Thèse Lyon 2 - CURSOS UEA · No segundo capítulo, abordamos o percurso metodológico e teórico...
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................ 17
CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO ALTO RIO NEGRO: UM
CONSTRUTO INTERCULTURAL ....................................................................................................... 22
1.1. UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA ........................................................................................ 22
1.1.1. A educação escolar indígena no Brasil .................................................................................. 22
1.1.2. A educação escolar indígena no Alto Rio Negro .................................................................... 24
1.1.3. A educação escolar indígena no Rio Içana ............................................................................. 30
1.2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES ....... 37
1.2.1. Interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade ............................................ 37
1.2.2. Desmistificação do conceito de cultura, de tradicional e de modernidade ............................ 42
CAPÍTULO II – O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA .......................... 51
2.1. UMA PESQUISA QUALITATIVA ............................................................................................... 51
2.1.1. O campo como gênese do problema: uma abordagem etnometodológica .............................. 52
2.1.1.1. A construção de um percurso .......................................................................................... 55
2.1.1.1.1. Um encontro com o tema......................................................................................... 55
2.1.1.1.2. Terras indígenas: muito prazer! ............................................................................... 56
2.1.1.1.3. Pamáali: impressões de um primeiro contato .......................................................... 62
2.1.1.1.4. De volta à Pamáali: expressões de um segundo contato .......................................... 65
2.2. UM ESTUDO DE CASO: A REPRESENTATIVIDADE INTERCULTURAL DA PAMÁALI ... 69
2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS ................................................................................................... 71
2.3.1. A análise de documentos ......................................................................................................... 72
2.3.2. As entrevistas .......................................................................................................................... 72
2.3.3. Registros e observação de campo ........................................................................................... 73
2.3.3.1. Oficinas: um registro etnológico ..................................................................................... 74
2.4. ELEMENTOS BÁSICOS DA PESQUISA ..................................................................................... 77
2.4.1. Problema ................................................................................................................................. 77
2.4.2. Questões norteadoras ............................................................................................................. 78
2.4.3. Objetivo geral ......................................................................................................................... 78
2.4.4. Objetivos específicos ............................................................................................................... 78
2.4.5. Objeto da pesquisa .................................................................................................................. 78
2.4.6. Sujeitos da pesquisa ................................................................................................................ 79
CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL DA PAMÁALI ....................................... 80
3.1. SOBRE PAMÁALI ......................................................................................................................... 80
3.1.1. Sentidos da Pamáali ............................................................................................................... 81
16
3.1.3. Construindo uma escola indígena ........................................................................................... 85
3.1.4. Organização e funcionamento da escola ................................................................................ 87
3.2. O RCNEI E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EIBC: SINTONIAS E OUSADIAS ... 89
3.2.1. Nos planos pedagógicos e de gestão ....................................................................................... 89
3.2.2. Nos conceitos de escola diferenciada e/ou intercultural ........................................................ 93
3.2.2. Na formação dos professores .................................................................................................. 95
3.2.3. No Ensino de Ciências .......................................................................................................... 100
3.3. O ENSINO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DA PESQUISA.............................................................. 105
3.3.1. A pesquisa como princípio científico .................................................................................... 110
3.3.2. A pesquisa como princípio educativo ................................................................................... 113
3.3.3. A relação com o desenvolvimento sustentável ...................................................................... 115
3.4. PAMÁALI : UM LABORATÓRIO VIVO ................................................................................... 120
3.4.1. A monografia “Um estudo da caça no Médio Rio Içana” .................................................... 123
3.4.2. Pesquisa de campo e iniciação científica ............................................................................. 124
3.5. MONOGRAFIAS BANIWA E CORIPACO: DOS MITOS À CIÊNCIA .................................... 125
3.5.1. O lugar dos mitos na escola Pamáali ................................................................................... 131
CAPÍTULO IV – PROJETOS DE PESQUISA E ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS: UMA
ESTRATÉGIA DE ENSINO DE CIÊNCIAS VIA PESQUISA PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS
DO ALTO RIO NEGRO........................................................................................................................ 138
4.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS CONTEXTOS INDÍGENAS: O AMBIENTE COMO FONTE DE
CONHECIMENTO ............................................................................................................................. 138
4.2. MÉTODOS DE PROJETOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS .......................................................... 139
4.3. PROJETOS DE PESQUISA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO INDÍGENA:
CONSOLIDANDO OBJETIVOS SUSTENTÁVEIS .......................................................................... 143
4.3.1. Por que projetos de pesquisa? .............................................................................................. 143
4.3.2. Foco na sustentabilidade ...................................................................................................... 145
4.4. CONFIGURANDO A ESTRATÉGIA DE PROJETOS DE PESQUISA NAS ESCOLAS
INDÍGENAS ....................................................................................................................................... 146
4.4.1. Por onde começar? ............................................................................................................... 146
4.4.2. O que priorizar? ................................................................................................................... 146
4.4.3. Como estruturar os projetos de pesquisa? ............................................................................ 147
4.5. UM NORTE METODOLÓGICO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA PAMÁALI .................... 147
CONSIDERÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 151
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................... 155
ANEXOS ................................................................................................................................................. 163
17
INTRODUÇÃO
A educação escolar indígena no Brasil está em processo de construção e de
autoafirmação e as experiências baseadas na interculturalidade oportunizam a
interlocução entre diferentes povos portadores de diversas culturas e de diferentes
entendimentos sobre fazer Ciência. Os desafios são expressivos, mas as práticas de
ensino desenvolvidas em algumas escolas indígenas do país têm atingido processos
educativos emancipatórios no que concerne aos aspectos socioambientais, culturais,
econômicos e políticos.
Na região do Alto Rio Negro, no Estado do Amazonas, algumas experiências estão em
andamento; entre elas, a experiência da Escola Indígena Baniwa e Coripaco (EIBC-
Pamáali)1, situada no Médio Rio Içana. Pamáali é uma entre tantas outras escolas
indígenas, que tem como cerne metodológico, o ensino com pesquisa; um ensino cuja
base filosófica é essencialmente construtivista. Trata-se de uma proposta pedagógica
que articula saberes e práticas, onde o ciclo pesquisa-ação-pesquisa2 possibilita um
Ensino de Ciências atrelado aos projetos de desenvolvimento sustentável da região.
A nossa experiência como professora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas
escolas públicas estaduais e municipais, como também o nosso envolvimento com a
formação de professores há 10 anos, nos fazem refletir sobre as dificuldades que
caracterizam o processo ensino-aprendizagem, no que se refere à relação entre formação
do professor e o seu desenpenho em sala de aula. Essa questão foi fundamental para
escolhermos cursar um Mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia, levando em
consideração a perspectiva interdisciplinar de seu Programa. Enveredar pela temática de
Educação escolar indígena foi um encontro oportuno com uma realidade desconhecida
por nós e que por isso mesmo nos cativou e estimulou como foco de pesquisa.
1 No corpo do trabalho, ora usaremos EIBC, ora Pamáali.
2 Termo e grifo nossos.
18
O conhecimento da perspectiva intercultural de ensino e aprendizagem processada na
Pamáali reuniu considerações de cunho político e pedagógico que se tornaram
necessárias a partir do momento que contactamos com as lideranças indígenas de São
Gabriel da Cachoeira, das comunidades do Alto Rio Negro pelas quais passamos e da
escola Pamáali, onde referenciamos o nosso problema de pesquisa.
Um estudo que busca conhecer esse processo suscita o grande desafio de
compreendermos a forma como os indígenas constroem o conhecimento, levando em
conta: as dificuldades de formação dos professores, as deficiências de infraestrutura das
escolas indígenas e, a forma como professores e alunos Índios entrelaçam os saberes
tradicionais e ocidentais em seus projetos de ensino-aprendizagem.
Assim, as reflexões que embasaram a referente pesquisa denotam uma contextualização
do problema, enfatizando a importância das experiências interculturais para a
configuração de uma educação escolar indígena não restritiva e inclusiva sob os pontos
de vista sociocultural, ambiental, econômico e político. Que espécie de intersecção
cultural se tem buscado e com que finalidades? Na trajetória da Pamáali, que percursos
metodológicos estão sendo construidos de forma a consolidar ou não esses objetivos?
Como os Baniwa e Coripaco estão pensando sua educação formal e qual a imbricação
com o Ensino de Ciências na Amazônia brasileira? Estas perguntas nos remetem às
trajetórias educacionais indígenas, que por serem singulares, oferecem uma diversidade
de experiências que possibilitam a construção de um projeto maior de sociedade
indígena – diferenciada em sua especificidade – e por isso mesmo, digna de
reconhecimento e de direitos constituidos.
Existem estudos de grande relevância sobre como a educação intercultural indígena vem
se concretizando em várias localidades do Brasil3. A questão intercultural como
afirmam Tassinari, Silva, Ferreira (2001) e Santos (2003) está para a escola indígena
como um projeto de emancipação política e sociocultural que apresenta uma tensão
constante entre conhecimentos ocidentais e conhecimentos tradicionais, entre políticas
3 Meunier & Freitas, 2005; Santos, 1989, 2003, 2006, Oliveira, 2006b, 2008; Silva, 2001; Tassinari, 2001; Ferreira,
2001 e outros.
19
das aldeias e políticas nacionais e internacionais. Essa tensão culmina quando se
precisam definir estratégias de empreendimentos específicos para cada comunidade
indígena, respeitando seus interesses, suas culturas e seus propósitos de
sustentabilidade.
Esse imbricamento de propósitos e de práticas de ensino constituiu o objetivo da nossa
pesquisa que foi justamente conhecer a relação que os indígenas Baniwa e Coripaco
estabelecem com os conhecimentos ocidentais, uma vez que elegeram a
interculturalidade como projeto educacional de desenvolvimento. Por meio das
metodologias adotadas pela EIBC-Pamáali, pudemos encandear os objetivos específicos
do nosso estudo, fazendo a relação entre o Ensino de Ciências na Amazônia e o processo
de ensino com pesquisa adotado no Ensino Fundamental e no Ensino Médio Integrado,
como principal estratégia de acesso aos conhecimentos indígenas e não-indígenas.
Para contemplarmos os objetivos propostos nesse estudo, organizamos a dissertação em
quatro capítulos, cujos enfoques do problema de pesquisa foram construidos numa
perspectiva metodológica de “bricolage” de diferentes métodos e estratégias de
investigação, em que tecemos as nossas considerações a partir do conhecimento de
campo.
No primeiro capítulo, fazemos uma breve restropectiva histórica sobre a educação
escolar indígena no Brasil e no Alto Rio Negro, até a consolidação dos processos
educacionais indígenas no Rio Içana. Neste mesmo capítulo, fundamentamos a questão
da interculturalidade e a complexidade que esta perspectiva representa para a construção
e o reconhecimento das práticas pedagógicas indígenas. Para isso, recorremos aos
estudos de pesquisadores como Santos (2001, 2003); Lévi-Strauss (1989); Gersem dos
Santos (2001); Meunier & Freitas (2005); Silva, Tassinari (2001); Morin (2007); dentre
outros.
No segundo capítulo, abordamos o percurso metodológico e teórico da pesquisa,
explicitando em detalhes, as dimensões etnográficas e etnológicas dos fatos analisados,
caracterizando as técnicas de coleta e análise dos dados, correspondentes ao alcance dos
objetivos de um estudo qualitativo, e delineamos os elementos básicos da pesquisa. Esse
20
percurso foi fundamentado nas reflexões de Pires (2009), Kaufmann (1996), Haguette
(1987), Yin (2005) e outros.
O terceiro capítulo tem como foco a análise da experiência intercultural da Pamáali,
reunindo informações e considerações sobre o seu processo histórico, seu Projeto
Político Pedagógico (PPP), suas metodologias de ensino via pesquisa e sobre a produção
das monografias Baniwa e Coripaco, como aquelas resultantes da inter-relação entre os
conhecimentos tradicionais indígenas e os conhecimentos científicos da cultura
ocidental. As nossas reflexões neste capítulo seguiram uma lógica dialética de
argumentação, cujo diálogo com autores como Demo (2002), Eagleton (2005), Pinto
(2005), Waldman (2006), Wright (2005), dentre outros, possibilitou o esclarecimento
sobre os métodos de ensino priorizados pela proposta curricular da EIBC em relação ao
que propõe o Referencial Curricular Nacional para as escolas Indígenas (RCNEI). Tais
arguições destacaram o Ensino de Ciências via pesquisa como uma opção metodológica
que aglutina aspectos culturais, científicos e de sustentabilidade dos povos Baniwa e
Coripaco, consolidando uma escola que favoreça esses processos.
No quarto e último capítulo propusemos uma estratégia de Ensino de Ciências via
pesquisa para escolas indígenas do Alto Rio Negro, através da elaboração de “projetos
de pesquisa” pelos alunos do Ensino Médio Integrado Indígena, que possam
corresponder às necessidades de sustentabilidade de suas comunidades, dando
continuidade aos estudos monográficos realizados por eles no Ensino Fundamental. Esta
proposta está baseada na metodologia de ensino e aprendizagem por projetos,
fundamentada por Zabala (1998) e Martins (2007), que ratificam a necessidade de
focarmos os métodos globalizadores nos processos de ensino-aprendizagem dos
conteúdos nas escolas, considerando, principalmente, o protagonismo dos alunos na
produção do conhecimento.
São muitas as divergências de concepções e de práticas que norteiam os programas de
ensino das escolas indígenas, por uma educação escolar intercultural. Cada etnia tem
especificidades que acabam por direcionar suas metodologias e seus currículos, porém,
três propósitos são comuns a grande maioria dos povos indígenas do Alto Rio Negro: (i)
não querem permanecer isolados em relação aos processos tecnológicos produzidos pela
21
Ciência ocidental, pois as condições de sobrevivência na região são difíceis; (ii)
pretendem cultivar suas tradições e processos identitários; (iii) buscam aliar perspectivas
de trabalho aos programas de ensino das escolas, agregando estratégias de exploração
dos recursos naturais às práticas autossustentáveis.4
Nesse sentido, os objetivos que são comuns a esses povos, justificam empreendimentos
educacionais via pesquisa, abrindo espaço para o estudo dos conhecimentos indígenas e
da relação com a Ciência ocidental. Esse hibridismo certamente agrega pensamentos
contrários, mas estabelece, também, uma relação de complementaridade. Um aspecto
que se amplia em objetivos e em significados quando o indígena opta por um processo
de etnodesenvolvimento que não separa o homem da natureza e que não exclui da
convivência humana o bio-, o eco-, o mito e a Ciência.
4 Freitas, 2008.
22
CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
NO ALTO RIO NEGRO: UM CONSTRUTO
INTERCULTURAL
“No diálogo intercultural, a troca não é apenas entre
diferentes saberes, mas também entre diferentes
culturas, ou seja, entre distintos universos de sentidos
e, em grande medida, incomensuráveis.”
Boaventura Santos
1.1. UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA
1.1.1. A educação escolar indígena no Brasil
Antes da década de 1990, a educação escolar indígena no Brasil foi regida por interesses
etnocêntricos, em que o objetivo principal era a integração dos Índios à sociedade
nacional, apartando-os de suas terras, de seus valores culturais e de suas vivências
sociais e mitológicas. Durante cinco séculos, os indígenas brasileiros não foram
reconhecidos como pessoas capazes de gerir sua própria educação. Mesmo porque os
ideais do Estado Nacional estavam acima das reais necessidades dos Índios, uma vez
que as intenções políticas e econômicas dos colonizadores portugueses estavam em
primeiro plano.
Segundo Freire (2004) e Ferreira (2001), a educação escolar indígena no Brasil teve sua
primeira e mais longa fase no período colonial, em que foi marcada pela catequese, pela
negação da diversidade cultural dos Índios e pela incorporação de mão-de-obra indígena
à sociedade nacional. A segunda fase teve início com a criação do Serviço de Proteção
aos Índios (SPI), em 1910, estendendo-se até a formação da Fundação Nacional do
Índio (FUNAI) que passa a articular uma política de valorização da diversidade
linguística e cultural dos povos indígenas, com o propósito de integrá-los às novas
exigências de mercado regional do país.
23
O final dos anos de 1960 aos anos de 1970 marca a terceira fase da escolarização
indígena no Brasil. Foi um período de afloramento de organizações indigenistas não-
governamentais que começaram a fomentar mudanças significativas no processo de
formação e de mobilização das associações e das organizações indígenas em todo país.
Nesse sentido, Ferreira (2001) afirma que:
A atuação das organizações não-governamentais pró-índio e a respectiva
articulação com o movimento indígena fizeram com que se delineasse uma
política e uma prática indigenista paralela à oficial, visando a defesa dos
territórios indígenas [e] a assistência à saúde e à educação escolar.5
Desse modo, o impulso dos primeiros movimentos indigenistas no Brasil, no final dos
anos de 1970, ocasionou o início da quarta fase da educação escolar indígena que hoje
se encontra em situação de culminância. É a fase mais expressiva de reconhecimento
das prerrogativas indígenas em relação à educação diferenciada6, à defesa de territórios,
à diversidade linguística e cultural e ao direito à assistência médica.
As organizações pró-índios, entre as quais as organizações não-governamentais (ONGS)
nacionais e internacionais atuantes nas regiões de todo o país, criaram força nos anos de
1980, e atualmente compõem a frente de algumas conquistas educacionais respaldadas
juridicamente, modificando o perfil de muitas escolas indígenas que se propõem
interculturais.
Hall (1997) enfatiza que a queda do regime militar e a possibilidade de abertura política
vigente no Brasil acasionaram uma relação menos conflituosa entre as ONGS e o
governo, sendo esta regida por estratégias de consulta, de negociação e de colaboração.
Entretanto, tais pressupostos devem sempre conduzir-se com cautela, uma vez que
envolvem muitas frentes de interesses e de concepções de desenvolvimento. Afirma
ainda que essas organizações começaram a se proliferar na Amazônia nos anos noventa,
devido ao enfoque ambientalista de sustentabilidade da região, visando ações
complementares em relação à educação. Essas ações possibilitaram a construção de
5 Ferreira, 2001, p. 87.
6 Aqui entendida como refletora do modelo de educação formal pensado pelos indígenas.
24
projetos ousados de escolarização indígena, facultando aos Índios a parceria necessária
para a constituição de seus primeiros movimentos políticos e autossustentáveis.
Por parte do poder estatal, a eleboração do Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas (RCNEI)7 fortaleceu as bases indígenas de educação formal,
conferindo-lhes o respaldo pedagógico, administrativo e curricular necessários ao
empreendimento de suas escolas. Assim,
a mudança substancial na política de educação indígena ocorreu com a
promulgação, em outubro de 1988, da Constituição Federal, que reconhece
aos povos indígenas o direito à diferença [...]. As diretrizes para a política
nacional de educação indígena estabelecem que a escola indígena deverá ser
específica, diferenciada, intercultural e bilíngue.8
Os artigos 78 e 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996)
determinam que a educação escolar indígena seja contemplada com programas
integrados de ensino e pesquisa. E cabe ao Sistema de Ensino da União promover ações,
junto aos povos e às comunidades indígenas, que possibilitem o fortalecimento de suas
tradições, a valorização de suas Línguas e de suas Ciências, e também a garantia do
acesso às tecnologias e aos conhecimentos científicos da sociedade nacional9.
1.1.2. A educação escolar indígena no Alto Rio Negro
“Torna-se fundamental que as formas próprias de
aprendizado indígena norteiem as metas dos trabalhos
escolares e balizem, assim, as construções coletivas de
uma sabedoria milenar em contato com outros saberes
e outras culturas.”
Hoje, vivem na região do Alto Rio Negro 23 etnias10
que pertencem a quatro troncos
linguísticos diferentes: Tukano Oriental, Aruak, Maku e Yanomami. Estes povos
somam 35 mil pessoas que moram em 700 comunidades na Amazônia brasileira, nas
7 Brasil, 1998.
8 Freire, 2004, p.25.
9 Brasil , 1998.
10 Arapaso, Baniwa, Bará, Barasana, Baré, Coripaco, Desana, Dow, Hupda, Karapanã, Kubeo, Makuna, Mirity-
tapuya, Nadöb, Pira-tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuka, Warekena, Wanana, Yanomami, Yuhupde (MAPA
LIVRO, 2000, p.31).
25
cinco terras indígenas já homologadas e reconhecidas (1998), que formam uma área
contínua de 106.000 km2.11
Há mais de dez anos, projetos-pilotos em educação diferenciada estão em
desenvolvimento na região do Alto Rio Negro. E desde o início de 2008, as escolas
Pamáali, Taracuá, Kariamã, Pari Cachoeira, Tuyuca e Wanano têm desenvolvido o
Ensino Médio Integrado Indígena (EMII), tendo como prerrogativas projetos
sustentáveis para suas comunidades. As instituições que têm apoiado essas iniciativas
são a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), as ONGS, representadas, sobretudo, pelo Instituto Sociambiental
(ISA)12
.
As escolas indígenas que hoje se configuram no município de São Gabriel da Cachoeira,
na região do Alto Rio Negro são o reflexo de uma história de lutas travadas pelas
lideranças indígenas locais que decidiram se organizar e reivindicar seus direitos
perante a sociedade brasileira. As escolas que se constituem como diferenciadas ou
interculturais, fazem parte de uma história recente de valorização da cultura indígena e
de reconhecimento de suas especificidades.
Entretanto, tal reconhecimento é nem sempre suficiente para que um processo de
educação indígena diferenciada se constitua como prática nas escolas indígenas. Este
passo deve estar atrelado às políticas nacionais, estaduais e municipais que sustentem as
práticas diferenciadas de ensino pensadas pelos Índios, concedendo-lhes o apoio
pedagógico, tecnológico e financeiro necessários ao funcionamento das escolas.
Em localidades distantes como o Alto Rio Negro, a logística de acesso às aldeias e às
escolas, como também de manutenção das mesmas, compreende despesas superiores
àquelas computadas em outras geografias, o que certamente bloqueia ou dificulta muitas
ações do governo nesta região. Porém, o que deve reger e configurar essas ações são as
escolhas e os direitos dos Índios em não permanecerem isolados. E uma decisão desta
dimensão é mais do que um produto de movimentos indígenas intraétnicos e
11 Mapa livro, 2000.
12 Relatório EMII (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN, 2008).
26
interétnicos; é a ratificação da autodeterminação desses povos na gerência de seus
destinos.
Conforme Gersem dos Santos (2001), a educação escolar indígena no Alto Rio Negro
avançou a partir da década de 1970, quando, nacionalmente, o processo de demarcação
de terras indígenas tornou-se meta reivindicatória de lideranças indígenas e de
organizações indigenistas não-governamentais, em áreas de grande concentração de
índios. Estes, na década seguinte, optaram por deixar claro que precisavam tomar as
rédeas de sua educação, uma vez que para isso, precisavam conquistar a autonomia
territorial.
Ainda nas abordagens de Gersem dos Santos, os problemas enfrentados junto a
Prefeitura Municipal de São Gabriel da Cachoeira, no final dos anos de 1990, servem
como exemplos para demonstrar o quanto é complicada a efetivação de uma educação
escolar indígena partidária dos interesses coletivos socioculturais e econômicos das
comunidades indígenas do Alto Rio Negro.
Uma exigência imprópria à realidade geográfica local é a determinação dos mesmos
critérios de liberação de recursos para as escolas indígenas e não-indígenas. As
dificuldades de logística para se chegar às escolas situadas ao longo do Rio Içana e do
Rio Uaupés, principais afluentes do Rio Negro, são incomparáveis em relação às outras
localidades. No período da seca ou do verão, os recursos humanos (práticos indígenas
condutores das voadeiras) e materiais (motores, combustível etc.) potencializam-se, pois
nesse período, as viagens se tornam mais longas e dispendiosas, além de muito
perigosas.
Em 1997, foi criado no Município de São Gabriel da Cachoeira o Programa
Construindo uma Educação Escolar Indígena, resultante de experiências, encontros,
seminários realizados entre 1980 e 1990 com a participação dos professores indígenas.
Gersem dos Santos (2001) declara que este Programa estava embasado em princípios
que fundamentam a história de lutas por uma educação escolar indígena diferenciada no
Alto Rio Negro.
27
Em sua visão de administrador, as linhas políticas devem estar atreladas às questões
pedagógicas e culturais, do contrário, as leis favoráveis a estas iniciativas não serão
efetivadas em contextos indígenas. Tal prerrogativa sinaliza a criação de políticas
públicas coerentes com a geopolítica local e com uma ótica de sustentabilidade
socioambiental, que inclua as humanidades, “as gentes construtoras”13
dessa
realidade.
Ainda enfatizando a necessidade de novas percepções da realidade histórico-cultural dos
povos indígenas do Alto Rio Negro, Gersem dos Santos reafirma a exigência de uma
política de educação que reconheça quatro pressupostos básicos para o funcionamento
das escolas indígenas ditas diferenciadas: (1) o entendimento de que as escolas
indígenas precisam considerar princípios e métodos próprios de aprendizagem dos
povos indígenas; (2) a compreensão de que a escola não é o único lugar de aprendizado
– as comunidades são geradoras de conhecimentos; (3) o reconhecimento dos Índios de
que a escola é hoje uma necessidade “pós-contato”; (4) todo esforço de projeção de uma
nova educação escolar indígena deve ser pensado e concretizado com a participação dos
Índios.14
Diante dessas metas reivindicatórias, os desafios socioculturais e políticos de uma
educação escolar indígena começam a se configurar como problemas emergentes na
região. Após cem anos de uma educação centralizada em princípios extratribais
determinados pela filosofia européia, era de se esperar que muitos Índios não
compreendessem a nova perspectiva de organização e de estruturação das escolas
indígenas. Muitos achavam mais pertinente continuar investindo nos conhecimentos dos
não-índios, pois só assim poderiam se autoafirmar na sociedade brasileira. Esse desafio
sociocultural foi um dos principais empecilhos que as primeiras lideranças indígenas
enfrentaram nas comunidades do Alto Rio Negro, durante a década de 1990.
Os desafios políticos persistem até hoje, principalmente quando os mecanismos
jurídicos e administrativos não acompanham a lógica dos novos percursos pedagógicos
13 Termo e grifos nossos.
14 Gersem dos Santos, 2001.
28
implementados nas escolas; ou seja, não garantem investimentos necessários para a
viabilização de uma educação intercultural nas comunidades do Rio Negro15
.
Na época, esses desafios correspondiam à universalização do Ensino Fundamental, à
infraestrutura das escolas, aos programas de carreira, à qualificação dos professores e à
descrença no Poder Público. Esses desafios, embora amenizados nos dias de hoje, ainda
estão muito presentes nas pautas de reivindicação das lideranças indígenas locais,
principalmente a questão da formação inicial e continuada dos docentes indígenas.
A interculturalidade, por sua vez, propicia uma nova maneira de se pensar a formação
desses profissionais16
que estão à frente da educação escolar do Alto Rio Negro. É uma
necessidade que se impõe como prioritária, pois as experiências de Educação
intercultural em andamento, cerca de 9 (nove) anos na região, apresentam ainda um
quadro de professores com apenas o magistério indígena17
, sem uma formação mais
abrangente para trabalhar numa perspectiva intercultural.
Essa situação se ratifica como um dos principais desafios administrativos da Secretaria
de Educação do Município de São Gabriel da Cachoeira (SEMEC) e das lideranças
indígenas representadas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
(FOIRN), cujas dificuldades se acentuam em razão das diferentes concepções dos
professores indígenas sobre educação intercultural e diferenciada. Para eles, ainda é
muito difícil eleborar e executar propostas curriculares condizentes com este conceito
de educação.
Mesmo em face de alguns comprometimentos de formação assumidos pelos indígenas,
as alternativas e os projetos de educação formal são criados e implementados como
alternativas experimentais de ensino, refletoras dos interesses e das práticas indígenas.
A esse respeito Gersem dos Santos comenta:
15 Gersem dos Santos, 2001.
16 9.700 professores, 90% indígenas ( Relatório FOIRN – Educação Escolar Indígena no Alto Rio Negro, 2007).
17 Formação em nível médio oferecido pela SEDUC-AM, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação
(SEMEC) de São Gabriel da Cachoeira.
29
Nossa experiência indica que, de fato, para respeitar e garantir o direito de
uma educação própria aos índios, é imprescindível a necessidade de um
tratamento diferenciado às escolas indígenas, inclusive quanto à carreira
profissional dos professores, que precisa ser definida pelos próprios índios,
de acordo com a organização social de cada povo, mesmo que para isso
tenhamos que quebrar a hegemonia e excentricidade de nossas leis.18
Durante sua administração como Secretário de Educação no Município de São Gabriel
de Cachoeira (1997 e 1998), Gersem dos Santos ratifica que a constância de
experiências, de encontros, de seminários, de cursos realizados com os professores
indígenas, nos últimos 30 anos, ou seja, a partir de meados dos anos 1980, compõe
ações representativas de um movimento progressivo de efetivação de uma educação
escolar indígena coerente com os contextos e com os interesses das comunidades locais.
Desse modo, torna-se fundamental que as formas próprias de aprendizado indígena
norteiem as metas dos trabalhos escolares e balizem, assim, as construções coletivas de
uma sabedoria milenar em contato com outros saberes e outras culturas.
Em busca desse movimento ininterrupto e de dupla via de conhecimentos, os Índios do
Alto Rio Negro têm se destacado como povos que optaram pelo não-isolamento e,
portanto, pela relação intercultural necessária aos projetos de vida sustentável de suas
comunidades. Esse projeto sustentável, ainda em construção, tem duas veias políticas
fundamentais: (1) preservar a essência do ser Índio19
em situações de contato e de
conflito identitárias inevitáveis e; (2) criar alternativas de subsistência, visando uma
política de desenvolvimento sustentável na região.
18 Gersem dos Santos, 2001, p. 128.
19 Grifos nossos.
30
1.1.3. A educação escolar indígena no Rio Içana
“– Para onde vocês estão indo?
– Pergunta o velho indígena.
– Estamos indo para Pamáali.
– Ah sim, escola nossa! Escola indígena!”20
As escolas indígenas localizadas no Rio Içana – rio das comunidades indígenas Baniwa
e Coripaco –, têm uma história de lutas e conquistas que começou a se concretizar a
partir dos anos de 1980. Historicamente, os povos dessa região têm empreendido uma
série de reuniões e assembléias em que a preocupação por uma educação tradicional,
alicerçada nos saberes cultivados por seus ancestrais, tem sido o cerne das discussões.
Há também uma preocupação em agregar os conhecimentos dos não-índios aos seus
programas educativos.
Essa predisposição em dialogar com a cultura ocidental tem origens no próprio processo
histórico de subjugação e de exploração que sofreram com as constantes invasões de
seus territórios, assegurando-lhes menos uma condição de igualdade de direitos
socioculturais e econômicos do que uma condição de subalternos e de incapazes. Tal
intencionalidade intercultural tem raizes na necessidade de defesa e de embate
intelectual, como também na atual situação de desenvolvimento sustentável de suas
comunidades ribeirinhas e indígenas.
Os povos indígenas que habitam a bacia do Rio Içana são aproximadamente 17 mil. Os
Baniwa estão concentrados ao longo desse rio, na parte noroeste da Amazônia
brasileira, e os Coripaco vivem, em grande maioria, na Venezuela (3.236 indígenas) e
Colômbia (6.790 indígenas), onde fazem fronteira com o Brasil21
. Estes povos, no
período da colonização, foram fortemente influenciados pelas forças religiosas
católicas, através da ação manipuladora dos missionários, perdendo grande parte de suas
referências culturais. Esses religiosos destruiram suas malocas e suprimiram as práticas
tradicionais (ritos e mitos) de seus convívios.22
20 Conversa com um velho indígena na subida do Rio Içana ( Pesquisa de campo, dezembro de 2009).
21 Mapa livro, 2000.
22 Wright, 2005.
31
Na história de contato entre Índios e não-índios, os missionários desempenharam junto
ao poder colonizador, forte influência sociocultural sobre os povos indígenas do Alto
Rio Negro. Nas análises de Galvão (1979),
os missionários em seu zelo catequista e desejo de controle secular desse
grande contingente humano, condenavam sumariamente as práticas religiosas
indígenas [...]. A interferência no setor religioso significava também ferir as
instituições sociais, sobretudo as formas de casamento e as relações de
parentesco.23
A partir dos primeiros contatos com os missionários católicos, a educação formal
assume o perfil estratégico de transformar ações simbolicamente relevantes para os
povos indígenas, em práticas nocivas, pecaminosas e sem significado.
A dilaceração dos valores tribais se acentua com o estabelecimento de internatos, onde
os jovens e as crianças indígenas aprendiam a ideologia cristã como portadora de regras
disciplinares e comportamentais ajustáveis aos interesses do colonizador. Castradoras de
manifestações míticas e espontâneas, tais regras e ensinamentos deixaram marcas
profundas nas relações intra-aldeias e extra-aldeias, dentre as quais, os conflitos
religiosos que se estabeleceram no Alto Rio Negro. Como resultado, “nos últimos anos,
a competição de religiões, católica e protestante, emergiu como um fator novo de
segmentação de sociedades tribais no Rio Içana.”24
Essa retomada histórica nos remete à responsabilidade de pensarmos a educação escolar
indígena a partir do conhecimento e reconhecimento dos ideais de formação escolar
almejados pelos Índios do Rio Içana e do Alto Rio Negro como um todo. Qualquer
iniciativa do governo que contraste com os problemas vivenciados por eles em suas
diferentes comunidades e com os percursos históricos revelados pelos posicionamentos
de cada etnia, não terá ressonância nas práticas escolares.
O grande dilema do compartilhamento de pressupostos e de propostas para a
concretização de uma escola indígena pode ser dissipado com posturas humildes de
mais escutar do que prescrever, de mais conhecer do que inferir. Atitudes como estas
23 Galvão, 1979, p.141.
24 Ibidem, p.143.
32
são os pequenos passos promissores de um diálogo respeitoso entre culturas diferentes,
que evidenciará o respeito às concepções indígenas de educação formal. A possibilidade
de uma escola ajustável aos objetivos desses povos começou a inscrever-se no processo
de luta por uma educação indígena intercultural e bilíngue, a partir da fundação da
Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), em julho de 1992. Isto ocorreu durante
a I Assembléia Geral dos Povos Baniwa e Coripaco, realizada na comunidade de
Juivitera.
A OIBI foi criada para formalizar um trabalho social e político junto a FOIRN25
que
fiscaliza as terras indígenas demarcadas e que implementa ações de autonomia dos
povos Baniwa e Coripaco em relação à educação, à cultura, à sustentabilidade e à saude.
Dessa forma, em 17 anos de existência da OIBI, o número de escolas na região
aumentou consideravelmente, passando de 20 a mais de 50 escolas municipais indígenas
em funcionamento nas comunidades.
Um problema revelado durante a pesquisa de campo é que a maioria dessas escolas não
está conseguindo equacionar sua filosofia pedagógica com uma proposta intercultural de
ensino. O construto dos saberes formais segue um currículo e uma metodologia muito
aproximados daqueles das escolas urbanas. Nesse sentido, não conseguem interligar os
conhecimentos tradicionais indígenas ao programa de ensino em exercício.
As situações vivenciadas durante a pesquisa in loco mostraram a dificuldade de
autonomia que algumas escolas indígenas enfrentam na elaboração e na realização de
seus Projetos Políticos Pedagógicos (PPP). É o caso da Escola Kariamã em Assunção
do Içana que possui um quadro de professores com grau superior completo26
e que tem
o Ensino Médio reconhecido pela SEDUC.
