TIMOTHY J. POWER et al., Voto obrigatório, votos inválidos e abstencionismo no brasil

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o Brasil porEstrangeiros

o MAIOR

ELEITORADO

do mundo sujeito ao voto obrigatrio - como se referem ao Brasil,

inicialmente, Timothy J. Power e J. Timmons Roberts, que analisam nossas eleies legislativas, entre 1945 e 1990, e julgam que o pas um caso esclarecedor para exame dos determinantes dos votos invlidos e da absteno. E entendem eles que as altas taxas de votos invlidos nos ltimos pleitos demonstram a necessidade de uma reforma institucional que consolide nosso quadro democrtico.

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V oto obrigatrio, votos invlidos e abstencionislDo no BrasilTIMOTHY J. POWERUniversidade Estadual de Louisiana Universidade de Tulane

J. TIMMONS ROBERTS

Tradutor: Marcius Fabiani Barbosa de Souza

Este artigo analisa os determinantes dos votos invlidos e do abstencionismo no maior eleitorado do mundo sujeito ao voto obrigatrio. Analistas que j lidaram com o tema vem os votos em branco e nulos como expresso de protesto poltico ou produto da estrutura social. A essas interpretaes, acrescentamos a hiptese de que os votos invlidos podem ter como causa fatores institucionais. Aps analisar doze eleies legislativas realizadas no Brasil entre 1945 e 1990, descobrimos que, para trs das variveis dependentes consideradas (votos invlidos em ambas as casas do Congresso e absteno injustificada), muito mais eficaz utilizar um modelo que incorpore fatores polticos, socioeconmicos e institucionais, do que usar um modelo baseado em apenas um desses fatores. Fornecemos tambm evidncias de que o inusitado sistema brasileiro de representao proporcional de lista aberta gera caractersticas institucionais que funcionam como barreiras, impedindo a incorporao efetiva de eleitores recm-alistados. As surpreendentemente altas taxas de votos invlidos nas eleies brasileiras mais recentes evidenciam a necessidade de uma reforma institucional que, por sua vez, levaria consolidao

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democrtica, com importantes implicaes para outras democracias incipientes. O baixo ndice de comparecimento e o desejo de fortalecer as instituies democrticas inspiraram muitos a propor que o voto se tornasse obrigatrio por lei. No Brasil, assim como na Austrlia, Blgica, Itlia e alguns outros pases, o voto obrigatrio h dcadas. No entanto, o c-;0

do Brasil nos alerta para o fato de que eleitores obrigados a comparecer s urnas no so garantia de cdulas corretamente preenchidas. Ao passo que em democracias ricas como a Austrlia e a Holanda, os votos invlidos geralmente compreendem de 2 a 3% da totalidade dos votos, no Brasil as taxas equivalentes so de cinco a vinte vezes maiores. Durante o regime militar no Brasil, de 1964 a 1985, votos nulos ou em branco eram quase sempre interpretados como uma forma de protesto contra a ditadura. No entanto, nas recentes eleies de 1986 e 1990, realizadas democraticamente, as taxas de votos invlidos alcanaram novos 15% recordes, atingindo impressionantes 40% de todos os votos apurados para a Cmara dos Deputados. Alm disso, em 1990, aproximadamente deles sem justificativa. dos eleitores deixaram de comparecer s urnas em todo o pas, a maioria Fica claro que taxas to elevadas de absteno eleitoral incomodam um pas que busca consolidar sua frgil democracia poltica. Duas questes imediatamente se apresentam: qual a explicao para o fenmeno dos votos invlidos e abstenes no Brasil? E de que forma as condies sociais e polticas aumentam ou diminuem as taxas de votos invlidos em um sistema que adota o voto obrigatrio? Este artigo investiga os fenmenos do voto invlido e da absteno em tais sistemas, examinando o caso do Brasil, que desde 1985 constitui, em extenso, o terceiro pas democrtico do mundo. Embora a Nova Repblica tenha enfrentado taxas de votos em branco e nulos sem precedentes, os votos nulos nem sempre foram um problema to premente no Brasil. Um exame mais cuidadoso da histria eleitoral brasileira revela flutuaes enormes nas taxas de votos invlidos, tanto ao longo do tempo quanto entre os vinte e sete estados do pas (Figura 1). Fica tambm evi-

