TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de...

23
1 TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século XIX. RESUMO Um fato que a literatura no Brasil desconhece é sobre a origem das Aulas do Comércio. Estas Aulas foram de fundamental importância para a difusão da contabilidade no Brasil no século XIX, mas pouco se conhece sobre a sua origem. E então, nos indagamos: Qual o motivo de a literatura não abordar essas Aulas? Consta na literatura que a criação da Aula do Comércio deu-se pelo Alvará 15/09/1809, no Governo de D. João, mas referencia Ricardino (2001) que sobre a criação dessas Aulas “permanece uma incógnita sua localização, programa e corpo docente”. Este trabalho tem por objetivo mostrar como se deu a criação das Aulas do Comércio no Brasil e quem foram os seus primeiros Lentes (professores) no período do Governo de D. João (1808 a 1821). A pesquisa adotou como metodologia uma abordagem qualitativa baseada em textos e documentos encontrados no Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro e na Escola Secundária Passos Manoel, em Lisboa, por ser o método possível para remontar uma história com mais de 200 anos de atraso. Como resultado da pesquisa, identificamos que as Aulas foram criadas na cidade do Rio de Janeiro, na província da Bahia, Maranhão e Pernambuco e que os Lentes das Aulas do Rio de Janeiro, Maranhão e Pernambuco estudaram na Aula do Comércio de Lisboa. Outro fato relevante é que as Aulas do Comércio contribuíram na preparação de profissionais para trabalhar tanto nas Repartições públicas como privadas. Foi também por meio dos ensinamentos nas Aulas do Comércio que José Antonio Lisboa contribuiu para difundir a Contabilidade e a Economia Política no Brasil. Palavras-chave: Aula do Comércio; Rio de Janeiro; Bahia; Maranhão; Pernambuco. ABSTRACT: A fact that is unknown to Brazilian literature is the origin of the School of Commerce. Although little is known about its origin, this school was of fundamental importance in the transmission of accounting in Brazil in the XIXth Century. Thus, we end up questioning ourselves: Why haven’t there been any studies on this School? Although the School of Commerce was created through the 15/09/1809 Charter, during the reign of D. João, according to Ricardino (2001) its location, programme and faculty is still unknown. This paper seeks to show how the Brazilian School of Commerce was created and who were the first professors during the reign of D. João (1808 until 1821). A qualitative research methodology was used (Silverman 1997), based on texts and documents found in the National Archive, National Library, in the Passos Manoel Highschool in Lisbon, since it is the only possible means of doing research on a subject over 200 years old. As a result of the research it has been concluded that the Schools were created in Rio de Janeiro, in the Bahia province, in Maranhão and Pernambuco and that the Professors in the School of Rio de Janeiro(José Antonio Lisboa), Maranhão and Pernambuco (Francisco Justiniano da Cunha) had studied in the Lisbon School of Commerce. Another relevant fact is that the School of Commerce has contributed to preparing professionals to work both in the Public and Private sector. It was also through the teachings of the School of Commerce that José António Lisboa has contributed to the transmission of Accounting and Political Economics in Brazil. Key-words: School of Commerce; Rio de Janeiro; Bahia; Maranhão; Pernambuco.

Transcript of TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de...

Page 1: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

1

TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século XIX.

RESUMO

Um fato que a literatura no Brasil desconhece é sobre a origem das Aulas do Comércio. Estas

Aulas foram de fundamental importância para a difusão da contabilidade no Brasil no século

XIX, mas pouco se conhece sobre a sua origem. E então, nos indagamos: Qual o motivo de a

literatura não abordar essas Aulas? Consta na literatura que a criação da Aula do Comércio

deu-se pelo Alvará 15/09/1809, no Governo de D. João, mas referencia Ricardino (2001) que

sobre a criação dessas Aulas “permanece uma incógnita sua localização, programa e corpo

docente”. Este trabalho tem por objetivo mostrar como se deu a criação das Aulas do

Comércio no Brasil e quem foram os seus primeiros Lentes (professores) no período do

Governo de D. João (1808 a 1821). A pesquisa adotou como metodologia uma abordagem

qualitativa baseada em textos e documentos encontrados no Arquivo Nacional, Biblioteca

Nacional, no Rio de Janeiro e na Escola Secundária Passos Manoel, em Lisboa, por ser o

método possível para remontar uma história com mais de 200 anos de atraso. Como resultado

da pesquisa, identificamos que as Aulas foram criadas na cidade do Rio de Janeiro, na

província da Bahia, Maranhão e Pernambuco e que os Lentes das Aulas do Rio de Janeiro,

Maranhão e Pernambuco estudaram na Aula do Comércio de Lisboa. Outro fato relevante é

que as Aulas do Comércio contribuíram na preparação de profissionais para trabalhar tanto

nas Repartições públicas como privadas. Foi também por meio dos ensinamentos nas Aulas

do Comércio que José Antonio Lisboa contribuiu para difundir a Contabilidade e a Economia

Política no Brasil.

Palavras-chave: Aula do Comércio; Rio de Janeiro; Bahia; Maranhão; Pernambuco.

ABSTRACT:

A fact that is unknown to Brazilian literature is the origin of the School of Commerce.

Although little is known about its origin, this school was of fundamental importance in the

transmission of accounting in Brazil in the XIXth Century. Thus, we end up questioning

ourselves: Why haven’t there been any studies on this School? Although the School of

Commerce was created through the 15/09/1809 Charter, during the reign of D. João,

according to Ricardino (2001) its location, programme and faculty is still unknown. This

paper seeks to show how the Brazilian School of Commerce was created and who were the

first professors during the reign of D. João (1808 until 1821). A qualitative research

methodology was used (Silverman 1997), based on texts and documents found in the National

Archive, National Library, in the Passos Manoel Highschool in Lisbon, since it is the only

possible means of doing research on a subject over 200 years old. As a result of the research it

has been concluded that the Schools were created in Rio de Janeiro, in the Bahia province, in

Maranhão and Pernambuco and that the Professors in the School of Rio de Janeiro(José

Antonio Lisboa), Maranhão and Pernambuco (Francisco Justiniano da Cunha) had studied in

the Lisbon School of Commerce. Another relevant fact is that the School of Commerce has

contributed to preparing professionals to work both in the Public and Private sector. It was

also through the teachings of the School of Commerce that José António Lisboa has

contributed to the transmission of Accounting and Political Economics in Brazil.

Key-words: School of Commerce; Rio de Janeiro; Bahia; Maranhão; Pernambuco.

Page 2: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

2

1. Introdução1

As Aulas do Comércio do Brasil foi o propósito deste trabalho. E para entender e

compreender qual foi o contexto em que estas Aulas foram criadas nos questionamos se antes

da chegada de D. João ao Brasil já existia na Colônia Brasil profissionais com conhecimentos

em práticas contábeis. Encontramos em nossas pesquisas de que já existia sim, na época do

Reinado de D. José, determinações feitas pelo Marquês de Pombal para se ter uma

administração financeira organizada das receitas e das despesas tanto na Metrópole como nas

colônias, conforme referencia o Ministro da Marinha, Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, ao Governador Conde da Cunha. Cita ele que: “em 17 de Março de 1767 foram

expedidos dois peritos em contabilidade e que traziam por incumbência por em arrecadação

todos os rendimentos dessa Capitania e da Administração da Junta de Fazenda, pondo tudo na

conformidade do que se pratica no Erário Régio (...) (Carnaxide, 1940, p. 109).

Outro fato importante e que demonstra ter-se conhecimento sobre escrituração contábil

é o Relatório encaminhado pelo Marquês de Lavradio, Vice-Rei do Brasil no período de 1769

a 1779, ao seu sucessor, vice-rei Luiz de Vasconcelos e Sousa onde ele faz um relato sobre a

situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. Neste relatório ele faz observação

sobre as Aulas do Comércio existente em Portugal:

“(...) os negociantes que aqui passam por mais ricos, (...) têm constituído a sua

riqueza e o seu fundo no maior comércio de comissões, que tem tido, isto é, de

fazendas e navios que lhes tem sido consignados. (...) não posso considerar as

suas casas como casas de comércio, porque é preciso saber que eles ignoram o

que é esta profissão, que eles nem conhecem os livros que lhe são necessários,

nem sabem o modo de regular da sua escrituração. Hoje, depois que houve Aula

do Comércio, tem aparecido já alguns caixeiros (grifo nosso) que tem pôsto em

melhor ordem aqueles livros; porém a maior parte se conservam ainda em grande

desordem” (Lavradio, 1940, p. 306).

