TITULOS de CREDITO - Apostila de Teoria Geral

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APOSTILA DE TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE CRÉDITO Material de apoio para a disciplina “Direito Comercial”, ministrada no 4 o semestre do curso de graduação em direito Elaborado por : Denis Domingues Hermida

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APOSTILA

DE

TEORIA GERAL DOS TÍTULOS DE

CRÉDITO

Material de apoio para a disciplina “Direito Comercial”, ministrada no 4o semestre do curso de graduação em direito

Elaborado por : Denis Domingues Hermida

ÍNDICE I – INTRODUÇÃO......................................................................................1 II- CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO..............................................5 III- OS PRINCÍPIOS DO DIREITO CAMBIÁRIO...................................11 IV- CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO............................18 V- OS TÍTULOS DE CRÉDITO E O CÓDIGO CIVIL.............................21 VI- A TRANSFERÊNCIA (CIRCULAÇÃO DOS TÍTULOS...................23 VII – O AVAL............................................................................................29 VIII- O PROTESTO...................................................................................33 IX- AS ESPÉCIES DE TÍTULOS DE CRÉDITO.....................................35

CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO Iniciamos o estudo dos títulos de crédito citando FRAN MARTINS1:

“ O crédito, ou seja, a confiança que uma pessoa inspira a outra de cumprir, no futuro, obrigação atualmente assumida, veio facilitar grandemente as operações comerciais, marcando um passo avantajado para o desenvolvimento das mesmas. De fato, no que diz respeito às obrigações de ordem pecuniária, com a utilização do crédito as transações se tornaram mais rápidas e mais amplas, principalmente pela possibilidade de uma pessoa gozar, hoje, de dinheiro cujo pagamento será feito posteriormente (dinheiro presente por dinheiro futuro). Isso, melhor explicado, significa que, com a utilização do crédito, pode alguém, hoje, ser suprido de determinada importância, emprega-la no seu interesse, faze-la produzir em proveito próprio desde que tenha assumido a obrigação de em época futura, retornar a quem lhe forneceu a importância de que se utilizou. Inegavelmente, nas atividades comerciais, em que o capital é sempre necessário para que os comerciantes possam realizar operações lucrativas com maior amplitude, a utilização do crédito veio aumentar consideravelmente essas transações, trazendo benefícios para o comércio e maiores possibilidades de desenvolvimento do mesmo. Até no que diz respeito a operações não comerciais, o crédito, de modo indiscutível, serve para facilita-las, dando maiores oportunidade aos que, em certas ocasiões, não dispõem de recursos pecuniários suficientes para as suas necessidades presentes, muito embora possam contar com os mesmos em época futura. Surgiu, assim, o crédito como elemento novo a facilitar a vida dos indivíduos e, conseqüentemente, o progresso dos povos. Mas, desde o início foi evidenciado um problema relativo à circulação dos direitos creditórios, problema que, de fato, só veio a ser solucionado com o aparecimento dos títulos de crédito. Isso em virtude de, sendo a utilização do crédito a assunção de uma obrigação, deveria esta, em tempos passados, ser cumprida apenas pela própria pessoa obrigada. Assim, se alguém contraía uma dívida, o seu patrimônio não respondia pela mesma, já que patrimônio e pessoa eram inseparáveis, sendo os bens tidos como um acessório da pessoa. Foi,

1 MARTINS, Fran. Título de Crédito. Rio de Janeiro, Editora Forense, 11a edição, 1995

inquestionavelmente, o aparecimento da lei Paetelia Papira, em 429, que fez a distinção entre patrimônio e pessoa, podendo, a partir daí, o credor acionar os bens do devedor para que esses, e não a própria pessoa do devedor solvessem a dívida. Trouxe, desse modo, a lei Paetelia Papiria, inegável progresso na garantia do crédito, mas, ainda assim, os direitos de crédito que alguém tinha contra outrem não eram facilmente transmitidos pelo credor a terceiros, permanecendo o princípio do crédito individual. Só depois do aparecimento dos títulos de crédito, isto é, de papéis em que estavam incorporados os direitos do credor contra o devedor, foi que o problema da circulação dos direitos creditórios começou a marchar para uma solução. Surgiram os títulos de crédito, com algumas das características que hoje possuem, na Idade Média, e esse fato foi mais o fruto de necessidades momentâneas de caráter mercantil do que um procedimento visando especialmente à solução de um problema jurídico. Foi realmente naquela época que começaram a aparecer, de maneira mais freqüente e mais completa, documentos que representavam direitos de crédito, a princípio direitos que poderiam ser utilizados apenas pelos que figuravam nos documentos como seus titulares (credores) e que posteriormente passaram a ser transferidos por esses titulares a outras pessoas que, de posse dos documentos podiam exercer, como proprietários, os direitos mencionados nos papéis. A chamada cláusula a

ordem, que nada mais é que a faculdade que tem o titular de um direito de crédito (credor) de transferir esse direito a outra pessoa, juntamente com o documento que o incorpora, marcou, realmente, o início de uma fase importantíssima para a economia dos povos, que é a circulação do crédito. Daí por diante, novos meios foram adotados para dar melhor forma aos títulos de crédito, novas regras surgiram garantido os direitos que os títulos incorporavam. De modo que, hoje, facilitando grandemente as atividades dos indivíduos e dos povos, temos nos títulos de crédito documentos que representam certos e determinados direitos e, mais que isso, que dão possibilidade a que esses direitos incorporados nos documentos circulem, se transfiram facilmente de pessoa a pessoa, revestidos de inúmeras garantias para os credores e todos quantos figurem nesses papéis. Com o aparecimento dos títulos de crédito e a possibilidade de circulação fácil dos direitos neles incorporados, o mundo na verdade ganhou um dos mais decisivos instrumentos para o desenvolvimento e o progresso.”

Da leitura do texto acima, alguns pontos merecem relevo, quais sejam: O que significa “crédito” ? Qual o papel dos títulos de crédito na relação de crédito?

a) O Conceito de crédito Quanto ao conceito de “crédito”, Fran Martins afirma ser “a confiança que uma pessoa inspira a outra de cumprir, no futuro, obrigação atualmente assumida”. Parece-nos, entretanto, que tal conceito merece ser melhor explorado. De Plácido e Silva2 aponta que derivado do latim creditum, de credere (confiar, emprestar dinheiro), possui o vocábulo uma ampla significação econômica e um estreito sentido jurídico. Em sua acepção econômica significa a confiança que uma pessoa deposita em outra, a quem entrega coisa sua, para que, em futuro, receba dela coisa equivalente. Juridicamente, significa o direito que tem a pessoa de exigir de outra o cumprimento da obrigação contraída. Pedro Nunes3 também apresenta o “crédito” em sua acepção econômica e jurídica. Do ponto de vista econômico, crédito é a força propulsora na circulação e aplicação do capital, faculdade de utilizar o capital alheio, com a obrigação de o restituir no prazo, e sob as condições convencionadas. Juridicamente, é o direito de exigir de outrem o inadimplemento de determinada prestação de qualquer natureza, ou a satisfação de certa soma de direito. Verdadeiro é que para o nosso estudo sobre títulos de crédito, tanto o conceito econômico quanto o conceito jurídico de crédito nos são importantes, vez que o primeiro nos traz a idéia da relevância do crédito para a vida das empresas e o segundo nos fornece a representação do crédito no direito, ajudando-nos no momento de conceituar o instituto jurídico “título de crédito”. Concluímos assim que, para o direito, crédito pode ser visto como relação jurídica de natureza obrigacional que envolve como partes um Credor e um Devedor e como objeto uma prestação pecuniária (restituição de valores) advinda da entrega pelo credor de determinado valor para o devedor. Analisando-se o crédito do ponto de vista do Credor, temos o dever de entregar ao Devedor prestação presente para ser paga no futuro, bem como o direito subjetivo de receber determinada prestação das mãos do devedor como forma de restituição (com ou seu majoração) de valores entregues anteriormente ao devedor. Já do ponto de vista do devedor, temos o direito subjetivo de receber determinada prestação a fim de gozar hoje de dinheiro cujo pagamento será feito posteriormente, e o dever de proceder o pagamento (com ou sem majoração), na data estipulada, ao Credor do dinheiro que lhe fora entregue. 2 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Tomo I. Rio de Janeiro : Forense, 4a edição, 1975 3 NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. São Paulo : Livraria Freitas Bastos, 8a edição, 1974

b) O papel dos títulos de crédito na relação de crédito A grande utilidade dos títulos de crédito (que provisoriamente podemos conceituar como papéis em que estão incorporados os direitos do credor contra o devedor) para as relações jurídicas de crédito está sediada em vários aspectos, quais sejam: - o caráter probatório do título de crédito (trata-se de um documento que prova a existência de um crédito) - permite a “circulação” do crédito, isto é, que o direito subjetivo ao crédito possa ser repassado (transferido) para terceira pessoa que não fez parte da relação jurídica original (que deu origem ao crédito) - tem natureza jurídica de “título executivo extrajudicial”, conforme artigo 585 do Código de Processo Civil, dando ensejo à propositura de ação de execução (que tem como rito, resumidamente, a citação do Devedor para o pagamento da dívida constante do título no prazo de 24(vinte e quatro) horas, sob pena de penhora de bens. Caso não houvesse um título executivo judicial, deveria se utilizar o Credor de ação de conhecimento (em que seria discutida a existência ou não do crédito, o que seria determinado por uma sentença judicial) para, após, propor a execução.

