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  • Universidade Aberta

    Um projeto para as novas reservas do

    Museu Municipal de Tavira

    Maria Leonor Esteban Pereira

    Mestrado em Estudos do Patrimnio

    Dissertao orientada pelo Professor Doutor Pedro Flor

    2015

  • ii

    Agradecimentos

    Um agradecimento muito especial ao Doutor Pedro Flor que foi o meu orientador da tese.

    Helenas Viegas, desenhadora da Cmara Municipal, que fez o esquema e idealizou o

    projeto das novas reservas do Museu Municipal de Tavira.

    Clia Teixeira, arquiteta da Cmara Municipal, no apoio documentao grfica deste

    trabalho.

    Ao senhor Ofir Chagas que tirou uma manh para conversar comigo sobre as suas

    memrias do antigo museu enquanto era aluno da escola primria no Palcio da Galeria.

    Aos meus colegas do Museu Municipal de Tavira que contribuem todos os dias para a

    existncia do museu.

    Aos meus colegas do Arquivo Histrico Municipal de Tavira no apoio na consulta dos

    documentos e, em especial Isabel Salvado na cedncia de bibliografia e na troca de

    informaes sobre este tema.

  • iii

  • iv

    Resumo

    Esta dissertao uma abordagem, um levantamento e uma reflexo sobre o que

    afinal uma reserva museolgica e a sua importncia no museu. As reservas continuam a

    assumir um papel de retaguarda em muitas instituies museolgicas, muitas vezes at

    desprezado, uma vez que so espaos escondidos. necessrio sensibilizar e promover

    uma mudana de atitude no nosso panorama museolgico. As reservas devem assumir uma

    funo museolgica de importncia primordial e relevante dentro de qualquer museu:

    nestes espaos que os bens culturais permanecem por tempo indeterminado e por isso

    devem ser alvo de ateno.

    Sendo a preocupao central deste estudo a conservao preventiva das colees do

    Museu Municipal de Tavira, tornou-se fundamental caracterizar os edifcios que guardam

    este acervo museolgico e que funcionam, deste modo, como reservas/depsitos. Ao

    abordarmos a conservao preventiva relacionada com as reservas do museu, o edifcio

    tem um papel fundamental neste processo, uma vez que considerado a primeira barreira

    de proteo dos bens culturais. A sua caracterizao fundamental para compreender se a

    conservao preventiva bem-sucedida ou no.

    De uma maneira geral, os edifcios que guardam as colees do museu apresentam

    problemas estruturais, uma vez que so reutilizaes de espaos que no foram projetados

    para reservas museolgicas. Como soluo propem-se a construo de um edifcio de raiz

    devidamente planeado para albergar todo o acervo do museu, incluindo reas de atividades

    dos tcnicos, facilitando tanto a gesto das colees como dos recursos humanos.

    Respeitando as diretrizes internacionais na rea dos museus, este edifcio deve ser

    construdo com uma Arquitetura Bioclimtica e Sustentvel porque a salvaguarda do

    patrimnio e da natureza andam de mo dada face ao aquecimento global do planeta.

    Palavras-chave: Reserva Tcnica, Conservao Preventiva, Coleo, Museologia,

    Arquitetura

  • v

    Abstract

    This dissertation is an approach, a survey and a reflection on what is after all a

    museological storage and its importance in the Museum. Storages areas continue to assume a role

    of lamps in many museums, often neglected, since they are hidden spaces. It is necessary to raise

    awareness and promote a change of attitude in our museological panorama. Storages areas must

    assume a museological function of paramount importance and relevant inside any museum: it is in

    these spaces that cultural heritage remain indefinitely and must be the subject of attention.

    Being the central concern of this study the preventive conservation of the collections of the

    Museu Municipal de Tavira, became essential to characterize the buildings that keep this

    museological collection and how they work as storages/deposits. When we approach the preventive

    conservation related to the storages of the museum, the building has a key role in this process,

    since it is considered the first barrier of protection of cultural heritage. Their characterization is

    essential to understand whether the preventive conservation is successful or not.

