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ÉTICA E CIDADANIA Prof. Rafael Pires Rocha 2 a edição | Nead - UPE 2013

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ÉTICA E CIDADANIAProf. Rafael Pires Rocha

2a edição | Nead - UPE 2013

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife

xxxx, xxxxxxxxxxxx

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Recife: UPE/NEAD, 2011 32 p.

ISBN -

xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

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REITORProf. Carlos Fernando de Araújo Calado

VICE-REITOR

Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque

PRó-REITOR ADMINISTRATIVOProf. José Thomaz Medeiros Correia

PRó-REITOR DE PLANEJAMENTOProf. Béda Barkokébas Jr.

PRó-REITOR DE GRADUAÇÃOProfa. Izabel Christina de Avelar Silva

PRó-REITORA DE PóS-GRADUAÇÃO E PESqUISA Profa. Viviane Colares Soares de Andrade Amorim

PRó-REITOR DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL E ExTENSÃOProf. Rivaldo Mendes de Albuquerque

COORDENADOR GERALProf. Renato Medeiros de MoraesCOORDENADOR ADJUNTO

Prof. Walmir Soares da Silva JúniorASSESSORA DA COORDENAÇÃO GERAL

Profa. Waldete ArantesCOORDENAÇÃO DE CURSO

Profa. Giovanna Josefa de Miranda Coelho

COORDENAÇÃO PEDAGóGICAProfa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima

COORDENAÇÃO DE REVISÃO GRAMATICALProfa. Angela Maria Borges Cavalcanti

Profa. Eveline Mendes Costa LopesProfa. Geruza Viana da Silva

GERENTE DE PROJETOSProfa. Patrícia Lídia do Couto Soares Lopes

ADMINISTRAÇÃO DO AMBIENTEJosé Alexandro Viana Fonseca

COORDENAÇÃO DE DESIGN E PRODUÇÃOProf. Marcos Leite

EqUIPE DE DESIGNAnita Sousa

Gabriela Castro Renata MoraesRodrigo Sotero

COORDENAÇÃO DE SUPORTEAfonso Bione

Prof. Jáuvaro Carneiro Leão

EDIÇÃO 2013Impresso no Brasil - Tiragem 180 exemplares

Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo AmaroRecife / PE - CEP. 50103-010

Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664

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ÉTICA E CIDADANIA

Prof. Rafael Pires Rocha Carga Horária | 45 horas

Objetivo geral

Apresentação

EmentaReflexão sobre a ética, sua origem histórica e seus conceitos. Compreender as diferenças conceituais entre ética e moral, distinguindo-as na aplicabilida-de cotidiana. Construção de um referencial ético--moral, capaz de nortear a ação educativa numa sociedade carente de princípios ético-morais. Re-flexão sobre a ética e a moral na abordagem da dinâmica social. Contextualização da ética na pers-pectiva da cidadania.

Compreender os conceitos de ética e moral, anali-sando os seus reflexos na sociedade brasileira e a construção da cidadania.

A presente disciplina é de suma importância para a compreensão da sociedade brasileira, tendo em vista que as regras sociais criadas é que determinam o que se deve ser feito ou que não deve ser feito. Todas essas regras sociais criadas possuem reflexos nos mais diversos segmentos da nos-sa vida, incluindo os direitos que são dados à população. Essa moral é mutável de acordo com os anseios da sociedade, o que gera reflexos na conquista de novos direitos para a nossa sociedade.

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capítulo 1 7

Prof. Rafael Pires Rocha

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO

Na atualidade, ouve-se falar muito em ética. Ética profissional, como a famigerada ética médica, na qual os tais profissionais receitam medicamentos errados, e o seu colega de trabalho, ou a enfermeira, mesmo vendo a tabuleta do paciente com o nome do amigo, não pode dizer a medi-cação que foi receitada, pois é fundamentado nessa ética que morrem muitos pacientes, e nunca se sabe a causa.

Na sociedade atual, esse é um dos erros mais comuns, tendo em vista que lida com vidas huma-nas, entretanto não se deve invocar a ética médica para encobertar incapacidade de qualquer pro-fissional, que não tem o mínimo de respeito pelo homem. Todavia, na hora de tratar o paciente, quem vale mais não é a ética médica e os recursos que são deixados na tesouraria do hospital, ou consultório médico, contudo, sem nenhuma responsabilidade pela vida humana.

Assim, este texto busca compreender o que é ética, moral e como podemos compreendê-la sob o ponto de vista de uma análise da sociedade.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS• Compreender os conceitos de moral e

ética;

• Analisar o desenvolvimento histórico daÉtica.

ÉTICA E MorAl: CoNCEITo E

DEsENvolvIMENTo hIsTórICo

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capítulo 18

1. ÉTICA E FILOSOFIA MORALToda cultura e cada sociedade instituem uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e à con-duta correta e a incorreta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades forte-mente hierarquizadas e com diferenças de cas-tas ou de classes muito profundas podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas se referindo aos valores de uma casta ou de uma classe social.

No entanto, a simples existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, en-tendida como filosofia moral, isto é, uma re-flexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais.

Ao contrário, toda sociedade tende a natu-ralizar a moral, de maneira a assegurar sua perpetuação através dos tempos. De fato, os costumes são anteriores ao nosso nascimento e foram o tecido da sociedade em que vive-mos, de modo que acabam sendo considera-dos inquestionáveis, e as sociedades tendem a naturalizá-los, ou seja, tomá-los como fatos naturais existentes por si mesmos.

Não é só isso, segundo Marilena Chauí,

“Para assegurar seu aspecto obrigatório que não pode ser transgredido, muitas sociedades tendem a sacralizá-los, ou seja, as religiões os concebem ordenados pelos deuses na origem dos tempos.

Como as próprias palavras indicam, ética e moral referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e que, como tais, são consi-derados valores e obrigações para a conduta de seus membros.” (CHAUÍ, 2005, p. 310-311)

É importante ressaltar que a filosofia moral ou a disciplina que comumente se denomina de éti-ca nasce quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem esses costumes.

Dessa forma, a filosofia moral ou ética nasce quando, além das questões sobre os costu-mes, também se busca compreender o caráter de cada pessoa, isto é, o senso moral e a cons-ciência moral individuais.

2. MORAL E ÉTICAExistem muitas perguntas que nos fazemos, como: O que significa praticar o bem? ; O que significa praticar o mal?; O que significa ser justo?; Ser ético é ser responsável?

Essas questões listadas anteriormente fazem parte da vida do ser humano desde o seu nascimento. Como seria a nossa vida, se não existissem leis e normas que determinassem como deveríamos agir na sociedade em que vivemos? Essa questão do agir livremente sem-pre inquietou os filósofos desde a Grécia anti-ga até os dias atuais. Como seria a vida, se não existisse punição e se tudo fosse permitido?

A ética também é chamada de Filosofia Moral. A palavra ética é derivada do grego Ethos, que significa costumes. A palavra de origem latina, que corresponde à Ética, é Moral, derivada de mores, que também significa costume. O filó-sofo alemão Imannuel Kant referia-se à ética como sendo a doutrina dos costumes, ou ain-da, a ciência das Leis da Liberdade.

Apesar de Moral e Ética serem tomadas como sinônimos, no geral, elas expressam conceitos bastante diferentes. Ética é a parte da filoso-fia, que tem como objetivo refletir sobre os conceitos e os princípios que fundamentam a vida moral. Por sua vez, a Moral diz respeito ao conjunto de regras relacionadas à questão do bem e do mal, do justo e do injusto.

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capítulo 1 9

Assim, existem dois conceitos distintos:

a. Ética: é o estudo do comportamento mo-ral dos homens em sociedade. É parte da Filosofia, que trata do bem e do mal, das normas e dos valores morais, além de fazer uma reflexão sobre o comportamento hu-mano sob o ponto de vista moral, procu-rando investigar, analisar e explicar a moral de uma dada sociedade.

b. Moral: é um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indiví-duos numa dada sociedade humana.

3. ORIGEM DA MORALA moral surge a partir do momento em que o homem supera a sua natureza puramente natural, instintiva e passa a desenvolver uma natureza social, isto é, passa a ser membro de uma coletividade.

Vivendo em uma coletividade, o homem se submete a uma série de normas, mandamen-tos ou prescrições, a partir dos atos ou das qualidades dos membros da comunidade. As-sim nasce a moral, cuja finalidade é assegurar a concordância do comportamento de cada um com os interesses coletivos.

No mundo grego, notadamente na cidade de Atenas, a moral estava intimamente relaciona-da à política, como técnica de dirigir e organi-zar as relações entre os membros das comuni-dades sobre bases racionais.

Entretanto, na sociedade medieval, por causa do papel preponderante da Igreja na vida espi-ritual da sociedade, a moral estava impregna-da de conteúdo religioso, e o poder espiritual eclesiástico acabava sendo aceito por todos os membros da sociedade.

Na sociedade capitalista, acabou predominan-do uma moral individualista e egoísta, motiva-da pelas relações sociais burguesas.

4. O ATO MORALquando falamos em moral, logo nos vêm à mente normas de comportamento, porém se encontram nela, na verdade, três aspectos fun-damentais: o normativo, o fatual e a responsa-bilidade.

4.1 Normativo

O normativo diz respeito às normas ou às re-gras de ação, que anunciam o “dever ser”. No plano normativo, encontram-se as regras que postulam determinado tipo de comportamen-to: “cumpra sua obrigação de estudar”; “res-peite seus pais”; “não minta”; “não roube”; “não mate”.

O normativo não necessariamente são leis, mas podem ser, apenas, regras sociais, ou seja, valores que foram eleitos pela sociedade como importantes e que devem ser seguidos por to-dos, independentemente de estarem inseridos em nosso ordenamento jurídico.

4.2 Fatual

O fatual, ou plano dos fatos morais, diz respei-to aos atos humanos quando se realizam efe-tivamente, isto é, que são independentes de como pensamos que deveriam ser. Ao plano fatual pertencem as nossas ações concretas: o ato pelo qual uma pessoa se mostra solidária a uma pessoa que foi injustiçada.