CAPÍTULO II

CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO É clássico o conceito de título de crédito apresentado por Cesare Vivante, para quem o título de crédito é o “documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”. Amador Paes de Almeida4, a seu turno, apresenta título de crédito como “um instrumento formal que contém obrigação, instrumento esse a que a lei confere direito literal e autônomo”. Fábio Ulhoa Coelho5, partindo o conceito apresentado por Cesare Vivante ensina que :

“ Proponho um caminho algo diferente, que parte do conceito, que parte do conceito apresentado acima (conceito de Cesare Vivante): o título de crédito é um documento. Como documento, ele reporta um fato, ele diz que alguma coisa existe. Em outros termos, o título prova a existência de uma relação jurídica, especificamente duma relação de crédito; ele constitui a prova de que certa pessoa e credora de outra; ou de que duas ou mais pessoas são credoras de outras. Se alguém assina um cheque e o entrega a mim, o título documenta que sou credor daquela pessoa. A nota promissória, letra de câmbio, duplicata ou qualquer outro título de crédito também possuem o mesmo significado, também representam obrigação creditícia. O título de crédito não é o único documento disciplinado pelo direito. Há outros, que também reportam fatos, que provam que certo sujeito é titular de um direito perante outro, ou perante qualquer um. O instrumento escrito de contrato de locução documenta, entre outras obrigações, que o locador é credor dos aluguéis devidos pelo locatário. A escritura pública de compra e venda de imóvel prova a existência do negócio de aquisição do bem e discrimina as obrigações assumidas pelas partes. A notirifação de lançamento fiscal relata que o contribuinte é obrigado a pagar o tributo ao estado. A sentença judicial condenatória representa o dever imposto à parte vencida de satisfazer o direito reconhecido à vencedora. Além desses, muitos outros documentos têm a sua elaboração e seus efeitos

4 ALMEIDA, Amador Paes. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. São Paulo:Saraiva, 24a edição, 2005 5 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 1o volume. São Paulo: Saraiva, 8a edição, revista e atualizada, 2004

dispostos na lei ou em regulamentos; livros mercantis, nota fiscal, fatura, certificado de registro de marca, apólice de seguro, diploma de curso superior etc. O título de crédito se distingue dos demais documentos representativos de direitos e obrigações em três aspectos. Em primeiro lugar, ele se refere unicamente a relações creditícias. Não se documenta num título de crédito nenhuma outra obrigação, de dar, fazer ou não fazer. Apenas o crédito titularizado por um ou mais sujeitos, perante outro ou outros, consta de um instrumento cambial. O contrato de locação empresarial, por exemplo, além de assegurar o crédito do aluguel, representa o dever de o locador respeitar a posse do locatário sobre o imóvel, ou de suportar a renovação compulsória do vínculo, na forma da lei. Alguns dos títulos de crédito impróprios asseguram direitos não creditícios ao seu portador: o warrant e conhecimento de depósito, por exemplo, unidos, representam a propriedade de mercadorias depositadas em Armazéns Gerais. A característica de representar exclusivamente direitos creditórios, por si só, não é suficiente para distinguir os títulos de crédito dos demais documentos representativos de obrigação. A apólice de seguro, por exemplo, também representa apenas o crédito eventual do segurado ou do terceiro beneficiário, perante a seguradora e não se pode considerar título de crédito. A segunda diferença entre o título de crédito e muitos dos demais documentos representativos de obrigação está ligada à facilidade na cobrança do crédito em juízo. Ele é definido pela lei processual como título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I); possui executividade, quer dizer, dá ao credor o direito de promover a execução judicial do seu direito. Nem todos os instrumentos escritos que documentam obrigações creditícias apresentam essa característica. Se o credor não dispuser de documento a que a lei processual atribua natureza executória, a cobrança do seu crédito representado deverá ser feita através de ação de conhecimento (ou monitória), normalmente mais morosa que a execução. Esse atributo dos títulos de crédito – convém ressaltar – também não pe exclusivo;m diversos outros documentos representativos de obrigação são também títulos executivos (sentença judicial, contrato revestido de certas formalidades, apólices de seguro de vida etc.). Em terceiro lugar, o título de crédito ostenta o atributo da negociabilidade, ou seja, está sujeito a certa disciplina jurídica,

que torna mais fácil a circulação do crédito, a negociação do direito nele mencionado. A fundamental diferença entre o regime cambiário e a disciplina dos demais documentos representativos de obrigação(que será chamada, aqui, de civil) é relacionada aos preceitos que facilitam, ao credor, encontrar terceiros interessados em antecipar-lhe o valor da obrigação (ou parte deste), em troca da titularidade do crédito. Em outros termos, se o credor tem o seu direito representado por um título de crédito (por exemplo, uma nota promissória, duplicada ou cheque pós-datado), ele pode facilmente desconta-lo junto ao banco de que é cliente. Na operação de desconto bancário, o credor do título de crédito (descontário) transfere a titularidade do seu direito ao banco (descontador) e recebe deste, adiantado, uma parte do valor do crédito. No vencimento, o banco irá cobrar o devedor, lucrando com a diferença entre o valor facial do título e o montante antecipado ao credor originário. Nem todos os documentos representativos de obrigação, contudo, são descontáveis pelos bancos. Documentos sujeitos ao regime civil de circulação não despertam o mesmo interesse de instituições financeiras, porque elas ficam em situação mais vulnerável quanto ao recebimento do crédito. A negociabilidade dos títulos de crédito é decorrência do regime jurídico-cambial, que estabelece regras que dão à pessoa para quem o crédito é transferido maiores garantias do que as do regime civil. “.

Waldirio Bulgarelli6 a despeito de reiterar os termos do conceito apresentado por Cesare Vivante (título de crédito como documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado), destaca entre os requisitos essenciais dos títulos de crédito a tipicidade, apontando que a legalidade ou tipicidade consiste na impossibilidade estabelecida pela Lei, de se emitirem títulos de crédito que não estejam previamente definidos e disciplinados por lei (numerus clausus). Sem embargo de toda a doutrina citada, importante é destacarmos que o código civil de 2002, em seu artigo 887, conceitua título de crédito, apresentando-o como:

“ O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

Quanto aos requisitos essenciais dos títulos de crédito, os apresentamos agora de forma sucinta tão somente com o objetivo de obter elementos para apontar o nosso conceito de título de crédito. 6 BULGARELLI, Waldirio. Títulos de crédito. São Paulo: Atlas, 1995, 11a edição atualizada

Waldírio Bulgarelli7 apresenta os requisitos essenciais dos títulos de crédito como sendo: a CARTULARIDADE, a AUTONOMIA e a LITERALIDADE.

Apresenta o Autor como cartularidade (também chamada de incorporação) como sendo a materialização do direito no documento, motivo pelo qual se diz que o direito se incorpora ao documento. A expressão carturalidade ou direito cartular (de chartula, do baixo latim) é empregada para significar tanto a incorporação do direito ao documento, como o direito decorrente do título em relação ao negócio fundamental, chamado por isso mesmo, o negócio subjacente, de relação extracartular. Portnato, em decorrência da incorporação do direito no título:

- quem detenha o título, legitimamente, pode exigir a prestação; - sem o documento, o devedor não está obrigado, em princípio, a

cumprir a obrigação

Ainda quanto à cartularidade, Fábio Ulhoa Coelho8 afirma que “pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado.

Já a literalidade é, conforme magistério de Amador Paes de Almeida9, caracterizada como a situação de que “os títulos são literais porque valem exatamente a medida neles declarada. Caracterizam-se tais títulos, como bem lembra Carvalho de Mendonça, pela existência de uma obrigação literal, isto é, independente da relação fundamental, atendendo-se exclusivamente ao que eles expressam e diretamente mencionam. A Autonomia, na forma dos ensinamentos de Waldírio Bulgarelli10 é requisito fundamental para a circulação dos títulos de crédito. Por ele, o seu adquirente passa a ser titular de direito autônomo, independente da relação anterior entre os possuidores .