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dente a persistncia de pequenas taxas de absteno, apesar da instituio do voto obrigatrio. Para analisar tais fenmenos, realizamos uma anlise ecolgica dos determinantes dos votos invlidos e do abstencionismo no Brasil, utilizando dados srie-temporais combinados, coletados nas doze eleies nacionais para o Legislativo realizadas a partir de 1945, tomando os estados como unidades de anlise. O Brasil um caso esclarecedor para o estudo dos determinantes dos votos invlidos e da absteno nos sistemas em que o voto obrigatrio, e isso por vrias razes. Em primeiro lugar, o Brasil possui o maior eleitorado do mundo sujeito ao voto obrigatrio. Segundo, a expanso macia do eleitorado desde a Segunda Guerra Mundial nos permite examinar como os eleitores recm-alistados responsvel reagem ao voto obrirpido talvez seja gatrio e testar a hiptese de que um alistamento

em parte pela flutuao nas taxas de votos em branco e com uma grande variao no quais sejam o tipo de regime e

nulos. Em terceiro lugar, neste perodo o Brasil realizou eleies durante regimes autoritrios e democrticos, bilita o exame de fatores independentes, a manipulao que diz respeito liberdade e eqidade dos pleitos. Tudo isso possieleitoral (isto , articulaes polticas autoritrias) dos a majoritria e a proporcional, o

votos invlidos. Quarto, o sistema eleitoral brasileiro combina elementos dos dois tipos de representao, que nos permite examinar como os diferentes tipos de regras eleitorais influenciam as variveis dependentes. Finalmente, a condio do Brasil de sistema federativo, com suas enormes variaes nos nveis de sade e educao de uma regio ou estado para outro, chama nossa ateno para a importncia dos fatores socioeconmicos nhas desigualdades no comportamento dos eleitores. Qual seria o efeito do voto obrigatrio em um pas com tamasociais? Seriam as variadas condies socioeconmicas responsveis pela flutuao nos votos invlidos atravs do pas e ao longo do tempo? Ou existiriam outras variveis polticas e institucionais em ao?

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Figura 1 Taxas de Votos Invlidos e Abstenes em Eleies Legislativas, 1945-1990 50 ;-

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Ano da Eleio . _. --Invlidos, Cmara - . - Invlidos, Senado ..~l()nteiro e Cail1aux (1 ')')11); Tribunal Superior I ':lcit()ral.

I ' . Abstenes

Iniciaremos nossa anlise pela reviso de trs importantes panos de fundo das eleies legislativas brasileiras realizadas a partir de 1945: os contextos institucional, sociodemogrfico e poltico, respectivamente. Passaremos ento a examinar algumas hipteses levantadas por cientistas sociais brasileiros sobre os determinantes dos votos invlidos e abstenes no Pas, distribuindo seus insights em trs modelos fixos para explicar seus comportamentos eleitorais. As sees seguintes apresentaro os dados e mtodos que utilizamos em nossa prpria investigao, alm dos resultados de nossas anlises de regresso. Finalmente, encerraremos o artigo com nossas concluses acerca dos determinantes dos votos invlidos e abstenes no caso brasileiro.

