaco que explicam a origem dos objetos que pretendem investigar. Procuram saber,

por exemplo, como surgiu a pimenta Baniwa segundo seus ancestrais.

Fotos 58 a 60 – Casa das Ciências

Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009.

Além da questão mitológica, procuram registrar as tradições socioculturais cultivadas

pelos mais velhos, como o parto tradicional Baniwa, a educação tradicional Baniwa e

Coripaco, o sistema de comércio na cultura Baniwa e outros. Ao retornarem para a

escola, eles aprendem a lidar com as tecnologias ocidentais (através de oficinas), que

serão muito úteis na criação de alternativas para a produção de alimentos, da pesca, do

cultivo de plantas medicinais e para a criação de animais que possam suprir a escassez

da caça.

Essa relação com as tecnologias da cultura nacional tem sido viabilizada pela

compreensão dos indígenas Baniwa e Coripaco sobre os processos de desequilíbrio da

natureza e da necessidade de conhecer as potencialidades do ecossistema que os cerca e

sobre o qual precisam saber mais. Esse conhecimento se torna imprescindível para eles,

pois os problemas ambientais que enfrentam são de natureza alimentar, predatória,

climática, enfim, questões básicas de subsistência.

130 Instrumento de coleta e registro de dados ,com informações sobre o percurso das pesquisas nas comunidades.

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113

É nesse sentido que uma educação conectada com os saberes científicos da cultura

ocidental pode auxiliá-los no empreendimento de alternativas sustentáveis. Essa é

apenas uma das razões importantes para que o Índio do Rio Içana tenha acesso a uma

educação intercultural. Na verdade, o interesse por uma escola com esse perfil abrange

outras necessidades fundamentais, como a importância de ser bilíngue ou multilíngue e,

de ter direito de continuar seus estudos, cursando uma universidade estruturada nos

moldes ocidentais, dos quais precisa ter conhecimento.

Por conseguinte, a forma como os indígenas estão construindo o sentido da pesquisa em

suas escolas, caracteriza o caminho de autonomia desejado. E mais do que um princípio

científico, fomenta atitudes criativas e críticas desde as séries iniciais do Ensino

Fundamental. É o lado educativo da pesquisa que convém, agora, esclarecer.

3.3.2. A pesquisa como princípio educativo

O princípio educativo das práticas de investigação nos leva a considerá-las em âmbito

escolar, no Ensino Básico, sendo fundamental a formação e a atuação dos professores

para efetivá-las. Nesse contexto, Demo (2002) argumenta que, os processos de

autonomia se estabelecem, quando “o ser social descobre sua condição histórica e

compreende que em parte ela é dada e em parte é causada.”131

Portanto, as situações de

conflito, derivadas de processos históricos e estruturais, originam mudanças relevantes

nas práticas escolares indígenas.

Nesse caso, é notória a preocupação das lideranças indígenas com a gestão de seu

futuro. A questão da educação formal através da pesquisa ganha suportes de grande

valor político e econômico, uma vez que como prática, viabiliza propósitos de auto-

gestão. Nesses parâmetros, a escola indígena assume a função de superar a imposição

histórica de uma educação formal, com diretrizes não-indígenas. Entretanto, não basta

investir em sua qualidade política, mas, é preciso revesti-la de qualidade estrutural,

empregando esforços no preparo dos professores.

É muito importante que esses profissionais do Ensino Básico vejam o Ensino de

Ciências como aquele interligado aos projetos coletivos ou individuais de elaboração do

131 Demo, 2002, p. 78.

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114

conhecimento. A pesquisa como um princípio educativo pode ser o começo de uma

frutífera relação com o saber, pois integra os requisitos necessários à formação do

aluno-sujeito, como aquele que é motivado a buscar respostas e que deve exercitar a

capacidade de dialogar com os fatos e com as pessoas.

É nesse sentido que Sacristán (2002), ao discutir sobre a questão da motivação do

professor para realizar projetos e pesquisas nas escolas, afirma que o grande problema

do ensino

é termos educado as mentes, mas não o desejo. Para educar é preciso que se

tenha um motivo, um projeto, uma ideologia. Isso não é ciência, isso é

vontade, é querer fazer, querer transformar. E querer transformar implica ser

modelado por um projeto de emancipação social e pessoal.132

Em vista disso, a EIBC acentua essa preocupação, pois os alunos fazem desse objetivo,

a sua fonte de crescimento cultural, social e econômico. Os professores, por sua vez,

fazem da pesquisa, a base construtiva do programa de ensino. Assim, essa estratégia,

adotada no Ensino Básico, não tem uma conotação de “difícil” ou de “dissociada”133

do processo ensino-aprendizagem. E por estar no centro de suas práticas de ensino,

favorece a construção de projetos interdisciplinares e um Ensino de Ciências Naturais

com atividades no campo e com experimentos.

Isto nos faz pensar que o construto entre teoria e prática, no Ensino Básico, motiva a

criatividade de alunos e professores e faculta o exercício de autoria. Assim, na análise

de Fazenda (2001), “fazer pesquisa significa, numa perspectiva interdisciplinar, a busca

da construção coletiva de um novo conhecimento, onde este não é, em nenhuma

hipótese, privilégio de alguns, ou seja, dos doutores ou livre-docentes na

Universidade.”134

Sendo assim, o grande avanço dessa proposta de ensino é a “iniciação”135

, isto é, a

vivência simples de uma pesquisa em termos educativos e em termos de iniciação

132 Sacristãn, 2002, p.86.

133 Grifos nossos.

134 Fazenda, 2001, p.18.

135 Termo e grifo nossos.

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115

científica. O que representa um passo importante para o desenvolvimento de estratégias

de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais.

3.3.3. A relação com o desenvolvimento sustentável

Do ponto de vista de Cunha (2000), com a divulgação do movimento ecológico a partir

dos anos 1970 e 1980, instala-se uma crise mundial em torno da questão ambiental e

surgem expectativas em torno do etnodesenvolvimento, do direito à diferença e à

diversidade cultural. Ocorre, por parte das organizações internacionais, uma apologia

aos princípios de igualdade de direitos entre povos diferentes e entre maiorias e

minorias. A divulgação dessa política internacional de “proteção ao ambiente”136

passa a assumir proporções e dimensões de interferências, que logo começam a ser

questionadas pelas nações mais visadas pelo seu potencial ecológico. E entra no cenário

a Amazônia.

Mas, seguindo as afirmações de Grupioni (2000), o que deve prevalecer são as decisões

de cada país e das populações indígenas na gerência de um modelo estratégico de

desenvolvimento que possa beneficiar a sociodiversidade local. Dessa maneira, abrem

espaço para as populações tradicionais da Amazônia dialogarem com a cultura

ocidental, com igualdade de direitos e de recursos. Para isso, o reconhecimento da

contribuição desses povos para os avanços científicos em várias áreas do conhecimento

é o primeiro passo para a consolidação de uma política solidária e justa de relações

interculturais. Essa possibilidade de valorização dos conhecimentos tradicionais, como

também a conquista do território, contribuiu para o desenvolvimento de projetos auto-

sustentáveis dos povos indígenas do Alto Rio Negro, dentre eles, os Baniwa e Coripaco.

Na reportagem do jornal a Crítica de 26 de setembro de 2008, numa edição especial

sobre sustentabilidade na Amazônia, a escola Pamáali aparece como referência na

questão de manejo ambiental, através da prática da piscicultura. Atualmente, o projeto

funciona com uma estação de reprodução em cativeiro de Aracu (Leporinus fridericy) e

Acará (Apistogramma sp), possuindo três viveiros, cada um com uma capacidade de

136 Grifos nossos.

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116

reprodução de 5000 alevinos. Conforme a reportagem, desde o início da produção, já

foram distribuidos mais de 1 milhão de alevinos para as comunidades da região.

Fotos 61 a 63– Viveiro e estação de alevinos

Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez, 2009

Quando lemos as monografias dos alunos da Pamáali e visualizamos as práticas de

pesquisas dos alunos nas comunidades do Rio Içana, percebemos que a questão da

sustentabilidade reflete a percepção viva e qualitativa da realidade que essas populações

sempre mantiveram com o ambiente.

Nas considerações de Waldman (2006) e Ribeiro (2000), qualquer tipo de relação entre

as sociedades tradicionais e o meio natural é marcadamente respeitoso com as

manifestações cíclicas da natureza, mantendo com os espaços ecológicos uma

convivência harmoniosa e sem atitudes de exclusão. Assim,

dominando os mecanismos de reprodução e hereditariedade de plantas e

animais, os Índios desenvolveram uma política adequada à sua preservação.

Por isso dizemos que são sábios na manipulação de recursos naturais de seu

ambiente, associando prudência a conhecimento biológico.137

Essa atitude de conservação dos recursos naturais é determinada pela cultura. A forma

como cada civilização lida com o ambiente é fundamental para a utilização sustentável

dos bens naturais. Por uma questão de opção e, portanto, de cultura, os Baniwa e

Coripaco têm interesse no desenvolvimento sustentável da região do Içana. As razões de

tal escolha estão vinculadas à garantia do território, protegido pela união, à política

regional de sustentabilidade da Amazônia, e num sentido mais local, à necessidade de

137 Ribeiro, 2000, p.215.

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117

empreendimentos alternativos de produção alimentar, energética e de exploração

adequada dos recursos naturais.

Por se tratar de populações indígenas da Amazônia e por viverem num território

demarcado como terras indígenas, desenvolveram, estrategicamente, uma política de

parcerias, principalmente com o ISA. Esta instituição contribuiu para fundamentar as

ações educacionais e de sustentabilidade nas comunidades da região do Içana e do Alto

Rio Negro. Entretanto, de acordo com Weigel (2000),

certamente, a definição e empreendimento de alternativas econômicas para o

povo Baniwa não dependem apenas da vontade desse povo, mas está a exigir

o estabelecimento de uma política econômica e social do governo brasileiro

que torne possível a realização das alternativas por eles pensadas e

propostas.138

Embora Weigel tenha constatado essa necessidade no início da década de 2000, na

mesma época em que a escola Pamáali começava suas atividades letivas, ainda podemos

perceber as dificuldades de empreendimento dos projetos autossustentáveis que vêm

desenvolvendo. E é recorrente nos discursos das lideranças da FOIRN e dos professores

da EIBC, a falta de assistência do governo para investir e dar continuidade aos projetos

de piscicultura (criação de peixes), de produção de mel (abelhas sem ferrão), de

avicultura (criação de aves) e de outros que serão implantados este ano, referentes à

produção de energia alternativa para a escola. Isto potencializa um Ensino de Ciências

através da pesquisa, delineador do ciclo monográfico: dos mitos à Ciência. (ver anexo 5,

p. 168).

Assim, para a consolidação das práticas de desenvolvimento sustentável na Pamáali,

destaca-se a importância dos conhecimentos tradicionais dos Baniwa e Coripaco como

objeto de pesquisa dos alunos. A riqueza desses conhecimentos investigados e

registrados pelos alunos produz um conhecimento híbrido (Ciência do Índio e Ciência

do não-índio) de grande aprendizado para os indígenas e não-indígenas. Além de

justificar a proposta intercultural de educação que estão desenvolvendo.

138 Weigel, 2000, p.27.

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118

Esses conhecimentos e essas técnicas indígenas são reforçados pelas referências e

pesquisas de Ribeiro (2000). Esta afere às populações tradicionais a produção de

conhecimentos sobre o ambiente e sobre as plantas de grande valor terapêutico e

curativo de inúmeras doenças. E mais, afirma que essas populações são profundas

conhecedoras dos ecossistemas e da biodiversidade existentes nas grandes áreas de

floresta. A autora reforça também que “a capacidade curativa de plantas medicinais

indígenas está na base de grande parte dos remédios produzidos pelos laboratórios e

vendidos em farmácias, mas sua origem indígena é quase ignorada pela cultura

ocidental.”139

Ribeiro ressalta ainda que os povos tradicionais são os guardiões de um

vasto patrimônio bio-ecológico, saindo hoje, do mais completo anonimato para o centro

das atenções. Sendo assim, a questão da sustentabilidade das populações tradicionais

começa a interessar às grandes nações, tornando-se foco nas pautas de discussões sobre

a contribuição desses povos para o enriquecimento dos avanços científicos nos campos

da medicina, da botânica e da arqueologia.

