Tipos de intervenção verbal

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10 Tipos de intervenção verbal do terapeuta Uma teoria das técnicas de psicoterapia requer uma con ceituação de seus instrumentos, que está intimamente ligada a uma concepção do processo terapêutico. As intervenções dos terapeutas são instrumentos essenciais desse processo. Assim sendo, é importante deter-se na discussão teórica dos funda- mentos e alcances de cada um destes recursos técnicos. É im- portante, sobretudo, clarificar o sentido do emprego de cada uma destas intervenções e seu valor como agente de modifica- ção. Para esta compreensão concorrem valiosamente toda a vasta experiência clínica acumulada no campo das psicotera- pias, certas contribuições teóricas e técnicas da psicanálise, a teoria e as técnicas centralizadas na comunicação, teorias da aprendizagem e conceitos provenientes da psiquiatria social e da teoria das ideologias. Um inventário de intervenções verbais do terapeuta que são ferramentas nas psicoterapias inclui necessariamente as se- guintes: 1 . Interrogar o paciente 1 , pedir-lhe dados precisos, am- pliações e aclarações do relato. Explorar em detalhe suas respostas. 2. Proporcionar informação. 3 . Confirmar ou retificar os conceitos do paciente sobre sua situação. 153

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Tipos de intervenção verbal do terapeuta

Uma teoria das técnicas de psicoterapia requer uma con ceituação de seus instrumentos, que está intimamente ligada a uma concepção do processo terapêutico. As intervenções dos terapeutas são instrumentos essenciais desse processo. Assim sendo, é importante deter-se na discussão teórica dos funda-mentos e alcances de cada um destes recursos técnicos. É im-portante, sobretudo, clarificar o sentido do emprego de cada uma destas intervenções e seu valor como agente de modifica-ção. Para esta compreensão concorrem valiosamente toda a vasta experiência clínica acumulada no campo das psicotera-pias, certas contribuições teóricas e técnicas da psicanálise, a teoria e as técnicas centralizadas na comunicação, teorias da aprendizagem e conceitos provenientes da psiquiatria social e da teoria das ideologias.

Um inventário de intervenções verbais do terapeuta que são ferramentas nas psicoterapias inclui necessariamente as se-guintes:

1 . Interrogar o paciente1, pedir-lhe dados precisos, am-pliações e aclarações do relato. Explorar em detalhe suas respostas.

2. Proporcionar informação. 3 . Confirmar ou retificar os conceitos do paciente sobre

sua situação.

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usuario
Texto
Fiorini, H. J. Teoria e técnica de psicoterapias. Ed.: Francisco Alves - RJ, 1999.
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4 . Clarificar, reformuiat o relato do paciente, de modo a que certos conteúdos e relações do mesmo adquiram maior relevo.

5 . Recapitular, resumir pontos essenciais surgidos no pro-cesso exploratório de cada sessão e do conjunto do tratamento.

6. Assinalar relações entre dados, seqüências, constela-ções significativas, capacidades manifestas e latentes do paciente.

7. Interpretar o significado dos comportamentos, moti-vações e finalidades latentes, em particular os confli-tuosos.

8. Sugerir atitudes determinadas, mudanças a título de experiência.

9. Indicar especificamente a realização de certos compor-tamentos com caráter de prescrição (intervenções di-retivas).

10. Dar enquadramento à tarefa. 11. Meta-intervenções: comentar ou aclarar o significado

de haver recorrido a qualquer das intervenções ante-riores.

12. Outras intervenções (cumprimentar, anunciar interrup-ções, variações ocasionais nos horários etc.)2.

Pelo fato de muitas destas intervenções se acharem histo-ricamente ligadas ao desenvolvimento da técnica psicanalítica e de que esta aparece como a técnica psicoterapêutica com maior respaldo teórico de base, torna-se importante para uma teoria geral das técnicas de psicoterapia deslindar as condições de uma utilização técnica diferente destas intervenções, isto é, compará-las com o sentido de sua utilização tradicional na psi-canálise. Acho que isto pode contribuir para que se evitem ex-trapolações indevidas de uma técnica para as outras, permitin-do-se a estas últimas que construam suas próprias leis.

1 Interrogar

É um dos recursos essenciais ao longo de todo.jQ_processp terapêutico, não apenas em seu início. Em psicoterapia, per-

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guntar é continuamente consultar a consciència jia-Pacjente; é Também sondar a^limitagões e distorções dessa consciência; é, ainda, transmitir um "estilo interrogativo", um modo de se co-locar frente aos fenômenos humanos com atitude investigadora. Revela também um terapeuta não onipotente; isto é básico: na formulação de perguntas ao paciente e no emprego dos da-dos por ele fornecidos, está contido um vínculo com papéis cujo desnível é atenuado, embora se tratem de papéis dife-rentes.

Ao pedir detalhes precisos sobre cada situação pode-se transmitir, além do mais, um respeito do terapeuta pelo cará-ter estritamente singular da experiência do paciente, isto é, uma atitude não esquemática, que não sofre a tentação das ge-ne ralizaçõesT^^ uma maneira de indagar sobre a perspectiva em que o paciente coloca sua situação: cada res-posta às perguntas do terapeuta contém elementos (de con-teúdo e forma) reveladores de uma mundovisão pessoal, com-pletamente singular, da situação.

Estas influências do perguntar nas psicoterapias merecem ser destacadas, numa cultura profissional como a nossa, in-fluenciada marcadamente pela prática técnica da psicanálise, já que nesta última nem sempre é tão decisivo pedir detalhes sobre as situações reais a que se alude em sessão, visto que freqüentemente se procura construir um modelo de fantasia inconsciente vincular latente a partir dos conteúdos manifestos do relato. Neste caso, para abstrair o vínculo objetai contido no relato, muitos detalhes podem ser tomados como acréscimos irrelevantes do manifesto. Nas psicoterapias, pelo , contrário, é necessário trabalhar muito mais sobre as situações de realidade cio paciente, indagar a complexidade psicológica das mesmas, enredada precisamente em muitos detalhes e matizes reais da situação. Um exemplo: se na psicanálise um paciente começa a falar, em sessão, das brigas que tem com o pai por causa do negócio em que ambos são sócios, negócio que o pai tende a conduzir autoritariamente, é provável que estes elementos bastem para que se comece a pensar na problemática da de-pendência na transferência. Na psicoterapia ^dinâmica, por ejíemplQ, jmportará^ muitos dadosde realidããeJXZomo foi que os dois se associaram, de quem foi a iniciativa, se houve acordos prévios sobre a direção da empresa em comum, que perspectivas tem o paciente sobre seu futuro econômico, a atividade se ajusta a seus interesses vocacionais, como encara

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sua esposa esta sociedade etc.? Cada um destes detalhes for-necerá elementos para enriquecer hipóteses que aspirem a dar conta de uma situação (mundo interno-mundo interpessoal em suas ações recíprocas) com seus complexos e variados matizes.

FRAGMENTO DE UMA SESSÃO DE PSICOTERAPIA

T: "Que valor teve para o senhor o fato de ela lhe telefonar antes da viagem?"

P: "Um valor duvidoso, porque ela lhe telefonou quando já não nos podíamos encontrar. De qualquer modo, gostei, não é?"

T: "Como foi que o senhor lhe transmitiu seu interesse por ela?" P: "Eu lhe disse: 'Que azar você não me ter encontrado ontem!

Poderíamos ter marcado um encontro'." T: "Para o senhor, isso dela, já que foi dito assim tão em cima

da hora de partir, não expressava um compromisso profundo?" P: "Claro, acho que para um compromisso maior não se espera

dois meses para o momento de se despedir. Essas coisas me dão raiva."