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o contexto institucional: o sistemao Brasil

eleitoral brasileiro

possui um sistema eleitoral bastante atpico, que apresenta elementos de ambas as tradies de representao, a majoritria e a proporcional. Como uma descrio exaustiva do sistema eleitoral est alm dos objetivos deste estudo, nos concentraremos nas caractersticas do sistema que forem diretamente relevantes para a anlise. Regras eleitorais bsicas: Focalizaremos aqui as eleies para o Legislativo Federal. As eleies para o Senado Federal so regidas pelo sistema jirst-past-the-post, como ocorre nos Estados Unidos. At 1978, cada estado brasileiro elegia dois senadores; daquele ano em diante, passaram a eleger trs.! Cada partido pode registrar apenas um candidato para cada cadeira vaga no Senado. Portanto, o nmero de contendores relativamente pequeno, o que os toma bastante conhecidos. As eleies para a Cmara dos Deputados empregam um sistema peculiar conhecido como representao proporcional de lista aberta. Diferentemente do sistema mais comum, a representao proporcional de lista bloqueada ou partidria, no Brasil os partidos polticos no estabelecem a ordem dos candidatos que apresentam: so os eleitores que cumprem esse papel no dia da eleio, atravs do voto preferencial. Se o partido de algum candidato atinge o quociente eleitoral e ganha cadeiras na legislatura, a eleio desse candidato depender de sua posio em relao aos demais candidatos do mesmo partido. Em outras palavras, os eleitores determinam completamente a ordem dos candidatos eleitos, e os partidos no influenciam tal questo. Esse estado de coisas enfraquece a autoridade dos partidos sobre os polticos, significando que o individualismo, e no questes programticas ou ideolgicas, que predomina nas campanhas (Mainwaring, 1991).1

Na yerJaJe, somente por um breye periJo em nossa histria republicana - o ano Je 194(, - Jei"aram Je Sereleitos por cadaU1TIa

trl't' os senadores

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Inclumos ento ambas as variveis institucional e do SSE e fatoramos variveis de protesto poltico para produzir um modelo combinado ou "completo", Todas essas variveis somente estavam disponveis em mbito nacional, e dessa forma s captavam a variao ao longo do tempo. Nossas variveis dependentes, e muitas das outras variveis independentes, captaram variaes tanto de estado para estado quanto ao longo do tempo. Portanto, as relaes com os modelos de protesto poltico podem ser vistas como estimativas conservadoras das relaes entre as duas. O resultado que muitas das variveis institucionais e socioeconrnicas permanecem importantes, e o quadro ento matizado por dois novos indicadores de protesto poltico. Em primeiro lugar, o analfabetismo continua sendo o indicador mais poderoso de votos invlidos para a Cmara dos Deputados. Em segundo lugar, o alistamento eleitoral, baseado no eleitorado como percentagem da populao, continua positivamente relacionado com os votos invlidos. Em terceiro lugar, altos nveis deEstudos Eleitorais, v. 1, n. 3, set./dez. 1997

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manipulao poltica autoritria (calculada pela varivel dummy Manipulao Eleitoral Nvel 3) relacionavam-se com um aumento de 9% no nmero de votos nulos e em branco. Em quarto lugar, embora o efeito da cdula nica tenha sido reduzido metade no modelo completo, ela continuou sendo um poderoso indicador de votos invlidos para a Cmara. Nveis baixos de tutelagem autoritria, assim como a taxa de inflao, no tiveram relao significativa com os votos invlidos para a Cmara baixa do Congresso. Quanto ao crescimento econmico, espervamos descobrir que altas taxas de crescimento do Pffi produziriam uma confiana maior no regime e, conseqentemente, taxas mais baixas de votos invlidos. Entretanto, descobrimos o oposto. Cada aumento percentual na mdia de crescimento do Pffi a cada dois anos correspondia a um aumento de 0,663% no nmero de votos invlidos. Esse fenmeno pode ser explicado em parte pelo fato de que as maiores taxas de crescimento econmico do Brasil ocorreram precisamente durante os anos mais duros da ditadura militar (196874). A taxa de inflao, nesse nterim, no tinha relao direta com as taxas de votos invlidos para deputado. Finalmente, mulheres empregadas permaneceram forte e positivamente relacionadas s taxas de votos invlidos (ver adiante). A coluna da extrema direita na Tabela 1 apresenta o modelo completo aps a remoo de todas as variveis com nvel de confiana menor que 90% (o modelo final). Das sete variveis deste modelo final simplificado, eleitores analfabetos constituram o indicador mais efetivo de votos nulos e em branco, seguidos pelo percentual de mulheres na fora de trabalho, a taxa total de crescimento econmico, e altos nveis de manipulao eleitoral. Modelos do Senado. Os modelos de regresso utilizados na previso de votos invlidos para o Senado Federal foram, em cada caso, menos poderosos que os modelos correspondentes para a Cmara dos Deputados. Comparadas s eleies para a Cmara, as eleies para o Senado apresentaram variveis SSE mais fracas e variveis de manipulao eleitoral bem mais fortes (Tabela 2). Logo, os modelos institucional eSSE parciais sofreram alteraes significativas com a incluso de nossas variveis de protesto poltico nos modelos completo e final.