Parte do comando desses processos, mais do que local, evidencia a proliferação de

organizações não-governamentais nacionais e internacionais. Entretanto, conforme

Ribeiro (2000), as pesquisas sobre o conhecimento e a classificação botânica das

plantas, decorrente de conhecimentos indígenas, são insipientes para a medição de suas

descobertas empíricas. Na escola Pamáali, numa das pesquisas, abordou-se o estudo das

plantas medicinais Baniwa e a relação com a cura de doenças. Na monografia, a aluna

Clarinda Custódio Paiva relata alguns dos resultados do seu trabalho:

Este trabalho reuniu quarenta e três tipos de plantas medicinais, que são

plantadas nas proximidades da casa, e doze plantas da floresta que foram

pesquisadas com os velhos. Uma dessas plantas é a Paracarí, que serve para

picada de cobra venenosa. É preciso amassar bem a folha com água e depois

tomar duas vezes por dia. Serve também para feridas que aparecem em todo o

corpo, nesse caso, o doente aplica essa mistura na pele por dez dias.140

Esse exemplo mostra claramente os conhecimentos tradicionais ligados à pesquisa e ao

fato dos indígenas serem detentores de muitos saberes que podem servir à produção de

139 Ribeiro, 2000, p. 204.

140 Ver PAIVA, Clarinda Custódio. Plantas Medicinais Baniwa. EIBC/Pamáali, 2004. (Monografia de conclusão do

Ensino Fundamental).

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119

drogas para a cura de doenças. Gray (2000) realizou estudos sobre as plantas de origem

das drogas mais usadas pela medicina na atualidade e descobriu que um quarto (1/4) das

drogas medicinais provém de plantas da floresta e que três quartos (3/4) destas plantas

foram conhecidas através do contato com os indígenas.

Nas leituras que fizemos das monografias dos alunos da escola Pamáali (turmas 2004 e

2006), a maioria das pesquisas está direcionada para os conhecimentos tradicionais

indígenas, ligados a questões ambientais (ecológicas e biológicas). No total de 38

monografias analisadas, apenas nove (9) representam o estudo de causas ou problemas

ambientais que sinalizam a preocupação dos alunos com as práticas alternativas

sustentáveis. O que representa um bom percentual em termos de iniciativas nesse

sentido.

Na análise de Silva (2003),

a compreensão da complexidade dos ecossistemas amazônicos em qualquer

escala, tanto quanto a compreensão de propostas para preservá-los, conservá-

los ou desenvolvê-los com modelos sustentáveis, não estão limitadas pela

natureza amazônica, mas pela cultura, ou por fatores que dela dependem.141

Assim, independentemente dos espaços naturais ocupados, cada etnia tem o direito de

escolher como quer viver, onde quer morar e com quem quer se comunicar. Qualquer

investimento em pesquisas e projetos visando o etnodesenvolvimento estará

condicionado às concepções e interesses dos povos envolvidos. Nesse sentido, Tassinari

(2001) ratifica a relação entre cultura e empreendimentos sustentáveis junto aos povos

tradicionais, quando afirma que os significados e valores indígenas atribuidos às

relações de mercado ou de capital são muito diferentes da lógica do não-índio. Isso se

deve, principalmente, às tradições que os regem. Cunha (2000) complementa as

arguições de Tassinari e Silva ao afirmar que as questões interculturais envolvem mais

do que relações empreendedoras ou de transformação de seus conhecimentos em capital

cultural. O fato de ser Índio, além da subjetividade que isto engloba, significa uma

posição social, cultural e histórica em relação a outra posição, própria da sociedade

nacional. Por esta razão, estão buscando o conhecimento legitimado do não-índio para,

141 Silva, 2003, p.219.

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120

em vias de cooperação, estabelecer contatos de interação e ajuda intelectual e

operacional, a fim de formalizar seus projetos sociais e econômicos. Um pré-requisito

para o sucesso dessas metas é o reconhecimento, por parte dos povos majoritários, de

seus valores e propósitos de vida, de suas políticas de autoafirmação cultural e

sustentável.

3.4. PAMÁALI : UM LABORATÓRIO VIVO

A prática de ensino na EIBC, muito peculiar a um contexto de aprendizado em

laboratórios ou espaços não-formais de educação, é favorecida pelo próprio ambiente

onde a escola se insere. O que suscita estratégias de ensino que têm na pesquisa de

campo, as fontes principais de acesso ao conhecimento. A natureza da educação escolar

indígena, por essência investigativa, agrega propósitos mitológicos, científicos e

experimentais. Propósitos imbuidos de uma história sociocultural e política que sustenta

um percurso de vida baseado num processo constante de interlocução com a natureza.

Na concepção de Saviani (1987), para se processar atividades didáticas regidas pela

pesquisa é necessário enveredar por alternativas como: aprender a aprender, motivar a

elaboração própria, realizar estudos em espaços não-formais, aplicar os conhecimentos

adquiridos e, recorrer a fontes variadas e de relevância científica. Para Penick & Yager

(1986) “é imprescindível, se a intenção é proporcionar uma imagem correta do trabalho

científico, contribuir com formas de organização escolar que favoreçam interações

frutíferas entre a sala de aula, a escola e o meio exterior.”142

A partir do reconhecimento da forma como a escola Pamáali processa o conhecimento e

com que objetivos, podemos considerar o fato de que numa escola indígena se aprende

Ciências Naturais em laboratórios não-formais, ou seja, em espaços significativos de

aprendizagem, onde ocorre uma nova compreensão do conceito de pesquisa e do

conceito de laboratório. São espaços singulares, com uma biodiversidade expressiva,

com casas e trilhas das ciências, onde os alunos aprendem a fazer experimentos e a

142 Apud Perez, 2006, p. 53.

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121

coletar dados, identificando na floresta, uma variedade de plantas medicinais, de solos,

de animais e de frutas.

De acordo com Franchi (1988) os processos de ensino-aprendizagem através da escuta e

das anotações no caderno são apenas complementares em relação às atividades onde o

aluno elabora seu projeto de estudo e aprende construindo. Sendo assim, o discente que

constrói monografias como conclusão de curso, atribui significado aos conceitos

aprendidos, porque são resultados de interpretações entre teoria e prática. Essa questão é

enfatizada por Gil-Perez e Carvalho (2006) ao ressaltarem a importância de se aprender

Ciências através de atividades e experiências com pesquisa, pois os alunos precisam

achar significado no que aprendem.

Vale ressaltar que os conhecimentos geralmente respondem a questões – situações-

problema que devem alimentar o interesse dos alunos em aprender Ciências. Trabalhar

nessa perspectiva é não considerar a sala de aula como único espaço de aprendizagem,

pois os alunos precisam de prática, do concreto, para então dar sentido a tudo que

aprendem na teoria. Este é um diferencial na educação escolar indígena que faz com os

alunos sintam prazer em estudar.

Entre os indígenas, a relação com a natureza e com o concreto é tão forte, que para os

alunos explicarem as partes de uma planta, precisam desenhá-las. Para compreenderem

uma fórmula matemática, precisam mostrar nas medidas concretas de uma construção,

no caso as medidas de um viveiro de peixes, onde está cada código ou número da

expressão matemática. Para calcularem a distância de um lugar a outro, baseiam-se nas

curvas do percurso do rio.

Para exemplificarmos a relação concreto-abstrato, favorecida pelo espaço natural e não-

formal da Pamáali, destacamos um dos aspectos da Matemática focados pelo aluno

Juvêncio Cardoso em sua monografia “A prática da Matemática na Piscicultura” ao:

Calcular Viveiro no formato Retângulo

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122

Entendendo: são utilizados dois lados do retângulo, igual como do quadrado,

mas tem uma diferença: os lados do retângulo têm medidas diferentes (do

quadrado é sempre igual). Assim a multiplicação dos lados diferentes (a e b)

dá como resultado um terceiro número diferente (c). Vamos ter o seguinte

exemplo:

a = 10 m

b = 20 m

Fica: Área= 10m X 20m = 200 m2 143

No exemplo acima, a origem dos conhecimentos matemáticos é o viveiro, ou melhor, os

diferentes formatos (formas geométricas) e medidas dos viveiros, que os próprios alunos

construiram. Para uma compreensão da abstração da fórmula, o aluno Juvêncio teve

todo cuidado com a linguagem. Cada letra ou símbolo foram explicitamente

identificados, inclusive no desenho. Essa compreensão matemática só foi possível

porque o aluno conseguiu transferir para a experiência vivida o significado da fórmula

matemática.

Essa sapiência indígena é traduzida por Silva (1977) como geradora de uma cultura

material rica em produção de artefatos, alimentos, conhecimentos sobre a fauna e a

flora, sobre a geografia e os rios. Ao descrever a fabricação de canoas, cestos, bancos,

cerâmica, os vários tipos de trançados, de malocas, podemos perceber com clareza de

detalhes a precisão de medidas, de acabamento e de durabilidade dos objetos e das

construções (a etnomatemática). Assim, ele descreve:

Admiram-se ainda hoje malocas bem antigas; de meio século [...] O sistema

de cobertura, peókaro, é sempre o de duas águas e com grande inclinação, de

sorte que o beiral do telhado ficará acima do solo um metro ou pouco mais

[...] Das paredes, tyákaro, as laterais são preferivelmente de palma trançada.

Encontram-se com mais frequência paredes de Pebé, palma que atinge dois a

três metros de comprimento e 30 e 40 cm de largura, ou ainda de Moa, cujas

palmas não são mais largas alcançando os folíolos uns 60 cm.144

No tocante a essa tecnologia indígena, Demo (2002) destaca ser bem certo que muitas

vezes se possa confundir o conceito de pesquisa com o conceito de filosofia, pois em

seu sentido original significa “apreço pela sabedoria”, seja decorrente da simplicidade

143 CARDOSO, Juvêncio. Prática de Matemática na Piscicultura. 2004, 39 f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio

Negro

144 Silva, 1977, p. 158.

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123

ou de formas mais sofisticadas e consideradas formais de processar o conhecimento. Por

esse motivo,

também o índio que busca respostas às inquietações que o perturbam e faz o

mito, ou o caboclo que tenta explicar seus êxitos e fracassos e faz o saber

popular, há lastro possível de pesquisa, quer na atitude de questionamento e

dúvida, quer na adequação entre teoria e prática, quer na busca de

inventividade diante dos desafios, quer no desdobramento de passos

dedutivos ou indutivos.145

Nesse sentido, pesquisa significa o caminho para a libertação. Faculta a criatividade, a

atitude de dialogar de forma inteligente com a realidade, em qualquer época ou local.

Para demonstrarmos o trabalho de campo realizado pelos alunos da Pamáali, como

também o lado científico dos estudos, trazemos como exemplo, a análise de uma

monografia de um aluno que concluiu o Ensino Fundamental.

3.4.1. A monografia “Um estudo da caça no Médio Rio Içana”

Tomamos como exemplo essa monografia de autoria do aluno Eliseu Antônio para

reforçar as nossas afirmações. É um trabalho que mostra como a Pamáali vem

conduzindo o ensino com pesquisa de campo nas comunidades do Rio Içana. A

monografia está estruturada nos parâmetros de um trabalho científico, com introdução,

capítulos e conclusão. Na introdução, o aluno escreve:

com os resultados da experiência que realizei com o pesquisador Whaldener

Endo sobre o estudo da “caça” (neste caso aves e mamíferos de médio e

grande porte) na região do Médio Rio Içana, venho a elaborar este trabalho

que trata sobre a situação recente e atual de caças existentes nesta região.146

Ainda na introdução, Eliseu se apresenta como bolsista do Instituto Nacional de

Pesquisa da Amazônia (INPA), realizando seu estudo em parceria com um pesquisador

desse instituto que o orientou no trabalho de campo, principalmente no que se refere aos

procedimentos para esclarecer o problema da escassez de caça na região. Neste caso, o

aluno se insere numa experiência de iniciação científica, com parâmetros rígidos de

observação e de coleta de dados. Nem todos os alunos da Pamáali vivenciam o mesmo

145. Demo, 2002, p.43.

146 Formando da EIBC-2006, de etnia Baniwa-Walipere Dakenai da Comunidade Canadá – Rio Aiari.

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124

processo, pois as bolsas são limitadas. No entanto, vivem a experiência da pesquisa

como “princípio educativo”, ou seja, uma prática em que todos os alunos, desde as

primeiras séries do Ensino Fundamental, são motivados a observar, registrar, comparar,

perguntar, analisar, “aprender a aprender.” Eles aprendem a justificar suas escolhas,

fixando seus objetivos em interesses coletivos que respondam às demandas

socioculturais e de sustentabilidade das comunidades locais.