T: "Segundo o senhor havia comentado, ela em geral não é de expressar seu interesse pelos demais; espera que se interessem por ela. Sendo assim, o fato de ela lhe telefonar não tinha um valor especial?"

P: "Sim, encarado do ponto de vista de como ela é em geral, pode-se dizer que me estava dando uma bola bárbara, mas acontece que para o meu gosto o modo de agir tem que ser diferente, nada de rodeios."

T: "Que lhe disse o senhor ao se despedir? Como deixou colocada a coisa?"

P: "Disse para ela: 'Olhe, gostei de me ter telefonado, mas espero que quando voltar não esteja tão ocupada, ouviu? Tchau'."

Como se pode ver, estas respostas revelam um estilo, o funcionamento egóico do paciente para avaliar a situação inter-pessoal, suas exigências dentro de uma ótica narcisista, a con-tribuição do paciente com suas mensagens para uma situação evitativa, embora arriscando algumas demonstrações de inte-resse pessoal pela outra pessoa. Perguntar aqui, e em detalhe, permite então que se obtenha grande quantidade de informa-ção, de níveis mais amplos que os de uma mera ampliação "de detalhe" do conteúdo manifesto de um relato. As experiências sobre a utilidade de uma indagação minuciosa são abundantes. Assim sendo, é possível que "perguntar muito" seja uma das primeiras regras de uma técnica psicoterapêutica eficiente

Uma variedade particular de exploração, sumamente rica, é a que se apóia em intervenções dramatizadoras do terapeuta:

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— "Imagine por um momento esle diálogo: ao contrário do que a senhora acreditava, ele se decide casar, chega e lhe diz de supetão: 'Me decidi: vamos casar no fim do ano!' Que resposta a senhora lhe dá?"

— "Vejamos: vem seu pai e lhe diz: 'Não vou te dar agora o dinheiro que te cabe, porque preciso dele para um negócio urgente'. Como o senhor lhe responderia para que ele confirme, uma vez mais, que não tem por que pedir-lhe permissão para usar seu dinheiro?"

Simplesmente perguntando, dramatizando ou não, o tera-peuta põe em ação vários estímulos de müHãnçà: um7 primor-dial, é quê exercita com" o paciente uma constante ampliação do campo pereeptivo (reforçamento de uma das funções egói-cas básicas); e mais: toda explicitação Verbal recupera fatos, relações, que se achavam no mundo do implícito emocional. Liberman (1) destacou, além disso, o papel reforçador do ego que está contido na experiência de ouvir-se falar. Todo estímulo para a explicitação visa a romper as limitações e o encobrimen-to presentes no uso cotidiano da linguagem convencional. Por exemplo: Que quer dizer: "fui apresentado a ele, e ele se mos-trou frio no trato"? Em que consiste a "frieza" dos outros para cada um? Supõe-se uma observação não participante neste dis-curso, porque qual foi o "calor" com que, em compensação, contribuiu o sujeito? Na psicoterapia, é essencial passar dos dados iniciais da experiência subjetiva à análise minuciosa dás situações_ Toda situação levanta numerosas questões. Talvez algo importante para o terapeuta seja compreender que não se trata de indagar para só depois operar terapeuticamente, mas sim que a própria indagação já contém estímulos terapêuticos de particular importância.

2 Informar

O terapeuta é não apenas um investigador do comporta-mento, mas também o veículo de uma cultura humanista e psi-cológica. Sob este aspecto, o terapeuta cumpre uma função cul-Jtural: é docente, dentro de uma perspectiva mais profunHu~e abrangente de certos fatos humanos. Esta perspectiva é tam-bém alimentada com informação] já que o déficit de informa-ção é um componente às vezes tão importante para a obscuri-

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dade e a falsa consciência de uma situação como os escotomas criados pelos mecanismos repressivos individuais.

Nas psicpiempias é aLtatjj&Qte pertinente»-aclarar para o paciente elementos de higiene sexual, perspectivas da "cultura1

adolescente atual, ou a problem^icã"social' da mulher. Também, "explicar-lhe (pode sér uui. inclusive, servir-se de esqtlBfflas) certos aspectos da dinamica dos conflitos. Esta informação pode ampliar-se pela recomendação de leituras. A experiência mostra que a mensagem que"o paciente "retira dessas leituras, sua experiência global frente à "bibliografia", é sumamente rica para esclarecer conflitos de toda índole (conflitos com o tema, com o saber, com o autor, com o terapeuta). Ecopor-çionar ou facilitar esta informação geral que enquadra, a _pro-blemátiça do paciente desempenha um papel terapêutico espe-cífico: cria uma perspectiva dentro da quâTos"problemas cio paciente, com toda a sua singularidade, deixam de ser~vlstõr como algo estritamente individual que "só a : eíe'niSnÇêõèr~A falta deste quadro de referência cultorãrfávorêcé^íõivSmen-te, a sensação de ser o único com tais problemas, isto é, uma perspectiva ditada pelo superego (acusador, às vezes, também, a partir de seu complementar ideal do ego narcisista onipotente)' Ao entrevistar famílias, por exemplo, verifiquei que é impor-tante incluir referências sobre as dificuldades gerais que a fa-mília, enquanto instituição, enfrenta socialmente. Encaradas dentro desse quadro de referência, todas as dificuldades par-ticulares do grupo tornam-se logo passíveis de abordagem, sem o clima persecutório que é criado forçosamente pelo fato de alguém ficar meramente ocupado vendo "o que acontece com este grupo que vai mal" (com a suposição tácita de que todas as demais famílias funcionam bem, donde se conclui que os problemas desta decorrerão exclusivamente dos defeitos de seus indivíduos).

Naturalmente, esta informação vem a ser sumamente rele-vante se a entendermos, também, como portadora de um ques-tionamento social das dificuldades criadas para indivíduos e grupos inseridos no conjunto do sistema. Ou seja, não_simp]es-fflgnte^saber"qae outros também têm dificuldades", mas esbo-S^-ama.jijtej®retaç|o_ds_gue contradições exlsteiHeFénlre exi-J®S<?l.al_fe--PQ5SÍWljdades dos grupos humanos slo móbílTzãdãs pelas contradições da estrutura social vigente. Tratar a pro-blemática psicológica sem esta perspectiva crítica é criar a ilusão de que a enfermidade é assunto estritamente pessoal do

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paciente, de seus dinamismos intrapsíquicos e, no máximo, dos de seus pais. Não informar, em tais circunstâncias (omissão técnica), constitui de fato um falseamento da ótica psicosso-cial necessária para compreender os dinamismos psicológicos individuais e grupais (distorção ideológica).

3 Confirmar ou retificar enunciados do paciente

Este tipo de intervenções é inerente ao exercício de um papel ativo do terapeuta nas psicoterapias. A retifiçaçãgjs&i-mite ressaltar os escotomas do discurso, as limitações, dQ-fiam-po da consciência e o papel das defesas desse estreitamento. Estas intervenções contribuem para enriquecer esse campo. É sumamente proveitoso observar em detalhe como o paciente manipula a contribuição retificadora do terapeuta (assumin-do-a e usando-a, aceitando-a formalmente, ou negando-a e retornando a sua perspectiva anterior). A confirmação.pelo terapeuta j t e uma. ^determinada jnaneira de compreender-se do paciente- não é, certamente, um acontecimento de pouca im-portância. Contribui para . consolidar nele uma confiança em seus próprios recursos egóicos; isto significa que toda ocasião em"^ue õ terapeuta possa estar de acordo com a interpretação do paciente ê oportuna para estimular seu potencial de cresci-

jnento, Êm pedagogia, estas intervenções se destacam como essenciais para um princípio geral da aprendizagem: o reforço de desempenhos positivos.

