Tião Rocha - Jornal Hoje em Dia

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BELO HORIZONTE QUINTA-FEIRA, 26/2/2009 “A escola tradicional não forma para a cidadania, existe para atender ao mercado, gerar mão-de-obra, ganhar dinheiro e ter diploma”, critica o arte-educador e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, Tião Rocha (foto). Sob a égide da responsabilidade social, ONGs, empresas e governos, investem na educação não-formal, como complementar à tradicional. 0 modelo exige novos atores, espaços e tecnologias, nas oficinas lúdicas e culturais. Mas, por falta de uma cultura de gestão eficiente nas organizações, nâo são mensuradas por indicadores de impacto. Páginas 8 e 9. RAQUEL EMANUELLE

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Tião Rocha em reportagem ao Jornal Hoje em dia - Caderno eu Acredito.

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BELO HORIZONTEQUINTA-FEIRA, 26/2/2009

“A escola tradicional não forma para a cidadania, existe para atender ao mercado, gerar mão-de-obra, ganhar dinheiro e ter diploma”, critica o arte-educador e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, Tião Rocha (foto). Sob a égide da responsabilidade social, ONGs, empresas e governos, investem na educação não-formal, como complementar à tradicional. 0 modelo exige novos atores, espaços e tecnologias, nas oficinas lúdicas e culturais. Mas, por falta de uma cultura de gestão eficiente nas organizações, nâo são mensuradas por indicadores de impacto. Páginas 8 e 9.

RAQUEL EMANUELLE

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Diferente da educação formal, onde o interesse está diretamente vinculado ao grau de aprendizado; na educação não-formal, considera-se a qualidade da expe riência e suas conseqüências. São inseri dos outros atores, possibilidades e for mas de aprendizagem e construção do co nhecimento. “Desde o início, em Araçuaí (MG), já são 11 anos na instituição. Cresci muito, pessoal e profissionalmente e, ti ve oportunidades que, de outra forma, nunca teria. A instituição faz com que acreditemos em nosso potencial e nos mostra uma forma melhor de ver o mun do e acreditar que tudo é possível,” conta uma das beneficiárias das ações do CP CD, Nataliana Santos, 23 anos.

Fundado em 1984, em Belo Hori zonte, o CPCD promove a educação po pular e o desenvolvimento comunitá rio a partir da cultura. “ Uma escola que não aprende, que não se abre, que acha que só ensina, não educa”, com pleta Tião. Para ele, a educação só se aprende no plural.

CULTURA E ARTE COMPLEMENTAM ENSINOSob diversificado leque de possibili dades das ações de

responsabilidade so cial, com foco na melhoria da qualidade de vida da população, as metodologias usadas na educação não-formal reúnem propostas educacionais e manifestações artísticas e culturais, no atendimento a crianças, jovens, adultos e idosos. Bastan te diversificadas, os projetos são elabora dos e implementados em torno das políti cas públicas de inclusão, nos programas e ações efetivadas por organizações Não-Governamentais, com o patrocínio, em sua maioria, de empresas e esferas gover namentais. A mobilização e a utilização da mão de obra voluntária é outra caracte rística marcante do modelo.

BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 26/2/2009 HOJE EM DIA - [email protected]

Nas organizações sociais, arte-educadores exercem modelo de educação comprometido com a formação integral humana

LUIZA VILLARROEL CAMIL A LOPES L I T Z A M AT T O SCOLABORADORAS

Longe das quatro paredes da habi-tual sala de aula, a rotina acadêmica cede lugar a uma educação nada convencional. Jogos, histó rias e, acesso à cultura, fazem parte desse mo delo de ensino, que formam alunos, sobretudo, para a cidadania. Denominada não-formal, es se modelo da prática do ensino, torna a obriga ção do saber prazerosa, com resultados tão efi cientes, quanto ao tradicional sistema das re-des pública e privada, que conhecemos e esta mos acostumados. “Através da informalidade, que possibilita o uso de novas técnicas, acre ditamos que o processo de educação se mante nha vivo durante toda a vida de uma pessoa. É um fim, e a escola, um meio”, explica o funda dor e educador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), Tião Rocha. 0 edu cador consolidou projetos como Sementinha, para crianças de quatro a seis anos; Ser Crian ça, entre sete e 15 anos; Pedagogia do Brinque do; projeto Bornal dos Jogos, para educado res; Bornal da Paz e muitos outros. Implantado em seis estados brasileiros e em Moçambi que, na África, onde o programa já beneficiou mais de 20 mil crianças e jovens.

Para a educadora Sandra Lanne, a educação não-formal atual como comple mentar, aos modelos de aprendizagens formal e informal. “O processo acontece através da vivência cotidiana. A educa ção não-formal amplia as experiências es colares e de vivência cidadã” conclui. Atualmente, em parceria com o artista plástico Leandro Gabriel, Sandra desen-volve o projeto Escultórias, que promove acesso à cultura.