Esse plano pode estar de acordo com o nor-mativo ou não. A desobediência ao normativo

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capítulo 110

poderá ensejar alguma punição que, não ne-cessariamente, deverá vir de uma lei. Há atos em que a punição será social, como no caso de um amigo que fala mal do outro. Nesse caso, não há uma lei que irá puni-lo, mas ele irá so-frer represália de outras pessoas, caracterizan-do uma punição social.

Daí, concluímos que o campo do fatual é a efe-tivação ou não da norma na experiência vivida.O normativo não existe independentemente do fatual, mas aponta para um comportamen-to efetivo. O normativo existe para ser realiza-do, o que, de certo modo, não significa que se realize necessariamente. As normas existem e valem independentemente da medida em que se cumprem ou se violem.

Pode-se afirmar que o normativo e o fatual não coincidem, todavia, como já foi dito an-teriormente, encontram-se numa relação mú-tua: o normativo exige ser realizado, por isso se orienta no sentido do fatual; o realizado, isto é, o fatual, só ganha significado moral, na medida em que pode ser referido positiva ou negativamente a uma norma.

Concluindo, pode-se declarar que todo ato moral tem um motivo, isto é, aquilo que impul-siona o indivíduo a agir ou a procurar alcançar um determinado fim. Por exemplo: a pessoa, quando é levada a denunciar uma injustiça so-cial, pode ser levada por uma “paixão” sincera pela justiça ou desejar apenas alcançar espaço na mídia com tal comportamento. Assim, um mesmo ato pode se realizar por motivos dife-rentes. Os motivos constituem, desse modo,

um aspecto importante do ato moral. O ato moral implica, pois, consciência de um fim e de uma decisão de realizá-lo.

5. CONSCIÊNCIA MORAL E RESPONSABILIDADEPelo fato de vivermos em sociedade, temos de respeitar as regras de convivência social. As sociedades somente sobrevivem porque es-tabelecem normas de comportamento. Essas normas são relativas ao nosso ambiente socio-cultural, o que quer dizer que cada sociedade, de acordo com os seus costumes e tradições, determina o que é permitido ou não fazer. Por-tanto, o que é moralmente permitido em uma sociedade pode não ser em outra.

Normas sociais são regras, que determinam a boa convivência entre as pessoas, tendo como pressuposto a ideia de que, sendo justas, o res-peito a elas beneficia todos. Assim, por exem-plo, respeitar o lugar numa fila não só é justo como socialmente benéfico. Desrespeitar uma norma pode ter como consequência uma cen-sura ou uma punição. “Furar” uma fila pode não levar você a ser preso, mas fará você so-frer uma censura, e, se for uma pessoa justa e ética, sentir-se-á constrangido, o que, de certa forma, também, é uma punição.

Denominamos de moral as ações que estão de acordo com as normas estabelecidas por uma sociedade. Ações que desrespeitam as normas estabelecidas são, então, imorais.

Já está evidente que, para vivermos bem no mundo atual, precisamos ter uma consciên-cia crítica. Isto é, precisamos ter uma consci-ência moral. Já foi observado anteriormente que, quando a ação de uma pessoa não está de acordo com a norma estabelecida pela so-ciedade, seu comportamento é considerado imoral.

Um bom exemplo disso é o conhecido “jeitinho brasileiro”. São condutas de comportamento que, muitas vezes, parecem inocentes ou en-graçadas, mas que, na verdade, demonstram

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capítulo 1 11

o desrespeito pelo ser humano e pelas normas.Essas coisas acontecem quando uma pessoa estaciona em local proibido, e o guarda dá um “jeitinho” de cancelar a multa. Sem falar daquelas pessoas que se beneficiam com o di-nheiro público, e não há nenhuma punição a elas.

Na verdade, o “jeitinho brasileiro” é uma prá-tica imoral, que dá lugar ao oportunismo e à impunidade em nossa sociedade. Além de ser injusto, é um ato, que prejudica, direta ou in-diretamente, todos. Porém, não é uma práti-ca exclusiva do Brasil, acontecendo em outros países.

Na política, o “jeitinho brasileiro” e a “malan-dragem” são também uma realidade. quem está no poder, muitas vezes, utiliza-se das oportunidades do cargo, usando o artifício da influência para ganhar algo. Essa cultura da malandragem é estimulada pela “ética frouxa” e pela impunidade.

Nos últimos anos, muitos escândalos, envol-vendo políticos brasileiros, tomaram conta dos meios de comunicação de massa, e isso ilustra muito bem esse hábito imoral de tentar levar vantagem em tudo.

Sabemos que nossos atos podem sofrer cen-sura ou punição, mas não devemos fazer as coisas ou deixar de fazê-las simplesmente por-que podemos sofrer as consequências de nos-sos atos. Pode-se até discordar das normas e tentar mudá-las, ou aperfeiçoá-las, mas o que deve estar por trás das ações é a consciência.

É esta, acima de tudo, que deve determinar se se deve agir dessa ou daquela maneira, entenden-do sempre que as ações têm de ser justas e que temos os mesmos direitos que os outros, por-tanto têm-se, também, as mesmas obrigações.

Agir de acordo com a consciência é um exer-cício de liberdade. Só podemos nos considerar livres quando agimos segundo nossa razão. Só podemos ser considerados cidadãos éticos quando atingimos esse grau de consciência. Portanto, ter consciência moral significa agir de forma justa, escolhendo sempre o bem de forma voluntária e não, por imposição externa.

6. O ATO RESPONSÁVELResponsável é aquela pessoa capaz de respon-der por seus atos, assumindo-os e reconhe-cendo-se como autor deles. Desse modo, o homem, para se considerar plenamente livre e responsável, precisa assumir os seus atos e res-ponder pelas consequências destes de forma consciente.

Para a Filosofia, responsabilidade é uma con-sequência da liberdade. O ato livre é neces-sariamente um ato pelo qual o homem deve responder.

Sócrates era considerado por seus discípulos o mais sábio e justo dos homens. Deve ser men-cionada a sua resignação na hora de sua mor-te, quando ele preferiu perder a vida a renegar aquilo que considerava a verdade. Em nenhum momento, traiu sua consciência e recusou-se a fugir da prisão, assumindo, de forma serena, a responsabilidade pelos seus atos e crenças. Sócrates foi um exemplo raro de consciência e de responsabilidade moral e intelectual.

Figura 01 - Obra: A morte de Sócrates, do pintor francês Jacques-Louis David, 1787Fonte: http://noticias.universia.com.br/destaque/noti-

cia/2012/02/15/911982/conheca-morte-socrates-jacques-louis-david.html

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capítulo 112

Sócrates foi um dos primeiros filósofos a se preocupar com a questão da ética. Para ele, todas as reflexões filosóficas deveriam girar em torno dela; praticar o bem, para ele, era uma questão de sabedoria. Todo mal, para Sócra-tes, estaria ligado à ignorância. O mal é filho da ignorância, e só os ignorantes são maus. quem é sábio é bom. O homem que conhece o bem é sábio e sente a necessidade de ser bom, pois só assim se torna feliz.

7. VIRTUDES E VÍCIOSÉ sabido que o homem é um ser racional e, ao contrário dos animais, faz suas escolhas. Estas dependem de uma decisão entre fazer ou não fazer, envolvendo também o como fazer. Claro que, assim como os animais, tem necessida-des e desejos, portanto impulsos naturais que o levam a agir. Suas necessidades e desejos “reclamam” por uma satisfação. No entanto, não pode obedecer cegamente aos seus instin-tos, porque tem responsabilidade sobre suas ações.

Somos seres racionais, na medida em que te-mos controle sobre nossos instintos e paixões. Dizemos que uma pessoa é virtuosa, quando ela tem domínio sobre seus desejos e procura satisfazer suas necessidades de forma equili-brada, sem prejudicar os outros ou a si mesma.Nossas necessidades precisam ser satisfeitas, porque delas dependem nossa sobrevivência, daí porque necessitamos de alimento, bebida, descanso, etc. A satisfação de nossas necessi-dades está diretamente ligada ao sentimento de prazer que ela nos proporciona, mas o de-

sejo associado ao prazer pode nos levar aos ex-cessos, e o que é virtude pode se transformar em vício.

A palavra virtude vem do latim virtus e significa qualidades que constituem o valor do homem moral e físico.

Tornamo-nos irracionais quando cedemos aos nossos instintos e paixões e nos deixamos levar por eles de forma desenfreada. Denominamos de paixões ao amor, ao ódio, à arrogância, à prepotência, à ambição, ao orgulho, etc. Toda paixão em excesso é um vício.

Sócrates considerava a sabedoria a maior de todas as virtudes e a ignorância, o maior dos vícios, porque acreditava que a sabedoria esta-va vinculada diretamente à ideia de se conhe-cer a si mesmo. Um homem é virtuoso quando conhece suas limitações e suas paixões e con-segue superá-las.

Para Aristóteles, o homem sábio é feliz, por-que, sendo sábio, ele é capaz de controlar suas paixões e agir sempre de modo equili-brado. A virtude, para Aristóteles, não es-tava nos excessos, mas, na temperança, na moderação, no equilíbrio, no meio-termo. O homem corajoso, por exemplo, não é aque-le que não tem medo de nada, é aquele que sabe controlar o medo e a valentia, porque o medo em excesso é covardia, e a valentia em excesso é loucura.

8. VALORESVivemos cercados de pessoas e de coisas. As coisas que nos cercam têm maior ou menor valor na medida em que julgamos mais ou me-nos úteis para nós. Algumas coisas com o tem-po vão ganhando ou perdendo valor, poden-do valer mais para uns e menos para outros. Estabelecemos laços de afetividade, julgando algumas pessoas mais importantes que outras. Com o tempo, também, aproximamo-nos ou nos afastamos de certas pessoas.