Fábio Ulhoa Coelho11 complementa que pelo princípio da autonomia das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento, apresentando o seguinte exemplo: imagine-se um negócio qualquer, de que tenha originado crédito, documentado numa nota promissória: Antonio vende a Benedito o seu automóvel usado, consentindo receber metade do prezo no prazo de 60(sessenta) dias. Nesse caso, a nota representa a obrigação do comprador, na compra e venda do automóvel. O ato de compra será chamado de “relação fundamental” ou “negócio 7 Idem, pp. 57 a 60 8 Op. Cit. p. 373 9 Op. Cit. p. 3 e 4 10 Op. Cit. p. 59 11 Op. Cit. p. 375

originário”, porque o título foi emitido com o propósito inicial de o documentar. Imagine-se, então, que Antonio é devedor de Carlos, em importância próxima ao valor facial da nota promissória. Se Carlos concordar, o débito de Antonio poderá ser satisfeito com a transferência do crédito que titulariza em razão da nota (esse ato de transferência denomina-se endosso). Nessa hipótese, o título que representava, originalmente, apenas a obrigação de Benedito pagar a Antonio o saldo devedor do valor do automóvel, passou a representar duas outras relações jurídicas: a de Antonio satisfazendo sua dívida junto Carlos; e a de Benedito devedor do título agora em mãos de Carlos. São três relações jurídicas documentadas numa única nota promissória. Como as obrigações correspondentes são autônomas, umas das outras, eventuais vícios que venham a comprometer qualquer delas não contagiam as demais. Quer dizer, se o automóvel adquirido por Benedito possui vício redibitório, isso não o exonera de satisfazer a obrigação cambial perante Carlos. Os problemas relacionados com a compra e venda do automóvel usado podem influir na relação jurídica entre os participantes da relação originária do título (isto é, Antonio e Benedito), mas não interferem minimamente com dos direitos de terceiros de boa-fé para quem o mesmo título foi transferido. Por fim, após analisar os principais requisitos do título de crédito, podemos afirmar que: - é um documento. Valendo esclarecer que “documento é todo objeto do qual se extraem fatos em virtude da existência de símbolos, ou sinais gráficos, mecânicos, eletromagnéticos etc. É documento, portanto uma pedra sobre a qual estejam impressos caracteres, símbolos ou letras; é documento a fita magnética para reprodução por meio do aparelho próprio, o filme fotográfico etc”12 - o direito subjetivo do credor de receber o seu crédito está diretamente relacionado à apresentação do documento (cartularidade) - é formal, isto é, precisa conter forma determinada pela lei, sendo que a afronta à forma imposta por lei é capaz de levar à invalidade do título - tem rol taxativo determinado por lei. Conforme o princípio da legalidade ou tipicidade, aplicado aos títulos de crédito, o artigo 887 do Código Civil, impossibilita a emissão de títulos de crédito que não estejam previamente definidos e disciplinados por lei. Não há, assim, como se cogitar da invenção de título de crédito não previsto legalmente. - é literal, isto é, valem exatamente a medida neles declarada. Fran Martins, citado por Amador Paes de Almeida13, afirma que “por literalidade entende-se o

12 GRECCO FIL-HO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 6a edição, atualizada, 1993 13 Ob. Cit. p.4

fato de só valer no título o que nele está escrito. Nem mais nem menos do mencionado no título constitui direito a ser exigido pelo portador”. - tem natureza jurídica de título executivo extrajudicial, conforme artigo 585, I, do CPC, dando ao credor o direito de promover a execução judicial do seu direito - referem-se unicamente a relações creditícias. Não se documenta num título de crédito nenhuma outra obrigação, de dar, fazer ou não fazer, à exceção dos títulos executivos impróprios (warrant e conhecimento de transporte) - o título de crédito ostenta o atributo da negociabilidade, ou seja, está sujeito a certa disciplina jurídica, que torna mais fácil a circulação do crédito, a negociação do direito nele mencionado. - possui autonomia em relação ao negócio jurídico que lhe deu origem. A Autonomia é requisito fundamental para a circulação dos títulos de crédito. Por ele, o seu adquirente passa a ser titular de direito autônomo, independente da relação anterior entre os possuidores .

CAPÍTULO III

OS PRINCÍPIOS DO DIREITO CAMBIÁRIO Introdução Fábio Ulhoa Coelho aponta a existência de “princípios do direito cambiário”, que são, em realidade, características do tratamento jurídico dado aos títulos de crédito. O citado Autor entende pela existência de 3(três) princípios do direito cambiário - a) Princípio da Cartularidade; b) Princípio da Literalidade e c) Princípio da autonomia das obrigações cambiais – além da existência de 2(dois) subprincípios oriundos da autonomia das obrigações cambiais, quais sejam: c.1) Subprincípio da abstração e c.2) Subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

PRINCÍPIOS CARTULARIDADE

LITERALIDADE

AUTONOMIA

Abstração Inoponibilidade de exceções pessoais Valdírio Bulgarelli14, por sua vez, estuda a cartularidade, a literalidade e a autonomia como requisitos essenciais dos títulos de crédito, não tratando tais institutos como princípios. Entendemos melhor o tratamento dado por Ulhoa Coelho à matérias, vez que alguns princípios podem não ser totalmente aplicáveis a algumas espécies de títulos de crédito (como o princípio da cartularidade que não se aplica integralmente à duplicata mercantil ou de prestação de serviços).

14 Op. Cit. pp. 57-58

a) O princípio da cartularidade

Valdírio Bulgarelli15 apresenta a cartularidade (também chamada de incorporação) como sendo a materialização do direito no documento, motivo pelo qual se diz que o direito se incorpora ao documento. A expressão carturalidade ou direito cartular (de chartula, do baixo latim) é empregada para significar tanto a incorporação do direito ao documento, como o direito decorrente do título em relação ao negócio fundamental, chamado por isso mesmo, o negócio subjacente, de relação extracartular. Portanto, em decorrência da incorporação do direito no título:

- quem detenha o título, legitimamente, pode exigir a prestação; - sem o documento, o devedor não está obrigado, em princípio, a

cumprir a obrigação Ainda quanto à cartularidade, Fábio Ulhoa Coelho16 afirma que “pelo

princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado. Amador Paes de Almeida17 afirma que em razão da cartularidade, título e direito se confundem, tornando imprescindível o documento para o exercício do direito que nele se contém, pois, na clássica definição de Vivante, “título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”. O próprio código civil de 2002, em seu artigo 887, ao conceituar título de crédito, destaca a cartularidade como requisito :“ O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei. b) O Princípio da Literalidade

A literalidade é, conforme magistério de Amador Paes de Almeida18, caracterizada como a situação de que “os títulos são literais porque valem exatamente a medida neles declarada. Caracterizam-se tais títulos, como bem lembra Carvalho de Mendonça, pela existência de uma obrigação literal, isto é, independente da relação fundamental, atendendo-se exclusivamente ao que eles expressam e diretamente mencionam.

15 Op. Cit. Pp. 58-59 16 Op. Cit. p. 373 17 Op. Cit. pp. 3-4 18 Op. Cit. p. 3 e 4

Valdírio Bulgarelli19 ensina que a literalidade é a medida do direito contido no título. Vale assim, o documento pelo que nele se contém, exprimindo, portanto, a sua existência, o seu conteúdo, a sua extensão e a modalidade do direito nele mencionado. Em conseqüência, a literalidade atua tanto em favor do credor, que pode exigir o que nele está mencionado, insuscetível de discussão, assim, o valor, o prazo etc., como também em favor do devedor, pois o credor não poderá pedir mais do que está estabelecido no título. Daí se dizer que “o que não está no título não está no mundo”. Resumindo a função da literalidade, Ascarelli assinala que ela: - torna o direito cartular distinto da relação fundamental, tendo, assim valor constitutivo; - Atribui à declaração cartular, como declaração de vontade, condição de fonte de direito autônomo, cujo exercício e transmissão estão em função, respectivamente, da apresentação e transferência do título. Reafirma Fábio Ulhoa Coelho20 que título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Nessa passagem, o conceito de Vivante se refere ao princípio da literalidade, segundo o qual somente produzem efeitos jurídicos-cambias os atos lançados no próprio título de crédito. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título. O exemplo mais apropriado de observância do princípio (Fábio Ulhoa entende que cartularidade, autonomia e literalidade são princípios e não requisitos) está na quitação dada em recibo separado. Quem paga parcialmente um título de crédito deve pedir a quitação na própria cártula, pois não poderá se exonerar de pagar o valor total, se ela vier a ser transferida para terceiro de boa-fé. Outro exemplo de aplicação da literalidade encontra-se na inexistência do aval, quando o pretenso avalista apenas se obrigou em instrumento apartado. Se do título não consta a assinatura da pessoa de quem se pretendia o aval, a garantia simplesmente não existe, em razão do princípio da literalidade. “O direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título” (Messineo). Há uma exceção à aplicação desse requisito à disciplina do título de crédito denominado “duplicata”, cuja quitação pode ser dada, pelo legítimo

portador do título, em documento em separado (LD, art. 9o, par. 1o).