3.4.2. Pesquisa de campo e iniciação científica

A experiência de campo do aluno Eliseu foi realizada num período de 06 meses em oito

aldeias do Médio Rio Içana. Um trabalho que começou pelo reconhecimento das

comunidades indígenas (lócus da pesquisa) sobre a importância de sua pesquisa. Pois,

segundo Eliseu “[...] para realizar este tipo de estudo, é necessário primeiro realizar

anuência com os povos das aldeias, dizendo e explicando sobre todos os métodos de

trabalho, o tempo de permanência, o objetivo e o benefício que trará às populações”.

Nesses encontros, ele procurou explicitar o porquê da investigação sobre as práticas de

caça nas aldeias, uma vez que os mamíferos e as aves estavam diminuindo e se tornando

escassos em quase todas as comunidades do Rio Içana. A partir de entrevistas com os

caçadores, Eliseu obteve informações sobre os tipos de caça mais comuns e sobre as

tecnologias utilizadas nas oito aldeias. Outra fonte importante era a observação das

refeições comunitárias nesses lugares. Que caças estavam mais presentes e com que

frequência?

No segundo capítulo da monografia, Eliseu esclarece o motivo da escolha de regiões de

capinarana para realizar a sua pesquisa e comenta:

por ser aberta, a área de campinarana facilita as atividades durante a

realização de abertura dos transectos147. A sua terra arenosa facilita também a

penetração de água de chuva, pois na área de terra firme isso não acontece. É

por isso que escolhemos essa área durante o período chuvoso.148

147 Abertura de uma trilha reta marcada (4 km) para registrar a passagem de mamíferos.

148 ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro

Aluno Eliseu, monografia, p.7.

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125

Nesse mesmo capítulo, faz o registro das diferentes vegetações que proliferam nas áreas

investigadas, escrevendo seus nomes em Língua Baniwa. Discorre sobre a situação atual

da caça na região do Alto Rio Negro e no Médio Rio Içana, fazendo referência à

pobreza dos solos e às dificuldades de caça na região. Explicita como conduziu a

pesquisa em cada aldeia, fazendo uma descrição de suas áreas e do que foi observado

nos transectos.

Nos demais capítulos, o aluno apresenta os resultados da pesquisa: censo das caças

existentes em cada aldeia (quantidade, tipo, tamanho), as dificuldades para coletar os

dados e a comprovação de algumas hipóteses iniciais sobre as possíveis causas da

escassez de animais na região. Comenta as respostas dos entrevistados sobre as técnicas

de captura de animais antigas e atuais, fazendo referência à influência do contato com

outras culturas na mudança de hábitos de caçar. E posiciona-se criticamente em relação

à caça predatória, ao afirmar ser necessário que:

a população Baniwa reflita sobre as práticas utilizadas para abater animais, e

proteja melhor as áreas, propondo o manejo adequado desses lugares e dos

animais para que não falte caça para as futuras gerações. Isto facilitará a vida

dos povos no Rio Içana.149

A partir desse exemplo, é possível mostrar que uma didática da pesquisa pede caminhos

que possibilitem a descoberta, a busca por respostas aos problemas, o “passo a passo”150

de uma investigação. Estas características reforçam as afirmações de Saviani (1987),

quando se refere ao pesquisador como sujeito, na construção do conhecimento.

3.5. MONOGRAFIAS BANIWA E CORIPACO: DOS MITOS À

CIÊNCIA

A questão mitológica é uma das prioridades da educação intercultural nas escolas

indígenas e representa o retorno às tradições, aos ritos e às raizes conceptuais de origem

da vida, entrelaçando saberes transcedentais ao processo de explicação dos fenômenos e

dos fatos experienciados pelo homem. Agrega também intenções e comportamentos

149 Ibidem, p. 42.

150 Grifos nossos.

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126

sociais que se constituem na veia política da dimensão simbólica de compreensão

indígena dos diferentes universos: mitológico e científico. Estes, inseparáveis na cultura

do Índio, são refletidos em suas ações de investigação e de exploração do ambiente.

Cumpre ressaltar que as concepções modernistas dos processos de conhecimento dos

fenômenos sociais e naturais ocasionaram separações inevitáveis entre as ciências,

relegando os estudos científicos às áreas específicas de investigação. Os estudos

direcionados às culturas passam a representar formas menos rígidas de conhecimento,

como se as culturas não fossem elas mesmas estruturantes de qualquer processo de

investigação e de formalização das Ciências. Em relação a este impasse, Waldman

(2006) esclarece:

A modernidade – ao ter se posicionado em defesa intransigente do indivíduo,

do triunfo sobre o meio natural e de uma mundialização cujos paradigmas são

aqueles que ela própria criou para seu deleite narcisista – encontra-se numa

encruzilhada crucial. Ela não dispõe como o homem tradicional, das

estruturas cognitivas – entre elas suas prefigurações imaginárias do meio

natural – pelas quais as sociedades de outrora se afirmavam por meio de um

diálogo sensível com a natureza, com o cosmo ou com o universo.151

Para os Baniwa e Coripaco, os aspectos cosmogônicos direcionam a interpretação dos

acontecimentos e dos fatores determinantes de sua cultura e de seus processos de

aprendizagem. Por essa razão, a compreensão da imbricação do indígena com a natureza

é pressuposto para qualquer reflexão sobre o significado dos mitos na constituição das

“naturezas-culturas”. Latour (1994) atribui esse conceito à forma como a antropologia

tem tratado os aspectos constituintes das sociedades tradicionais e à forma como as

pesquisas nesse campo são mescladas de informações ligadas ao contexto natural,

narrativo e político ao mesmo tempo. Essa maneira de analisar as práticas tradicionais,

isto é, como naturezas-culturas, é reforçada pela necessidade de uma bricolagem

metodológica capaz de dar conta desses contextos. Assim,

mesmo o mais racionalista dos etnógrafos, uma vez mandados para longe, é

capaz de juntar em uma mesma monografia os mitos, etnocências,

genealogias, formas políticas, técnicas, religiões, epopéias e ritos dos povos

que estuda. Basta enviá-lo ao arapesh ou achuar, aos coreanos ou aos

chineses, e será possível obter uma mesma narrativa relacionando o céu, os

ancestrais, a forma das casas, as culturas de inhame, de mandioca ou de arroz,

151 Waldman, 2006, p.169.

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127

os ritos de iniciação, as formas de governo e as cosmologias. Nem um só

elemento que não seja ao mesmo tempo real, social e narrado.152

Buscando em Eliade (2000) o conceito de mito, compreendemos que o mesmo se torna

uma narrativa complexa por possibilitar perspectivas múltiplas e complementares de

interpretação. E ainda intensifica esse conceito quando diz que:

o mito conta uma história sagrada e relata um acontecimento ocorrido num

tempo primordial, o tempo fabuloso do „princípio‟ [...] O mito narra como,

graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,

seja uma realidade total, o cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma

espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição.153

Diante dessa afirmação, podemos entender que os povos Baniwa e Coripaco têm uma

relação muito próxima com os mitos de natureza cosmogônica, isto é, com os mitos de

origem, fortemente entrelaçados com o mistério da criação. Esses mitos de origem,

segundo Eliade, prolongam e completam o mito cosmogônico, ligando as memórias

coletivas mágico-religiosas às façanhas dos Entes Naturais modificadoras de realidades.

É assim que os Baniwa e Coripaco explicam o surgimento de objetos, animais, plantas,

lugares e dos fenômenos naturais que os afetam. É nessa lógica que explicam

comportamentos sociais e hierárquicos.

A ligação desses povos com o cosmo e a natureza tem se revelado em muitos

comportamentos socioculturais manifestados por eles. E essa maneira de se comunicar é

peculiar a várias etnias indígenas. Vilas Bôas (2000), ao conviver com os Xinguanos,

descobriu que suas crenças sobre a causa de muitos dos acontecimentos e tragédias que

ocorrem nas aldeias estão ligadas ao poder dos espíritos maléficos (mamães),

conhecidos como entidades espirituais habitantes de um espaço que transcende a

realidade. Marcoy (2006), em suas viagens pelo Rio Amazonas, fez um importante

relato sobre os povos Ticuna, inclusive sobre as analogias que esses povos estabelecem

com os conhecimentos da Ciência ocidental. Tal relato é tão revelador do encontro entre

culturas como das manifestações míticas que acabam gerando diferentes justificativas

indígenas sobre seus problemas. Devido à riqueza desse estudo, convém citá-lo na

íntegra:

152 Latour, 1994, p. 12.

153 Eliade, 2000, P.11.

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128

Na época em que os ticuna constituiam uma nação comandada por chefes e

não, como hoje, meras famílias autônomas e dispersas, eles adoravam um

Deus-criador, de nome Tupana; davam graças, embora o abominando, a um

espírito do mal chamado Mhohoh e acreditavam que a alma, depois da morte

do indivíduo, iria passar para o corpo de um ser inteligente ou para de um

animal impuro, dependendo do comportamento tido em vida. Conforme suas

crenças, o céu dividia-se em duas esferas, uma sobreposta a outra e separadas

por uma abóbada transparente. Na primeira estava instalado o espírito criador

Tupana; as estrelas que vemos de baixo são os raios de luz da sua face,

atenuados ao passar pela abóbada intermediária e pela esfera inferior. Os seus

astrônomos admitiam o movimento da terra ao redor do sol e reconheciam

nesse corpo luminoso o irmão e esposo da lua. De acordo com eles, os rios

eram as artérias do globo terráqueo, os arroios eram as veias e suas

respectivas correntezas eram devidas à gravitação ou ao simples movimento

do planeta ao redor da estrela central ou sol.154

Durante a pesquisa de campo na EIBC, pudemos observar alguns fragmentos dessa

relação entre mito e realidade. Não presenciamos apenas o lado profano desses mitos,

mas também um lado sagrado. Um exemplo claro dos vestígios desse sagrado foi um

fato narrado pelos alunos, ao fazermos a trilha das Ciências numa mata fechada de

Pamáali. Um dos alunos falou: “aqui tudo é sagrado, as árvores estão olhando para

você, elas estão vivas. Se você estiver menstruada, algo de muito ruim pode acontecer,

não só com a pessoa, mas com todos que estão com ela”.155

Contaram que em outro

momento, uma pesquisadora quase foi atingida por uma árvore que caiu em sua direção.

Só então descobriram que ela estava menstruada, e no mesmo momento suspenderam a

caminhada e retornaram à escola.

Uma outra situação parecida pode ser identificada em uma das monografias em que o

aluno José Gomes de Souza, da comunidade Mauá Cachoeira, escreve: “durante a

pesquisa eu tive dificuldade em definir os instrumentos musicais que seriam desenhados

em meu trabalho, pois as flautas que as mulheres não podem ver foi a grande dúvida

minha, se podia ou não desenhar. Em reunião com os velhos, eu descobri que não

podia.”156

154 Marcoy, 2006, p.44.

155 Pesquisa de campo, agosto de 2008. 156 Pesquisa de campo, agosto de 2008. SOUZA, José Gomes de. Instrumentos musicais do povo Baniwa 2004,

24f. Monografia (Ensino Fundamental) – na Escola EIBC-Pamáali, Rio Içana – Alto Rio Negro.

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129

Quando Eliade (2000) comenta que uma das principais funções do mito é trazer à

realidade modelos exemplares de comportamento, é porque os mitos acabam

regimentando atividades humanas significativas. Propiciam o tolhimento de ações que

não seriam reguladas de outra forma. E esta função do mito se revela na alimentação, no

trabalho, no casamento, na educação, na arte e na sabedoria da maioria dos povos de

diferentes culturas.

Dito de outra forma, alguns mitos ainda estão vivos. Alguns ainda se manifestam nos

pensamentos dos homens, sejam eles arcaicos ou não, porque são constituintes da

natureza humana. Pensar “miticamente” a nossa origem e do mundo não é um

pressuposto exclusivo dos povos tradicionais. Na concepção de Cruz (2008) “as

preocupações religiosas são as preocupações humanas mais básicas. De onde viemos?