    In General, the buildings that keep the museum colletions present structural problems

    since they are reuses spaces that are not designed for museum storages. As solution we propose the

    construction of a building from scratch properly planned for all the museum colletions, including

    areas of technical activities, facilitating both the management of collections such as human

    resources. Respecting international guidelines in the area of museums, this building should be

    constructed with a "Bioclimatic and Sustainable Architecture" because the safeguarding of

    heritage and nature go hand in hand in the face of global warming of the planet.

    Keywords: Museum Storage, Preventive Conservation, Collection, Museology, Architecture

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    ndice

    Introduo...........1

    Capitulo I O Museu Municipal de Tavira: dos antecedentes atualidade..........5

    1. Liberalismo e Implantao da Repblica..............7

    2. Estado Novo.....14

    2.1. O antigo Museu Municipal de Tavira........16

    3. A Nova Museologia......23

    3.1. O atual Museu Municipal de Tavira......26

    Capitulo II Caracterizao das colees e dos espaos de reservas do Museu Municipal

    de Tavira...........45

    1. Fatores principais de deteriorao do acervo museolgico......51

    2. Localizao e adaptao dos espaos s colees, avaliao e controle de riscos...63

    2.1. Reservas localizadas junto ao laboratrio de conservao e restauro.......63

    2.2. Reserva etnogrfica do Palcio da Galeria............64

    2.3. Depsitos Municipais .......66

    2.4. Reserva localizada no edifcio da DPEOM.......67

    2.5. Antigo Edifcio do Posto Agrrio e Anexos......68

    3. Descrio, estado de conservao e acondicionamento das colees museolgicas

    afetas a cada edifcio........69

    3.1. Coleo arqueolgica....72

    3.2. Coleo etnogrfica...74

    3.3. Coleo Zezinho Beja........75

  • vii

    3.4. Coleo Arraial Ferreira Neto...76

    3.5. Coleo do Cofre Municipal.....76

    3.6. Coleo de arte contempornea e elementos arquitetnicos.............77

    Capitulo III Projeto do novo edifcio do Museu Municipal de Tavira......79

    1. A conservao dos valores e do patrimnio.....83

    2. Localizao do novo edifcio.......84

    3. Funcionalidade dos espaos.....89

    4. Tipo de construo e materiais a utilizar......91

    5. Normas e procedimentos de conservao preventiva a aplicar........98

    5.1. Equipamentos e organizao das colees.......99

    5.2. Controlo e monitorizao ambiental, segurana e higiene..........104

    Concluso.......109

    Referncias.....111

    Apndice I Documentao Grfica ........127

    Apndice II Documentao Fotogrfica......141

  • viii

    ndice Grfico

    Fotografia rea de Tavira: 2.1- localizao das reservas/depsitos........129

    Planta: 2.2 - Laboratrio de conservao e restauro, gabinete de arqueologia

    e reservas........131

    Planta: 2.3 Reserva etnogrfica no Palcio da Galeria................132

    Planta: 2.4 Segundo piso dos escritrios da DEIM.........133

    Planta: 2.5. Reserva arqueolgica na DPEOM........134

    Planta: 2.6. Piso trreo do Antigo Edifcio do Posto Agrrio e anexo........135

    Planta: 2.7 Primeiro piso do Antigo Edifcio do Posto Agrrio......136

    Loteamento: 3.1. - Parque de Feiras e Exposies.....137

    Loteamento: 3.2 - Parque Industrial.......138

    Planta: 3.3 Piso trreo do novo edifcio para reservas........139

    Planta: 3.4 Primeiro piso do novo edifcio para reservas........140

  • ix

    ndice das Figuras

    Capitulo I - Palcio da Galeria, Museu Municipal de Tavira.....5

    Capitulo II Antigo Edifcio do Posto Agrrio...................45

    Capitulo III Vale do Caranguejo, Tavira...........79

    Figura: 1.1 Fachada principal da Igreja da Misericrdia............143

    Figura: 1.2 Porta de acesso ao antigo Museu Municipal........................................144