19 Op. Cit. p.59 20 Op. Cit. P. 374

c) O princípio da autonomia Consta do magistério de Fábio Ulhoa Coelho21 que o título de crédito é documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Agora a referência do conceito de Vivante (título de crédito como documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado) alcança o mais importante dos princípios do direito cambial, que é o da autonomia das obrigações documentadas no título de crédito. Segundo esse princípio, quando um único título documenta mais de uma obrigação, a eventual invalidade de qualquer delas não prejudica as demais. Pela “autonomia” das obrigações cambiais, os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento. Para compreensão da autonomia, citemos exemplo apresentado pelo mesmo Fábio Ulhoa : Antonio vende a Benedito o seu automóvel usado, consentindo receber metade do prezo no prazo de 60(sessenta) dias. Nesse caso, a nota representa a obrigação do comprador, na compra e venda do automóvel. O ato de compra será chamado de “relação fundamental” ou “negócio originário”, porque o título foi emitido com o propósito inicial de o documentar. Imagine-se, então, que Antonio é devedor de Carlos, em importância próxima ao valor facial da nota promissória. Se Carlos concordar, o débito de Antonio poderá ser satisfeito com a transferência do crédito que titulariza em razão da nota (esse ato de transferência denomina-se endosso). Nessa hipótese, o título que representava, originalmente, apenas a obrigação de Benedito pagar a Antonio o saldo devedor do valor do automóvel, passou a representar duas outras relações jurídicas: a de Antonio satisfazendo sua dívida junto Carlos; e a de Benedito devedor do título agora em mãos de Carlos. São três relações jurídicas documentadas numa única nota promissória. Como as obrigações correspondentes são autônomas, umas das outras, eventuais vícios que venham a comprometer qualquer delas não contagiam as demais. Quer dizer, se o automóvel adquirido por Benedito possui vício redibitório, isso não o exonera de satisfazer a obrigação cambial perante Carlos. Os problemas relacionados com a compra e venda do automóvel usado podem influir na relação jurídica entre os participantes da relação originária do título (isto é, Antonio e Benedito), mas não interferem minimamente com dos direitos de terceiros de boa-fé para quem o mesmo título foi transferido. Na realidade, o princípio da autonomia tem a utilidade de garantir a efetiva circulabilidade (possibilidade de circulação) dos títulos de crédito, vez que terceiro que receba o título não precisa investigar as condições em que o crédito transacionado teve origem, pois ainda que haja irregularidade, invalidade ou ineficácia na relação fundamental (extracartular), ele não terá o seu direito prejudicado. 21 Op. Cit. p. 375-376

d) O subprincípio da abstração O subprincípio da abstração determina que o título de crédito, quando colocado em circulação, desvincula-se da relação fundamental que lhe originou. Para exemplificar, ratificamos a ilustração apontada na letra “c”. A abstração ocorre tão somente quando o título circula, isto é, quando é transferido para terceiro (que não participou da relação jurídica fundamental que deu origem à emissão do título) de boa-fé, momento em que ocorre o desligamento entre o título de crédito e a relação que lhe deu origem. Como conseqüência dessa desvinculação entre o título e o negócio jurídico que lhe deu origem temos a impossibilidade do devedor exonerar-se de suas obrigações cambiárias, perante terceiros de boa-fé, em razão de irregularidades, nulidades ou vícios de qualquer ordem que contaminem a relação jurídica fundamental22. A circulação é condição necessária para a “abstração”. A denominação “abstração” é ambígua, podendo significar: - a característica oriunda do princípio da autonomia, segundo a qual quando o título circula, isto é, quando é transferido para terceiro (que não participou da relação jurídica fundamental que deu origem à emissão do título) de boa-fé, ocorre o desligamento entre o título de crédito e a relação que lhe deu origem. - a condição de alguns títulos que, no momento de sua emissão, se desvinculam instantaneamente do negócio jurídico que lhe deu origem. Sobre esse segundo significado da “abstração”, citamos o magistério de Valdirio Bulgarelli:

“ Todos os títulos de crédito são emitidos por alguma razão; tem por isso uma causa, a qual, na generalidade dos casos, decorre de um negócio, como compra e venda, mútuo etc. Em alguns casos ela não é mencionada no título de crédito (...), tornando-o completamente abstrato em relação ao negócio fundamental que lhe deu origem. Exemplo típico são as letras de câmbio e a nota promissória, nas quais não é necessário mencionar-se a razão, a causa da sua emissão ou criação, não podendo, por isso mesmo, serem opostas exceções ao credor, com base nelas. Não obstante, a abstração (...) não é essencial aos títulos de crédito, contrapondo-se os chamados títulos causais aos títulos abstratos, estes, basicamente, a letra de câmbio e a nota promissória.

22 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit., p. 377

Em nosso direito são considerados títulos abstratos a cambial (nas suas duas variantes, a letra de câmbio e a nota promissória), em que é dispensável a enunciação da causa, e como títulos causais, uma série grande, como a duplicata (que só pode ser emitida em decorrência de uma entrega efetiva de mercadorias, ou de um efetivo serviço prestado, de acordo com a Lei 5.474, de 18 de julho de 1968), e outros.”23

c.2) O subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais A inoponibilidade das exceções pessoais a terceiro de boa-fé é também decorrência do princípio da autonomia das obrigações cambiárias. Por esse subprincípio (que também é denominado, por Fran Martins, de regra da inoponibilidade das exceções), o obrigado(devedor) de um título de crédito não pode recusar o pagamento ao seu portador alegando suas relações pessoais com o sacador ou outros obrigados anteriores do título. Tais exceções ou defesas são inoponíveis ao portador do título, que fica sempre assegurado quanto ao cumprimento da obrigação pelo obrigado (emitente do título)24. Exemplifiquemos: um negócio jurídico de venda e compra feito entre “A” e “B” dá origem à emissão de um determinado título de crédito. “B”, comprador, emitiu referido título a “A” como forma de pagamento. “A”, por sua vez, transferiu referido título a “C”. O negócio jurídico de venda e compra possui um vício que leva à sua nulidade absoluta. Na data do vencimento do título, “C” dirige-se a “A” para recebimento do valor constante do título, sendo que, com base no subprincípio da inoponibilidade de exceções pessoais a terceiro de boa-fé, “A” não poderá negar-se a pagar o título a “C” sob o fundamento de que o negócio jurídico que originou o título é nulo. Esse princípio consta expressamente da “Lei Uniforme relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias” (Convenção de Genebra, recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto no. 57.663, de 24/01/1966), conforme seu artigo 17, in verbis:

“ As pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.”

23 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. pp. 60-61 24 MARTINS, Fran. Op. cit. pp. 17-18

Destaque-se a importância, para a aplicação do subprincípio em exame, da “boa-fé” do terceiro adquirente do título. O simples conhecimento, pelo terceiro, no momento da aquisição do título, da existência de fato oponível ao credor anterior do título já é suficiente para caracterizar a má-fé25. Assim, no exemplo acima, se “C”, quando recebeu o título de “B”, já sabia da nulidade do negócio jurídico que deu origem ao título, então é “terceiro de má-fé”, não sendo aplicável a inoponibilidade de exceções pessoais. d) O princípio da Legalidade Waldirio Bulgarelli também enfatiza a existência do princípio da “legalidade ou tipicidade”, com as seguintes características: “ A legalidade ou tipicidade consiste na impossibilidade estabelecida pela Lei, de se emitirem títulos de crédito que não estejam previamente definidos e disciplinados por lei (numerus clausus)...”26. A parte final do artigo 887 do Código Civil de 2002 impõe essa legalidade:

“ O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.” (grifos nossos)

25 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. pp. 378-379 26 Op. cit. p. 66