A capacidade de o terapeuta atuar flexivelmente com re-tificações e confirmações dos enunciados do paciente é fun-damental para criar um clima de equanimidade, próprio de uma relação "madura"3. A falta desse clima de equanimidade parece refletir-se na queixa de muitos pacientes de que a ses-são só serve para apontar seus defeitos e erros. Nestes casos, sumamente freqüentes, creio que se assiste a uma ligação trans-ferencial-contratransferencial muito particular: o paciente, acos-sado por suas auto-agressões superegóicas, encontra no tera-peuta intervenções predominantemente retificadoras, acentua-doras do seu lado "enfermo", que encarnam o superego pro-jetado, materializam-no. Com este papel contratransferencial

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assumido, fecha-se uma estrutura de vínculo infantil de depen-dência, tendente à inércia e não ao crescimento.

RETIFICAÇÕES

— "A senhora destaca como seu marido estava mal-humorado, que se mostrou pouco receptivo para o que a senhora lhe queria transmitir; mas não menciona como a senhora se encontrava nesses momentos, como se aproximou dele, transmitindo o quê, e bem como se encon-trava antes, no momento de sair."

— "Veja, não creio que somente tivesse sentido medo de se apro-ximar e medo de que a relação amorosa não íosse sair tão perfeita como da vez anterior: porque havia dados demonstrativos de que os dois continuavam bastante ligados. Acho que sentia medo também de ir tão rápido, em três dias, de tanta entrega de um para com o outro."

— "O senhor parte da idéia básica de que uma conquista, como foi esta promoção, tem que deixá-lo muito contente, porque era o que o senhor desejava; não resta dúvida, mas, por outro lado, essa conquista significa mudanças, deixar o que já tinha como próprio; indica também que o tempo passa e que o senhor já não é mais uma criança."

CONFIRMAÇÕES

— "A senhora pensou que algo no seu comportamento desse dia havia influído para que ele se fechasse; e é muito provável, porque quase sempre as situações de incomunicação no casal se criam, sutil-mente, pela ação recíproca de ambos. Parece-me importante que a senhora tenha podido detectar também o seu lado do problema, porque, alertada para esta possibilidade, talvez consiga ir observando com maior sutileza como é que os dois procedem para criar estes poços de inco-municação."

— "Acho que a senhora também percebeu que lhe dava medo con-tinuar a 'envolver-se' quando disse a ele que também tinha muita von-tade de vê-lo logo, depois desligou o telefone, sentiu uma aflição no estômago e reparou que estava tensa. Acho que vai se conhecendo melhor nesse medo que não julgava ter quanto às relações de casal."

— "Sim, certamente, além de deixá-lo feliz, esta mudança con-tribuiu para os sentimentos de pesar que o invadiram na mesma hora ém que recebeu a notícia. Estou de acordo com o senhor: até o fato de ganhar uma fortuna pode obrigar à perda de certas coisas.e trazer com isso, paradoxalmente, uma certa tristeza."

A resposta do paciente a estas confirmações é também rica em sugestões: é um índice do nível em que se registra o acordo, ou mais maduro (aceitação do próprio potencial de avaliação realista de suas circunstâncias), ou mais. infantil (confirmação de sentimentos de onipotência, ou, inversamen-te, negação da evidência de suas capacidades e refúgio nas

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do terapeuta). O trabalho em cima de tais r e s p o s t a s é por isso, ocasião de elaborações imediatas sumamente produtivas..

4 Claríficações

Estasintervenções visam a conseguir desembaraçar o re-lato emaranhado dop^dsotcL-a ,tim ^ . jmiáa iL jaL j lg j a sa igs significativos do mesmo. Freqüentemente essa clarificação vem por meio de uma reformulação sintética do relato. Depois~Hê* ouvir por vários minutos, o terapeuta diz:

— "Então o senhor trabalhava confiante em que tudo ia bem, até que esta pessoa lhe fez uma crítica, e daí pra frente o senhor começou a duvidar de tudo o que fez, e esta dúvida serviu de fato para alterar o seu rendimento subseqüente."

— "Nestes dias todos, durante a viagem, havia um clima de paz; de repente, sem que o senhor saiba como, todo esse clima se desfez e voltaram a surgir desconfianças e censuras."

~ "O senhor fala agora não apenas de um problema afetivo den-tro da relação de casal, mas de uma dúvida sua, mais geral, sobre o que o senhor pode dar de si também em outros planos, com seus amigos, no trabalho."

Estas intervenções vão preparando o campo para uma penetração nos aspectos psicologicamente mais ricos e com-preensívéis, o que se fará por meio de assinalamentos e in-terpretações. Ao mesmo tempo, "ensinam" um modo de per-ceber a própria experiência: o paciente"aprende com elas a observar s i 3 ê S y a m i n Í g r ^ jtj^_JgQaãB5m5i-tos e de suas vivências e a fixar pontos marcantes, incorpo-rando, assim, um método que faz chegar à autocomjagfiasão pela discriminação. Êm pacientes com funções egóicas enfra-quecidas, concomitantemente afetadas por uma delimitação precária do ego (ou seja, tendências ao sincretismo e à con-fusão), as claríficações desempenham, durante grande parte do processo terapêutico, o papel de instrumentos primordiais, na medida em que assentam as premissas para que em algum momento outras intervenções, de tipo interpretativo, por exem-plo, possam ser ativamente elaboradas.

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5 Recapitulações

A certa altura da sessão, o terapeuta diz:

— "Hoje, então, surge em primeiro lugar a circunstância de como o senhor sempre sofreu, passivamente, o domínio de sua mãe, não se animou a explodir nunca, e isso deixou também no senhor um ressen-timento enorme consigo mesmo. Depois aparece esse seu modo de estar alerta frente a qualquer propósito de dominação por parte de sua esposa, algo que o torna muito suscetível. E agora isto de o senhor não se dedicar a si próprio, não se cuidar, não se interessar por sua roupa, nem reclamar o cargo que lhe cabe, como se se odiasse. Preste atenção nestes três elementos que aparecem hoje porque deve haver entre eles muitas ligações que abarcam sua família, seu casamento e seu trabalho."

A certa altura do tratamento, o terapeuta diz:

— "Nos últimos três meses o senhor se havia concentrado no pro-blema que vinha tendo com os estudos. Enquanto isso, a situação sen-timental ficava relegada a um segundo plano, como para não remoer tanta coisa ao mesmo tempo."

— "Agora, aclarado o problema vocacional, 'está na vez' dos sentimentos e o senhor nestes últimos dias não faz outra coisa senão' pensar na sua situação sentimental — e o faz com ênfase excessiva, provocada pela espera."

E em outro tratamento:

— "Até agora, a maior parte do esforço que a senhora fez no tra-tamento foi para começar a diferenciar quem era a senhora e quem era a sua família (mamãe, papai, irmão) e dar-se conta de que não eram uma só pessoa, nem um corpo único. Só agora entra no trabalho de começar a ver, a descobrir o que a senhora pode fazer consigo mesma, o que pode sair da senhora que não venha deles, e sente-se confusa porque está muito no início desta etapa."