    Figura: 1.3 Centro Interpretativo de Abastecimento de gua a Tavira...145

    Figura: 1.4 Figura zoomrfica................146

    Figura: 1.5 Potinho em vidro......146

    Figura: 1.6 Coleo pesos e medidas de aferidor.......147

    Figura: 1.7 Relgio de finais do sculo XIX......148

    Figura: 1.8 Fotografia do edifcio e da torre demolido.......149

    Figura: 1.9 Azulejo do painel da antiga escola do Arraial Ferreira Neto150

    Figura: 1.10 Estandarte de antiga filarmnica....151

    Figura: 1.11 Gravura de Bartolomeu Cid dos Santos ....................152

    Figura: 1.12 Grgula manuelina proveniente do Convento das Bernardas.....153

    Figura: 2.1 Reserva de material arqueolgico........154

    Figura: 2.2. Reserva da coleo Zzinho Beja........155

    Figura: 2.3 - Reserva da coleo Zzinho Beja, outra perspetiva..........156

    Figura: 2.4 Estantes metlicas com caixas com metais arqueolgicos.......157

    Figura: 2.5 Reserva etnogrfica localizada no Palcio da Galeria......158

    Figura: 2.6 Depsito Municipal da Rua Sesinando da Purificao Azinheira....159

  • x

    Figura: 2.7. Interior do depsito..160

    Figura: 2.8 Depsito Municipal da antiga garagem GNR..........161

    Figura: 2.9 Interior do depsito.......162

    Figura: 2.10 Depsito Municipal localizado no segundo piso da DEIM....163

    Figura: 2.11 Exterior do edifcio da DPEOM.....164

    Figura: 2.12 Reserva localizada na garagem da DPEOM...165

    Figura: 2.13 Antigo edifcio do Posto Agrrio.....166

    Figura: 2.14 Antigas casas do Posto Agrrio e anexos........167

    Figura: 2.15 Caixa com metais arqueolgicos....168

    Figura: 2.16 - Acondicionamento dos metais.....168

    Figura: 3.1 Oficina de Conservao e restauro na exposio Memria e Futuro....169

    Figura: 3.2 Maqueta de uma sala de exposies.........170

    Figura: 3.3 - Estantes movveis..........171

  • xi

  • 1

    Introduo

    Durante o sculo XX, em Portugal, e sobretudo no Algarve, ocorreram grandes

    destruies, tanto do patrimnio cultural como ambiental, e modernizaes exageradas. O

    sculo XXI deve apostar num progresso a favor da preservao da cultura, do ambiente,

    dos valores, e no no progresso a favor da sua destruio. A salvaguarda do patrimnio

    cultural e do ambiente depende de todos ns e pressupem fidelidade e usufruto dos bens

    deixados pelas geraes passadas e a sua transmisso s geraes futuras: a ao individual

    de cada ser humano determinante para o futuro coletivo. O patrimnio d acesso

    memria coletiva e proporciona uma identidade ao Homem. A conservao do patrimnio

    cultural e ambiental tornou-se assim um dos grandes desafios do sculo XXI: ambos esto

    interligados, ou seja a salvaguarda de um apela a salvaguarda do outro. Patrimnio cultural

    e sustentabilidade tornaram-se fatores determinantes para a sobrevivncia da Humanidade.

    A nossa funo como tcnicos de conservao e restauro, alm de conservar os bens

    culturais, ir ao encontro da sociedade, interagir com a comunidade, dar a conhecer o

    nosso papel e a sua importncia decisiva na proteo do patrimnio, sensibilizar os meios

    econmicos e financeiros para outros valores associados ao patrimnio, como esttico,

    histrico, afetivo, entre outros, considerados mais importantes que os monetrios, fazer

    compreender aos polticos que o progresso dever passar mais pela reabilitao dos

    edifcios histricos do que construir de novo de forma insustentvel conduzindo

    descaracterizao das cidades, como ocorreu de forma dramtica no nosso Pas.