CAPÍTULO IV

CLASSIFICAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO Classificar significa agrupar indivíduos que possuam determinadas características em comum, possibilitando, dessa forma, um melhor estudo dos mesmos. Assim, não há como se cogitar em classificações certas ou erradas. Todas as classificações têm o seu valor. Optamos pela classificação dos títulos de crédito a) quanto ao modelo; b) quanto à estrutura; c) quanto às hipóteses de emissão; d) quanto à circulação, e) quanto à relação fundamental e f) títulos de crédito propriamente e impropriamente ditos a) Classificação quanto ao modelo Em relação ao modelo, os títulos de crédito podem ser vinculados ou livres. Vinculados são aqueles títulos que só produzem efeitos cambiais quando atendem ao padrão exigido por lei. E livres são os títulos que não possuem padrão de utilização obrigatória, desde atendidos os requisitos legais. b) Classificação quanto à estrutura Quanto à estrutura, os títulos de crédito podem ser “ordem de pagamento” ou “promessa de pagamento”. - por “ordem de pagamento” entendem-se os títulos que, quando de sua emissão, envolvem, 3(três) sujeitos (sacador, sacado e beneficiário). O sacador ordena que o sacado pague ao beneficiário determinada importância em determinada data. Atentemo-nos para o fato de que não é o sacador (que emite o título) que entrega o valor ao beneficiário, mas sim o sacado. Um exemplo de título que se classifica como “ordem de pagamento” é o cheque, em que o emitente do cheque determina ao banco sacado que pague ao beneficiário do cheque determinada quantia. - por “promessa de pagamento” entendem-se os títulos que, quando de sua emissão, envolvem 2(dois) sujeitos: o promitente e o beneficiário. O promitente promete entregar ao beneficiário, em certa data, determinada importância. Veja que, nessa classe de títulos de crédito, quem entrega a importância ao beneficiário é o próprio promitente (que emitiu o título).

c) Quanto às hipóteses de emissão No que se refere às hipóteses de emissão, os títulos de crédito podem ser: causais, limitados ou não-causais. - Causais: são os títulos de crédito que somente podem ser emitidos na hipóteses restritas autorizadas em lei; - Limitados: são os títulos que não podem ser emitidos em algumas hipóteses previstas em lei - Não-causais: são os títulos que podem ser emitidos em qualquer hipótese d) Quanto à circulação Quanto à forma de circulação (transferência para terceiros que não fizeram parte da relação jurídica), os títulos de crédito podem ser: ao portador, nominativos à ordem ou nominativos não à ordem. - títulos de crédito “ao portador”: não tem o nome do credor. A circulação ocorre por mera tradição (isto é, por mera transferência física da cártula). Características gerais dos títulos “ao portador”:

• a transferência do título se faz por simples tradição (art. 904/CC)

• é nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial

• o proprietário, que perder ou extraviar o título, ou for injustamente desapossado do mesmo, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir que sejam pagos a outrem o seu valor e rendimentos (art. 909/CC

- títulos de crédito “nominativos à ordem”: constam do nome do credor e circulam por endosso27

27 Endosso é o ato pelo qual a pessoa, proprietária de um título de crédito, o transfere para outrem, conferindo-lhe os direitos que lhe competiam. É justamente porque esta operação é promovida nas costas do título ( *atentemo-nos para o fato de que o código civil de 2002, no seu artigo 910, permite que o endosso seja procedido no anverso do título), ou seja, no verso, pela assinatura do endossante aí posta, que referido ato recebeu a denominação endosso (que significa “no dorso” ou “nas costas”). Cf. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 599

- títulos de crédito “nominativos não à ordem”: constam do nome do credor e circulam por cessão civil de crédito, não sendo, portanto, transferíveis por mero endosso. e) Quanto à relação fundamental Tendo-se como referência a relação jurídica que deu origem ao título, podem os títulos de crédito ser classificados em “causais” e “abstratos”. - Títulos de crédito “abstratos”: são aqueles em que é dispensável a enunciação da causa, isto é, a anotação/marcação da relação jurídica que lhe deu origem; - Títulos de crédito “causais”: são aqueles em que deve obrigatoriamente constar dados sobre a relação jurídica que lhe deu origem f) Títulos de crédito propriamente e impropriamente ditos Carvalho de Mendonça, citado por Waldirio Bulgarelli, ainda acrescenta a classificação dos títulos de crédito em propriamente e impropriamente ditos. - Títulos de crédito “propriamente ditos”: são aqueles em que se atesta uma operação de crédito, figurando entre eles os títulos da dívida p’blica, as letras de câmbio, os warrants, as debêntures etc. - Títulos de créditos “impropriamente ditos”: são aqueles que não representam uma operação de crédito, apesar de possuírem “literalidade”e “autonomia”, podendo se enquadrar numa das hipóteses abaixo:

- os que permitem a livre disponibilidade de certas mercadorias tais como o conhecimento de depósitos emitidos por armazéns gerais e os conhecimentos de carga; - os títulos que permitem ao emissor retirar, em favor próprio, ou de terceiro, a totalidade dos fundos disponíveis em poder do empresário; este título é o cheque, o qual não é instrumento de crédito propriamente dito, representando, em verdade, um título de exação, destinado aos pagamentos e liquidações; - os títulos atributivos do complexo de direitos conexos à qualidade de sócio (direitos societários e tais são as ações das sociedades anônimas e das em comandita por ações)28

28 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit., pp. 79-80

CAPÍTULO V –

OS TÍTULOS DE CRÉDITO E O CÓDIGO CIVIL

O Código Civil de 2002 apresenta normas gerais dirigidas aos títulos de crédito em seus artigos 887 a 903. Importante que se esclareça que as regras previstas no Código Civil somente serão aplicadas se não houver normatização diferente nas leis que tratam especificamente de cada uma das espécies de títulos de crédito. Eis o que consta do artigo 903 do Código Civil:

“ Art. 903. Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.”

Faremos, a partir de agora, uma análise dos pontos mais importantes tratados pelo código civil de 2002 em relação aos títulos de crédito:

• No artigo 887/CC é apresentado o conceito legal de título de crédito como “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido”, bem como é imposto o formalismo para a eficácia do título no regime cambial, impondo-se o princípio da legalidade (ou tipicidade), conforme parte final do referido artigo: “somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.

• No artigo 888/CC volta o código a dirigir norma inerente ao formalismo típico do regime cambial, impondo que “a omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem”. Importante destacar também que referido artigo nos faz refletir sobre a autonomia do título de crédito em relação ao negócio jurídico fundamental, que lhe deu origem.

• Os requisitos essenciais dos títulos de crédito são impostos pelo artigo 889/CC. São esses requisitos essenciais: data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente. Também são importantes as regras inseridas por tal artigo no que pertine à data e ao vencimento do título:

- quando no título não houver indicação da data de vencimento, tem-se que o título é “à vista”;

- se não indicado no título o lugar de emissão e de pagamento, considera-se como lugar de emissão o domicílio do emitente29.

• O artigo 891/CC possibilita a existência de título não completamente preenchido ao tempo da emissão, sendo que, ocorrendo tal hipótese, o mesmo deve ser preenchido de acordo com o que foi ajustado entre as partes, sendo que eventual descumprimento, quando do preenchimento do título incompleto, do ajustado entre as partes originais não constitui motivo de oposição ao 3º portador do título, salvo se esse adquiriu o título agindo de má-fé.

O restante dos artigos do código civil destinados à normatização dos títulos de crédito será analisado no decorrer de nosso estudo, sendo importante mais uma vez ressaltar que o disposto no código civil em relação aos títulos de crédito somente será aplicável se não houver norma específica em lei especial de determinada espécie de título de crédito.

29 SOBRE O LOCAL DO PAGAMENTO, vale algumas palavras. As obrigações podem ser: quérable ou portable, variando conforme o lugar da adimplência da obrigação; ou seja: de seu pagamento. De Plácio e Silva conceitua: ” ’QUÉRABLE’. Expressão francesa, da linguagem técnica forense, em que é empregada na acepção de requerível.Quérable, assim, exprime, propriamente, o que se pode requerer, o que é lícito pedir em juízo. ‘Quérable’. Na terminologia jurídica brasileira, vem sendo aplicado, ao contrário de portable (conduzível), para designar a dívida ou a prestação obrigacional, que deve ser cumprida na residência ou domicílio do devedor, quando a exige por ser oportuno, o credor. Nesta razão, quérable, se instituída contratualmente ou resultante de disposição tácita, importa na cláusula ou condição de ser paga a dívida no próprio domicílio do devedor. E, assim, não cabe a ele a obrigação de cumprir o pagamento no domicílio do credor, o que é da natureza da dívida portable. Conforme princípio já firmado na jurisprudência, mesmo que se tenha instituído a obrigação, pela qual o devedor deva cumprir a prestação no domicílio do credor, se usualmente vai este receber as que se têm vencido na residência ou domicílio do devedor, de portable, que era, a prestação fica subordinada à condição de quérable. Desse modo, não se constitui o devedor em mora por não ter levado a prestação ao credor, no respectivo domicílio, embora vencido e exigível.”[12] “’PORTABLE’. Vocábulo francês, que se traduz que se traslada, é geralmente empregado na terminologia jurídica para indicar as obrigações que devem ser cumpridas pelo devedor no domicílio do credor. Portable, pois, indica a condição de ser paga a dívida no domicílio do credor, levada a respectiva importância pelo devedor ou por outrem, a seu mando. Opõe-se ao sentido de quérable, indicativo daquela que deve ser procurada pelo credor.”[13]. Em suma, na obrigação quérable compete ao credor apresentar ao devedor, em seu domicílio, o título ou documento de dívida para que ele possa adimplir, em sendo devida, a obrigação. Já na obrigação portable, compete ao devedor procurar o credor em seu domicílio e oferecer-lhe o pagamento, adimplindo a obrigação.