A Aula do Comércio à qual o Marquês de Lavradio se refere é a Aula do Comércio de

Lisboa, criada em 1759 pelo Marques de Pombal. Podemos, assim, afirmar que antes da

chegada do príncipe regente D. João ao Brasil, já existia por parte da autoridade, o vice-rei do

Brasil, Marquês de Lavradio, conhecimento da existência da Aula do Comércio e do que nela

se ensinava. Pudemos observar no relatório de Lavradio (1940) que já existiam na colônia

profissionais com conhecimento em escrituração mercantil (contabilidade) os quais ele

1 Utilizaremos em todo o texto citações conforme a escrita da época.

Page 3: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

3

denomina de caixeiros. Outro fato interessante que consta no Relatório é a alusão ao fato de

que o Tesoureiro Geral do Tribunal da Junta da Fazenda Real tem conhecimento em

escrituração contábil: (...) “o escrivão é João Carlos Correia Lemos, homem muito inteligente,

assim no cálculo como na regularidade da escrituração que deve ter os diferentes livros de que

se precisa para uma tão importante administração” (...). Referencia Wehling, (1986, p.114)

que a “contabilização das receitas e despesas na junta de fazenda deveria abandonar-se, por

toda a Europa e também em Portugal, as regras antigas da contabilidade, substituindo-as por

novos métodos, em especial a partida dobrada”.

Antes da chegada de D. João ao Brasil, muitos negociantes mandavam seus filhos

estudarem na Aula do Comércio de Lisboa (Santana, 1985). Em pesquisa realizada no

Arquivo da Escola Secundária Passos Manoel, identificamos quem foram estes alunos, qual o

estrato social de seus pais e suas cidades de origem no Brasil.

Concluímos que já existiam pessoas com conhecimento em contabilidade na colônia

Brasil antes da chegada de D. João para trabalhar tanto na esfera pública como na privada.

Diante do exposto, nos questionamos: o número de profissionais com entendimento em

práticas contábeis existentes na colônia era suficiente para trabalhar nos novos órgãos

públicos criados por D. João e nas novas empresas que iriam surgir após a abertura dos

portos? Chegamos à conclusão de que foi levando em conta esta nova demanda é que se foi

pensada a abertura das Aulas do Comércio no Brasil. Este trabalho, então, teve por objetivo

mostrar como se deu a criação das Aulas do Comércio no Brasil e quem foram os seus

primeiros Lentes2 (professores) no período do Governo de D. João (1808 a 1821), no intuito

de preencher uma lacuna ainda pouco explorada na literatura brasileira sobre as Aulas do

Comércio.

2. Justificativa

A literatura em Portugal é vastíssima sobre a Aula do Comércio, mas o mesmo não

acontece no Brasil. A literatura brasileira, quando aborda o tema ensino público criado no

Governo de D. João VI, desconhece completamente as Aulas do Comércio. Estas Aulas foram

de fundamental importância para a difusão da contabilidade no Brasil no século XIX, mas

pouco se conhece sobre a sua origem. As Aulas do Comércio do Brasil ficaram em

funcionamento de 1809 até 1845 sendo regida pelos Estatutos da Aula do Comércio de

Lisboa, mas sobre a supervisão da Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do

2 Lente - Equivalente à época para professor.

Page 4: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

4

Brasil3. No período citado, a Aula teve 21 Cursos abertos e aproximadamente 900 alunos

matriculados (BR AN, JCAFN:7X, Caixa 452, Pct 01). A primeira desvinculação do Estatuto

da Aula de Lisboa ocorreu só no ano de 1846, pelo Decreto nº 456 de 6 de Julho de 1846,

quando as Aulas do Comércio passaram a ter seus próprios regulamentos. Em 1856, quando

da publicação do Decreto nº 1.763, de 14 de Maio de 1856 e da publicação dos Estatutos da

Aula do Comércio, mudando a sua denominação de Aula do Comércio da Côrte para Instituto

Comercial do Rio de Janeiro. Estas Aulas duraram 37 anos e, apesar de várias mudanças

governamentais (D. João, D. Pedro I, a Regência e Pedro II), elas continuaram em

funcionamento preparando pessoas qualificadas para trabalhar tanto nas instituições públicas

como privadas. Para este artigo, limitar-nos-emos a estudar o governo de D. João (1808 a

1821), ficando os demais governos para futuras investigações.

3. Metodologia

Para alcançarmos o objetivo proposto, este estudo teve um caráter descritivo. Cervo,

Bervian e Silva (2007, p. 61) afirmam que este tipo de pesquisa ‘‘observa, registra, analisa e

correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los’’. A pesquisa adotou como

metodologia a abordagem qualitativa por ser o método desenhado para ajudar os

investigadores a compreender as pessoas e os contextos sociais complexos nos quais as

pessoas vivem e interagem (Vieira et al. 2009, p 132). Nesta mesma perspectiva de também

compreender a «nova história da contabilidade» que nos permite compreender novos temas,

novas formas de escrever a história, destacando os contextos em que a contabilidade opera e a

diversidade de atores que atuam sobre a contabilidade e que por ela são influenciados Gomes

e Rodrigues (2009, p. 218) foi o propósito deste trabalho. Espera-se com este trabalho tirar do

anonimato as instituições e pessoas que contribuíram para a difusão da contabilidade no

Brasil através de fontes primárias utilizando textos e documentos Silverman, (1997)

encontrados no Arquivo Nacional e Biblioteca Nacional, no Brasil e na Escola Secundária

Passos Manoel, em Lisboa, por ser o método possível para remontar uma história com mais

de 200 anos de atraso.

4. Antecedentes sobre a criação da Aula do Comércio de Lisboa

3 Onde se lê neste trabalho Junta do Comércio equivale a dizer Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e

Navegação-JCAFN.

Page 5: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

5

Antes de entendermos como surgiram as Aulas do Brasil, faz-se necessário

entendermos e compreendermos como surgiu a Aula do Comércio de Lisboa, pois foi dela

que se originou as Aulas do Brasil. O surgimento da Aula do Comércio de Lisboa deu-se no

reinado de D. José (1750-1777) que tinha como primeiro ministro o Marquês de Pombal. Este

foi influenciado pelas ideias mercantilistas inglesas e francesas que, de certa forma,

influenciaram o surgimento da Aula do Comércio (Rodrigues e Craig, 2004). Outro aspecto

que influenciou a criação desta Aula foi o atraso na indústria e a decadência do comércio, que

apresentava um número baixíssimo de comerciantes portugueses e incultos (Rodrigues e

Gomes, 2002), alguns dos quais sequer sabiam ler ou escrever (Azevedo, 1928). Como então,

poderia Portugal concorrer economicamente e financeiramente com os outros países Europeus

com este quadro de comerciantes? Referencia Santana (1985) que foi em virtude do período

de euforia comercial e integrada ao esforço pombalino de remodelação administrativa e

criação de companhias monopolistas a ideia da criação da Aula. Já Rodrigues et al. (2007),

por sua vez, asseveram que o Marquês de Pombal criou a Aula do Comércio com o objetivo

de melhorar o estado geral da educação em Portugal, nela incluídos os negociantes.

Encontramos uma vasta literatura portuguesa sobre a Aula do Comércio de Lisboa na

qual embasamos nossa pesquisa, entre elas: Felismino (1960), Martins (1960), Azevedo,

(1961), Santana, (1974, 1985 e 1989), Cardoso (1984), Rodrigues e Gomes (2002), Rodrigues

et al., 2004), Rodrigues e Craig, (2004 e 2009), Gomes, (2008), Rodrigues et al., (2007) e

Gonçalves, (2010 e 2011). Analisar essas investigações nos possibilitou compreender o como

e o porquê do surgimento desta Aula e como ela influenciou a criação da Aula do Comércio

do Brasil.

A Aula do Comércio de Lisboa teve a sua origem no Capítulo XVI dos Estatutos de

criação da Junta do Comércio, pelo Decreto de 30 de Setembro de 1755, quando referenciava

a necessidade de se criar uma Aula. A Aula surge em 19 de Maio de 1759 e, segundo

Rodrigues et al., (2003b), nasce, legalmente, a primeira escola de comércio e de

contabilidade, que foi simultaneamente a primeira escola técnica criada em Portugal. A Aula

do Comércio de Lisboa ficou em funcionamento de 1759 até 1844 quando “perdeu essa

designação e tomou a de Escola de Comércio ou Secção Comercial quando foi anexada ao

Liceu Nacional de Lisboa após oitenta e cinco anos de labor” (Azevedo, 1961, p. 18). A Aula

do Comércio tinha tanta importância para aquela época, que D. José e o Marquês de Pombal

muitas vezes assistiam aos exames finais e à abertura do Curso. D. João VI, quando príncipe

regente após 1799, também por diversas vezes esteve na Aula (Rodrigues et al. (2003b).