Observamos, tanto nas coisas como nas pesso-as, qualidades que as distinguem uma das ou-tras. O mundo à nossa volta só tem significado

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capítulo 1 13

à medida que fazemos julgamentos e somos capazes de classificar, comparar e valorar tan-to coisas como pessoas. Nada que nos cerca pode ser indiferente a nós. É por meio da atri-buição de valores que o mundo tem para nós o sentido de mundo. Nossa vida é orientada pelos valores que norteiam nossas escolhas e nossas ações.

Se o valor das coisas depende dos julgamen-tos que fazemos, é porque as coisas não en-cerram, em si mesmas, seu valor. A ideia de valor pressupõe a existência de um sujeito, ou seja, alguém para quem algo tem valor. E, se precisamos comparar para valorar, é porque os valores são relativos, isto é, só podemos falar do valor de uma coisa, comparando-a com outra. É fundamental, portanto, enten-der que os valores encerram relações, que são estabelecidas entre coisas, pessoas e pessoas e coisas.

8.1 Valores e contravalores

Em nossa sociedade, há quem considere como valores tudo o que é positivo e como contra-valores tudo o que é negativo. Assim, o amor seria um valor e o ódio, um contravalor, mas, se pode indagar: Será que o amor é sempre negativo? Nesse ponto, teríamos de considerar que, sendo relativos, os valores dizem respeito ao como, a que ou a quem. Ou seja, teríamos de perguntar como se ama ou se odeia e a quem ou a que se ama ou se odeia.

O sentimento de intolerância religiosa é algo positivo? E a intolerância à injustiça, miséria, guerra é algo negativo?

Os filósofos antigos associavam a ideia de valor à ideia de bem, de belo e da verdade. Platão, como observado anteriormente, compreendia que esses conceitos só existiam no mundo per-feito das ideias. Somente no mundo inteligí-vel, poderia existir valor em sentido absoluto. Aristóteles entendia que a virtude estaria rela-cionada diretamente à gradação dos valores e, assim, a virtude estaria diretamente ligada à moderação. Para ele, nada em excesso poderia ser considerado bom.

8.2 Valores Materiais e Valores Espirituais

Sabe-se que existem vários tipos de valores, como: valor de mercado, valor real, valor mo-netário, valores humanos, valores estéticos, va-lores morais, etc. Contudo, os valores podem ser classificados como materiais ou espirituais.

Em casa, na escola, na igreja, no trabalho, en-tre amigos e em todos os grupos de que po-demos participar, é consenso, por exemplo, a ideia de que não devemos matar ou roubar.

Os pais e professores buscam ensinar que a honestidade, a igualdade, o respeito, a frater-nidade e a liberdade são importantes para uma convivência saudável em sociedade. quando falamos nessas coisas, estamos falando de va-lores espirituais. Valores, que dizem respeito à nossa condição ética, àquilo que faz de nós seres capazes de viver em harmonia coletiva. Esses valores são determinados pelo ambiente cultural em que vivemos e fazem parte da nos-sa condição humana. Sem eles, seria impossí-vel o convívio social.

Por outro lado, também somos capazes de perceber o requinte ou a sofisticação de certas coisas, o que faz delas mais belas e mais agra-dáveis aos nossos sentidos. O valor estético pre-sente nas mais diversas manifestações da arte também faz parte do que denominamos de valores humanos, ou seja, valores espirituais.

quando nos referimos à utilidade das coisas, qualidade, durabilidade ou qualquer outra propriedade e dizemos que elas têm certo va-lor, estamos nos referindo ao valor material. Um valor é socialmente medido por meio do que custaria para alguém ter tal coisa.

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capítulo 114

http://www.eumed.net/libros/2006a/lgs-etic/1t.htm

http://www.revista.vestibular.uerj.br/coluna/colu-na.php?seq_coluna=68

http://babeto.blogs.unipar.br/files/2009/02/o--que-e-moral-e-o-que-e-etica.pdf

Saiba Mais

1. É possível afirmar que existe uma única moral?

2. O que é filosofia moral e como se dá o seu nascimento?

3. O que é um ato moral?

4. Diante da regra “não minta”, o ato de mentir é considerado moral ou imoral? Explique!

5. Segundo o texto, o que é uma pessoa res-ponsável?

6. O que são normas sociais?

7. Por que o chamado “jeitinho brasileiro” é considerado um ato imoral?

8. O que são valores?

Atividades

Segundo os economistas, o valor material re-fere-se a dois conceitos de valor: valor de uso e valor de troca. O valor de uso refere-se a to-dos os bens que têm utilidade para o homem, sejam eles materiais ou espirituais, naturais ou artificiais. Por outro lado, o valor de troca é a realização de proporção por meio da qual uma coisa pode ser trocada por uma ou mais coisas.

Dessa forma, os valores espirituais são de suma importância para que possamos estudar a éti-ca e a moral.

REFERÊNCIASPLATÃO. O banquete. São Paulo: Martin Cla-ret, 2002.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Pau-lo: Ática, 2005.

MONDIM, Batista. Curso de filosofia. São Pau-lo: Edições Paulinas, 1991.

RUSSEL, Bertramd. História do pensamento Ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

SOUZA, Sônia Maria Ribeiro de. Um novo olhar: filosofia. São Paulo: FTD, 1995.

RESUMOO presente texto busca conceituar ética e mo-ral, distinguindo esses dois termos que, muitas vezes, são utilizados como sinônimos, porém possuem características diferentes. Toda cultu-ra e cada sociedade instituem uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido e conduta correta e incorreta, válidos para todos os seus membros. Culturas e sociedades fortemente hierarquiza-das e com diferenças de castas ou de classes muito profundas podem até mesmo possuir várias morais, cada uma delas referida aos va-lores de uma casta ou de uma classe social.

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capítulo 2 15

Prof. Rafael Pires Rocha

Carga Horária | 15 horas

INTRODUÇÃO

Ética e cidadania são dois conceitos, que estão ligados, de forma íntima, à sociedade humana e, também, relacionados às atitudes dos indivíduos e à forma como eles interagem uns com os outros na sociedade.

Como relatado anteriormente, no Capítulo 01, ética é o nome atribuído ao ramo da filosofia, que se dedica aos assuntos morais. A palavra ética tem sua origem no grego e está relacionada àquilo que pertence ao caráter.

Por outro lado, cidadania está relacionada a um conjunto de direitos e deveres pelo qual o ci-dadão, o indivíduo, seja sujeito no seu relacionamento com a sociedade em que vive. O termo cidadania tem a sua origem no latim, civitas, que quer dizer “cidade”.

Legalmente, um dos pressupostos da cidadania é a nacionalidade e está diretamente ligado à polí-tica. Porém, com o passar do tempo, o conceito de cidadania foi sendo alargado e, ainda, está em construção, uma vez que, cada vez mais, a cidadania diz respeito a um conjunto de parâmetros sociais.

Pode-se dividir a cidadania em duas categorias: a cidadania forma e a substantiva. A cidadania forma está ligada à nacionalidade de um indivíduo e ao fato de ele pertencer a uma determinada nação. Por outro lado, a cidadania substantiva possui um caráter mais amplo, estando relacionada aos direitos sociais, políticos e civis.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Compreenderaevoluçãohistóricadocon-ceito de cidadania;

• Analisar a importância do Iluminismopara a formação moderna da cidadania;

• Identificarquemsãoconsideradososcida-dãos na atualidade.

CIDADANIA: Evolução

hIsTórICA Do CoNCEITo

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Na história brasileira, podem-se observar mo-mentos de avanços e retrocessos da cidadania, a depender do contexto político-social que se estava vivendo. Mas, nas três últimas décadas, a cidadania no Brasil sofreu uma evolução no sentido da conquista de direitos políticos, so-ciais e civis. No entanto, ainda há um longo ca-minho a percorrer, tendo em vista os milhões que vivem em situação de pobreza extrema, a taxa de desemprego, um baixo nível de alfabe-tização e a violência vivida na sociedade.

A ética e a moral têm uma grande influência na cidadania, pois dizem respeito à conduta do ser humano. Um país com fortes bases éti-cas e morais apresenta uma forte cidadania.

1. A MODIFICAÇÃO NO CONCEITO DE CIDADANIA AO LONGO DA HISTÓRIAÉ difícil datar, com precisão, o aparecimento do conceito de cidadania. Sabe-se que o seu significado clássico associava-se à participação política. O próprio adjetivo “político”, por sua vez, já nos remete à ideia de polia (cidades--estados na Grécia Antiga).

Assim, pode-se concluir que foi justamente sobre esse tipo de organização urbana que se assentaram as bases do conceito tradicional de cidadania e de uma considerável parte de seu significado atual como também constatar que, ao longo do tempo, houve muitas modifica-

ções que influenciaram na decisão de quem eram os cidadãos. Tal fato foi fruto de trans-formações nos campos da técnica, da econo-mia e da arte bélica, que alteraram, de forma exponencial, as relações entre o poder e a so-ciedade. Além disso, não se pode olvidar que a urbanização foi o fator que mais contribuiu para a evolução das póleis.

Alterações foram sentidas em todos os níveis da sociedade, da economia e da política. Na realidade grega, por exemplo, era o regime aristocrático que imperava. Com esse modo de fazer política, a cidadania confundia-se com o conceito de naturalidade. Assim, considerava--se cidadão aquele nascido em terras gregas, que poderia usufruir de todos os direitos polí-ticos. Os estrangeiros, proibidos de ocuparem--se da política, dedicavam-se às atividades mercantis.

Com o passar do tempo, operou-se uma re-distribuição do poder político. Aceitou-se o ingresso, em algumas póleis, de estrangeiros na categoria de cidadãos, abolindo-se a es-cravidão por dívidas. Mais do que indicar uma reformulação do conceito, essa ideia revelava os reflexos de transformação estruturais. Além de ampliação do quadro de cidadãos, as póleis gregas presenciaram o deslocamento do con-trole político e jurídico. Nesse contexto, a aris-tocracia cedeu espaço a favor das Assembleias e dos conselhos com a participação popular.