No entanto, conforme declarações dos próprios professores, eles não conseguem
trabalhar numa proposta intercultural, porque se sentem inseguros para elaborar o seu
Projeto Político Pedagógico, sendo este o resultado de uma construção coletiva e
25 Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, criada em 1987.
26 Esses docentes participaram do Programa de Formação dos Professores e Valorização dos Profissionais de
Educação (PROFORMAR), da Escola Normal Superior (ENS), da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
33
sintetizadora das reivindicações de alunos, docentes, pais e comunidades. Declararam,
ainda, necessitar de assessorias dos profissionais das universidades estaduais e/ou
federais para ajudá-los no processo de construção do PPP e de formação docente
continuada, com acompanhamento e com realização de oficinas. E mais, necessitam
revitalizar e fortalecer a cultura indígena e, ao mesmo tempo, preparar os jovens para o
trabalho profissional nas comunidades. Estas questões foram discutidas na Escola
Kariamã em Assunção do Içana, na viagem de retorno a São Gabriel da Cachoeira,
voltando da EIBC-Pamáali, em agosto de 2008.
Em dezembro de 2009, subindo o Rio Içana para o segundo momento da pesquisa de
campo na EIBC, conversamos rapidamente com dois professores indígenas de Assunção
do Içana e obtivemos novidades em relação à situação detectada em 2008.
Embora a elaboração do PPP tenha ocorrido com dificuldade, os professores afirmaram
a sua efetivação. Quanto aos computadores encaixotados desde 2007, foram finalmente
instalados (ver foto 1 e 2). Mas, a grande dificuldade no momento é o manuseio das
máquinas, pois estão aguardando o curso de formação em informática, tanto para os
alunos, como para os professores.
Foto1 e 2 – Escola Indígena Kariamã em Assunção do Içana
Fonte: campo, dez. 2009
Devido à necessidade de conversarmos com os professores sobre as práticas de Ensino
de Ciências com as séries iniciais, agendamos uma reunião com os professores de
Assunção, no retorno da Pamáali, mas as intempéries da viagem comprometeram o
cronograma de ações e não foi possível estar com eles.
Atualmente, a escola Kariamã funciona com turmas de Ensino Fundamental e Ensino
Médio, com uma frequência de 187 alunos e um corpo docente de 21 professores, dos
34
quais 14 estão matriculados no “Curso de pedagogia: licenciatura plena intercultural”,
implementado pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA), a partir de 2009.
De acordo com o PPP da EIBC, foi a partir dos anos 1980 que as primeiras escolas de
ensino fundamental de 1ª a 4ª série começaram a funcionar nas comunidades indígenas
do Rio Içana. Essas escolas funcionavam com professores de outras etnias, porque os
professores Baniwa e Coripaco eram em número reduzido. Assim, o ensino da Língua
materna dessas etnias não era efetivado na maioria das escolas e os alunos não podiam
se incluir numa perspectiva de valorização dos conhecimentos tradicionais ameríndios,
manifestados principalmente pela Língua.
A questão da Língua é um fator importante para o processo de emancipação das escolas
indígenas em geral. A escrita da Língua Portuguesa foi introduzida no Içana através dos
missionários, durante a década de 1920. O propósito era justamente o aculturamento dos
Índios, tirando-lhes um instrumento de poder e de identidade, ou seja, extirpando de
seus convívios, a Língua materna.
A língua se torna um instrumento de poder quando representa simbolicamente a cultura
de um povo e os resguarda de possíveis usurpações valorativas culturalmente
constituídas e de caráter ideológico. É também reveladora de mundos específicos,
construidos a partir de estruturas significativas que traduzem as intenções dos
indivíduos e a situação social de um povo ou de uma comunidade. Assim, na concepção
de Sena (2001) “a palavra repassa, de forma velada ou ostensiva, todas as minúcias que
caracterizam uma formação social que, por sua vez, é o verdadeiro espelho das
condições e das relações que marcam a vida de uma comunidade.”27
Em vista desse conceito, o cultivo da oralidade e da escrita da Língua nativa para os
povos indígenas é fator imprescindível no processo de autoafirmação sociocultural,
econômica e política na inter-relação com outras sociedades. E Meunier & Freitas
(2005) reforçam:
27 Sena, 2001, p.17.
35
A história tem mostrado que o acesso à escrita não constitui uma condição e
garantia para a sobrevivência digna dos diferentes povos; entretanto, é através
da escrita que a humanidade teve acesso ao método científico. O acesso à
tecnologia perpassa, necessariamente, pela adequada incorporação da ciência
ao projeto específico de cada povo.28
Numa escola intercultural indígena, a Língua dos povos nativos é instrumento de
desenvolvimento socioeconômico, de valorização histórico-cultural e de afirmação
identitária. Assegura a participação dos Índios em processos de emancipação política e
sociocultural. Hoje, a escrita em Baniwa e Coripaco transforma-se numa “tecnologia de
ponta”29
, pois representa o primeiro passo para que uma educação intercultural se
processe. É uma exigência para a organização de uma sociedade que multiplica seus
contatos por meio das facilidades promovidas pelas tecnologias da informação.
São muitas as dificuldades30
que essas escolas enfrentam para desenvolver uma
proposta de ensino intercultural, principalmente, porque no discurso de algumas
lideranças indígenas, falta apoio logístico e pedagógico dos órgãos governamentais.
Estes, segundo esses líderes, se valem da autonomia da escola indígena para se
eximirem de suas responsabilidades junto a esses povos.
Apesar de todas as parcerias que a FOIRN e demais organizações do Alto Rio Negro31
estabelecem com instituições não-governamentais e governamentais32
, as questões
referentes às políticas públicas para a educação escolar indígena intercultural, são ainda
incoerentes com os direitos garantidos aos Índios pela Constituição Federal de 1988.
São incoerentes porque apresentam exigências curriculares e de formação dos
professores indígenas, assemelhando-se muito às das escolas urbanas ou rurais.
Estabelecem critérios de avaliação das escolas pouco fundamentados na diversidade de
problemas experienciados por cada escola, ainda que estas estejam situadas no mesmo
rio.
28 Meunier & Freitas, 2005, p. 124.
29 Termo e grifo nossos.
30 Informações contidas no Relatório final do I Seminário sobre o Ensino Médio Integrado Indígena no Alto Rio
Negro, Março de 2008.
31 Atualmente são 50 organizações filiadas à FOIRN. Informações contidas no Relatório final do I Seminário sobre o
Ensino Médio Integrado Indígena no Alto Rio Negro, Março de 2008.
32 SEDUC, Universidades Estaduais e Federais, Escolas Agrotécnicas etc.
36
As amarras a um currículo e a um programa de ensino sem valorização da cultura
indígena Baniwa e Coripaco é um desafio a ser superado. Foi nesse contexto de
insatisfação, que as lideranças indígenas do Rio Içana pensaram a EIBC, como uma
experiência intercultural de educação escolar indígena. Um lugar que representa uma
ideologia indígena sobre educação formal, sustentada por critérios sociambientais,
culturais e científicos, próprios de um povo com fortes motivos para optar pelo
etnodesenvolvimento e por alianças técnico-científicas com a sociedade dos não-índios.
Nas afirmações dos velhos indígenas do Içana, aqueles que têm acompanhado de perto o
processo histórico de construção dessa realidade, pudemos constatar a expressão de
orgulho e de reconhecimento quando dizem: “Pamáali, escola nossa, escola indígena!
Escola construida por nós”.
Desse modo, o Ensino de Ciências, fortemente ligado aos problemas ambientais e
sustentáveis da região do Alto Rio Negro e da Amazônia como um todo, tem uma
expressiva relação com o fortalecimento das tecnologias de subsistência desses povos,
através do ensino com pesquisa.
Cabe ressaltar que o ensino via pesquisa é a base metodológica que direciona as
atividades de ensino e aprendizagem na escola. A compreensão dos professores
indígenas sobre pesquisa tem um caráter científico e educativo, cuja finalidade é a
projeção dos alunos no cenário sociocultural, político e etnocientífico da região do
Içana, transformando-os em agentes desses processos em suas comunidades.
A perspectiva intercultural, muitas vezes compreendida como uma educação
diferenciada, ainda apresenta, por parte dos professores da Pamáali, dissonâncias
conceituais que decorrem de concepções distorcidas de educação diferenciada. Na
prática, a questão intercultural é bastante expressiva e denota a complexidade de
articulação entre conhecimentos diferentes, mas que, por isso mesmo, se
complementam.
37
1.2. INTERCULTURALIDADE E ENSINO DE CIÊNCIAS: DESAFIOS
E POSSIBILIDADES
“A compreensão da complexidade do homem exige a
não mutilação da condição humana, exige também
que as representações simbólicas dos processos da
natureza espiralizem para fora, indo ao encontro e
fundindo-se com os fundamentos da cultura mundial.
Exige finalmente, que esses mesmos processos da
natureza sejam contornados pelos fundamentos
filosóficos, políticos e sócio-artísticos da cultura
universal.”
Marcílio de Freitas
1.2.1. Interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade
Nos dias atuais, o termo “interculturalidade” é traduzido sob vários enfoques e
representa um grande desafio para as escolas que constroem seus programas de ensino,
a partir desta perspectiva. A relação dessa prática com o Ensino de Ciências em
contextos indígenas se torna ainda mais complexa por abranger uma dimensão
etnológica que envolve identidades, situações políticas e socioculturais nada
harmoniosas. Isto possibilita uma experiência entremeada de desafios, de contradições e
de acertos bastante enriquecedora para a composição de uma nova maneira de se pensar
a educação indígena.
Em primeiro lugar, seria importante uma reflexão sobre a prática da interculturalidade
em contextos indígenas, sob o ponto de vista de alguns estudiosos como Silva (2001),
Tassinari (2001) e Santos (2003). Segundo Silva, as escolas indígenas vivem hoje um
momento de fluxos de conhecimentos resultantes de 30 anos de movimentos indígenas
em favor da demarcação de territórios e do reconhecimento das tradições e da cultura
indígena. Tassinari acrescenta ser a existência de escolas interculturais um reflexo de
dilemas de culturas em contato, que se modificam historicamente e que se
interfluenciam, causando ressignificações identitárias. Santos argumenta a favor de um
movimento cosmopolita voltado para os direitos humanos, que faça fluir organizações
locais contra processos de globalização hegemônicos, possibilitando diálogos
interculturais. É nesse sentido que ele reforça ser contra o universalismo, pois, “há que
propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas, isto é, convergentes,
38
ainda que expressas em linguagens distintas e a partir de universos culturais
diferentes.”33
Nesse contexto de interlocução entre diferentes concepções de interculturalidade,
surgem pontos em comum que ajudarão na compreensão de uma relação complexa entre
conhecimentos tradicionais indígenas e ocidentais que hoje começam a ganhar espaço
nas escolas indígenas de muitas regiões do Brasil.
A escola formal não nasceu para os indígenas como uma opção. Nasceu como uma
consequência pós-contato que, somente a partir da década de 1990, passou a cultivar
uma ideologia diferente daquela que o Estado Nacional e as missões religiosas
pensaram para eles por cinco séculos.
O propósito de uma educação diferenciada ou intercultural para os indígenas tem
origem nas demandas contextuais de formação escolar das diferentes etnias, cada uma
com história e simbologias próprias. De acordo com o RCNEI, ocorre que,
desde muito antes da introdução da escola, os povos indígenas vêm
elaborando, ao longo de sua história, complexos sistemas de pensamento e
modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e
reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e
o sobrenatural. O resultado são valores, concepções e conhecimentos
filosóficos próprios, elaborados em condições únicas e formulados a partir de
pesquisa e reflexões originais.34
Nesse sentido, o entendimento do que seja uma escola indígena perpassa pelo
reconhecimento dos saberes e da concepção de vida dos povos indígenas. É importante
reconhecê-los como autores de um conhecimento secular e que tem norteado suas
práticas cotidianas. Possuidores de um conhecimento historicamente construido são
capazes de determinar, também, a estrutura curricular dos programas de ensino de suas
escolas. E cabe ao Estado e a outras instituições apoiarem suas decisões, provendo-lhes
recursos, formação para os professores indígenas e condições empreendedoras para que
o direito a uma escola indígena intercultural possa se efetivar nas comunidades.
33 Santos, 2003, p. 441.
34 Brasil, 1998, p. 22.
39
Hoje, o processo de formalização de grande parte das escolas indígenas está ainda em
construção, e algumas delas continuam arraigadas aos currículos da sociedade
envolvente por questões históricas, políticas e burocráticas.
Os motivos são históricos, porque cada sociedade indígena tem uma relação de contato
singular, quando está envolvida pela cultura nacional. Alguns povos indígenas estão em
contato com a cultura do não-índio há muito tempo, outros, nem tanto, e hoje, qualquer
iniciativa de autogestão dos interesses ameríndios depende da forma como cada povo
indígena percebe os seus valores e lida com os valores de outras culturas. Esse grau de
percepção interfere ativamente nas opções de determinadas etnias relacionadas ao
convívio com culturas adversas às suas, inclusive no mesmo espaço geográfico. É o
caso, por exemplo, dos Índios urbanos, que hoje engendrados em territórios citadinos,
decidiram permanecer Índios vivendo as mesmas situações dos não-índios. Essa
convivência tem despertado interesse de pesquisadores de todo o país em avaliar ou
analisar a complexidade etnológica desses fenômenos migratórios indígenas que geram
conflitos em torno do conceito de “ser índio”. Em relação a esta situação, convém
destacar o comportamento dos Iaminauás do Acre, que, conforme estudos recentes do
pesquisador Oscar Calavia Sáez35
, mantém com a sociedade envolvente uma relação de
proximidade por opção. No artigo publicado por Sáez na Revista Ciência Hoje
(setembro, 2008), a forma como esse povo concebe suas tradições tem raizes históricas
que lhes conferem a mutabilidade de comportamentos e ações, em sua maioria,
contrários à perspectiva de indianidade dos indigenistas, mas que derivam de pontos de
vista próprios e que expressam a autencidade de seus valores.
É também uma questão política, porque a articulação entre povos culturalmente diversos
é variável e depende do histórico de engajamento político das lideranças e das
comunidades indígenas de cada região e do estado jurídico do território habitado.
A questão dos direitos coletivos dos indígenas ao território transforma-se em ponto
chave para que uma escola intercultural voltada para os interesses e necessidades
indígenas seja uma realidade. Dessa forma, Nunes & Santos (2003) inferem que
35 Estudante do Programa de Pós-graduação em antropologia social da Universidade Federal de Santa Catarina-
UFSC.
40
a territoriedade é, sem dúvida, uma dimensão fundamental da afirmação
desses direitos coletivos, [esbarrando-se] com as concepções liberais de
propriedade. É nela que reside a garantia do reconhecimento de uma
identidade coletiva e dos direitos coletivos dos povos indígenas.36
Os povos que ainda estão lutando pelo direito sob seus territórios, dificilmente
conseguirão viabilizar propostas educacionais adaptadas à perspectiva de auto-
sustentabilidade almejada. Isto significa dizer que as concepções liberais de
propriedade, regidas pela “lógica do capital” não correspondem à “lógica dos povos
indígenas” em relação ao território. Este tem para os Índios um significado histórico de
pertencimento, lugar sagrado de seus antepassados, intimamente ligado às suas
afirmações identitárias37
.
Por sua vez, Marés (2003) infere que terra e conhecimento têm processos históricos
muito parecidos em relação à forma como foram usados pelas potências européias. Há
um processo antigo de usurpação da terra e dos conhecimentos tradicionais, sem
atribuir-lhes o merecido valor. Por esta razão, a alteração dos direitos de propriedade da
terra implica em alteração de propriedade sobre o conhecimento.
É finalmente uma questão burocrática, porque o reconhecimento de uma escola formal
indígena depende das ações governamentais que legitimem seus processos de ensino,
muitas vezes delimitados por propostas contrárias aos interesses e às necessidades das
comunidades envolvidas.
Esses três fatores possivelmente convergem para a realização de experiências
interculturais bem ou mal sucedidas em diferentes contextos indígenas. Conforme Paula
(1999), no centro das discussões entre as principais lideranças indígenas do país e da
América latina, é consenso a exigência da interculturalidade nos currículos das escolas
indígenas. A consolidação dessa meta depende de intensiva articulação política de
lideranças locais, da formação inicial e continuada dos professores indígenas e da
participação ativa dos Índios na construção de seus programas e projetos educacionais.
36 In: Santos, 2003, p.45.
37 Santos, 2003; Faria , 2003.( Grifos nossos).
41
Entretanto, a interculturalidade não se constitui numa inovação em termos de prática
que se impõe aos contextos das aldeias, pois desde os primeiros contatos, Índios e não-
índios estabeleceram alguma forma de trânsito cultural.38
Nesse encontro de culturas
opostas, indígenas e não-indígenas se apropriam de conhecimentos extrínsecos às suas
visões de mundo. Estabelecem relações que problematizam a dicotomia entre tradição e
modernidade. E esta relação tem se demonstrado conflituosa na maioria dos casos, pois,
o cotidiano da maior parte dos povos indígenas do Brasil desenrola-se num
contexto de tensão entre conhecimentos indígenas e ocidentais, entre políticas
públicas e política de aldeias, entre tendências políticas internacionais e a
definição de estratégias e de opções específicas de vida e de futuro para
populações indígenas.39
Essa forma de interação desajustada tem como palco a escola, um espaço atravessado
por tensões políticas e culturais, que tem como função, achar pontos congruentes de
diálogo. Este é um processo necessário que pode produzir descobertas e
reconhecimentos mútuos. Nessa linha de pensamento, Santos (2003) relaciona o
reconhecimento mútuo entre as culturas tradicional e ocidental ao exame primeiro da
incompletude cultural de cada uma. Isto significa que o primeiro obstáculo para a escola
indígena que se propõe intercultural é enfrentar as frustrações causadas por sentimentos
imperiosos da cultura ocidental. Este é um fato que certamente representa um dos
grandes desafios para a educação do século XXI.
Infelizmente, na concepção de alguns intelectuais da sociedade moderna, os povos
conhecidos como tradicionais ou arcaicos estão aquém de processos civilizatórios, por
não necessitarem das inovações e potencialidades tecnológicas proporcionadas pelo
desenvolvimento científico contemporâneo. Estabeleceu-se ou conjecturou-se que a
civilização ocidental é mutável e moderna e que o mundo da tradição tem a estabilidade
como principal característica. Esse pensamento radical tem alicerces discriminatórios
que só dificultam as relações interculturais.
38 Fleuri, 2003.
39 Brasil, 1998, p.36.
42
1.2.2. Desmistificação do conceito de cultura, de tradicional e de modernidade
“Eu talvez use uma furadeira elétrica, mas também
um martelo. A primeira tem 20 anos, o segundo
centenas de milhares de ano. Eu serei um carpinteiro
„de contrastes‟ porque misturo gestos provenientes de
tempos diferentes? Ao contrário, mostrem-me uma
atividade que seja homogênea do ponto de vista do
tempo moderno. Alguns dos meus genes têm 500
milhões de anos, outros 100.000, e meus hábitos
variam entre alguns dias e alguns milhares de ano.”
Bruno Latour
Desmistificar essa trajetória de rotulações em torno das culturas tribais requer,
sobretudo, uma melhor compreensão sobre o conceito de cultura, de tradicional e de
modernidade. De acordo com Waldman (2006),
o mundo tradicional, ao lado da permanência e da estabilidade, estava
possuido por um senso próprio de evolução, materializado numa ampla gama
de manifestações artísticas, culturais e históricas. Por essa razão, não se deve
qualificar sociedades tradicionais como „estáticas‟, ainda que tenham uma
relativa estabilidade.40
A construção de uma relativa estabilidade por essas sociedades tem respaldo nas
práticas cotidianas que estabelecem com o espaço e com o tempo. Os povos portadores
de um tempo cíclico, não vetorial, não podem ser ignorados pelas sociedades modernas,
por possuirem um outro estilo de vida, uma concepção particular de mundo e uma
sociedade construida sob diferentes bases culturais.
Sendo o conhecimento uma construção social e política, afere-se ao conceito de
modernidade, princípios históricos, econômicos e civilizatórios. Esses processos,
segundo as concepções unilaterais de evolução, são inerentes às sociedades modernas e
estão ausentes em sociedades arcaicas.
No entanto, na análise de Waldman (2006), a dinâmica do conhecimento ocidental foi
sempre exógena, ou seja, a civilização moderna sempre incorporou saberes de outros
povos. Dessa forma,
40 Waldman, 2006, p.52
43
o conhecimento da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento
das outras culturas. A experiência da alteridade nos leva a „ver‟ aquilo que
nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar a
atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano e que consideramos
evidente.41
Diante da perspectiva de alteridade, a educação escolar indígena que se propõe
intercultural, precisa melhor ser interpretada no que concerne ao currículo por ela regido
e à formação dos professores indígenas. Que tipo de formação esses professores querem
e precisam para que a interculturalidade aconteça? Diante das especificidades das etnias,
com diferenças linguísticas, socioambientais e territoriais, não caberia a elas decidirem
sobre as diretrizes desse currículo?
A Educação intercultural também pressupõe metodologias que atendam a essa forma de
sistematizar e de conduzir os saberes nas escolas indígenas. Como desenvolvê-las?
Como fundir os diferentes conhecimentos sem perdas socioculturais historicamente
construidas? Que metodologias possibilitam a articulação entre os saberes? De acordo
com Tassinari (2001), estas questões estão muito presentes nas análises de algumas
experiências-piloto que têm desenvolvido essa proposta de ensino em várias localidades
do Brasil.
Dessa maneira, Silva (2001) considera a lógica de funcionamento das escolas indígenas
como locais privilegiados de pesquisa, que encadeia propostas de desenvolvimento
etnocientífico, por meio da valorização das etnociências ou da Ciência do Índio. Esta
preocupação pedagógica e de sustentabilidade é uma prerrogativa de grande parte das
pautas de reivindicação dos povos indígenas de todas as regiões brasileiras.
No entanto, é uma questão que tem causado muitas discussões em torno dos direitos
coletivos dos Índios sobre os conhecimentos tradicionais. Juridicamente, esses
conhecimentos não se enquadram num dos critérios fundamentais das patentes, ou seja,
a novidade. Nesse sentido, Ayres (2003) argumenta que “os conhecimentos tradicionais,
por serem tradicionais e passarem de geração em geração, mesmo que restritamente, já
41 Ibidem, p.32
44
foram divulgados, então não possuem novidade absoluta, não podendo ser protegidos
como patentes.”42
Tal impasse só ratifica a presença antiga da interculturalidade nas aldeias, mesmo que
seja de forma unilateral. A interlocução entre o conhecimento dos indígenas e o
conhecimento dos não-índios tem uma história conhecida desde longo tempo, que
infelizmente, não foi nem justa e nem respeitosa, mas que sempre existiu.
No contexto contemporâneo, a proposta intercultural de ensino nas comunidades
indígenas é no mínimo dialógica. Isto porque representa uma necessidade de achar
caminhos para a subsistência de seus povos, com tecnologias alternativas provenientes
da cultura ocidental. Silva & Azevedo (2000) afirmam ser a escola indígena um lugar
estratégico de educação para o trabalho, pois deve refletir o seu projeto social de
empreendimentos profissionais voltados para as necessidades dos povos tradicionais.
Esta preocupação tem monopolizado as iniciativas indígenas de educação intercultural
em grande parte do Brasil e tem fomentado propostas curriculares condizentes com esta
perspectiva. Isto se reflete principalmente nos Estados do Amazonas, Roraima e Acre,
onde podemos encontrar uma forte ressonância desses propósitos nos objetivos de
educação formal traçados pelos professores indígenas. Estes entendem que a escola
precisa propiciar aos jovens estudantes opções de trabalho que possam garantir-lhes a
permanência nas suas comunidades. Somada à questão de subsistência, estão os
conflitos de identidades que os jovens indígenas sofrem, apartando-se de suas aldeias
em busca de trabalho e estudo.
Uma pesquisa realizada com os Baniwa no Alto Rio Negro, por Weigel (2000), mostrou
que os sentidos da escola para essa etnia se configuram numa ambivalência de
propósitos. Isto significa que, por uma nova conjuntura social e de sobrevivência, a
escola interfere na sua organização social, criando uma tensão progressiva entre
“preservar seus rituais e saberes míticos” e “abrir espaços de relação intercultural com a
sociedade envolvente.”43
42 Ayres, 2003, p. 123.
43 Grifos nossos.
45
Nesse processo, as escolas funcionam como espaços de “fronteiras.” 44
Por esse motivo,
Silva (2001) argumenta que as sociedades indígenas, nas duas últimas décadas, estão
vivendo um momento de ebulição em relação aos seus processos de autoafirmação
cultural e de emancipação. Isto confere à escola indígena o desafio de manter os
aspectos estruturantes de sua cultura, promovendo a radicação das formas peculiares de
pensamento e das vivências de cada etnia. Este desafio inclui a valorização de suas
línguas e de seus modos singulares de produção, reelaboração e transmissão de
conhecimentos.
Assim, as escolas em constituição nas aldeias, estão mescladas de concepções nativas e
exógenas do conhecimento, e embora ainda não tenham consolidado a educação
intercultural, estão caminhando nessa direção. Diante desse fato, algumas questões são
pertinentes: Como os indígenas estão processando essa experiência? Como estão
construindo seus currículos? Que metodologias estão utilizando para contemplar a
interlocução entre conhecimentos tradicionais e ocidentais? E isso é possível? Estas
perguntas expressam a complexidade que significa unir num só projeto, questões de
cunho filosófico e pragmático, de cunho sustentável e sociocultural. São problemas que
buscam respostas nas concepções de cada povo sobre o que é o conhecimento. São
pontos articuladores de uma escolha que implica mentes respeitosas e atitude de
cooperação.45
São extremos que se entrecruzam em favor de um projeto maior de
sociedade: vida sustentável. Nessa linha de pensamento, Gadotti (2008) complementa:
Chamo de vida sustentável o estilo de vida que harmoniza a ecologia humana
e a ambiental mediante tecnologias apropriadas, economias de cooperação e
empenho individual. É um estilo de vida intencional, que se caracteriza pela
responsabilidade social, pelo serviço aos demais e por uma vida espiritual
significativa.46
Dessa maneira, acreditamos que algumas escolas indígenas do Alto Rio Negro buscam,
na forma intercultural de ensinar, caminhos para a auto-sustentabilidade dos povos da
região. E a escola tem sido um ponto de referência nesse processo, pois atualmente, este
44 Tassinari, 2001.
45 Gardner, 2008.
46 Gadotti, 2008, p.14.
46
tipo de educação encontra-se em processo de experimentação na Amazônia brasileira,
como é o caso da Escola Pamáali, no Rio Içana.
Uma das questões principais propostas por Meunier & Freitas (2005) é a necessidade de
uma didática de ensino e aprendizagem que corresponda à dialética necessária entre as
culturas. Isto significa que uma didática da educação voltada para o desenvolvimento
sustentável
deve permitir ao aluno tocar com o dedo as realidades do nosso mundo. [...] É
necessário, por conseguinte, começar a ensinar pelo contexto no qual o aluno
encontra-se inserido, esse deve aprender a se apropriar, assimilar e
compreender as realidades de maneira ativa.47
Esse modo de investigar a natureza e os fenômenos encontra respaldo em metodologias
de ensino que considerem a pesquisa como eixo condutor do aprendizado, um dos
objetivos centrais do Ensino de Ciências na Amazônia.
1.3. Do diálogo entre culturas, uma nova racionalidade
“As sociedades precisam de estabilidade e mudança, de
ordem e liberdade, de tradição e inovação, de
planejamento e laissez-faire. Nossa saude e nossa
felicidade dependem de buscarmos simultaneamente
atividades ou metas mutuamente opostas.”
Fritz Schumacher
Para uma educação escolar intercultural, pressupõem-se concepções de conhecimentos
antagônicas, que a exemplo das escolas indígenas se tornam mais aguçadas. Dessas
concepções, surgem os problemas centrais das relações de poder, estabelecendo-se
confrontos que só reforçam hierarquias entre etnias, elegendo-se critérios
discriminatórios de cultura. Assim, “de modo particular, no mundo ocidental a cultura
européia tem sido considerada natural e racional, erigindo-se como modelo da cultura
universal.”48
47 Meunier & Freitas, 2005, p.135.
48 Fleuri, 2003, p.18.
47
Nesse contexto, as outras culturas, consideradas inferiores, sofreram e ainda sofrem o
peso de uma realidade que precisa ser doutrinada, colonizada culturalmente, como se
seu processo histórico nada tivesse de interessante e válido a acrescentar à humanidade
e à Ciência. Todas as formas de pensamento mítico, religioso, popular, contrárias à
racionalidade científica seriam formas “primitivas” de ver e explicar o mundo,
pertencentes a povos nada esclarecidos e nada inteligentes.
Numa concepção de escola intercultural, os conhecimentos e as tecnolgias de etnias
diferentes se complementam desde que haja parcerias e não hierarquias. De acordo com
Santos (2003) “o reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de
um diálogo intercultural.”49
Sendo assim, as diversidades culturais existentes entre as
sociedades devem somatizar atitudes inclusivas de solidariedade e de conhecimentos. E
isso só é possível mediante o compartilhamento de aprendizagens entre os povos,
diminuindo a probabilidade de se tornarem destrutivos. Entretanto, não compactuamos
com a perspectiva de um radicalismo filosófico ou existencial de compreensão dos
problemas de um mundo globalizado. Trata-se, sobretudo, de um olhar ampliado sobre
os problemas fundamentais que afligem a humanidade, em suas carências primárias de
sobrevivência e de afirmação identitária.
Lévi-Strauss (1989), ao estudar o pensamento do Índio e sobre como ele constrói o
conhecimento, modifica concepções estereotipadas sobre o homem “selvagem” e
“primitivo” que não estuda a natureza e que não estabelece com ela uma relação de
investigação, descobertas e criatividade. Nesse sentido, explicita:
Foi no período neolítico que se confirmou o domínio do homem sobre as
grandes artes da civilização: cerâmica, tecelagem, agricultura e domesticação
dos animais. Hoje ninguém mais pensaria em explicar essas conquistas
imensas pela acumulação fortuita de uma série de achados feitos por acaso ou
revelados pelo espetáculo passivamente registrado de determinados
fenômenos naturais.50
Quando Lévi-Strauss (1989) afirma que o Índio é capaz de estabelecer um diálogo com
a natureza, podendo construir uma tecnologia própria para resolver problemas práticos e
49 Santos, 2003, p. 447.
50 Lévi-Strauss, 1989, p.29.
48
expressar sua arte, delega às civilizações consideradas primitivas ou arcaicas, a mesma
predisposição à inventividade e à produção de conhecimento atribuida ao homem, na
modernidade. Esta abordagem justifica que a ideia de uma atitude passiva do Índio
perante a natureza começa a ser desconstruida. Nessa nova visão, o pensamento
selvagem se constitui em pensamento científico porque fica evidenciado que o Índio, a
sua maneira, há muito tempo vem fazendo Ciência. O grande paradoxo, segundo Lévi-
Strauss é que
existem dois modos de pensamento científico, com uma e outra funções, não
certamente estágios desiguais de desenvolvimento do espírito humano, mas
dois níveis estratégicos em que a natureza se deixa abordar pelo
conhecimento científico – um aproximadamente ajustado ao mundo da
percepção e ao da imaginação, e outro deslocado; como se as relações
necessárias, objeto de toda a ciência, neolítica ou moderna, pudessem ser
atingidas por dois caminhos diferentes: um muito próximo da intuição
sensível e outro mais distanciado.51
É bem verdade que a forma como o indígena aborda a realidade tem implicações
simbólicas muito diferentes daquelas que regem a cultura ocidental. Estas
representações, conforme Lévi-Strauss, fazem parte de uma dinâmica indissociável
entre homem e natureza, possibilitando uma convivência sensível e equilibrada entre
humanidade e ambiente.
Por sua vez, Santos (2008) faz uma análise do conceito de Ciência moderna como
portadora de um modelo global de estudo científico que se julga superior a qualquer
outra forma de conhecimento, não estruturado segundo seus princípios epistemológicos
e suas regras de abordagem do real. Esta forma de entender o saber científico acarretou
a existência de um paradigma dominante definidor de fronteiras entre senso comum e
Ciência, assentando-se numa lógica compartimentada do conhecimento. Aferem-se ao
método científico, características quantificáveis e reducionistas que nada têm a ver com
a complexidade.
O autor reforça ainda que se verifica hoje uma crise do modelo de racionalidade
científica, imprimindo à sociedade contemporânea uma nova lógica de interesse
intelectual, em que se criam caminhos alternativos para a resolução do problema de
51 Ibidem, p.30.
49
conteudo do conhecimento científico. Nesse sentido, uma explicação viável para este
problema é ter que reconhecermos que se trata de “um conhecimento mínimo que fecha
as portas a muitos outros saberes sobre o mundo e que transforma a natureza num
autômato.”52
A partir dessa lógica, Santos contextualiza a situação de revolução científica que
vivemos hoje, como também social porque passa a exigir uma nova maneira de
relacionamento com a natureza e com as humanidades. Trata-se de um século que clama
por entendimentos em todas as facetas dos poderes instituidos, articulando os problemas
de forma analítica e intencional, e não apenas como relações de causa e efeito. É o que
ele denomina de “conhecimento prudente”53, aquele capaz de integrar as Ciências e
promover a inter-relação entre cultura, ambiente, sociedade e tecnologias.
Esse conhecimento que ora se impõe ao contexto das civilizações, sejam elas ocidentais
ou tradicionais, traz uma perspectiva pós-moderna de se fazer Ciência. Mesmo porque o
que rege o encontro entre as disciplinas e entre os povos são as políticas e os temas
planetários que colocam em sintonia aspectos globais e locais.
Contudo, se não houver mudança de concepções em relação ao conceito de Ciência
moderna, o processo de exclusão se acentuará e as diferentes culturas não terão espaço
para o diálogo. Desse modo, a dicotomia entre senso comum e saber científico só tem
ratificado um Ensino de Ciências descontextualizado, próprio de uma elite intelectual
que não alia os objetivos da Ciência aos propósitos humanitários e éticos.
Antes de qualquer tentativa de entendimento entre saberes, é preciso que as concepções
dos sujeitos, mesmo empobrecidas por pensamentos radicais, encontrem um meio de
reconhecimento mútuo entre as culturas. Não precisamos concordar com a forma de
pensar do outro, só precisamos olhar para as suas manifestações e deixar fluir as
experiências de alteridade que, certamente, nos enriquecem. É nesse sentido, que Morin
acrescenta: “o objetivo principal da educação na era planetária é o educar para o
despertar de uma sociedade-mundo.”54
52 Santos, 2008, p. 53.
53 Grifos nossos.
54 Morin, 2007, p. 63.
50
Essa perspectiva de educação abrange experiências diversas de conhecimento ancoradas
em posturas de solidariedade e compromisso com as humanidades. Conhecer como o
indígena está construindo ou tem construido seus processos científicos atrelados à
educação confere à pesquisa científica a responsabilidade de aferir legitimidade às
práticas científicas desenvolvidas pelos povos indígenas do Alto Rio Negro.
A necessidade de inclusão da sociodiversidade aos processos de desenvolvimento
sustentável de uma região é enfatizada pelas reflexões de Leff (2006) e de Capra (1996)
que apostam nas várias matrizes do potencial criativo da humanidade, através da
valorização das culturas locais. Leff defende o conceito de “racionalidade ambiental”
como sinônimo de política da diferença, pois está sendo gestada no social, nesse novo e
necessário encontro de povos – Índios, Negros, Caboclos, Quilombolas e não-Índios.
