Thomas Reid_Da Perspectiva Do Sr Locke

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A identidade pessoal segundo Reid.

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Um Argumento a Favor do Animalismo, Eric

Da Perspectiva do Sr. Locke sobre a Nossa Identidade Pessoal, Thomas ReidNum longo captulo sobre identidade e diversidade, o Sr. Locke fez muitas observaes engenhosas e correctas e algumas que considero indefensveis. Vou ocupar-me apenas da sua perspectiva sobre a nossa identidade pessoal. A sua doutrina sobre este assunto foi censurada pelo bispo Butler num ensaio curto apensado sua Analogia. Concordo perfeitamente com as suas opinies.Como observei (Cap. 4 deste Ensaio), a identidade pressupe a existncia continuada do ser da qual se afirma, pelo que s aplicvel a coisas que tm uma existncia continuada. Enquanto um ser continua a existir, o mesmo ser. Mas dois seres que diferem no comeo ou no fim da sua existncia no podem ser o mesmo. Penso que o Sr. Locke concorda com isto.

Muito correctamente, ele observa que, para sabermos o que se entende por mesma pessoa, temos de considerar o significado da palavra pessoa. E define uma pessoa como um ser inteligente, dotado de razo e de conscincia, tomando esta ltima como algo inseparvel do pensamento.Desta definio de pessoa, no pode deixar de se seguir que o ser inteligente, enquanto continua a existir e a ser inteligente, tem de ser a mesma pessoa. A meu ver, uma contradio manifesta dizer que o ser inteligente a pessoa, mas que a pessoa deixou de existir enquanto o ser inteligente continua a existir, ou que a pessoa continua a existir enquanto o ser inteligente deixou de existir.Poderamos pensar que a definio de pessoa determinaria perfeitamente a natureza da identidade pessoal, ou dir-nos-ia em que esta consiste, ainda que pudesse subsistir a questo de como conhecemos e ficamos certos da nossa identidade pessoal.No entanto, o Sr. Locke diz-nos que essa identidade pessoal, isto , a mesmidade de um ser racional, consiste somente na conscincia, e a identidade de uma pessoa chega at onde esta conscincia pode recuar a aces ou a pensamentos passados. Por isso, aquilo que tenha a conscincia de aces presentes e passadas a mesma pessoa, s quais estas pertencem.

Esta doutrina tem algumas consequncias estranhas de que o autor estava ciente. Por exemplo, se a mesma conscincia pode ser transferida de um ser inteligente para outro algo que, em seu entender, no podemos mostrar ser impossvel , ento dois ou vinte seres inteligentes podero ser a mesma pessoa. E se o ser inteligente pode perder a conscincia das aces que realizou, o que seguramente possvel, ento ele no a pessoa que realizou essas aces, pelo que um ser inteligente poder ser duas ou vinte pessoas diferentes, se perder to frequentemente a conscincia das suas aces anteriores.H outra consequncia desta doutrina que se segue dela com igual necessidade, ainda que o Sr. Locke provavelmente no a tenha visto: que um homem pode ser, e ao mesmo tempo no ser, a pessoa que realizou uma certa aco.Suponha-se que um oficial corajoso, quando era rapaz, foi aoitado na escola por ter roubado num pomar; que tomou um estandarte ao inimigo na sua primeira campanha; e que foi promovido a general numa idade avanada. Suponha-se tambm o que temos de admitir como possvel que, quando ele tomou o estandarte, estava consciente de ter sido aoitado na escola; e que, quando foi promovido a general, estava consciente de ter tomado o estandarte, mas tinha perdido absolutamente a conscincia do seu acoitamento.Feitas estas suposies, segue-se da doutrina do Sr. Locke que aquele que foi aoitado na escola a mesma pessoa que tomou o estandarte, e que aquele que tomou o estandarte a mesma pessoa que foi promovida a general. Disto segue-se, se h alguma verdade na lgica, que o general a mesma pessoa que aquele que foi aoitado na escola. Mas a conscincia do general no recua ao seu aoitamento. Logo, segundo a doutrina do Sr. Locke, ele no a pessoa que foi aoitada. Logo, o general , e ao mesmo tempo no , a pessoa que foi aoitada na escola.Deixando as consequncias desta doutrina para aqueles que tenham tempo livre para as identificar, podemos fazer vrias observaes a respeito da prpria doutrina.Em primeiro lugar, o Sr. Locke atribui conscincia a convico que temos das nossas aces passadas, como se um homem pudesse estar consciente agora do que fez h vinte anos. impossvel entender o que significa isto, a no ser que por conscincia se entenda a memria, a nica faculdade pela qual temos um conhecimento imediato das nossas aces passadas.Por vezes, no discurso popular, um homem diz estar consciente de ter feito uma certa coisa, querendo dizer que se recorda nitidamente de a ter feito. No discurso comum, no preciso traar rigorosamente a fronteira entre a conscincia e a memria. Mostrmos que isto se verifica a respeito da percepo e da memria e assim, sem qualquer inconvenincia, recordao distinta chama-se por vezes percepo e por vezes conscincia.Contudo, devemos evitar isto na filosofia, pois de outra forma confundiremos os diversos poderes da mente e atribuiremos a um aquilo que pertence realmente a outro. Se um homem puder estar consciente do que fez h vinte anos ou h vinte minutos, ento no haver qualquer uso para a memria, nem deveremos admitir a existncia desta faculdade. As faculdades da conscincia e da memria distinguem-se sobretudo por isto: a primeira um conhecimento imediato do presente; a segunda um conhecimento imediato do passado.