Tal como as clarificações, estas intervenções ^estimulam o desMv^ívImêntõ^de Ümã2c|gãci3ãa^dè""síntese. Em nosso meio, pôr uma questão de simples hipertrofia do írabalho "ana-lítico", muitos terapeutas são levados a descuidar do mo-mento sintético, tão essencial como aquele e complementar do mesmo. Sempre que não sofra distorções, como quando a tomam por indutora de fechamentos estáticos, esta atividade de síntese é fundamental no processo terapêutico para pro-duzir recortes"T'nTêcKã^n65s^R^^ríós'". (como os" degraus

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de uma escada rolante). Sem se firmar em contínuas sínteses provisórias, o processo de pensamento não avança. Perma-nece estancado, sem trampolins, em uma zona difusa e ilimi-tada de fragmentação "analítica", em segmentos cada vez me-nores. Sartre mostrou que a dialética do conhecimento opera por meio de um movimento contínuo de totalização-destota-lização-retotalizações, movimentos através do qual se visa a uma "autodefinição sintética progressiva". As recapitulações, como as interpretações panorâmicas (diferenciadas das micros-cópicas), são instrumentos essenciais desse processo.

Em um paciente com difusão da identidade (limites im-precisos do ego) e enfraquecimento egóico numa etapa de crise, o método de recapitulações contínuas (ao final de cada sessão e em períodos de três ou quatro sessões) foi conside-rado altamente proveitoso. Surgiu por proposta do paciente, depois de haver notado que só conseguia pensar a partir dessas recapitulações. No meu entender, estas intervenções ofereciam um suporte provisório no qual se apoiavam, para exercitar-se, seus recursos egóicos (percepção, reflexão, descobrimento de relações).

6 Assinalamentos

Estas intervenções, de uso constante nas psicoterapias, atuam estimulando no paciente o desenvolvimento de uma nõvjT 'nwnêiíã"^~jgj^ber"^"ptópnã^"êxperiência."Tlecortam os elos de uma s e q ü ê n c i a r e c e b e u essa notícia e, em seguida, sem saber por que, começou a se sentir deprimida"), chamam a atenção sobre componentes significativos, dessa experiência habitualmente passados por alto ("observe em que momento o senhor decidiu telefonar para ela: justamente quando já não tinham tempo para se encontrar"), iností^j^â^fâSL-iieculiarfiS™("já aconteceu vá-rias vezes surgir aqui o tema de suas relações sexuais e o se-nhor me diz que se faz um branco em sua mente e que já não é capaz de recordar mais nada").„£stei_^sinalamentos <^yiâãm.j_gm_aç»rdo básico sobre os dados a interpretar;, criam oportunidades de modificar esses dados, são o traba-

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ího preliminar que assenta as bases para interpretar o sentido desses comportamentos. Nas psicoterapias, talvez se constitua em uma regra técnica geral a conveniência de assinalar sempre, antes de interpretar. O fundamento desta regra está em que o assinalamento estimula o paciente a sc interpretar a si pró-prio com base nos elementos recortados, c um apelo à sua capacidade de autocompreensão. É sumamente útil que esta capacidade seja ensaiada insistentemente (treinamento refor-çador do ego) e em particular com o terapeuta, que pode então ir guiando o desenvolvimento destas capacidades no ato mesmo de seu exercício. Dado o caráter docente da relação de aprendizagem que é a psicoterapia, é melhor que a tarefa possa ser desenvolvida pelo "aluno" sozinho, com poucas in-dicações; também porque muitas vezes o docente aprende com seu aluno.

— "O senhor chega, encontra-a distante, de mau humor, o senhor se mostra carinhoso, quer o carinho dela. Daí a pouco o mau humor passa, ela se aproxima e então o senhor a ataca. Que lhe parece este vaivém, como o senhor o interpretaria?"

— "Começou falando de seu fracasso de ontem na assembléia. De repente, cortou o que estava dizendo para lembrar-se de que obteve a nota mais alta de sua comissão. Como encara esta mudança de tema?"

Nas respostas do paciente a cada um destes assinala-mentos revelam-se com grande nitidez sua capacidade de insipht-. (aproximação ou distanciamento de seus dinamismos psicológicos), seus recursos intelectuais (aptidão para abstrair e estabelecer relações versus adesão a um pensamento con-creto), o papel dos mecanismos defensivos (inibições, nega-ções, racionalizações) ê à sTtu^ãõ~trãnsfêrencial (cooperação, perseguição etc.). Cada assinalamento se transforma em um verdadeiro teste global do momento que o paciente está atra-vessando no processo terapêutico.

7 Interpretações

Especialmente nas psicoterapias de esclarecimento, a in-terpretação é um instrumento primordial como agente de mo-

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dificação: introduzjama r3CÍCltialidade.„possíve] onde até então havia dados soltos, desconexos, ilógicos ou contraditórios para a lógica habitual. Propõe um modelo para j l . compreensão ...de seqüências de fatos'rna..iní£a^Il^a.jb9gaJE9- ® freqüente in-duzir também a passagem do nível dos fatos para o das sig-nificações e para a manipulação singular que o sujeito faz dessas significações. Procura descobrir com o paciente o mun-do de suas motivações e seus sistemas internos de transfor-mação das mesmas ("mecanismos internos" do indivíduo), assim como suas modalidades de expressão e os sistemas de interação que se estabelecem, dadas certas peculiaridades de suas mensagens ("mecanismos grupais").

É importante recordar que toda interpretação é, do ponto de vista metodológico, uma hipótese. Sua verificação se cum-pre, por conseguinte, como um processo sempre., aberto e mais terminável, com base no acúmulo de dados que sejam compatíveis com o modelo teórico contido na hipótese e, fundamentalmente, pela ausência, com o correr do processo investigador instaurado na terapia, de dados que possam re-futar aquela hipótese. Em princípio, nenhuma hipótese (até as interpretações mais básicas sõbrè ã prõBIemática individual de um paciente) é suscetível.,ds„yexificação definitiva que „a dê como assentada na condição de saber acabado. Como em-preendimento que visa ao conhecimento, nenhuma psicotera-pia possui maiores garantias de "saber" que as que estabele-cem as limitações inerentes ao processo geral do conhecimento humano. Esta consciência das limitações cognitivas da inter-pretação pode expressar-se de muitas maneiras na atitude do terapeuta, na construção da interpretação, no seu modo de emiti-la, maneiras que terão em comum o sinal de certa hu-mildade. O tom de voz, a ênfase dada, as atitudes gestuais e posturais, se prestam para transmitir essa humildade que re-sulta da consciência de suas limitações, ou então o oposto: o desempenho de um papel de autoridade que emite "verdades" sem jaça. Neste último caso, o que se estará propondo e uti-lizando é toda uma concepção estática do conhecimento, esti-mulando-se uma relação terapêutica de dependência infantil (adulto que sabe-criança que ignora), com o que a dis-torção do processo terapêutico é total. Em uma psicoterapia, é essencial que o conhecimento seja vivido como uma práxis, isto é, como a tarefa a ser realizada entre duas ou mais pes-soas que chegaram a um acordo numa relação de trabalho.

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O caráterjbipolético-da-interpretado na c o r r u ç ã o de seu discurso. Formulações que destaquem seu êwf^'o5SdicíonaT ("Ê provável que. . .", "Temos que ver, como uma possibilidade. se. ""l|m'a idéia, para nos munir-mos de mais dados e verificar se é assim, seria que. . .", "Uma visão possível_do pjroblema consiste em pensar q u e . . . " ) su-blinham nitidamente~liquèTe caráter. Sua ausência tende visi-velmente a obscurecê-lo.

As interpretações em psicoterapia devem cobrir um am-plo espectro:

/ O Proporcionar hipóteses sobre conflitos atuais na vida do paciente, isto é, sobre motivações e defesas.