Capra reafirma essa tendência, advertindo que a nossa visão de mundo não responde aos
problemas atuais. Vivemos uma realidade de superpovoamento e de interligação global;
entretanto, os nossos valores e percepções não acompanham as mudanças dos contextos,
pois continuamos investindo em processos de produção não condizentes com uma
perspectiva humanitária de perpetuação da vida.
Assim, o direcionamento de estudos sobre a relação entre diferentes culturas começa a
pontuar os principais desafios e graus de complexidade inerentes a análise desse
contexto. A pesquisa nesse campo exige um percurso metodológico de investigação
complexo, pois além de envolver pessoas, envolve culturas diferentes e concepções
divergentes sobre o processo de conhecer, de ensinar e de aprender. A construção desse
percurso, embora revelado no corpo de todo o trabalho, será melhor explicitado no
capítulo a seguir.
51
CAPÍTULO II – O PERCURSO TEÓRICO-
METODOLÓGICO DA PESQUISA
2.1. UMA PESQUISA QUALITATIVA
O desenho metodológico que traçamos para alcançar os objetivos propostos em nosso
estudo baseia-se principalmente na abordagem qualitativa de apreensão do fenômeno
social, sem, contudo, desconsiderar os aspectos quantitativos complementares ao
processo de elucidação dos dados empíricos examinados. Assim, na análise de Pires
(2009),
quantidade e qualidade não são opostos, mas complementares. Dentro de uma
ciência humanizada, há uma linha de continuidade lógica a estender-se das
classificações qualitativas até as mais rigorosas formas de medida. Ao lado
do aspecto puramente técnico, ou mecânico, físico ou biológico, – enfim
experimental, – existem os aspectos social e político da ciência, sua dimensão
ética, cultural e histórica.55
Essa concepção relacional e sistêmica dos fatos sociais ou naturais encontra elo nas
reflexões de Morin (2004) sobre a necessidade de fazermos “ciência com consciência”,
onde as questões relacionadas aos focos de pesquisa têm dimensões contextuais que não
podem ser ignoradas na produção científica. Fazer ciência é inserir-se num mundo para
além do in vitro, sendo de enorme relevância o avanço de uma relação causa-efeito para
uma relação mais completa, aquela que além da dimensão explicativa dos fenômenos,
considera a dimensão compreensiva do objeto estudado.
É nesse sentido que procuramos caminhar na pesquisa de campo, cujas características
etnográficas foram substanciais na composição das nossas impressões e expressões
contextuais do objeto de estudo. Para concretizarmos uma abordagem compreensiva do
percurso educacional indígena investigado, houve a necessidade de adotarmos como
55 Pires, 2009, p.75.
52
categoria de análise uma perspectiva etnológica de apreensão dos fatos. Uma vez que,
segundo Pires (2009)56
, “a trajetória que vai do conhecimento da realidade, do
entendimento dessa realidade, da interpretação dessa realidade e da explicação dessa
realidade, situa, em termos de níveis, a passagem evolutiva da etnografia para a
etnologia.”
2.1.1. O campo como gênese do problema: uma abordagem etnometodológica
Normalmente os itinerários investigativos das pesquisas científicas de caráter
qualitativo, realizadas em campo, seguem uma lógica de estudo dos processos sociais
historicamente construidos e previamente conhecidos pelo pesquisador. Entretanto, a
pesquisa que realizamos não tinha um problema formalizado inicialmente, pois não
tínhamos o conhecimento prévio do lócus de estudo.
O caminho metodológico que percorremos seguiu uma lógica inversa: primeiro o
campo, depois o problema, as questões norteadoras, os objetivos, a busca por
fundamentação teórica que se ajustasse às exigências epistemológicas da realidade
estudada (pesquisa bibliográfica, aportes teóricos sobre questões indígenas). Foi gerido
num processo interativo com o contexto de investigação, onde a revelação do objeto de
estudo foi gradativa e surpreendente, cabendo um trabalho de construção metodológica
que atendesse à dinâmica e ao grau de imprevisibilidade da realidade pesquisada.
Essa perspectiva de investigação científica encontra sustentação nas formas alternativas
de abordagem qualitativa, entre as quais, a etnometodologia. Na análise de Haguette
(1987), as exigências dos contextos sociais e históricos imprimem um delineamento de
estudos cada vez mais complexo. Desse modo, ao comentar sobre a etnometodologia,
infere que a mesma “procura descobrir os „métodos‟ usados pelas pessoas na sua vida
diária em sociedade, a fim de construir a realidade social. Procura descobrir também a
natureza da realidade construida por elas.”57
56 Ibid, p. 69.
57 Haguette , 1987, p. 50.
53
Ao vivenciarmos a experiência de ir para o campo sem um problema de pesquisa
formulado, mesmo porque não tínhamos qualquer referência teórica ou empírica das
vivências indígenas do Alto Rio Negro, acabamos privilegiando a observação não-
direcionada e ocasional da práxis indígena, rica em detalhes e episódios, fortuitamente
apreendidos. Se a nossa intenção era conhecer essa realidade e encontrar a conexão da
prática escolar indígena com o Ensino de Ciências, descobrimos que a experiência é
fundamental para a constituição dessa relação.
Conhecendo a realidade, o problema se configura com mais clareza e a teoria se faz
necessária para compreendermos a sua origem e o significado para os sujeitos da
pesquisa, como também o processo histórico e político que o define. O próprio modo de
apreensão da realidade já é um construto metodológico que delimita a forma de
caminhar na pesquisa, delineando a exploração e análise dos fatos encontrados, bem
como a compreensão das relações contraditórias inerentes aos contextos históricos de
construção social.
É nesse sentido que Kaufmann (1996) compreende a pesquisa de campo como ponto de
partida e de composição do problema a ser interpretado ou construído. Nesse caso, a
constituição das reflexões sobre o objeto de estudo se constrói no percurso das
investigações onde tudo é válido: as conversas desinteressadas, as entrelinhas de
entrevistas espontâneas, um comportamento, um acontecimento que surge de repente.
Para Kaufmann, o pesquisador se constitui num “bricoleur”, encontrando no campo a
gênese do seu trabalho. Dessa maneira, como um “arquiteto intelectual”, vai
construindo suas impressões sobre a realidade estudada.
A composição dessas reflexões, de acordo com Pires (2009), confere ao trabalho
científico um grau de autenticidade e originalidade justificado pela maneira como o
quadro de análise se constitui. O conhecimento de campo, a princípio descritivo, deve
evoluir para um processo de arguição e interlocução, cuja meta é a relação entre os
fatores, os episódios, as ações compartilhadas, os mecanismos e os processos. Esse é o
momento mais rico de uma pesquisa, ou seja, o momento etnológico de abordagem das
variantes sociais, em que procuramos responder aos porquês de uma determinada
configuração, priorizando os significados que os sujeitos da pesquisa atribuem à
54
realidade e aos problemas investigados. Assim, o sentido da pesquisa se manifesta e o
pesquisador demonstra a capacidade de sintetizar o percurso de suas descobertas,
identificando relações e interpretando-as.
Ao enfatizar a função da etnometodologia em pesquisas qualitativas, Pires (2009)
afirma:
A pesquisa qualitativa, em sua vertente etnometodológica, aposta na
necessidade de enfrentar o provocante desafio do entendimento de como se
configura e funciona o processo natural que a mente humana desenvolveu, e
continua desenvolvendo, para chegar ao conhecimento das coisas.58
Esse modo alternativo de investigar e conhecer os fenômenos prioriza o contexto como
matriz das observações, das reflexões e das análises do pesquisador. Tem como cerne a
compreensão da realidade, levando em consideração a subjetividade dos sujeitos da
pesquisa.
Ao tratar-se de uma pesquisa em contextos indígenas, mais especificamente em uma
escola indígena, a etnometodologia proposta por Haguette (1987), Kaufmann (1996) e
Pires (2009) norteou as observações de campo, onde a interlocução com os sujeitos da
pesquisa (alunos e professores da escola Pamáali) foi determinante para o encadeamento
da investigação e para a interpretação do pensamento desses sujeitos sociais em relação
à perspectiva intercultural de educação que desenvolvem.
Nesse contato, etnologicamente desvendado, construimos uma forma própria de
investigar essa realidade. O significado é o norte dessa caminhada e valoriza, também,
as prerrogativas de quem pesquisa. Assim, no caso do nosso percurso, o encontro do
pesquisador com o tema denota o início desse construto metodológico: da descrição da
experiência vivida aos significados das relações pensadas pelos sujeitos da pesquisa; das
impressões e expressões do campo à interpretação dos fatos encontrados.
58 Ibidem, p. 78.
55
2.1.1.1. A construção de um percurso
“Assim como o acaso nos protege,
o tema encontra a gente.”
2.1.1.1.1. Um encontro com o tema
A nossa trajetória como professora tem mostrado que o magistério deve ser antes de
tudo uma opção. É uma profissão que indica claramente ser difícil equacionar boas
intenções com infraestrutura e com condições mínimas de trabalho para tornar possível
o alcance dos nossos planejamentos e das nossas ações. Esta falta de sintonia entre o
que se pensa e o que se pode fazer é muito comum, e os nossos propósitos em melhorar
o ensino ficam sempre comprometidos. É por esta razão que, ser professora por opção,
ajuda muito. Isto não significa admitir que ser professor59
seja apenas uma questão de
gostar ou estar sempre disposto a encarar os desafios com bom ânimo, sem considerar
as implicações históricas e políticas desse ofício. Mas, acreditamos que a verdadeira
motivação daquilo que fazemos, tem relação com nossas crenças e nossos sonhos, e
com nossas escolhas também.
No início do mestrado, em agosto de 2007, alguns de nós, mestrandos, não tínhamos
orientador. Somente no segundo semestre da pós-graduação, os pares (orientador-
orientando) começaram a se formalizar efetivamente. Até então, eu estava sob a
orientação do Professor Yuri Expósito Nicot, que leu o meu projeto e se propôs a me
ajudar no que fosse possível.
Em janeiro de 2008, conheci a Professora Maria Auxiliadora de Souza Ruiz, que estava
compondo o quadro de professores do Programa de Pós-Graduação em Educação e
Ensino de Ciências na Amazônia (PPGEECA) e que, a partir daquele momento, poderia
me orientar. A mesma ministraria a disciplina “Mitos e saberes populares na
Amazônia” e aproveitei para iniciar alguns estudos sobre a cultura indígena. A convite
da professora, participei de um Workshop para a criação do Museu vivo da Amazônia
59 Grifo nosso
56
(MUSA), onde pude ter conhecimento sobre o seu processo de implantação e conhecer
um pouco sobre a inclusão da socidiversidade amazônica nesse projeto.
Ainda neste primeiro semestre, participei de um seminário sobre “Tópicos de Ensino em
Biologia” que acabou resultando num artigo sobre a imbricação necessária e complexa
entre tecnologia, sociedade e ambiente na Amazônia. Ao ler sobre esta questão e ao
discutir no seminário alguns problemas da Amazônia, comecei a querer mudar o meu
projeto. Comecei a pensar no quanto a nossa região é desconhecida pelos seus
conterrâneos, e no caso do Ensino de Ciências, que espaço a Amazônia teria nos livros
didáticos e nas abordagens em sala de aula? Ao comentar esse fato com a professora
Auxiliadora Ruiz, além de um bom incentivo, ela me propôs uma experiência diferente.
Na verdade, ela me apresentou um novo desafio: conhecer um pouco da realidade
indígena do Alto Rio Negro. Surgiria a possibilidade de conhecer Pamáali (Escola
Indígena Baniwa e Coripaco no Rio Içana), com uma experiência-piloto em educação
intercultural. No primeiro momento fiquei apreensiva, pois até então, jamais tinha
pensado numa pesquisa em área indígena. Era o princípio de uma jornada “não
digerida”; nem na teoria, nem na prática. Era tudo novidade. Mas, assim como o acaso
nos protege, o tema encontra a gente; e fomos ao campo.
2.1.1.1.2. Terras indígenas: muito prazer!
Na segunda quinzena de agosto de 2008, acompanhamos o professor Olivier Meunier,
Antropólogo e pesquisador francês, que precisava avaliar os processos de educação
indígena em andamento na região do Alto Rio Negro a fim de viabilizar, junto à
Universidade do Estado do Amazonas, estratégias de formação dos professores
indígenas na própria região. Tratava-se de um processo de reconhecimento das
comunidades que poderiam funcionar como pólos de formação, em pontos estratégicos
e acessíveis aos professores indígenas do Alto Rio Negro.
Antes de subirmos o Rio Negro e seguirmos viagem até Pamáali no Rio Içana,
precisávamos acertar algumas questões burocráticas e de cunho logístico em São
Gabriel da Cachoeira para que pudéssemos adentrar em terras indígenas. Foi o nosso
primeiro contato com as lideranças indígenas locais, podendo observar alguns passos
57
importantes no contato com os Índios. A forma como se organizam perpassa pelo
princípio do diálogo e do respeito mútuo. Aquele que chega é sempre convidado a
expressar seus objetivos e suas intenções. Ao mesmo tempo, precisa compartilhar esse
momento com os Índios, onde tudo é decidido coletivamente. Ouvi-los falar em seus
idiomas é um momento significativo de cidadania, de troca, de valorização das
diferentes culturas ali representadas.
Para adentrarmos em terras indígenas, precisávamos de autorização da FUNAI e de um
documento emitido pela FOIRN com a identificação de cada um de nós. Éramos quatro
pessoas: Olivier Meunier, professora Auxiliadora Ruiz, eu e o barqueiro, um indígena
de etnia Baniwa, chamado Custódio Benjamin. O percurso por uma região de fortes
cachoeiras e corredeiras exige perícia de quem conduz o barco. Na época eu não sabia,
mas hoje eu entendo por que a maior parte dos indígenas dessa região é chamada de
Povos do Rio. Quando subimos o Rio Negro e chegamos ao Rio Içana, ainda estava
bem cheio, sem tantos perigos de encontro com as pedras. Mas mesmo assim, foi
percebível o cuidado que Custódio tinha ao escolher o caminho mais seguro, ou seja, o
percurso pelo leito do rio.
Foi uma viagem tranquila, com algumas alternâncias entre sol e chuva; um exercício
contínuo de “levanta a lona” e “baixa a lona”. Passamos por várias comunidades, dentre
as quais, Assunção do Içana, Ambaúba e Juivitera, as únicas onde foi possível parar
por alguns minutos e conversar com alguns indígenas.
Foto 3 e 4 – Comunidade Assunção do Içana
Fonte: campo, dez. 2009
Em Assunção do Içana era momento de missa e o canto evangélico espalhava-se por
toda a comunidade através de auto-falantes. Lembro-me que, à entrada da igreja, alguns
58
jovens professores comentavam sobre a nossa chegada, perguntando se não ficaríamos
uns dias com eles, pois precisavam conversar sobre alguns problemas referentes ao
funcionamento da escola local. Acordamos que na volta, ficaríamos umas horas para
ouvi-los, pois tínhamos que pernoitar na comunidade de Custódio, chamada Ambaúba.
No entanto, o sol começava a se por, e quando ele se põe, a noite chega muito rápida.
Assim, tivemos que parar em Nazaré, numa comunidade anterior a sua. Lá, foi possível
ainda com claridade, tomarmos um banho, comermos e nos prepararmos para dormir.
No dia seguinte, continuamos nossa viagem, mas, paramos em Ambaúba para Custódio
falar com sua família. Fomos bem recebidos naquela comunidade. Eles nos ofereceram
um delicioso vinho de bacaba e depois retomamos o nosso percurso. Aproximadamente,
de hora em hora, passávamos pelas comunidades – Castelo Branco, Belém, Taiaçu
Cachoeira, Tunuí Cachoeira. Nesta, tivemos que parar para que os indígenas
transportassem o nosso bote pelas corredeiras. Tunuí Cachoeira tem uma vista
belíssima, pois está situada numa região cheia de montanhas.
Foto 5 – Comunidade Tunuí Cachoeira
Fonte: EIBC, mai 2006
Dando sequência à viagem, passamos por Uarirambá, São José, Santa Rosa, Tapira
Ponta, Santa Marta até chegarmos a Juivitera. Ao pararmos em Juivitera, encontramos
uma terra arenosa, com morros de areia branquinha e fina, cheia de coqueiros na
entrada. Havia também uma “comunidade de rãs e sapos” na beira do rio, bastante
receptivos com suas cantorias. Era impressionante a quantidade desses anfíbios, muitos
59
ainda girinos, por toda parte, e fiquei curiosa para saber por quê. Fomos recebidos por
um velho indígena – o que eles chamam de Komu60
da comunidade – com o qual
conversamos por um bom tempo. A conversa foi muito interessante, principalmente em
relação à influência das religiões Católica e Protestante na região do Içana que geraram
conflitos identitários e divisórios, causando graves consequências. Estas dificultam
ainda hoje a revitalização das tradições e dos rituais indígenas dos Baniwa e Coripaco.
Fomos forçados pelo tempo a continuar viagem, mas ficamos com vontade de escutar as
histórias de resistência desses povos, muito bem rememoradas pelo nosso anfitrião. No
entanto, não podíamos permanecer mais tempo, pois precisávamos chegar à EIBC ainda
de dia.
E finalmente, a chegada a Pamáali foi à tardinha. Fomos recebidos com um canto, uma
homenagem dos alunos e professores. Primeiro eles cantaram na Língua Baniwa e
depois em Português. Todas as comunidades em que chegamos, temos que nos
identificar, falar dos objetivos da nossa ida às terras indígenas para depois ouvir a
opinião do capitão, dos professores e de algumas famílias. Alguns nos fazem perguntas
e expõem seus problemas. Em Pamáali, procedemos da mesma maneira para depois o
coordenador, junto com os professores, acertar a primeira reunião e organizar um
cronograma de ações, durante a nossa permanência na escola. Esta é muito parecida
com um acampamento, com horários determinados, com um ritmo organizado de ações
e que funcionava desde o ano 2000. Eles nos alojaram numa área onde deveria
funcionar a biblioteca que estava ainda por concluir e já bastante deteriorada. Fomos
informados que naquela mesma semana chegariam assessores do ISA61
para ministrar
dois cursos aos alunos: um sobre produção de textos jornalísticos e um outro sobre
informática básica. Mas mesmo assim, deu para organizarmos uma agenda de
observações de algumas aulas ministradas pelos professores indígenas da escola, para
fazermos entrevistas e para participarmos de algumas atividades de campo, junto com
os alunos. (ver fotos abaixo).
60 É o velho sábio da comunidade ou o pajé. Quando jovem, ele é iniciado pelos pajés sobre os segredos das plantas
medicinais e sobre os conhecimentos de seus ancestrais (mitos e ritos), trornando-se pajé. O Komu é também a
biblioteca viva dos povos indígenas do Alto Rio Negro.
61 Organização não governamental, onde uma de suas sedes está situada em São Gabriel da Cachoeira.
60
Foto 6 e 7 – Escola EIBC-Pamáali
Fonte: campo, ago. 2008
Eu estava muito ansiosa para conhecer um lugar demarcado juridicamente e
considerado como terras indígenas. Esse nome “terras indígenas”62
era uma
motivação. Primeiro, porque nunca tinha estado entre comunidades indígenas mais
próximas, quanto mais em aldeias tão distantes e agora protegidas pela União. Segundo,
porque o poder da mídia é forte, tanto que a imagem dos povos indígenas, comumente
divulgada, retrata uma visão estereotipada – de Índios que moram no meio da selva, em
malocas, e que fazem muitos rituais. Por não conhecer a história desses povos, imaginei
encontrar um ambiente parecido, pelo menos com malocas. Sou uma prova expressiva
de como as representações que temos dos indígenas é fruto do que as escolas, a
televisão e os livros didáticos divulgam sobre os Índios, ou melhor, do que nada dizem
de concreto e de verossímil sobre eles.
Nesse momento, senti vergonha de ser brasileira, morando numa região com uma
história muito antiga de contato com os Índios e com a maior população de indígenas do
país. Assim, fiquei interessada em realmente mudar o meu projeto e começar a estudar a
questão indígena. A minha preocupação se acirrou mais ainda, quando comecei a pensar
no vínculo que faria com o Ensino de Ciências, quando na concepção de muitas pessoas
– principalmente dos catedráticos63
–, os Índios “não fazem ciência”64
, ou seja, o
máximo que fazem, é senso comum. A partir daí, esse truncado de concepções tornou-se
a faísca necessária para eu pensar no meu problema de pesquisa em Ensino de Ciências
na Amazônia, tendo como foco a escola indígena, ou mais precisamente, os caminhos
62 Grifos nossos.
63 Aqui entendidos como portadores de um saber superior, adeptos de um racionalismo científico.
64 Grifos nossos.
61
que esta escola tem traçado na sua educação, buscando um ensino condizente com seus
interesses e suas necessidades. E como a Escola já desenvolvia uma proposta
intercultural de ensino formal, seria muito interessante estudar a forma como a Ciência
do Índio e a Ciência do não-índio se entrelaçam, se apóiam ou se complementam nesse
possível diálogo.
Estava decretada a minha longa jornada de leituras, estudos, e muito trabalho, pois
agora o meu tempo de dois anos para estudar um tema, resumiu-se em um ano e poucos
meses. Mas como afirmei anteriormente, fazer algo por opção ajuda muito.
Principalmente quando a escola é espaço privilegiado de intenções e ações políticas, que
podem modificar uma realidade. Estar entre os indígenas, conhecer de perto seus
problemas sociais e econômicos, poder contribuir para o processo de legitimação de
uma série de ações sistemáticas de ensino e de sua cultura é bastante gratificante.
Diante das condições estruturais da Pamáali, podemos dizer que os recursos materiais e
didáticos não estão a contento, mas o processo ensino-aprendizagem vivenciado por
seus alunos e professores indígenas tem um cerne metodológico criativo e muito
significativo para os Baniwa e Coripaco. Significativo porque foi construido e
reconstruido por eles. Não foi algo imposto, pré-estabelecido por instâncias alheias ao
seu contexto social e político. É um projeto de vida que tem na escola a projeção de seus
intentos filosóficos de existência. Acreditam no que fazem, e, por isso, conseguem ser
respeitados por quem chega e vê o que são capazes de realizar.
Tal qual o Rio Içana, abrigado por tantas belezas, caudaloso e contínuo, cheio de
contornos e desafios, os povos indígenas Baniwa e Coripaco exprimem o desejo de
triunfar. Entre tanta natureza, da qual nunca se sentiram apartados, demonstram saberes
antigos, adquiridos ou criados, não importa. São povos que se comunicam e que
valorizam a Língua nativa e a Língua de seus colonizadores, mesmo que outrora a
Língua do não-índio tenha servido como veiculo de dominação e de castração de seus
valores.
Atualmente, compreendem a Língua escrita da Língua Portuguesa e de outras Línguas
como uma estratégia política, propiciadora das relações com outras etnias. E nesse
62
enlace, tal estratégia favorece o reconhecimento da cultura e da cidadania dos povos
indígenas, diminuindo as fronteiras socioculturais existentes.
2.1.1.1.3. Pamáali: impressões de um primeiro contato
A experiência da Pamáali nos oportunizou vivenciar muitas situações, dentre as quais, a
alimentação dos alunos indígenas, a forma como a escola se organiza, as metodologias
de ensino, os trabalhos de campo, as atividades de pesquisa em andamento. Naquele
momento, as possibilidades de encontrarmos um foco para a nossa pesquisa era a nossa
meta. As nossas leituras sobre a educação escolar indígena e sobre seu processo
histórico só estavam começando e o campo seria a matriz de possíveis questões que
norteariam a minha pesquisa.
Procuramos conhecer o espaço, a estrutura das casas, as salas de aula, a cozinha, a casa
das Ciências65
, os dormitórios dos alunos. A situação dos quadros das salas de aula,
como também a cobertura das casas demonstravam um quadro estrutural em péssimas
condições. Não pudemos conter a nossa surpresa em relação à alimentação dos alunos,
que não incluia peixe no cardápio. Havia apenas feijão, jabá,66
enlatado e arroz,
produtos fornecidos pela Secretaria de Educação do Município de São Gabriel da
Cachoeira como merenda escolar.
Tivemos momentos frutíferos de observação de algumas aulas e de acompanhamento de
atividades de campo. Fizemos, juntamente com os alunos e com o professor
coordenador dessas atividades, a trilha para a roça, bastante distante das casas, cerca de
dois a três quilômetros (45 min de caminhada). Esta mesma trilha é usada como “trilha
das ciências”, onde os alunos costumam observar, cultivar e coletar plantas, sementes,
raizes e lascas de troncos de árvores que servem como remédio. É importante ressaltar
que essas plantas são catalogadas nas línguas Baniwa, Coripaco e Portuguesa67
. E mais,
65 Local de realização de experimentos e seleção de insetos, anfíbios, peixes, tipos de pimenta etc. para estudo.
66 Sinônimo de charque ou carne seca.
67 Hoje 363 espécies de árvores catalogadas. (pesquisa de campo, dez. 2009).
63
algumas delas são pesquisadas pelos alunos como recursos auto-sustentáveis:
cosméticos e fitoterápicos.
Foto 8 a 11 – A Trilha das Ciências
Fonte: campo, agos. 2008 e dez.2009
Apesar da precariedade das salas de aula, existe em Pamáali um espaço não-formal,
uma espécie de laboratório vivo que pode subsidiar muito conhecimento sobre a
biodiversidade da fauna e da flora locais. Os alunos ficam pouco tempo nas salas, só o
suficiente para discutirem alguns conceitos, registrarem as perguntas sobre um
determinado conteudo, enfim, como eles dizem: “o suficiente para que os alunos
aprendam a teoria”.
As explicações dos professores em aulas expositivas são sempre ratificadas, um fato que
se justifica pela prática bilíngue e hierarquizada de ensino da Língua: primeiro em
Baniwa e depois em Português. O processo interativo entre professor e aluno no campo
teórico parece restrito, ou seja, não há muita interlocução teórica, expressão oral de
conceitos. O que há, na verdade, são muitas perguntas e as dúvidas são aos poucos
esclarecidas mediante pesquisas e aulas práticas. Observei algo interessante: embora
seja uma Língua estrangeira para os Baniwa e Coripaco, o Português é muito bem
escrito por eles. Além disso, são muito aplicados em tudo que fazem, pois “tempo” não
é problema. Essa questão do tempo é muito engraçada! Em várias situações pudemos
observar que o nosso tempo não é o tempo deles. É como se eles nos perguntassem “Por
que a pressa?” Este fato demonstra o caráter qualitativo que os Índios imprimem à sua
educação. Ratifica a ressonância entre escola e prazer, algo que as nossas escolas –
escolas de branco, como eles dizem –, precisam aprender com os indígenas.
Outro fato que nos chamou a atenção foi a forma como a escola, na medida do possível,
procura se organizar. Todas as ações são informatizadas: as reuniões, os planejamentos,
as monografias que os alunos produzem sobre suas pesquisas, o PPP, os relatórios
64
anuais das atividades pedagógicas, os dossiês de avaliação dos anos letivos da Pamáali.
Estes registros foram cedidos a nós muito gentilmente pelo Coordenador e Professor da
escola, Juvêncio da Silva Cardoso (Baniwa). Através desses registros, pudemos
caminhar bastante na pesquisa, no sentido de termos acesso ao processo de construção
de uma história de educação intercultural que Pamáali vem realizando há nove anos,
inclusive com a iniciativa de implantação do EMII, a partir de 2008.
O campo sem dúvida, para quem gostaria de iniciar um “namoro” com a educação
indígena, foi muito positivo. O que vimos em Pamáali deu para ter uma ideia de como
as coisas funcionam entre os indígenas, na realização de seus propósitos. Embora sejam
minoria no país, apenas 734.131 indivíduos68
, esboçam e concretizam projetos ousados,
estrategicamente articulados e fundamentados juridicamente. Existe uma razão coletiva
que aniquila as barreiras de qualquer imposição contrária aos seus objetivos e às suas
escolhas. Há uma congruência de compromissos entre as comunidades, capaz de superar
perspectivas individuais de desenvolvimento, sendo possível o intercâmbio de ações
cooperativas intra e interétnicas.
Uma impressão eu tive: a autodeterminação e a organização que os move, não permitem
brechas para o fracasso. As dificuldades enfrentadas são inúmeras. Numa das conversas
com os alunos e professores, um deles disse que nem sempre tem combustível para
chegar a Pamáali, e a única solução é a subida a remo69
. A energia elétrica nunca é
suficiente e as alternativas de produção de energia, adaptáveis ao local, não são
viabilizadas.
Os recursos de informática são irrisórios e em número inadequado para a quantidade de
alunos. A dificuldade de alimentação para os estudantes é uma constante, mas superável
pelo compromisso das famílias de todas as comunidades em contribuir com parte do que
pescam, caçam ou plantam, para a escola.
68 Porantim nº 253, jan/fev, 2003, p.9 ( Conselho Missionário Indígena – CIMI).
69 Para quem não conhece a realidade da região, não faz idéia da distância, porque têm alunos que passam cerca de 6
a 8 dias para chegar á Pamáali.
65
A formação dos professores é outro desafio, talvez um dos principais. Conforme
observamos, a interlocução com os saberes da cultura ocidental exige uma
fundamentação nesses conhecimentos, e muitos dos professores indígenas reconhecem
essa necessidade. Dessa forma, reivindicam a seriedade das políticas públicas federais,
estaduais e municipais em relação a uma proposta intercultural de formação inicial e
continuada dos professores indígenas no Estado do Amazonas.
Entre tantos desafios, três situações sinalizam avanços significativos na educação
escolar indígena do Alto Rio Negro: (1) a ousadia de começar projetos e, na ação, forçar
o reconhecimento de uma educação diferenciada – ou seja, intercultural; (2) a não
aceitação de currículos pré-estabelecidos pelo Estado que não respondam aos seus
problemas e não valorizem suas tradições; (3) a certeza de que a conquista do território
é só o início e o respaldo necessário para continuar seu processo de emancipação.
2.1.1.1.4. De volta à Pamáali: expressões de um segundo contato
“O cientista social pesquisa in situ. Com a vantagem
de poder voltar sempre que quiser ao „campo‟ da
pesquisa, seja para novas verificações, seja para
complementação de informação, seja, ainda, para
apreciar a evolução ocorrida junto a essa realidade
em determinado espaço de tempo.”
José Pires
A mudança do termo impressões para expressões70
no segundo contato com Pamáali
tem um propósito conceitual ligado ao processo de evolução de apreensão da realidade
estudada. Segundo o dicionário Aurélio71
, o termo expressão significa enunciação do
pensamento por gestos ou palavras escritas ou faladas; o termo impressão, em uma de
suas acepções, significa estado físico ou psicológico resultante da atuação de elementos
ou situações exteriores sobre os sentidos – sensação.
No primeiro momento de contato com o campo de estudo, o que predominou foram as
impressões, ou seja, as sensações resultantes das observações aleatórias e ao mesmo
70 Grifos nossos.
71 Dicionário Aurélio, p.405.
66
tempo compositoras de uma vivência indígena. O segundo momento foi mais
intencional, com expressões claras do que procurávamos esclarecer, aprofundar,
conferir ou ainda verificar com mais atenção e direcionamento. Foi realmente um
momento marcado pela expressão dos significados das ações processadas na escola,
principalmente no olhar de seus agentes.
Para chegarmos à Pamáali no início de dezembro de 2009, enfrentamos muitos
problemas por causa da seca. A região do Alto Rio Negro, antes coberta pelas águas,
mostrava o percurso difícil das cachoeiras que deixavam à mostra as enormes pedras. Se
na cheia levamos dois dias para chegar ao Médio Rio Içana, em Pamáali, na seca,
levamos três dias e meio. Enfrentamos um percurso de 390 km de São Gabriel da
Cachoeira até Pamáali. Passamos pelas principais comunidades do Rio Içana72
, desde
Boa Vista na sua foz, passando por Camarão, Piraiaurara, Assunção do Içana, Nazaré,
Tunui Cachoeira, Juivitera, Tucumã Rupitá, até chegarmos à Pamáali.
Algumas mudanças foram detectadas na infraestrurura da escola: as casas, antes
deterioradas, estão em processo de reforma; as salas de aulas foram ampliadas; uma
nova cozinha foi construida; a biblioteca, mesmo com poucos livros, está funcionando
(ver fografias na página seguinte). Em relação ao número de alunos, aumentou
consideravelmente. Hoje, Pamáali tem 01 turma de Ensino Médio73
(28 alunos
matriculados) e 02 de Ensino Fundamental (53 alunos matriculados). Quanto aos
aspectos pedagógicos, a mudança mais significativa foi a rotatividade dos professores,
pois do grupo anterior, apenas dois professores permanecem na escola. O Projeto
Político Pedagógico do Ensino Fundamental não foi modificado e o PPP do Ensino
Médio Integrado Indígena está em processo de elaboração. Estas questões pedagógicas
serão melhor explicitadas no capítulo destinado à experiência intercultural da EIBC.
72 O Rio Içana é um dos afluentes das cabeceiras do Rio Negro. Seus principais afluentes são os rios Yawiarí, Ayarí,
Cuyari, Pirayawara e Cubate. Sua bacia tem uma área de aproximadamente 3.5 milhões de hectares, dos quais 2.7
milhões em território brasileiro. Somente o Rio Içana possui uma área de 696 km de extensão, dos quais 620
encontra-se em território brasileiro. 110 km serve de linha de fronteira entre Brasil e Colômbia. (CARDOSO, projeto
de pesquisa, 2009, p. 3). 73 Funcionando como anexo da Escola Indígena Kariamã em Assunção do Içana.
67
Foto 12 a 14 – Reconstrução das casas
Fonte: campo, dez.2009
Foto 15 a 22 – Salas de Aulas de Ensino Fundamental e Médio
Fonte: campo, agos. 2008
Fonte: campo, dez.2009.
Foto 23 a 26 – Biblioteca da EIBC
Fonte: campo, agos. 2008 e dez.2009
Foto 27 a 34 – Cozinha da EIBC
Fonte: campo, agos. 2008
Fonte: campo, dez.2009
68
O objetivo desse segundo momento em Pamáali foi fundamental para avaliarmos o
percurso das metodologias de Ensino de Ciências via pesquisa na escola, como também
para complementar algumas questões referentes ao PPP do Ensino Fundamental, que
precisavam de informações complementares.
Outra preocupação para este momento foi a reunião com os professores da escola para
conversarmos sobre o produto que teríamos que apresentar, ao final da pesquisa. Este
produto, de alguma forma, deveria contribuir para o processo de legitimação e de
emancipação da escola indígena intercultural no Alto Rio Negro, tendo como alicerce
pragmático a experiência da EIBC como uma das escolas pioneiras nessa proposta de
ensino. Na opinião do Coordenador da escola, Raul Feliciano Miguel Brazão, como
também dos outros professores, seria viável que esse produto refletisse os interesses
políticos e pedagógicos da escola indígena almejada pelos Baniwa e Coripaco,
priorizando as necessidades de sustentabilidade das comunidades do Rio Içana.
Entendemos, portanto, que as prerrogativas de educação formal dos indígenas do Alto
Rio Negro são singulares porque consideram os interesses coletivos de um grupo, tendo
como parâmetros para a ação, as suas concepções de escola indígena. Assim, sem
desconsiderar o significado da escola para os Baniwa e Coripaco, procuramos a conexão
dessa educação com um Ensino de Ciências em espaços não-formais. E acabamos
encontrando um elo muito forte com a metodologia de ensino com pesquisa, que
determinou a imbricação entre Ensino de Ciências e educação escolar indígena.