    Este trabalho aborda vrios aspetos relacionados com o patrimnio cultural desde

    os seus significados, tipologias, valores associados, a sua relao com a sociedade,

    economia e poltica e a importncia da sua proteo. O tema principal so as colees do

    Museu Municipal de Tavira e os espaos que guardam este acervo: as reservas. Se

    considerarmos que o acervo museolgico deve ser conservado para as geraes futuras,

    estes espaos adquirem importncia dentro do museu. Um dos aspetos mais significativos

    da conservao preventiva, ou seja controlo do meio ambiente, diz respeito ao papel do

    edifcio. Partindo do edifcio em si, houve uma necessidade emergente de fazer uma

    abordagem destes espaos existentes no atual museu, uma vez que a reserva no Museu

    Municipal de Tavira, multiplica-se por vrios edifcios, e caracteriza-los como forma de

    alertar a sua no adaptabilidade a reservas museolgicas, comprometendo a conservao

  • 2

    preventiva das colees. Quem responsvel no museu pela gesto das colees convive

    diariamente com este problema. Este trabalho tem como fim propor uma soluo que

    poder ser de interesse futuro para o Museu Municipal de Tavira.

    A metodologia aplicada neste estudo foi o levantamento e caracterizao dos

    espaos existentes, a sua envolvncia e a descrio das colees. A partir do conhecimento

    aprofundado das colees fez-se uma proposta para a construo de um novo edifcio,

    suficientemente grande para albergar todas as colees. O maior desafio deste estudo foi a

    defesa de uma arquitetura sustentvel como fator determinante na conservao preventiva

    das colees. A grande dificuldade encontrada passou por no ser possvel o contato direto

    com reservas de instituies de referncia ou museus construdos com arquitetura

    bioclimtica.

    Este trabalho est dividido em trs captulos. O captulo I consiste na apresentao

    do Museu Municipal e das suas colees. Ao abordar as suas colees e a maneira como

    elas foram integradas no museu necessrio recuar aos antecedentes. O primeiro museu

    que existiu em Tavira, de que se tem conhecimento, surgiu no segundo quartel do sculo

    XX em pleno Estado Novo. Este museu ter durado aproximadamente entre 1940 e 1980,

    no entanto desconhece-se com preciso as datas de abertura e fecho. O atual museu surge

    em finais de 1990 relacionado com a Nova Museologia. Caracterizado como um museu

    polinucleado com a sede no Palcio da Galeria inclui como ncleos museolgicos as

    Ermidas de Santa Ana e So Sebastio, a Igreja So Pedro Gonalves Telmo, o Ncleo

    Museolgico de Cachopo, o Ncleo Islmico, o Centro Interpretativo de Abastecimento da

    gua e o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira e detentor de colees muito

    diversificadas com provenincias muitos dispares.

    O captulo II centra-se essencialmente nas reservas/depsitos existentes. Espaos

    no acessveis ao pblico e por isso infelizmente secundarizados. Uma descrio

    pormenorizada das reservas/depsitos mostra os diversos problemas relacionados com

    estes espaos dispersos por vrios edifcios na cidade dificultando tanto a gesto dos

    esplios como dos recursos humanos. A preocupao num acondicionamento adequado das

    colees tornou-se uma forma de proteo face ao ambiente muitas vezes difcil de

    estabilizar. Neste captulo aborda-se ainda a importncia da conservao, a mais jovem

  • 3

    disciplina a entrar na Museologia, a longa histria da conservao e restauro, a profisso

    do tcnico de conservao e restauro e por fim a importncia da conservao preventiva.

    O captulo III ir finalmente ser abordado o que uma reserva tcnica ideal. Um

    projeto de um edifcio construdo de raiz dando ateno arquitetura, sua funo,

    distribuio dos espaos (reservas tcnicas e servios indispensveis). Defende-se uma

    construo sustentvel qual designamos por Arquitetura Bioclimtica em que a sua

    funo de salvaguarda do patrimnio cultural e do ambiente fique cumprida.

    O Mestrado em Estudos do Patrimnio contribuiu para a aquisio de novos

    conhecimentos que complementaram a licenciatura em conservao e restauro. Sendo a

    conservao e restauro uma disciplina onde as cincias exatas e as cincias sociais

    interagem, a interdisciplinaridade fundamental para o avano do conhecimento nesta

    rea. A tese foi um enriquecimento constante no s do ponto de vista acadmico, mas

    tambm profissional: muitos novos conhecimentos foram postos em prtica.