Para onde vamos? Como devemos nos comportar? Que também são aquelas da ciência

contemporânea.”157

Nesse sentido, o mito tem dois significados fundamentais para o fortalecimento dos

princípios éticos e morais da sociedade indígena: o primeiro corresponde à manipulação

mítica dos fatos sociais através da referência aos heróis sagrados que determinam as

ações de um povo. E o segundo tem função política porque orienta o dinamismo de uma

sociedade passível de mudanças, porque é historicamente construida. Vale enfatizar que

esse processo histórico, diferentemente da cultura ocidental, é determinado pelo

cotidiano das aldeias em sintonia com um enredo transcedental de direcionamento dos

comportamentos e das ações dos Índios conectados à natureza, à política e às relações

socioculturais processadas por eles.

Essas implicações com o sagrado, isto é, com as questões mitológicas de ensino e

aprendizagem dos valores e saberes científicos nas escolas indígenas impõe desafios à

educação formal do Índio, sobretudo por merecer graus de significância que

transcendem os objetivos de uma educação projetada pela cultura envolvente. É nesse

contexto que Weigel (2000), em seus estudos sobre o processo de independência das

escolas indígenas no Alto Rio Negro, e particulamente das escolas Baniwa, afirma que:

157 Cruz, 2008, p.71.

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130

O conhecimento produzido sobre saberes e ações que participam do sagrado

– como o conhecimento Baniwa sobre as doenças, as curas, os elementos da

natureza, a produção dos alimentos, a formação do adulto – tem um caráter

diferente do conhecimento histórico (dos Brancos) sobre as mesmas ações.158

Cria-se, dessa forma, um espaço de entreculturas na escola indígena, onde a cultura da

oralidade e a cultura da escrita assumem sentidos e funções diferentes. Quando os

alunos indígenas aprendem a origem das doenças ou a cura dessas doenças segundo as

teorias ocidentais, ocorre uma dissociação entre o modo de aprendizagem indígena e a

forma como as escolas ocidentais processam o conhecimento. Os alunos indígenas

precisam das narrativas míticas para atribuir sentido aos fenômenos estudados. Não

basta aprenderem os conceitos, as fórmulas matemáticas, as abstrações tão próprias do

ensino formal das escolas não-indígenas. O desenvolvimento de categorias de análise e

de comparação com os mitos preserva a memória coletiva indígena que está na base dos

estudos científicos, como percursos significativos de aprendizagem.

Vale aqui recordar as reflexões de Chauí (1995) ao afirmar que o pensamento mítico

tem três funções: explicativa, organizativa e compensatória. A primeira função busca

explicar o presente a partir de alguma ação passada que é ritualizada a ponto de reviver

os tempos primordiais. É o que se observa nas monografias analisadas que trazem a

explicação de como se originaram a chuva, as árvores de arumã, algumas plantas

medicinais, um determinado peixe, os instrumentos musicais. As narrativas contadas

por eles são revividas e rememoradas.

A segunda função do mito é organizar as relações sociais de parentesco, de alianças, de

trocas, de casamento, de educação, entre outras. Esta função está também explícita nas

monografias que mostram como esses povos educam seus filhos (a educação tradicional

Baniwa e Coripaco); como as mulheres devem proceder na gravidez (parto tradicional

Baniwa e Coripaco); como se originou uma determinada tribo (a origem da tribo

Dzawinai).

A terceira e última função do mito é a compensação. Ele narra uma situação passada

que, no presente, manifesta-se como um erro que foi corrigido ou que representa uma

158 Weigel, 2000, p. 315.

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compensação por alguma perda. É o caso, por exemplo, da escolha do local para a

construção da escola Pamáali anteriormente enfatizado.

3.5.1. O lugar dos mitos na escola Pamáali

Os estudos mitológicos realizados pelos alunos da EIBC demonstram uma preocupação

antiga de muitos pesquisadores com a construção de uma escola indígena que traduza o

sentimento de revitalização dos mitos nas práticas escolares. A esse respeito, Silva

(2000) sinaliza:

Desconfio que um caminho possível para a consolidação de uma escola

indígena seja desenvolver atividades de pesquisa específicas com os alunos,

em que uma grande atenção seja dispensada à compreensão da sociedade de

onde o texto mítico em exame provém, acompanhada por uma atitude de

reflexão antes de tudo filosófica sobre as questões abordadas pelos mitos.159

Os textos escritos pelos alunos sinalizaram o sentimento existencialista e filosófico que

baliza as práticas tradicionais Baniwa e Coripaco em relação à educação, à saude e às

técnicas de subsistência. Não obstante, são ainda um construto de conhecimentos a

serem sistematizados e registrados na escrita, com a finalidade de serem trabalhados nas

escolas e nas comunidades. As questões socioculturais monopolizam os interesses dos

alunos, o que pode se justificar pela urgência em consolidar o projeto intercultural de

fortalecimento da cultura indígena. Comprendemos, então, que somente a partir desse

conhecimento prévio através da pesquisa, os Baniwa e Coripaco estariam mais

aquecidos para compreenderem os mitos em sua dupla dimensão: como produto da

reflexão humana numa acepção universal do conhecimento e como criação original em

sua especificidade, concernentes às sociedades e culturas particulares.

Convém lembrarmos que a abordagem dos mitos pela escola vai além dos interesses

socioculturais e por isso é delineadora de processos explicativos fundamentais para a

imbricação entre significado e aprendizagem de teorias e de conceitos científicos. Ao

acompanhar essa lógica de função dos mitos, Lévi-Strauss (1989) afere ao pensamento

mágico a qualidade de estar enraizado nos contextos cotidianos dos povos indígenas,

159 Silva, 2000, p. 319.

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132

compondo um tecido de significações entre realidade e mundo imaginário. Com base

nessa premissa, as narrativas mitológicas estruturam um sistema paralelo e

independente de um outro sistema conhecido como Ciência. Porém, estabelece com

este, uma analogia formal que os torna muito próximos, sendo os mitos uma espécie de

expressão metafórica da Ciência. Esta característica nós verificamos em todas as

monografias que procuraram relacionar os conhecimentos tradicionais aos processos de

explicação científica de diferentes fenômenos naturais.

Ainda na trilha das ciências, tivemos a oportunidade de presenciar cenas muito

interessantes dessa relação. Uma delas foi a explicação que a professora Clarinda

Custódio Paiva fez sobre o significado do Breu branco160

para as mulheres indígenas

que adentram as florestas densas e perigosas. Antes mesmo de relatar o valor científico

dessa substância, a mesma enfatizou o caráter sagrado do líquido viscoso, sendo este,

protetor da mulher, quando a mesma o passa na base de seus pés ao percorrer grandes

trilhas na mata fechada. Além de protegê-la dos espíritos maléficos da floresta, o cheiro

que a substância exala afasta a possibilidade de picadas de cobra ou de possíveis

acidentes que possam ocorrer durante o percurso na mata. Cientificamente, é uma

substância que está em estudo e que tem sido alvo especulativo das indústrias de

cosméticos interessadas na fabricação de essências aromáticas. Em uma das árvores

produtoras do Breu branco, pudemos verificar também, a característica inflamável dessa

substância, sendo a mesma usada para produzir fogo.

Foto 64 e 65 – Árvore que produz o Breu branco

Fonte: Pesquisa de campo, dezembro 2009.

160 Uma substância pegajosa, branca, de forte ligadura e cheiro agradável, bastante utilizada por indústrias de

cosméticos na atualidade.

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133

Em face do que já foi explicitado, os conhecimentos mitológicos relatados nas

monografias atestam o poder explicativo da existência de uma ávore, de um animal, de

uma planta ou raiz e de todos os fenômenos físico-naturais com os quais convivem. Para

os Baniwa e Coripaco, explicar o processo de crescimento das raizes de uma ávore sob a

luz mitológica e sob a luz científica é dar sentido à aprendizagem das ciências

formalizadas na escola. É conferir ao currículo escolar o valor da sabedoria indígena

como substancial para uma aprendizagem significativa dos conceitos científicos. Assim

como a história das Ciências esclarece as arguições das teorias científicas ocidentais,

conferindo-lhes o significado de seus estudos, as narrativas cultivadas pela tradição

indígena dão consistência à abstração teórica dessas teorias, quando são entrelaçadas às

suas práticas curriculares.

Dando sequência a este racicínio, focalizamos três monografias que exemplificam a

relação entre mito e ciência e formalizam a necessidade que os indígenas têm de

explicar mitologicamente os conteudos científicos ocidentais estudados por eles. As três

monografias que retratam essa preocupação são de autoria dos alunos da primeira turma

do Ensino Fundamental, concluida em 2004. As temáticas de estudo escolhidas

possibilitam a visualização da interconexão entre os saberes indígenas e ocidentais,

mostrando-se relevantes para as comunidades do Rio Içana, uma vez que tratam de

questões ambientais que interferem na alimentação, no clima e na saude dos Baniwa e

Coripaco. Para demonstrarmos o vínculo entre os conhecimentos indígenas e não-

indígenas nas três monografias, utilizamos como estratégia de análise o próprio discurso

dos alunos, apresentados nos três quadros comparativos a seguir:

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Quadro 1 – Monografia “A Piracema hoje: uma nova compreensão deste fenômeno”

Autoria: Vigico Juarez Paiva Rivas –Etnia Baniwa – Clã Liedawiene-Comunidade Juivitera

Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas

“De acordo com uma das histórias, os peixes que fazem

piracema são enfeites dos espíritos que já partiram desta

vida para outra vida. As outras histórias são quase

parecidas, não são tão diferentes”.

“Esse período para o povo Baniwa é chamado de Walipere,

que é o nome de uma constelação, que representa a última

chuva, onde o rio cresce até o limite do próprio rio. Os

povos Baniwa chamam esse fenômeno de Tephimekani, ou

bolhame, que seria o rio que sobe e cobre tudo.”

“No dia da piracema os pescadores saíram para o local de

desova e o pajé saiu para dormir no mato; o seu espírito

logo foi com os peixes. Na festa viu todas as pessoas que

conhecia, quando vivos. Começaram a beber e a dançar.

Logo teriam uma fartura de peixes para comer.”

“A piracema é o período em que os peixes formam grande

cardume e sobem os rios para desovar em certos locais de

reprodução [...] A época mais própria da piracema na região

do Rio Içana, de acordo com o calendário do Branco, é

durante os meses de março a abril. Melhor dizendo, final de

março e abril, sendo sempre possível acontecer piracema

ainda no mês de maio”.

“No final de março até abril, as chuvas tornam-se mais

frequentes e aumentam o volume de água do rio. Então, o

pescador conhece o nível do rio e sabe a hora aproximada

que o peixe vai desovar. A desova geralmente acontece nas

margens do rio, no igapó e nos igarapés. A hora depende da

espécie de peixe, pois há espécies que desovam pela manhã,

pela parte da tarde ou pela madrugada”.

“Para a sociedade branca, na época da piracema é proibida a

pesca. Então foram criadas legislações que controlam a

pesca excessiva de peixes proibindo a pesca em certas

localidades. Estas mesmas leis determinam onde o pescador

pode pescar, sem trazer consequências desastrosas para a

continuidade das espécies.”

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135

Quadro 2 – Monografia “A Origem da chuva”

Autoria: Wilson Júlio Quincas Miguel – Clã Hoohodeni – Comunidade Tucumã Rupitá

Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas

“Eram dois meninos de barrigas muito grandes, cheias de

água, que são como água da chuva. Por isso, quando os

meninos queriam que o tempo ficasse nublado, eles

pintavam os seus corpos. Existiam dois tipos de pintura:

pintavam a metade do rosto quando queriam que o tempo

ficasse nublado e pintavam o rosto inteiro para chover no

mundo todo. Quando queriam que o céu ficasse bem claro,

não pintavam seus rostos de forma alguma.”

“O irmão mais novo de Ñapirikoli (o principal gente-

universo da trilogia dos irmãos Ñapirikoli, Dzooli e Eeri,

donos dos conhecimentos Baniwa) procurou o trovão. Ele

foi para o mato e bateu na raiz de uma árvore imitando o

som do trovão. [Ao continuar] caminhando no mato, ele

encontrou uma árvore de poopere (bacaba) e nela estava

Kamathawa “gavião” comendo seus frutos. O irmão mais

novo de Ñapirikoli foi caçar este animal. Ele ficou

esperando até escurecer e nada aconteceu. Ele esperou

muito tempo, aí começou a fazer o seu podzakali (material

usado para a captura de aves, feito com sorva da árvore de

Iwidzoli) e fez o barulho – toko-haominararakhe-tim –

chamando o kamathawa.”