Devidamente expressa, portanto, a perspectiva do Sr. Locke sobre a identidade pessoal que esta consiste na recordao distinta, j que, mesmo no sentido popular, a afirmao de que estou consciente de uma aco passada significa apenas que me recordo distintamente de a ter realizado.Em segundo lugar, podemos observar que, nesta doutrina, no s se confunde a conscincia com a memria, como, o que ainda mais estranho, se confunde a identidade pessoal com a evidncia de que dispomos a respeito da nossa identidade pessoal.

inteiramente verdade que a minha recordao de ter feito uma coisa a evidncia de que disponho para julgar que sou idntico pessoa que a fez. E estou disposto a pensar que o Sr. Locke queria dizer isto. Mas a afirmao de que a minha recordao ou a minha conscincia de ter feito uma coisa me torna a pessoa que a fez , a meu ver, demasiado absurda para ser levada a srio por qualquer homem que preste ateno ao seu significado: esta consiste em atribuir a memria ou conscincia o estranho poder mgico de produzir o seu objecto, ainda que este objecto tenha de ter existido antes da memria ou conscincia que o produziu. A conscincia o testemunho de uma faculdade; a memria o testemunho de outra faculdade. E dizer que o testemunho a causa da coisa testemunhada seguramente absurdo, se alguma coisa o e o Sr. Locke no poderia t-lo dito, se no tivesse confundido o testemunho com a coisa testemunhada.

Quando um cavalo roubado encontrado e reclamado pelo proprietrio, a semelhana a nica evidncia que ele pode ter, ou que um juiz ou as testemunhas podem ter, de que esse o mesmo cavalo que aquele era propriedade sua. Mas no seria ridculo inferir disto que a identidade de um cavalo consiste somente na semelhana? A nica evidncia que tenho de ser a mesma pessoa que realizou certas aces recordar-me distintamente de as ter realizado, ou, como diz o Sr. Locke, estar consciente de as ter realizado. Inferir disto que a identidade pessoal consiste na conscincia propor um argumento que, se tivesse alguma fora, provaria que a identidade de um cavalo roubado consiste somente na semelhana.Em terceiro lugar, no estranho que a identidade ou mesmidade de uma pessoa consiste numa coisa que muda constantemente e que no a mesma durante dois minutos?

A nossa conscincia, a nossa memria e toda a operao da mente no deixam de fluir como a gua de um rio ou como o prprio tempo. Tal como este momento no pode ser o momento anterior, a conscincia que tenho neste momento no pode ser a mesma conscincia que tive no momento anterior. S se pode afirmar a identidade de coisas que tm uma existncia continuada. A conscincia e os pensamentos de todo o gnero so passageiros e momentneos, e no tm qualquer existncia continuada, pelo que, se a identidade pessoal consistisse na conscincia, seguir-se-ia seguramente que nenhum homem a mesma pessoa em quaisquer dois momentos da sua vida. E, como a rectido e a justia da recompensa e do castigo se baseiam na identidade pessoal, nenhum homem poderia ser responsvel pelas suas aces.

Contudo, ainda que tome isto como uma consequncia inevitvel da doutrina do Sr. Locke sobre a identidade pessoal, e ainda que algumas pessoas possam ter gostado mais da doutrina por esta razo, estou longe de imputar algo deste gnero ao Sr. Locke. Ele era um homem demasiado bom para no ter rejeitado a doutrina com repulsa caso tivesse extrado dela esta consequncia.Em quarto lugar, o Sr. Locke, quando fala de identidade pessoal, usa muitas expresses que, para mim, so completamente ininteligveis, a no ser que suponhamos que ele atribuiu a mesmidade ou identidade que atribumos a um indivduo com a identidade que, no discurso comum, atribuda frequentemente a muitos indivduos da mesma espcie.Quando dizemos que a conscincia e a memria, a dor e o prazer, so os mesmos em todos os homens, esta mesmidade s pode significar semelhana ou mesmidade de tipo. Que a dor de um homem possa ser a mesma dor individual que a de outro homem no menos impossvel que um homem ser outro homem: do mesmo modo que o dia de ontem no pode ser o dia de hoje, a dor que senti ontem no pode ser a dor sinto hoje; e podemos dizer o mesmo de toda a paixo e de toda a operao da mente. O mesmo tipo ou espcie de operao pode existir em homens diferentes ou no mesmo homem em momentos diferentes, mas impossvel que a mesma operao individual exista em homens diferentes ou no mesmo homem em momentos diferentes.Por esta razo, quando o Sr. Locke diz a mesma conscincia continua ao longo de uma sucesso de substncias diferentes, repetir a ideia de uma aco passada com a mesma conscincia que tivemos dela inicialmente e a mesma conscincia estende-se a aces passada e vindouras, para mim estas expresses so ininteligveis, a no ser que ele se refira no mesma conscincia individual, mas a uma conscincia que semelhante ou do mesmo tipo.Se a nossa identidade pessoal consiste na conscincia, ento, dado que esta conscincia no pode ser a mesma individualmente em quaisquer dois momentos, e pode ser apenas do mesmo tipo, seguir-se-ia que durante dois momentos somos no a mesma pessoa individual, mas pessoas do mesmo tipo.Dado que por vezes a nossa conscincia deixa de existir, como no sono profundo, a nossa identidade pessoal tem de cessar com ela. O Sr. Locke admite que a mesma coisa no pode ter dois comeos de existncia, pelo que a nossa identidade se perderia irrecuperavelmente sempre que deixssemos de pensar, nem fosse por um momento.ingenious. perspicazes?

a comprovao?