Page 6: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

6

Mesmo com a morte de D. José e a saída do governo do Marquês de Pombal, a Aula

continuava a ser criada em outras cidades no Reinado de D. Maria I, na cidade de Faro em

1791, na cidade do Porto em 1803 em Portugal (Santana, 1985). E foi também criada no

Brasil, no Governo de D. João VI, na cidade do Rio de Janeiro em 1809, Bahia e Maranhão

em 1814 e Pernambuco em 1821 nos mesmos moldes idealizados pelo Marquês de Pombal

em 1759. Na próxima seção iremos fazer uma pequena contextualização sobre a situação da

colônia Brasil antes da chegada de D. João.

5. Contexto histórico antes da chegada de D. João ao Brasil

O período que antecede a criação da Aula do Comércio no Brasil é de instabilidade

econômica na Europa em virtude do Bloqueio Continental imposto pela França à Inglaterra.

Esse bloqueio ocasionou a invasão francesa em Portugal, obrigando a mudança de toda a

Família Real e sua Côrte para a colônia Brasil. A Colônia Brasil, antes da chegada de D. João,

era governada por Vice-Reis enviados de Portugal, os quais tinham autoridade quase que

absoluta. D. João, ao chegar à colônia Brasil, teve que transformá-la em Metrópole e, para

isso, uma das primeiras medidas foi abrir os portos do Brasil para estimular o comércio. Outra

medida foi a liberação de instalação de fábricas, o que antes era proibido, com o intuito de que

o comércio prosperasse e a instalação de vários órgãos administrativos e financeiro.

Nas próximas seções, iremos mostrar como surgiram as Aulas do Comércio no Rio

de Janeiro, Bahia, Maranhão e Pernambuco.

6. Aulas do Comércio do Brasil

A criação da Aula do Comércio deu-se pelo Alvará de 15 de Setembro de 1809, no

Governo de D. João. Ricardino (2001) assevera que sobre a criação dessas Aulas “permanece

uma incógnita sua localização, programa e corpo docente” e referencia Santana (1974, p. 4)

que “algumas Aulas são completamente desconhecidas (...) é o caso de Francisco Justiniano

da Cunha e da Aula do Maranhão”.

Na literatura existe um desencontro de informações quanto à data correta do

surgimento das Aulas do Comércio no Brasil, no Rio de Janeiro, na província da Bahia, do

Maranhão e de Pernambuco. Referenciam Rodrigues (1989), Ricardino (2001) e Ericeira

(2003) que a primeira Aula do Comércio do Maranhão teve início em 1811. Referencia

Ricardino (2001) que “curiosamente, a bibliografia a respeito de tais aulas, especificamente

no Rio de Janeiro, é mínima” e o primeiro Lente da Aula do Maranhão foi Francisco Justino

da Cunha e que teve circunstâncias bastante curiosas”. Viveiros (1954) apud Ricardino (2001,

Page 7: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

7

p. 7) referencia que a Aula do Maranhão “foi entregue a um homem incompetente, que

durante nove anos usufruiu o cargo, sem nada ensinar (...) ele também referencia que o Lente

da Aula era “tão inábil para as lições e exercícios da Aula mas até nem sabe Gramática e

Ortografia da língua materna (...)”. Chaves (2007, p. 270) referencia que “em Salvador, a

Aula do Comércio teve início no ano de 1815, com Genuino Barbosa Bettânio” e Rodrigues

(1989) referencia que foi “em 1813, à provável data de funcionamento da Aula de Comércio

na Bahia e em Pernambuco”. Silva (1994) referencia que a Aula da Bahia foi criada no dia 8

de Maio de 1811 e que logo em seguida deve ter-se pensado na criação de uma outra em

Pernambuco. Para Chaves (2007, p. 269) a Aula de Pernambuco foi criada no ano de 1816 e

que o cargo foi preenchido por Manoel Luis da Veiga. Santana (1985, p. 30) referencia que

“o ensino comercial no Brasil inicia-se no Rio em 1809, amplia-se com as Aulas da Bahia e

do Maranhão, que começaram a funcionar em 1814, e, próxima já à separação de Portugal,

com a Aula de Pernambuco, criada em 1821”. Diante de várias informações iremos mostrar,

por meio de fontes primárias, a real data de criação destas Aulas no Brasil, bem como elencar

seus primeiros Lentes.

A Aula do Comércio era considerada de utilidade pública. Os pretendentes ao cargo de

Lente deveriam demonstrar ter competência para ocupar o cargo conforme determinava os

Estatutos da Aula do Comércio “he de tão importante consideração pela utilidade, que delle

deve resultar ao Bem commum destes Reynos, que, por si mesmo se faz recommendavel para

a eleição de pessoa, que bem o possa servir” (...). Mais adiante será relatado como e de que

forma foram selecionados os Lentes das Aulas do Comércio do Brasil.

Para o lugar de Lente, deveria o candidato ser submetido a exame sobre as matérias

ensinadas nas Aulas do Comércio (Aritmética, Câmbio, Peso e Medidas, Seguros e método de

escrever os livros por partidas dobradas). O curso era trienal e era regido por um único Lente

com ordenado anual de 500$000 mil réis. Os Alunos que pretendiam cursar a Aula do

Comércio deveriam fazer um rigoroso exame de admissão demonstrando que sabiam ler,

escrever, contar e comprovar ter idade de 14 anos. O Lente, após examinarem os alunos,

encaminhava a relação dos alunos aprovados para a Junta do Comércio a qual,

automaticamente, mandava passar provisão de matrícula. Ao final de cada ano letivo, os

alunos faziam um exame público com uma banca composta por 03 examinadores nomeados

pela Junta do Comércio na cidade Rio de Janeiro; nas províncias, a nomeação era de

responsabilidade da Mesa de Inspeção. No final do curso, os alunos recebiam uma carta de

Page 8: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

8

aprovação constando que estava provido para trabalhar em qualquer emprego público ou

particular.

6.1 Criação da Aula do Comércio do Rio de Janeiro

A primeira Aula do Comércio foi criada na cidade do Rio de Janeiro pelo Alvará

15/09/1809. O primeiro Lente foi José Antonio Lisboa, ex-aluno da Aula do Comércio de

Lisboa e grande negociante na colônia Brasil. Devido a sua competência foi convidado para

ocupar o cargo de primeiro Lente em virtude da sua larga experiência na área. Ele foi

nomeado no dia 19/08/1809, com o ordenado anual de 500$000 (quinhentos mil reis) (BR

AN, JCAFN: 7X, Caixa 419), mas só foi confirmada a sua nomeação com a emissão da

Resolução de 23/01/1810 (BR AN, JCAFN: 7X, Caixa 452, Pct 02). Ao tomar posse, José

Antonio Lisboa foi informado pela Junta do Comércio que deveria seguir os Estatutos da Aula

do Comércio de Lisboa, com exceção dos feriados, conforme consta no “(...) despacho de 10

de Fevereiro do presente anno [1810] de observar o que está determinado pelos estatutos

praticados em Lisboa, e a respeito dos feriados o estilo das Aulas deste Paiz (...)” (BR

AN,JCAFN:7X, Caixa 452, Pct 02). O curso iniciou as suas aulas na Rua da Alfândega, nº 15,

no 2º andar, no período da manhã. O primeiro curso iniciou as aulas no ano de 1811, com 37

alunos matriculados (BR AN, JCAFN: 7X, Caixa 452, Pct 02) superando desde já o limite de

20 alunos permitido nos Estatutos. No período de 1811 até 1822 foram matriculados 199

alunos, dos quais apenas 72 alunos concluíram o curso.