  • 4

  • 5

    Capitulo I O Museu Municipal de Tavira: dos antecedentes

    atualidade

    Palcio da Galeria, Museu Municipal de Tavira (Cmara Municipal de Tavira/Famlia Andrade/ Nerve,

    Atelier de Design, Lda)

    A conservao do patrimnio contribui para a memria, ela mesma fundamental para a

    existncia da humanidade.

    (Casanovas, 2008: 22)

  • 6

    Patrimnio cultural o suporte material/imaterial de uma cultura que se transmite

    sucessivamente no tempo ao longo das vrias geraes. Trata-se de um processo dinmico,

    uma vez que em todas as culturas tem sido muitas vezes transformado, definido,

    redefinido, valorizado e desvalorizado. Trata-se de um conceito que nunca esttico, mas

    sempre em mudana.

    Ao longo do sculo XX, o conceito de patrimnio cultural foi alargado a

    praticamente todos os domnios. Na Conveno de 2003 da UNESCO a imaterialidade foi

    reconhecida como patrimnio cultural. Na Lei de bases do Patrimnio Cultural foi

    legislado a obrigatoriedade da preservao do patrimnio imaterial nacional que foi

    definido como:() integram patrimnio cultural as realidades que, tendo ou no em

    coisas mveis ou imveis, representam testemunhos etnogrficos ou antropolgicos com

    valor de civilizao ou de cultura com significado para a identidade e memria coletiva.1

    Existe uma reunio entre um suporte material, o objeto fsico, e um contexto

    imaterial. Aos objetos esto associados determinados valores, smbolos, que no so

    materializveis. A imaterialidade est assim relacionada com a memria e a identidade e

    projeta-se na nossa contemporaneidade. O processo de globalizao pode pr este

    patrimnio em risco, sendo o processo social a forma de assegurar a continuao dos

    valores: deve-se promover a participao das comunidades na salvaguarda e transmisso

    do patrimnio imaterial. No entanto pertinente questionar at que ponto se pode

    salvaguardar o Patrimnio Cultural Imaterial, uma vez que este est em constante mudana

    e as prprias sociedades evoluem e os contextos tambm?2 Na realidade, o surgimento do

    novo d-se constantemente desconstruindo o patrimnio estabelecido.

    O sculo XXI tem sido marcado pelo regresso ao passado e tem vindo a contrariar o

    processo de globalizao. As memrias e as identidades locais e a diversidade cultural

    ganhou importncia. Atualmente, as tradies locais, regionais, folclricas e gastronmicas

    despertam interesse. A salvaguarda do patrimnio reca sobre tudo o que existe que

    testemunha o Homem e a sua ao no meio ambiente. No diz s respeito cultura, arte,

    1 DECRETO-LE n. 107/2001 de Setembro de 2001. Dirio da Repblica. I-A Srie. 209 (08-09-2001) 5808,

    Artigo n. 9, Alnea n. 1

    2 DUARTE, Alice - O desafio de no ficarmos pela preservao do Patrimnio cultural Imaterial. Seminrio

    de Investigao em Museologia. Porto: Universidade do Porto, 2010, p. 47-50

  • 7

    ao ambiente, mas tambm aos domnios da poltica, da sociedade e da economia,

    defensora da democracia e da cidadania e dos princpios da justia social. Segundo Michel

    Lacroix, pretende salvaguardar o que a nossa herana tem de melhor.3 Deste modo, a

    salvaguarda do patrimnio cultural assenta na responsabilidade da sociedade proteger o

    que nos foi legado pelas geraes passadas e a sua transmisso s geraes futuras. dever

    de todos salvaguardar o patrimnio cultural e natural.

    As colees do Museu Municipal de Tavira so um patrimnio que essencial

    preservar, uma vez que transmite valores de identidade cultural e memria coletiva

    enraizados numa comunidade local e que deve ser respeitado e usufrudo por todos.

    Patrimnio cultural que no deve ser concebido apenas como referncia do passado, mas

    como um elemento de futuro.