"Neste momento sua paralisia em relação ao estudo expressa pos-sivelmente um duplo problema: não pode abandoná-lo porque o título é importante para o senhor e para a sua família; ao mesmo tempo, evita dar qualquer novo passo porque isto significaria efetivamente diplomar-se e mudar de vida, ter que ir para a frente sozinho."

Reconstruir determinadas constelações históricas sig-nificativas (por exemplo, momentos marcantes na evolução familiar).

"O que parece haver acontecido é que, naquele momento, quando seu pai se viu diante da empresa arruinada e se sentiu deprimido, o senhor se achou na obrigação de adiar todos os projetos pessoais e socorrê-lo; mas não registrou isso como uma decisão própria, e sim como imposição dele."

Explicitar situações transferenciais que pesem no pro-cesso.

"O senhor tem sofrido pela perda desta amizade, que tanto o afetou. Teve então uma experiência dolorosa do que significa depender muito de outra pessoa. Acho que esta experiência está pesando no se-nhor, a ponto de torná-lo reticente aqui na sessão, e fazer com que prefira não se entregar muito a mim. Está tomando também suas pre-cauções para não vir a sofrer por causa de nossa separação daqui a 2 meses, quando passar para o grupo."

^d). Recuperar capacidades do paciente negadas ou não cultivadas.

"O senhor se viu, de repente, ante a obrigação de decidir o que fazer com esse emprego. Seu pai estava ausente e não podia ser con-

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sultado, de modo que o senhor pôde, não só decidir, mas dar sua opinião sobre em que condições essa tarefa deveria ser cumprida. Veja só tudo o que o senhor não sabia (não queria crer) que podia fazer por iniciativa própria."

(EL) Tornar compreensível a conduta dos outros em função dos novos comportamentos do paciente (ciclos de interação compreensíveis em termos comunicacionais).

"Desta vez seu pai acedeu. Pensemos se não terá sido porque o senhor colocou seu problema de outra maneira, com uma atitude mais firme, talvez mais adulta, que ele o atendeu com um respeito diferente. Com sua atitude, o senhor lhe estava dizendo 'não vou aceitar que me trate como uma criança, porque já não me sinto uma criança", e evi-dentemente ele notou a mudança."

^jÈ) Destacar as conseqüências que decorrerão de o pa-ciente encontrar alternativas capazes de substituir estereótipos pessoais ou grupais4.

"Como reagiria seu namorado se a senhora lhe mostrasse que é capaz de resolver um assunto pessoal sem consultá-lo? Continuaria com a mesma atitude dominante? Só vendo. . ."

Em contraste com a técnica psicanalítica, onde um de-terminado tipo de interpretação (transferenciai) é privilegiado como agente de modificação (2), nas psicoterapias, uma vez que se trabalha simultânea ou alternativamente com vários níveis e mecanismos de modificação, não existe qma hierar-quia para os tipos de interpretação: todos eles são instromen-tos igualmente essenciais dentro do processo. Cada paciente e cada momento de seu processo requererão particularmente certo tipo de interpretação; esse será o que melhor se ajuste tecnicamente ao momento dado, mas toda distinção hierár-quica que se atribua a algum tipo de interpretação será tran-sitória, conjuntural.

8 Sugestões

— "Seria interessante ver o que acontece, como seu pai reagiria, se o senhor lhe mostrasse em sua atitude que está realmente disposto a encarar a fundo com ele tudo o que está pendente entre ambos."

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— "Talvez o mais necessário para o senhor seria que se organizasse mentalmente, traçasse um quadro com suas prioridades."

— "Em vez de precipitar-se a tomar uma decisão que sinta como sua de fato, talvez lhe convenha mais deter-se algum tempo em réver o que aconteceu, verificar qual foi o seu papel em tudo isto, e, inclu-sive, detectar melhor o que está sentindo intimamente."

Com^estas intervenções n ífrapfiuta propõ-S—3Q__^ciente ç o n ^ í B - S t e m i a t i i a ^ para...ensaiar experiências ori-ginais, Mas o sentido de tais intervenções não e meramente o de promover a ação em direções diferentes, e sim o de pro-porcionar insights a partir de ângulos novos. Fundamental-mente, contêm um pensamento que antecipa a ação (aspecto relevante dentro do conjunto de funções egóicas a exercitar em todo tratamento), que facilita uma compreensão prévia à ação. A ação ulterior, caso chegue a ser experimentada, po-derá dar ocasião a confirmações, reajustamentos ou amplia-ções do insight prévio. Muito freqüentemente fornecerá novos dados e com eles uma nova problemática a investigar. Com a compreensão destas fases do processo que se inicia por uma sugestão, este tipo de intervenção adquire uma eficácia parti-cularmente interessante.

ymJj£o__dfi_^ügesiões Xquasczsugestõ^^-seL^páia-acuüSo de dramatizações iinaginájias de.„ .outras alternativas para o comportamento interpessoal:

— "Que teria acontecido se nessa hora a senhora o interrompesse e dissesse: 'Escute aqui, não me venha com indiretas, o que é que você está querendo me dizer com tudo isto, afinal o que é que você sente por mim?' "

Ou então:

— "E se a senhora telefonasse para ele e dissesse: 'Tudo o que você me falou ontem me pareceu meio estudado e ficou meio no ar. Quero isto mais definido', como acha que ele reagiria?"

Este tipo de intervençõesj^§titui um caminho diferente para o /njJg7r sobTr ay;;próprÍas dificuldades, sobre asdificüf!-dades iiQ outro.e, soSSja.. ffinâmjcajla comunicação" entre •am-bos^ Opera fazendo ressaltar contrastes entre o vivo e o pos-sível, e estes contrastes não são comentados em um discurso de "idéias", e sim mostrados graças a uma linguagem de ação. Contêm uma compreensão que fica muito próxima tanto do

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que foi vivido como do que pode vir a sê-lo. Um paciente experimentou assim essa proximidade:

— "Outro dia estava envolvido numa discussão com minha mulher e naquele momento me lembrei de algo que o senhor me havia dito numa sessão passada: 'E o que aconteceria se, quando ela ficasse vio-lenta, o senhor a freasse?' Fiz isso na mesma hora. . . e não aconteceu nada!"

As sugestões em psicoterapia geralmente (exceto em si-tuações agudas de crise) vêm inserir-se em desenvolvimentos do processo terapêutico com base nos demais tipos de inter-venção. São oportunas quando as condições do paciente para assumi-las (redução de ansiedade a níveis toleráveis, fortale-cimento egóico) e as do vínculo interpessoal em funcionamen-to chegaram a um momento de sua evolução que as torne "fecundas", receptivas para esse tipo de estímulo. O terapeuta deverá detectar, inclusive, um momento dessas condições e do desenvolvimento do vínculo em que "faça falta" uma ex-periência diferente, nova, para que muito do que foi esclare-cido se cristalize em ato. A sugestão recorre, indubitavelmen-te, com a dramatização, ao papel revelador do ato, à riqueza vivencial do fato, de que muitas vezes carece o discurso re-flexivo.

9 Intervenções diretivas

— "Suspenda toda decisão imediata sobre o problema de seu casa-mento. O senhor agora não se encontra em condições de enfrentar mais uma mudança."

— "Se surgir uma oportunidade de o senhor falar a sós com seu pai, tente fazê-lo; ainda que não consiga dizer tudo o que gostaria de colocar diante dele, veja até onde consegue chegar, de que modo o consegue e qual a reação dele."

— "Até nossa próxima entrevista, procure observar atentamente, na relação com sua esposa, quantas vezes e em que momentos o senhor tende a se mostrar violento e exigente."