No entanto, havia, ainda, critérios de distinção social por meio dos quais se limitava o aces-so às Magistraturas mais altas, polarizando o poder político. Como exemplos dessa polari-zação, podemos citar as classes censitárias, criadas pelo legislador Sólon no século VI a.C. e a submissão da Assembleia do povo a um Conselho, cujos membros provinham da velha aristocracia, embora essa decisão não tenha durado muito tempo.

Apesar dessas mudanças, fatores de ordem po-lítica e social continuavam associando o termo cidadania ao exercício da participação política. Mesmo com esse pleno direito assegurado e a existência de um regime democrático, em Atenas, a cidadania aparecia de forma tímida, principalmente no que se refere ao efetivo das decisões políticas. Muitos cidadãos, cercados

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por restrições econômicas e valores ligados à família, permaneciam completamente aliena-dos e tolhidos na expressão dos atos políticos.No auge da fase democrática de Atenas, so-mente eram considerados cidadãos aqueles que eram homens, nascidos em Atenas, maio-res e livres. Dessa forma, excluíam-se aí as mulheres, estrangeiros e escravos, sendo uma pequena parcela da população considerada como cidadã.

Em Roma, a situação não era diferente. A so-ciedade escravista, baseada nas “gens” (famí-lias), era dominada pelos patrícios, os quais detinham a cidadania e os direitos políticos. Aos plebeus, camada social constituída de ro-manos não nobres e de estrangeiros, não cabia qualquer tipo de direito. Na república roma-na, esse quadro foi se alterando aos poucos, possibilitando o acesso à cidadania a todos os romanos de nascimento, mesmo que fossem escravos libertos.

Apesar desse avanço, uma manobra da aris-tocracia para preservar o controle político res-tringiu, novamente, o acesso à cidadania. Ape-nas as mais altas magistraturas, entre elas o Senado e o patriciado, poderiam usufruir dos privilégios dessa posição.

Para conseguirem tal fato, os patrícios aprovei-taram-se da tradição religiosa, proveniente das origens de Roma, a qual lhes reservava o mo-nopólio da comunicação com os deuses. Dessa forma, essa camada social pôde criar e manter as magistraturas ao seu bel prazer (CARDOSO, 1985). Só em épocas posteriores, uma parcela de cidadãos enriquecidos conseguiu reverter esse quadro.

Nessa realidade política, à plebe reservava-se apenas o direito à representação. Mas mesmo assim, esse direito só foi conseguido após con-flitos políticos que se estenderam até o século III a.C., com o cargo de Tribuno da Plebe e da Assembleia da Plebe.

O resultado desse arcabouço institucional era o de uma estrutura aristocrática, disfarçada de República, na qual vigoravam os interesses do grupo dos patrícios, em detrimento de outras camadas politicamente irrelevantes. Entre es-tas, foram crescentes as manifestações de des-

contentamento, sobretudo entre o grupo dos enriquecidos com o comércio, que, mesmo podendo exercer funções públicas, não conse-guiram chegar ao Senado.

Com base nessas informações, podemos con-cluir que a essência política do conceito de cidadania na realidade greco-romana reves-tia-se de uma discrepância entre democra-cia real e ideal. Defendia-se, portanto, uma igualdade de direitos políticos que, de fato, não era praticada.

Com o passar dos tempos, entretanto, o con-ceito de cidadania passou a se referir a outras esferas e não apenas, a política. Assim, para entender o seu significado, somos obrigados a atentar para os direitos civis e sociais, situ-ando a cidadania também nas esferas jurídica e moral.

2. A CIDADANIA SOB A ÓTICA ILUMINISTAO processo de formação dos Estados Nacio-nais conheceu, paralelamente às mudanças nos quadros sociopolíticos, a consolidação da burguesia como classe atuante, tanto po-lítica quanto economicamente. Mesmo assim, a centralização promovida pelo absolutismo monárquico manteve, por um longo tempo, o caráter hereditário do poder e as característi-cas estamentais da Idade Média.

Com um “olho” nas tradições do passado e outro no progresso do futuro, esse período

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das revoluções sociais, das transformações po-líticas e econômicas, das criações artísticas, do desenvolvimento das ciências, da dissemina-ção do conhecimento, da busca da liberdade de pensamento e da igualdade entre os indi-víduos e do nascimento do ideal de liberdade trouxe profundas modificações no sentido de se pensar na sociedade e nas suas relações en-tre os seus membros.

Mediante essas novas diretrizes, procurou-se construir uma sociedade mais justa. O apare-cimento dessas novas ideias foi impulsionado pelo desenvolvimento do capitalismo e pelas reformas religiosas do século xV. Esses dois acontecimentos plantaram novas visões sobre a espiritualidade, entre as quais, podemos citar a prática da redenção, a qual valorizava o tra-balho, em detrimento da caridade e da liber-dade para interpretar as escrituras.

Nessa nova realidade, a burguesia lutava para conseguir poder. Apesar de sua proeminên-cia econômica e do apoio recebido do Mer-cantilismo, essa camada ainda não havia se afirmado politicamente. Dessa forma, passou a contar com as formulações de uma nova in-telligentsia, disposta a contestar os valores e as injustiças praticadas pelo clero e pela nobreza. Para isso, propagavam maior autonomia de pensamento aos homens comuns. Como con-sequência disso, surgiram as ideias iluministas liberais, um produto dos avanços nas ciências e de uma nova racionalidade por meio da qual se procurava entender o mundo.

Com efeito, houve inovações também para a concepção de cidadania mais próxima daquela experimentada por gregos e romanos, que ti-

nham, na igualdade e na liberdade, seus prin-cípios bascos.

Foi com esse espírito renovador de igualda-de e liberdade que os pensadores modernos, como Locke e Rousseau, conceberam as ideias de uma democracia liberal, baseando-se na ra-zão e contrapondo-se ao direito divino. Essas ideias, mais tarde, serviriam como base teórica das chamadas “Revoluções Burguesas”, ocorri-das nos séculos xVII e xVIII.

Esses pensamentos procuravam, antes de tudo, regular as relações de poder, garantindo aos cidadãos livre atuação civil, econômica e política. Rousseau contestava o uso da força como reguladora da sociedade. Esta, segundo seu entendimento, devia reger-se pela consci-ência múltipla dos direitos e deveres dos cida-dãos, os quais atuariam diretamente sobre si mesmos, no sentido de proporcionar a liber-dade plena.

Nessa importante fase do capitalismo, vale, ainda, ressaltar que, enquanto as ideias de Rousseau continham um caráter de universali-dade, as de Locke forneciam o argumento que a burguesia necessitava para firmar-se politica-mente, ao associar o conceito de liberdade ao de propriedade material.

Podemos dizer, portanto, que essas inovações de pensamento nos remetem à atual concep-ção de Direito Civil, levantando a questão dos direitos políticos e de quem os deve possuir e exercer. Essa problemática dos direitos foi tra-ço distintivo entre a burguesia e o povo. quan-do da luta por direitos, principalmente políti-cos, ambos se distanciavam, prevalecendo os interesses da primeira.

Todas as ideias produzidas pelos iluministas traduziam o pensamento político da época, in-fluenciando tanto os movimentos de indepen-dência na América quanto as Revoluções In-glesa e Francesa. Ao mesmo tempo, o ideal de sociedade, daí surgido, já apontava desigual-dades no campo social. A situação trouxe inú-meros prejuízos à cidadania, restringindo a sua prática, assim como observou J.M. Barbalet:

(...) a concessão de cidadania para além das li-nhas divisórias das classes desiguais parece sig-

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nificar que a possibilidade prática de exercer os direitos ou as capacidades legais que constituem o status do cidadão não está ao alcance de todos que os possuem (BARBELET, 1989, p.13).

Simultaneamente à ampliação da esfera da cidadania, as diferenças de classe operavam no sentido de limitar os atributos políticos dos cidadãos. Esse aspecto da evolução do concei-to de cidadania é o que nos fornece o maior número de ensaios críticos. Autores afeitos ao materialismo histórico, liberais do século xIx e mesmo estudiosos da atualidade concebem essa questão como a principal fonte dos limi-tes à prática efetiva da cidadania na contem-poraneidade.

3. A CIDADANIA NO BRASILCostumamos dizer que a História do Brasil co-meçou em 1500, com a chegada dos portu-gueses - o que também deu início ao processo de dominação próprio do novo sistema socio-econômico, que se configurava no século xVI. Nele, a cidadania, como a entendemos hoje, não estava no foco social e político da Coroa portuguesa. Assim, uma minoria de pessoas estava inserida no círculo dela, e a maioria, ex-cluída. Na obra Cidadania no Brasil: um longo caminho, o autor José Murilo de Carvalho faz uma profunda análise da história da cidadania em nosso país e nos ajuda a entender melhor esse processo.

3.1 A Cidadania na colônia e no império

A sociedade colonial se estruturou com a uni-dade produtiva do latifúndio e com a mão de obra escrava (indígena e africana). Mediante esses dois fenômenos sociológicos, é possível se começar a caracterizar a negação da cida-dania naquela época. Os nativos (índios) e afri-canos ficaram fora de todas as dimensões da cidadania: perderam a liberdade, tiveram as culturas subjugadas, foram excluídos do novo modelo econômico, tiveram de trabalhar for-çados para contribuir na acumulação do capi-tal, não estudavam, eram vítimas de violência física e moral - não sendo considerados seres

humanos com direitos. O preconceito marcou a história do Brasil desde o início.

Em três séculos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, embora tenham deixado também uma população analfabeta, uma so-ciedade escravocrata, uma economia monocul-tora e latifundiária, um Estado absolutista. “À época da independência, não havia cidadãos brasileiros nem pátria”, escreveu Carvalho.

Numa sociedade que exclui a maior parte da população das condições dignas de vida, a ci-dadania torna-se privilégio de uma elite. Escra-vos africanos, indígenas livres, abandonados e expulsos de suas terras, tornaram-se vítimas dos preconceitos e discriminação e formaram um imenso grupo de excluídos sociais, políti-cos e culturais.