CAPÍTULO VI

A TRANSFERÊNCIA (CIRCULAÇÃO) DOS TÍTULOS DE CRÉDITO Dentre as características mais importantes dos títulos de crédito está a sua negociabilidade, isto é, a capacidade que tem o título de ser objeto de diversos negócios jurídicos, sendo possível a sua transferência a terceiro (circulação), que não fez parte da relação jurídica fundamental e que, na forma do artigo 893 da CC, passará a ser detentor de todos os direitos que são inerentes ao título. Que se destaque que o terceiro adquirente do título de crédito não se sub-roga em eventuais obrigações inerentes à relação jurídica fundamental (que deu origem ao título), mas tão somente no direito de receber o quantum previsto no título na data do vencimento. Eis a diferença entre a sucessão cambiária e a cessão civil de contratos, bem refletida por Gladston Mamede:

“... na sucessão cambiária, fruto da transferência do título, há uma sucessão subjetiva ativa, ou seja, na posição de credor. Mas uma sucessão apenas nos direitos de credor, ou seja, de beneficiário da declaração unilateral da obrigação. Como há autonomia entre o negócio fundamental e o título de crédito, o sucessor, isto é, o novo credor, não assume os deveres que são próprios à relação originária, mas apenas os direitos que estão declarados na cártula ou lhe sejam decorrentes por previsão legal. É distinto, portanto, do que se passa na cessão de contrato, onde não há apenas uma transmissão de c’redito isolado, pois engloba toda a posição jurídica do cedente, com a transmissão simultânea dos direitos e das obrigações de que ele era titular.”30

Aqui, objetivamos não só ressaltar essa possibilidade de circulação, mas também estudar a forma como essa transferência de título de crédito acontece. Já analisados a classificação dos títulos de crédito quanto à transferência, concluindo pelas seguintes espécies: títulos ao portador, títulos à

ordem e títulos não à ordem, sendo que cada uma dessas espécies tem como característica uma determinada forma jurídica de transferência do título.

30 MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito: de acordo com o novo código civil, Lei 10.406, de 10-01-2002. São Paulo: Atlas, 2003, p.92

1) A transferência dos títulos de crédito ao portador Na forma do artigo 904 do Código civil, a transferência dos

títulos de crédito ao portador ocorre através de simples tradição, isto é, da simples entrega física da cártula que consubstancia o título de crédito. Dessa forma, o possuidor do título (isto é, aquele que o detém fisicamente) tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor, mesmo que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente (art. 905 do CC). Para os títulos “ao portador”, a cártula é tão importante que os artigos 908 e 909 do Código Civil determinam, respectivamente, que: - o possuidor de título dilacerado, porém identificável, tem direito a obter do emitente a substituição do anterior, mediante a restituição do primeiro e o pagamento das despesas; e - o proprietário, que perder ou extraviar título, ou que for injustamente desapossado dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir que sejam pagos a outrem capital e rendimentos inerentes ao título. 2) A transferência dos títulos de crédito à ordem Como já conceitualmente apresentado, os títulos de crédito à ordem são aqueles que contêm o nome de seu beneficiário e são transferíveis através de “endosso”. Tem-se, assim, 2(dois) elementos básicos para a sua caracterização: - o título não apenas afirma a obrigação certa de um devedor certo, mas também traz a indicação de um beneficiário (um credor) certo; e - faculta-se ao credor nomeado na cártula ordenar que o pagamento se faça a outrem, seja indicando essa outra pessoa, seja não a indicando31. Essa possibilidade do credor nomeado no título como beneficiário do crédito ordenar que o pagamento se faça a outra pessoa caracteriza o instituto jurídico do endosso. Debrucemo-nos, agora, no estudo do endosso” 31 MAMEDE, Gladston. Op. cit. p.98

a) O conceito de “endosso” A palavra “endosso” é derivada do latim in dossum (no dorso, nas costas), de que também se formou o indosso italiano e o endos ou endossement francês. Na terminologia jurídica, designa o ato pelo qual a pessoa proprietária de um título de crédito, passa-o para outrem, conferindo-lhe os direitos que lhe competiam32. Bulgarelli ensina que “endosso é forma particular de alienação de coisa móvel [e não podemos nos esquecer que o título de crédito é uma coisa móvel], e para nós, forma específica de transferência dos títulos de crédito. Mas, apenas uma das formas [de transferência], porque os títulos de crédito podem também ser transferidos mediante simples tradição, quando são ao portador...”33 e acrescentamos que alguns títulos (títulos de crédito não à ordem) podem ser transferidos por “cessão civil”. Assim, a conceituação do “endosso” simplesmente como ato de transferência de um título não nos parece satisfatório, vez que, como já estudado, os títulos ao portador são transferíveis, mas por simples tradição e não por endosso. Parece-nos mais cabível, portanto, o conceito de endosso como o

ato pelo qual o credor de um título de crédito com a cláusula à ordem (i.e, título

de crédito à ordem) transmite os seus direitos a outra pessoa34.

b) Características do “endosso” Como declaração cambial, o endosso tem de ser lançado no próprio título, sendo ineficaz, para o regime cambiário, se realizado fora do título (por escritura pública, por exemplo). O lugar, historicamente, em que o endosso deve ser lançado no título é dorso, i.e, o verso da letra, mas não é obrigatório quando se tratar de endosso completo (ou seja, a assinatura acompanhando uma declaração explícita de que se trata de endosso), sendo, porém, obrigatoriamente lançado no verso quando se tratar de endosso em branco (que consta apenas da assinatura do endossante), para distingui-lo do aceito e do aval35. Aliás, essa é a conclusão que se extrai da interpretação do artigo 910 do Código Civil, in verbis:

32 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 599 33 Op. cit. p. 165 34 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 401 35 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. p. 166

“Art. 910. O endosso deve ser lançado pelo endossante no verso ou anverso do próprio título. § 1º Pode o endossante designar o endossatário, e para validade do endosso dado no verso do título, é suficiente a simples assinatura do endossante. (...) “

Temos, assim, que o endosso pode: - ser realizado no verso do título de crédito, bastando para tal a assinatura do endossante, sem a necessidade de explicitação de que o ato se trata de um endosso; ou - ser realizado no anverso (frente) do título, devendo, entretanto, constar declaração explícita de que se trata de um endosso, identificando o ato (ex.: Endosso a Fulano de Tal). Ressaltamos que essas características do endosso são gerais, extraídas do conteúdo do Código Civil, nada obstando que lei específica a determinado título de crédito trate o endosso de forma diferente. Tudo conforme determina o artigo 903 do Código Civil, abaixo transcrito:

Art. 903. “Salvo disposição diversa em lei especial, regem-se os títulos de crédito pelo disposto neste Código.”