— "Para que o senhor perceba melhor qual é a sua dificuldade no diálogo comigo, traga o gravador; assim, depois o senhor ouvirá tudo sozinho em casa e examinaremos o fato juntos nas sessões seguintes."

As diretivas que surgem em psicoterapia referem-se, como se vê nestes exemplos, tanto a necessidades próprias do pro-

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cesso terapêutico como a atitudes-chave a serem evitadas ou ensaiadas fora da relação terapeuta-paciente.

Uma cultura psicoterapêutica de forte influência psicana-lítica (que atribui valor preferencial à aquisição de atitudes novas posteriores a um insight, tende, com freqüência, a ques-tionar a validez e a utilidade das intervenções diretivas. Todos os que sofremos as pressões dessa influência (o superego ana-lítico) tivemos que passar por um longo processo de luta para descobrir na prática clínica que tais intervenções, empregadas no momento certo e com tato terapêutico, eram instrumentos valiosos e necessários em todo processo psicoterapêutico. (Foi a consciência de sua necessidade e a experiência de sua utili-dade que nos levaram claramente a inverter tal ponto de vista: questionável é a não-uíilização deste tipo de intervenções em situações que claramente as requerem; já discutiremos como caracterizar tais situações5.)

Antes, convém analisar de que maneira podem ser com-preendidas as influências exercidas pelas intervenções diretivas. Há um nível de ação no plano do ato em si mesmo, a que se refere o conteúdo da intervenção. Se o ato pode ter as con-seqüências de uma decisão importante, a intervenção tem condições de desempenhar um papel preventivo, valorizável não em termos de dinamismos (pensando muito seletivamente na transferência, pensa-se facilmente em "não fazer o jogo das exigências regressivas", por exemplo), mas sim em termos de existência. Justamente o vício das oposições "psicanalíticas" ao uso em psicoterapias de intervenções diretivas consiste em dar mais valor a óticas parciais (dinamismos transferenciais, riscos contratransferenciais) do que a uma ótica centralizada na existência. Esta ótica, no entanto, leva em conta e mesmo confere tratamento privilegiado ao plano das experiências concretas e das conseqüências concretas que decorrem dessas experiências: considera-se importante, por exemplo, que a decisão precipitada de consumar um divórcio, quando não há condições para que ele seja tolerado satisfatoriamente, possa ser adiada.

Este plano de existência é importante, mas não é o único em jogo quando são emitidas diretivas. Outro é o das aprendizagens. É possível pensar que o que se produz ou se evita nessa oportunidade deixa "um saldo interno", incorpo-ra-se como experiência transferível para outros contextos. A experiência clínica repetidamente dá mostras disso.

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Outro nível de atuação está no insight que se pode obter depois da ação. Fazer ou não fazer algo que resultava "na-tural" transforma-se em uma experiência original. Uma aná-lise do sentido de uma atitude anterior ou da nova (induzida), sua comparação minuciosa, servem de ocasião para uma ela-boração freqüentemente rica. A experiência clínica mostra fartamente que, em psicoterapias, diretividade e insight não são em princípio antagônicos. Muitas vezes, pelo contrário, funcionam como complementares. As dificuldades que o pa-ciente teve para trazer seu gravador e em seguida escutar sua sessão foram claramente ilustrativas. Tiveram o valor do vi-vido, do ato, submetido às condições de uma observação par-ticularmente atenta.

Jay Haley (3) forneceu ilustrações sobre o uso de um tipo particular de intervenções diretivas cujo propósito con-siste em produzir "manobras comunicacionais" (por exemplo: prescrição do sintoma, destinada a criar situações paradoxais no uso interpessoal do sintoma e na luta pelo controle da rela-ção paciente-terapeuta).

Que situações tornam necessária uma intervenção direti-va do terapeuta? Em especial todas aquelas em que o paciente (e/ou o grupo) se^ eMontreln ^em os indispensáveis recursos egóicos (isto é, sem os mecanismos adaptativos em força e diversidade suficientes) p/ura manejar uma situação traumática sendo em geral vítimas de uma ansiedade excessiva, que tende a ser em si mesma invalidante ou agravante das dificuldades próprias da situação (situações de crises súbitas em pessõás ou grupos de moderado ajustamento prévio; mudanças evolu-tivas "normais" em personalidades ou grupos que gozam de um equilíbrio precário, com carência, ou tendência à perda, de autonomia; psicoses agudas; deterioramentos de origem di-versa). Em todos estes casos (situados nos momentos de de-sorganização ou em fases regressivas de uma evolução), sem dúvida muito freqüentes na prática terapêutica, determinadas intervenções diretivas são estritamente indicadas, constituem a intervenção técnica cuja escolha se impõe. Até quando? Até o preciso instante em que o paciente recupera ou adquire re-cursos egóicos necessários para obter autonomia e capacidade de elaboração (momento de progressão), passando então as intervenções diretivas a serem contraproducentes (em sua qualidade de estimulantes do vínculo regressivo com o tera-peuta) e requerendo comumente sua substituição por outras,

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orientadas no sentido de esclarecer, as quais se tornam nesse momento especialmente recomendáveis. É importante ter em conta que este movimento nos recursos egóicos do paciente (muitas vezes inversamente proporcionais ao montante de an-siedade) possui ritmos variados, podendo ocorrer de uma semana para a seguinte, de um mês para o seguinte, ou de um instante para outro na mesma sessão. Frente a esta mo-bilidade, que requer do terapeuta uma combinação ágil de intervenções, atenta às flutuações daquelas capacidades, qual poderia ser o sentido de certos "estilos" psicoterapêuticos es-tereotipados, que dirigem sempre, ou não dirigem nunca, o pa-ciente? Que fundamentos teóricos e técnicos poderão encon-trar semelhantes posições de "escola" em psicoterapia? Não estou pensando, com isto, que faltem justificações à opção técnica, na psicanálise, de o analista evitar emitir diretivas diretas (as únicas, de resto, que ele pode evitar, porque indi-retamente toda intervenção dirige o paciente)6. O que carece de justificação é estender ao campo mais amplo das psicote-rapias em geral o princípio de evitar-dar-diretivas, como regra universal, e pretender respaldar essa posição nos fundamentos teórico-técnicos que apoiam o mesmo ponto de vista no con-texto do processo psicanalítico.

10 Operações de enquadramento

Eslas-intencencQ&s. abxangem-iQdas as especificações rgla-tivas à modalidade espacial e temporal que deverá assumir a r5ÍâSâ2.JtêiapSiiíisa: local das sessões, posição enTque~'fIcãm colocados os participantes um em relação ao outro, duração e freqüência das sessões, ausências, honorários.