José Antonio Lisboa era um homem muito inteligente tanto na área do comércio como

na área financeira e econômica. Em 5 de Março de 1821, o Rei D. João VI nomeia-o para

fazer parte de uma comissão para examinar o estado do Banco do Brasil. Neste mesmo ano, o

Rei D. João jubila José Antonio Lisboa como primeiro Lente da Aula do Comércio. Após seu

jubilamento, ele encaminha um relatório no dia 2 de Julho de 1821, para a Junta do Comércio

informando as suas atividades como Lente das Aulas do Comércio. Neste relatório ele

informa as matérias que ensinava, os Compêndios e as Postilas utilizados nas aulas. Neste

relatório ele faz questão de assinalar que, além de ensinar as disciplinas que era obrigado a

ensinar pelos Estatutos: Aritmética, Álgebra, Comércio, e Escrituração de Livros, acrescentou

ao ensino os princípios da Geometria plana, da Geografia e de Economia Política. Para o

ensino da Escrituração, ele simulava uma Casa de Comércio estabelecida no Rio de Janeiro

em giro e correspondência com aquelas Praças e Portos de mar, com quem mais

ordinariamente costuma comerciar. No fim de cada uma das matérias ele fazia os alunos

Page 9: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

9

copiar e decorar um resumo por perguntas e respostas de tudo quanto havia aplicado, para que

o aluno memorizasse as doutrinas e as regras que tinha aprendido, mas também para

acostumar os Principiantes a exprimir as suas ideias. No final, conclui que diversos alunos

que frequentaram a Aula estavam empregados em diversas Repartições públicas,

demonstrando a importância que tem dado a Aula do Comércio para o Estado e a Causa

Pública. Encerra o seu relatório doando para a Junta do Comercio 03 Compêndios e 26

Postilas muitas destas compostas por ele para suplemento ou recapitulação das matérias (BR

AN, JCAFN:7X, Caixa 452 – Pct 01).

José Antonio Lisboa, quando encaminhou seu Relatório para Junta do Comércio,

informou ter utilizado o 2º Tomo de Manoel Teixeira Cabral de Mendonça para o ensino das

Partidas Dobradas. O que nos chama a atenção é que o 2º Tomo só foi publicado no ano de

1816, conforme referencia Silva (1862, p. 118). Acreditamos que para o 1º Curso (1811-

1813) e 2º Curso (1814-1816) não seria possível a utilização deste Compêndio. Dá-nos a

entender que ele poderia ter utilizado para ensinar as Partidas dobradas nestes dois primeiros

Cursos duas possibilidades: primeira, a Postila utilizada por ele quando aluno da Aula do

Comércio de Lisboa e a segunda, ele poderia ter utilizado para elaboração das suas postilas os

livros de contabilidade de Manoel Luis da Veiga, já disponível na época para venda deste

1810, conforme consta na seção de Aviso da Gazeta do Rio de Janeiro, Nº 33, de 25 de Abril

de 1810, pg. 4 “Na Loja de Paulo Martin, filho, se achão as seguintes obras: (...) Guia de

Negociantes, e de guarda livros, ou novo Tratado os Livro de contas em partidas dobradas,

com huma instrucção geral para os guarda, segundo o methodo hoje em pratica, por 1280 reis

– Escola Mercantil sobre o Commercio assim antigo como moderno, por Manoel Luiz da

Veiga, por 4800 reis – Novo Methodo de Partidas dobradas para uso de quem não tiver

frequentado a Aula do Commercio, por Manoel Luiz da Veiga, por 2.880 reis (BN RJ ,

PR_SOR_001_749664). Apesar de os livros de Manoel Luis da Veiga já existirem desde o

ano de 1810, a Junta do Comércio recusou sua admissão como compêndio de referência nas

Aulas do Comércio, como será relatado mais adiante.

Após a saída de José Antonio Lisboa, em 16 de Maio de 1821, assume a cadeira de

Lente interinamente o Lente substituto João Theodoro Ferreira e, como Inspetor da Aula do

Comércio, a Junta nomeia o Deputado da Junta do Comércio José da Silva Lisboa (Futuro

Visconde de Cairú) e autor do livro de Economia Política ensinado na Aula do Comércio.

Com o cargo de Lente vago, a Junta do Comércio manda divulgar Edital para o

preenchimento do cargo vago. A Junta do Comércio recebeu requerimento de três candidatos.

Page 10: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

10

O primeiro, Domingos Joaquim de Araujo Ozorio, foi ex-aluno aprovado da Aula do

Comércio de Lisboa e atualmente aluno do Curso da Academia da Marinha no Rio de Janeiro;

o segundo, Joaquim José Gomes da Silva, escriturário da Contadoria do Banco do Brasil e ex-

aluno do 3º Curso (1817-1819) da Aula do Comércio do Rio do Janeiro e o terceiro, Angelo

José Saldanha, 3º Escriturário do Tesouro Nacional e ex-aluno do 1º Curso (1811-1813) da

Aula do Comércio do Rio de Janeiro. A Junta determinou a data de 20/06/1822 para os

exames, sendo os examinadores o Lente jubilado, José Antonio Lisboa e o Lente Substituto,

João Theodoro Ferreira. Os exames foram sobre Aritmética, Álgebra, Equação do 2º grau,

Escrituração e Geografia comerciante. Dentre as matérias lecionadas na Aula, foram sorteados

os seguintes temas de dissertação: Seguro, para o candidato Joaquim José G. da Silva e

Câmbio para Domingos Joaquim de Araujo4. Os dois examinadores chegaram ao seguinte

parecer: “havendo examinado aos dous Candidatos para a Cadeira do Commercio Joaquim

José Gomes da Silva e Domingos Joaquim de Araujo, tanto hum como o outro achamos

dignos, e capazes de serem nomeados para Lentes da referida Cadeira (BR AN, JCAFN:7X,

Caixa 452 – Pct 01). O Inspector da Aula José da Silva Lisboa encaminhou o parecer para a

Junta do Comércio que, analisando os dois candidatos, deu despacho no dia 20/08/1822 para

que se passasse provisão para assumir o cargo de Lente da cidade do Rio de Janeiro a

Joaquim José Gomes da Silva com o ordenado de 500$000 anuais (BR AN, JCAFN:7X,

Caixa 452 – Pct 01).

Esta foi a forma como se deu a criação da primeira Aula do Comércio do Brasil, na

cidade do Rio de Janeiro, quem foram os seus primeiros professores, quais matérias eram

ensinadas e os compêndios utilizados. Nas demais províncias, demorou um pouco mais para

serem criadas as Aulas do Comércio devido à dificuldade de se encontrarem professores no

Brasil. A segunda Aula do Comércio no Brasil foi criada na província da Bahia, como

veremos na próxima seção.

6.2 Criação da Aula do Comércio da Bahia

A primeira Aula do Comércio foi criada na cidade do Rio de Janeiro, mas a Junta do

Comércio também queria que houvesse esse tipo de Aula em outras províncias. E foi no dia

30/10/1810 que a Junta do Comércio mandou que se passasse Provisão para que a Mesa de

Inspeção da Bahia divulgasse, por meio de Edital, a abertura de uma Aula do Comércio

naquela província “se he de crear a beneficio de Instrucção publica huma Aula de Comercio, e

4 Consta no BR AN, JCAFN:7X, CX 452, Pct 01 os dois exames dos candidatos.

Page 11: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

11

que concorrão a se aprover ao lugar de Lente aquelas pessoas, que tiverem conhecimentos (...)

e tirado as informaçoens sobre cada hum delles, remetta com o seo parecer os requerimentos,

que apresentarem (...) (BR AN, JCAFN:7X: Caixa 419, Pct 01).

Como não houve candidato para preenchimento do cargo, a Junta do Comércio

Agricultura, Fábricas e Navegação do Brasil, encaminhou pedido à Junta do Comércio de

Lisboa para publicar Edital na esperança de se encontrar pretendentes ao cargo vago na

província da Bahia e Pernambuco. Os Editais foram publicados em 1812 e republicados em

1813 (BR AN, JCAFN: 7X, CAIXA 452, Pct 01), mas mesmo assim, não apareceram

pretendentes em Lisboa.

Genuino Barbosa Bettâmio, vendo que não aparecia pretendente ao cargo de Lente,

encaminha requerimento em 1814. Ele não tinha conhecimentos em práticas contábeis, ele era

Matemático, mesmo assim a Junta do Comércio determinou que ele fizesse os exames para a

vaga da Bahia. Um dos seus examinadores foi João Theodoro Ferreira, segundo contador da

Contadoria da Junta do Comércio e Lente Substituto, nos impedimentos e moléstia de José

Antonio Lisboa. No exame que fez, Genuino B. Bettâmio apresentou um esboço sobre

Escrituração por Partida Dobrada, de Edmond Degrange, que deixou os avaliadores

impressionados com o modelo apresentado. Ele foi nomeado em 07 de Junho de 1814, como

Lente da Aula da Bahia com ordenado anual de 500$000 (quinhentos mil reis). O lº Curso

teve início em 1815-1817. Não encontramos a quantidade de alunos matriculados para o 1º

Curso, só encontramos para o 2º Curso que teve para o 1º ano (1818-1820) 23 alunos

matriculados e destes, só 05 aprovados.