“Ao chegar a casa, Ñapirikoli não reconheceu o seu irmão

mais novo, pois este havia se transformado em Eeno (O

Trovão). Ñapirikoli ficou contente de ver que seu irmão

tinha conseguido o trovão. O seu irmão entregou a

Ñapirikoli a pena do Kamathawa (gavião) para cheirar e

eles viraram os pajés, que existem até os dias de hoje. A

partir desse momento Ñapirikoli passou a ter a chuva, a

água e o trovão.”

“A energia que faz a chuva vem do sol que esquenta e

ilumina o planeta terra provocando a evaporação da água.

Esta umidade vai sendo acumulada no ar e a simples

existência do calor do sol provoca a movimentação da

massa de ar, formando alguns tipos de ventos. Os raios

solares que chegam à terra de forma diferenciada, porque a

terra fica girando, formam outros ventos que se misturam e

trabalham juntos para formar a chuva. Uma quantidade

imensa de água fica voando vagarosamente. É invisível e

fica sobre nossas cabeças. Está em toda parte, inclusive

agora na nossa frente existe água que não podemos ver.

Esta água que fica no ar e que a gente não vê se chama de

umidade relativa do ar.”161

“Nos livros didáticos do Ensino fundamental, encontrei a

seguinte explicação: a chuva é a precipitação líquida em

forma de gotas de água, que caem das nuvens.162 O

processo tem duas etapas: na primeira, o vapor de água se

condensa (engrossa) em minúsculas gotículas (gotas

pequenas) nas nuvens; na segunda, há uma colisão

(reunião) entre as gotículas maiores de água e as menores,

que são absorvidas pelas primeiras. Com o tamanho

aumentado, as gotas acabam caindo das nuvens.”

“A chuva é a precipitação atmosférica mais comum e mais

numerosa. É também muito importante para a

sobrevivência das sociedades humanas, principalmente

para as atividades de agricultura, para o abastecimento de

água e para manter elevado o nível de água dos rios.”

161 Grifos nossos.

162 Grifos nossos.

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Quadro 3 – Monografia “Materias para caça e pesca dos Povos Baniwa e Coripaco”

Autoria: Marino Mandú Sanches –Etnia Baniwa – Clã Kapittiminanai da Comunidade de Wainambi

Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas

“A maioria dos materiais de caça e pesca são feitos de Pari,

que é uma espécie de palmeira, que também serve para

fazer Yapoloto (certo tipo de flauta comprida feita de dois

tubos) e Mawipi (zarabatana – espécie de instrumento

musical). Se perdermos essa planta, perdemos os

instrumentos indígenas de caça e pesca e ficaremos apenas

com os materiais dos [não índios] para desenvolver essas

atividades.”

“Os nossos pais e os velhos falam que os remédios

tradicionais para a caça e a pesca foram encontrados

(origem) na serra, e algumas plantas são originadas ou

plantadas nas próprias aldeias antigas. Segundo a

mitologia, a pessoa que [...] tirar o remédio na serra tem

que ficar em jejum durante sete dias, sem se alimentar de

peixes e pimentas.”

“Naquela época, os nossos ancestrais não faziam muitas

pescarias no rio. Faziam apenas em algumas ocasiões,

como na festa de Podaali, em que capturam muito peixe,

para muita gente comer. Por isso, os velhos dizem que

antigamente havia muito peixe no rio.”

“Os povos Baniwa e Coripaco são conhecedores de várias

armadilhas tradicionais para a caça e para a pesca. Existem

nove tipos de armadilhas para peixe (Kakori, Maipoko,

Damina, Arodaoo Dzarokana, Haali, Oopitsi, Kaayaoo

Kaadza, Maawi, Padietayhoopa – maawi

eepaperi/manopeka) e dois tipos de armadilhas para caça

(Owepi e Yawilhida).”

“Iitsa: antigamente, há muito tempo atrás, existia este tipo

de anzol. Feito com tala de dopaita (paxiuba) e amarrado

em forma de X. Este anzol é utilizado junto com iitsapa e

itsaakhaa (caniço e linha de pesca).”

“Kakori: esta armadilha é muito utilizada na época de

inverno, inicio de enchente do rio, construída na beira do

rio e pode também ser construida no igapó. Então, [durante

a] piracema no igarapé, as pessoas cercam com o pari e

depois instalam um kakori para capturar os peixes de

piracema.”

“Os Peixes capturados nesta armadilha são o Koliri

(surubim/pseudoplatystoma fasciatum), o Taali (aracu 3

pintas/lepurinus fridericis), o Hiipi (kuyo-kuyo/anduzeras

oxynhynchus), o Hitawali/iiniri (traíra/hophias off

lacerdae), o Ketteredani (mandi/pimelodus), o Owhii

(sarapó/stermapygus sp).”

“Maipoko: esta armadilha é muito parecida com o kakori, a

diferença é que precisa ser instalada com isca, que pode ser

buruti, açaí ou patauá. Também não apresenta as duas

paredes em forma triangular. É utilizada somente na

enchente do rio, e instalada no igapó para permanecer no

mesmo local. Os peixes capturados com esta armadilha são

o Taali (aracu 3 pintas/lepurinus fridericis) , o Doome

(aracu 4 pintas/lepurinus klauzewitzi), o Kerapokoli

(pacu/hulens sp) e o Omai (piranha/serrasahmus sp).”

“Há muito tempo atrás não havia materiais dos [não índios]

entre os povos da região do Rio Içana, mas depois do

contato, vieram as novas técnicas de pesca. Essas técnicas

foram introduzidas na região, através dos patrões

colombianos, que dominaram muito tempo a relação com

os povos Baniwa e Coripaco, vendendo produtos fiados

para os nossos avós, e obrigando estes a trabalharem na

seringa ou em outro local. Assim foram introduzidos os

materiais de pesca e caça na região.”

“Maawipi: este material é feito com pedaço de pari, que

mede mais ou menos 3m de comprimento e 2,5 cm de

diâmetro. Os animais capturados com o Maawipi são: Mare

(jacu/penelope jacquacu), Koitsi (mutum/mitu tomentosa),

Hoolito (pombo/Colômbia cayennensis), Maayali/attine

(jacamim/pesophias creptons), Waaro (papagaio/amazona

farinosa), Aadaro (arara/ara Macau), Wanali

(carará/anhinga), Yaattidzatte (tucano/pamphastas

tucanus).”

“Os mamíferos da família [dos] macacos capturados com o

Maawipi são: Kaaparo (macaco barrigudo/ lagothrix

lagotricha), Powe (macaco prego/cebus albifrons), Mokoli

(macaco da noite/potos flavus), Waamo (preguiça/

chuluepus chuluepus), Waamo tsiitapo (preguiça/

chuluepus chuluepus).”

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137

Os discursos dos alunos destacados nos quadros anteriores representam, na nossa

análise, a inter-relação cultural de ensino das ciências ocidentais e das ciências

indígenas. De todas as monografias produzidas pelos estudantes da escola, apenas essas

três contemplaram essa relação. Ainda assim, para seus autores, foi determinante

interpretar os processos científicos da chuva, da caça, da pesca e do fenômeno da

Piracema, contextualizando-os como problemáticas de sustentabilidade, com fortes

implicações ambientais.

De um lado, as pesquisas de campo estão bem desenvolvidas na escola Pamáali. Por

outro lado, é percebível a dificuldade que os alunos encontram para estabelecer, nestes

estudos, a conexão entre os saberes indígenas e não-indígenas, seja por questões de falta

de formação dos professores, seja por falta de recursos didáticos, seja pelas dificuldades

de acesso ao conhecimento científico. Esta observação é válida quando verificamos na

maioria das produções monográficas, a ausência dessa relação, pois conforme o quadro

demonstratrivo das monografias produzidas pelas turmas de 2004 e 2006 (ver anexos 6

e 7, p. 169-170), o percentual temático predominante unilateralizou o foco de

conhecimento. Nesse sentido, grande parte dessses estudos privilegiou os saberes

tradicionais indígenas sem a preocupação de abordá-los, pelo menos em princípio, sob a

ótica dos conhecimentos ocidentais. Verificamos também, que esta unilateralidade de

abordagem temática pode ser tanto indígena como não-indígena, demonstrando que a

interconexão entre os diferentes conhecimentos é mesmo o grande desafio de uma

escola indígena intercultural.

Ressaltamos também que este enfoque monográfico ratifica as proliferações mitológicas

bastante valorizadas pelos alunos e professores da EIBC. São as significações míticas

que dão sentido aos percursos de aprendizagem dos conteudos formais e científicos

considerados nos estudos que os alunos realizam, justificando a nossa inferência “dos

mitos à Ciência” às monografias Baniwa e Coripaco. Isto nos fez refletir sobre o lugar

dos mitos na escola Pamáali, denotando o realce das intenções indígenas do Alto Rio

Negro em fortalecer os princípios de uma escola intercultural a partir da revitalização de

suas tradições.

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138

CAPÍTULO IV – PROJETOS DE PESQUISA E

ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS: UMA

ESTRATÉGIA DE ENSINO DE CIÊNCIAS VIA

PESQUISA PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS DO

ALTO RIO NEGRO

4.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS CONTEXTOS INDÍGENAS: O

AMBIENTE COMO FONTE DE CONHECIMENTO

Os contextos de educação formal que hoje se configuram nas áreas indígenas do Alto

Rio Negro estão refletindo uma prática de ensino e aprendizagem de Ciências

estreitamente embasada em atividades e experimentos, derivados de estudos do meio.

Os estudantes indígenas aprendem a conhecer a fauna, a flora e os processos naturais de

transformação da natureza, desde os primeiros anos do Ensino básico. Para as crianças e

para os jovens indígenas, investigar o meio onde vivem faz parte de uma dinâmica

natural da vida em que os seres humanos são parte dela.

Essa realidade, além de propiciada pelo contato vivo dos Índios com a floresta e com os

rios, é também cultivada pela ideologia do concreto, como o fundamento dos processos

de aprendizagem das Ciências. Por esta razão, os indígenas advogam como práticas

escolares, os costumes e os valores cotidianos e transcendentais de suas experiências.

Não fazem separação entre sociedade, ambiente e cultura. E quando estudam fenômenos

naturais como a chuva, a piracema, a enchente ou a vazante dos rios, têm como ponto de

partida, os conhecimentos prévios dos alunos.

Devido a essa compreensão, a importância do ambiente como referente para a

aprendizagem sobre solos, plantas, animais e fenômenos naturais diversos em

comunidades indígenas é ponto chave de articulação de uma metodologia de ensino com

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139

pesquisa em suas escolas. Este fato delimita as estratégias de Ensino de Ciências nestes

locais e direciona a nossa proposta de projetos de pesquisa para o Ensino Médio

Integrado Indígena que está em processo de efetivação nas escolas do Alto Rio Negro.

4.2. MÉTODOS DE PROJETOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

O grande diferencial da prática de ensino por projetos de pesquisa nas escolas indígenas

é a forte conexão que esta metodologia estabelece com o Ensino de Ciências e com a

sustentabilidade. Estes projetos vão além de questões teóricas e o protagonismo dos

alunos assume dimensões científicas de intervenção na realidade. Mas essa maneira de

produzir o conhecimento deve obedecer a um ciclo de atividades de pesquisa que

comecem nas séries iniciais do Ensino Fundamental e evoluam nos anos seguintes,

sendo coerentes com as habilidades e competências de cada faixa etária.