Dessa maneira, pensamos uma proposta pedagógica que represente essa imbricação:
uma estratégia de Ensino de Ciências através da pesquisa para o Ensino Médio
Integrado em contextos escolares indígenas, que reflita a perspectiva intercultural de
educação, tendo como parâmetro para sua elaboração, a experiência da Pamáali.
Também neste retorno, entrevistamos os alunos e os professores; ministramos oficinas
para os discentes, com o intuito de reunir material para a análise da relação entre ensino
com pesquisa e o desenvolvimento sustentável e, participamos da trilha das Ciências
com a turma de EMII. Aproveitamos para registrar as atividades de campo e de sala de
aula relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, isto é, à forma como está sendo
69
desenvolvido. Estes procedimentos de observação e coleta de dados serão aprofundados
nos tópicos específicos a cada um deles no percurso metodológico aqui desenhado.
2.2. UM ESTUDO DE CASO: A REPRESENTATIVIDADE
INTERCULTURAL DA PAMÁALI
“Prática é condição de historicidade. Caso contrário,
não acontece. A história concreta nunca é o que a
utopia sonha, o que a teoria constrói; mas é o possível
concretamente, a maneira de acontecer.”
Pedro Demo
A pesquisa de campo em um local específico, cuja análise do processo está delimitada,
tem relação com a estratégia de estudo de caso, que conforme Yin (2005) é muito
utilizada em investigações que visam esclarecer questões do tipo “como” e “por que”,
e em contextos da vida real que representem uma particularidade significativa de um
processo mais geral.
As técnicas para coleta de dados utilizadas nessa estratégia de análise são bastante
pertinentes a uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo e etnometodológico, como é
o caso do estudo que realizamos. Retornando às inferências de Pires (2009),
a maioria dos autores situa o estudo de caso como sendo uma estratégia de
investigação integrante da pesquisa qualitativa. A razão desta tendência deve-
se ao fato de que a abordagem qualitativa presta-se muito à pesquisa aplicada
descritiva, campo fértil aberto à pesquisa educacional, que enfatiza os
aspectos qualitativos de uma realidade estudada.74
Nessa direção, fazer uso da estratégia de estudo de caso em nosso trabalho é aferir à
Pamáali o que Chizotti (1991) denomina de “unidade significativa de um todo,” cuja
experiência se torna relevante a partir de uma descrição crítica de seus processos em
relação aos parâmetros de seu universo. É por esta razão que um estudo de caso não
pode se restringir à descrição pormenorizada de uma realidade, sem fazer inferências
aos aspectos descritos.
74 Pires, 2009, p.92.
70
Concordamos com Pires (2009), quando afirma que o mais importante num estudo de
caso, não é o fato de ser simples ou múltiplo, de ser indutivo ou dedutivo. O que
prevalece como válido é o grau de representividade de suas inter-relações com o
universo onde está inserido. Assim, “quando se pretende fazer inferências relativas ao
universo tendo que recorrer a amostras desse universo, é necessário estimar os
parâmetros do universo a partir da amostra, o que envolve a questão da
representatividade.”75
Dito desta forma, a representatividade não é testável. Os estudos de caso, como
amostras de uma realidade, apresentam resultados passíveis de generalização a partir do
julgamento de quem entra em contato com os resultados da pesquisa e afere a um
contexto mais abrangente a relevância desse estudo. Entretanto, para fazer isto, precisa
conhecer a situação concreta dos problemas ligados a esse contexto.
Por sua vez, Yin (2005) especifica que os dados para os estudos de caso podem se
basear em muitas fontes de evidências: “documentação, registros em arquivos,
entrevistas, observação direta, observação participante, e artefatos físicos.”76
Tais
procedimentos são fundamentais no processo de coleta de dados para ratificar
aprendizados empíricos que são certamente passíveis de contestação e que precisam
apresentar consistência teórica. Yin nos lembra que o estudo de caso se ajusta às
pesquisas qualitativas pelo fato de abranger uma diversidade de evidências, sendo a
estratégia adequada para lidar com várias fontes de informação apreendidadas no
campo.
Em consonância com essas afirmações, Kaufmman (1996) reforça a respeito da relação
entre teoria e pesquisa de campo, colocando-as no centro da sociologia compreensiva e
da metodologia qualitativa. Na tradição das ciências sociais, é definida como histórica, e
abstrata, sob a forma de uma arquitetura conceitual, originária da hipótese. Esta
definição a partir da teoria deriva seguindo em direção da arte da linguagem, daquele
que procura teorizar e que tem uma cultura teórica. O objetivo deve sempre ser não a
75 Ibidem, p. 92.
76 Yin, 2005, p. 110.
71
produção de teoria para a teoria, mas a descoberta, a capacidade inteligivelmente social.
Para isto, precisa confrontar regularmente e de maneira controlada os modelos de
explicação dos fatos: tal é a função do método, como um instrumento que deve ser
simples, variável, evolutivo. Mesmo porque o método evolui historicamente e o ponto
crucial dessa evolução “é justamente a „confrontação crítica‟ entre teoria e observação,
„movimento pendular ininterrupto entre os níveis do saber.‟”77
Assim, a pesquisa que realizamos in loco com os indígenas Baniwa e Coripaco, focando
uma de suas escolas, tem como estratégia complementar de trabalho de investigação, o
estudo de caso. A escolha do local para a realização da pesquisa se deve principalmente
à “oportunidade da experiência”, que, na verdade, tem também relação com o processo
histórico de educação indígena no Alto Rio Negro. E Pamáali é uma das referências em
Educação Intercultural, uma vez que desenvolve essa proposta desde 2000.
Como a EIBC é de difícil acesso e as condições logísticas são poucas, organizamos dois
momentos de estudo na escola (relatados no início deste capítulo), sendo cada momento
por um período de quinze dias. Parte da nossa coleta de dados foi abstraida de
documentos arquivados, informatizados pela escola e pelas Organizações Indígenas e
não governamentais locais (FOIRN, ISA, ACEP78
). Outra parte, a mais significativa,
fluiu da pesquisa de campo através de entrevistas, filmagem, observação direta,
observação participante etc.
2.3. PROCEDIMENTOS TÉCNICOS
Os procedimentos que adotamos para a coleta e o tratamento de dados dizem respeito ao
desenho metodológico da pesquisa e aos objetivos propostos neste percurso. Devido às
características etnográficas e etnológicas do objeto de estudo, a observação de campo,
as entrevistas e a análise de documentos foram as formas fundamentais de
conhecimento do problema, como também da compreensão da situação pesquisada.
77 Termo utilizado por Norbert Elias (1993, p.35), citado por Kaufmann, 1999, p. 24. 78 Associação do Conselho Escolar de Pamáali (ACEP).
72
Procedimentos ligados ao registro de campo como fotos, filmagem e artefatos físicos
foram estratégias complementares que fortaleceram as evidências das ações
desenvolvidas por alunos e professores, relacionadas ao Ensino de Ciências através da
pesquisa na escola, como também serviram para falar “por si só”79
do lócus do estudo.
As oficinas realizadas com os alunos, que derivaram textos escritos e desenhos
elaborados por eles, funcionaram como instrumentos de análise da relação entre a
perspectiva intercultural de educação indígena e os dois focos entrelaçados a ela: o
Ensino de Ciências através da pesquisa e o desenvolvimento sustentável na região do
Rio Içana. A fim de elucidarmos os principais procedimentos, fazendo a relação entre
teoria e prática, abordamos cada um em particular.
2.3.1. A análise de documentos
Segundo Severino (2007), a técnica conhecida como documentação é “toda forma de
registro e sistematização de dados, informações, colocando-se em condições de análise
por parte do pesquisador.”80
Os documentos analisados cumpriram três propósitos:
levantar dados sobre o grupo pesquisado; identificar as ações desenvolvidas pela escola
e; fornecer fontes utilizadas no desenvolvimento do raciocínio argumentativo da
dissertação.
Os documentos em poder da escola estudados por nós foram o Projeto Político
Pedagógico (PPP-2007); as monografias produzidas pelos alunos do Ensino
Fundamental (turmas 2004 e 2006); os relatórios da EIBC (2007 e 2008); o dossiê
Pamáali – Projeto Educação Escolar no Alto Rio Negro (2007); o relatório do I
Seminário do Ensino Médio Integrado Indígena (2008).
2.3.2. As entrevistas
Na pesquisa de campo, as entrevistas contemplaram as prerrogativas da abordagem
etnometodológica comentada anteriormente. No primeiro momento de contato com os
79 Grifos nossos.
80 Severino, 2007, p.124.
73
Baniwa e Coripaco em Pamáali, procuramos investir em entrevistas espontâneas ou não-
estruturadas, concentrando-nos mais na percepção das ideias ou pensamentos implícitos
contidos nas falas dos alunos e dos professores. Estas entrevistas foram mais uma
conversa, uma forma de conhecer as perspectivas e histórias de vida do grupo
investigado, estabelecendo com eles um certo grau de amizade e de confiança. Quanto a
esta forma de entrevistar, Yin (2005) infere que, num estudo de caso, as entrevistas
agem em dois níveis ao mesmo tempo: satisfazem o interesse do investigador em
relação ao problema de estudo e, contribuem para a aproximação amigável entre
pesquisador e sujeitos da pesquisa. Para isto, Kaufmann (1996) reforça que é preciso
romper com as hierarquias, de tal forma que o entrevistado se sinta à vontade e a
conversação entre dois indivíduos seja nesse nível. Este estilo de conversa toma
realmente corpo, fazendo com que o indivíduo se esqueça da entrevista, falando
naturalmente em torno do sujeito.
O segundo momento no campo foi mais diretivo e intencional. As entrevistas com os
professores seguiram a mesma lógica das nossas intenções, ou seja, foram estruturadas a
partir de um questionário prévio (ver anexo 1, pag. 164), organizador das questões a
serem esclarecidas na entrevista coletiva com eles. Em síntese: entrevistas estruturadas
“são aquelas direcionadas e previamente estabelecidas, com determinada articulação
interna, aproximando-se muito do questionário, embora sem a impessoalidade deste”.81
As entrevistas com os alunos seguiram uma trajetória diferente, pois não foram
embasadas em questionário prévio. As perguntas surgiam de acordo com o contexto de
atividades que realizávamos junto com eles, como a trilha das Ciências, a visita à casa
das Ciências, as oficinas e as conversas em sala de aula. Entretanto, o conteudo das
perguntas foi direcionado para as questões norteadoras da pesquisa.
2.3.3. Registros e observação de campo
Yin (2005) argumenta que a observação direta e participante são técnicas muito usadas
em uma estratégia de estudo de caso. Em Pamáali, utilizamos a observação como um
81 Severino, 2007, p. 125.
74
dos principais meios de conhecimento dos comportamentos ou condições ambientais
relevantes para o estudo. Fizemos observação direta porque o campo se constituiu na
matriz de todo o processo de conhecimento do local estudado, tornado-se sua principal
referência. Fizemos também observação participante, na medida em que a nossa
investigação avançou do estágio de passividade para um estágio de vivência em muitas
práticas desenvolvidas na escola, junto com os alunos e com os professores.
Os registros de campo incluiram artefatos físicos, entendidos por Yin como alguma
evidência física (fotos, filmagem, textos escritos, desenhos etc.) que possa contribuir
para um exame mais apurado de caracteres culturais, de uma forma de expressão e que
possa demonstrar um processo de aprendizagem ou ainda uma representação simbólica
de um lugar, de um conceito, etc. (ver fotos abaixo).
Foto 35 a 38 – Laboratório vivo da Pamáali
Fonte: campo, ago.2008 e dez 2009
Assim, os procedimentos que adotamos em relação à coleta de informações na sala de
aula, nas oficinas, nas atividades práticas dos alunos, na área da escola, no percurso da
viagem, nas comunidades indígenas por onde passamos, constituiram-se em registros ou
artefatos físicos de grande valor etnográfico e etnológico para a configuração dos dados
e da interpretação dos mesmos.
2.3.3.1. Oficinas: um registro etnológico
A realização de oficinas pode ser caracterizada neste trabalho, como um instrumento de
análise de dados, constituindo-se em registro de campo. Porém, o principal propósito de
tal instrumento foi o registro de aspectos etnológicos (no nível do significado)
considerados na pesquisa.
75
Realizamos duas oficinas com os alunos: uma, na primeira viagem à Pamáali (agosto de
2008) e outra, no segundo momento da pesquisa (dezembro de 2009). A primeira
oficina teve dois objetivos: (1) perceber a familiaridade dos alunos indígenas com o
texto poético e orientá-los sobre as características desse gênero textual; e, (2) identificar
os mitos de origem Baniwa e Coripaco de animais e plantas regionais conhecidos pelos
alunos e estudados nas aulas de Ciências Naturais. A proposta era que eles
descrevessem, poeticamente, essas origens.
Foto 39 a 40 – Oficina 1: Produção de textos poéticos: mitos de origem (1º momento)
Fonte: campo, ago.2008
Foto 41 a 42 – Oficina 1: Produção de textos poéticos: mitos de origem (2º momento)
Fonte: campo, ago.2008
Na segunda oficina, propusemos aos alunos do EMII, ex-alunos do Ensino Fundamental
em Pamáali, que expressassem as dimensões mitológicas (através de desenhos) e
científicas (através da escrita) de seus trabalhos de pesquisa (monografias), fazendo a
76
relação dos estudos realizados com o desenvolvimento sustentável da região do Rio
Içana.
Foto 43 a 44 – Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação com
a sustentabilidade (1º momento)
Fonte: campo, dez 2009
Foto 45 a 46 – Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação
com a sustentabilidade (2º momento)
Fonte: campo, dez 2009
77
Foto 47 a 48– Oficina 2: Dimensões mitológicas e científicas das monografias: a relação
com a sustentabilidade (3º momento)
Fonte: campo, dez 2009
Os resultados desse estudo estão explicitados no terceiro capítulo deste trabalho, quando
focamos a imbricação entre educação intercultural, ensino via pesquisa e
desenvolvimento sustentável, examinando as monografias que contemplaram a relação
entre esses três aspectos.
2.4. ELEMENTOS BÁSICOS DA PESQUISA
2.4.1. Problema
Considerando que a escola Pamáali desenvolve uma proposta de ensino intercultural há
mais de nove (9) anos, como a Ciência do Índio e a Ciência do não-índio estão
imbricadas nesse processo e de que forma um Ensino de Ciências através da pesquisa
viabiliza essa relação? Ainda nesse contexto, qual a contribuição da experiência
intercultural da Pamáali para o Ensino de Ciências na Amazônia?
78
2.4.2. Questões norteadoras
• Como os Baniwa e Coripaco estão construindo sua educação escolar formal?
• Por que a opção por uma educação intercultural?
• Que metodologias sustentam essa prática de ensino e qual a relação com o Ensino de
Ciências na Amazônia?
2.4.3. Objetivo geral
• Contribuir para o processo de construção de uma educação escolar indígena
intercultural na Amazônia brasileira, tendo como parâmetro a experiência de ensino
com pesquisa, vivenciada na Escola Indígena Baniwa e Coripaco-Pamáali no Alto Rio
Negro e suas implicações para o Ensino de Ciências na Amazônia.
2.4.4. Objetivos específicos
• Estudar as práticas de ensino intercultural via pesquisa, vivenciadas na Pamáali e suas
imbricações com o Ensino de Ciências na Amazônia;
• Compreender a necessidade de uma educação indígena pautada na interculturalidade,
tendo em vista os problemas socioambientais, culturais e de auto-sustentabilidade dos
povos indígenas do Rio Içana, no Alto Rio Negro;
• Propor uma estratégia de Ensino de Ciências via pesquisa para o Ensino Médio
Integrado em escolas indígenas do Alto Rio Negro, tendo como parâmetro para sua
elaboração, a experiência intercultural da Pamáali.
2.4.5. Objeto da pesquisa
O foco de análise e de reflexão deste trabalho centraliza-se no processo de construção
da educação intercultural desenvolvida na Escola Indígena Baniwa e Coripaco-Pamáali
no Médio Rio Içana, no Alto Rio Negro, que favorece um estudo do Ensino de Ciências
através da pesquisa. Nesta perspectiva, os indígenas propõem um itinerário escolar que
79
seja um eco de suas histórias, suas tradições e seus projetos de desenvolvimento
socioambientais e econômicos, articulados ao caráter recursivo de suas ações.
2.4.6. Sujeitos da pesquisa
São os professores (seis) e alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio integrado
Indígena (81 estudantes) da escola EIBC-Pamáali.
80
CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA INTERCULTURAL
DA PAMÁALI
3.1. SOBRE PAMÁALI
A escola indígena Pamáali situa-se na bacia do Rio Içana, um dos principais afluentes
do Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira-Amazonas, em terras
indígenas demarcadas e homologadas a partir de abril de 1998. Foi construida numa
área de 3 (três) km², cujo percurso de São Gabriel da Cachoeira até sua sede é de
aproximadamente 390 km.82
Foto 49 – Escola indígena Pamáali
Fonte: Arquivos da EIBC
Hoje, o município de São Gabriel da Cachoeira abriga cerca de 40% dos Índios
existentes no Estado do Amazonas, o que significa ser 10% da população indígena do
Brasil. Vivem em seu território (112.255km²) 22 povos indígenas83
distribuidos em
quatro famílias linguísticas: Tukano oriental, Aruak, Maku e Yanomami. A sua
população é 90% indígena.
82 EIBC, pesquisa de campo, dezembro de 2009.
83 Tukano oriental: Tukano, Dessano, Kubeo, Wanano, Tuyuka, Pira-tapuia, Miriti-t puya, Arapaso, Karapanã, Bará,
Siriano, Makuna; Aruak: Baniwa, Kuripaco, Baré, Werekena e Tariana; Maku: Hupda, Yuhupde, Dãw e Nadõb;
Yanomami. (GERSEM DOS SANTOS, 2001).
81
Historicamente, por representar quase o total da população do município, os Índios
dessa região têm construido um caminho de lutas pela demarcação de suas terras e pela
autoafirmação política, econômica e sociocultural de seus povos, sendo a educação, uma
de suas principais bandeiras.84
Vale ressaltar que as Línguas Baniwa, Tucano, Ñhengatu
e Portuguesa são faladas, oficialmente, em São Gabriel da Cachoeira.
Os povos indígenas mentores da escola Pamáali, os Baniwa e Coripaco, são da família
linguística Aruak, distribuidos em 93 comunidades ribeirinhas. Os Baniwa ocupam todo
o Rio Içana e seus afluentes Aiari, Cuiari e Cubate e também formam comunidades no
Rio Negro, sendo encontrados nas cidades de São Gabriel da Cachoeira (Alto Rio
Negro), Barcelos e Santa Isabel (Médio Rio Negro) e Manaus (Baixo Rio Negro). Os
Coripaco ou Wakuenai, variantes do nome Baniwa, moram às margens dos Rios Inírida
e Guiania, na Venezuela e na Colômbia, em espaços de fronteira com o Brasil85
.
O local de construção da escola tem motivações pragmáticas e mitológicas. Os motivos
pragmáticos dizem respeito ao ponto estratégico que o lugar representa para a
acessibilidade dos alunos. Ao situar-se no Médio Rio Içana, a escola Pamáali fica
próxima dos Baniwa, como também dos Coripaco. Os motivos mitológicos, por sua vez,
estão relacionados ao histórico de sacralidade do local.
3.1.1. Sentidos da Pamáali
“As geografias tornam-se verbo.”
Enrique Leff
De acordo com Wright (2005), os mitos Aruak explicam o surgimento dos ancestrais
Baniwa e Coripaco a partir dos territórios que ocuparam, sendo o principal deles, a
cachoeira de Hipana. Esses territórios possuem sítios arqueológicos que podem revelar a
antiga ocupação desses povos, nos principais rios da região. Desse modo, nas pesquisas
de Wright:
84 Gersem dos Santos, 2001.
85 Mapa Livro (2000).
82
a cachoeira de Hipana, ou Uapui, considerada o „Umbigo do mundo‟ por
muitos povos Aruak do norte, é certamente um dos lugares de ocupação
ancestral a partir do qual os povos Aruak se dispersaram. [...] O Rio Içana e
especialmente o Rio Aiary, próximo à cachoeira de Hipana – o lugar de
nascimento mítico da humanidade para a maioria dos povos Aruak-falantes
do Noroeste da Amazônia – e também os igarapés Uaraná, Quiary e Pamáali,
provavelmente, possuem sítios antigos importantes.86
Esse indicativo de ancestralidade ligado aos territórios mostra que na concepção dos
Baniwa e Coripaco, lugares têm vida e são espaços significativos de espiritualidade.
Além de que, segundo Wright, a origem desses povos não está associada à vinda de
antepassados de regiões distantes trazidos pela anaconda, como está para os Tukano. Na
verdade, os mitos de origem Baniwa e Coripaco estão associados a um lugar específico
(Hipana) e a outros poucos territórios considerados sagrados na região do Rio Içana.
No caso da EIBC, o poder simbólico da palavra Pamáali conferiu ao processo de
construção da educação escolar Baniwa e Coripaco, o caráter indígena de não
dicotomizar homem e natureza, mito e Ciência. Conforme o que está registrado no seu
dossiê (2007), a escola foi construida numa área onde antigamente era a terra sagrada
dos Waliperi-Dakenai, chamados de Hemapana. Esses ancestrais, conforme a mitologia
Aruak, originaram os Baniwa e Coripaco, hoje subdivididos em fratrias, descendentes
dos mesmos irmãos ancestrais. Toda vez que esses subgrupos querem ocupar uma área,
deve ser de acordo com o território étnico onde cada povo tinha seus lugares sagrados.
O nome Pamáali é devido, principalmente, ao nome de um guerreiro chamado Paanhali
que foi morto com suas armas de guerreiro e jogado no igarapé que circunda toda a área
da escola, hoje chamado de igarapé Pamáali.
Entretanto, outros sentidos foram atribuidos ao nome Pamáali, em decorrência das
possíveis (re) significações míticas que compõem as relações entre esses povos e a
natureza. O imaginário indígena, fertilizado pela forte relação que o Índio estabelece
com os animais, as plantas, as árvores, os lugares etc., tem gerado inúmeras
interpretações sobre o signo87
, ou seja, sobre a necessidade de atribuirem ao nome ou à
palavra, mais de um significado. Dessa forma, o termo Pamáali, além de representar um
86 Wright, 2005, p.14.
87 Nos estudos de Vygostsky o signo é a palavra que medeia a formação de um conceito e depois torna-se o seu
símbolo. (VYGOSTSKY,1998, p.70).
83
lugar sagrado, onde morreu um grande guerreiro Baniwa, significa também uma árvore
que dá muitos frutos, cuja casca luminosa serve para iluminar os caminhos escuros e
confusos na mata fechada.
Essa dimensão simbólica da relação Índio/natureza e da proximidade que os Baniwa e
Coripaco têm com o mundo vegetal é explicitada em um de seus mitos cosmogônicos:
Estes povos também têm seu Deus criador, Heko, e seu Deus que dá a vida,
Kali, que viveram no céu; e outros seres sobrenaturais que vivem na Terra. A
que dá criação da Terra, Heko, perguntou do primeiro ser vivente como
gostaria que fosse a vida da humanidade. O primeiro homem respondeu: „Eu
quero ser como as plantas‟. Por isso, para os Baniwa e Coripaco, a vida
humana é comparada à vida vegetal. Algumas árvores morrem pequenas,
outras adultas, outras mais velhas. Na beira do rio, quando se encontram
muitas árvores caidas, significa que muitas pessoas vão morrer também. A
vida tem muita relação com a natureza, se as árvores morrem, muitas
sementes morrem, as plantinhas morrem, os seus galhos quebram. Assim
também os homens morrem, apesar de alguns alcançarem certa idade. Por
isso sabemos hoje, vendo toda essa realidade, que a humanidade tem toda
semelhança com o mundo vegetal. Por essa razão, os povos Baniwa e
Coripaco respeitam muito a natureza, principalmente as árvores88.
Os indígenas, portanto, ressaltam o valor da terra e de seus atributos, a partir do que ela
representa em termos de existência; o que transcende o sentido de sobrevivência. Por
esta razão, os valores implícitos em suas ações são tão importantes quanto àqueles que,
pragmaticamente, costumamos evidenciar numa relação entre indígenas, ambiente e
territórios. Essa relação complexa justifica estudos pertinentes entre antropologia e
ambiente, pois nas reflexões de Waldman (2006),
em todas as sociedades tradicionais, a presença da natureza nos mitos, nas
cosmogonias, nas representações simbólicas, nas manifestações religiosas e,
além disso, nas práticas materiais e nas transformações incorporadas à
paisagem criada, sempre foi uma evidência marcante.89
O que revelamos como forma cultural de significados tem raizes em estudos e pesquisas
psicossociais que enfatizam a relação entre cultura e manifestações comportamentais.
Os estudos de Vygotysky (1998) sobre os aspectos sociais e culturais de formação da
mente humana comprovaram que “o uso de signos conduz os seres humanos a uma
88 Histórico dos Baniwa e Coripaco (EIBC-PPP, 2005, p.6).
89 Waldman, 2006, p.58.
84
estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e
cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura.”90
Essa particularidade da psicologia do homem imprime à linguagem uma função
simbólica de grande relevância para a expressão dos pensamentos de diferentes
sociedades. Os indígenas, por exemplo, criam suas narrativas num processo de diálogo
entre imaginação e contexto. Tal relação não se dá de forma aleatória, por isso, ao
retratar o grau de importância da imaginação nos processos de formação dos
pensamentos humanos, Vygotsky (1998) ressalta que:
A principal diferença entre a imaginação e as demais formas de atividade
psíquica humana consiste no seguinte: a imaginação não repete em formas e
combinações iguais impressões isoladas, acumuladas anteriormente, mas
constrói novas séries, a partir das impressões anteriormente acumuladas.91
Sendo assim, o ato de imaginar é ato de criar, constituindo-se numa atividade superior
do intelecto humano, determinante nas situações de interpretação da realidade social.
Fica claro, portanto, que os aspectos cognitivos inerentes ao ser humano, de forma
alguma são os únicos determinantes de seus comportamentos e de suas capacidades de
compreensão da realidade. A cultura e a historicidade de cada povo delimitam os
horizontes de interpretação dos fatos, gerando diferentes concepções de conhecimento.
Essa questão nos remete à importância da memória coletiva indígena, perpassada e
alimentada pelos mitos, através da oralidade. Percebemos, nessa cultura oral, a presença
de uma ideologia sutilmente interpretada, alicerçada nos contextos históricos, políticos e
socioculturais de cada povo indígena. Exatamente por essa razão, os Baniwa e Coripaco
percebem a escola indígena como um espaço de criação, porque o próprio significado de
Pamáali, grávido de sentidos, mostra o caráter subjetivo de um projeto coletivo de
educação formal indígena.
90 Vygotsky, 1998, p.54.
91 Ibidem, p.107.
85
3.1.3. Construindo uma escola indígena
Foi com a proposta de dar sentido às práticas escolares indígenas Baniwa e Coripaco,
que, em agosto de 2000, a EIBC começou suas atividades, compondo o quadro de
experiências-piloto de sete (7) escolas de Ensino Fundamental no Alto Rio Negro92
.
Estas escolas aceitaram o desafio de trabalhar numa proposta diferenciada de ensino,
com iniciativa curricular própria, bilíngue/multilíngue e intercultural.
O processo de construção do Projeto de Educação Escolar Baniwa e Coripaco-Pamáali93
é resultante de uma sequência ininterrupta de encontros promovidos pela FOIRN, pela
OIBI, pelos professores e alunos e pelas comunidades da região. Essas iniciativas
começaram em 1995, por ocasião do primeiro encontro de educação escolar indígena no
Rio Içana.
Nos anos subsequentes (1996, 1997, 1998 a 2007), a definição de metas para a
implantação de uma escola indígena diferenciada, no sentido de abranger a cultura do
não-Índio e a cultura do Índio, culminou em algumas ações fundamentais para sua
implementação: (1) a definição de uma grafia Baniwa; (2) a escolha do lugar
simbolicamente apropriado e estrategicamente geográfico para a construção das casas94
;
(3) o processo de formação dos professores (magistério indígena); (4) a aprovação do
PPP da escola no Conselho Municipal de Educação; (5) a implantação do Ensino
Médio.
Mesmo com todas as dificuldades, Pamáali iniciou suas atividades com o objetivo de
formar o cidadão Baniwa e Coripaco, possibilitando a permanência dos jovens
indígenas em suas comunidades de origem, contribuindo para a sustentabilidade dos
povos da região. De acordo com o planejamento estratégico da EIBC (2006), a escola
tem objetivos desafiadores devido a diversos problemas como: o difícil acesso à escola
(região de fortes cachoeiras); o alto custo do combustível para o transporte dos alunos e
professores; as dificuldades com alimentação; a falta de recursos didáticos; as
92 Escolas de: Cucuí, Assunção do Içana, Iauaretê, Pari-Cachoeira, Taracuá, Tuyuka, Pamáali.
93 Estas informações constam nos relatórios anuais da Escola Pamáali (2006, 2007) e no Projeto Educacional para o
Alto Rio Negro (FOIRN, 1999).
94 Salas de aula, casa da farinha, casa das ciências, casas dos professores, dormitórios para os alunos, casa do
combustível, secretaria, biblioteca, cozinha.
86
dificuldades quanto ao processo de formação inicial e continuada dos professores
indígenas.
Para realizar uma proposta de ensino intercultural, com uma metodologia via pesquisa e
com um ensino bilíngue durante nove anos, contou com o apoio pedagógico de
assessores do ISA e de especialistas de escolas agrotécnicas. Contou também com o
apoio financeiro da Rainforest Foundation – Noruega, da FUNAI e da SEMEC.
É uma experiência que tem demonstrado ser possível o desenvolvimento de uma
educação intercultural, onde o ensino com pesquisa representa uma alternativa
metodológica para promover a emancipação política, sociocultural e econômica dos
Baniwa e Coripaco.
Vários projetos de pesquisa implementados pelos alunos da escola têm relação com
estes propósitos de desenvolvimento. Parte deles corresponde aos objetivos de
fortalecimento e de revitalização dos conhecimentos tradicionais Baniwa e Coripaco.
Uma outra parte refere-se às necessidades de desenvolvimento sustentável da região,
relacionadas ao conhecimento e à investigação científica da biodiversidade e do
potencial ecossistêmico do Alto Rio Negro.
A partir da prerrogativa de sustentabilidade, a escola funciona como um laboratório
vivo de aprendizado das Ciências Naturais, principalmente porque as atividades
curriculares desenvolvidas têm a pesquisa como um processo regido por dois princípios:
o “princípio educativo” e o “princípio científico”.95
Assinale-se que esses fundamentos direcionam as estratégias de ensino-aprendizagem e
sustentam um planejamento interdisciplinar dos conteudos das disciplinas do núcleo
comum, com os temas das disciplinas do núcleo profissionalizante ou diversificado (ver
anexo 2, pag. 165). Trata-se, portanto, de um projeto de interlocução entre
conhecimentos, que adota a pesquisa como um meio de garantir o diálogo entre os
saberes tradicionais e os saberes ocidentais.
95 Ver Demo, 2002. (Termos e grifos do autor).
87
3.1.4. Organização e funcionamento da escola
Ancorados nos objetivos e na estrutura da EIBC, os professores e alunos se dividem em
várias funções. Atualmente, todos os professores são Índios e cursaram o magistério
indígena. Dos seis professores atuantes, 1 (um) está cursando Antropologia ambiental e
sustentabilidade, pela Universidade Federal do Amazonas e os demais estão
frequentando o “Curso de pedagogia: licenciatura plena intercultural” da Universidade
do Estado do Amazonas.
A escola trabalha com as séries finais do Ensino Fundamental e com o Ensino Médio
Integrado Indígena (em processo de reconhecimento), oferecendo aos alunos das
comunidades do Rio Içana a continuidade de seus estudos na própria região. Para que a
escola funcione adequadamente, a mesma está organizada da seguinte maneira:
As atividades de organização interna da escola competem aos alunos e aos
professores e as funções96
são compartilhadas e exercidas em rotatividade, por tempos
determinados pelo grupo;
O programa de ensino é flexível e ajustável ao contexto de interesse dos alunos e às
necessidades socioculturais, econômicas e sustentáveis das comunidades. Por esta razão,
está atrelado aos temas transversais da grade curricular, sendo possível a relação entre
as disciplinas do Núcleo Comum e as disciplinas do Núcleo diversificado. Este ensino
se realiza em quatro etapas anuais, com períodos de um mês de recesso entre cada etapa.
Nesse período de recesso, chamado de entre-etapa, os alunos pesquisam nas
comunidades e ajudam nas atividades agrícolas, pesqueiras e de caça, principalmente na
abertura de roças familiares;
Os conteudos das disciplinas do Núcleo Comum são pensados de acordo com os
temas e objetivos das pesquisas realizadas pelos alunos nas entre-etapas, sem estarem
desvencilhados dos conteudos programáticos das escolas não-indígenas;
Os assuntos da parte diversificada estão relacionados às práticas sustentáveis para a
região. Esses conteudos são trabalhados através de cursos técnicos ou
96 São 14 (quatorze) funções: coordenador da escola; administrador; auxiliar administrativo; conselheiro educacional;
orientador pedagógico; secretária; coordenador do trabalho de campo; monitor (aluno); capitãozinho (aluno);
estagiários (alunos); bibliotecário (aluno); auxiliar de cozinha; cozinheira; conselheiros.
88
profissionalizantes ligados fortemente aos temas transversais propostos na grade
curricular;
Quanto aos níveis de ensino, a escola optou por organizar-se em Ciclos, pois esta
proposta foi a que melhor se ajustou à filosofia indígena de processos de aprendizagem,
sempre respeitando os ritmos dos alunos e os limites de cada um;
Os conteudos desenvolvidos no terceiro ciclo constituem-se na base para o
aprofundamento desses mesmos conteudos no quarto ciclo. Neste, o aluno deverá
pensar numa temática de pesquisa que será desenvolvida durante dois anos, junto a sua
comunidade de origem ou na própria escola, apresentando, ao final do Ensino
Fundamental, uma monografia;
O sistema de avaliação segue uma lógica contínua e processual, valorizando as
produções individuais e coletivas dos alunos, tanto nas atividades práticas quanto nos
trabalhos teóricos. Para avaliar o processo de aprendizagem dos conteudos
programáticos científicos, culturais e simbólicos dos povos Baniwa e Coripaco em
relação com os conhecimentos não-indígenas, os professores optaram por uma avaliação
descritiva e individual, através de produções discursivas (escritas e orais);
Em relação ao calendário escolar adotou-se para o Ensino Fundamental o sistema de
etapas com dois meses de duração, com carga-horária de 8 horas/aula diárias e 48 horas
semanais, não havendo aulas apenas no domingo. A carga-horária total do curso,
durante quatro anos, em regime integral é de 4608 horas;
A metodologia mestra da escola é o ensino através da pesquisa que incentiva os
alunos a adotarem “o caderno da realidade”, cuja finalidade é a sistematização dos
resultados das pesquisas, anotando os dados coletados, descrevendo e/ou desenhando o
percurso da pesquisa.97
Ressaltando a questão dos temas transversais, a ligação entre estes e as perspectivas de
profissionalização indígena para a região do Alto Rio Negro é fundamental para o
encaminhamento das pesquisas de campo que os alunos realizam. A importância desses
temas se manifesta na forma como são pensados e previamente discutidos pela ACEP,
97 EIBC, PPP, 2005.
89
formada por representantes das comunidades do Rio Içana e pelos professores, pais e
alunos da escola.