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Para nossa surpresa, todos os trs nveis de manipulao eleitoral demonstraram ter efeitos positivos bem fortes sobre os votos invlidos. Os nveis mais altos de tutelagem autoritria associaram-se a um aumento de 15% no nmero de votos invlidos, ao passo que os nveis mais baixos proporcionaram um aumento de 7% e 5%, respectivamente. Cada novo partido no Congresso foi responsvel por um aumento de aproximadamente 1% no nmero de votos invlidos para o Senado a cada eleio. A inflao e o PIB tiveram papis semelhantes aos que tiveram no modelo completo da Cmara: ambos se associaram a taxas mais elevadas de votos invlidos. Uma diferena essencial em relao ao modelo completo da Cmara foi que a cdula nica no atuou como indicadora de votos nulos e em branco para o Senado. O percentual da populao de cada estado que vivia em reas urbanas poca de cada eleio relacionou-se positivamente com os votos invlidos no modelo final. Concluindo, os modelos do Senado revelaram que nveis crescentes de manipulao eleitoral e o aumento do nmero de partidos no Congresso acarretaram uma elevao no nmero de votos invlidos. O crescimento econmico, a inflao e a urbanizao tambm contriburam para aumentar as taxas de votos nulos e em branco.

Tabela 2Coeficientes de regresso no padronizados e (erros-padro) para votos invlidos para o Senado Federal, estados brasileiros, 1945-1990VARIVEL Eleitorado em % da Populao no Congresso MODELO INSTITUCIONAL 0,035 (0,046) 0,876*** (0,099) 12,606*** (1,417)-

MODELO SSE-

NQ de PartidosCdula Unica

% de Eleitores % Urbana

Analfabetos

0,221 *** (0,044) 0,117** (0,043)

MODELO COMPLETO 0,026 (0,066) 1,030*** (0,220) 3,601 (2,493) 0,073 (0,054) 0,077 (0,042)

MODELO FINAL

0,813*** (0,162)

0,110*** (0,028)

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% de Mulheres na PEA Manipulao Nvel 1 Manipulao Nvel 2 Manipulao Nvel 3 Crescimento Eleitoral Eleitoral Eleitoral Nacional do PIS/Ano

-

0,199 (0,148)-

-

-

-

In (Taxa da Inflao) Constante

0,215 (0,156) 5,184** (1,960) 7,098** (2,316) 15,567*** (2,304) 0,771** (0,235) 2,273 (1,367)

5,204*** (1,350) 6,183** (2,063) 14,277*** (2,010) 1,099*** (0,168) 5,030*** (0,666)

-1,301 (1,322) 0,452 7,365 71,1*** 256

8,500*** (1,475) 0,353 8,064 46,2*** 250

-19,507*** (4,427) 0,591 6,406 33,6*** 250

-24,542*** (3,134) 0,570 6,522 49,3*** 256

r" ajustado Erro Pad. de Est. F-ratio N!! de Casos

Nota: ()s ttens so coeficientes ue rL:f.,Tf(;sso ()LS paufonizauos. ()s itens entre rar~ntcscs :-'