Devido aos impedimentos e moléstias de Genuino Barbosa Bettâmio, a Mesa de

Inspeção da Bahia nomeou para Lente Substituto, em 31/03/1818, Euzébio Vanério. Antes de

ter sido nomeado para Lente substituto, Euzébio Vanério era convocado pela Mesa de

Inspeção para ser examinador dos exames finais dos alunos da Aula do Comércio da Bahia.

Após assumir o cargo de Lente Substituto, Euzébio Vanério entregou vários

requerimentos à Mesa de Inspeção da Bahia aviltando a imagem de Genuino Barbosa

Bettâmio. Um dos primeiros requerimentos encaminhados foi em 18/06/1818, no qual ele

assevera que o "desleixo do Lente Effectivo Genuino Barbosa Betamio, que pela sua irregular

conducta, e aparentes moléstias, tem dado causa não só a parar o Curso da mesma Aula, por

muitas vezes, mas até mesmo reduzida a hum ponto de discredito tal, que se faz digno de

sensura publica" e neste mesmo requerimento ele promete melhorar a Aula do Comércio com

Page 12: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

12

mais prática de escrituração e o ensino da Língua Viva e junto encaminha outra vez o "Plano

de huma aula de commercio theorica e pratica"( BR AN, JCAFN: 7X, Caixa 451- Pct 01).

Devido aos vários requerimentos entregues por Euzébio Vanério, a Junta do Comercio

decide mandar que a Mesa de Inspeção investigue se as acusações procedem ou não. Em

resposta à Mesa de Inspeção sobre as acusações de Euzébio Vanério, Genuino consegue

provar a sua inocência e continua na Cadeira. E quem perde o cargo de Lente Substituto é

Euzébio Vanério.

Em 1820, Genuino Barbosa Bettâmio encaminhou requerimento à Mesa de Inspeção

propondo redução do curso de 3 anos para 2 anos, devido a já existirem vários Compêndios

que abordavam as matérias ensinadas na Aula do Comércio. Então, ele fez a seguinte proposta

para os dois anos:

1º Ano - Aritmética e Álgebra até as equações do 2º grau.

2º Ano – Redução das moedas, pesos e medidas estrangeiras; câmbios, uso das Letras,

Seguros, Avarias, Escrituração dos Livros e Geografia.

O Lente Genuino Barbosa Bettâmio, foi contra a independência do Brasil e

voluntariamente alistou-se como soldado junto a Tropa Lusitânia para fazer a guerra ao

Brasil. Após expulsão das tropas Lusitânias em 2 de Julho de 1823, Genuino B. Bettâmio foge

para Portugal perdendo, assim, o cargo de Lente da Aula do Comércio da Bahia.

6.3 Criação da Aula do Comércio do Maranhão

Para a vaga do Maranhão, encaminhou requerimento o candidato Francisco Justiniano

da Cunha, natural da cidade de Lisboa, filho de Manoel da Cunha. Foi matriculado, no dia 4

de Junho de 1799, com a idade de 13 anos, para cursar o Undécimo Curso da Aula do

Comércio de Lisboa, onde foi plenamente aprovado pelos Estudos da Aula do Comércio

conforme Carta de Aprovação datada de 07 de Junho de 1805 (BR NA, RIO, JCAFN:7X,

Caixa 452, Pct 02 e Arquivo da Escola Secundária Passos Manoel).

No Brasil, ocupou o cargo de escriturário da Real Fazenda da Bahia e foi também

funcionário da Repartição do papel Sellado da Bahia. Ao saber dos Editais de criação da Aula

do Comércio encaminhou vários requerimentos solicitando o cargo. Inicialmente, encaminhou

requerimento para o cargo vago na Bahia (maio/1812). Como surgiram vagas em outras

capitanias, encaminhou outro requerimento para os cargos vagos para a Bahia, Pernambuco

ou Maranhão (Nov/1812). Como não obteve resposta, encaminhou outro requerimento para o

cargo da Bahia e Maranhão (Maio/1813) e, por último, para Bahia e Maranhão (Out/2013).

Page 13: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

13

Em 07 de Junho de 1814, a Junta do Comércio manda que o mesmo faça os exames, sendo

seus examinadores o Deputado Luiz José de Carvalho e Mello, Diretor dos Estudos, o Lente

da Aula do Comércio José Antonio Lisboa e José Antonio de Mira (BR NA, JCAFN:7X,

Caixa 452 – Pct 02). No dia 21 de Julho de 1814 ele fez os exames e foi julgado como

suficiente para o cargo de Lente. No dia 19 de Agosto de 1814, Francisco Justiniano é

nomeado (...) “Lente da Aula do Comercio por seis anos para ter exercício na dita Praça do

Maranhão, findo os quais se lhe renovará a Mercê, contanto por informação o seu bom

comportamento, applicação, aproveitamento dos Alumnos, vencendo por isso ordenado anual

de quinhentos mil reis pagos pelas contribuições estabelecidas para as despesas da minha

Junta do Comercio” (BN – C-0431,041 nº 2).

A posse de Francisco Justiniano só ocorreu no dia 02/10/1815 na presença de várias

autoridades locais. O 1º Curso iniciou as aulas no ano 1816-1818 com 22 alunos

matriculados, destes foram aprovados no primeiro ano sete plenamente e quatro pela maior

parte. Os demais 11 alunos foram obrigados a sentar praça no Regimento de Melícia e de

Linha o que ficou o Lente indignado com a situação, encaminhando requerimento para a Junta

do Comércio criticando a atitude do Ouvidor (BR AN, JCAFN:7X,Caixa 456, Pct 01).

A bibliografia utilizada pelo Lente da Aula do Comércio do Maranhão foram as Postilas

e livros utilizados na Aula do Comércio de Lisboa, como ele mesmo informa no requerimento

para o cargo vago, no qual justifica merecer o cargo por “ter todas as postillas, Livros, e

papeis necessarios para o Estabelecimento da dita Aula de Lente” (BR AN, JCAFN:7X; Caixa

452 – Pct 02).

A Aula do Comércio do Maranhão teve, muitas vezes, as suas despesas custeadas pelo

Lente, o qual, em diferentes ocasiões, chegou a levar o seu escravo para trabalhar como

porteiro da Aula. Para assistir aos exames finais do 1º Curso, compareceram mais de 200

pessoas (BR AN, JCAFN:7X,CAIXA 452 – Pct 01) demonstrando o quanto era importante

para aquela província a Aula do Comércio.

Apesar dos esforços do Lente em manter a Aula do Comércio do Maranhão, a Aula só

funcionou de 1815 a 1820, em virtude de o Lente Francisco Justiniano da Cunha ter sido

acusado pelo Ouvidor da Província do Maranhão de não ter competência para exercer o cargo

de Lente da Aula do Comércio, como segue:

1. Sendo Lente da Aula do Comercio desta cidade He tão inábil para as liçõens, e exercício da Aula, que ocupa, que ignora não só os rudimentos da Sciencia do Comercio,

mas athe nem sabe a Gramatica, e Ortografia da Lingoas Materna, não tendo nem ao

menos a habilidade de ocultar a sua inaptidão, que sientes disto os pais de Famílias

ninguém lhe confia para esta instrucção e respectiva seus filhos.

Page 14: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

14

2. Que por este motivo só concorrem para as matriculas da sua Aula a Mocidade, que

pelo privilegio de Aulistas procurão escapar-se ao recrutamento do Regimento de linha e

melicia; pois que outro fructo não esperão tirar dáquella Aula, onde as liçoens enchem

huma só hora do dia, porem por empregar aquelle Lente todo o mais tempo em tirar nas imediaçõens desta Cidade, pedra para vender aos particulares em cujo trafico tem

fundado o seu principal modo de vida.

3. Que nos Exames Publicos feitos o anno passado, não havendo Examinadores, foi elle mesmo quem passou a examinar publicamente os seus Discipulos, fazendo-lhes três, ou

quatro perguntas triviaes, governano-se por hum caderno, que nunca perdeu dos holhos.

Contente com este insignificante, e rediculo exame, em que o Examinante, e o Examinado fizerão igual figura, os deu por aprovados, e correntes nas Materias do

terceiro ano, cujas Materias elle igualmente ignorava tanto que exigindo-lhe o Escrivão

da Ouvidoria lhe declarasse como havião ser disignadas nos termos dos exames, lho não

soube denotar. 4. Que o dito Lente ajuntava a esta sua ignorância hum gênio alteiro, e insubordinado,

não querendo seder às advertências, e correcçoens do Ouvidor da Comarca, a quem na

conformidade das instrucçõens, e Ordens Regias cumpre, e pretence a inspecção da ditta Aula e a fiscalização do aproveitamento dos Aulistas, e respectivos deveres do seu

Lente(BR AN, JCAFN:7X, Caixa 452, Pct 02.