Nas cidades, eles exerciam várias tarefas den-tro de casa e na rua. Nas casas, as escravas faziam o serviço doméstico, amamentavam os filhos das sinhás, satisfaziam os desejos dos senhores. Os filhos dos escravos faziam pe-quenos trabalhos e serviam de montaria nos brinquedos dos sinhozinhos. Na rua, trabalha-vam para os senhores ou eram por eles aluga-dos. “Em muitos casos, eram a única fonte de renda de viúvas. Trabalhavam de carregadores, vendedores, artesãos, barbeiros, prostitutas. Alguns eram obrigados a mendigar”, descreve o autor.

Assim, não é difícil perceber o nível de relações sociais e políticas na época colonial e até após

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a independência. Os escravos pertenciam à es-pécie humana, mas lhes era negada a humani-zação. Já a escravização de índios foi praticada no início do período colonial, mas foi proibida pelas leis e teve a oposição decidida dos jesu-ítas. Os índios brasileiros foram rapidamente dizimados. Calcula-se que, na época da desco-berta, havia 4 milhões de índios no Brasil. Em 1823, restava menos de 1 milhão.

Entretanto, não eram apenas africanos e índios que formavam o contingente de excluídos. Fa-zia parte, também, a população branca pobre, com situação semelhante de exploração. Essa população formava a estrutura escravista que mantinha o sistema de exploração organizado, ao mesmo tempo em que era extremamente explorada pela elite dominante.

Mesmo entre os senhores, muitos não eram considerados cidadãos plenos. “Eram, sem dúvida, livres, votavam e eram votados nas eleições municipais. Eram os “homens bons” do período colonial. Faltava-lhes, no entanto, o próprio sentido da cidadania, a noção de igualdade de todos perante a lei”, descreve Carvalho. A época da independência, portan-to, teve um ambiente pouco favorável à cida-dania, entendida nas dimensões civis, políticas e sociais.

quando o Brasil se tornou país em 1822, a estrutura e os processos sociais, políticos e econômicos não mudaram. A mesma elite se manteve no comando dos destinos do Novo País, com a mesma lógica de exploração e ex-

clusão. Tanto que a primeira Constituição bra-sileira (1824) restringia os direitos políticos ao definir quem podia ou não votar. O voto censi-tário excluía a maioria do direito ao voto e do direito de ser votado, pois exigia a comprova-ção de renda mínima e excluía as mulheres e analfabetos. Daí se concluir que a participação política da população durante o período impe-rial e republicano foi insignificante.

Apenas na Constituição de 1881 foi eliminada a exigência de comprovação de renda para vo-tar e ser votado, mas continuaram excluídos os analfabetos, os escravos e as mulheres. Porém, não havia justiça eleitoral e ética, sendo assim, aconteciam todas as formas de fraudes e ma-nipulações nas eleições.

O coronelismo, entendido como um sistema político da primeira república, que consistia num compromisso entre coronéis, chefes po-líticos da área rural e o poder público, impedia a ampliação dos direitos políticos e civis. Os direitos sociais nunca tiveram na agenda dessa época, e a maior parte da população continu-ava iletrada e analfabeta politicamente.

Outro grande obstáculo à cidadania brasileira foi a manutenção da unidade produtiva ali-cerçada na grande propriedade (latifúndio). A Lei de Terras (1850), por exemplo, impedia o acesso à terra que não fosse por meio de compra. Assim, preparavam o contexto para a libertação dos escravos, não permitindo que estes ocupassem terras e se tornassem proprie-tários, como era comum antes.

Dessa forma, a abolição dos escravos jogou um contingente humano imenso na completa exclusão social e econômica. Sem terra, sem empregos e analfabeta, a maioria ficou na in-digência, indo para as periferias urbanas, que, mais tarde, se tornariam as grandes favelas ur-banas, formadas por seus descendentes.

3.2 A Cidadania ns República Brasileira

O ano de 1930 foi um divisor de águas na his-tória do País, com a aceleração das mudanças sociais e políticas que permitiram à dimensão social da cidadania dar sinais de gestação. A criação de uma legislação trabalhista e previ-

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denciária transformou as relações entre capi-tal e trabalho, e a legislação social começou a dar uma nova configuração à história dos trabalhadores brasileiros. Dessa maneira, o estabelecimento de normas diminuiu consi-deravelmente a exploração dos trabalhadores urbanos e assalariados.

Sob o ponto de vista político, porém, a situa-ção continuou agitada, com uma série de fa-tores que estimularam os primeiros ensaios de participação política da sociedade - revolução (1930 1934), fase constitucional (1934-1937) e ditadura civil (1937-1945). Os movimentos políticos e sociais mostraram, finalmente, si-nais de organização, fazendo surgir os sindi-catos e vários partidos políticos, criando-se, nessa época, a Justiça Eleitoral. O voto passa a ser secreto, e juízes profissionais tratam da legislação eleitoral, fiscalizando, alistando, apurando votos e reconhecendo os eleitos. A cidadania política concede nova performance ao contexto sociopolítico, e a cidadania brasi-leira começa a dar sinais de amadurecimento.

Mas, em 1937, a decretação do Estado Novo (ditadura) põe fim à relativa liberdade políti-ca conquistada até então. Surge o populismo como forma de organização política dominan-te que, com base no apoio das camadas sociais menos favorecidas, fundamenta-se ideologi-camente na defesa de interesses e reivindica-ções populares. No populismo, o governante atende parte das necessidades populares, sem incentivar a sua participação política.

Uma forma de controle ideológico, geralmen-te sutil e inteligente, que mantém as estruturas e os processos do sistema socioeconômico (ca-pitalismo) excludente e concentrador. “Ele não visa às transformações sociais, sustenta-se, in-clusive, pelo uso político da pobreza, miséria e do analfabetismo”, explica Moacyr Flores, em seu livro Dicionário de História do Brasil.

O populismo explora os padrões de heranças culturais, como a submissão da população ru-ral, principalmente no Nordeste e nas áreas de colonização da região Sul, o misticismo, fruto da ignorância, e o conformismo gerado pela miséria, concedendo apenas o que quer, sem promover a população, pois a maioria dos bra-sileiros não tem consciência de sua cidadania.

O populismo varguista controlava os sindica-tos, impedindo manifestações reivindicatórias. Por ele, ficou estabelecida unicidade sindical, e o controle do Estado sobre os sindicatos tor-nou-se mais rígido a partir de 1943. Ao mes-mo tempo, criou-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para agradar os trabalhadores, manter o controle das massas e defender os interesses burgueses.

Do ponto de vista da cidadania, o período ge-tulista dificultava a liberdade de expressão, de associação, de consciência e crença, sem respei-tar a integridade física e moral da população.

Após a ditadura de Vargas, surgiu uma expe-riência democrática, a primeira da História do Brasil. As eleições voltaram a acontecer, e foi elaborada uma nova constituição. A Constitui-ção de 1946 manteve, até 1964, as conquistas sociais do período anterior e garantiu os tra-dicionais direitos civis e políticos, permitindo, inclusive, a liberdade de imprensa e a organi-zação política.

No entanto, a liberdade política era relativa, na medida em que determinados partidos eram proibidos, por exemplo, o Partido Comunista, por causa do contexto da Guerra Fria. Outra restrição à liberdade referia-se ao direito de greve, proibida pela Justiça do Trabalho.

A União Nacional dos Estudantes (UNE) tam-bém adquiriu grande dinamismo e influência, o que possibilitava um aprendizado importan-te para a conscientização política. Segmentos

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da Igreja Católica investiram nos movimentos estudantil, operário e camponês. Aos poucos, desenvolvia-se a democracia e a luta pela ci-dadania, embora de forma incipiente, devido à inexperiência histórica. “A mobilização polí-tica se fazia em torno do que se chamavam reformas de base, termo geral para indicar re-formas da estrutura agrária, fiscal, bancária e educacional” escreveu Carvalho. Vários comí-cios aconteceram com vistas ao aumento da participação política e ampliação das cidada-nias nessa época (1961-1964).

Em 1964, a democracia e a cidadania sofreram um golpe cruel com a tomada do Estado pelos militares, que instalaram governos ditatoriais e autoritários por 21 anos, com o apoio de setores da sociedade civil. “A ditadura repre-senta uma ruptura no processo democrático, formando um Estado despótico e autoritário”. A ditadura se caracteriza por interferir ou su-primir os Poderes Legislativo e Judiciário; pela supressão arbitrária dos direitos dos cidadãos, atingindo a liberdade individual, e pela supres-são da Constituição, explicou Flores.

Os direitos políticos e civis tiveram um retro-cesso no processo de expansão e efetivação na forma de atuação da população. No entanto, os direitos sociais, de certa forma, continuaram vigentes, embora o primeiro governo militar, para atender às exigências dos empresários, te-nha acabado com a estabilidade no emprego. Para compensar, foi criado, em 1966, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que funcionava como um seguro-desemprego.

O fundo era pago pelos empresários e retira-do pelos trabalhadores em caso de demissão.

Criou-se, também, um Banco Nacional de Ha-bitação (BNH), cuja finalidade era facilitar a compra de casa própria pelos trabalhadores de menor renda. Como coroamento das políticas sociais, foi criado, em 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social. Ainda nessa época, foram criados o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Fundo de Assistên-cia Rural (Funrural), entre outros direitos so-ciais. Todos eles contribuíram para a ampliação da cidadania dos trabalhadores.

No entanto, os direitos políticos foram cerce-ados pela ditadura militar. Não era permitido aos trabalhadores se organizarem livremente nem eleger ocupantes de cargos executivos. Organizações políticas e sociais que lutavam por melhores condições de vida foram repri-midas. Os pensamentos de esquerda foram censurados. qualquer participação política era proibida pelo aparato governamental (milita-res e civis) por meio, principalmente, dos Atos Institucionais (AIs).