Em relação a esta necessidade sequencial da prática da pesquisa no Ensino básico,

Martins (2007) argumenta que a opção pela “estratégia dos porquês” propicia a

aproximação dos alunos com os caminhos científicos de aprendizagem, sendo esta ação

fundamental para

estimular na criança o interesse científico e o prazer pela descoberta do

conhecimento de certos fatos, assim como fazê-la entender que toda a

maravilhosa tecnologia de que usufruimos hoje é fruto da aplicação da

Ciência na solução dos problemas que existiram e/ou existem ainda,

procurando revertê-los em benefício do ser humano..163

Antes de estruturarmos a estratégia de projetos de pesquisa para o Ensino Médio,

convém reforçarmos a proposição desta estratégia, situando as reflexões de Zabala

(1998) sobre essa questão, enfatizando primeiramente, a perspectiva teórica que

fundamenta esta proposta. Este autor faz referência a quatro métodos globalizadores,

que numa composição gradativa de ensino via pesquisa nas escolas indígenas, são

perfeitamente ajustáveis sob os pontos de vista da pedagogia de projetos para o Ensino

de Ciências. Estes métodos são: os centros de interesses de Decroly; o método de

163 Martins, 2007, p.49.

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140

projetos de Kilpatrick; o estudo do meio do Movimento de Cooperazione Educativa de

Itália (MCE) e, os projetos de trabalhos globais.

Os centros de interesse criados por Decroly, em 1871, situam o processo de ensino a

partir de temas ou situações que interessem aos alunos pesquisar. Esta proposta baseia-

se na comprovação de que as pessoas precisam achar sentido no que as escolas ensinam

e a partir da integração das diferentes áreas do conhecimento, o estudo de um núcleo

temático motivará o aluno a observar, a associar e a expressar o que investigou, tendo

como foco a sua realidade. 164

O método de estudo do meio, estruturado por Frenet a partir de 1924 e cultivado pelo

MCE como método de aprendizagem, focaliza a pesquisa de campo ou o tateio

experimental do meio, como a fonte de estudos científicos nas escolas. Este método se

torna fundamental para o Ensino de Ciências nas séries iniciais, na medida em que a

criança, por demais curiosa, aprende muito mais com as experiências concretas de

relação com o ambiente, do que através de livros didáticos. Na sequência dessa prática

de pesquisa, o processo ensino-aprendizagem segue um planejamento de ações que só

ratificam o preparo do estudante para lidar com processos investigativos fora da sala de

aula, nas comunidades e nos espaços não-formais de aprendizagem das Ciências

naturais. Estas ações correspondem:

à motivação;

à proposição de perguntas ou problemas;

à formulação de hipóteses;

à elaboração de instrumentos para a busca de informações;

ao planejamento de investigações;

à coleta de dados;

164 Zabala, 1998.

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141

às conclusões e apresentação dos resultados através de seminários, exposições, feira

de Ciências etc.165

O método de projetos estruturado por Kilpatrick tem origem na proposta experimental

de ensino e aprendizagem, difundida por Dewey em 1896. Na compreensão de Zabala

(1998),

o método de projetos designa a atividade espontânea e coordenada de um

grupo de alunos que se dedicam metodicamente à execução de um trabalho

globalizado e escolhido livremente por eles mesmos [...] têm a possibilidade

de elaborar um projeto em comum e de executá-lo, sentindo-se protagonistas

em todo o processo e estimulando a iniciativa responsável de cada um no seio

do grupo.166

Deste modo, trabalhar nessa linha de projetos exige do aluno o compromisso social e

político com a sua comunidade e com a sociedade da qual faz parte, reforçando a função

social da escola nesse contexto. As fases relevantes de elaboração desse tipo de projeto

são:

a intenção

a preparação

a execução e

a avaliação, uma sequência de ações detalhadas que dependem da orientação

sistemática do professor.

Os projetos de trabalhos globais atendem à proposta de estudos temáticos, com pesquisa

de campo ou teórica, que apresente como resultado um dossiê ou monografia. Para

realizar esta meta, professores e alunos devem trabalhar em conjunto, pois as fases que

determinam a elaboração do trabalho terão momentos coletivos e individuais. Assim,

em atos consecutivos, docentes e discentes deverão:

165 Zabala, 1998.

166 Ibidem, p.149.

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142

planejar o desenvolvimento do tema;

ajustar os conteudos aos objetivos de aprendizagem sobre o assunto;

buscar informações em diferentes fontes;

fazer o tratamento das informações;

desenvolver os tópicos do índice;

elaborar o dossiê, avaliar os resultados e propor novos temáticas de investigação.

Tais procedimentos, inerentes às metodologias de ensino com pesquisa, são visíveis nas

monografias que os alunos de Pamáali produziram.

SUMÁRIO 2

Introdução .................................................................................................................................................................. 3

CAPÍTULO I ............................................................................................................................................................ 4

1. A Pesquisa ............................................................................................................................................................ 5

2. Entrevistas ............................................................................................................................................................ 7

3. Refeições comunitárias .......................................................................................................................................... 8

CAPÍTULO II ............................................................................................................................................................ 9

1. A realização da pesquisa ...................................................................................................................................... 10

a) Área de estudo ..................................................................................................................................................... 10

b) Metodologia......................................................................................................................................................... 10

c) Tipo de vegetação em área de estudo .................................................................................................................. 11

d) A situação da caça na região do Alto e Médio Rio Içana ..................................................................................... 12

CAPÍTULO III ........................................................................................................................................................ 13

1. Descrição das áreas pesquisadas .......................................................................................................................... 14

a) Aldeia Aracu Cachoeira ....................................................................................................................................... 14

b) Aldeia Jandu Cachoeira (Enhipani) ...................................................................................................................... 16

c) Aldeia Tucumã Rupitá ........................................................................................................................................ 18

d) Aldeia Bela Vista ................................................................................................................................................. 20

e) Aldeia Juivitera .................................................................................................................................................... 22

f) Aldeia Tucunaré Lago ......................................................................................................................................... 24

g) Tapira Ponta ....................................................................................................................................................... 26

h) aldeia Santa Rosa ................................................................................................................................................. 28

2) Realização do transecto ....................................................................................................................................... 30

3) Realização do censo ............................................................................................................................................. 32

4) Censo: avistamentos diretos e indiretos ............................................................................................................... 31

5) Situação da caça nesta área .................................................................................................................................. 35

CAPÍTULO IV ........................................................................................................................................................ 36

1. Dados das entrevistas ........................................................................................................................................... 37

2. Tabelas de caças ................................................................................................................................................... 38

3. Taxa de colheita ................................................................................................................................................... 39

4. Resultado dos dados das entrevistas ..................................................................................................................... 39

5. Hipótese ............................................................................................................................................................... 40

CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 41

Informantes .............................................................................................................................................................. 43

ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro

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143

A relação destes diferentes métodos de projeto com o Ensino de Ciências tornou

relevante a explicitação dos mesmos. As sutilezas de diferenciação entre um método e

outro demonstram que a proximidade entre pesquisa, aprendizado e formação de alunos

autônomos e comprometidos com os problemas socioambientais deveria estruturar os

currículos da maioria das escolas, sejam estas indígenas ou não-indígenas. Mesmo

porque a pedagogia de projetos pode ser o caminho mais apropriado para o

reavivamento das práticas escolares, como aquelas ligadas à cultura e às decisões mais

pertinentes sobre os problemas de ordem planetária.

Se considerarmos as práticas de pesquisas hoje incorporadas às estratégias de ensino e

aprendizagem das escolas indígenas interculturais do Alto Rio Negro, os quatro

métodos focados por Zabala (1998) podem contemplar as iniciativas dos indígenas na

formação de alunos criativos e responsáveis. Embora pontuais, as experiências de

Ensino de Ciências via pesquisa nas terras indígenas oportunizam novos parâmetros de

construção curricular, respeitando, sobretudo, os contextos históricos, geopolíticos e

socioculturais dos povos que habitam este território.

4.3. PROJETOS DE PESQUISA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO

INDÍGENA: CONSOLIDANDO OBJETIVOS SUSTENTÁVEIS

4.3.1. Por que projetos de pesquisa?

Quando conhecemos a realidade de uma escola indígena e percebemos as suas

limitações, dificuldades e avanços, podemos entender os direcionamentos pedagógicos

atualmente relacionados com o ensino por projetos, sendo estes estruturados com base

na autonomia dos alunos indígenas, através da realização de pesquisas de campo, junto

às comunidades.

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144

Fotos 66 e 67 – Alunos reunidos para a irem ao campo

Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008

Autores como Zabala (1998) e Martins (2007) destacam a importância da organização

dos conteudos através de uma visão mais abrangente das práticas educativas,

ressaltando a pedagogia de projetos como uma forma de fortalecer as iniciativas do

aluno no processo ensino-aprendizagem. Martins define essa metodologia como a mais

apropriada aos objetivos formativos da sociedade, inferindo que:

A escola renovada passa do ensino abstrato para o concreto e aproveita os

saberes espontâneos dos alunos, organizando e aplicando o conhecimento por

meio de atividades que os próprios alunos realizam. A escola atual tudo faz

para tornar a aprendizagem significativa, por isso o conhecimento não deve

ser confundido com informação [...]. A aquisição do mesmo não se limita

somente à sala de aula, porém resulta de experiências vividas pelos alunos, de

suas ocupações, interações sociais, das práticas educativas nas suas mais

diversas formas e linguagens. 167

Esta proposta de trabalho contempla as intenções indígenas de construção de uma escola

que integre conhecimentos curriculares a processos profissionalizantes e de

autossustentação. As iniciativas de uma educação intercultural balizam-se em enfoques

globais de organização dos conteudos, sendo estes determinados pelo contexto. Neste

caso, a adoção de métodos globalizadores, como afirma Zabala (1998), atende aos

processos de educação que centralizam o aluno como sujeito ativo no processo ensino-

aprendizagem, deslocando o valor atribuido às disciplinas para os interesses,

capacidades e para as motivações dos estudantes, sendo estes responsáveis por

transformações em seus contextos sociais, políticos e econômicos.

167 Martins, 2007, p. 11.

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145

Fotos 68 e 69 – Alunos protagonistas no processo ensino-aprendizagem

Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009

4.3.2. Foco na sustentabilidade

A experiência da escola Pamáali situa a pesquisa como um método globalizador capaz

de dar conta das situações reais vivenciadas pelos alunos no Rio Içana. Estas situações

incluem problemas ambientais, alimentares e econômicos jamais dissociados dos

objetivos escolares de formação.

Fotos 70 e 72 – Práticas sustentáveis

Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009 e Arquivos da EIBC, 2008

Quando o aluno conclui o Ensino fundamental, tem em seu currículo de aprendiz, a

experiência de ser pesquisador e de produzir conhecimento. A monografia ou dossiê que

apresenta como resultado de sua pesquisa é definida por Zabala (1998) como “Projeto

de trabalho” que segue fases de elaboração própria, condicionadas a conteudos

procedimentais e atitudinais, fortemente relevantes no enfoque globalizador de

educação. As fases que determinam a produção deste material justificam a perspectiva

de projeção sustentável dos povos indígenas do Alto Rio Negro. Estas servem de

diagnóstico para o aprofundamento de estudos sobre o ambiente local (potenciais

hídricos, ecológicos, biológicos, arquelógicos, geológicos, etnocientíficos, dentre outros

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146

problemas), possibilitando a realização de projetos de pesquisa que possam efetivar

alternativas sustentáveis para os povos da região.

A consolidação dessa estratégia como método de ensino e aprendizagem de Ciências

nas escolas indígenas encontra sólido aparato na relação entre os conteudos científicos e

tecnológicos ocidentais entrelaçados ao currículo das escolas de Ensino Médio

Integrado Indígena e às problemáticas e potencialidades ambientais do Alto Rio Negro.

4.4. CONFIGURANDO A ESTRATÉGIA DE PROJETOS DE

PESQUISA NAS ESCOLAS INDÍGENAS

4.4.1. Por onde começar?

Um dos objetivos de um método globalizador é a intervenção na realidade, o que acaba

gerando a realização de projetos de pesquisa como metodologia de ensino e

aprendizagem dos conteudos nas escolas indígenas. No caso do Ensino Médio

Integrado, o ponto de partida é uma situação, um tema ou um problema que interessa ao

aluno aprofundar. Entretanto, como o foco da pesquisa tem como principal objetivo o

desenvolvimento sustentável, a relação do tema com questões ambientais e com os

recursos naturais potencializa o vínculo da pesquisa com o Ensino de Ciências.