Dessa maneira, os temas transversais, contemplados na grade curricular da escola, estão
notoriamente imbricados com as projeções de autonomia e de desenvolvimento
sustentável dos Baniwa e Coripaco. Com base nessa inferência, funcionam como temas-
problema articuladores das práticas de ensino (teóricas e práticas) realizadas junto aos
alunos.
3.2. O RCNEI E O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EIBC:
SINTONIAS E OUSADIAS
3.2.1. Nos planos pedagógicos e de gestão
As sintonias constatadas entre a proposta do Projeto Político Pedagógico (PPP) da
EIBC98
e as sugestões do Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas
(RCNEI)99
são reveladoras de uma política nacional de educação escolar condizente
com as prerrogativas indígenas de educação formal. As ousadias, mais do que
dissonâncias, representam a efetivação de práticas inovadoras, sustentadas pela
ideologia indígena de construção de uma escola com “cara de Índio”100
– uma
expressão frequente nas falas dos Baniwa e Coripaco sobre o significado de Pamáali.
Esse horizonte está consubstanciado no Referencial Curricular Nacional para as escolas
indígenas, baseado nos princípios da Carta Magna de 1988 e na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1996. Esses princípios conferem aos indígenas o
respaldo jurídico necessário ao desenvolvimento de projetos educacionais autônomos
em relação ao desenho curricular e ao funcionamento de suas escolas. Assim,
a escola pode organizar-se de acordo com as conveniências culturais,
independentemente do ano civil. No artigo 23, a Lei trata da diversidade na
organização escolar, que poderá ser de séries anuais, períodos semestrais,
98 Ibidem.
99 Brasil, 1998.
100 Termo e grifo nossos.
90
ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados por
idade e outros critérios. [...] Com relação à elaboração do currículo, a LDB
enfatiza, no artigo 26, a importância da consideração das „características
regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela‟ de
cada escola, para que sejam alcançados os objetivos do Ensino Fundamental.
[...] Em relação ao calendário escolar, cabe ressaltar que o mesmo deve
adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas.101
Paralela à implementação das leis brasileiras, vigorou a política internacional de apoio
aos projetos de autoafirmação indígena no Brasil. A primeira organização internacional
que deu início a um processo de reconhecimento dos direitos indígenas, foi a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1957. A mesma adotou a
Convenção sobre a proteção e integração das populações aborígines e outras populações
tribais e semi-tribais nos paises independentes. No entanto, a sua política de integração
dos Índios à sociedade nacional, desmerecendo os fatores culturais que regiam os
objetivos sociais e políticos dos povos indígenas, foi substituida por outra convenção
(Convenção nº 169), no final dos anos de 1980. O grande diferencial desta nova
convenção foi dar autonomia de ação indígena sob seus percursos de organização social,
política e econômica, dando-lhes o direito de decisão sobre questões como educação e
saude.
Essa conquista jurídica acabou reforçando a criação de escolas indígenas, pensadas a
partir dos contextos e necessidades das etnias, com suas especificidades culturais e
socioeconômicas. Nascia o que se pode chamar de política educacional formal
indígena, que pudesse expressar as prerrogativas de uma escola diferenciada para os
Índios.
Com os direitos garantidos em lei e com a constante mobilização dos Índios em fazer
valer essas conquistas, a reivindicação por uma escola indígena bilíngue/multilíngue e
intercultural, passou a ser consenso entre os indígenas de grande parte do país. Hoje, as
escolas que se propõem diferenciadas, porque indígenas, estão construindo os seus
Programas de ensino, baseados num currículo não-fechado e coerente com os objetivos
de cada etnia.
101 Brasil, 1998, p.33.
91
Nesse contexto, as sintonias e ousadias aqui traçadas, correspondem à necessidade de
respeitarmos uma ideologia indígena de educação formal, uma vez que sempre
reforçamos o valor semântico da palavra indígena, como complemento indispensável
ao substantivo escola. As escolhas do Índio, que em nossa opinião definem o começo de
ações educativas ousadas, são partidárias de práticas escolares indígenas que enfrentam
o determinismo dos sistemas educativos convencionais. Porém, vale ressaltar que as
experiências educacionais indígenas inovadoras mostram que o direito de escolha não é
suficiente para o sucesso de uma escola indígena diferenciada. Então,
as mais expressivas experiências de construção de currículos têm sido
realizadas por algumas organizações indígenas e da sociedade civil, em
parcerias diversas com as universidades. Contam com o apoio político e
financeiro, na maioria dos casos, insuficiente, ainda que as práticas aí geradas
venham servindo de referencial para outras iniciativas por parte dos sistemas
de ensino.102
Isso quer dizer que pensar e realizar uma educação diferenciada é, antes de tudo, viver
um projeto político de educação, com alicerces econômicos que possam sustentá-la.
Essa condição transforma discursos vazios sobre educação escolar indígena em práticas
educativas realmente construtivas, sob os pontos de vista pedagógico, administrativo e
intercultural.
É por essa razão que as vivências escolares indígenas não podem deixar os processos de
ensino-aprendizagem caminhar no lado oposto dos interesses das comunidades, dos pais
e alunos e dos professores. Não podem também ignorar os processos mais abrangentes e
mais específicos de implantação de políticas públicas para a educação indígena. Pois
essa atitude de conciliar escola e contexto é um desafio que implica a construção
coletiva de um Projeto Político Pedagógico nas escolas. A expressão “construção
coletiva”103
é o diferencial nessa atitude, pois no percurso das atividades escolares, os
ajustes são necessários e os problemas não são individuais.
102 Brasil, 1998, p. 39.
103 Grifos nossos.
92
Na realidade escolar da Pamáali, a edificação do PPP foi determinante para a
legitimação do Ensino Fundamental, que teve a participação das lideranças indígenas
representantes da OIBI, dos pais e alunos, das comunidades e dos professores.
No processo de planejamento das metas da escola, como também de sua organização,
houve uma maior participação dos professores e da ACEP, formado por uma diretoria
de três pessoas. Este conselho tem um período de 4 (quatro) anos de mandato,
auxiliando nas situações de dificuldades da escola e decidindo sobre os problemas
referentes aos módulos letivos, aulas no campo, indisciplina dos alunos, alimentação,
programa de ensino e oficinas pedagógicas.
A organização do Projeto Político Pedagógico se articula a duas questões fundamentais:
a metodologia de ensino com pesquisa e o processo de desenvolvimento sustentável na
região do Içana. A primazia desses dois aspectos denota a preocupação dos Baniwa e
Coripaco com um projeto de educação formal que articule os saberes indígenas e não-
indígenas e que invista na autonomia dos alunos. Em tal circunstância, o PPP garante
que os discentes, junto com os professores, escolham o que irão estudar pois,
a organização do ensino é feita por tema de pesquisa, e a escolha do tema tem
como ponto de partida o interesse que os alunos têm. Além do interesse dos
alunos, a escolha do tema obedece à realidade das comunidades, pois é lá que
eles irão desenvolver sua pesquisa104
.
Em síntese, o ensino através da pesquisa é uma das principais sintonias com o RCNEI,
que prioriza o reconhecimento das práticas investigativas indígenas e de seus processos
peculiares de ensino e aprendizagem.
Ademais, segundo esse referencial, muito antes da introdução da escola, os indígenas
desenvolviam processos de investigação científica, relacionados ao mundo natural,
classificando seus diversos elementos. Tal modo de apreensão da realidade implica
“pensar a escola indígena a partir das concepções indígenas do mundo, do homem e das
formas de organização social, política, cultural, econômica e religiosa desses povos.”105
104 EIBC (PPP, 2005, p.16).
105 Brasil, 1998, p.22.
93
Torna-se relevante, portanto, a contribuição e a participação efetiva dos Índios no
processo de gestão escolar indígena. Essa participação se torna coerente na medida em
que não há qualquer possibilidade de uma escola indígena se organizar e funcionar,
segundo os parâmetros da escola do não-índio. Quem conhece a realidade do Alto Rio
Negro, pelo menos uma parte dela, entende a determinação desses povos em construir
uma escola indígena própria. As suas concepções de educação escolar, embora algumas
vezes contraditórias106
, são bem diferentes daquelas que direcionam as escolas da
sociedade envolvente. Além de que, as particularidades geográficas, políticas,
históricas, econômicas e socioculturais da região do Alto Rio Negro são bastante
expressivas em relação a outras localidades.
O grande problema é que as experiências de educação diferenciada ou intercultural em
processo na região, ainda insipientes, mostram que o percurso de formação dessas
escolas, mais do que uma escolha ou vontade indígena, exige compromisso
administrativo dos sistemas educacionais estaduais, municipais e federais, na gerência
de recursos apropriados ao contexto. Esses recursos são tanto materiais quanto
humanos, pois sem formação de pessoal, como fazer uso de forma inteligente e
responsável dos recursos materiais? Muitos recursos tecnológicos chegam às escolas
indígenas: computadores, impressoras, filmadoras etc. Entretanto, a falta de formação
técnica dos profissionais transforma esses recursos em peças descartáveis, tanto pelo
“mau uso” quanto pelo “não uso”.
3.2.2. Nos conceitos de escola diferenciada e/ou intercultural
Concernente ao RCNEI, as escolas que se propõem indígenas possuem quatro
características fundamentais: ser comunitária, intercultural, bilíngue ou multilígue,
específica e/ou diferenciada. Esses aspectos são decisórios no desenvolvimento das
atividades escolares ditas interculturais. E Pamáali, na medida do possível, tem atendido
a esses parâmetros. Porém, o que observamos durante as entrevistas com os professores
da escola é que o conceito de interculturalidade ainda não é consenso entre eles. Por
106 Contradições na comparação discurso/prática, decorrente de lacunas conceituais sobre educação intercultural ou
educação diferenciada.
94
falta de compreensão desse conceito, alguns preferem usar apenas os termos “escola
diferenciada” ou “escola indígena”107
, o que acaba gerando contradições entre
discurso e prática.
Nas inferências do PPP e conforme as práticas de ensino observadas, a escola é
diferenciada porque atende aos interesses e às necessidades das comunidades indígenas,
o que na verdade é pressuposto para uma educação intercultural. A escola é também
intercultural porque a sua grade curricular, as metodologias de ensino e a valorização da
diversidade cultural e linguística ratificam essa prática. Deste modo, em alguns trechos
do PPP, podemos observar as seguintes interpretações: “a escola Pamáali tem como
objetivo o ensino intercultural e bilíngue, visando a valorização plena das culturas
Baniwa e Coripaco e a afirmação e [valorização] de suas identidades étnicas.”108
Ou
ainda,
as escolas Baniwa e Coripaco de Ensino Fundamental têm, como principal
objetivo, a formação do cidadão Baniwa e Coripaco voltada para a
responsabilidade do trabalho em suas comunidades, para a criatividade e para
a liberdade, para o respeito aos seus próprios valores, no diálogo
intercultural.109
Retomando as definições contidas no RCNEI, uma educação indígena é específica e
diferenciada “quando concebida e planejada como reflexo das aspirações particulares de
cada povo indígena”110
, inclusive em relação à autonomia sobre o funcionamento da
escola. É intercultural, quando reconhece e mantém a diversidade cultural e linguística,
promovendo uma situação de comunicação entre experiências socioculturais e históricas
diferentes, sem considerar uma cultura superior à outra.
No discurso dos professores e no próprio PPP da escola, esses conceitos se misturam,
pois tanto um quanto o outro, definem a proposta pedagógica da EIBC. No entanto, para
aqueles que ainda não compreenderam o que é uma proposta intercultural de ensino, a
resistência a essa palavra é evidente. Nas entrevistas, um dos professores disse: “aqui
107 Grifos nossos.
108 EIBC, PPP, 2005.
109 Ibidem.
110 Brasil ,1998, p.25.
95
trabalhamos com um ensino diferenciado, com escola indígena, que vai buscar o
conhecimento indígena Baniwa e Coripaco com os velhos, através da pesquisa.”111
Diante dessa definição, entendemos que a perspectiva intercultural para esse professor,
em particular, parece desmerecer o caráter indígena tão enfatizado por ele. No entanto,
na prática, o que mais se constata é a preocupação com um ensino híbrido, mesclado de
saberes indígenas e não-indígenas, trabalhados com afinco nas monografias e nas
atividades de sala de aula.
Essas dificuldades conceituais sinalizam a necessidade de formação inicial e continuada
para os professores indígenas, em exercício. Principalmente, porque a perspectiva
intercultural de educação indígena exige professores qualificados para trabalhar os
conhecimentos da cultura ocidental na escola. Além do mais, estas escolas estão em
processo de legitimação, e para isso, o Artigo 87, parágrafo 3º, inciso III, da Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional determina ser obrigação da União, dos
Estados e dos Municípios a realização da formação desses professores, usando os
recursos de educação à distância. O RCNEI reforça ainda a urgência na habilitação
desses profissionais em nível superior ou através de formação e treinamento em serviço.
3.2.2. Na formação dos professores
Na região do Alto Rio Negro, as alternativas de formação do professor indígena incluem
muitos desafios e dificuldades, sobremaneira por se tratar de uma região com 23 etnias
diferentes e cada uma com Língua e características socioculturais específicas. Sem
contar as diferentes concepções que esses aspectos determinam em relação às práticas e
às escolhas indígenas de ensino formal. Estas especificidades de cada região e de cada
etnia se configuram numa das principais barreiras para se pensar a formação do
professor indígena – uma situação inerente ao desafio da formação de formadores de
professores Índios.
Ainda em conformidade com o Referencial Curricular Indígena, esses formadores
precisam alinhar-se às ideologias próprias de cada etnia, respeitando o espaço de
111 Pesquisa de campo, dezembro de 2009.
96
reafirmação cultural e socioeconômica, proporcionado pela escola. Para isso, mudanças
apenas no plano jurídico não garantem a efetivação de práticas interculturais de ensino.
Há necessidade de transformações pedagógicas que considerem dois fatores básicos: (1)
o reconhecimento das experiências em curso bem sucedidas e; (2) a confiabilidade na
gestão dos Índios sob seus processos de ensino-aprendizagem, investindo na formação
contínua e inicial dos professores e valorizando as pedagogias indígenas como metas de
estudo e de reflexão.
Acrescente-se que, em Pamáali, observamos quatro aspectos referendados pelo RCNEI,
concernentes ao processo de formação de professores indígenas e de formadores de
professores indígenas, a seguir:
A reflexão sobre a prática – percebemos que, mediante as aspirações e necessidades
das comunidades, os professores se apropriam dos problemas da escola e buscam
solucioná-los. Pensam as metodologias e práticas pedagógicas, registrando todos os
avanços e todas as dificuldades encontrados. Realizam reuniões semanais para avaliar o
processo ensino-aprendizagem;
A preparação para um estudo independente – verificamos o processo de
autonomia intelectual dos professores na atuação como orientadores dos projetos de
pesquisa dos alunos, na busca de informações na internet sobre os conteudos
relacionados aos temas das pesquisas e aos assuntos da cultura ocidental que ensinam.
Uma ousadia é que eles são pesquisadores e participam das investigações de campo,
junto com os alunos;
A preparação do professor-pesquisador – observamos que o fator criatividade
direciona a produção do conhecimento. Eles procuram ser autores e não apenas
reprodutores de um conhecimento;
A produção de materiais didático-pedagógicos – constatamos que a escola tem
uma função social e educacional, resultante de processos de iniciação científica, de
estudo independente e de reflexão sobre a prática. Na EIBC, as monografias servirão de
instrumentos pedagógicos para a educação de outros alunos indígenas, como também de
97
diagnóstico dos problemas socioambientais das comunidades, e de seu patrimônio
cultural.
Convém enfatizar que durante os nove anos de funcionamento da escola, os professores
tiveram acompanhamento pedagógico, com assessoria constante de profissionais de
diversas áreas do conhecimento. Participaram de oficinas pedagógicas e obtiveram
formação técnica necessária ao desenvolvimento de alternativas auto-sustentáveis no
Rio Içana. Esses cursos, em sua maioria, foram feitos em serviço.
Em nossa opinião, a proposta do RCNEI em transformar esses aspectos em disciplinas,
é desnecessária. Mesmo porque, como estratégias de abordagem de assuntos, podem ser
trabalhadas através de oficinas de formação, tanto para os alunos como para os
professores indígenas. Temas como “estudo dirigido” e “iniciação à pesquisa”, também
propostos como disciplinas, seriam melhor explorados didaticamente, em forma de
oficina. Dessa forma, a sistematização do trabalho de observação da natureza e da
tradição indígena no cotidiano das escolas e das comunidades, como também o trabalho
de levantamento e de registro dos conhecimentos mitológicos, seriam vivenciados na
relação teoria-prática.
A participação dos professores indígenas como formadores desses profissionais torna-se
imprescindível, pois estão mais familiarizados com a realidade de seus povos do que os
docentes não-índios. Mesmo porque eles são os melhores conhecedores de seus
problemas e de suas realidades sociais, de seus ecossistemas, de suas Línguas, de seus
processos científicos, de suas significações mitológicas e de seus percursos políticos e
históricos de relação com a escola formal. Diante disso, eles precisam estar à frente dos
processos de formação, somando e trocando conhecimentos com os docentes não-
indígenas. E, com base nas afirmações dos professores da Pamáali, essa seria a
alternativa mais coerente e prognóstica, se não fossem os determinismos burocráticos.
Acreditamos, portanto, que o percurso de formalização de uma escola indígena não
pode dar certo se a formação de seus professores for pensada e executada somente por
profissionais não-índígenas. Até porque, dificilmente as propostas pedagógicas
diferenciadas em desenvolvimento no Alto Rio Negro estão alicerçadas em orientações
98
curriculares disssonantes de seus contextos. As decisões sobre as metodologias, o
currículo, os temas transversais, os conteúdos programáticos, as avaliações e o
funcionamento das escolas indígenas nessa região são discutidas, em seminário, de
acordo com as reivindicações e as concepções das comunidades locais.
Dando sequência a esse reciocínio, percebemos que o processo de ensino-aprendizagem
nas escolas indígenas é inverso ao de muitas escolas da cultura ocidental. O primeiro é
extremamente concreto e o segundo, por demais abstrato. Nesse sentido, a formação de
professores indígenas depende de formadores Índios conhecedores de suas experiências
e vivências para fazer a relação entre teoria e prática, porque a compreensão do saber
fazer indígena extrapola o nível do discurso teórico. É nesse contexto que Nietzsche
(2005), tão apropriadamente, definiu a relação complexa entre culturas ou povos
diferentes:
Não basta utilizar as mesmas palavras para compreendermos uns aos outros;
é preciso utilizar as mesmas palavras para a mesma espécie de experiências
interiores, é preciso, enfim, ter a experiência em comum com o outro. Por
esse motivo os indivíduos de um povo se entendem melhor do que membros
de povos diversos, mesmo que estes se sirvam da mesma Língua; ou melhor,
quando as pessoas viverem juntas por muito tempo, em condições
semelhantes (clima, solo, perigos, necessidade, trabalho) nasce algo que „se
entende‟, um povo.112
Não podemos esquecer, também, que as metodologias adotadas nos cursos de formação
de professores indígenas, podem comprometer a qualidade de concretização de uma
escola indígena intercultural. Nessa ordem de preocupação, podemos citar, como
exemplo, a experiência dos professores indígenas da Escola Kariamã, em Assunção do
Içana, que cursaram o Programa de formação e valorização dos profissionais de
educação (PROFORMAR), em São Gabriel da Cachoeira. Eles revelaram encontrar
dificuldades para construir uma escola indígena diferenciada, que valorizasse a cultura
indígena e não-indígena. Esse curso provocou expectativa em relação ao processo de
construção dessa escola, mas as metodologias de ensino adotadas, no Proformar,
privilegiaram os contextos escolares do não-índio. Diante deste fato, não se sentiram
seguros para formalizar uma proposta intercultural de ensino na escola. Assim, num de
112 Nietzsche , 2005, p.165. (grifos do autor).
99
seus depoimentos, um dos professores afirmou: “o curso que fizemos não ensinou a
construir uma escola indígena e nós não temos assessoria pedagógica como a Pamáali.
Por isso a gente continua trabalhando igual a escola do Branco.” 113
Dessa maneira, a busca pela autonomia indígena sob a administração de suas escolas e
de seus processos próprios de ensino-aprendizagem, inclui três exigências
fundamentais: a qualidade da formação dos professores indígenas; a formação dos
formadores que atuarão nessa formação e a garantia de formação continuada através de
oficinas e de assessorias.
Outra questão importante é a qualidade do ensino processado pelas escolas indígenas.
Se esta qualidade não for garantida, a busca por uma consolidação dos propósitos
educacionais dos Índios, do ponto de vista das aldeias ou comunidades, agregará ao
mesmo tempo, elementos de valor e de perdas. Isto fica bem claro, quando refletimos
sobre os movimentos indígenas do Alto Rio Negro em legitimar suas escolas, criando
alternativas de consolidação de seus projetos através de parcerias114
.
Ainda mais, no entendimento das lideranças indígenas do Alto Rio Negro, essas
parcerias são estratégias políticas que ajudam a efetivar muitas conquistas em relação ao
território, à educação, à saude e à autossustentabilidade dos povos indígenas da região.
Por essa lógica, as relações de cumplicidade entre o Estado Nacional e as metas
indígenas transcendem os determinismos nacionais de educação. A esse respeito, Silva
(2001) esclarece:
Mais apropriado, portanto, é caracterizar esse momento como um ponto de
inflexão, mas um ponto de inflexão ainda em constituição, sem que se saiba
claramente qual a direção seguinte. [...] Por isso este é também um momento
propício para o debate crítico, para a reflexão teórica e política, para a análise
fundamentada em conhecimento detalhado de casos concretos, em pesquisas
documentais, em etnografias de processos e de situações específicas, porém
muito diversificadas. 115
113 Pesquisa de campo, agosto de 2008.
114 Parcerias com Organizações não-governamentais nacionais e internacionais.
115 Silva, 2001, p.11.
100
Por essas e outras razões, Pamáali representa uma negação aos determinismos
norteadores da sociedade envolvente na forma de conduzir a educação formal indígena.
Em seus processos ousados de construção intercultural, sacramenta um caminho
promissor de educação escolar aproximado dos interesses e das reais necessidades de
cada etnia, em diferentes contextos. Confirma, dessa forma, a necessidade de inflexão,
isto é, de posturas resilientes nos processos de efetivação da escola indígena.
3.2.3. No Ensino de Ciências
Em relação ao ensino de Ciências, a EIBC adota a pesquisa como meio de produção de
conhecimentos e de investigação do ambiente. Nesse raciocínio, as comunidades
indígenas são geradoras de aprendizado, sendo portadoras de problemas a serem
investigados pelos alunos. Assim, o professor indígena torna-se “um interlocutor entre
as aspirações da comunidade, as demais sociedades e a escola.”116
Portanto, a proposta de ensino com pesquisa contempla um dos objetivos primordiais da
educação intercultural, como também do Ensino de Ciências na Amazônia, uma vez que
os contextos indígenas estão fortemente entrelaçados com as questões ambientais e
auto-sustentáveis. Esse norte metodológico alia cultura aos conhecimentos científicos
processados nas áreas de Ciências Naturais, exigindo e possibilitando a prática da
interdisciplinaridade.
Três focos dos temas transversais pensados para as escolas indígenas contemplam as
temáticas “ambiente” e “sustentabilidade”117
: Terra e conservação da biodiversidade;
Autossutentação; Saude e educação. Os outros três temas focalizam a cultura:
Pluralidade cultural; Ética; Direitos, lutas e movimentos. Assim organizados, são
“temas que permitem um elo de discussão entre as áreas de estudo, para que passem,
todas, a servir a um projeto social definido pela comunidade.”118
116 Ibidem, p.43.
117 Grifos nossos.
118 Ibidem, p.93.
101
Essa inter-relação entre Ciência e cultura faz com que a proposta do RCNEI enverede
por um programa de ensino das Ciências Naturais, aliado à tecnologia e à valorização
das etnociências. Seguindo essa linha de análise, Pinto (2005) ressalta que “uma boa
parte do que conhecemos como etnociências, ou seja, ciências que se fundamentam no
conhecimento produzido pelas sociedades indígenas e locais, foram praticadas no Brasil
e em particular na Amazônia.”119
Exatamente por isso, torna-se relevante uma
graduação ou uma pós-graduação em Ensino de Ciências na Amazônia, principalmente,
se considerarmos a participação das populações indígenas, caboclas e quilombolas nos
processos de desenvolvimento científico da região, fortemente determinado pela cultura
e pelos diversos sentidos e valores que este termo encerra.
Eagleton (2005), ao dissertar sobre a idéia de cultura e de sua multiplicidade de sentidos
adquiridos historicamente, conclui que, além de determinações históricas, o conceito de
cultura inclui questões existenciais de grande relevância. E afirma:
Neste único termo, entram, indistintamente em foco, questões de liberdade e
determinismo, o fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado. Se
cultura significa cultivo, um cuidar, que é ativo daquilo que cresce
naturalmente, o termo sugere uma dialética entre o artificial e o natural, entre
o que fazemos ao mundo e o que o mundo nos faz. 120
O autor afere, portanto, um duplo sentido ao significado de cultura: o de matéria-prima
(um corpo natural que existe além de nós) e o de construtivismo, já que interferimos
nessa matéria para conhecê-la e transformá-la. Por esse prisma, a insistência na
oposição entre natureza e cultura, em nada reflete a dialética que sempre existiu entre
homem e natureza.
Essa questão é fundamental para entendermos a relação dos indígenas com o território e
com a biodiversidade e o ecossistema do espaço habitado. A intervenção do Índio na
natureza, conforme a proposta do RCNEI, imprime à sociedade indígena o caráter
científico e tecnológico, próprio da atividade humana. No diálogo com a cultura
nacional, o estudo das ciências nas escolas indígenas tem dois propósitos: (1) a
119 Pinto, 2005, p.170.
120 Eagleton, 2005, p.11.
102
necessidade de compreensão da lógica, dos princípios e dos conceitos da Ciência
ocidental, promovendo o diálogo em melhores condições com a sociedade nacional e;
(2) a apropriação dos instrumentos e recursos tecnológicos que possam garantir a sua
sobrevivência física e cultural.
Como a área de Ciências da natureza está diretamente ligada aos temas transversais
“Terra e biodiversidade” e “Autossustentação”, o PPP da Pamáali viabiliza a criação de
projetos de desenvolvimento sustentável para a região do Içana. As pesquisas
direcionadas para essa questão resultam em monografias, que serão aprofundadas no
EMII, como problemas de projetos de pesquisa.
A preocupação dos Baniwa e Coripaco com a questão da sustentabilidade encontra
ressonâncias nas considerações de pesquisadores e estudiosos da Amazônia como
Becker (2006); Benchimol (2002); Pinto (2005); Ribeiro (2000); Silva, Freitas (2003);
dentre outros, que traduzem a importância da Ciência do Índio na construção de um
cenário científico de grande valor para o desenvolvimento das Ciências ocidentais. Isto
se ratifica nas reflexões de Pinto, quando o mesmo afirma que:
Mais importante ainda, é o reconhecimento dos direitos das sociedades
indígenas de prosseguirem seus processos culturais e tecnológicos através de
conhecimentos que devem ser, quando for o caso, permutados em condições
satisfatórias para essas sociedades que muito nos ensinaram durante todos
esses séculos121
.
Silva (2003) acentua essa prerrogativa, ao abordar a questão do desenvolvimento
sustentável como uma relação de complementaridade entre culturas com diferentes
concepções e valores. Essa relação deve se servir dos elementos contraditórios para
efetivar uma postura essencialmente humana de compreensão da vida, como um sistema
e uma complexidade de relações sociais e históricas transformadoras de uma sociedade,
num determinado tempo e espaço.
Assim, a busca dos povos indígenas por outros conhecimentos, encontra respaldo no
Ensino de Ciências na Amazônia, cujo objetivo principal é a sociedade. Este objetivo
121 Pinto, 2005, p. 71.
103
deve contemplar a melhoria de condições de vida desses povos, em regiões de difícil
acesso, através de tecnologias e de alternativas sustentáveis de exploração e uso dos
recursos naturais da região e, deve também facultar-lhes os direitos necessários de
comunicação e desenvolvimento.
Em vista desses objetivos, os processos de ensino-aprendizagem das Ciências naturais
nas escolas indígenas e, particularmente na EIBC, são expressivos em relação às
escolhas indígenas sob seus processos emancipatórios de educação. E essas escolhas
foram construidas historicamente, tornando-se hoje, uma política de educação
intercultural.
No RCNEI, a imbricação entre o Ensino de Ciências e o desenvolvimento sustentável
tem suas bases na metodologia de ensino com pesquisa. Os conteudos curriculares
também cooperam para esse propósito, porém, a sintonia maior é a proposta de
trabalhos por temas, todos congruentemente ajustáveis às concepções indígenas de
investigação do ambiente.
A esse respeito, vivenciamos na Pamáali, várias situações. Primeiro nos perguntamos
como os indígenas constroem a sua relação com a natureza e a partir deste diagnóstico,
tentamos compreender suas concepções de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais;
ou melhor, das Ciências. Acabamos descobrindo que no estudo do ambiente, todas as
Ciências são contempladas e nas aulas práticas, de campo, essa mesclagem é bastante
evidente.
Fotos 50 a 51 – O estudo das Ciências Naturais
Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez.2009
104
Aprendemos que os indígenas possuem um conhecimento minucioso do meio natural:
conhecem a diversidade biológica (espécies da fauna e flora de seus territórios) e a
diversidade ecológica deste mesmo espaço, ou seja, dos seus diferentes ecossistemas.
Nesse processo, a forma como experimentam o “desconhecido”122
tem fortes raízes
culturais.
Fotos 52 a 53 – O diálogo entre as Ciências
Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez.2009
Essencialmente sinestésicos, eles observam inúmeros fenômenos da natureza. Através
do tato, do cheiro de diferentes odores, da leitura visual dos movimentos do sol, das
estrelas, das pegadas dos animais na floresta, dos sinais de chuva e dos diferentes
ambientes geográficos dos rios e dos espaços terrestres, dentre outras relações com o
ambiente, o Índio consegue manifestar seu conhecimento sobre a natureza. Consegue
também produzir as ferramentas necessárias para o uso de tecnologias próprias às suas
necessidades de plantio, de pesca, de fabricação de artefatos domésticos, de construção
de moradia, de canoas etc.
Mediante a forma própria de o Índio experimentar e testar o seu objeto de estudo,
podemos também lhe aferir uma percepção sensível da natureza, estabelecendo com ela,
graus significativos de sinais. É o caso de perguntarmos: Como um indígena sabe o
momento certo para a caça, para a pesca e para a colheita de alimentos? Como ele
percebe a presença de uma víbora no seu caminho? Como, de repente, ele acha o
caminho da aldeia ou da água, mesmo estando perdido na mata? Como ele constrói as
122 Aqui entendido como descobertas no mundo natural (Grifo nosso).
105
casas e as malocas com tanta perfeição de medidas? Como, numa corredeira cheia de
pedras, ele consegue navegar pelo único canal disponível?
Para entendermos melhor essa imbricação Índio-natureza, torna-se necessária a
desmistificação de algumas concepções ingênuas que habitam o imaginário de muitas
pessoas sobre as vivências indígenas na atualidade, principalmente quando se aborda a
questão ambiental. O Índio contemporâneo amazônico vive em contato direto com a
natureza e com ela sempre manteve três tipos fundamentais de diálogo: simbólico,
utilitarista e de investigação científica – dá nome e agrupa diversos elementos da
natureza, ou seja, sistematiza um conhecimento, classificando elementos pela cor, pelo
cheiro, pelo sabor, pela forma, pela tentativa e erro através do teste, observando o que
acontece com um animal quando consome determinada planta etc.
Os conhecimentos científicos indígenas processados dessa forma, devido à
complexidade das consequências pós-contato, extrapolam a prática do que hoje se
denomina como etnociências. Por este fato, podemos afirmar que hoje, na região
Amazônica, existe um quarto tipo de diálogo em vias progressivas de consolidação: o de
desenvolvimento sustentável.
Essas constatações são notórias quando conhecemos de perto, como os indígenas do
Alto Rio Negro estão aliando as práticas escolares aos projetos sustentáveis de
exploração dos recursos naturais, através do ensino via pesquisa.
3.3. O ENSINO DE CIÊNCIAS ATRAVÉS DA PESQUISA
Um dos grandes problemas da educação nos dias de hoje é tornar o ensino uma
atividade significativa para o aluno. Um outro problema é inserir o professor numa
lógica de ensino que atenda a esse desafio. A grande questão é: que processos de
ensino-aprendizagem estão norteando as práticas educativas? Estas práticas estão
contribuindo para a formação de alunos autônomos e críticos? As metodologias
pensadas por grande parte dos professores possibilitam a construção dessa autonomia?
Estas perguntas introduzem o nosso questionamento sobre as escolas de não-indígenas
que conhecemos e que nos dá segurança para afirmar: essa escola que construimos não
106
serve ao propósito de produção individual ou coletiva dos alunos e dos professores, pois
ainda mistifica o conceito de pesquisa e ainda perpetua o significado de “apenas
repasse de conteudos”, ou “o lugar de pouca problematização e questionamento
das questões estudadas”.123
Infelizmente, o que vemos com muita frequência no nosso sistema de ensino nacional,
são escolas engajadas no acúmulo de resultados de aprendizagem, sem, contudo,
valorizar os processos de crescimento e de decisão dos alunos em relação aos seus
projetos de vida e de sociedade. Este grau de importância dos resultados, em detrimento
dos processos, não gera produção e nem autoria, o que justifica a nossa comparação
com as escolas indígenas interculturais, porque estas são embasadas em uma lógica
contrária àquelas.
Essa lógica atende aos propósitos indígenas de emancipação política, sociocultural e
economicamente sustentável, tendo como princípio educativo a pesquisa. Nesse sentido,
afere-se à Escola Indígena Baniwa e Coripaco, uma prática diferenciada de ações, a
partir das seguintes constatações:
os alunos e professores são aprendentes e ensinantes; são aderentes à produção
própria de conhecimentos, inclusive elaborando livros-texto para serem utilizados na
alfabetização e nas séries iniciais do Ensino Fundamental (ver fotos na página seguinte);
os projetos da escola estão em sintonia com os projetos das comunidades e da
sociedade indígena;
o contexto demanda as práticas curriculares, e não o inverso;
a interdisciplinaridade não é uma dificuldade, é uma consequência da construção
coletiva de planejamentos, estudos e pesquisa;
a escola compartilha ações e responsabilidades entre professores, pais, alunos e
comunidades;
os métodos de ensino são mais dialógicos, provocando mais questionamentos por
parte dos alunos do que respostas e assim, desperta-lhes a vontade de fazer descobertas;
123 Grifos nossos.
107
a Arte é tão Ciência quanto as demais disciplinas, e por uma grande razão: Ciência e
cultura sempre andaram juntas;
as práticas ou atividades escolares convergem para o exercício da solidariedade e do
respeito, ou seja, os valores não são disssociados dos conteudos científicos.
Fotos 54 e 55 – Livros-texto publicados
Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009.