Leandro Gabriel atua principalmente nas escolas, da seguinte forma: durante duas semanas, a escola recebe uma expo sição de esculturas. O aluno que se sentir motivado, poderá se inscrever para fazer uma oficina de criação plástica e literária, tendo como eixo motivador as escultu ras. Este aluno também participará de um bate-papo com o escultor e, terá a pos sibilidade de ver seus trabalhos no acer vo da exposição itinerante do projeto e/ou serem publicados em um livro.

Como resultado, participantes de seis escolas municipais de Belo Horizon te e da cidade de Ipatinga, tiveram os seus textos publicados em dois livros: “Escultórias” e “Escultórias Arigatô”. Aini-ciativa motivou a formação de um grupo de jovens, que passaram a contar artisti camente para os mais diferenciados pú blicos, histórias, poemas e músicas desen-volvidas no projeto.

“A promoção da inclusão social, ar tística e cultural por meio de um contato maior com a arte é o que este projeto de educação-não formal, possibilita na vi da das pessoas. Uma vez que 93% dos brasileiros, de acordo com o IBGE, nun ca foram a uma exposição de arte”, com pleta Sandra. A educadora desenvolve outros projetos sobre essa forma de ensi no: Primavera de Histórias, Histórias da Nossa Gente, e Passaredo Contadores de Histórias.

O educadorTião Rocha:

“A educação éum fim e a escola, um

meio”

RAQUEL EMANUELLEDIVULGAÇÃO

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“Educação informal é aquela que não está na forma, formatada e muito menos, dentro do formol, que é essa educação engessada entre quatro pare des dentro de um currículo pronto, de fasado, fossilizado, em geral, com o qual trabalha o sistema de ensino

Envolve criatividade, disciplina, reci clagem de posturas, valores e tradições. No modelo de educação não-formal, para a formação do cidadão, ético, justo, solidá rio e, protagonista de seu próprio desenvol vimento humano e social, entram em cena, outros atores, possibilidades, formas e téc nicas de aprendizado. Além disso, fora da tradicional sala de aula, todos os espaços abrem sua infinidade de possibilidades pa ra esse descobrimento. Através de ofici nas artísticas e culturais, de forma lúdica, crianças e jovens são beneficiados com atividades que promovem o desenvolvi mento psicomotor, o raciocínio lógico e a melhoria da auto-estima, além da forma ção de hábitos para a saúde; preservação ambiental, higiene, alimentação saudável e socialização; como cooperação, partici pação e respeito.

des se país”, dispara o educador Tião Ro cha do Centro Popular de Cultura e De senvolvimento. Ele explica que, quan do se desenvolve uma educação dita popular, informal, e não meramente acadêmica, é quando pensamos que essa educação dentro da forma, sozi nha, não dá conta do todo. E não tem dado conta, inclusive, da própria fun ção social da escola. E apesar dos resul tados efetivos, constatados, visibiliza-dos e fiscalizados, pelos patrocinado res, não existem indicadores consisten tes, capazes de nos dar a real dimensão da contribuição do modelo, implemen tado, em sua maioria, pela sociedade ci vil organizada.

De acordo com o educador, a esco la, qualquer uma delas, é o aparelho ideológico do mercado. “A escola exis te para atender ao mercado. Formar mão-de-obra, arrumar emprego, ga nhar dinheiro, ter diploma. O proble ma é que a escola não faz isso bem”, cri tica Tião. Os índices de avaliação do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2007 mostra que os brasileiros, de 15 anos, ficaram em últi mo ou penúltimo lugar em conheci mentos gerais. “E não forma também para a cidadania, devido à falta de fun ção social”, conclui.

Para a Superintendente da Missão Ramacrisna,

Solange Bottaro, que atua nas comunidades da Zona Rural de Betim, na RMBH, também com pro jetos artísticos-culturais e lúdicos com crianças e adolescentes, no contratur no da escola formal, não existe, nas or ganizações sociais, uma cultura de mensuração dos resultados para levan tamento dos indicadores de impacto das ações, em qualquer área. “Eu te nho certeza absoluta de que, em 50 anos, a atuação da Ramacrisna, elevou o índice de escolaridade da população regional, mas não tenho dados”, afir ma. Solange informa que está, neste momento, implantando um sistema de gestão, com esse fim.

Na mesma cidade, porém na área central, o Salão do Encontro, organiza ção também com cerca de 30 anos de atuação na promoção do desenvolvi mento integral humano, em meio a muita natureza, é um celeiro de ofici nas de arte-educação. Entre as ativida des, informática, artesanato, jogos ar tesanais, reforço escolar, artes circen ses, reciclagem, cerâmica, tecelagem, marcenaria, tapeçaria e reciclagem, “Bastaque, com simplicidade, discipli na, sensibilidade e muito amor, dar es tímulo e fazer que eles acreditem no seu potencial”, ensina, Noemi Gontijo, 84 anos, fundadora e até hoje coorde nadora da ONG. Na educação infantil, a ONG beneficia cerca de 400 crianças de quatro a seis anos. Já na escola com plementar , em média, 150 alunos, de sete a 14 anos. A pré-escola oferece al moço, lanche e banho.

Em Betim, a ONG construindo uma casa de hóspedes, com o apoio da Fundação Kellogs, para receber e capacitar gestores e colaboradores de outras organizações.

PIPA CAVALCANTI

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