Uma distinção importante a ser feita é aquela entre as x x ^ r y m ^ ^ ^ c ^ é s t a b e l e c e m um enquadramento, .e outras.,em que se propõe" lim enquadramento a ser reajustado e elaborado conjuntamente com o paciente. Por esta diferença passa uma linha divisória ideológica: a relação terapêutica concebida como autoritária ou como igualitária. O autoritarismo do en-quadramento imposto costuma apoiar-se em pressupostos de tipo técnico pelos quais se pretende que, para determinada

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situação de consulta, há tão-somente uma única maneira efi-caz de tratamento. Em primeiro lugar, a pluralidade de dire-ções abertas atualmente no campo das psicoterapias torna cada vez mais duvidosa a validez de semelhante exclusivismo. Além do mais, a pressão exercida para se impor uma determi-nada técnica parte de uma distorção na concepção do su-jeito a que se destina a psicoterapia, já que se dirige a um paciente-objeto, mero portador de uma enfermidade ou de uma estrutura de personalidade que seriam o mais imporlante (de acordo com o modelo médico para o qual a hepatite é muito mais realçada do que a pessoa que sofre da afecção hepática). De nenhum modo, por este caminho, demonstra-se reconhecer no paciente uma pessoa. Finalmente, e também em termos técnicos, o trabalho conjunto de elaboração do en-quadramento a ser adotado constitui, na experiência clínica, uma instância muito mais rica, do ponto de vista dos dados que fornece sobre a problemática do paciente. Muitos desses da-dos ficam obscurecidos quando ele é submetido a um enquadra-mento imposto. Se o que se pretenae é cultivar as tendências pas-sivas e regressivas do paciente e a correlata onipotência do terapeuta, não há dúvida de que a imposição do enquadra-mento será o método mais indicado. Em caso contrário, terão que ser emitidas sugestões de enquadramento, explicitados os fundamentos da proposta para essa terapia em particular e submetê-los a reajustes.

11 Meta-intervenções*1

Designamos com este termo, todas aquelas intervenções, do terapeuta cujo oJ»jetõ_sãp_^^ Podem

' visar a aclarar o significadode determinada intervenção ter sido feita nesse momento da sessão ou nessa etapa do trata-mento.

Exemplos:

a. Terapeuta: "De que maneira o senhor deu a entender a ela que desejava' vê-la?" Paciente: . . . (gesto de desconcerto, fica em silêncio)...

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Terapeuta (meta-intervenção): "Sabe por que lhe pergunto isto?" Paciente: " N ã o . . . " (silêncio) Terapeuta: "Porque, tempos atrás, víramos que havia no senhor duas maneiras de expressar interesse; às vezes com gestos de desejar o encontro, outras com certa rejeição encoberta, um tanto distante."

b. Terapeuta: "Inclino-me a pensar que o fator determinante aí era o seu medo de aclarar mais a situação." Paciente: (silêncio) ... Terapeuta: "Sabe por que penso assim? Acho que há Indicações claras de que ele parecia disposto a querer falar, não tinha vindo 'fechado', mas a senhora, mesmo assim, disse a si própria: 'certa-mente não vai querer me. ouvir'."

Nestes casos, a segunda intervenção serve para precisar os fundamentos da primeira, de um modo tal que seja possível ao paciente acompanhar de perto o método de compreensão utilizado pelo terapeuta na primeira. Esta aclaracão.-sobte-~a própria intervenção é fundamental , já que a aprendizagem es-sencial está nos métodos .nQ&..çr0íEtt08. Uma variante de meta-intervenção pode ser o questionamento pelo terapeuta de sua própria intervenção, assinalando o caráter parcial de seus fundamentos, ou o caráter ainda hipotético de alguma de suas premissas. E uma terceira variante consiste na explicitação pelo terapeuta da ideologia subjacente a alguns pressupostos de sua própria intervenção.

— "Veja bem, até agora tomamos como problema sua dificuldade para chegar ao orgasmo na relação sexual. Isto deve ser encarado, por sua vez, com precauções, porque há toda uma série de reformulações sexológicas e ideológicas sobre o orgasmo feminino que poderia mostrar alguma de nossas premissas como sendo em si mesma questionável."

— "Há pouco eu lhe assinalava que a senhora agira nessa situa-ção lançando-se nela sem ter uma idéia precisa de para onde ela a iria conduzir. Por sua vez, não está livre de objeções o pressuposto — que se poderia ver por trás deste modo de encarar sua reação — de que sempre, antes de lançar-se à ação, é preciso ter in mente um plano, não é mesmo? (pois há situações em que só há condições de se armar um plano depois de vivida uma experiência)."

— "Momentos atrás eu estava falando de quais os problemas seus e os de seu marido que podem criar dificuldades para a convivência. Mas não devemos supor que estas dificuldades contrastem com o mo-delo de um casal ideal possível, fi preciso que fique bem claro que, atualmente, além destes problemas de cada um, há que ver quais os problemas criados para qualquer casal pelo tipo de relação que se considera como ideal de casal normal em nossa cultura, e quais os problemas que ainda se acrescentam a esses pelas dificuldades que cada um vive fora da situação de casal e que terminam sendo descarregadas dentro de tal situação."

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— "Quando assinalo para o senhor que pode haver uma atitude sua de autopunição no fato de perder o capital que conseguira juntar com tanto esforço, esta minha colocação parte de um pressuposto que também precisa ser questionado: o de que perder um capital acumulado não é um acontecimento benéfico. Mas, vendo-se a coisa por outro ângulo, considerando-se o que o dinheiro representa, como ele amarra as pessoas, talvez se possa encarar a sua conservação como algo pre judicial e não positivo."

Estas especificações tornam-se imprescindíveis, na medida em que abrem a busca também a outro plano de determina-ções inconscientes, colocando em questão avi4eologia de am-b o s — a do terapeuta também. O terapeuta põe-se em evi-dência em sua realidade questionável, suscetível de exame crítico em suas premissas, com um ofício que também está sujeito à revisão. E outro modo de colocar o vínculo tera-pêutico em relações de reciprocidade, evitando o efeito sub-reptício de doutrinação que é próprio das relações autoritá-rias nas quais o terapeuta apresenta suas opiniões como cons-tituindo o "saber", sublinhando a presença da ideologia na base de suas elaborações.

Uma visão de conjunto deste amplo espectro de intervenções

Se refletirmos sobre esta série de intervenções técnicas (que constituem boa parte da "caixa de ferramentas" do te-rapeuta), um primeiro aspecto que ressalta é a amplitude de seu espectro. Esta amplitude abarca a variada gama de pos-sibilidades abertas, no trabalho de cada sessão, onde o tera-peuta vai encontrar, muitas vezes pelo método de tentativa e erro, aquelas que são as mais necessárias, as> que abrem caminho para uma penetração maior. Suas combinações são infinitas, como no xadrez, e cada sessão, como cada partida, configura o perfil singular de uma constelação de intervenções próprias.

O segundo aspecto a destacar é que, dada esta variedade de intervenções, não há uma hierarquia no conjunto que per-mita distinguir algumas como sendo mais importantes do que outras para o processo psicoterapêutico. Nisto se assinala uma diferença básica em relação à teoria da técnica psicanalítica,

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que confere valor supremo à interpretação como intervenção decisiva para produzir a modificação específica característica do processo analítico. Esta diferença entre psicanálise e psico-terapias em geral foi claramente formulada por Bibring (2 ) : "a psicanálise está construída em torno da interpretaçãocomo agénfé süpremõ n a h i e r ãTqüiá de princípios terapêuticos ca-racterísticos do processõTliõ sentido de que todp<; os pntrns princípios estão a ele subordinados,.Jstojj^sjio _ utilizados com o "propósito constante de-tomat~ajnísmtetacaa possível e efi-caz. Ao passo que a psicoterapia dinâmica está construídã"em torno de diferentes seleções e combinações de cinco princípios fórápgíi^ícos; " í E ü ^ g n g ^ g g 8 ^ 0 ' manipulação. clarificação e interpretação"7. Éu acrescentaria que os princípios"enunciados por Bibring em 1954 podem hoje ampliar-se, incluindo outros princípios terapêuticos: objetivação e auto-afirmação pelo ato dg__ veifoalização_n3fo jnèramCT^^^ intormacãõ. expè-~ riência emocionai corretiva não simplesmente sugestiva, entre outros. Não obstante, aquela enumeração define uma peculia-ridade teórico-técníca das psicoterapias: o nivelamento hie-rárquico de seus diferentes recursos terapêuticos.