Foram tantas as acusações contra Francisco Justiniano que o Secretario do Governo,

Joaquim José Sabino, mandou averiguar a veracidade dos fatos em 25 de Janeiro de 1820. E

em 9 de Fevereiro de 1820, a Junta do Comércio considerou Francisco Justiniano da Cunha

culpado, suspendendo-o imediatamente do exercício, e sustando-lhe o ordenado após análise

do parecer transcrito abaixo.

(...) das mesmas testemunhas se verificarão todos os itens com toda a verdade e de

maneira tal que não deixão lugar a menor duvida, visto que alguns dèlles são pessoas

inteligentes da profissão do dito Lente por terem frequentado as Aulas do Commercio

de Lisboa e Porto, (Grifo nosso) Negociante nesta cidade, e tem por (...) algumas dos Exames publicos feitos a seus Discipulos pelo mesmo Lente , e serem outros delles

vizinhos da morada em que este habita.

Mostra-se pois que o referido Lente não só não possue todas aquelles conhecimentos

proprios de sua profissão, que deve ter para bem desempenhar as suas obrigações ???

condignamente os (...) que recebe da Real Fazenda e bom aproveitamento de seus

Discipulos, ??até ignora a mesma Gramatica Portuguesa, resultando da que não querem os Seus Pais de familias mandar matricular na sua Aula seus filhos, por conhecerem a

inhabilidade do mesmo (....)BR AN, JCAFN, Fundo 7X, Caixa 452, Pct 02

Inconformado com a decisão da Junta do Comércio, Francisco Justiniano da Cunha

faz a sua defesa anexando declarações de várias autoridades da capitania do Maranhão, entre

elas: autoridades eclesiásticas, militares, civis e o corpo de comércio, declarações dos pais dos

alunos e dos próprios alunos sobre a sua conduta e competência para o cargo de Lente.

Informa que da primeira turma formada já estavam trabalhando os alunos na Contadoria da

Junta da Fazenda e outros nas Casas Comerciais (BR AN, JCAFN:7X; Caixa 452 – Pct 02).

Baseada nas informações e nos documentos anexados por Francisco Justiniano da Cunha, a

Page 15: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

15

Junta do Comércio envia ao Maranhão o Desembargador da Relação Andre Gonçalves de

Souza para que, em termos legais, examinasse o procedimento e habilidade do Lente da Aula

do Comércio. A conclusão e a seguinte:

“O referido Lente na verdade he habil para exercer a leitura de huma Aula tão necessaria

e proficua nesta cidade, a onde o Commercio mantem entre si e com as mais Naçoens, he

o seu trafego Principal, e onde por isso se precisa instrução suficiente das Leis e estilo Mercantil, como tãobem o conhecimento da respectiva escripturação (danificado...) tanto

util, quanto necessario ser lida por hum Lente habil e dotado de moralidade, pois que

muitas vezes ha de ser chamado para os Laudos?. dos questoens, que se originão, disputão, e precisão ser decididos entre o Commercio: fazendose pois sumamente digno

da Real Atenção de Vossa Magestade a escolha de hum Lente habil, que prehencha os

seus deveres.Parecer 12 de Fevereiro de 1820 e no dia 31 de Março de 1821, a Junta manda nomear Francisco Justiniano da Cunha para Lente da Aula do Comercio de

Pernambuco” (BR AN, JCAFN:7X; Caixa 452, Pct 02).

Francisco Justiniano da Cunha consegue provar ter correspondido à expectação deste

Tribunal e solicita que seja removido ao exercício para a Província de Pernambuco por se

achar ainda por criar a Cadeira da Aula do Comeércio. Ele então é readmitido no cargo para ir

criar na província de Pernambuco a Aula do Comércio.

A Aula do Maranhão fica, então, suspensa do ano de 1820 até 1831, quando a

Regência, em nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, manda reabri-la pelo Decreto de 02

de Agosto de 1831.

6.4 Criação da Aula do Comércio de Pernambuco

A Real da Junta do Comércio, em Setembro de 1811, manda que se expeça Provisão

para que a Mesa da Inspeção de Pernambuco, por Edital, possa criar uma Aula de Comércio

(BR AN, JCAFN, CAIXA 419, Pct 01). Como não apareceu candidato no Brasil para

preencher a vaga da Bahia e de Pernambuco, a Junta do Comércio solicitou ajuda à Junta de

Lisboa em 1812, na esperança de encontrar algum ex-aluno da Aula do Comércio de Lisboa

para as vagas existentes no Brasil, conforme foi relatado acima.

No ano de 1816, apareceram dois pretendentes para o cargo vago: o primeiro foi João

Ferreira da Silva e o segundo, Manoel Luis da Veiga. Iremos fazer um breve relato sobre estes

dois candidatos, pois acreditamos que os dois tinham perfis suficientes para ocupar o cargo,

tendo sido, no entanto, recusados. O primeiro candidato foi João Ferreira da Silva5, ele era

morador e Comerciante de Pernambuco. Em seu requerimento ele cita ter (...) aquelles

conhecimentos que são necessários, inerentes a este emprego já por ter cursado a Aula do

5 Requerimento encaminhado a Mesa de Inspeção de Pernambuco para a vaga de Lente. Não encontramos que

tipo de exame foi submetido.

Page 16: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

16

Comercio de Praça de Lisboa (Grifo nosso), já por ter frequentado os estudos necessários

tanto na Universidade de Coimbra, como nesta Praça, como do documento junto (...) (BR AN,

JCAFN:7X, Caixa 452, Pct 02). O Segundo candidato era Manoel Luis da Veiga6. Ele nasceu

em Braga, Portugal, era versado em direito mercantil e em teorias comerciais e econômicas.

Era Negociante da Praça de Pernambuco e publicou no ano de 1803, 03 livros: “Novo

Methodo de Partidas dobradas para uso de quem não tiver frequentado a Aula do

Commercio”, “Escola Mercantil sobre o Comércio assim antigo como Moderno, entre as

Nações Comerciantes dos Velhos Continentes” e “Reflexões criticas sobre a obra de José da

Silva Lisboa, intitulada, Princípios de Direito Mercantil: Feitas por hum homem da mesma

profissão” (Slemian, 2008).

Antes da abertura da Aula do Comércio do Brasil, Manoel Luis da Veiga encaminhou

requerimento à Junta do Comércio informando que ele tinha, feito por sua própria custa, as

obras “Novo Método das Partidas Dobradas e Escola Mercantil” e, “(...) às ditas Obras do

Suplicante deverem ser admitidas, por Compêndios7, nas Aulas públicas de Comércio de

Portugal e suas Colônias, para instrução dos Discípulos das mesmas Aulas, economizando-se-

lhes a estes o trabalho de postilarem suas Liçõens”, (...), requer sejam admitidas nas Aulas

Públicas, e seus Lentes ou Mestres obrigados a explicarem por elas suas Lições, atendendo ao

trabalho e consequências das Apostilas, que por esta admissão se vão evitar. E mais uma vez a

Junta do Comércio O Despacho da Junta em, 17 de Fevereiro de 1810, foi que “Não tem

lugar” (...) (BR AN, JCAFN:7X, Caixa 378 – Pct 0).

No Plano de Aula de Comércio entregue à Mesa de Inspeção, Manoel Luis da Veiga

faz um relato da importância de serem ensinadas não só as disciplinas que constam nos

Estatutos, mas também, as disciplinas de Direito Mercantil, Geografia e Línguas Vivas,

conforme referencia no seu plano (...) os conhecimentos proprios a hum perfeito negociante,

Historia do commercio, e de todas as artes manufactureiras, ramos ou fontes do commercio

em geral, Escripturação dobrada e escrituração singella, Cambios, Direito Mercantil,

Geografia commerciante, e mesmo Geografia nautica, e prática das Línguas vivas, sobretudo

as hoje introduzidas Inglez e Francez: conhecimentos estes que não só convem mais athe

passão a ser necessarios os negociantes (...). Neste plano chama-nos atenção a explicação que

ele faz sobre a importância dos negociantes conhecerem a escrituração, quando ele referencia

que a “escrituração he huma Arte indispensável aos Negociantes, seja de grosso ou de retalho,

6 Encontramos o Plano da Aula de Comércio entregue no dia 10/09/1816 como candidaato ao cargo. 7 Compêndio – nome referenciado à época para livro.