Essa breve comparação entre o norte metodológico das escolas indígenas e a realidade
educacional vivenciada em muitas escolas brasileiras da “sociedade envolvente”, como
afirmam os indígenas, é uma forma de expressar o quanto precisamos mudar as nossas
concepções de ensino e de aprendizagem, as nossas metodologias e a nossa posição de
apenas “ensinantes”. Na sequência dessa explanação Severino (2007) afirma que:
A atividade de ensinar e aprender está intimamente vinculada ao processo de
construção do conhecimento, pois ele é a implementação de uma equação de
acordo com a qual educar significa conhecer; e conhecer [...] significa
construir o objeto; mas construir o objeto significa pesquisar. 124
A compreensão da pesquisa como parte do ensino e do processo de aprendizagem se
compõe numa proposta que geralmente só é desenvolvida quando os alunos chegam à
Universidade. Nas escolas de Ensino Fundamental e Médio, salvo algumas exceções,
não se dá a devida importância à pesquisa como aquela que propicia posturas diferentes
de construção de conhecimento. Buscar alternativas nesse sentido poderia (re) significar
as práticas de ensino nas escolas, principalmente no Ensino de Ciências.
Muitas vezes é difícil imaginar uma aula de Física, Química, Biologia, Matemática, sem
atividades que levem a um experimento, a uma observação de uma planta, de
124 Severino, 2007, p.25.
108
transformações químicas ou físicas no ambiente, a uma excursão em espaços não-
formais, ou a qualquer situação que provoque a relação abstrato-concreto.
Fotos 56 e 57 – Dos experimentos aos conceitos
Fonte: Arquivos da EIBC, ago. 2008
A partir dessa prerrogativa, Severino (2007) infere que essa relação se concretiza
quando atrelamos o ensino à pesquisa, como a via de acesso à experiência e, a partir
dela, à sistematização dos conceitos. Demo (2002) também salienta que a relação
ensino-pesquisa se torna complexa porque há uma insistência em subestimar a pesquisa,
colocando-a em patamares inatingíveis para aqueles que ensinam. E acrescenta ainda:
“quem ensina carece pesquisar, quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas
ensina, jamais o foi [...] não se atribui a função de professor a alguém que não é
basicamente pesquisador.”125
Essa situação do professor que ensina e ao mesmo tempo pesquisa, embora muitas vezes
polemizada, tem em seu cerne uma questão primária de postura investigativa e
diagnóstica inerente às práticas educativas. A simbologia em torno do ofício de
pesquisador acaba distanciando os sujeitos sociais dessa prática, onde o conformismo da
execução de tarefas parece mais adequado e confortável. Com efeito, Demo (2002)
argumenta ser necessária a desmistificação da pesquisa, tornando-a naturalmente
inserida na prática. Neste ponto, além das virtudes teóricas, convém aferi-la a função de
motivação e socialização do conhecimento.
A pesquisa, portanto, deve ter ao mesmo tempo o sentido de busca de conhecimento
científico, como também um significado político de realização. Na escola EIBC, o
sentido político veio à tona, quando perguntamos aos professores sobre o porquê da
125 Demo, 2002, p. 15.
109
opção por essa metodologia de ensino, e o professor Juvêncio Cardoso fez a seguinte
declaração:
A gente avaliou que esse sistema de pesquisa tinha que ser de acordo com a
realidade do Içana. E a gente já discutiu, em nível de Município, que todas as
escolas vão trabalhar via pesquisa para registrar o conhecimento já
acumulado através dos velhos e para registrar a história indígena. Essas
monografias vão fundamentar outras pesquisas no Ensino Médio [...] e vão
também atender às necessidades de sustentabilidade de cada comunidade. É
por isso que os temas são variados e que o professor não fecha a área de
interesse do aluno.126
A análise que fazemos desse depoimento ratifica três objetivos em relação à prática da
pesquisa: (1) registrar em Língua Baniwa e Coripaco os conhecimentos tradicionais
indígenas para não se perderem; (2) detectar as situações-problema de cada
comunidade, seja sobre questões de sustentabilidade ou de cunho sociocultural e; (3)
estabelecer uma política de educação escolar indígena via pesquisa.
Essa relação direta com os propósitos de emancipação de um povo, através da educação,
denota as características de criatividade e descoberta das atividades investigativas. Estes
dois fatores corroboram com a ideia de que a “pesquisa é processo que deve aparecer
em todo trajeto [escolar], como princípio educativo que é, na base de qualquer proposta
emancipatória.”127
A fecundidade desse imperativo torna relevante a nossa reflexão sobre o ensino via
pesquisa e sua relação com o desenvolvimento sustentável e com o Ensino de Ciências.
Essa trilogia de fatores tributários um do outro, tem sólido aparato nas análises de Demo
(2002) sobre o significado da pesquisa como princípio educativo e como princípio
científico. Principalmente, porque o nosso objeto de estudo, uma escola indígena
intercultual, desenvolve os dois pontos de vista. Tem também fundamentação nas
considerações de Saviani (1987), cuja abordagem da didática da pesquisa encontra
reflexo nas práticas educacionais da Pamáali. Para tanto, seria oportuno definirmos os
dois conceitos apresentados por Demo, para assim, situarmos a prática de ensino da
Pamáali nesses dois caminhos.
126 EIBC ( Pesquisa de campo, dezembro de 2009 – entrevista com os professores).
127 Demo, 2002, p.16.
110
3.3.1. A pesquisa como princípio científico
Os estudos numa acepção científica são definidos por Demo (2002), como aqueles
próprios de estágios rigorosos de investigação, com precisão de dados científicos e
acuidade teórica e metodológica, concernentes ao nível acadêmico de ensino. Porém, o
autor faz questão de frisar que a visão formal da pesquisa está entremeada de um
princípio educativo, uma vez que a formação do pesquisador criativo, implicado com a
realidade, disciplinado e historicamente crítico, deve ser semeada e trabalhada em todos
os níveis do ensino básico.
Conforme esse conceito, em que medida a pesquisa como princípio científico é uma
prática nas escolas indígenas do Alto Rio Negro, que hoje desenvolvem uma educação
intercultural? Em primeiro lugar, os estudos realizados pelos alunos da EIBC, resultam
em produções (monografias), cujo processo de elaboração segue padrões científicos de
formalização e de estudo. Em cada trabalho monográfico podemos identificar o
problema de pesquisa, a fundamentação teórica, a metodologia empregada para coleta e
análise dos dados, os resultados da pesquisa. (ver anexos 3 e 4, p. 166-167 ). Parte
desses estudos se fundam em experiências de iniciação científica, cujos autores são
alunos bolsistas de projetos de pesquisa implementados pelo Instituto Nacional de
Pesquisa na Amazônia (INPA), na região do Rio Içana.
Cerca de 50% dessas monografias (um total de 18 estudos) são representativas de um
conhecimento elaborado sobre plantas medicinais Baniwa e Coripaco; orquídeas do
Içana; peixes da região; experiências de manejo ambiental; práticas alternativas de auto-
sustentabilidade (avicultura, piscicultura, agricultura); pimentas Baniwa; caça e pesca
Baniwa; diversidade de plantas que possuem óleo; variedade de insetos existentes em
determinada área do Rio Içana; mudanças climáticas na região; dentre outras que
referendam conhecimentos relacionados às Ciências da Natureza. Para explicitarmos o
caráter científico destes trabalhos, delimitamos, nesta dissertação, um tópico específico
para as monografias Baniwa e Coripaco, considerando os aspectos da didática da
pesquisa endossados por Saviani (1987).
Retomando ainda as análises de Demo (2002), o princípio científico das pesquisas está
diretamente relacionado com a questão curricular, que necessita embasar-se nos
111
contextos. Ao fazer uma crítica às práticas comuns de pesquisa, não estruturantes dos
percursos de ensino e aprendizagem nas escolas, adverte que:
A pesquisa continua aparecendo conjunturalmente, enquanto deveria ser a
própria estrutura curricular. O aluno leva para a vida não o que decora, mas
o que cria por si mesmo. Em vez do pacote didático e curricular como medida
de ensino e da aprendizagem, é preciso criar condições de criatividade, via
pesquisa, para construir soluções, principalmente diante de problemas
novos.128
Essa compreensão de pesquisa, como estrutura curricular, encontra ressonância nas
metodologias processadas na Pamáali. A proposta de formação dos alunos e professores
da EIBC contempla uma filosofia de educação voltada para a realidade, para os
objetivos das comunidades do Rio Içana e para o exercício e a preservação da cultura
Baniwa e Coripaco. Cultiva, portanto, a imbricação entre processos de ensino-
aprendizagem, pesquisa e intervenção social. Tem em seu cerne os problemas de
desenvolvimento sustentável dos povos indígenas que habitam o Alto Rio Negro, tendo
em vista que “os povos indígenas da região desenvolveram, ao longo de milênios,
formas sofisticadas de adaptação ao meio ambiente, conhecida como a mais pobre de
toda a Amazônia, pela baixa fertilidade e acidez de suas terras e pobreza dos rios em
peixes.”129
Nesse contexto de dificuldades ao lidar com a carência de alimentos fornecidos pela
terra e pelos rios, os Baniwa e Coripaco precisam investir em práticas alternativas de
sobrevivência. Estão pensando uma escola indígena que, desde o Ensino Fundamental,
crie nos estudantes um vínculo com os lugares que habitam – não apenas um vínculo
cultural, aprendendo com os velhos, Komus, pajés ou mestres, os seus mitos,
tecnologias e tradições sociais –, mas também um vínculo com as possibilidades de
conhecimento dos recursos naturais da região e de exploração dos mesmos.
Esse duplo objetivo se concretiza através da pesquisa nas comunidades de origem de
cada aluno. A cada dois meses de estudo na escola Pamáali, os alunos têm um recesso
de um mês em suas comunidades. Lá, estudam os problemas e as potencialidades locais
que podem ser objetos de pesquisa. Fazem registros e entrevistas, coletam informações,
128 Demo, 2002, p.56. (Grifo do autor).
129 Mapa Livro, 2000, p.10.
112
materiais do solo e da água, plantas e espécies de alimentos, de peixes, de insetos, de
répteis etc. Estes se tornam objetos de estudos na Casa das Ciências que funciona como
um laboratório não-formal, sendo um local destinado à catalogação e à dissecação de
animais, de estudo dos tipos de solo e de socialização de experimentos químicos, físicos
e matemáticos. E os registros de campo sistematizados nos “cadernos de realidade”130
constituem-se em fontes teóricas importantes para a produção das monografias. Buscam
também o conhecimento com os velhos e com os pajés sobre os mitos Baniwa e
Coripaco que explicam a origem dos objetos que pretendem investigar. Procuram saber,
por exemplo, como surgiu a pimenta Baniwa segundo seus ancestrais.
Fotos 58 a 60 – Casa das Ciências
Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009.
Além da questão mitológica, procuram registrar as tradições socioculturais cultivadas
pelos mais velhos, como o parto tradicional Baniwa, a educação tradicional Baniwa e
Coripaco, o sistema de comércio na cultura Baniwa e outros. Ao retornarem para a
escola, eles aprendem a lidar com as tecnologias ocidentais (através de oficinas), que
serão muito úteis na criação de alternativas para a produção de alimentos, da pesca, do
cultivo de plantas medicinais e para a criação de animais que possam suprir a escassez
da caça.
Essa relação com as tecnologias da cultura nacional tem sido viabilizada pela
compreensão dos indígenas Baniwa e Coripaco sobre os processos de desequilíbrio da
natureza e da necessidade de conhecer as potencialidades do ecossistema que os cerca e
sobre o qual precisam saber mais. Esse conhecimento se torna imprescindível para eles,
pois os problemas ambientais que enfrentam são de natureza alimentar, predatória,
climática, enfim, questões básicas de subsistência.
130 Instrumento de coleta e registro de dados ,com informações sobre o percurso das pesquisas nas comunidades.
113
É nesse sentido que uma educação conectada com os saberes científicos da cultura
ocidental pode auxiliá-los no empreendimento de alternativas sustentáveis. Essa é
apenas uma das razões importantes para que o Índio do Rio Içana tenha acesso a uma
educação intercultural. Na verdade, o interesse por uma escola com esse perfil abrange
outras necessidades fundamentais, como a importância de ser bilíngue ou multilíngue e,
de ter direito de continuar seus estudos, cursando uma universidade estruturada nos
moldes ocidentais, dos quais precisa ter conhecimento.
Por conseguinte, a forma como os indígenas estão construindo o sentido da pesquisa em
suas escolas, caracteriza o caminho de autonomia desejado. E mais do que um princípio
científico, fomenta atitudes criativas e críticas desde as séries iniciais do Ensino
Fundamental. É o lado educativo da pesquisa que convém, agora, esclarecer.
3.3.2. A pesquisa como princípio educativo
O princípio educativo das práticas de investigação nos leva a considerá-las em âmbito
escolar, no Ensino Básico, sendo fundamental a formação e a atuação dos professores
para efetivá-las. Nesse contexto, Demo (2002) argumenta que, os processos de
autonomia se estabelecem, quando “o ser social descobre sua condição histórica e
compreende que em parte ela é dada e em parte é causada.”131
Portanto, as situações de
conflito, derivadas de processos históricos e estruturais, originam mudanças relevantes
nas práticas escolares indígenas.
Nesse caso, é notória a preocupação das lideranças indígenas com a gestão de seu
futuro. A questão da educação formal através da pesquisa ganha suportes de grande
valor político e econômico, uma vez que como prática, viabiliza propósitos de auto-
gestão. Nesses parâmetros, a escola indígena assume a função de superar a imposição
histórica de uma educação formal, com diretrizes não-indígenas. Entretanto, não basta
investir em sua qualidade política, mas, é preciso revesti-la de qualidade estrutural,
empregando esforços no preparo dos professores.
É muito importante que esses profissionais do Ensino Básico vejam o Ensino de
Ciências como aquele interligado aos projetos coletivos ou individuais de elaboração do
131 Demo, 2002, p. 78.
114
conhecimento. A pesquisa como um princípio educativo pode ser o começo de uma
frutífera relação com o saber, pois integra os requisitos necessários à formação do
aluno-sujeito, como aquele que é motivado a buscar respostas e que deve exercitar a
capacidade de dialogar com os fatos e com as pessoas.
É nesse sentido que Sacristán (2002), ao discutir sobre a questão da motivação do
professor para realizar projetos e pesquisas nas escolas, afirma que o grande problema
do ensino
é termos educado as mentes, mas não o desejo. Para educar é preciso que se
tenha um motivo, um projeto, uma ideologia. Isso não é ciência, isso é
vontade, é querer fazer, querer transformar. E querer transformar implica ser
modelado por um projeto de emancipação social e pessoal.132
Em vista disso, a EIBC acentua essa preocupação, pois os alunos fazem desse objetivo,
a sua fonte de crescimento cultural, social e econômico. Os professores, por sua vez,
fazem da pesquisa, a base construtiva do programa de ensino. Assim, essa estratégia,
adotada no Ensino Básico, não tem uma conotação de “difícil” ou de “dissociada”133
do processo ensino-aprendizagem. E por estar no centro de suas práticas de ensino,
favorece a construção de projetos interdisciplinares e um Ensino de Ciências Naturais
com atividades no campo e com experimentos.
Isto nos faz pensar que o construto entre teoria e prática, no Ensino Básico, motiva a
criatividade de alunos e professores e faculta o exercício de autoria. Assim, na análise
de Fazenda (2001), “fazer pesquisa significa, numa perspectiva interdisciplinar, a busca
da construção coletiva de um novo conhecimento, onde este não é, em nenhuma
hipótese, privilégio de alguns, ou seja, dos doutores ou livre-docentes na
Universidade.”134
Sendo assim, o grande avanço dessa proposta de ensino é a “iniciação”135
, isto é, a
vivência simples de uma pesquisa em termos educativos e em termos de iniciação
132 Sacristãn, 2002, p.86.
133 Grifos nossos.
134 Fazenda, 2001, p.18.
135 Termo e grifo nossos.
115
científica. O que representa um passo importante para o desenvolvimento de estratégias
de ensino e aprendizagem de Ciências Naturais.
3.3.3. A relação com o desenvolvimento sustentável
Do ponto de vista de Cunha (2000), com a divulgação do movimento ecológico a partir
dos anos 1970 e 1980, instala-se uma crise mundial em torno da questão ambiental e
surgem expectativas em torno do etnodesenvolvimento, do direito à diferença e à
diversidade cultural. Ocorre, por parte das organizações internacionais, uma apologia
aos princípios de igualdade de direitos entre povos diferentes e entre maiorias e
minorias. A divulgação dessa política internacional de “proteção ao ambiente”136
passa a assumir proporções e dimensões de interferências, que logo começam a ser
questionadas pelas nações mais visadas pelo seu potencial ecológico. E entra no cenário
a Amazônia.
Mas, seguindo as afirmações de Grupioni (2000), o que deve prevalecer são as decisões
de cada país e das populações indígenas na gerência de um modelo estratégico de
desenvolvimento que possa beneficiar a sociodiversidade local. Dessa maneira, abrem
espaço para as populações tradicionais da Amazônia dialogarem com a cultura
ocidental, com igualdade de direitos e de recursos. Para isso, o reconhecimento da
contribuição desses povos para os avanços científicos em várias áreas do conhecimento
é o primeiro passo para a consolidação de uma política solidária e justa de relações
interculturais. Essa possibilidade de valorização dos conhecimentos tradicionais, como
também a conquista do território, contribuiu para o desenvolvimento de projetos auto-
sustentáveis dos povos indígenas do Alto Rio Negro, dentre eles, os Baniwa e Coripaco.
Na reportagem do jornal a Crítica de 26 de setembro de 2008, numa edição especial
sobre sustentabilidade na Amazônia, a escola Pamáali aparece como referência na
questão de manejo ambiental, através da prática da piscicultura. Atualmente, o projeto
funciona com uma estação de reprodução em cativeiro de Aracu (Leporinus fridericy) e
Acará (Apistogramma sp), possuindo três viveiros, cada um com uma capacidade de
136 Grifos nossos.
116
reprodução de 5000 alevinos. Conforme a reportagem, desde o início da produção, já
foram distribuidos mais de 1 milhão de alevinos para as comunidades da região.
Fotos 61 a 63– Viveiro e estação de alevinos
Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008 e dez, 2009
Quando lemos as monografias dos alunos da Pamáali e visualizamos as práticas de
pesquisas dos alunos nas comunidades do Rio Içana, percebemos que a questão da
sustentabilidade reflete a percepção viva e qualitativa da realidade que essas populações
sempre mantiveram com o ambiente.
Nas considerações de Waldman (2006) e Ribeiro (2000), qualquer tipo de relação entre
as sociedades tradicionais e o meio natural é marcadamente respeitoso com as
manifestações cíclicas da natureza, mantendo com os espaços ecológicos uma
convivência harmoniosa e sem atitudes de exclusão. Assim,
dominando os mecanismos de reprodução e hereditariedade de plantas e
animais, os Índios desenvolveram uma política adequada à sua preservação.
Por isso dizemos que são sábios na manipulação de recursos naturais de seu
ambiente, associando prudência a conhecimento biológico.137
Essa atitude de conservação dos recursos naturais é determinada pela cultura. A forma
como cada civilização lida com o ambiente é fundamental para a utilização sustentável
dos bens naturais. Por uma questão de opção e, portanto, de cultura, os Baniwa e
Coripaco têm interesse no desenvolvimento sustentável da região do Içana. As razões de
tal escolha estão vinculadas à garantia do território, protegido pela união, à política
regional de sustentabilidade da Amazônia, e num sentido mais local, à necessidade de
137 Ribeiro, 2000, p.215.
117
empreendimentos alternativos de produção alimentar, energética e de exploração
adequada dos recursos naturais.
Por se tratar de populações indígenas da Amazônia e por viverem num território
demarcado como terras indígenas, desenvolveram, estrategicamente, uma política de
parcerias, principalmente com o ISA. Esta instituição contribuiu para fundamentar as
ações educacionais e de sustentabilidade nas comunidades da região do Içana e do Alto
Rio Negro. Entretanto, de acordo com Weigel (2000),
certamente, a definição e empreendimento de alternativas econômicas para o
povo Baniwa não dependem apenas da vontade desse povo, mas está a exigir
o estabelecimento de uma política econômica e social do governo brasileiro
que torne possível a realização das alternativas por eles pensadas e
propostas.138
Embora Weigel tenha constatado essa necessidade no início da década de 2000, na
mesma época em que a escola Pamáali começava suas atividades letivas, ainda podemos
perceber as dificuldades de empreendimento dos projetos autossustentáveis que vêm
desenvolvendo. E é recorrente nos discursos das lideranças da FOIRN e dos professores
da EIBC, a falta de assistência do governo para investir e dar continuidade aos projetos
de piscicultura (criação de peixes), de produção de mel (abelhas sem ferrão), de
avicultura (criação de aves) e de outros que serão implantados este ano, referentes à
produção de energia alternativa para a escola. Isto potencializa um Ensino de Ciências
através da pesquisa, delineador do ciclo monográfico: dos mitos à Ciência. (ver anexo 5,
p. 168).
Assim, para a consolidação das práticas de desenvolvimento sustentável na Pamáali,
destaca-se a importância dos conhecimentos tradicionais dos Baniwa e Coripaco como
objeto de pesquisa dos alunos. A riqueza desses conhecimentos investigados e
registrados pelos alunos produz um conhecimento híbrido (Ciência do Índio e Ciência
do não-índio) de grande aprendizado para os indígenas e não-indígenas. Além de
justificar a proposta intercultural de educação que estão desenvolvendo.
138 Weigel, 2000, p.27.
118
Esses conhecimentos e essas técnicas indígenas são reforçados pelas referências e
pesquisas de Ribeiro (2000). Esta afere às populações tradicionais a produção de
conhecimentos sobre o ambiente e sobre as plantas de grande valor terapêutico e
curativo de inúmeras doenças. E mais, afirma que essas populações são profundas
conhecedoras dos ecossistemas e da biodiversidade existentes nas grandes áreas de
floresta. A autora reforça também que “a capacidade curativa de plantas medicinais
indígenas está na base de grande parte dos remédios produzidos pelos laboratórios e
vendidos em farmácias, mas sua origem indígena é quase ignorada pela cultura
ocidental.”139
Ribeiro ressalta ainda que os povos tradicionais são os guardiões de um
vasto patrimônio bio-ecológico, saindo hoje, do mais completo anonimato para o centro
das atenções. Sendo assim, a questão da sustentabilidade das populações tradicionais
começa a interessar às grandes nações, tornando-se foco nas pautas de discussões sobre
a contribuição desses povos para o enriquecimento dos avanços científicos nos campos
da medicina, da botânica e da arqueologia.
Parte do comando desses processos, mais do que local, evidencia a proliferação de
organizações não-governamentais nacionais e internacionais. Entretanto, conforme
Ribeiro (2000), as pesquisas sobre o conhecimento e a classificação botânica das
plantas, decorrente de conhecimentos indígenas, são insipientes para a medição de suas
descobertas empíricas. Na escola Pamáali, numa das pesquisas, abordou-se o estudo das
plantas medicinais Baniwa e a relação com a cura de doenças. Na monografia, a aluna
Clarinda Custódio Paiva relata alguns dos resultados do seu trabalho:
Este trabalho reuniu quarenta e três tipos de plantas medicinais, que são
plantadas nas proximidades da casa, e doze plantas da floresta que foram
pesquisadas com os velhos. Uma dessas plantas é a Paracarí, que serve para
picada de cobra venenosa. É preciso amassar bem a folha com água e depois
tomar duas vezes por dia. Serve também para feridas que aparecem em todo o
corpo, nesse caso, o doente aplica essa mistura na pele por dez dias.140
Esse exemplo mostra claramente os conhecimentos tradicionais ligados à pesquisa e ao
fato dos indígenas serem detentores de muitos saberes que podem servir à produção de
139 Ribeiro, 2000, p. 204.
140 Ver PAIVA, Clarinda Custódio. Plantas Medicinais Baniwa. EIBC/Pamáali, 2004. (Monografia de conclusão do
Ensino Fundamental).
119
drogas para a cura de doenças. Gray (2000) realizou estudos sobre as plantas de origem
das drogas mais usadas pela medicina na atualidade e descobriu que um quarto (1/4) das
drogas medicinais provém de plantas da floresta e que três quartos (3/4) destas plantas
foram conhecidas através do contato com os indígenas.
Nas leituras que fizemos das monografias dos alunos da escola Pamáali (turmas 2004 e
2006), a maioria das pesquisas está direcionada para os conhecimentos tradicionais
indígenas, ligados a questões ambientais (ecológicas e biológicas). No total de 38
monografias analisadas, apenas nove (9) representam o estudo de causas ou problemas
ambientais que sinalizam a preocupação dos alunos com as práticas alternativas
sustentáveis. O que representa um bom percentual em termos de iniciativas nesse
sentido.
Na análise de Silva (2003),
a compreensão da complexidade dos ecossistemas amazônicos em qualquer
escala, tanto quanto a compreensão de propostas para preservá-los, conservá-
los ou desenvolvê-los com modelos sustentáveis, não estão limitadas pela
natureza amazônica, mas pela cultura, ou por fatores que dela dependem.141
Assim, independentemente dos espaços naturais ocupados, cada etnia tem o direito de
escolher como quer viver, onde quer morar e com quem quer se comunicar. Qualquer
investimento em pesquisas e projetos visando o etnodesenvolvimento estará
condicionado às concepções e interesses dos povos envolvidos. Nesse sentido, Tassinari
(2001) ratifica a relação entre cultura e empreendimentos sustentáveis junto aos povos
tradicionais, quando afirma que os significados e valores indígenas atribuidos às
relações de mercado ou de capital são muito diferentes da lógica do não-índio. Isso se
deve, principalmente, às tradições que os regem. Cunha (2000) complementa as
arguições de Tassinari e Silva ao afirmar que as questões interculturais envolvem mais
do que relações empreendedoras ou de transformação de seus conhecimentos em capital
cultural. O fato de ser Índio, além da subjetividade que isto engloba, significa uma
posição social, cultural e histórica em relação a outra posição, própria da sociedade
nacional. Por esta razão, estão buscando o conhecimento legitimado do não-índio para,
141 Silva, 2003, p.219.
120
em vias de cooperação, estabelecer contatos de interação e ajuda intelectual e
operacional, a fim de formalizar seus projetos sociais e econômicos. Um pré-requisito
para o sucesso dessas metas é o reconhecimento, por parte dos povos majoritários, de
seus valores e propósitos de vida, de suas políticas de autoafirmação cultural e
sustentável.
3.4. PAMÁALI : UM LABORATÓRIO VIVO
A prática de ensino na EIBC, muito peculiar a um contexto de aprendizado em
laboratórios ou espaços não-formais de educação, é favorecida pelo próprio ambiente
onde a escola se insere. O que suscita estratégias de ensino que têm na pesquisa de
campo, as fontes principais de acesso ao conhecimento. A natureza da educação escolar
indígena, por essência investigativa, agrega propósitos mitológicos, científicos e
experimentais. Propósitos imbuidos de uma história sociocultural e política que sustenta
um percurso de vida baseado num processo constante de interlocução com a natureza.
Na concepção de Saviani (1987), para se processar atividades didáticas regidas pela
pesquisa é necessário enveredar por alternativas como: aprender a aprender, motivar a
elaboração própria, realizar estudos em espaços não-formais, aplicar os conhecimentos
adquiridos e, recorrer a fontes variadas e de relevância científica. Para Penick & Yager
(1986) “é imprescindível, se a intenção é proporcionar uma imagem correta do trabalho
científico, contribuir com formas de organização escolar que favoreçam interações
frutíferas entre a sala de aula, a escola e o meio exterior.”142
A partir do reconhecimento da forma como a escola Pamáali processa o conhecimento e
com que objetivos, podemos considerar o fato de que numa escola indígena se aprende
Ciências Naturais em laboratórios não-formais, ou seja, em espaços significativos de
aprendizagem, onde ocorre uma nova compreensão do conceito de pesquisa e do
conceito de laboratório. São espaços singulares, com uma biodiversidade expressiva,
com casas e trilhas das ciências, onde os alunos aprendem a fazer experimentos e a
142 Apud Perez, 2006, p. 53.
121
coletar dados, identificando na floresta, uma variedade de plantas medicinais, de solos,
de animais e de frutas.
De acordo com Franchi (1988) os processos de ensino-aprendizagem através da escuta e
das anotações no caderno são apenas complementares em relação às atividades onde o
aluno elabora seu projeto de estudo e aprende construindo. Sendo assim, o discente que
constrói monografias como conclusão de curso, atribui significado aos conceitos
aprendidos, porque são resultados de interpretações entre teoria e prática. Essa questão é
enfatizada por Gil-Perez e Carvalho (2006) ao ressaltarem a importância de se aprender
Ciências através de atividades e experiências com pesquisa, pois os alunos precisam
achar significado no que aprendem.
Vale ressaltar que os conhecimentos geralmente respondem a questões – situações-
problema que devem alimentar o interesse dos alunos em aprender Ciências. Trabalhar
nessa perspectiva é não considerar a sala de aula como único espaço de aprendizagem,
pois os alunos precisam de prática, do concreto, para então dar sentido a tudo que
aprendem na teoria. Este é um diferencial na educação escolar indígena que faz com os
alunos sintam prazer em estudar.
Entre os indígenas, a relação com a natureza e com o concreto é tão forte, que para os
alunos explicarem as partes de uma planta, precisam desenhá-las. Para compreenderem
uma fórmula matemática, precisam mostrar nas medidas concretas de uma construção,
no caso as medidas de um viveiro de peixes, onde está cada código ou número da
expressão matemática. Para calcularem a distância de um lugar a outro, baseiam-se nas
curvas do percurso do rio.
Para exemplificarmos a relação concreto-abstrato, favorecida pelo espaço natural e não-
formal da Pamáali, destacamos um dos aspectos da Matemática focados pelo aluno
Juvêncio Cardoso em sua monografia “A prática da Matemática na Piscicultura” ao:
Calcular Viveiro no formato Retângulo
122
Entendendo: são utilizados dois lados do retângulo, igual como do quadrado,
mas tem uma diferença: os lados do retângulo têm medidas diferentes (do
quadrado é sempre igual). Assim a multiplicação dos lados diferentes (a e b)
dá como resultado um terceiro número diferente (c). Vamos ter o seguinte
exemplo:
a = 10 m
b = 20 m
Fica: Área= 10m X 20m = 200 m2 143
No exemplo acima, a origem dos conhecimentos matemáticos é o viveiro, ou melhor, os
diferentes formatos (formas geométricas) e medidas dos viveiros, que os próprios alunos
construiram. Para uma compreensão da abstração da fórmula, o aluno Juvêncio teve
todo cuidado com a linguagem. Cada letra ou símbolo foram explicitamente
identificados, inclusive no desenho. Essa compreensão matemática só foi possível
porque o aluno conseguiu transferir para a experiência vivida o significado da fórmula
matemática.
Essa sapiência indígena é traduzida por Silva (1977) como geradora de uma cultura
material rica em produção de artefatos, alimentos, conhecimentos sobre a fauna e a
flora, sobre a geografia e os rios. Ao descrever a fabricação de canoas, cestos, bancos,
cerâmica, os vários tipos de trançados, de malocas, podemos perceber com clareza de
detalhes a precisão de medidas, de acabamento e de durabilidade dos objetos e das
construções (a etnomatemática). Assim, ele descreve:
Admiram-se ainda hoje malocas bem antigas; de meio século [...] O sistema
de cobertura, peókaro, é sempre o de duas águas e com grande inclinação, de
sorte que o beiral do telhado ficará acima do solo um metro ou pouco mais
[...] Das paredes, tyákaro, as laterais são preferivelmente de palma trançada.
Encontram-se com mais frequência paredes de Pebé, palma que atinge dois a
três metros de comprimento e 30 e 40 cm de largura, ou ainda de Moa, cujas
palmas não são mais largas alcançando os folíolos uns 60 cm.144
No tocante a essa tecnologia indígena, Demo (2002) destaca ser bem certo que muitas
vezes se possa confundir o conceito de pesquisa com o conceito de filosofia, pois em
seu sentido original significa “apreço pela sabedoria”, seja decorrente da simplicidade
143 CARDOSO, Juvêncio. Prática de Matemática na Piscicultura. 2004, 39 f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio
Negro
144 Silva, 1977, p. 158.
123
ou de formas mais sofisticadas e consideradas formais de processar o conhecimento. Por
esse motivo,
também o índio que busca respostas às inquietações que o perturbam e faz o
mito, ou o caboclo que tenta explicar seus êxitos e fracassos e faz o saber
popular, há lastro possível de pesquisa, quer na atitude de questionamento e
dúvida, quer na adequação entre teoria e prática, quer na busca de
inventividade diante dos desafios, quer no desdobramento de passos
dedutivos ou indutivos.145
Nesse sentido, pesquisa significa o caminho para a libertação. Faculta a criatividade, a
atitude de dialogar de forma inteligente com a realidade, em qualquer época ou local.
Para demonstrarmos o trabalho de campo realizado pelos alunos da Pamáali, como
também o lado científico dos estudos, trazemos como exemplo, a análise de uma
monografia de um aluno que concluiu o Ensino Fundamental.
3.4.1. A monografia “Um estudo da caça no Médio Rio Içana”
Tomamos como exemplo essa monografia de autoria do aluno Eliseu Antônio para
reforçar as nossas afirmações. É um trabalho que mostra como a Pamáali vem
conduzindo o ensino com pesquisa de campo nas comunidades do Rio Içana. A
monografia está estruturada nos parâmetros de um trabalho científico, com introdução,
capítulos e conclusão. Na introdução, o aluno escreve:
com os resultados da experiência que realizei com o pesquisador Whaldener
Endo sobre o estudo da “caça” (neste caso aves e mamíferos de médio e
grande porte) na região do Médio Rio Içana, venho a elaborar este trabalho
que trata sobre a situação recente e atual de caças existentes nesta região.146
Ainda na introdução, Eliseu se apresenta como bolsista do Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia (INPA), realizando seu estudo em parceria com um pesquisador
desse instituto que o orientou no trabalho de campo, principalmente no que se refere aos
procedimentos para esclarecer o problema da escassez de caça na região. Neste caso, o
aluno se insere numa experiência de iniciação científica, com parâmetros rígidos de
observação e de coleta de dados. Nem todos os alunos da Pamáali vivenciam o mesmo
145. Demo, 2002, p.43.
146 Formando da EIBC-2006, de etnia Baniwa-Walipere Dakenai da Comunidade Canadá – Rio Aiari.
124
processo, pois as bolsas são limitadas. No entanto, vivem a experiência da pesquisa
como “princípio educativo”, ou seja, uma prática em que todos os alunos, desde as
primeiras séries do Ensino Fundamental, são motivados a observar, registrar, comparar,
perguntar, analisar, “aprender a aprender.” Eles aprendem a justificar suas escolhas,
fixando seus objetivos em interesses coletivos que respondam às demandas
socioculturais e de sustentabilidade das comunidades locais.
3.4.2. Pesquisa de campo e iniciação científica
A experiência de campo do aluno Eliseu foi realizada num período de 06 meses em oito
aldeias do Médio Rio Içana. Um trabalho que começou pelo reconhecimento das
comunidades indígenas (lócus da pesquisa) sobre a importância de sua pesquisa. Pois,
segundo Eliseu “[...] para realizar este tipo de estudo, é necessário primeiro realizar
anuência com os povos das aldeias, dizendo e explicando sobre todos os métodos de
trabalho, o tempo de permanência, o objetivo e o benefício que trará às populações”.
Nesses encontros, ele procurou explicitar o porquê da investigação sobre as práticas de
caça nas aldeias, uma vez que os mamíferos e as aves estavam diminuindo e se tornando
escassos em quase todas as comunidades do Rio Içana. A partir de entrevistas com os
caçadores, Eliseu obteve informações sobre os tipos de caça mais comuns e sobre as
tecnologias utilizadas nas oito aldeias. Outra fonte importante era a observação das
refeições comunitárias nesses lugares. Que caças estavam mais presentes e com que
frequência?