Os direitos civis também foram limitados com o impedimento, muitas vezes, do direi-to de ir e vir, e a liberdade de expressão fora proibida. Não havia garantia de integridade física e moral nem liberdade de dizer e de-fender uma sociedade que favorecesse a ci-dadania ampla.

Os avanços nos direitos sociais e a retoma-da dos direitos políticos não resultaram, no entanto, em avanços dos direitos civis. Pelo contrário, foram eles os que mais sofreram durante os governos militares. O habeas cor-pus foi suspenso para crimes políticos, dei-xando os cidadãos indefesos nas mãos dos agentes de segurança. A privacidade do lar e o segredo da correspondência eram violados impunemente.

Prisões foram feitas sem mandado judicial; os presos eram mantidos isolados e incomuni-cáveis, sem direito à defesa. Pior ainda: eram submetidos a torturas sistematicamente por métodos bárbaros, que, não raro, provocavam a morte da vítima. A liberdade de pensamento era cerceada pela censura prévia à mídia e às manifestações artísticas e, nas universidades, pela aposentadoria e cassação de professores e pela proibição de atividades estudantis.

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Enquanto isso, o modelo de desenvolvimento econômico concentrador e excludente impedia a cidadania a um grande contingente de bra-sileiros. O crescimento econômico do “milagre brasileiro” não aconteceu com uma política de distribuição de renda. Durante a ditadura, intensificou-se a corrupção por causa da cen-sura e do controle da oposição. Toda crítica era considerada como atentado ao governo. A camada da população que mais necessita-va das políticas públicas e dos mecanismos de distribuição de renda foi a mais prejudicada com isso.

Com o fim da ditadura, em 1985, surgiu a de-mocracia. Mas a cidadania não acompanhou as mudanças políticas e civis. Com a democra-cia, surgiu a crise econômica, imensas dívidas externa e interna, além da falta de dinheiro para as políticas públicas. A concentração de renda e riqueza continua progressiva, sendo a cidadania ampliada, até hoje, um desafio: uma luta que está sempre na agenda dos agentes sociais das camadas populares mais conscien-tes. Uma empreitada árdua, mas necessária. Somente com a participação política, será pos-sível haver conquistas, principalmente, na di-mensão social.

A desigualdade social, o desemprego, o anal-fabetismo e o abandono das crianças e adoles-centes continuam sendo o lastro das mazelas do Brasil contemporâneo. “A escandalosa desi-gualdade, que concentra nas mãos de poucos a riqueza nacional, tem como consequências níveis dolorosos de pobreza e miséria”, diz Carvalho. A concentração de terra nas mãos dos latifundiários continua, e a reforma agrária é uma necessidade política.

A falta de infraestrutura nas periferias ur-banas deixa, em vulnerabilidade social, um grande contingente de humanos. As favelas proliferam, e a estigmatização vilipendia sua população. O narcotráfico criou, em muitas favelas, principalmente nas do Rio de Janei-ro, uma espécie de sociedade paralela, com leis próprias, sistema de assistência, relações de poder e violência, em que a lei do silêncio prepondera. Os chefes do tráfico e sua estru-tura substituem, em parte, a ineficiência do Estado brasileiro.

Mas há também mudanças sociais significati-vas. A Constituição brasileira de 1988 trouxe importantes avanços sociais e trabalhistas, em-bora a onda neoliberal dos anos 1990 tenha eliminado muitos deles. Com a criação de di-versos Conselhos da Criança e do Idoso, por exemplo, uma nova atuação deu-se no campo dos direitos humanos.

As cotas para negros e índios nas universida-des públicas e o ProUni (Programa Universi-dade Para Todos, o qual oferece bolsas para estudantes de baixa renda, que estudaram em escolas públicas de ensino básico) foram polí-ticas importantes para a inclusão sociocultural no ensino superior dos menos privilegiados.

Além disso, a regularização das aposentado-rias ofertou melhores condições de vida aos idosos. O apoio às economias solidárias pos-sibilitou oportunidades de renda para muitas pessoas excluídas do mercado de trabalho tra-dicional. O programa que concedia luz para os moradores do meio rural possibilitou melhorias significativas assim como a política de igualda-de racial e o apoio à agricultura familiar.

Por tudo isso, a cidadania brasileira, nos últi-mos 20 anos, merece um estudo mais apro-fundado devido à sua evolução histórica na era da globalização e da revolução da informação e conhecimento e da nova dinâmica da luta por cidadania.

http://jus.com.br/revista/texto/83/hipocrisia-o--mito-da-cidadania-no-brasil

http://www.webartigos.com/artigos/a-cidadania--no-brasil/44884/

http://www.adpec.org.br/artigo/questao-da-cida-dania-no-brasil

http://www.ugf.br/editora/pdf/voxjuris/artigo10.pdf

Saiba Mais

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RESUMOÉtica e cidadania são dois conceitos, que es-tão ligados, de forma íntima, à sociedade hu-mana, relacionados às atitudes dos indivíduos e à forma como eles interagem uns com os outros na sociedade. Ética é o nome atribuído ao ramo da filosofia, que se dedica aos assun-tos morais. A palavra ética tem sua origem no grego e está relacionada àquilo que pertence ao caráter. Por outro lado, cidadania está rela-cionada a um conjunto de direitos e deveres pelo qual o cidadão, o indivíduo será o sujeito no seu relacionamento com a sociedade em que vive. O termo cidadania tem a sua origem no latim, civitas, que quer dizer “cidade”. Le-galmente, um dos pressupostos da cidadania é a nacionalidade, estando diretamente ligado à política. Porém, com o passar do tempo, o conceito de cidadania foi sendo alargado e, ainda, está em construção, uma vez que, cada vez mais, a cidadania diz respeito a um con-junto de parâmetros sociais.

REFERÊNCIASBARBELET, J.M. A cidadania. Lisboa: Editorial Estampa, 1989.

CARDOSO, Ciro Flamarion. A Cidade estado Antiga São Paulo: Ática, 1985.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Bra-sil: o longo caminho. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2008.

FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Bra-sil. Edipucrs: Porto Alegre, 1996.

5. No Brasil colonial, quem eram os cidadãos?

6. Com a independência do Brasil, houve algu-ma mudança substancial para o conceito de cidadania?

7. que modificações Getúlio Vargas trouxe para ampliar a cidadania no Brasil?

8. Durante a ditadura militar, iniciada em 1965, houve um avanço ou retrocesso para a cida-dania?

1. É possível afirmar que o conceito de cida-dania permaneceu estático ao longo da história? Explique!

2. quem era considerado cidadão na Grécia Antiga?

3. Em Roma, houve alguma grande mudança no conceito de cidadania? Fundamente sua resposta!

4. que inovações para o conceito de cidadania o Iluminismo trouxe?

Atividades

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capítulo 3 25

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da cidadania é um tema que merece bastante atenção por ser articulado com a história das sociedades e dos direitos dos indivíduos. Além disso, é um importante objeto de es-tudo das Ciências Sociais, que buscam entender o comportamento social do ser humano em suas relações sociais. A relação que se estabelece entre a cidadania, os serviços sociais e a educação é um aspecto presente neste artigo, no qual procuramos mostrar como cada um se entrelaça na formação da sociedade, assim como também seus papéis perante os indivíduos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Compreenderodesenvolvimentodacida-dania como foco da educação;

• Analisar a importância da cidadania naeducação;

• Perceberoseixosinterdisciplinaresquefor-mam a cidadania.

uMA EDuCAção

pArA A CoNsTrução DA CIDADANIA

Prof. Rafael Pires Rocha

Carga Horária | 15 horas

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1. A EDUCAÇÃO E O SEU PAPEL NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIANos últimos anos, a educação em direitos hu-manos ou para a cidadania vem ampliando seu âmbito de ação no Brasil, constituindo-se num campo específico de pesquisa e de inter-venção com conteúdos, bibliografia, métodos próprios e um amplo e articulado movimento nacional (e internacional) de educadores tanto no setor público como no terceiro setor.

Esse movimento obviamente não nasce de im-proviso, mas encontra suas raízes na longa tra-dição da educação popular que, no Brasil, re-monta aos anos sessenta e que perpassa toda a ditadura, vindo a florescer nas últimas déca-das, durante o processo de redemocratização. A educação para os direitos humanos e a cida-dania democrática surge inicialmente na edu-cação não formal, como prática de educação popular, constituindo-se como estratégia de mobilização, organização e formação de uma cultura cidadã na construção de sujeitos histó-ricos em processos de lutas pelas conquistas dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, é possível afirmar que a educação em direitos humanos foi substituindo o que, nas décadas de setenta e oitenta, se denominava de “educação popu-lar” ou “educação libertadora”.

A continuidade entre os educadores populares dos anos 70/80 e os educadores aos direitos humanos da década de 90 é profunda e se refere substancialmente à mesma preocupa-

ção com a “libertação” das classes populares e oprimidas, dos excluídos e marginalizados da sociedade, propondo uma concepção educa-tiva participativa e transformadora, inspirada na “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire, e, em geral, numa proposta educativa que se coloque na perspectiva de um projeto mais amplo de transformação política da sociedade: em busca de uma sociedade mais justa, mais humana e mais fraterna.

O conjunto de experiências de educação em direitos humanos, implementadas por órgãos da sociedade civil em toda a América Latina, significou o início de um movimento cultural em prol de uma cultura promotora dos direitos humanos. O público da educação em direitos humanos nesse contexto foi sendo construído com os setores subalternizados e excluídos, ví-timas de injustiças sociais e/ou violências e vio-lações dos direitos humanos.

Tudo isso permanece como horizonte comum, o que significa que a maioria das questões, dos temas, das metodologias próprias da edu-cação popular passa para o movimento de educação aos direitos humanos, ainda que ex-pressos numa linguagem diferente. Pensamos, por exemplo, na ênfase da necessidade de não tutelar somente os direitos civis e políticos mas também os econômicos, sociais e culturais como condição indispensável para a efetivação integral dos direitos.