Por fim, a possibilidade de se distinguir com precisão os diferentes tipos de intervenção terapêutica abre um caminho para a investigação microscópica das técnicas. Se é possível classificar e quantificar os comportamentos do terapeuta, o mito das terapias como "arte" intuitiva, inteiramente pessoal e dificilmente transmissível, pode começar a se desvanecer. A descrição macroscópica, global, das experiências terapêuti-cas, forma tradicional da transmissão neste campo, não con-tribuiu muito para desacreditar o mito. Os trabalhos de Strupp (5) , em compensação, destinados à análise micros-cópia das técnicas de psicoterapia, iniciaram, já há 15 anos, com seriedade metodológica, uma tarefa promissora no sentido de aclarar "o mistério" das técnicas.

Com um sistema de várias categorias, que permitem rea-lizar uma análise multidimensional das operações do terapeuta (tipo de intervenção, iniciativa do terapeuta, nível inferencial, foco dinâmico e clima afetivo) aplicada ao estudo de uma psi-coterapia breve (realizada em oito sessões por L. Wolberg), Strupp (5) conseguiu oferecer um panorama bastante ilustra-tivo da técnica empregada: o terapeuta dedicou grande parte de suas intervenções à exploração, perguntando, pedindo am-pliações e exemplos; foi bastante diretivo em todas as sessões;

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foram utilizadas mais intervenções aclaradoras do que inter-pretações (estas aumentaram, proporcionalmente, apenas nas 4:i e 7? sessões, fato que Strupp interpretou como produto dos aclaramentos preparatórios das sessões anteriores);' foi em-pático. benevolente, caloroso; as intervenções mantiveram-se mais freqüentemente em vim nível inferencial baixo ("próximo à superfície") e, secundariamente, moderado; houve fartos co-mentários sobre o vínculo terapêutico estabelecido, mas es-cassas interpretações transferenciais; predominou uma aceita-ção das formulações do paciente no tocante ao plano em que localizava sua problemática; o terapeuta atuou sempre com iniciativa (e não com passividade); realizou intervenções mínimas freqüentes, destinadas a manter aberto o canal de comunicação e a dar mostras ao paciente de que o escutava com atenção, ou seja: exatamente o oposto de um terapeuta

distanciado. Este trabalho constitui, a meu ver, um bom exemplo do

caminho aberto pelo esforço de definir operacionalmente o repertório de comportamentos do terapeuta.

Notas

1 Em todas as considerações deste capítulo, o "paciente" pode sei uma pessoa, um casal, um grupo familiar ou outro tipo de grupos

de amplitude variável. 2 Este estudo se concentra no conteúdo verbal das intervenções do

lerapeuta. Outros, complementares deste enfoque, devem estender-se a suas intervenções corporais (gestos, posturas, olhares) e paraverbais (a mímica verbal; variações no tom de voz, na intensidade e no ritmo da falta, estilo comutiicacional)(l).

3 Um paciente de 33 anos, depois de quatro anos de tratamento, passou a outro terapeuta. Decorrido pouco tempo, o terapeuta lhe disse em uma sessão: "Acho que sua interpretação é mais acertada do que a minha. Eu não havia levado em conta isto que o senhor me lembrou sobre o papel de sua irmã na relação entre o senhor e seu pai." "Senti então — conta o paciente — uma emoção única, senti-me tratado como adulto e respeitado como pessoa."

* O poder de sugestão de uma intervenção deste tipo pode variar conforme o tom de que se sirva o terapeuta: uma determinada acen-tuação da frase sublinhará a utilidade da ação, ao passo que outra fará ressaltar o interesse em compreender o que aconteceria, deixando o fato em si num plano de menor importância.

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B A "cultura" assentada tradicionalmente na técnica psicanalitica conferiu situação privilegiada à seqüência: insight que conduz a ações novas. A experiência clínica na utilização de outras psicoterapias permite detectar também a possibilidade • de um caminho inverso: a ação nova (ensaiada, imaginada, evitada) que conduz ao insight. O projeto de cer-tos comportamentos a realizar (realização depois conseguida ou frus-trada, isto não é decisivo) instala um campo quase "experimental" para a observação, pelo recortamento que produz desse projeto e das respostas frente ao mesmo.

8 E isto, trabalhando com pacientes de suficiente força egóica, um dos critérios essenciais de analisabilidade.

7 Por não fazerem claramente esta distinção, há por vezes psico-terapeutas de formação psicanalitica insatisfeitos com aquelas sessões em que não conseguem "interpretar", frustração que freqüentemente contrasta com a experiência vivida por seus pacientes, os quais, não afetados por preconceitos técnicos, sentem que realizaram nessas sessões uma tarefa efetivamente produtiva.

Nota do revisor

• l A partir da Lógica, distinguem-se dois níveis de linguagem: a linguagem-objeto, que fala de objetos, e a metalinguagem, que toma por objeto a anterior e da qual podemos aproximar a categoria de meta-intervenção. A função metalingüística que, segundo Jakobson ("Lin-güística e poética", in Lingüística e comunicação, São Paulo,. Cultrix, 1970), ocorre "sempre que o remetente e/ou destinatário têm necessi-dade de verificai se estão usando o mesmo código", focalizando, por esta razão, o próprio código, também pode ser aproximada, com maior precisão, da meta-intervenção de Fiorini.

Bibliografia

(1) Liberman, David, Lingüística, interacción comunicativa y pro-ceso psicoanalítico, vol. 1, Galerna, Buenos Airss, 1970.

(2) Wallerstein, Robert, "La relación entre el psicoanálisis y la psicoterapia. Problemas actuales", Rev. de Psicoanálisis, vol. XXVIII, 1971, PP- 25-49.

f t ) Haley, Jay, Estratégias en psicoterapia, Toray, Barcelona. (4) Strupp, Hans, "A multidimensional system for analyzing

psychotherapeutic techniques", Psychiatry, XX, 4, 1957, PP- 293-306. (5) Strupp, Hans, "A multidimensional analysis of technique m

brief psychoterapy", Psychiatry, XX, 1957, PP-387-397.

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Considerações teóricas e técnicas sobre material de sessões

O propósito deste capítulo é discutir, com base em ma-terial transcrito de sessões (gravadas com autorização do pa-ciente), a aplicabilidade de alguns dos conceitos teóricos e técnicos que foram expostos em capítulos anteriores; traços peculiares da técnica de esclarecimento, da relação de traba-lho, o manejo do foco, a ação recíproca de funções egóicas, tipos de intervenção verbal do terapeuta, modificações que po-dem ser atribuídas ao processo terapêutico. Nossa indagação em psicoterapia percorreu amiúde o caminho inverso: foi a partir do estudo de materiais clínicos que se foi esboçando a possibilidade de elaborar aqueles conceitos teóricos.

O tratamento a considerar é o de Ernesto, um paciente de 30 anos cuja problemática inicial está consignada no ca-pítulo que dedicamos ao conceito de foco. Comentarei aspec-tos salientes do processo em uma sessão do quinto mês de tratamento e em outra do décimo mês. Antes de transcrever o material do quinto mês, devo fazer alguns comentários so-bre o processo nesses primeiros meses. O momento inicial se definia pela separação recente de sua mulher, provocando-lhe intensa angústia e depressão, com diminuição de seu rendi-mento no trabalho, ao mesmo tempo que tornava mais agudo o vínculo conflituoso com sua mãe, por haver tido que voltar a conviver com ela. Durante os três primeiros meses, com a

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