No segundo capítulo da monografia, Eliseu esclarece o motivo da escolha de regiões de
capinarana para realizar a sua pesquisa e comenta:
por ser aberta, a área de campinarana facilita as atividades durante a
realização de abertura dos transectos147. A sua terra arenosa facilita também a
penetração de água de chuva, pois na área de terra firme isso não acontece. É
por isso que escolhemos essa área durante o período chuvoso.148
147 Abertura de uma trilha reta marcada (4 km) para registrar a passagem de mamíferos.
148 ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro
Aluno Eliseu, monografia, p.7.
125
Nesse mesmo capítulo, faz o registro das diferentes vegetações que proliferam nas áreas
investigadas, escrevendo seus nomes em Língua Baniwa. Discorre sobre a situação atual
da caça na região do Alto Rio Negro e no Médio Rio Içana, fazendo referência à
pobreza dos solos e às dificuldades de caça na região. Explicita como conduziu a
pesquisa em cada aldeia, fazendo uma descrição de suas áreas e do que foi observado
nos transectos.
Nos demais capítulos, o aluno apresenta os resultados da pesquisa: censo das caças
existentes em cada aldeia (quantidade, tipo, tamanho), as dificuldades para coletar os
dados e a comprovação de algumas hipóteses iniciais sobre as possíveis causas da
escassez de animais na região. Comenta as respostas dos entrevistados sobre as técnicas
de captura de animais antigas e atuais, fazendo referência à influência do contato com
outras culturas na mudança de hábitos de caçar. E posiciona-se criticamente em relação
à caça predatória, ao afirmar ser necessário que:
a população Baniwa reflita sobre as práticas utilizadas para abater animais, e
proteja melhor as áreas, propondo o manejo adequado desses lugares e dos
animais para que não falte caça para as futuras gerações. Isto facilitará a vida
dos povos no Rio Içana.149
A partir desse exemplo, é possível mostrar que uma didática da pesquisa pede caminhos
que possibilitem a descoberta, a busca por respostas aos problemas, o “passo a passo”150
de uma investigação. Estas características reforçam as afirmações de Saviani (1987),
quando se refere ao pesquisador como sujeito, na construção do conhecimento.
3.5. MONOGRAFIAS BANIWA E CORIPACO: DOS MITOS À
CIÊNCIA
A questão mitológica é uma das prioridades da educação intercultural nas escolas
indígenas e representa o retorno às tradições, aos ritos e às raizes conceptuais de origem
da vida, entrelaçando saberes transcedentais ao processo de explicação dos fenômenos e
dos fatos experienciados pelo homem. Agrega também intenções e comportamentos
149 Ibidem, p. 42.
150 Grifos nossos.
126
sociais que se constituem na veia política da dimensão simbólica de compreensão
indígena dos diferentes universos: mitológico e científico. Estes, inseparáveis na cultura
do Índio, são refletidos em suas ações de investigação e de exploração do ambiente.
Cumpre ressaltar que as concepções modernistas dos processos de conhecimento dos
fenômenos sociais e naturais ocasionaram separações inevitáveis entre as ciências,
relegando os estudos científicos às áreas específicas de investigação. Os estudos
direcionados às culturas passam a representar formas menos rígidas de conhecimento,
como se as culturas não fossem elas mesmas estruturantes de qualquer processo de
investigação e de formalização das Ciências. Em relação a este impasse, Waldman
(2006) esclarece:
A modernidade – ao ter se posicionado em defesa intransigente do indivíduo,
do triunfo sobre o meio natural e de uma mundialização cujos paradigmas são
aqueles que ela própria criou para seu deleite narcisista – encontra-se numa
encruzilhada crucial. Ela não dispõe como o homem tradicional, das
estruturas cognitivas – entre elas suas prefigurações imaginárias do meio
natural – pelas quais as sociedades de outrora se afirmavam por meio de um
diálogo sensível com a natureza, com o cosmo ou com o universo.151
Para os Baniwa e Coripaco, os aspectos cosmogônicos direcionam a interpretação dos
acontecimentos e dos fatores determinantes de sua cultura e de seus processos de
aprendizagem. Por essa razão, a compreensão da imbricação do indígena com a natureza
é pressuposto para qualquer reflexão sobre o significado dos mitos na constituição das
“naturezas-culturas”. Latour (1994) atribui esse conceito à forma como a antropologia
tem tratado os aspectos constituintes das sociedades tradicionais e à forma como as
pesquisas nesse campo são mescladas de informações ligadas ao contexto natural,
narrativo e político ao mesmo tempo. Essa maneira de analisar as práticas tradicionais,
isto é, como naturezas-culturas, é reforçada pela necessidade de uma bricolagem
metodológica capaz de dar conta desses contextos. Assim,
mesmo o mais racionalista dos etnógrafos, uma vez mandados para longe, é
capaz de juntar em uma mesma monografia os mitos, etnocências,
genealogias, formas políticas, técnicas, religiões, epopéias e ritos dos povos
que estuda. Basta enviá-lo ao arapesh ou achuar, aos coreanos ou aos
chineses, e será possível obter uma mesma narrativa relacionando o céu, os
ancestrais, a forma das casas, as culturas de inhame, de mandioca ou de arroz,
151 Waldman, 2006, p.169.
127
os ritos de iniciação, as formas de governo e as cosmologias. Nem um só
elemento que não seja ao mesmo tempo real, social e narrado.152
Buscando em Eliade (2000) o conceito de mito, compreendemos que o mesmo se torna
uma narrativa complexa por possibilitar perspectivas múltiplas e complementares de
interpretação. E ainda intensifica esse conceito quando diz que:
o mito conta uma história sagrada e relata um acontecimento ocorrido num
tempo primordial, o tempo fabuloso do „princípio‟ [...] O mito narra como,
graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,
seja uma realidade total, o cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma
espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição.153
Diante dessa afirmação, podemos entender que os povos Baniwa e Coripaco têm uma
relação muito próxima com os mitos de natureza cosmogônica, isto é, com os mitos de
origem, fortemente entrelaçados com o mistério da criação. Esses mitos de origem,
segundo Eliade, prolongam e completam o mito cosmogônico, ligando as memórias
coletivas mágico-religiosas às façanhas dos Entes Naturais modificadoras de realidades.
É assim que os Baniwa e Coripaco explicam o surgimento de objetos, animais, plantas,
lugares e dos fenômenos naturais que os afetam. É nessa lógica que explicam
comportamentos sociais e hierárquicos.
A ligação desses povos com o cosmo e a natureza tem se revelado em muitos
comportamentos socioculturais manifestados por eles. E essa maneira de se comunicar é
peculiar a várias etnias indígenas. Vilas Bôas (2000), ao conviver com os Xinguanos,
descobriu que suas crenças sobre a causa de muitos dos acontecimentos e tragédias que
ocorrem nas aldeias estão ligadas ao poder dos espíritos maléficos (mamães),
conhecidos como entidades espirituais habitantes de um espaço que transcende a
realidade. Marcoy (2006), em suas viagens pelo Rio Amazonas, fez um importante
relato sobre os povos Ticuna, inclusive sobre as analogias que esses povos estabelecem
com os conhecimentos da Ciência ocidental. Tal relato é tão revelador do encontro entre
culturas como das manifestações míticas que acabam gerando diferentes justificativas
indígenas sobre seus problemas. Devido à riqueza desse estudo, convém citá-lo na
íntegra:
152 Latour, 1994, p. 12.
153 Eliade, 2000, P.11.
128
Na época em que os ticuna constituiam uma nação comandada por chefes e
não, como hoje, meras famílias autônomas e dispersas, eles adoravam um
Deus-criador, de nome Tupana; davam graças, embora o abominando, a um
espírito do mal chamado Mhohoh e acreditavam que a alma, depois da morte
do indivíduo, iria passar para o corpo de um ser inteligente ou para de um
animal impuro, dependendo do comportamento tido em vida. Conforme suas
crenças, o céu dividia-se em duas esferas, uma sobreposta a outra e separadas
por uma abóbada transparente. Na primeira estava instalado o espírito criador
Tupana; as estrelas que vemos de baixo são os raios de luz da sua face,
atenuados ao passar pela abóbada intermediária e pela esfera inferior. Os seus
astrônomos admitiam o movimento da terra ao redor do sol e reconheciam
nesse corpo luminoso o irmão e esposo da lua. De acordo com eles, os rios
eram as artérias do globo terráqueo, os arroios eram as veias e suas
respectivas correntezas eram devidas à gravitação ou ao simples movimento
do planeta ao redor da estrela central ou sol.154
Durante a pesquisa de campo na EIBC, pudemos observar alguns fragmentos dessa
relação entre mito e realidade. Não presenciamos apenas o lado profano desses mitos,
mas também um lado sagrado. Um exemplo claro dos vestígios desse sagrado foi um
fato narrado pelos alunos, ao fazermos a trilha das Ciências numa mata fechada de
Pamáali. Um dos alunos falou: “aqui tudo é sagrado, as árvores estão olhando para
você, elas estão vivas. Se você estiver menstruada, algo de muito ruim pode acontecer,
não só com a pessoa, mas com todos que estão com ela”.155
Contaram que em outro
momento, uma pesquisadora quase foi atingida por uma árvore que caiu em sua direção.
Só então descobriram que ela estava menstruada, e no mesmo momento suspenderam a
caminhada e retornaram à escola.
Uma outra situação parecida pode ser identificada em uma das monografias em que o
aluno José Gomes de Souza, da comunidade Mauá Cachoeira, escreve: “durante a
pesquisa eu tive dificuldade em definir os instrumentos musicais que seriam desenhados
em meu trabalho, pois as flautas que as mulheres não podem ver foi a grande dúvida
minha, se podia ou não desenhar. Em reunião com os velhos, eu descobri que não
podia.”156
154 Marcoy, 2006, p.44.
155 Pesquisa de campo, agosto de 2008. 156 Pesquisa de campo, agosto de 2008. SOUZA, José Gomes de. Instrumentos musicais do povo Baniwa 2004,
24f. Monografia (Ensino Fundamental) – na Escola EIBC-Pamáali, Rio Içana – Alto Rio Negro.
129
Quando Eliade (2000) comenta que uma das principais funções do mito é trazer à
realidade modelos exemplares de comportamento, é porque os mitos acabam
regimentando atividades humanas significativas. Propiciam o tolhimento de ações que
não seriam reguladas de outra forma. E esta função do mito se revela na alimentação, no
trabalho, no casamento, na educação, na arte e na sabedoria da maioria dos povos de
diferentes culturas.
Dito de outra forma, alguns mitos ainda estão vivos. Alguns ainda se manifestam nos
pensamentos dos homens, sejam eles arcaicos ou não, porque são constituintes da
natureza humana. Pensar “miticamente” a nossa origem e do mundo não é um
pressuposto exclusivo dos povos tradicionais. Na concepção de Cruz (2008) “as
preocupações religiosas são as preocupações humanas mais básicas. De onde viemos?
Para onde vamos? Como devemos nos comportar? Que também são aquelas da ciência
contemporânea.”157
Nesse sentido, o mito tem dois significados fundamentais para o fortalecimento dos
princípios éticos e morais da sociedade indígena: o primeiro corresponde à manipulação
mítica dos fatos sociais através da referência aos heróis sagrados que determinam as
ações de um povo. E o segundo tem função política porque orienta o dinamismo de uma
sociedade passível de mudanças, porque é historicamente construida. Vale enfatizar que
esse processo histórico, diferentemente da cultura ocidental, é determinado pelo
cotidiano das aldeias em sintonia com um enredo transcedental de direcionamento dos
comportamentos e das ações dos Índios conectados à natureza, à política e às relações
socioculturais processadas por eles.
Essas implicações com o sagrado, isto é, com as questões mitológicas de ensino e
aprendizagem dos valores e saberes científicos nas escolas indígenas impõe desafios à
educação formal do Índio, sobretudo por merecer graus de significância que
transcendem os objetivos de uma educação projetada pela cultura envolvente. É nesse
contexto que Weigel (2000), em seus estudos sobre o processo de independência das
escolas indígenas no Alto Rio Negro, e particulamente das escolas Baniwa, afirma que:
157 Cruz, 2008, p.71.
130
O conhecimento produzido sobre saberes e ações que participam do sagrado
– como o conhecimento Baniwa sobre as doenças, as curas, os elementos da
natureza, a produção dos alimentos, a formação do adulto – tem um caráter
diferente do conhecimento histórico (dos Brancos) sobre as mesmas ações.158
Cria-se, dessa forma, um espaço de entreculturas na escola indígena, onde a cultura da
oralidade e a cultura da escrita assumem sentidos e funções diferentes. Quando os
alunos indígenas aprendem a origem das doenças ou a cura dessas doenças segundo as
teorias ocidentais, ocorre uma dissociação entre o modo de aprendizagem indígena e a
forma como as escolas ocidentais processam o conhecimento. Os alunos indígenas
precisam das narrativas míticas para atribuir sentido aos fenômenos estudados. Não
basta aprenderem os conceitos, as fórmulas matemáticas, as abstrações tão próprias do
ensino formal das escolas não-indígenas. O desenvolvimento de categorias de análise e
de comparação com os mitos preserva a memória coletiva indígena que está na base dos
estudos científicos, como percursos significativos de aprendizagem.
Vale aqui recordar as reflexões de Chauí (1995) ao afirmar que o pensamento mítico
tem três funções: explicativa, organizativa e compensatória. A primeira função busca
explicar o presente a partir de alguma ação passada que é ritualizada a ponto de reviver
os tempos primordiais. É o que se observa nas monografias analisadas que trazem a
explicação de como se originaram a chuva, as árvores de arumã, algumas plantas
medicinais, um determinado peixe, os instrumentos musicais. As narrativas contadas
por eles são revividas e rememoradas.
A segunda função do mito é organizar as relações sociais de parentesco, de alianças, de
trocas, de casamento, de educação, entre outras. Esta função está também explícita nas
monografias que mostram como esses povos educam seus filhos (a educação tradicional
Baniwa e Coripaco); como as mulheres devem proceder na gravidez (parto tradicional
Baniwa e Coripaco); como se originou uma determinada tribo (a origem da tribo
Dzawinai).
A terceira e última função do mito é a compensação. Ele narra uma situação passada
que, no presente, manifesta-se como um erro que foi corrigido ou que representa uma
158 Weigel, 2000, p. 315.
131
compensação por alguma perda. É o caso, por exemplo, da escolha do local para a
construção da escola Pamáali anteriormente enfatizado.
3.5.1. O lugar dos mitos na escola Pamáali
Os estudos mitológicos realizados pelos alunos da EIBC demonstram uma preocupação
antiga de muitos pesquisadores com a construção de uma escola indígena que traduza o
sentimento de revitalização dos mitos nas práticas escolares. A esse respeito, Silva
(2000) sinaliza:
Desconfio que um caminho possível para a consolidação de uma escola
indígena seja desenvolver atividades de pesquisa específicas com os alunos,
em que uma grande atenção seja dispensada à compreensão da sociedade de
onde o texto mítico em exame provém, acompanhada por uma atitude de
reflexão antes de tudo filosófica sobre as questões abordadas pelos mitos.159
Os textos escritos pelos alunos sinalizaram o sentimento existencialista e filosófico que
baliza as práticas tradicionais Baniwa e Coripaco em relação à educação, à saude e às
técnicas de subsistência. Não obstante, são ainda um construto de conhecimentos a
serem sistematizados e registrados na escrita, com a finalidade de serem trabalhados nas
escolas e nas comunidades. As questões socioculturais monopolizam os interesses dos
alunos, o que pode se justificar pela urgência em consolidar o projeto intercultural de
fortalecimento da cultura indígena. Comprendemos, então, que somente a partir desse
conhecimento prévio através da pesquisa, os Baniwa e Coripaco estariam mais
aquecidos para compreenderem os mitos em sua dupla dimensão: como produto da
reflexão humana numa acepção universal do conhecimento e como criação original em
sua especificidade, concernentes às sociedades e culturas particulares.
Convém lembrarmos que a abordagem dos mitos pela escola vai além dos interesses
socioculturais e por isso é delineadora de processos explicativos fundamentais para a
imbricação entre significado e aprendizagem de teorias e de conceitos científicos. Ao
acompanhar essa lógica de função dos mitos, Lévi-Strauss (1989) afere ao pensamento
mágico a qualidade de estar enraizado nos contextos cotidianos dos povos indígenas,
159 Silva, 2000, p. 319.
132
compondo um tecido de significações entre realidade e mundo imaginário. Com base
nessa premissa, as narrativas mitológicas estruturam um sistema paralelo e
independente de um outro sistema conhecido como Ciência. Porém, estabelece com
este, uma analogia formal que os torna muito próximos, sendo os mitos uma espécie de
expressão metafórica da Ciência. Esta característica nós verificamos em todas as
monografias que procuraram relacionar os conhecimentos tradicionais aos processos de
explicação científica de diferentes fenômenos naturais.
Ainda na trilha das ciências, tivemos a oportunidade de presenciar cenas muito
interessantes dessa relação. Uma delas foi a explicação que a professora Clarinda
Custódio Paiva fez sobre o significado do Breu branco160
para as mulheres indígenas
que adentram as florestas densas e perigosas. Antes mesmo de relatar o valor científico
dessa substância, a mesma enfatizou o caráter sagrado do líquido viscoso, sendo este,
protetor da mulher, quando a mesma o passa na base de seus pés ao percorrer grandes
trilhas na mata fechada. Além de protegê-la dos espíritos maléficos da floresta, o cheiro
que a substância exala afasta a possibilidade de picadas de cobra ou de possíveis
acidentes que possam ocorrer durante o percurso na mata. Cientificamente, é uma
substância que está em estudo e que tem sido alvo especulativo das indústrias de
cosméticos interessadas na fabricação de essências aromáticas. Em uma das árvores
produtoras do Breu branco, pudemos verificar também, a característica inflamável dessa
substância, sendo a mesma usada para produzir fogo.
Foto 64 e 65 – Árvore que produz o Breu branco
Fonte: Pesquisa de campo, dezembro 2009.
160 Uma substância pegajosa, branca, de forte ligadura e cheiro agradável, bastante utilizada por indústrias de
cosméticos na atualidade.
133
Em face do que já foi explicitado, os conhecimentos mitológicos relatados nas
monografias atestam o poder explicativo da existência de uma ávore, de um animal, de
uma planta ou raiz e de todos os fenômenos físico-naturais com os quais convivem. Para
os Baniwa e Coripaco, explicar o processo de crescimento das raizes de uma ávore sob a
luz mitológica e sob a luz científica é dar sentido à aprendizagem das ciências
formalizadas na escola. É conferir ao currículo escolar o valor da sabedoria indígena
como substancial para uma aprendizagem significativa dos conceitos científicos. Assim
como a história das Ciências esclarece as arguições das teorias científicas ocidentais,
conferindo-lhes o significado de seus estudos, as narrativas cultivadas pela tradição
indígena dão consistência à abstração teórica dessas teorias, quando são entrelaçadas às
suas práticas curriculares.
Dando sequência a este racicínio, focalizamos três monografias que exemplificam a
relação entre mito e ciência e formalizam a necessidade que os indígenas têm de
explicar mitologicamente os conteudos científicos ocidentais estudados por eles. As três
monografias que retratam essa preocupação são de autoria dos alunos da primeira turma
do Ensino Fundamental, concluida em 2004. As temáticas de estudo escolhidas
possibilitam a visualização da interconexão entre os saberes indígenas e ocidentais,
mostrando-se relevantes para as comunidades do Rio Içana, uma vez que tratam de
questões ambientais que interferem na alimentação, no clima e na saude dos Baniwa e
Coripaco. Para demonstrarmos o vínculo entre os conhecimentos indígenas e não-
indígenas nas três monografias, utilizamos como estratégia de análise o próprio discurso
dos alunos, apresentados nos três quadros comparativos a seguir:
134
Quadro 1 – Monografia “A Piracema hoje: uma nova compreensão deste fenômeno”
Autoria: Vigico Juarez Paiva Rivas –Etnia Baniwa – Clã Liedawiene-Comunidade Juivitera
Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas
“De acordo com uma das histórias, os peixes que fazem
piracema são enfeites dos espíritos que já partiram desta
vida para outra vida. As outras histórias são quase
parecidas, não são tão diferentes”.
“Esse período para o povo Baniwa é chamado de Walipere,
que é o nome de uma constelação, que representa a última
chuva, onde o rio cresce até o limite do próprio rio. Os
povos Baniwa chamam esse fenômeno de Tephimekani, ou
bolhame, que seria o rio que sobe e cobre tudo.”
“No dia da piracema os pescadores saíram para o local de
desova e o pajé saiu para dormir no mato; o seu espírito
logo foi com os peixes. Na festa viu todas as pessoas que
conhecia, quando vivos. Começaram a beber e a dançar.
Logo teriam uma fartura de peixes para comer.”
“A piracema é o período em que os peixes formam grande
cardume e sobem os rios para desovar em certos locais de
reprodução [...] A época mais própria da piracema na região
do Rio Içana, de acordo com o calendário do Branco, é
durante os meses de março a abril. Melhor dizendo, final de
março e abril, sendo sempre possível acontecer piracema
ainda no mês de maio”.
“No final de março até abril, as chuvas tornam-se mais
frequentes e aumentam o volume de água do rio. Então, o
pescador conhece o nível do rio e sabe a hora aproximada
que o peixe vai desovar. A desova geralmente acontece nas
margens do rio, no igapó e nos igarapés. A hora depende da
espécie de peixe, pois há espécies que desovam pela manhã,
pela parte da tarde ou pela madrugada”.
“Para a sociedade branca, na época da piracema é proibida a
pesca. Então foram criadas legislações que controlam a
pesca excessiva de peixes proibindo a pesca em certas
localidades. Estas mesmas leis determinam onde o pescador
pode pescar, sem trazer consequências desastrosas para a
continuidade das espécies.”
135
Quadro 2 – Monografia “A Origem da chuva”
Autoria: Wilson Júlio Quincas Miguel – Clã Hoohodeni – Comunidade Tucumã Rupitá
Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas
“Eram dois meninos de barrigas muito grandes, cheias de
água, que são como água da chuva. Por isso, quando os
meninos queriam que o tempo ficasse nublado, eles
pintavam os seus corpos. Existiam dois tipos de pintura:
pintavam a metade do rosto quando queriam que o tempo
ficasse nublado e pintavam o rosto inteiro para chover no
mundo todo. Quando queriam que o céu ficasse bem claro,
não pintavam seus rostos de forma alguma.”
“O irmão mais novo de Ñapirikoli (o principal gente-
universo da trilogia dos irmãos Ñapirikoli, Dzooli e Eeri,
donos dos conhecimentos Baniwa) procurou o trovão. Ele
foi para o mato e bateu na raiz de uma árvore imitando o
som do trovão. [Ao continuar] caminhando no mato, ele
encontrou uma árvore de poopere (bacaba) e nela estava
Kamathawa “gavião” comendo seus frutos. O irmão mais
novo de Ñapirikoli foi caçar este animal. Ele ficou
esperando até escurecer e nada aconteceu. Ele esperou
muito tempo, aí começou a fazer o seu podzakali (material
usado para a captura de aves, feito com sorva da árvore de
Iwidzoli) e fez o barulho – toko-haominararakhe-tim –
chamando o kamathawa.”
“Ao chegar a casa, Ñapirikoli não reconheceu o seu irmão
mais novo, pois este havia se transformado em Eeno (O
Trovão). Ñapirikoli ficou contente de ver que seu irmão
tinha conseguido o trovão. O seu irmão entregou a
Ñapirikoli a pena do Kamathawa (gavião) para cheirar e
eles viraram os pajés, que existem até os dias de hoje. A
partir desse momento Ñapirikoli passou a ter a chuva, a
água e o trovão.”
“A energia que faz a chuva vem do sol que esquenta e
ilumina o planeta terra provocando a evaporação da água.
Esta umidade vai sendo acumulada no ar e a simples
existência do calor do sol provoca a movimentação da
massa de ar, formando alguns tipos de ventos. Os raios
solares que chegam à terra de forma diferenciada, porque a
terra fica girando, formam outros ventos que se misturam e
trabalham juntos para formar a chuva. Uma quantidade
imensa de água fica voando vagarosamente. É invisível e
fica sobre nossas cabeças. Está em toda parte, inclusive
agora na nossa frente existe água que não podemos ver.
Esta água que fica no ar e que a gente não vê se chama de
umidade relativa do ar.”161
“Nos livros didáticos do Ensino fundamental, encontrei a
seguinte explicação: a chuva é a precipitação líquida em
forma de gotas de água, que caem das nuvens.162 O
processo tem duas etapas: na primeira, o vapor de água se
condensa (engrossa) em minúsculas gotículas (gotas
pequenas) nas nuvens; na segunda, há uma colisão
(reunião) entre as gotículas maiores de água e as menores,
que são absorvidas pelas primeiras. Com o tamanho
aumentado, as gotas acabam caindo das nuvens.”
“A chuva é a precipitação atmosférica mais comum e mais
numerosa. É também muito importante para a
sobrevivência das sociedades humanas, principalmente
para as atividades de agricultura, para o abastecimento de
água e para manter elevado o nível de água dos rios.”
161 Grifos nossos.
162 Grifos nossos.
136
Quadro 3 – Monografia “Materias para caça e pesca dos Povos Baniwa e Coripaco”
Autoria: Marino Mandú Sanches –Etnia Baniwa – Clã Kapittiminanai da Comunidade de Wainambi
Conhecimentos indígenas Conhecimentos não-indígenas
“A maioria dos materiais de caça e pesca são feitos de Pari,
que é uma espécie de palmeira, que também serve para
fazer Yapoloto (certo tipo de flauta comprida feita de dois
tubos) e Mawipi (zarabatana – espécie de instrumento
musical). Se perdermos essa planta, perdemos os
instrumentos indígenas de caça e pesca e ficaremos apenas
com os materiais dos [não índios] para desenvolver essas
atividades.”
“Os nossos pais e os velhos falam que os remédios
tradicionais para a caça e a pesca foram encontrados
(origem) na serra, e algumas plantas são originadas ou
plantadas nas próprias aldeias antigas. Segundo a
mitologia, a pessoa que [...] tirar o remédio na serra tem
que ficar em jejum durante sete dias, sem se alimentar de
peixes e pimentas.”
“Naquela época, os nossos ancestrais não faziam muitas
pescarias no rio. Faziam apenas em algumas ocasiões,
como na festa de Podaali, em que capturam muito peixe,
para muita gente comer. Por isso, os velhos dizem que
antigamente havia muito peixe no rio.”
“Os povos Baniwa e Coripaco são conhecedores de várias
armadilhas tradicionais para a caça e para a pesca. Existem
nove tipos de armadilhas para peixe (Kakori, Maipoko,
Damina, Arodaoo Dzarokana, Haali, Oopitsi, Kaayaoo
Kaadza, Maawi, Padietayhoopa – maawi
eepaperi/manopeka) e dois tipos de armadilhas para caça
(Owepi e Yawilhida).”
“Iitsa: antigamente, há muito tempo atrás, existia este tipo
de anzol. Feito com tala de dopaita (paxiuba) e amarrado
em forma de X. Este anzol é utilizado junto com iitsapa e
itsaakhaa (caniço e linha de pesca).”
“Kakori: esta armadilha é muito utilizada na época de
inverno, inicio de enchente do rio, construída na beira do
rio e pode também ser construida no igapó. Então, [durante
a] piracema no igarapé, as pessoas cercam com o pari e
depois instalam um kakori para capturar os peixes de
piracema.”
“Os Peixes capturados nesta armadilha são o Koliri
(surubim/pseudoplatystoma fasciatum), o Taali (aracu 3
pintas/lepurinus fridericis), o Hiipi (kuyo-kuyo/anduzeras
oxynhynchus), o Hitawali/iiniri (traíra/hophias off
lacerdae), o Ketteredani (mandi/pimelodus), o Owhii
(sarapó/stermapygus sp).”
“Maipoko: esta armadilha é muito parecida com o kakori, a
diferença é que precisa ser instalada com isca, que pode ser
buruti, açaí ou patauá. Também não apresenta as duas
paredes em forma triangular. É utilizada somente na
enchente do rio, e instalada no igapó para permanecer no
mesmo local. Os peixes capturados com esta armadilha são
o Taali (aracu 3 pintas/lepurinus fridericis) , o Doome
(aracu 4 pintas/lepurinus klauzewitzi), o Kerapokoli
(pacu/hulens sp) e o Omai (piranha/serrasahmus sp).”
“Há muito tempo atrás não havia materiais dos [não índios]
entre os povos da região do Rio Içana, mas depois do
contato, vieram as novas técnicas de pesca. Essas técnicas
foram introduzidas na região, através dos patrões
colombianos, que dominaram muito tempo a relação com
os povos Baniwa e Coripaco, vendendo produtos fiados
para os nossos avós, e obrigando estes a trabalharem na
seringa ou em outro local. Assim foram introduzidos os
materiais de pesca e caça na região.”
“Maawipi: este material é feito com pedaço de pari, que
mede mais ou menos 3m de comprimento e 2,5 cm de
diâmetro. Os animais capturados com o Maawipi são: Mare
(jacu/penelope jacquacu), Koitsi (mutum/mitu tomentosa),
Hoolito (pombo/Colômbia cayennensis), Maayali/attine
(jacamim/pesophias creptons), Waaro (papagaio/amazona
farinosa), Aadaro (arara/ara Macau), Wanali
(carará/anhinga), Yaattidzatte (tucano/pamphastas
tucanus).”
“Os mamíferos da família [dos] macacos capturados com o
Maawipi são: Kaaparo (macaco barrigudo/ lagothrix
lagotricha), Powe (macaco prego/cebus albifrons), Mokoli
(macaco da noite/potos flavus), Waamo (preguiça/
chuluepus chuluepus), Waamo tsiitapo (preguiça/
chuluepus chuluepus).”
137
Os discursos dos alunos destacados nos quadros anteriores representam, na nossa
análise, a inter-relação cultural de ensino das ciências ocidentais e das ciências
indígenas. De todas as monografias produzidas pelos estudantes da escola, apenas essas
três contemplaram essa relação. Ainda assim, para seus autores, foi determinante
interpretar os processos científicos da chuva, da caça, da pesca e do fenômeno da
Piracema, contextualizando-os como problemáticas de sustentabilidade, com fortes
implicações ambientais.
De um lado, as pesquisas de campo estão bem desenvolvidas na escola Pamáali. Por
outro lado, é percebível a dificuldade que os alunos encontram para estabelecer, nestes
estudos, a conexão entre os saberes indígenas e não-indígenas, seja por questões de falta
de formação dos professores, seja por falta de recursos didáticos, seja pelas dificuldades
de acesso ao conhecimento científico. Esta observação é válida quando verificamos na
maioria das produções monográficas, a ausência dessa relação, pois conforme o quadro
demonstratrivo das monografias produzidas pelas turmas de 2004 e 2006 (ver anexos 6
e 7, p. 169-170), o percentual temático predominante unilateralizou o foco de
conhecimento. Nesse sentido, grande parte dessses estudos privilegiou os saberes
tradicionais indígenas sem a preocupação de abordá-los, pelo menos em princípio, sob a
ótica dos conhecimentos ocidentais. Verificamos também, que esta unilateralidade de
abordagem temática pode ser tanto indígena como não-indígena, demonstrando que a
interconexão entre os diferentes conhecimentos é mesmo o grande desafio de uma
escola indígena intercultural.
Ressaltamos também que este enfoque monográfico ratifica as proliferações mitológicas
bastante valorizadas pelos alunos e professores da EIBC. São as significações míticas
que dão sentido aos percursos de aprendizagem dos conteudos formais e científicos
considerados nos estudos que os alunos realizam, justificando a nossa inferência “dos
mitos à Ciência” às monografias Baniwa e Coripaco. Isto nos fez refletir sobre o lugar
dos mitos na escola Pamáali, denotando o realce das intenções indígenas do Alto Rio
Negro em fortalecer os princípios de uma escola intercultural a partir da revitalização de
suas tradições.
138
CAPÍTULO IV – PROJETOS DE PESQUISA E
ALTERNATIVAS SUSTENTÁVEIS: UMA
ESTRATÉGIA DE ENSINO DE CIÊNCIAS VIA
PESQUISA PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS DO
ALTO RIO NEGRO
4.1 O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS CONTEXTOS INDÍGENAS: O
AMBIENTE COMO FONTE DE CONHECIMENTO
Os contextos de educação formal que hoje se configuram nas áreas indígenas do Alto
Rio Negro estão refletindo uma prática de ensino e aprendizagem de Ciências
estreitamente embasada em atividades e experimentos, derivados de estudos do meio.
Os estudantes indígenas aprendem a conhecer a fauna, a flora e os processos naturais de
transformação da natureza, desde os primeiros anos do Ensino básico. Para as crianças e
para os jovens indígenas, investigar o meio onde vivem faz parte de uma dinâmica
natural da vida em que os seres humanos são parte dela.
Essa realidade, além de propiciada pelo contato vivo dos Índios com a floresta e com os
rios, é também cultivada pela ideologia do concreto, como o fundamento dos processos
de aprendizagem das Ciências. Por esta razão, os indígenas advogam como práticas
escolares, os costumes e os valores cotidianos e transcendentais de suas experiências.
Não fazem separação entre sociedade, ambiente e cultura. E quando estudam fenômenos
naturais como a chuva, a piracema, a enchente ou a vazante dos rios, têm como ponto de
partida, os conhecimentos prévios dos alunos.
Devido a essa compreensão, a importância do ambiente como referente para a
aprendizagem sobre solos, plantas, animais e fenômenos naturais diversos em
comunidades indígenas é ponto chave de articulação de uma metodologia de ensino com
139
pesquisa em suas escolas. Este fato delimita as estratégias de Ensino de Ciências nestes
locais e direciona a nossa proposta de projetos de pesquisa para o Ensino Médio
Integrado Indígena que está em processo de efetivação nas escolas do Alto Rio Negro.
4.2. MÉTODOS DE PROJETOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS
O grande diferencial da prática de ensino por projetos de pesquisa nas escolas indígenas
é a forte conexão que esta metodologia estabelece com o Ensino de Ciências e com a
sustentabilidade. Estes projetos vão além de questões teóricas e o protagonismo dos
alunos assume dimensões científicas de intervenção na realidade. Mas essa maneira de
produzir o conhecimento deve obedecer a um ciclo de atividades de pesquisa que
comecem nas séries iniciais do Ensino Fundamental e evoluam nos anos seguintes,
sendo coerentes com as habilidades e competências de cada faixa etária.
Em relação a esta necessidade sequencial da prática da pesquisa no Ensino básico,
Martins (2007) argumenta que a opção pela “estratégia dos porquês” propicia a
aproximação dos alunos com os caminhos científicos de aprendizagem, sendo esta ação
fundamental para
estimular na criança o interesse científico e o prazer pela descoberta do
conhecimento de certos fatos, assim como fazê-la entender que toda a
maravilhosa tecnologia de que usufruimos hoje é fruto da aplicação da
Ciência na solução dos problemas que existiram e/ou existem ainda,
procurando revertê-los em benefício do ser humano..163
Antes de estruturarmos a estratégia de projetos de pesquisa para o Ensino Médio,
convém reforçarmos a proposição desta estratégia, situando as reflexões de Zabala
(1998) sobre essa questão, enfatizando primeiramente, a perspectiva teórica que
fundamenta esta proposta. Este autor faz referência a quatro métodos globalizadores,
que numa composição gradativa de ensino via pesquisa nas escolas indígenas, são
perfeitamente ajustáveis sob os pontos de vista da pedagogia de projetos para o Ensino
de Ciências. Estes métodos são: os centros de interesses de Decroly; o método de
163 Martins, 2007, p.49.
140
projetos de Kilpatrick; o estudo do meio do Movimento de Cooperazione Educativa de
Itália (MCE) e, os projetos de trabalhos globais.