Page 17: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

17

ella lhe he recomendada pelas Leis em todas as Naçõens mercantis sempre a escrituração foi

condicionada como o primeiro objeto da Aula do Commercio (BR AN, JCAFN:7X, Caixa

452, Pct 01).

O Plano de Aula de Comércio entregue por Manoel Luis da Veiga para a Mesa de

Inspeção faz um relato da importância de serem ensinadas não só as disciplinas que constam

nos Estatutos, mas também, as disciplinas de Direito Mercantil, Geografia e Línguas Vivas

(Inglês e Francês). Neste plano ele também faz uma explicação do que se deveria ensinar nos

3(três) anos do curso. Para o primeiro ano, ele propõe que sejam ensinados Escrituração,

Historia do Comércio e de todos os seus ramos, Seguros, Avárias e Letras de Câmbios (...) e

que, ao invés de os alunos perderem tempo postilando a escrituração dobrada, e notícia geral

do comércio, deveriam usar os compêndios da Escola Mercantil, e o Novo Método das

Partidas dobradas, compêndios estes escritos por ele. Ele também sugere que caso não

queiram usar os livros portugueses, poderiam usar compêndios estrangeiros entre eles, Mr.

Menner e Mr. De La Porte. Para o segundo ano, o ensino do Direito Mercantil, pela obra de

José da Silva Lisboa, e Princípios de Direito Mercantil, nos quais se podem colher infinitos

conhecimentos sem precisar de mendicar por autores estrangeiros. E para o terceiro ano, o

ensino da Geografia, utilizando Mapa Mundi e Cartas Geográficas e para a o ensino do Inglês

e do Francês a obra de Mr Peuchet (AN BR, JCAFN:7x, Caixa 452, Pct 02). Este plano

entregue por Manoel da Veiga é um avanço muito grande em relação ao que tinha idealizado

o Marquês de Pombal, mesmo assim, o plano não foi aceito pela Junta do Comércio.

No parecer enviado pela Mesa de Inspeção, em 04 de Novembro de 1816, sobre o

perfil dos dois candidatos para a Junta do Comércio, referencia-se que o Negociante Manoel

Luis da Veiga, “he conhecido pelos seos escritos, e principalmente pela sua obra Escrita

Mercantil sobre o Comercio assim antigo como moderno, e novo methodo das partidas

dobradas (...) e tem hum gênio bastantemente forte”(AN BR, JCAFN:7x, Caixa 452, Pct 02).

E que João Ferreira da Silva “tem talentos, estudou Gramatica Latina, Rethorica, Logica,

Methafisica, e Etica, não versou porem Aulas de Comercio (grifo nosso), e não tem dado

provas de habilidade sobre este ramo (AN BR, JCAFN:7x, Caixa 452, Pct 02). Conclui a

Mesa de Inspeção informando que há na praça do “Rio de Janeiro e de na de Lisboa muitos

homens de merecimentos, e conhecimentos especulativos, práticas de commercio, no caso

pois de Vossa Magestade não aprovar a hum dos dous, então rogamos a Vossa Majestade se

digne nomear algum conhecidamente revestido de todos as qualidades que devem ? tornar?

hum professor de Commercio” (AN BR, JCAFN:7x, Caixa 452, Pct 02). Baseado nas

Page 18: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

18

informações da Mesa de Inspeção, a Junta do Comércio emite despacho no próprio

documento em 22 de Fevereiro de 1817- “Ponha-se Editaes nesta Corte para comparecer os

que se quiserem habilitar por Lentes do Comercio de Pernambuco” (AN BR, JCAFN:7x,

Caixa 452, Pct 02), concluindo assim que Manoel Luis da Veiga não foi aceito para professor

da Aula do Comércio de Pernambuco.

Fazendo uma análise do parecer, verificamos que a Mesa de Inspeção informa que

João Ferreira da Silva não tinha conhecimentos sobre a Aula do Comércio, quando o mesmo

informa em seu requerimento ter cursado a Aula do Comercio da Praça de Lisboa. E sobre

Manoel Luis da Veiga, enfatiza ter um gênio bastantemente forte e ter desavenças com o seu

sócio naquele Tribunal. Um fato que não está explícito, mas que pode ter originado a não

aprovação de Manoel Luis da Veiga é que, em 1803, ele escreveu um livro já referenciado

acima criticando o Livro de José da Silva Lisboa, atual Deputado da Junta do Comércio.

Então, concluímos que, apesar de todas as qualidades evidenciadas pelos dois candidatos, a

Junta do Comércio não aprovou a nomeação deles para Lente da Aula do Comércio do

Maranhão.

A Aula do Comércio do Maranhão só foi criada no ano de 1821, após o Lente do

Maranhão, Francisco Justiniano da Cunha, provar a sua inocência e ser readmitido no cargo

em 6 de Abril de 1821, determinado a Junta do Comércio que ele fosse criar na província de

Pernambuco a Aula do Comércio com o ordenado anual de quinhentos mil reis (BR AN,

JCAFN:7X, Caixa 452, Pct 02).

Conclusões

Este trabalho Explanatório mostrou como surgiram as Aulas do Comércio e quem

foram os seus primeiros Lentes do período de 1808-1821. As Aulas do Comércio do Brasil

foram criadas na cidade do Rio de Janeiro e nas Províncias da Bahia, Maranhão e

Pernambuco. Concluímos que a Aula do Comércio de Lisboa foi de fundamental importância

para o surgimento das Aulas do Brasil por ser esta regida até o ano de 1845 pelos Estatutos da

Aula do Comércio de Lisboa. Identificamos que todos os Lentes fizeram exame para a

Cadeira de Lente e que houve muito rigor na seleção dos Lentes, com exceção de José

Antonio Lisboa, que não fez exame para o cargo devido a sua larga experiência na área.

Identificamos que os primeiros Lentes das Aulas do Rio de Janeiro, Maranhão e Pernambuco

foram ex-alunos da Aula do Comércio de Lisboa e que o Lente que ocupou a vaga de José

Antônio Lisboa foi aluno do 3º Curso da Aula do Comércio e que muitos dos alunos formados

Page 19: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

19

nas Aulas do Comércio já tinham empregas garantidos, após a sua aprovação, em repartições

públicas e casas comerciais. Outro ponto que destacamos de fundamental importância a ser

observado é que foi na Aula do Comércio do Rio de Janeiro a primeira escola no Brasil a

difundir os ensinamentos da Contabilidade e de Economia Política pelo Lente José Antonio

Lisboa. Este trabalho mostra que a Aula do Comércio foi uma das primeiras escolas a serem

criadas no Governo de D. João, antes mesmo da Academia Real Militar (1810), Academia de

Belas Artes (1816), Curso de Direito (1827) e Colégio Pedro II (1837), mas muito pouco se

refere a literatura sobre elas.

E por fim, esperamos ter contribuído para literatura brasileira preenchendo esta lacuna

tão pouco explorada sobre as Aulas do Comércio e seus primeiros professores na cidade do

Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia e Pernambuco no período de 1808 a 1821.

REFERENCIAS

Fontes Primárias

Arquivo Nacional – BR AN

Fundo da Junta do Comércio Agricultura, Fábricas e Navegação - 7X

COD 168, Vol 1; Caixa 378, Pct 01, Caixa 387, Pct 03, Caixa 419, Pct 01, Caixa 451, Pct 01,

Caixa 452, Pct 01 e 02; Caixa 457, Pct 01 e 02, Caixa 419, Pct 01.

Obras Raras

Localização: LIR OR 1988J BIB. Estatutos da Junta do Commercio ordenado por El Rey.

Decreto de 30 de Setembro de 1755. Collecção das Leys, Decretos, e Alvaras, que

comprehende o feliz Reinado Del Rey Fidelissimo D. José o I. Tomo I, Lisboa: Na Officina

de Miguel Rodrigues, M.DCC.LVI.

Localização: LIR OR 1988J BIB. Estatutos da Aula do Commercio ordenados por Elrey

nosso senhor, no capitulo dezaseis dos Estatutos da Junta do Commercio destes Reynos, e

seus domínios, e Alvara de sua confirmação. Lisboa: Collecção das Leys, Decretos, e

Alvaras, que comprehende o feliz Reinado Del Rey Fidelissimo D. José o I. Tomo II, Lisboa:

Na Officina de Miguel Rodrigues, M.DCC.LXII.

Page 20: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

20

Coleção de Leis do Brasil

Alvará de 16 de Dezembro de 1756. Estatuto de comprovação dos Estatutos da Junta de

Comércio. In Collecção da Legislação Portugueza: desde a última Compilação das

Ordenações [Em linha]. Org. António Delgado da Silva. Lisboa: Typografia Maigrense,

[1828-1844]. Legislação de 1750 a 1762, p. 479-480. Disponível em:

<http://iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=105&id_obra=73&pagina=652>.