4.4.2. O que priorizar?

Cada escola indígena precisa consolidar o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) para

poder organizar suas propostas de ensino e de projetos. Os alunos e os professores

conhecem as realidades de suas comunidades. Sabem também das dificuldades e dos

problemas de sustentabilidade que enfrentam Assim, o que deve ser priorizado como

tema de pesquisa são as demandas contextuais mais emergentes e discutidas

previamente nas reuniões com pais, alunos, lideranças e representantes das comunidades

próximas à escola. Se o aluno desenvolveu um trabalho monográfico no Ensino

Fundamental, deve aproveitar este material para fundamentar o seu projeto de pesquisa

no Ensino Médio.

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147

4.4.3. Como estruturar os projetos de pesquisa?

Seguindo as orientações de Martins (2007) e de Zabala (1998), o planejamento de um

projeto de pesquisa como uma metodologia de ensino que envolve a assimilação de

conteudos conceituais (o saber sobre), de ações procedimentais (o saber fazer) e de

conteudos atitudinais (o modo de ser) não tem regras, nem modelos pré-fixados, mas

deve ser formalizado de uma maneira que responda às seguintes questões:

O que se vai fazer ou se pretende investigar? (Objetivos).

Por que a escolha de determinada temática, situação ou problema? (Justificativa).

Como vai realizar o estudo? (Métodos de abordagem do problema).

Com que instrumentos vai coletar os dados da pesquisa? (Com entrevistas?

Filmagens? Anotações de campo? Observação?).

Quando e onde se realizará o estudo? (Cronograma de ações, com datas, estimativas

de gastos, locais).

Como será finalizado? (Conclusões, avaliação).

Essa forma de estruturação de um projeto ancora-se em procedimentos científicos de

investigação e atende aos objetivos de proposições de alternativas sustentáveis a partir

do diagnóstico dos problemas ou das potencialidades ambientais analisados.

4.5. UM NORTE METODOLÓGICO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA

PAMÁALI

Apresentamos uma proposta de trabalho pedagógico através de projetos de pesquisa

fundamentada na forma como a escola Pamáali vem conduzindo a metodologia de

ensino com pesquisa no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Essa prática é

norteada por momentos importantes de preparação para o estudo, de orientações do

professor, de produção de relatórios, de pesquisa de campo, de tratamento dos dados, de

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148

avaliação contínua dos estudos e de socialização dos resultados das pesquisas. Estes

procedimentos serão detalhados a seguir:

Preparação para o estudo: este momento é dirigido por todos os professores,

cabendo a eles a orientação dos alunos sobre os principais passos de uma pesquisa. Eles

deverão esclarecer sobre o processo de escolha do tema, motivando os alunos a

elencarem alguns assuntos ou problemas, buscando na transversalidade a conexão com

as necessidades das comunidades. Estes focos temáticos devem estar atrelados aos

conteudos do programa curricular, de forma que a estratégia de projetos de pesquisa

esteja conectada com os conteudos do núcleo comum de disciplinas e com a parte

diversificada.

Fotos 73 a 75 – Interação na sala de aula

Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009

Orientações do professor: durante o processo de elaboração do projeto e de

organização da pesquisa de campo, o professor de cada disciplina deverá trabalhar a

redação e a esquematização dos tópicos do projeto junto com os alunos. Em relação à

fundamentação teórica, todos os professores estarão empenhados em orientar os alunos

na busca de informações na internet, na biblioteca da escola, nos arquivos monográficos

e nas comunidades, com os velhos.

Foto 76 e 77 – Buscando informações

Fonte: arquivos da EIBC, ago. 2008

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149

Produção de relatórios: de acordo com o número de alunos, cada professor ficará

responsável por (x) alunos, fazendo a leitura dos relatórios sobre os resultados parciais

da pesquisa de campo e do percurso dos estudos, conforme o cronograma de ações

apresentados no projeto. O tempo para a apresentação dos relatórios deverá ser decidido

pelo conselho da escola;

Foto 78 – Preparação do relatório

Fonte: arquivos da EIBC, 2008

Pesquisa de campo: dependendo do problema investigado, o aluno realizará a

pesquisa de campo na própria escola ou nas comunidades. As atividades de pesquisa nos

ambientes próximos à escola devem ser coordenadas por um professor e por um aluno

monitor, pois é muito importante que os professores acompanhem os alunos nestes

momentos, tirando-lhes as dúvidas e verificando como estão coletando os dados;

Fotos 79 a 81 – Pesquisa no campo

Fonte: Arquivos da EIBC, ago. 2008.

Tratamento dos dados da pesquisa: os professores deverão orientar os alunos,

sempre que possível, sobre como deverão proceder na análise dos dados da pesquisa,

através de reflexões teóricas, descrições, estatísticas, desenhos metodológicos,

inferências, comparações etc. É fundamental que todos os professores ajudem na

orientação desses processos, pois os alunos precisam desenvolver a capacidade de

argumentação lógica e crítica;

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150

Avaliação contínua dos estudos: para as escolas que trabalham num sistema de

etapas, a cada retorno das entre-etapas, os alunos apresentam os itinerários de seus

projetos de pesquisa e os conhecimentos adquiridos;

Foto 84 – Avaliação das pesquisas realizadas nas entre-etapas

Fonte: arquivos da EIBC, 2008

Socialização dos resultados das pesquisas: pode ser feita através de seminários ou

por meio de encontros de avaliação das metas escolares, a cada final de ano,

semestralmente ou de acordo com as decisões do conselho da escola;

Fotos 85 e 86 – Apresentação dos resultados em Assembléia

Fonte: arquivos da EIBC, 2008

Propostas de intervenção na realidade: após os resultados da pesquisa e a

socialização do estudo que foi realizado, os alunos pesquisadores poderão apresentar

uma alternativa sustentável para a região.

As estratégias de ensino e aprendizagem adotadas dependem das intencionalidades e por

isso atendem aos propósitos de educação formal de diferentes sociedades. Sendo assim,

a política indígena de educação investe em procedimentos que viabilizem suas metas de

desenvolvimento ou ainda, de preservação e revitalização de seus conhecimentos

tradicionais.

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151

CONSIDERÇÕES FINAIS

As práticas educacionais formais que hoje se configuram no Alto Rio Negro são

expressivas em relação ao desenvolvimento de currículos escolares que consideram o

contexto como a matriz geradora dos objetivos de ensino e aprendizagem processados

nas escolas. Este fato se demonstra consistente na experiência intercultural da Pamáali,

cujos alvos de desenvolvimento se refletem nas metodologias de ensino com pesquisa e

num Ensino de Ciências sintetizador da imbricação entre a Ciência do Índio e a Ciência

ocidental.

Esse percurso educacional das escolas indígenas do Alto Rio Negro nos faz refletir

sobre as diferentes concepções de ensino e aprendizagem que têm norteado as práticas

de Ensino de Ciências nessas escolas. O foco no ensino através da pesquisa tem sido a

base epistemológica e metodológica de um construto intercultural ligado aos interesses

indígenas de emancipação. A escolha desse caminho tem forte relação com as

implicações pós-contato com a cultura ocidental, reforçando as transformações pelas

quais a escola formal indígena tem passado, alterando seus objetivos e metodologias de

ensino.

Dessa forma, ao optarem pelo não-isolamento, os povos Baniwa e Coripaco, através da

idealização do projeto escolar Pamáali, estão consolidando as intenções de unir as

Ciências indígenas às tecnologias ocidentais para que os problemas de sustentabilidade

das comunidades indígenas do Rio Içana sejam amenizados. Essa meta de intervenção

corresponde às expectativas de grande parte dos objetivos indígenas de autogestão e de

autoafirmação escolar. Tais fatores são fortalecidos pela conexão das práticas de ensino

da EIBC com as intenções políticas e pedagógicas de revitalização da cultura indígena

dos Baniwa e Coripaco, e de seus intentos de desenvolvimento sustentável para as

comunidades do Rio Içana.

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152

Entretanto, os desafios e possibilidades que esses objetivos acarretam, se desenvolvem,

sobretudo, a partir de um Ensino de Ciências através da pesquisa, pois constatamos nas

nossas vivências de campo que as práticas de ensino de Ciências da natureza fazem o

elo entre os conteudos disciplinares e as questões ambientais de relevância para o

desenvolvimento sustentável dos povos indígenas do Alto Rio Negro.

Uma outra questão desafiadora é a formação dos professores indígenas, sendo

fundamental a participação desses docentes à frente dessas iniciativas, de forma que

esse processo corresponda aos focos de interesses dos Índios em relação à cultura, à

Língua, às etnociências, às metodologias apropriadas aos contextos das aldeias ou

comunidades e à própria inter-relação entre culturas e Ciências diferentes

proporcionadas pela interculturalidade.

Os espaços não formais das escolas indígenas atribuem ao Ensino de Ciências um grau

de relevância curricular e metodológica, na medida em que os Índios estabelecem com o

ambiente um diálogo de pertencimento ligado às concepções de território e de relação

com a natureza. Presenciamos em Pamáali uma organização de disciplinas e de

funcionamento da escola fortuitamente condizentes com as propostas e sugestões de

Ensino de Ciências contidas no Referencial Curricular Nacional para as escolas

indígenas. Porém, as práticas de ensino regidas pela pesquisa fazem o diferencial no

processo ensino-aprendizagem dos conteudos referentes às Ciências da natureza, tanto

no Ensino fundamental como no Ensino Médio. Isto é constatável mediante as

produções de monografias como resultados de pesquisas de campo realizadas pelos

alunos do Ensino Fundamental e que representam uma ousadia intelectual que

surpreende pelo conteudo e pela sistematização de coleta e análise de dados empíricos.

Esses estudos são representativos de conhecimentos mitológicos e científicos,

sustentados por uma ideologia investigativa de aprendizagem.

Por essa razão, a prática intercultural de ensino na Pamáali compreende uma dinâmica

entre Ciências que se complementam e que atendem aos propósitos de entendimento

entre povos e culturas diversos. Essa lógica de intersecção entre saberes deve se

sobrepor às posturas unilaterais de dogmas científicos que só dificultam as relações

profícuas de valorização das culturas e das diferentes maneiras de se fazer Ciência.

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153

A generosidade de informações apreendidas no campo, junto à realidade indígena do

Rio Içana, possibilitou um percurso metodológico marcado por impressões e expressões

que favoreceram uma construção de análises e reflexões para além da relação causa-

efeito, ressaltando a procedência de uma dialética entre educação, Ciência, sociedade e

ambiente. Essa necessidade faz-nos crer que o Ensino de Ciências na Amazônia

extrapola processos estritamente pedagógicos, devendo apoiar-se na dimensão política

da educação, uma vez que os sujeitos sociais envolvidos nas práticas de Ensino de

Ciências precisam aliar ao processo ensino-aprendizagem de conceitos científicos, o

significado histórico e pragmático dessa ação.

Assim, a prática da pesquisa que hoje delineia o Ensino de Ciências na EIBC pode ser

considerada como um construto político e pedagógico, no sentido de corresponder às

intenções e às necessidades indígenas de sobrevivência e de sustentabilidade, como

também aos propósitos indígenas de ensino e aprendizagem dos conteudos das Ciências

naturais, fortemente entrelaçados aos conhecimentos tradicionais indígenas.

A proposta que pensamos como produto de nossa pesquisa considera a continuidade de

investigação científica no Ensino Médio Integrado Indígena, de forma a abarcar os

itinerários sociopolíticos, culturais e de desenvolvimento sustentável que os alunos e

professores indígenas do Alto Rio Negro estão priorizando em seus Projetos Políticos

Pedagógicos. A opção por uma estratégia de projetos de pesquisa visando a atuação dos

alunos como sujeitos transformadores de suas realidades, tem razões baseadas no que

observamos, estudamos e analisamos na práxis da EIBC.

Vale ressaltar que o processo de consolidação de uma escola indígena, diferenciada e

intercultural no Rio Içana e no Alto Rio Negro ainda está em construção e, por isso

mesmo, as iniciativas historicamente validadas pelos estudos científicos podem servir

de parâmetro para novas projeções educacionais.

Fazendo uma analogia com o percurso da Pamáali, é como se juntássemos um quebra-

cabeça, cujas peças maiores fossem a educação intercultural, as peças médias, o ensino

via pesquisa e as peças menores, o desenvolvimento sustentável. Além de uma relação

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154

complexa, tal analogia mostra o quanto essas três questões estão interligadas e ao

mesmo tempo se complementam.