c) Os efeitos do endosso Mais uma vez recorremos ao magistério de Bulgarelli no sentido de que, para endossar, é necessário ter capacidade jurídica, que obedece às regras do direito comum, tanto para transmitir como para adquirir direitos. O endossatário (aquele a quem é transferido o título) sucede ao endossante na propriedade do título, mas não na relação jurídica pela qual o endossatário adquiriu; adquire um valor e não somente um direito a um valor. Em conseqüência, a incapacidade do endossante não terá o efeito de interromper a cadeia de endossos. O endosso transfere também, juntamente com o título, em regra, os acessórios e garantias. No caso de título garantido por hipoteca, esta só pode ser cedida por escritura pública e com a outorga da mulher do devedor casado, de acordo com o Código Civil. Pelo endosso, o endossante assume, face aos endossatários posteriores, a responsabilidade solidária pelo pagamento do título de crédito36. 36 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. pp. 167-168

d) Espécies de endosso A doutrina indica um grande número de espécies de endosso, sendo que destacamos os seguintes: - Endosso em branco: é aquele que se faz com a simples assinatura do endossante (aquele que transferiu o título), não constando indicação do nome do endossatário (aquele a quem foi transferido o título); - Endosso em preto ou completo: é aquele em que consta a assinatura do endossante e a indicação do seu beneficiário, isto é, do endossatário; - Endosso póstumo, posterior ao vencimento ou tardio: é aquele que é passado após o vencimento do título. Na forma do artigo 20 da Lei Uniforme relativa às Letras de Câmbio e Notas Promissórias, “o endosso posterior ao vencimento tem os

mesmos efeitos que o endosso anterior. Todavia, o endosso posterior ao protesto

por falta de pagamento, o feito depois de expirado o prazo fixado para se fazer o

protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão ordinária de créditos. Salvo

prova em contrário, presume-se que um endosso sem data foi feito antes de

expirado o prazo fixado para se fazer o protesto.”. Assim, o endosso póstumo realizado após o protesto ou após expirado o prazo de protesto tem natureza de cessão civil, de forma que o endossante não tem, salvo previsão em contrário, qualquer obrigação quanto ao recebimento da quantia constante do título. - Endosso parcial: É o endosso que visa a transferência ao endossatário tão somente de parte dos direitos inerentes ao título endossado. Essa espécie de endosso não é admitida seja pelo Código Civil (o artigo 912, Par. Único, do CC impõe que “É nulo o endosso parcial”), seja pela Lei Uniforme (art. 12, 2a alínea). - Endosso impróprio: trata-se de classe que envolve hipóteses em que se faz necessário legitimar a posse que determinada pessoa exerce sobre o documento, sem contudo, transferir-lhe o crédito. Admite 2(duas) modalidades: o endosso-mandato e o endosso-caução, que analisamos abaixo:

- Endosso- mandato: é aquele que não priva o proprietário do título dos seus direitos cambiais, mas apenas transfere ao mandatário ou procurador o exercício e a conservação desses direitos. Assim, referido endosso não transfere a propriedade do título, mas transfere poderes ao mandatário para agir em nome do proprietário do título. Evidencia esse tipo de endosso as expressões “por procuração”, “valor a cobrar”, “para cobrança” ou qualquer outra expressão que implique um simples mandato. Tais expressões lançadas no título indicam que o endossatário-mandatário possui amplos poderes, salvo o caso de restrição de poderes, que deve ser expressa no mesmo endosso. O endosso-mandato pode ser em preto ou em branco, já que pode ou não indicar o nome do endossatário. O endosso-mandato é muito comum nas operações de cobrança, entre os empresários e os bancos, ficando estes encarregados de proceder à cobrança do título, como mandatários daqueles. Tem por isso, o endossatário-mandatário tanto os direitos como as obrigações da sua condição, podendo e, em muitos casos, devendo agir em relação ao título, para assegurar direitos etc37 - Endosso-caução: também denominado endosso-penhor, endosso-garantia e endosso pignoratício. É o instrumento adequado para a instituição de penhor sobre o título de crédito38. Importante lembrar que, conforme artigo 1.431, caput, do CC, “constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel suscetível de alienação”. Quanto à forma de constituição dessa espécie de endosso, o penhor sobre o título de crédito exige apenas que se escreva uma cláusula constitutiva respectiva, lançada na cártula, bem como a entrega da cártula, o que, por força do artigo 918 do CC, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título. Nada impede, porém, que se recorra a procedimento aplicável ao penhor de direito, como se afere do disposto no artigo 1.458 do CC, segundo o qual o penhor, que recai sobre título de crédito, constitui-se mediante instrumento público ou particular ou endosso pignoratício, com a tradição do título ao credor39. Em geral, as operações de endosso-caução são feitas em documento contratual apartado e o endosso corresponde, no título, como endosso puro e simples ou endosso-mandato40.

37 BULGARELLI, Waldirio. Op. Cit. p. 169 38 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 404 39 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 120 40 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. pp. 169-170

CAPÍTULO VII

AVAL a) Conceito de aval O aval é o ato, típico do regime cambiário, pelo qual uma pessoa (avalista) se compromete a pagar título de crédito, nas mesmas condições que um devedor desse título (avalizado)41. Assim, entende-se por aval a obrigação cambiária assumida por alguém no intuito de garantir o pagamento de um título de crédito nas mesmas condições de um outro obrigado42. Trata-se de uma forma específica de garantia cambial, pelo qual o avalista (ou seja, o dador pó aval) fica obrigado e responsável, pelo pagamento do título, nas mesmas condições do seu avalizado (a que o avalista garantiu)43. O aval é objeto de normatização pelo código civil nos seus artigos 897 a 900 do código civil, sendo que o artigo 897/CC impõe que “o pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval. O aval também é tratado também por legislações específicas dos diversos títulos de crédito. b) Características do aval O aval, na realidade, é uma obrigação independente e autônoma em relação ao vínculo entre os sujeitos originários do título de crédito (emitente e beneficiário, ou sacado, sacador e beneficiário), como consta do § 2o do artigo 899 do CC: “Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara a menos que a nulidade decorra de vício de forma”. O aval é uma declaração unilateral de vontade, como o próprio título de crédito o é. Não há um negócio plurilateral no aval, mas apenas um ato jurídico unilateral, por meio do qual alguém garante o pagamento de um crédito, obrigando-se a saldar o débito caso o garantido não o faça. Nenhum benefício jurídico advém desse ato, e qualquer negócio ou relação subjacente lhe é estranha, nos limites do Código Civil44. Aliás, esse é a letra do § 2o do artigo 899 do CC:

41 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 410 42 MARTINS, Fran. Op. cit. p. 205 43 BULGARELLI, Waldirio. Op. cit. p. 172 44 MAMEDE, Gladston. Op. cit. pp. 150-151

“ Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma.”

A obrigação cambial do avalista é absolutamente autônoma, como, aliás, são todas as obrigações cambiais. O avalista, dado o aval, obriga-se, ainda que nula, inexistente ou ineficaz a obrigação principal. Daí não ser lícito ao avalista argüir em sua defesa falta de causa na origem do título:

“ A obrigação cambial do avalista é inteiramente autônoma. Quem presta aval se obriga, ainda que inexistente, nula ou ineficaz a obrigação do criador do título ajuizado” (Ver. Dos Tribs.,

263/217)45 O inadimplemento do avalizado torna concreta a obrigação do avalista, estabelecendo-se entre os dois, pelas particularidades do Direito Cambiário, uma relação de solidariedade passiva, com o que passam a ocupar, avalista(s) e avalizado, o mesmo plano, a mesma posição, diante do credor. Via de conseqüência,tem o credor o direito de exigir de qualquer um dos co-obrigados, o pagamento da dívida inteira; é a solidariedade que, atendendo ao art. 265 do Código Civil, resulta da lei. Tem-se, destarte, que o credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; da mesma forma, e ainda de acordo com o art. 275 do Código Civil, se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto46. Na forma do artigo 898 do CC, o aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título, sendo que, para a validade do aval, dado no anverso (frente) do título, é suficiente a simples assinatura do avalista, enquanto, a contrario sensu, quando o aval é procedido no verso do título, há a necessidade da indicação que expresse a intenção de avalizar, como “ por....”, “em garantia

de...”, afastando-se, assim, a possibilidade de confusão com eventual endosso já existente. Quando a assinatura do avalista é aposta na face (frente) do título, ela, por si só, é suficiente para a validade do aval e, assim, presume-se que a assinatura aposta na frente da cártula, quando não seja do próprio emitente ou do beneficiário nomeado (hipótese em que caracterizará endosso em branco), seja expressão da dação de um aval. “O aval é instituto próprio do direito cambial”, satisfazendo-se “como mera assinatura de quem o firma”, já decidiu a Terceira Turma do STJ no Recurso Especial 248.842/PR47.