[Consulta 12 Junho 2011].

Decreto de 02 de Agosto de 1831. Estabelece uma Aula de Commercio na cidade do

Maranhão. Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1831. Primeira Parte. Rio de Janeiro:

Typographia Nacional, 1875, p. 40-41.

Decreto Nº 456 de 6 de Julho 1846. Manda Executar o Regulamento da Aula do Commercio

da Cidade do Rio de Janeiro. Collecção das Leis do Império do Brasil de 1846. Tomo IX.

Parte II. Rio de Janeiro: Na Typographia Nacional, 1847, p. 63-68.

Decreto Nº 1.763 de 14 de Maio de 1856. Dá novos Estatutos á Aula do Commercio da Côrte.

Collecção das Leis do Império do Brasil de 1856. Tomo XIX, Parte II. Rio de Janeiro: Na

Typographia Nacional, 1857, p.177-206.

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – BN RJ

Sessão de Manuscritos - C-0431,041- Doc nº 2

Sessão de periódicos - Rio de Janeiro: Imprensa Régia_PR_SOR_001_749664.

Escola Secundária Passos Manoel - ESPM

ESPM_ECSEC/02/09

Fontes Secundárias

Azevedo, J. L. de. (1928). Épocas de Portugal Económico (4 ed.). Lisboa: Classica Editora.

Cervo, A. L., Bervian, P. A.; Silva, R. da. Metodologia Científica. 6. ed. São Paulo: Pearson

Prentice Hall, 2007.

Chaves, C. M. das G. (2007). As Aulas do Comércio no Império Luso-Brasileiro: O Ensino

Prático Profissionalizante. VII Jornada Setencentista. Curitiba, Disponível em:

<http://people.ufpr.br/~vii_jornada/2textos_VII-J.pdf>. [Consulta29 Maio 2011].

Ericeira, F. J. (2003). O estado da arte da contabilidade no Estado do Maranhão, vis-à-vis o

seu desenvolvimento econômico: 1755 a 1900. 184 f. Dissertação (Mestrado em

Page 21: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

21

Contabilidade) - Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade, Universidade de São

Paulo, São Paulo.

Azevedo, M. C. (1961). A Aula do Comércio, Primeiro Estabelecimento de Ensino Técnico

Profissionalmente Criado no Mundo. Lisboa: Edição da Escola Comercial Ferreira Borges.

Cardoso, J. L. (1984) Uma «Notícia» Esquecida: O Ensino da Economia na Aula do

Comércio. Estudos de Economia, 1, pp. 87-112.

Carnaxide, V. (1940). O Brasil na administração Pombalina. São Paulo-Rio de Janeiro-

Recife-Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, pp. 269-332.

Falcon, F. J. C. (1982). A Época Pombalina – política econômica e monarquia Ilustrada . São

Paulo: Ática,1982.

Felismino, A. (1960). No Duplo Centenário da Aula do Comércio. Lisboa: Secção Anuário

Comercial de Portugal.

Gomes, D. (2008). The Interplay of Conceptions of Accounting and Schools of Thought in

Accounting History. Accounting History. 13(4), pp. 479-509.

Gomes, D. e Rodrigues, L. L. (2009). Investigação em História da Contabilidade. In. Major,

M. J. e Vieira, R. (Eds). Contabilidade e Controlo de Gestão: Teoria, Metodologia e Prática.

Lisboa: Escola Editora, pp. 211-239.

Gonçalves, M. (2010). Bosquejo duma sucinta história da contabilidade em Portugal até a

fundação da primeira escola de comércio e contabilidade (1759). Revista Universo Contábil,

6(4), pp. 89-103.

Gonçalves, M. (2011). Aula de Comércio do Porto (1803): sua Criação e Confronto Crítico

com a Correlativa Aula Lisboeta. Revista Científica da Ordem dos Técnicos Oficiais de

Contas, v.10, pp. 115-163.

Lavradio, M. do (1940). Relatório do Marquês de Lavradio, vice-Rei do Brasil de 1769 a

1779, apresentado ao vice-rei Luis de Vasconcelos e Sousa, seu sucessor. In. Carnaxide,

Visconde. O Brasil na administração Pombalina. São Paulo-Rio de Janeiro-Recife-Porto

Alegre: Companhia Editora Nacional, pp. 269-332.

Martins, E. (1960). «A Aula do Comércio» (1959). Lisboa: Secção Anuário Comercial de

Portugal.

Ricardino, A. (2001). A Metafísica da Contabilidade Comercial e a História das Aulas de

Comércio. 1º Seminário USP de Contabilidade. Anais do Seminário, Publicado em CD. pp. 1

-10, Universidade de São Paulo, 01 e 02 Outubro.

Page 22: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

22

Rodrigues, A. A (1989). História da profissão contábil e das instituições de ensino,

profissionais e culturais da Ciência Contábil no Brasil. Conselho. Conselho Regional do Rio

Grande do Sul. Disponível em: <http://www.crcrs.org.br/memorial/brasil.htm>. [Consulta05

Fevereiro 2011].

Rodrigues, L.L. e Craig, R. (2004). English Mercantilist Influences on the Foundation of the

Portuguese School of Commerce in 1759. Atlantic Economic Journal, 32(4), pp. 329-345.

Rodrigues, L. L. e Craig, R. (2009). Teachers as servants of state ideology: Sousa and Sales,

Portuguese School of Commerce, 1759-1784. Critical Perspectives on Accounting, 20(3), pp.

379-398.

Rodrigues, L. L. e Craig, R. e Gomes, D. (2007). State intervention in commercial education:

the case of the portuguese School of Commerce, 1759. Accounting History, 12(1), pp. 55-85.

Rodrigues, L. L. e Gomes, D. (2002). Evolução da Profissão dos Técnicos de Contas em

Portugal: Do Marquês de Pombal até aos nossos dias. Jornal de Contabilidade, nº 302, pp.

131-141.

Rodrigues, L. L., Gomes, D. e Craig, R.(2003a). Corporatism, liberalism and the accounting

profession in Portugal since 1755’. Accounting Historians Journal, 30(1), pp. 95-128.

Rodrigues, L. L., Gomes, D. e Craig, R. (2003b). Aula do Comércio: Primeiro

estabelecimento de ensino técnico profissional oficialmente criado no Mundo? Revista da

Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas. nº. 34, Janeiro, pp. 46-54.

Rodrigues, L. L., Gomes, D. e Craig, R. (2004). The Portuguese School of Commerce, 1759-

1844: a reflection of the "Enlightenment". Accounting History, 9(3), pp. 53-71.

Santana, F. (1974). Contributo para um dicionário de Professores e alunos da Aula do

Comércio. Lisboa: Associação Comercial de Lisboa - Câmara de Comércio.

Santana, F. (1985). A Aula do Comércio: Uma Escola Burguesa em Lisboa. Ler História, 4,

pp. 19-30.

Santana, F. (1989), "A Aula do Comércio de Lisboa (1759-1844)", Lisboa, Revista Municipal,

n º 15 ,16,18-23, pp.18-31 ,17-37 ,24-54 ,45-59 ,23-34 ,41-48 ,19-30.

Silva, I. F. da (1862). Diccionario Bibliographico Portuguez. Tomo Sexto. Lisboa: Imprensa

Nacional. p. 118

Silva, M. B. N. da (1994). Aula do Comércio. Dicionario da Historia da colonização

portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo: Verbo, p. 80-81.

Silverman, D. (1997). Qualitative Research: Theory, Method and Practice. London: Sage

Publications.

Page 23: TÍTULO: As primeiras Aulas do Comércio do Brasil no Século ... · situação do tipo de comércio existente na colônia Brasil. ... acontece no Brasil. A literatura brasileira,

23

Slemian, A. (2008) Entre a corte e a revolução: a atuação de um "negociante" na América

sede do Império português. Tempo [online], vol.12, n.24, pp. 28-53. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n24/a03v1224.pdf>. [Consulta 20 Fevereiro 2011].

Vieira, R. (2009). Paradigmas Teóricos da Investigação em Contabilidade. In. Major, M. J. e

Vieira, R.( Eds). Contabilidade e Controlo de Gestão: Teoria, Metodologia e Prática. Lisboa:

Escola Editora.

Wehling, A. (1986). Historia Administrativa do Brasil: administração portuguesa no Brasil

de Pombal a D. João (1777-1808). Brasília: FUNCEP,