As peças maiores, e, portanto, estruturantes, correspondem à proposta de interligação

entre conhecimentos indígenas e não-indígenas, que, relacionados ao Ensino de

Ciências na Amazônia, colocam em relevo as culturas e os conhecimentos científicos,

sem hierarquias. Ambos são relevantes e importantes para a consolidação da escola

indígena almejada.

As peças medianas, articuladoras ou mediadoras, seriam as metodologias de ensino via

pesquisa, que possibilitam o alcance dos principais objetivos de uma escola intercultural

indígena: o fortalecimento dos conhecimentos tradicionais e o desenvolvimento

sustentável da região.

As peças menores, de fechamento, e que de forma alguma poderiam ser encaixadas no

início da montagem do quebra-cabeça, são as possibilidades de frutos de todo um

trabalho intercultural, ainda pontual e insipiente, porque necessita de muito

investimento financeiro, formação dos docentes indígenas, formação técnica,

empreendimento logístico, pesquisas sobre os recursos naturais, reconhecimento dos

direitos sobre o capital cultural indígena etc.

E nesse quebra-cabeça, onde ficaria o Ensino de Ciências? Como afirmamos

anteriormente, o Ensino de Ciências tem como propósito fundamental, a sociedade, os

processos de emancipação dos povos indígenas, através da educação. Dessa forma, a

paisagem resultante, o quebra-cabeça montado, representaria o significado do Ensino de

Ciências na Amazônia para os povos tradicionais indígenas. Não mais isolados e sem

poder de ação. Não mais distantes das tecnologias que possam melhorar suas vidas. Não

mais esquecidos de si mesmos, porque fortaleceram e registraram suas línguas, seus

mitos, suas tradições. Não mais ausentes de seus territórios e de sua pátria mãe, porque

criaram alternativas sustentáveis de trabalho para os seus jovens nas próprias

comunidades.

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155

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163

ANEXOS

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164

Anexo 1 - Roteiro das questões norteadoras

Entrevista coletiva com os professores da Pamáali

1) Como os temas transversais estão sendo trabalhados e de que forma são escolhidos?

2) Em relação ao PPP da escola, houve alguma modificação em suas propostas ou continua com os

mesmos direcionamentos de 2007?

3) Quantas turmas concluíram o Ensino Fundamental? Quantos continuaram na escola cursando o Ensino

Médio Integrado Indígena, como anexo da escola Kariamã?

4) A escolha de um ensino via pesquisa como metodologia mestra – Por quê? Qual a finalidade? Tem

relação com o quê?

5) Quais as pesquisas que estão relacionadas com as Ciências da natureza? Quantos alunos estão

pesquisando sobre essas Ciências? Como as temáticas são escolhidas? Estão relacionadas aos conteúdos?

Aos temas transversais?

6) Em relação ao processo de legitimação do Ensino Médio Integrado na Pamáali, o que está sendo

exigido?

7) Quais os eixos-profissionalizantes priorizados pela escola? Parte diversificada do currículo – PPP.

8) Como é trabalhada a questão da interdisciplinaridade? Vocês têm dificuldades para implementá-la ?

9) Na opinião dos professores o que falta para se reconhecer as Ciências do Índio como imprescindíveis

ao conhecimento científico de muitas plantas, animais, raizes medicinais etc?

10) Em relação ao uso de materiais didáticos interculturais que relacionem os conhecimentos indígenas e

não-indígenas – Como está sendo pensado? Quais as produções que Pamáali já tem?

11) Quais as dificuldades para a implantação de uma política de educação indígena no Rio Içana?

12) Quais as perspectivas de produção dos alunos, como produto final do Ensino Médio Integrado

Indígena?

13) Quais as impressões dos professores da Pamáali em relação ao Curso de Licenciatura Intercultural

indígena que está sendo oferecido pela Universidade do Estado do Amazonas?

14) O que é educação intercultural? Como os professores definem educação diferenciada? Como pensam

essa interculturalidade em Pamáali?

15) O que precisam em termos de apoio e o que pensam em termos de metas para a formação dos

professores indígenas na perspectiva intercultural?

16) O que é fazer Ciência para o Índio? Por que o interesse pela cultura ocidental e suas Ciências?

17) Quantas plantas vocês já têm catalogadas?

18) Que projetos de sustentabilidade estão em desenvolvimento na escola?

Pamáali, dezembro de 2009 - segundo momento da pesquisa de campo

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165

Anexo 2 – Grade curricular da Escola Indígena Baniwa Coripaco

Áreas de estudo

D

E

S

E

N

V

O

L

V

I

M

E

N

T

O

S

U

S

T

E

N

T

Á

V

E

L

P

O

L

Í

T

I

C

A

E

E

D

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C

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O

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A

S

A

Ú

D

E

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B

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N

I

W

A

P

O

L

Í

T

I

C

A

D

I

R

E

I

T

O

S

E

M

O

V

I

M

E

N

T

O

I

N

D

Í

G

E

N

A

Disciplinas

Núcleo comum

Línguas Língua portuguesa

Língua baniwa

Matemática Matemática

Estudos da Cultura e da Natureza

História

Geografia

Ciências

Artes Artes

Educação Física Educação física

Parte diversificada

(profissionalizante)

Manejo ambiental

Produção, processamento e

comercialização

Saúde

Práticas agronômicas

Práticas zootécnicas

Indústria indígena

Administração e contabilidade

Programa de saúde

Fonte: PPP da EIBC.

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166

Anexo 3 – Sumário 1

Introdução ......................................................................................................................... 4

1. Cálculos Úteis na Piscicultura. ...................................................................................... 6

2. Cálculo da Área de um Viveiro .................................................................................... 6

2.1. Quadrado ................................................................................................................... 7

2.2. Retângulo ................................................................................................................... 7

2.3 Triangulo .................................................................................................................... 8

2.4. Trapézio ..................................................................................................................... 9

2.5. Círculo ..................................................................................................................... 10

3. Cálculo do Volume de Água ...................................................................................... 11

4. Cálculo da Dosagem de Hormônio ............................................................................. 15

5. Cálculo da Temperatura (UTA) ................................................................................... 25

6. Cálculo da Produção .................................................................................................... 29

Conclusão ........................................................................................................................ 38

7. Bibliografia .................................................................................................................. 39

8. Vocabulário Português – Baniwa ................................................................................ 40

CARDOSO, Juvêncio. Prática de Matemática na Piscicultura. 2004, 39 f. EIBC,

Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro

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167

Anexo 4 – Sumário 2

Introdução ..................................................................................................................................................... 3

CAPÍTULO I ............................................................................................................................................... 4

1. A Pesquisa ............................................................................................................................................... 5

2. Entrevistas ............................................................................................................................................... 7

3. Refeições comunitárias ............................................................................................................................. 8

CAPÍTULO II............................................................................................................................................... 9

1. A realização da pesquisa ........................................................................................................................ 10

a) Área de estudo .................................................................................................................................. 10

b) Metodologia ...................................................................................................................................... 10

c) Tipo de vegetação em área de estudo .............................................................................................. 11

d) A situação da caça na região do Alto e Médio Rio Içana ................................................................. 12

CAPÍTULO III .......................................................................................................................................... 13

1. Descrição das áreas pesquisadas ............................................................................................................. 14

a) Aldeia Aracu Cachoeira .................................................................................................................... 14

b) Aldeia Jandu Cachoeira (Enhipani) .................................................................................................. 16

c) Aldeia Tucumã Rupitá ..................................................................................................................... 18

d) Aldeia Bela Vista .............................................................................................................................. 20

e) Aldeia Juivitera ............................................................................................................................. 22

f) Aldeia Tucunaré Lago .................................................................................................................. 24

g) Tapira Ponta ................................................................................................................................. 26

h) aldeia Santa Rosa .......................................................................................................................... 28

2) Realização do transecto ................................................................................................................ 30

3) Realização do censo...................................................................................................................... 32

4) Censo: avistamentos diretos e indiretos ........................................................................................ 31

5) Situação da caça nesta área ........................................................................................................... 35

CAPÍTULO IV ................................................................................................................................. 36

1. Dados das entrevistas .................................................................................................................... 37

2. Tabelas de caças ............................................................................................................................ 38

3. Taxa de colheita ............................................................................................................................ 39

4. Resultado dos dados das entrevistas ............................................................................................. 39

5. Hipótese ........................................................................................................................................ 40

CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 41

Informantes ....................................................................................................................................... 43

ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio

Negro

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168

Anexo 5 – Ciclo monográfico

Ensino de Ciências

via pesquisa: como

princípio científico

e como princípio

educativo.

Intercultura: a

formalização de um

conhecimento

híbrido

Culminância de

propósitos:

Sustentabilidade e

fortalecimento da

cultura indígena

Baniwa e Coripaco

CICLO

MONOGRÁFICO:

DOS MITOS À

CIÊNCIA

Page 155: Thèse Lyon 2 - CURSOS UEA · No segundo capítulo, abordamos o percurso metodológico e teórico da pesquisa, explicitando em detalhes, as dimensões etnográficas e etnológicas

169

Anexo 6 – Quadro temático 1 das Monografias Baniwa e Coripaco da EIBC/Pamáali

(Turma: 2004)

ALUNOS TEMAS

1. Aparecida Custódio Paiva Organização da Tribo Dzawinai

2. Armindo Gomes de Souza Grafismo do Artesanato de Arumã Baniwa: alguns

significados

3. Clarinda Custódio Paiva Plantas Tradicionais Baniwa

4. Erivaldo Macedo Paiva A Educação Indígena Tradicional Baniwa

5. Gielson Paiva Trujillo O Lixo na região do Rio Içana

6. Gracimar Custódio Paiva Parto Tradicional Baniwa

7. João Cláudio Doenças Tradicionais Baniwa

8. José Gomes de Souza Instrumentos Musicais do Povo Baniwa

9. Juvêncio da Silva Cardoso A Prática de Matemática na Piscicultura

10. Paula Oliveira Brazão A arte que se faz com o arumã

11. Plínio Guilherme Marcos A história da OIBI

12. Rogério Paulo Eduardo da Silva

MAAPA IKEÑOAKA (A origem das abelhas sem

ferrão na cultura Baniwa e Coripaco)

13. Ronaldo da Silva Apolinário Tawinakaa Winakaa Nhaah Maapanai

(Meliponicultura: como criar abelhas sem ferrão)

14. Tiago Pacheco Origem dos Povos Baniwa e Coripaco

15. Vigico Juarez Paiva Rivas A Piracema Hoje: uma nova compreensão deste

fenômeno

16. Wilson Júlio Quincas Miguel A Origem da Chuva

17. Orlando Garcia Gonçalves Arte Baniwa – Pedaliaphe Idzeka

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Anexo 7 - Quadro temático 2 das Monografias Baniwa e Coripaco da EIBC-Pamáali

(Turma: 2006)

ALUNOS TEMAS

1. Alexandre Rodrigo Brazão A roça Baniwa

2. Aloncio Garcia As mudanças das formas de viver dos povos Baniwa

3. Arsênio Benjamin Escravidão Baniwa e Coripaco

4. Augusto Garcia Gonçalves Comunidade Tunui Cachoeira

5. Cleonice Apolinário Venceslau A Chegada dos Missionários Evangélicos no Rio Içana

6. Eliseu Antônio Estudo de caça no médio Rio Içana

7. Genivaldo Faria Educação em saúde bucal

8. Hermógenes Brazão Faria Origem do mundo na cultura Baniwa

9. José Apolinário Venceslau Línguas indígenas

10. Luciano Benjamin da Silva Processo que dá no Tucum

11. Luiz Garcia Como criar as abelhas sem ferrão

12. Marcelo Gregório Lopes A origem dos povos Baniwa e Coripaco

13. Marino Mandú Sanches Materiais para caça e pesca dos povos Baniwa e Coripaco

14. Orlando Andrade Fontes Introdução da Educação Escolar no Rio Içana

15.Paulo Farias Waiñhawada Whaa Medzeniakonai

16.Pedro André da Silva Relação de parentesco entre os Clãs

17. Quirino Garcia Sanches Sono e envelhecimento

18. Raimundo Miguel Benjamin Administração das Organizações indígenas do Rio Içana

19. Romeu Brazão Miguel Educação tradicional Baniwa

20. Ronaldo da Silva Lourenço Higiene dos povos Baniwa

21. Valêncio da Silva Macedo Origem dos peixes na cultura Baniwa

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Regina Célia Moraes Vieira

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