45 ALMEIDA, Amador Paes. Op. cit. p. 50 46 MAMEDE, Gladston. Op. cit., p. 135 47 MAMEDE, Gladston. Op. cit. p. 141

O aval parcial, isto é, o aval que garantisse somente parte da obrigação constante do título de crédito, é nulo, conforme artigo 897, parágrafo único, do CC, nada impedindo tratamento diverso por lei específica de título de crédito, conforme artigo 903 do CC. O aval posterior ao vencimento produz os mesmos efeitos do anteriormente dado, conforme artigo 900 do CC, nada impedindo tratamento diverso por lei específica de título de crédito, conforme artigo 903 do CC. Sendo o(a) avalista casado(a), necessária é a autorização do outro cônjuge para prestar aval, conforme artigo 1.647 do CC, à exceção da hipótese de regime matrimonial de separação absoluta. c) Diferença entre aval e fiança O ato civil de garantia corresponde ao aval é a fiança e são duas as diferenças existentes entre eles. Em primeiro lugar – a mais importante -, o aal é autônomo em relação à obrigação avalizada, ao passo que a fiança é obrigação acessória. Desse modo, se a obrigação do avalizado, por qualquer razão, não puder ser exigida pelo credor, isto não prejudicará os seus e]direitos em relação ao avalista. Já, se a obrigação afiançada é inexigível, a causa de inexigibilidade macula igualmente a fiança, que, sendo acessória, tem a sorte da principal. Outra conseqüência da autonomia do aval é a inoponibilidade, pelo avalista, das exceções que aproveitariam ao avalizado, sendo certo que o fiador, em geral, pode alegar contra o credor, as exceções do afiançado (CC/2002, art. 837...)48. A segunda diferença diz respeito ao benefício de ordem, que pode ser invocado pelo fiador, mas não pelo avalista. O benefício de ordem é a exoneração da responsabilidade do prestador da garantia suplementar, em razão da prova da solvência do devedor garantido. O avalista, mesmo que o avalizado tenha bens suficientes ao integral cumprimento da obrigação cambiária, deve honrar o título junto ao credor, se acionado, e, depois, cobra-lo em regresso daquele. O fiador, ao contrário, poderá indicar bens do afiançado, situados no mesmo Município, livres, desembaraçados e suficientes à solução da dívida, e, com isto, liberar-se da obrigação assumida. Essa diferença entre o aval e a fiança costuma não apresentar desdobramentos concretos, na medida em que o credor costuma condicionar a aceitação da fiança à renúncia, pelo fiador, do benefício de ordem49.

48 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 414 49 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 414

d) A responsabilidade do avalista O avalista, na realidade, não ocupa a mesma posição do avalizado, muito embora seja responsável da mesma maneira. Assim, o credor do título de crédito poderá exigir o cumprimento da obrigação tanto do emitente do título quanto do avalista. E, se o avalista paga o valor do título, o mesmo se sub-roga nos direitos do credor, podendo, por sua vez, acionar o avalizado50, conforme artigo 899, §1, do CC: “Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados anteriores.” e) A pluralidade de avais Diversos avalistas podem, simultânea ou sucessivamente, obrigar-se cambialmente. A ordem não afeto o credor, que, vencida a letra, poderá exigir o cumprimento da obrigação de qualquer deles. Assim, não é exato que, em se tratando de aval sucessivo, esteja o credor obrigado a executar, em primeiro lugar, o emitente ou sacado, para só posteriormente executar os demais coobrigados, estes últimos pela ordem de aposição. Inexiste no direito cambial o chamado “benefício de ordem”, e ao credor é lícito acionar a qualquer dos responsáveis, independentemente da ordem em que estes se encontrem. Os avais sucessivos se sobrepõem uns aos outros, um avalista garantindo o outro. Nos avais simultâneos os avalistas garantem o avalizado. Normalmente os avais sucessivos declaram expressamente: “ Por aval de ...................”, colocados em linhas superpostas, com número de ordem, são considerados simultâneos. Importante, nesse ponto, a transcrição da Súmula no. 189 do STF: “Avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos”. O avalista que paga a letra sub-roga-se nos direitos do credor, podendo, por isso mesmo, acionar os demais subscritores anteriores, inclusive, obviamente, o devedor principal. Em se tratando de aval sucessivo, o avalista pagante pode cobrar do seu avalizado integralmente o que pagou; se se tratar de aval simultâneo, só poderá acionar os demais avalistas nas suas quotas-partes. O Supremo Tribunal Federal, decidindo questão análoga (Rec. Extr. No. 70.715), assim concluiu: “Pode o avalista que pagou cobrar do outro avalista a quota-parte devida por esse coobrigado”. 50 ALMEIDA, Amador Paes. Op. cit. p. 49

CAPÍTULO VIII

O PROTESTO a) O conceito de protesto O protesto é normatizado pela Lei 9.492/97 que, logo no seu artigo 1º, conceitua protesto como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento e obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Fabio Ulhoa Coelho critica o conceito apontado pela Lei 9.492/97 afirmando que “Há protestos que nele não se podem enquadrar, como o de falta de aceite de letra de câmbio” e aponta o seu conceito de protesto como “ato praticado pelo credor, perante o competente cartório, para fins de incorporar ao título de crédito a prova de fato relevante para as relações cambiais”51, como a falta de pagamento, a falta de aceite etc. É sempre ato do credor do título de crédito. b) O serviço de protesto O serviço de protesto cabe ao Tabelião de Protestos de Títulos a quem, na forma do artigo 3º da Lei 9.492/97, cabe: a protocolização, a intimação, o acolhimento d devolução ou do aceito, o recebimento do pagamento do título e de outros documentos de dívida, bem como lavrar e registra o protesto ou acatar a desistência do credor em relação ao mesmo, proceder às averbações, prestar informações e fornecer certidões relativas a todos os atos praticados. c) Hipóteses de protesto Na forma do artigo 21 da Lei 9.492/97, há 3(três) hipóteses em que o protesto pode ser tirado (efetuado):

• Protesto por falta de pagamento: Após o vencimento, o protesto sempre será efetuado por falta de pagamento, vedada a recusa da lavratura e registro do protesto por motivo não previsto na lei cambial (art. 21, § 2º).

• Protesto por falta de aceite: somente poderá ser efetuado antes do

vencimento da obrigação e após o decurso do prazo legal para o aceite ou a devolução (art. 21, § 1º).

51 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 422

• Protesto por falta de devolução: devido quando o sacado retiver a letra de câmbio ou a duplicada enviada para aceite e não proceder à devolução dentro do prazo legal. Esse protesto poderá basear-se na segunda via da letra de câmbio ou nas indicações da duplicada, que se limitarão a conter os mesmos requisitos lançados pelo sacador ao tempo da emissão da duplicata, vedada a exigência de qualquer formalidade não prevista na lei que regula a emissão e circulação das duplicatas (art. 21, §3º)52

d) Da não obrigatoriedade do protesto O protesto não é requisito para acionar o devedor principal e seus avalistas, vez que a sua obrigação para com o pagamento apura-se diretamente da cártula, condicionada apenas ao vencimento da data aprazada, sem que tenha havido o pagamento correspondente.

É lícito ao credor, porém ao credor protestar o título antes de acionar o devedor principal e os seus avalistas, tratando-se, entretanto, de medida facultativa, não obrigatória para que se tenha o direito à ação de execução contra aqueles.

Somente para acionar outros coobrigados, cuja responsabilidade pelo

pagamento não é direta, mas decorrente da inadimplência do devedor principal e de seus avalistas, faz-se necessário o protesto, que passa a ser obrigatório53.

e) Do pagamento em cartório A partir do vencimento do título, incidem juros de mora e correção monetária. Por isso, o pagamento de título em cartório, para fins de evitar a efetivação do protesto, deve compreender esses encargos, além do valor do título, Também será devido, na hipótese, o reembolso das despesas e custas incorridas pelo credor, na tentativa de protestar o título54, conforme artigo 19 da Lei 9.492/97. A correção monetária, por sua vez, é devida em decorrência do previsto na Lei no. 6899/81, que a assegura, a partir do vencimento, na execuções de títulos extrajudiciais. Ora, se o credor pode exigir, em juízo, atualização monetária, ela também a pode cobrar do devedor, no âmbito extrajudicial, ainda que não exista expressa menção no texto do documento creditício. A propósito, quando é esse o caso, o credor deve, ao encaminhar o título ao cartório de protesto, apresentar também o demonstrativo do valor atualizado e do critério de atualização (Lei 9.492/97, art. 11)55.

52 MAMEDE, Gladston. Op. cit.p. 169 53 Ibidem, p. 163 54 COELHO, Fabio Ulhoa. Op. cit. p. 424 55 Idem

CAPÍTULO IX

AS ESPÉCIES DE TÍTULOS DE CRÉDITO Muitas são as espécies de títulos de crédito, todas elas reguladas por leis especiais, sendo que os títulos de crédito mais usuais e importantes são: I – LETRA DE CÂMBIO II – NOTA PROMISSÓRIA III – CHEQUE IV – DUPLICATA V- WARRANT E CONHECIMENTO DE DEPÓSITO VI – CONHECIMENTO DE TRANSPORTES VII – AÇÕES VIII – DEBÊNTURES IX - TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA X- LETRA IMOBILIÁRIA XI – CÉDULA HIPOTECÁRIA XII – TÍTULOS DE CRÉDITO RURAL: nota promissória rural, duplicata rural, cédula rural pignoratícia, cédula rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária, nota de crédito rural XIII – TÍTULOS DE CRÉDITO INDUSTRIAL: cédula de crédito industrial, nota de crédito industrial, cédula de crédito bancário