Ao adotar o enfoque dos direitos humanos ocorre, porém, uma mudança na pauta das questões enfrentadas, na linguagem utilizada e nos conceitos enfocados. Os temas vincula-dos às condições de vida das classes populares e a cidadania coletiva não são abandonados, porém surgem outros temas, tais como o da segurança, que não fazia parte da agenda da educação popular e que hoje ocupa uma parte significativa do trabalho de educação aos direi-tos humanos.

Foi somente após a instalação dos governos democráticos na América Latina que o Con-gresso e o Governo Federal ratificaram im-portantes instrumentos de defesa, como a convenção contra a tortura, a convenção dos direitos da criança e do adolescente, a con-venção sobre a violência contra a mulher, os

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pactos internacionais de direitos humanos e outros instrumentos. Com esse passo jurídico--político-institucional, o Estado brasileiro pas-sou a assumir responsabilidades públicas em relação à promoção, à proteção e à defesa dos direitos humanos.

A necessidade de mudança de uma cultura advinda dos processos autoritários para uma cultura promotora de paz e de cidadania de-mocrática frente à Constituição de 1988 e às novas responsabilidades internacionais em de-fesa dos direitos humanos fez com que fosse ampliado o leque de atores e de público atin-gidos pelos educadores em direitos humanos. Se no decorrer dos processos de lutas pela im-plementação da ordem democrática, as forças sociais demandavam uma educação popular em direitos humanos, a década de noventa demandava uma ampliação da educação em direitos humanos para os agentes do Estado, ainda resistentes aos processos inovadores.

A educação em direitos humanos caminha na estrada das lutas sociais pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Inicia--se como educação não formal com os tra-balhadores rurais e urbanos e os segmentos populares e amplia-se para a educação formal com outros públicos, sendo, então, introduzi-da em âmbitos antes “proibidos”, tais como as academias de polícias e penitenciárias; ações culturais essas promovidas no circuito nacional e internacional com o apoio de órgãos nacio-nais e internacionais, como a Secretaria Nacio-nal de Direitos Humanos, a ONU, a UNESCO, a Fundação Ford e outros.

A internacionalização da responsabilidade com a promoção dos direitos humanos oportuni-zou também o reconhecimento internacional e nacional dos direitos humanos dos distintos segmentos sociais. Começa, assim, a se afirmar uma linguagem que alcança um amplo leque de questões; temas, como o meio ambiente, os direitos dos homossexuais e das profissio-nais do sexo e de outras minorias passam a fazer parte das preocupações dos educadores.

Muda, também, a relação com o Estado. O movimento de educação popular foi um mo-vimento da sociedade civil, que nasceu da oposição ativa à ditadura e, mais em geral, ao

Estado, considerado como um inimigo ou um adversário. A partir da democratização, sobre-tudo na década de noventa, o Estado passa a ser visto não mais como um inimigo, mas como um interlocutor dos movimentos sociais e das forças sociais ativas, um espaço de con-tradição, de negociação e de afirmação com o qual se pode dialogar, colaborar e que deve ser fiscalizado. Após a Constituição de 1988, o Estado Democrático muda o discurso e a prá-tica em relação aos direitos humanos, que se tornam parte integrante do arcabouço jurídico e institucional, das políticas sociais e da cultura democrática. Dessa maneira, a educação em direitos humanos se constitui como parte inte-grante da política de Estado.

A mudança institucional mais significativa ocorreu com o lançamento, em 13 de maio de 1996, do Programa Nacional de Direitos Hu-manos (PNDH) por parte do Governo Federal e a criação da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça. A partir de 2003, tal Secretaria foi transforma-da em Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), vinculada diretamente à Presidência da República com status de ministério. Com o PNDH, surgiram os Programas Estaduais de direitos humanos e as Conferências Estaduais e Nacionais como estratégias formuladoras e disseminadoras de uma cultura dos direitos humanos. O Governo Federal avançou, ainda mais, nessa direção, fortalecendo a criação de um “Sistema Nacional de Direitos Huma-nos” e do “Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos”, de modo a sedimentar a construção de uma cultura de respeito aos di-reitos humanos. Atualmente, a SEDH e os Con-selhos que atuam na defesa dos direitos das mulheres, das crianças e dos adolescentes, das

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etnias, das minorias, etc são interlocutores e parceiros na promoção, defesa e proteção dos direitos de cidadania.

Em 2002, após uma longa discussão com a so-ciedade civil, o PNDH foi reformulado, com a introdução de novas metas de ações voltadas para a construção e a conquista dos direitos econômicos, sociais e culturais. Tanto o PNDH I como o PNDH II constituem um marco polí-tico-institucional relevante para os direitos hu-manos serem incluídos como ação de Estado. Com esses dois planos, a partir de 1996, o Go-verno Federal, em parceria com o Congresso e a sociedade civil, iniciou o processo de aperfei-çoamento da proteção nacional, criando me-canismos de proteção relevantes, como a lei que criminaliza o racismo, o porte de arma, a tortura, o código de trânsito.

Em 2003, a SEDH, cumprindo suas obrigações internacionais, instalou o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, com o objeti-vo de elaborar uma minuta de plano a ser am-plamente discutida com a sociedade. Em 10 de dezembro de 2003, o Governo Federal lançou uma minuta contendo propostas de educação em direitos humanos na área de ensino infan-til, fundamental, médio e superior, educação não formal, educação e mídia e educação para profissionais da segurança e justiça.

De 1996 até 2004, muitos programas e proje-tos de educação em direitos humanos foram promovidos por ONG’s, Universidades, mo-vimentos sociais e órgãos governamentais. O momento atual exige que se cumpra um passo a mais, promovendo ações integradas, com-plementares e intersetoriais. A consolidação do

processo democrático demanda a instituciona-lização de processos formadores e capacitado-res, promotores de uma cultura democrática.

Uma política democrática precisa de um am-plo processo de construção ouvindo todos os segmentos. Sabemos como grande parte des-sa estratégia governamental seja ainda cons-tituída de boas intenções e utopias, por ou-tro lado, a história dos direitos humanos no Brasil é testemunha do quanto essa estrada é longa e árdua, pois implica redefinições dos processos de lutas, em convergência das for-ças sociais que congregam o movimento pelos direitos humanos. Nesse contexto, destaca-se o papel dos Conselhos de Direitos e de Polí-ticas Públicas que atuam em nível municipal, estadual e Federal, com ampla participação da Sociedade Civil.

2. A EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIAA palavra é tão usada que acaba se desgastan-do e perdendo a sua força e o seu significa-do. Vamos tentar definir, neste breve ensaio, o conceito, os conteúdos e as metodologias de uma educação para a cidadania.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a educação para a cidadania se insere num mo-vimento amplo de luta pelos direitos humanos no mundo inteiro; um movimento pluralista, polissêmico, vário, polêmico, divergente, mas um movimento histórico concreto, aliás o úni-co movimento que tenha uma linguagem, uma abrangência, uma articulação, uma or-ganização que supere as fronteiras estaduais tanto horizontal (as redes) como verticalmente (do bairro às Nações Unidas).

Ao surgimento dessa “sociedade civil” uni-versal, que está em construção, corresponde o processo de constituição de instituições pú-blicas sempre maiores, em que Estados, Go-vernos e Organismos Internacionais tendem a falar a mesma linguagem e a convergir em ações conjuntas. Isso faz com que o educador dos direitos humanos se sinta parte de uma comunidade mais ampla, de um movimento quase planetário, ao qual pode dar a sua par-

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cela de contribuição, mantendo uma estreita aproximação com as questões da sociedade e participando ativamente das lutas sociais de transformação.

Em segundo lugar, é oportuno observar que a educação em direitos humanos, desde há al-gum tempo, é parte integrante do nosso sis-tema de educação. Observando a Lei de Dire-trizes e Bases (LDB), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as orientações para a cons-trução dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) dos vários cursos do ensino superior, notamos que esses documentos consideram como parte integrante do ensino público e privado tanto a formação profissional quanto a formação para a cidadania. Nenhum curso, por mais técnico e especializado que seja, pode deixar de in-cluir essa preocupação no seu currículo, não somente por meio de uma disciplina de “éti-ca profissional”, que, muitas vezes nada mais é do que um código corporativista, mas por meio da inclusão, em todo o processo forma-tivo, de conteúdos e metodologias relativas à questão da cidadania.

Uma outra característica da educação aos di-reitos humanos é o seu caráter interdisciplinar. O tema dos direitos humanos, por sua própria natureza, obriga à superação das tradicionais divisões em disciplinas e departamentos e es-timula a adoção de uma postura interdiscipli-nar, permitindo um encontro a uma colabo-ração mais sistemática e orgânica entre várias disciplinas: direito, história, filosofia, ciências sociais, psicologia social, serviço social, educa-ção, entre outras.

Estamos também fazendo passos significativos para a criação de uma rede de formação aos direitos humanos, que inclua as Universidades e os outros Centros de pesquisa para uma tro-ca permanente de informações e um intercâm-bio de pesquisadores que se coloquem a ser-viço da demanda crescente de formação nessa área de maneira criativa e inovadora, produ-zindo novas pesquisas e novas metodologias pedagógicas.

Um outro aspecto importante a ser ressalta-do é a existência de uma grande demanda de formação, que está em constante crescimento, envolvendo vários setores da sociedade. As or-

ganizações da sociedade civil, do mundo vá-rio e plural das ONG ou do chamado “terceiro setor” precisam de uma formação profissional mais adequada às mudanças que estão ocor-rendo na sociedade e às necessidades crescen-tes da população. Os poderes públicos preci-sam também qualificar os seus funcionários, que se encontram atualmente despreparados e desqualificados para essa tarefa específica, uma vez que, há pouco tempo, não somente o tema deixava de fazer parte da sua formação profissional como também era considerado com suspeita, desconfiança ou aberta hosti-lidade. Ainda o sistema de educação formal, pública e particular tem contribuído significa-tivamente para a educação à cidadania, consti-tuindo-se como um dos eixos fundamentais da proposta pedagógica. Nota-se uma tendência a fazer dos direitos humanos, ou como tema transversal ou como disciplina, ou seminário, um núcleo temático formativo obrigatório no ensino fundamental, médio e superior.