Os centros de interesse criados por Decroly, em 1871, situam o processo de ensino a
partir de temas ou situações que interessem aos alunos pesquisar. Esta proposta baseia-
se na comprovação de que as pessoas precisam achar sentido no que as escolas ensinam
e a partir da integração das diferentes áreas do conhecimento, o estudo de um núcleo
temático motivará o aluno a observar, a associar e a expressar o que investigou, tendo
como foco a sua realidade. 164
O método de estudo do meio, estruturado por Frenet a partir de 1924 e cultivado pelo
MCE como método de aprendizagem, focaliza a pesquisa de campo ou o tateio
experimental do meio, como a fonte de estudos científicos nas escolas. Este método se
torna fundamental para o Ensino de Ciências nas séries iniciais, na medida em que a
criança, por demais curiosa, aprende muito mais com as experiências concretas de
relação com o ambiente, do que através de livros didáticos. Na sequência dessa prática
de pesquisa, o processo ensino-aprendizagem segue um planejamento de ações que só
ratificam o preparo do estudante para lidar com processos investigativos fora da sala de
aula, nas comunidades e nos espaços não-formais de aprendizagem das Ciências
naturais. Estas ações correspondem:
à motivação;
à proposição de perguntas ou problemas;
à formulação de hipóteses;
à elaboração de instrumentos para a busca de informações;
ao planejamento de investigações;
à coleta de dados;
164 Zabala, 1998.
141
às conclusões e apresentação dos resultados através de seminários, exposições, feira
de Ciências etc.165
O método de projetos estruturado por Kilpatrick tem origem na proposta experimental
de ensino e aprendizagem, difundida por Dewey em 1896. Na compreensão de Zabala
(1998),
o método de projetos designa a atividade espontânea e coordenada de um
grupo de alunos que se dedicam metodicamente à execução de um trabalho
globalizado e escolhido livremente por eles mesmos [...] têm a possibilidade
de elaborar um projeto em comum e de executá-lo, sentindo-se protagonistas
em todo o processo e estimulando a iniciativa responsável de cada um no seio
do grupo.166
Deste modo, trabalhar nessa linha de projetos exige do aluno o compromisso social e
político com a sua comunidade e com a sociedade da qual faz parte, reforçando a função
social da escola nesse contexto. As fases relevantes de elaboração desse tipo de projeto
são:
a intenção
a preparação
a execução e
a avaliação, uma sequência de ações detalhadas que dependem da orientação
sistemática do professor.
Os projetos de trabalhos globais atendem à proposta de estudos temáticos, com pesquisa
de campo ou teórica, que apresente como resultado um dossiê ou monografia. Para
realizar esta meta, professores e alunos devem trabalhar em conjunto, pois as fases que
determinam a elaboração do trabalho terão momentos coletivos e individuais. Assim,
em atos consecutivos, docentes e discentes deverão:
165 Zabala, 1998.
166 Ibidem, p.149.
142
planejar o desenvolvimento do tema;
ajustar os conteudos aos objetivos de aprendizagem sobre o assunto;
buscar informações em diferentes fontes;
fazer o tratamento das informações;
desenvolver os tópicos do índice;
elaborar o dossiê, avaliar os resultados e propor novos temáticas de investigação.
Tais procedimentos, inerentes às metodologias de ensino com pesquisa, são visíveis nas
monografias que os alunos de Pamáali produziram.
SUMÁRIO 2
Introdução .................................................................................................................................................................. 3
CAPÍTULO I ............................................................................................................................................................ 4
1. A Pesquisa ............................................................................................................................................................ 5
2. Entrevistas ............................................................................................................................................................ 7
3. Refeições comunitárias .......................................................................................................................................... 8
CAPÍTULO II ............................................................................................................................................................ 9
1. A realização da pesquisa ...................................................................................................................................... 10
a) Área de estudo ..................................................................................................................................................... 10
b) Metodologia......................................................................................................................................................... 10
c) Tipo de vegetação em área de estudo .................................................................................................................. 11
d) A situação da caça na região do Alto e Médio Rio Içana ..................................................................................... 12
CAPÍTULO III ........................................................................................................................................................ 13
1. Descrição das áreas pesquisadas .......................................................................................................................... 14
a) Aldeia Aracu Cachoeira ....................................................................................................................................... 14
b) Aldeia Jandu Cachoeira (Enhipani) ...................................................................................................................... 16
c) Aldeia Tucumã Rupitá ........................................................................................................................................ 18
d) Aldeia Bela Vista ................................................................................................................................................. 20
e) Aldeia Juivitera .................................................................................................................................................... 22
f) Aldeia Tucunaré Lago ......................................................................................................................................... 24
g) Tapira Ponta ....................................................................................................................................................... 26
h) aldeia Santa Rosa ................................................................................................................................................. 28
2) Realização do transecto ....................................................................................................................................... 30
3) Realização do censo ............................................................................................................................................. 32
4) Censo: avistamentos diretos e indiretos ............................................................................................................... 31
5) Situação da caça nesta área .................................................................................................................................. 35
CAPÍTULO IV ........................................................................................................................................................ 36
1. Dados das entrevistas ........................................................................................................................................... 37
2. Tabelas de caças ................................................................................................................................................... 38
3. Taxa de colheita ................................................................................................................................................... 39
4. Resultado dos dados das entrevistas ..................................................................................................................... 39
5. Hipótese ............................................................................................................................................................... 40
CONCLUSÃO ......................................................................................................................................................... 41
Informantes .............................................................................................................................................................. 43
ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro
143
A relação destes diferentes métodos de projeto com o Ensino de Ciências tornou
relevante a explicitação dos mesmos. As sutilezas de diferenciação entre um método e
outro demonstram que a proximidade entre pesquisa, aprendizado e formação de alunos
autônomos e comprometidos com os problemas socioambientais deveria estruturar os
currículos da maioria das escolas, sejam estas indígenas ou não-indígenas. Mesmo
porque a pedagogia de projetos pode ser o caminho mais apropriado para o
reavivamento das práticas escolares, como aquelas ligadas à cultura e às decisões mais
pertinentes sobre os problemas de ordem planetária.
Se considerarmos as práticas de pesquisas hoje incorporadas às estratégias de ensino e
aprendizagem das escolas indígenas interculturais do Alto Rio Negro, os quatro
métodos focados por Zabala (1998) podem contemplar as iniciativas dos indígenas na
formação de alunos criativos e responsáveis. Embora pontuais, as experiências de
Ensino de Ciências via pesquisa nas terras indígenas oportunizam novos parâmetros de
construção curricular, respeitando, sobretudo, os contextos históricos, geopolíticos e
socioculturais dos povos que habitam este território.
4.3. PROJETOS DE PESQUISA NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO
INDÍGENA: CONSOLIDANDO OBJETIVOS SUSTENTÁVEIS
4.3.1. Por que projetos de pesquisa?
Quando conhecemos a realidade de uma escola indígena e percebemos as suas
limitações, dificuldades e avanços, podemos entender os direcionamentos pedagógicos
atualmente relacionados com o ensino por projetos, sendo estes estruturados com base
na autonomia dos alunos indígenas, através da realização de pesquisas de campo, junto
às comunidades.
144
Fotos 66 e 67 – Alunos reunidos para a irem ao campo
Fonte: Pesquisa de campo, ago. 2008
Autores como Zabala (1998) e Martins (2007) destacam a importância da organização
dos conteudos através de uma visão mais abrangente das práticas educativas,
ressaltando a pedagogia de projetos como uma forma de fortalecer as iniciativas do
aluno no processo ensino-aprendizagem. Martins define essa metodologia como a mais
apropriada aos objetivos formativos da sociedade, inferindo que:
A escola renovada passa do ensino abstrato para o concreto e aproveita os
saberes espontâneos dos alunos, organizando e aplicando o conhecimento por
meio de atividades que os próprios alunos realizam. A escola atual tudo faz
para tornar a aprendizagem significativa, por isso o conhecimento não deve
ser confundido com informação [...]. A aquisição do mesmo não se limita
somente à sala de aula, porém resulta de experiências vividas pelos alunos, de
suas ocupações, interações sociais, das práticas educativas nas suas mais
diversas formas e linguagens. 167
Esta proposta de trabalho contempla as intenções indígenas de construção de uma escola
que integre conhecimentos curriculares a processos profissionalizantes e de
autossustentação. As iniciativas de uma educação intercultural balizam-se em enfoques
globais de organização dos conteudos, sendo estes determinados pelo contexto. Neste
caso, a adoção de métodos globalizadores, como afirma Zabala (1998), atende aos
processos de educação que centralizam o aluno como sujeito ativo no processo ensino-
aprendizagem, deslocando o valor atribuido às disciplinas para os interesses,
capacidades e para as motivações dos estudantes, sendo estes responsáveis por
transformações em seus contextos sociais, políticos e econômicos.
167 Martins, 2007, p. 11.
145
Fotos 68 e 69 – Alunos protagonistas no processo ensino-aprendizagem
Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009
4.3.2. Foco na sustentabilidade
A experiência da escola Pamáali situa a pesquisa como um método globalizador capaz
de dar conta das situações reais vivenciadas pelos alunos no Rio Içana. Estas situações
incluem problemas ambientais, alimentares e econômicos jamais dissociados dos
objetivos escolares de formação.
Fotos 70 e 72 – Práticas sustentáveis
Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009 e Arquivos da EIBC, 2008
Quando o aluno conclui o Ensino fundamental, tem em seu currículo de aprendiz, a
experiência de ser pesquisador e de produzir conhecimento. A monografia ou dossiê que
apresenta como resultado de sua pesquisa é definida por Zabala (1998) como “Projeto
de trabalho” que segue fases de elaboração própria, condicionadas a conteudos
procedimentais e atitudinais, fortemente relevantes no enfoque globalizador de
educação. As fases que determinam a produção deste material justificam a perspectiva
de projeção sustentável dos povos indígenas do Alto Rio Negro. Estas servem de
diagnóstico para o aprofundamento de estudos sobre o ambiente local (potenciais
hídricos, ecológicos, biológicos, arquelógicos, geológicos, etnocientíficos, dentre outros
146
problemas), possibilitando a realização de projetos de pesquisa que possam efetivar
alternativas sustentáveis para os povos da região.
A consolidação dessa estratégia como método de ensino e aprendizagem de Ciências
nas escolas indígenas encontra sólido aparato na relação entre os conteudos científicos e
tecnológicos ocidentais entrelaçados ao currículo das escolas de Ensino Médio
Integrado Indígena e às problemáticas e potencialidades ambientais do Alto Rio Negro.
4.4. CONFIGURANDO A ESTRATÉGIA DE PROJETOS DE
PESQUISA NAS ESCOLAS INDÍGENAS
4.4.1. Por onde começar?
Um dos objetivos de um método globalizador é a intervenção na realidade, o que acaba
gerando a realização de projetos de pesquisa como metodologia de ensino e
aprendizagem dos conteudos nas escolas indígenas. No caso do Ensino Médio
Integrado, o ponto de partida é uma situação, um tema ou um problema que interessa ao
aluno aprofundar. Entretanto, como o foco da pesquisa tem como principal objetivo o
desenvolvimento sustentável, a relação do tema com questões ambientais e com os
recursos naturais potencializa o vínculo da pesquisa com o Ensino de Ciências.
4.4.2. O que priorizar?
Cada escola indígena precisa consolidar o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) para
poder organizar suas propostas de ensino e de projetos. Os alunos e os professores
conhecem as realidades de suas comunidades. Sabem também das dificuldades e dos
problemas de sustentabilidade que enfrentam Assim, o que deve ser priorizado como
tema de pesquisa são as demandas contextuais mais emergentes e discutidas
previamente nas reuniões com pais, alunos, lideranças e representantes das comunidades
próximas à escola. Se o aluno desenvolveu um trabalho monográfico no Ensino
Fundamental, deve aproveitar este material para fundamentar o seu projeto de pesquisa
no Ensino Médio.
147
4.4.3. Como estruturar os projetos de pesquisa?
Seguindo as orientações de Martins (2007) e de Zabala (1998), o planejamento de um
projeto de pesquisa como uma metodologia de ensino que envolve a assimilação de
conteudos conceituais (o saber sobre), de ações procedimentais (o saber fazer) e de
conteudos atitudinais (o modo de ser) não tem regras, nem modelos pré-fixados, mas
deve ser formalizado de uma maneira que responda às seguintes questões:
O que se vai fazer ou se pretende investigar? (Objetivos).
Por que a escolha de determinada temática, situação ou problema? (Justificativa).
Como vai realizar o estudo? (Métodos de abordagem do problema).
Com que instrumentos vai coletar os dados da pesquisa? (Com entrevistas?
Filmagens? Anotações de campo? Observação?).
Quando e onde se realizará o estudo? (Cronograma de ações, com datas, estimativas
de gastos, locais).
Como será finalizado? (Conclusões, avaliação).
Essa forma de estruturação de um projeto ancora-se em procedimentos científicos de
investigação e atende aos objetivos de proposições de alternativas sustentáveis a partir
do diagnóstico dos problemas ou das potencialidades ambientais analisados.
4.5. UM NORTE METODOLÓGICO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DA
PAMÁALI
Apresentamos uma proposta de trabalho pedagógico através de projetos de pesquisa
fundamentada na forma como a escola Pamáali vem conduzindo a metodologia de
ensino com pesquisa no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Essa prática é
norteada por momentos importantes de preparação para o estudo, de orientações do
professor, de produção de relatórios, de pesquisa de campo, de tratamento dos dados, de
148
avaliação contínua dos estudos e de socialização dos resultados das pesquisas. Estes
procedimentos serão detalhados a seguir:
Preparação para o estudo: este momento é dirigido por todos os professores,
cabendo a eles a orientação dos alunos sobre os principais passos de uma pesquisa. Eles
deverão esclarecer sobre o processo de escolha do tema, motivando os alunos a
elencarem alguns assuntos ou problemas, buscando na transversalidade a conexão com
as necessidades das comunidades. Estes focos temáticos devem estar atrelados aos
conteudos do programa curricular, de forma que a estratégia de projetos de pesquisa
esteja conectada com os conteudos do núcleo comum de disciplinas e com a parte
diversificada.
Fotos 73 a 75 – Interação na sala de aula
Fonte: Pesquisa de campo, dez. 2009
Orientações do professor: durante o processo de elaboração do projeto e de
organização da pesquisa de campo, o professor de cada disciplina deverá trabalhar a
redação e a esquematização dos tópicos do projeto junto com os alunos. Em relação à
fundamentação teórica, todos os professores estarão empenhados em orientar os alunos
na busca de informações na internet, na biblioteca da escola, nos arquivos monográficos
e nas comunidades, com os velhos.
Foto 76 e 77 – Buscando informações
Fonte: arquivos da EIBC, ago. 2008
149
Produção de relatórios: de acordo com o número de alunos, cada professor ficará
responsável por (x) alunos, fazendo a leitura dos relatórios sobre os resultados parciais
da pesquisa de campo e do percurso dos estudos, conforme o cronograma de ações
apresentados no projeto. O tempo para a apresentação dos relatórios deverá ser decidido
pelo conselho da escola;
Foto 78 – Preparação do relatório
Fonte: arquivos da EIBC, 2008
Pesquisa de campo: dependendo do problema investigado, o aluno realizará a
pesquisa de campo na própria escola ou nas comunidades. As atividades de pesquisa nos
ambientes próximos à escola devem ser coordenadas por um professor e por um aluno
monitor, pois é muito importante que os professores acompanhem os alunos nestes
momentos, tirando-lhes as dúvidas e verificando como estão coletando os dados;
Fotos 79 a 81 – Pesquisa no campo
Fonte: Arquivos da EIBC, ago. 2008.
Tratamento dos dados da pesquisa: os professores deverão orientar os alunos,
sempre que possível, sobre como deverão proceder na análise dos dados da pesquisa,
através de reflexões teóricas, descrições, estatísticas, desenhos metodológicos,
inferências, comparações etc. É fundamental que todos os professores ajudem na
orientação desses processos, pois os alunos precisam desenvolver a capacidade de
argumentação lógica e crítica;
150
Avaliação contínua dos estudos: para as escolas que trabalham num sistema de
etapas, a cada retorno das entre-etapas, os alunos apresentam os itinerários de seus
projetos de pesquisa e os conhecimentos adquiridos;
Foto 84 – Avaliação das pesquisas realizadas nas entre-etapas
Fonte: arquivos da EIBC, 2008
Socialização dos resultados das pesquisas: pode ser feita através de seminários ou
por meio de encontros de avaliação das metas escolares, a cada final de ano,
semestralmente ou de acordo com as decisões do conselho da escola;
Fotos 85 e 86 – Apresentação dos resultados em Assembléia
Fonte: arquivos da EIBC, 2008
Propostas de intervenção na realidade: após os resultados da pesquisa e a
socialização do estudo que foi realizado, os alunos pesquisadores poderão apresentar
uma alternativa sustentável para a região.
As estratégias de ensino e aprendizagem adotadas dependem das intencionalidades e por
isso atendem aos propósitos de educação formal de diferentes sociedades. Sendo assim,
a política indígena de educação investe em procedimentos que viabilizem suas metas de
desenvolvimento ou ainda, de preservação e revitalização de seus conhecimentos
tradicionais.
151
CONSIDERÇÕES FINAIS
As práticas educacionais formais que hoje se configuram no Alto Rio Negro são
expressivas em relação ao desenvolvimento de currículos escolares que consideram o
contexto como a matriz geradora dos objetivos de ensino e aprendizagem processados
nas escolas. Este fato se demonstra consistente na experiência intercultural da Pamáali,
cujos alvos de desenvolvimento se refletem nas metodologias de ensino com pesquisa e
num Ensino de Ciências sintetizador da imbricação entre a Ciência do Índio e a Ciência
ocidental.
Esse percurso educacional das escolas indígenas do Alto Rio Negro nos faz refletir
sobre as diferentes concepções de ensino e aprendizagem que têm norteado as práticas
de Ensino de Ciências nessas escolas. O foco no ensino através da pesquisa tem sido a
base epistemológica e metodológica de um construto intercultural ligado aos interesses
indígenas de emancipação. A escolha desse caminho tem forte relação com as
implicações pós-contato com a cultura ocidental, reforçando as transformações pelas
quais a escola formal indígena tem passado, alterando seus objetivos e metodologias de
ensino.
Dessa forma, ao optarem pelo não-isolamento, os povos Baniwa e Coripaco, através da
idealização do projeto escolar Pamáali, estão consolidando as intenções de unir as
Ciências indígenas às tecnologias ocidentais para que os problemas de sustentabilidade
das comunidades indígenas do Rio Içana sejam amenizados. Essa meta de intervenção
corresponde às expectativas de grande parte dos objetivos indígenas de autogestão e de
autoafirmação escolar. Tais fatores são fortalecidos pela conexão das práticas de ensino
da EIBC com as intenções políticas e pedagógicas de revitalização da cultura indígena
dos Baniwa e Coripaco, e de seus intentos de desenvolvimento sustentável para as
comunidades do Rio Içana.
152
Entretanto, os desafios e possibilidades que esses objetivos acarretam, se desenvolvem,
sobretudo, a partir de um Ensino de Ciências através da pesquisa, pois constatamos nas
nossas vivências de campo que as práticas de ensino de Ciências da natureza fazem o
elo entre os conteudos disciplinares e as questões ambientais de relevância para o
desenvolvimento sustentável dos povos indígenas do Alto Rio Negro.
Uma outra questão desafiadora é a formação dos professores indígenas, sendo
fundamental a participação desses docentes à frente dessas iniciativas, de forma que
esse processo corresponda aos focos de interesses dos Índios em relação à cultura, à
Língua, às etnociências, às metodologias apropriadas aos contextos das aldeias ou
comunidades e à própria inter-relação entre culturas e Ciências diferentes
proporcionadas pela interculturalidade.
Os espaços não formais das escolas indígenas atribuem ao Ensino de Ciências um grau
de relevância curricular e metodológica, na medida em que os Índios estabelecem com o
ambiente um diálogo de pertencimento ligado às concepções de território e de relação
com a natureza. Presenciamos em Pamáali uma organização de disciplinas e de
funcionamento da escola fortuitamente condizentes com as propostas e sugestões de
Ensino de Ciências contidas no Referencial Curricular Nacional para as escolas
indígenas. Porém, as práticas de ensino regidas pela pesquisa fazem o diferencial no
processo ensino-aprendizagem dos conteudos referentes às Ciências da natureza, tanto
no Ensino fundamental como no Ensino Médio. Isto é constatável mediante as
produções de monografias como resultados de pesquisas de campo realizadas pelos
alunos do Ensino Fundamental e que representam uma ousadia intelectual que
surpreende pelo conteudo e pela sistematização de coleta e análise de dados empíricos.
Esses estudos são representativos de conhecimentos mitológicos e científicos,
sustentados por uma ideologia investigativa de aprendizagem.
Por essa razão, a prática intercultural de ensino na Pamáali compreende uma dinâmica
entre Ciências que se complementam e que atendem aos propósitos de entendimento
entre povos e culturas diversos. Essa lógica de intersecção entre saberes deve se
sobrepor às posturas unilaterais de dogmas científicos que só dificultam as relações
profícuas de valorização das culturas e das diferentes maneiras de se fazer Ciência.
153
A generosidade de informações apreendidas no campo, junto à realidade indígena do
Rio Içana, possibilitou um percurso metodológico marcado por impressões e expressões
que favoreceram uma construção de análises e reflexões para além da relação causa-
efeito, ressaltando a procedência de uma dialética entre educação, Ciência, sociedade e
ambiente. Essa necessidade faz-nos crer que o Ensino de Ciências na Amazônia
extrapola processos estritamente pedagógicos, devendo apoiar-se na dimensão política
da educação, uma vez que os sujeitos sociais envolvidos nas práticas de Ensino de
Ciências precisam aliar ao processo ensino-aprendizagem de conceitos científicos, o
significado histórico e pragmático dessa ação.
Assim, a prática da pesquisa que hoje delineia o Ensino de Ciências na EIBC pode ser
considerada como um construto político e pedagógico, no sentido de corresponder às
intenções e às necessidades indígenas de sobrevivência e de sustentabilidade, como
também aos propósitos indígenas de ensino e aprendizagem dos conteudos das Ciências
naturais, fortemente entrelaçados aos conhecimentos tradicionais indígenas.
A proposta que pensamos como produto de nossa pesquisa considera a continuidade de
investigação científica no Ensino Médio Integrado Indígena, de forma a abarcar os
itinerários sociopolíticos, culturais e de desenvolvimento sustentável que os alunos e
professores indígenas do Alto Rio Negro estão priorizando em seus Projetos Políticos
Pedagógicos. A opção por uma estratégia de projetos de pesquisa visando a atuação dos
alunos como sujeitos transformadores de suas realidades, tem razões baseadas no que
observamos, estudamos e analisamos na práxis da EIBC.
Vale ressaltar que o processo de consolidação de uma escola indígena, diferenciada e
intercultural no Rio Içana e no Alto Rio Negro ainda está em construção e, por isso
mesmo, as iniciativas historicamente validadas pelos estudos científicos podem servir
de parâmetro para novas projeções educacionais.
Fazendo uma analogia com o percurso da Pamáali, é como se juntássemos um quebra-
cabeça, cujas peças maiores fossem a educação intercultural, as peças médias, o ensino
via pesquisa e as peças menores, o desenvolvimento sustentável. Além de uma relação
154
complexa, tal analogia mostra o quanto essas três questões estão interligadas e ao
mesmo tempo se complementam.
As peças maiores, e, portanto, estruturantes, correspondem à proposta de interligação
entre conhecimentos indígenas e não-indígenas, que, relacionados ao Ensino de
Ciências na Amazônia, colocam em relevo as culturas e os conhecimentos científicos,
sem hierarquias. Ambos são relevantes e importantes para a consolidação da escola
indígena almejada.
As peças medianas, articuladoras ou mediadoras, seriam as metodologias de ensino via
pesquisa, que possibilitam o alcance dos principais objetivos de uma escola intercultural
indígena: o fortalecimento dos conhecimentos tradicionais e o desenvolvimento
sustentável da região.
As peças menores, de fechamento, e que de forma alguma poderiam ser encaixadas no
início da montagem do quebra-cabeça, são as possibilidades de frutos de todo um
trabalho intercultural, ainda pontual e insipiente, porque necessita de muito
investimento financeiro, formação dos docentes indígenas, formação técnica,
empreendimento logístico, pesquisas sobre os recursos naturais, reconhecimento dos
direitos sobre o capital cultural indígena etc.
E nesse quebra-cabeça, onde ficaria o Ensino de Ciências? Como afirmamos
anteriormente, o Ensino de Ciências tem como propósito fundamental, a sociedade, os
processos de emancipação dos povos indígenas, através da educação. Dessa forma, a
paisagem resultante, o quebra-cabeça montado, representaria o significado do Ensino de
Ciências na Amazônia para os povos tradicionais indígenas. Não mais isolados e sem
poder de ação. Não mais distantes das tecnologias que possam melhorar suas vidas. Não
mais esquecidos de si mesmos, porque fortaleceram e registraram suas línguas, seus
mitos, suas tradições. Não mais ausentes de seus territórios e de sua pátria mãe, porque
criaram alternativas sustentáveis de trabalho para os seus jovens nas próprias
comunidades.
155
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163
ANEXOS
164
Anexo 1 - Roteiro das questões norteadoras
Entrevista coletiva com os professores da Pamáali
1) Como os temas transversais estão sendo trabalhados e de que forma são escolhidos?
2) Em relação ao PPP da escola, houve alguma modificação em suas propostas ou continua com os
mesmos direcionamentos de 2007?
3) Quantas turmas concluíram o Ensino Fundamental? Quantos continuaram na escola cursando o Ensino
Médio Integrado Indígena, como anexo da escola Kariamã?
4) A escolha de um ensino via pesquisa como metodologia mestra – Por quê? Qual a finalidade? Tem
relação com o quê?
5) Quais as pesquisas que estão relacionadas com as Ciências da natureza? Quantos alunos estão
pesquisando sobre essas Ciências? Como as temáticas são escolhidas? Estão relacionadas aos conteúdos?
Aos temas transversais?
6) Em relação ao processo de legitimação do Ensino Médio Integrado na Pamáali, o que está sendo
exigido?
7) Quais os eixos-profissionalizantes priorizados pela escola? Parte diversificada do currículo – PPP.
8) Como é trabalhada a questão da interdisciplinaridade? Vocês têm dificuldades para implementá-la ?
9) Na opinião dos professores o que falta para se reconhecer as Ciências do Índio como imprescindíveis
ao conhecimento científico de muitas plantas, animais, raizes medicinais etc?
10) Em relação ao uso de materiais didáticos interculturais que relacionem os conhecimentos indígenas e
não-indígenas – Como está sendo pensado? Quais as produções que Pamáali já tem?
11) Quais as dificuldades para a implantação de uma política de educação indígena no Rio Içana?
12) Quais as perspectivas de produção dos alunos, como produto final do Ensino Médio Integrado
Indígena?
13) Quais as impressões dos professores da Pamáali em relação ao Curso de Licenciatura Intercultural
indígena que está sendo oferecido pela Universidade do Estado do Amazonas?
14) O que é educação intercultural? Como os professores definem educação diferenciada? Como pensam
essa interculturalidade em Pamáali?
15) O que precisam em termos de apoio e o que pensam em termos de metas para a formação dos
professores indígenas na perspectiva intercultural?
16) O que é fazer Ciência para o Índio? Por que o interesse pela cultura ocidental e suas Ciências?
17) Quantas plantas vocês já têm catalogadas?
18) Que projetos de sustentabilidade estão em desenvolvimento na escola?
Pamáali, dezembro de 2009 - segundo momento da pesquisa de campo
165
Anexo 2 – Grade curricular da Escola Indígena Baniwa Coripaco
Áreas de estudo
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A
Disciplinas
Núcleo comum
Línguas Língua portuguesa
Língua baniwa
Matemática Matemática
Estudos da Cultura e da Natureza
História
Geografia
Ciências
Artes Artes
Educação Física Educação física
Parte diversificada
(profissionalizante)
Manejo ambiental
Produção, processamento e
comercialização
Saúde
Práticas agronômicas
Práticas zootécnicas
Indústria indígena
Administração e contabilidade
Programa de saúde
Fonte: PPP da EIBC.
166
Anexo 3 – Sumário 1
Introdução ......................................................................................................................... 4
1. Cálculos Úteis na Piscicultura. ...................................................................................... 6
2. Cálculo da Área de um Viveiro .................................................................................... 6
2.1. Quadrado ................................................................................................................... 7
2.2. Retângulo ................................................................................................................... 7
2.3 Triangulo .................................................................................................................... 8
2.4. Trapézio ..................................................................................................................... 9
2.5. Círculo ..................................................................................................................... 10
3. Cálculo do Volume de Água ...................................................................................... 11
4. Cálculo da Dosagem de Hormônio ............................................................................. 15
5. Cálculo da Temperatura (UTA) ................................................................................... 25
6. Cálculo da Produção .................................................................................................... 29
Conclusão ........................................................................................................................ 38
7. Bibliografia .................................................................................................................. 39
8. Vocabulário Português – Baniwa ................................................................................ 40
CARDOSO, Juvêncio. Prática de Matemática na Piscicultura. 2004, 39 f. EIBC,
Baixo Rio Içana, Alto Rio Negro
167
Anexo 4 – Sumário 2
Introdução ..................................................................................................................................................... 3
CAPÍTULO I ............................................................................................................................................... 4
1. A Pesquisa ............................................................................................................................................... 5
2. Entrevistas ............................................................................................................................................... 7
3. Refeições comunitárias ............................................................................................................................. 8
CAPÍTULO II............................................................................................................................................... 9
1. A realização da pesquisa ........................................................................................................................ 10
a) Área de estudo .................................................................................................................................. 10
b) Metodologia ...................................................................................................................................... 10
c) Tipo de vegetação em área de estudo .............................................................................................. 11
d) A situação da caça na região do Alto e Médio Rio Içana ................................................................. 12
CAPÍTULO III .......................................................................................................................................... 13
1. Descrição das áreas pesquisadas ............................................................................................................. 14
a) Aldeia Aracu Cachoeira .................................................................................................................... 14
b) Aldeia Jandu Cachoeira (Enhipani) .................................................................................................. 16
c) Aldeia Tucumã Rupitá ..................................................................................................................... 18
d) Aldeia Bela Vista .............................................................................................................................. 20
e) Aldeia Juivitera ............................................................................................................................. 22
f) Aldeia Tucunaré Lago .................................................................................................................. 24
g) Tapira Ponta ................................................................................................................................. 26
h) aldeia Santa Rosa .......................................................................................................................... 28
2) Realização do transecto ................................................................................................................ 30
3) Realização do censo...................................................................................................................... 32
4) Censo: avistamentos diretos e indiretos ........................................................................................ 31
5) Situação da caça nesta área ........................................................................................................... 35
CAPÍTULO IV ................................................................................................................................. 36
1. Dados das entrevistas .................................................................................................................... 37
2. Tabelas de caças ............................................................................................................................ 38
3. Taxa de colheita ............................................................................................................................ 39
4. Resultado dos dados das entrevistas ............................................................................................. 39
5. Hipótese ........................................................................................................................................ 40
CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 41
Informantes ....................................................................................................................................... 43
ANTONIO, Eliseu. Estudo da caça no Médio Rio Içana. 2006, 42f. EIBC, Baixo Rio Içana, Alto Rio
Negro
168
Anexo 5 – Ciclo monográfico
Ensino de Ciências
via pesquisa: como
princípio científico
e como princípio
educativo.
Intercultura: a
formalização de um
conhecimento
híbrido
Culminância de
propósitos:
Sustentabilidade e
fortalecimento da
cultura indígena
Baniwa e Coripaco
CICLO
MONOGRÁFICO:
DOS MITOS À
CIÊNCIA
169
Anexo 6 – Quadro temático 1 das Monografias Baniwa e Coripaco da EIBC/Pamáali
(Turma: 2004)
ALUNOS TEMAS
1. Aparecida Custódio Paiva Organização da Tribo Dzawinai
2. Armindo Gomes de Souza Grafismo do Artesanato de Arumã Baniwa: alguns
significados
3. Clarinda Custódio Paiva Plantas Tradicionais Baniwa
4. Erivaldo Macedo Paiva A Educação Indígena Tradicional Baniwa
5. Gielson Paiva Trujillo O Lixo na região do Rio Içana
6. Gracimar Custódio Paiva Parto Tradicional Baniwa
7. João Cláudio Doenças Tradicionais Baniwa
8. José Gomes de Souza Instrumentos Musicais do Povo Baniwa
9. Juvêncio da Silva Cardoso A Prática de Matemática na Piscicultura
10. Paula Oliveira Brazão A arte que se faz com o arumã
11. Plínio Guilherme Marcos A história da OIBI
12. Rogério Paulo Eduardo da Silva
MAAPA IKEÑOAKA (A origem das abelhas sem
ferrão na cultura Baniwa e Coripaco)
13. Ronaldo da Silva Apolinário Tawinakaa Winakaa Nhaah Maapanai
(Meliponicultura: como criar abelhas sem ferrão)
14. Tiago Pacheco Origem dos Povos Baniwa e Coripaco
15. Vigico Juarez Paiva Rivas A Piracema Hoje: uma nova compreensão deste
fenômeno
16. Wilson Júlio Quincas Miguel A Origem da Chuva
17. Orlando Garcia Gonçalves Arte Baniwa – Pedaliaphe Idzeka
170
Anexo 7 - Quadro temático 2 das Monografias Baniwa e Coripaco da EIBC-Pamáali
(Turma: 2006)
ALUNOS TEMAS
1. Alexandre Rodrigo Brazão A roça Baniwa
2. Aloncio Garcia As mudanças das formas de viver dos povos Baniwa
3. Arsênio Benjamin Escravidão Baniwa e Coripaco
4. Augusto Garcia Gonçalves Comunidade Tunui Cachoeira
5. Cleonice Apolinário Venceslau A Chegada dos Missionários Evangélicos no Rio Içana
6. Eliseu Antônio Estudo de caça no médio Rio Içana
7. Genivaldo Faria Educação em saúde bucal
8. Hermógenes Brazão Faria Origem do mundo na cultura Baniwa
9. José Apolinário Venceslau Línguas indígenas
10. Luciano Benjamin da Silva Processo que dá no Tucum
11. Luiz Garcia Como criar as abelhas sem ferrão
12. Marcelo Gregório Lopes A origem dos povos Baniwa e Coripaco
13. Marino Mandú Sanches Materiais para caça e pesca dos povos Baniwa e Coripaco
14. Orlando Andrade Fontes Introdução da Educação Escolar no Rio Içana
15.Paulo Farias Waiñhawada Whaa Medzeniakonai
16.Pedro André da Silva Relação de parentesco entre os Clãs
17. Quirino Garcia Sanches Sono e envelhecimento
18. Raimundo Miguel Benjamin Administração das Organizações indígenas do Rio Içana
19. Romeu Brazão Miguel Educação tradicional Baniwa
20. Ronaldo da Silva Lourenço Higiene dos povos Baniwa
21. Valêncio da Silva Macedo Origem dos peixes na cultura Baniwa