O “Programa Nacional de Direitos Humanos” (PNDH) prevê, no capítulo relativo à “Educação e Cidadania, bases para uma cultura de direi-tos humanos”, como: “Criar e fortalecer pro-gramas de educação para o respeito aos direi-tos humanos nas escolas de primeiro, segundo e terceiro grau, por meio do sistema de ‘temas transversais’, nas disciplinas curriculares, atu-almente adotados pelo Ministério da Educa-ção e do Desporto, e por meio da criação de uma disciplina sobre direitos humanos”. Nesse sentido, “ética e cidadania” pode ser o novo nome dado ao que antigamente se denomi-nava de “educação moral e cívica”, tema que foi retirado dos currículos escolares, mas que deixou um vazio na formação dos alunos, uma vez que uma formação integral não pode se restringir à formação profissional, tendo tam-bém que incluir a formação à cidadania.

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3. A EDUCAÇÃO PARA UMA CIDADANIA E OS SEUS COMPONENTES TEMÁTICOSA doutrina, ou melhor, as doutrinas dos di-reitos do homem são um dos mais preciosos legados que a história do Ocidente produziu e constituem um horizonte “insuperável” do nosso tempo. Isso não significa que não po-dem ser discutidas, aliás quem frequenta a li-teratura sobre o assunto e quem participa do movimento sabe que se discute tudo: funda-mentação, eficácia, universalidade, indissocia-bilidade, etc., mas essas discussões ocorrem no interior de um amplo consenso de fundo. É difícil, se não impossível, encontrar quem se oponha abertamente aos direitos humanos, mesmo os regimes que os violam sistemati-camente negam de tê-los feito e acabam ren-dendo uma implícita homenagem à ideia dos direitos.

Falar em direitos humanos significa, portan-to, enfrentar as questões mais significativas do debate contemporâneo para o direito à te-oria política, à história das doutrinas políticas e à filosofia, etc: o tema, pela sua importância e centralidade, se tornou quase que obriga-tório. Por isso, falar em direitos do homem significa abranger um leque muito amplo de questões que continuamente tendem a cres-cer e se multiplicar. Esse é, aliás, um dos pro-blemas dos educadores: definir o que é ca-bível ou não cabível como direitos humanos, porque, de um ponto de vista amplo, tudo pode ser lido e interpretado na ótica dos di-reitos humanos.

Com base na nossa experiência formativa, pa-rece-nos que podemos agrupar os principais conteúdos temáticos ao redor de alguns gran-des eixos, a saber: 3.1 Eixo histórico

O eixo histórico tem como objetivo abordar a reconstrução da trajetória histórica do surgi-mento e da afirmação dos Direitos Humanos. Ele exige uma abordagem interdisciplinar, con-tando com a contribuição da História – no sentido de reconstruir os diferentes contextos sociais que influenciaram o surgimento dos direitos nos acontecimentos históricos de sua época; da Filosofia – no sentido de evidenciar as teorias filosóficas que justificaram diferen-tes concepções dos direitos que confluíram na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; e do Direito, reconstruindo as doutri-nas jurídicas que contribuíram para a consti-tuição dos direitos humanos como os conhe-cemos hoje.

3.2 Eixo de fundamentação

O eixo de fundamentação aborda as questões relativas à fundamentação dos direitos Huma-nos do ponto de vista teórico, por meio da contribuição do direito, da filosofia, da ciência política, da antropologia, da psicologia e das ciências sociais em geral, enfrentando as prin-cipais questões relativas aos direitos humanos: a universalidade, indissociabilidade, imprescri-tibilidade, indisponibilidade, interdependência e inter-relação.

Ao abordar esses aspectos, são explicitados os direitos civis, ou seja, os direitos individuais à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade, à igualdade, os direitos dos presos e os direitos civis coletivos; os direitos políticos, ou seja, os direitos da participação política, da democra-cia, do sistema partidário; os direitos econô-micos, sociais e culturais, ou seja, o direito ao desenvolvimento econômico e social, à edu-cação e saúde, terra e moradia, previdência e assistência social aos necessitados, os direitos vinculados ao meio ambiente, os direitos dos trabalhadores, consumidores, produtores, os das crianças e adolescentes, das mulheres; os de livre manifestação e valorização das tradi-ções culturais, incluindo as minorias étnicas, os

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relativos à comunicação, informação e a invio-labilidade da imagem pública.

3.3 Eixo Político

O eixo político discute as teorias e os sistemas políticos atuais e sua relação com os direitos do homem, enfrentando temas, como: as dife-rentes concepções da democracia e os direitos humanos; democracia e liberalismo (demo-cracia e liberdade); democracia e socialismo (democracia e igualdade); o papel do Estado e da “nova esfera pública da cidadania” na pro-moção e defesa dos Direitos do homem em nível local, nacional e internacional; Direitos Humanos e Geopolítica; Direitos Humanos e Globalização.

3.4 Eixo educacional ou formativo

O eixo Educacional objetiva estudar as teorias e os métodos pedagógicos mais adequados a uma educação aos direitos humanos nos vários contextos (educação formal e infor-mal, movimentos sociais, entidades públicas), abordando aspetos, tais como a educação das crianças, dos jovens e adultos para uma nova cultura dos direitos humanos e da paz e a re-flexão e sistematização da prática educativa em direitos humanos.

3.5 Eixo prático/aplicativo

Destina-se ao estudo de todas as medidas e os instrumentos existentes para a realização dos direitos humanos e ao estudo da eficá-cia social das normas de proteção aos direi-tos humanos e das ações e políticas públicas, tanto do ponto de vista jurídico, explicitando as garantias gerais – sociais e constitucionais – as garantias especiais e os instrumentos ju-rídicos em nível internacional, federal, esta-dual e municipal, destinados à promoção e defesa dos direitos humanos e as possibili-dades novas, abertas a partir de um “direito emergente”; quanto do ponto de vista social e político mais amplo, estudando o papel da sociedade civil organizada e o dos movimen-tos sociais para a realização de uma eficácia histórica que possa assegurar a implementa-ção sempre maior e mais efetiva dos direitos humanos.

Para o aprofundamento desses temas, pode-mos contar, hoje no Brasil, com uma ampla bibliografia especializada em língua portugue-sa sobre os vários conteúdos expostos assim como um conjunto de textos didáticos para o mais variado público.

4. CONSIDERAÇÕES FINAISO que se pretendia mostrar neste ensaio é a existência de um campo de investigação e de intervenção para todos aqueles que queiram se engajar no movimento de educação em di-reitos humanos. Esse movimento é essencial para o desenvolvimento do nosso País e espe-cialmente do Nordeste, contribuindo para pre-encher o déficit de cidadania - que é, ao mes-mo tempo, uma causa e uma consequência da pobreza e da miséria social – e para quebrar o círculo vicioso das injustiças sociais que há tanto tempo assola o nosso País.

A promoção e a defesa dos direitos do homem não constituem certamente uma panaceia para todos os problemas da humanidade, porém apontam para um espaço de u-topia, (ou me-lhor, de eu-topia, de bom-lugar) e funcionam como uma “ideia reguladora”, um horizonte que nunca poderá ser alcançado, porque está sempre mais além, mas sem o qual, não sabe-ríamos nem sequer para onde irmos.

http://www.infoescola.com/sociologia/cidadania--e-educacao/

http://www.webartigos.com/artigos/educacao-e--cidadania/10791/

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/esco-la-e-cidadania/

Saiba Mais

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RESUMONos últimos anos, a educação em direitos hu-manos ou para a cidadania vem ampliando seu âmbito de ação no Brasil, constituindo-se num campo específico de pesquisa e de inter-venção com conteúdos, bibliografia, métodos próprios e um amplo e articulado movimento nacional (e internacional) de educadores tanto no setor público como no terceiro setor. Esse movimento obviamente não nasce de improvi-so, mas encontra suas raízes na longa tradição da educação popular que, no Brasil, remonta aos anos sessenta e que perpassa toda a di-tadura, vindo a florescer nas últimas décadas durante o processo de redemocratização. A educação para os direitos humanos e a cida-dania democrática surge inicialmente na edu-cação não formal, como prática de educação popular, constituindo-se como estratégia de mobilização, organização e formação de uma cultura cidadã na construção de sujeitos histó-ricos em processos de lutas pelas conquistas dos seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, é possível afirmar que a educação em direitos humanos foi substituindo o que, nas décadas de setenta e oitenta, era denominada de “educação po-pular” ou “educação libertadora”.

REFERÊNCIAS

ALBALA-BERTRAND, Luis (org.), Cidadania e educação, trad. Mônica Saddy Martins, Cam-pinas SP, Papirus: UNESCO, Brasília 1999 (título original em inglês: citizenship and education: toward meaningful practice. UNESCO 1996).

BARCELLOS, Carlos Alberto (Coord.), Educan-do para a cidadania. Os direitos humanos no currículo escolar, Porto Alegre/São Paulo: Pu-blicações da Anistia Internacional (Seção brasi-leira)/CAPEC, 1992.

BETO, Frei. Educação em direitos humanos. In: ALENCAR, Chico. Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: Garamound, 1998.

BRASIL.COMITÊ NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Se-cretaria Especial de Direitos Humanos; Minis-tério da Justiça, 2003.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direi-tos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos; Ministério da Justiça, 2003.

1. Por que motivo o ensino da cidadania vem ganhando importância, tanto nacional como internacionalmente?

2. Em que fase da história da América Latina ocorreu uma maior preocupação com a ci-dadania e os direitos humanos?

3. Como o Brasil evoluiu no sentido de criar uma política voltada para os direitos huma-nos e cidadania?

4. O que podemos compreender por ensino da cidadania?

5. O que são os eixos temáticos sobre a cidada-nia? Explique!

6. Discorra sobre o Eixo Político do ensino da cidadania.

7. Descreva o que é o eixo educacional formati-vo para a cidadania.

Atividades