    Este captulo ir abordar essencialmente o Museu Municipal de Tavira, a sua

    importncia como equipamento cultural e sobre o qual nos interessam essencialmente as

    suas colees. tambm partindo das colees que nos interessa abordar um pouco os

    antecedentes recuando ao antigo Museu Municipal que foi erguido em pleno Estado Novo.

    1. Liberalismo e Implantao da Repblica

    Apesar de no existirem bens culturais incorporados no Museu Municipal de Tavira

    provenientes da extino dos conventos, a presena de um conjunto diversificado de

    fragmentos arquitetnicos presentes na atual coleo foram fruto indireto das contingncias

    do sculo XIX.

    Ainda no sculo XVIII, Dom Francisco Gomes de Avelar, Bispo do Algarve entre

    1789 e 1816, desenvolveu uma notvel ao sobre o patrimnio arquitetnico e religioso

    da sua diocese depois do terramoto de 1755. Marcado pela poca do iluminismo e do

    lanamento do primeiro instrumento legal de proteo do patrimnio, em Agosto de 1721,

    por D. Joo V, que progressivamente passou a entender os objetos como bens culturais a

    3 LACROIX, Michel - O Princpio de No ou a tica da Salvaguarda. Coleo Epistemologia e Sociedade.

    Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 61

  • 8

    conservar pela ao do homem. Do seu contacto com Roma antiga ficou sensvel aos

    mecanismos de interveno nos monumentos. Ao regressar a Portugal, em 1788, iria pr

    em prtica os conhecimentos adquiridos no ambiente romano, como novo Bispo do

    Algarve.4

    Em Portugal, a primeira metade do sculo XIX foi marcada por uma profunda

    relao dos portugueses com os vestgios do passado concedendo-lhes valor patrimonial

    como reflexo dos acontecimentos recentes que ocorreram: o terramoto de 1755, as

    invases francesas entre 1807 e 1811 e a guerra liberal entre os absolutistas e liberais entre

    1832 e 1834. Com a instaurao do liberalismo, ocorreu a extino das ordens religiosas

    em 1834 e a consequente desamortizao dos seus bens, que conduziu mudana de mos

    de muitas propriedades atravs de vendas. A extino das ordens religiosas esteve

    relacionada com a onda anti clerical que associava as casas religiosas ao Antigo Regime e

    levou ocorrncia de grandes perdas patrimoniais, que se manifestaram no roubo e venda

    abusiva e no processo de degradao progressiva dos imveis. Assim, aps a vitria liberal

    em 1834, o Estado ps venda em hasta pblica, os bens nacionalizados e incorporados na

    fazenda das extintas ordens religiosas e da coroa. O Estado Liberal tentou providenciar

    condies para a proteo dos bens mveis e imveis dos extintos conventos e mosteiros.

    No entanto, o regime falhou na institucionalizao da defesa e conservao do patrimnio.

    Com a implantao da Repblica a 5 de Outubro de 1910 deu-se um novo ataque igreja e

    surgem uma sequncia de decretos laicos, entre as quais surge a lei da separao do Estado

    da Igreja. Com a promulgao desta lei, a igreja v-se privada de personalidade jurdica e

    de todos os seus bens.

    O processo oitocentista das desamortizaes conduziu criao de museus que

    beneficiaram bastante da incorporao destes bens provenientes do encerramento

    definitivo das casas religiosas. No sculo XIX no havia ainda noo da importncia de

    patrimnio integrado e a preocupao de manter o patrimnio mvel no seu contexto

    arquitetnico para o qual tinha sido criado. Vandalismo e abandono so duas ideias

    associadas ao patrimnio cultural mvel e imvel nesta poca. Algumas personalidades

    importantes ligadas vida cultural, como Almeida Garrett, Ramalho Ortigo ou Alexandre

    4 NETO, Maria Joo Baptista - Uma cultura do restauro iluminista. A aco do Bispo do Algarve Dom

    Marcelino Franco Gomes do Avelar. Esprito e Poder, Tavira nos tempos da modernidade. 1. ed. Tavira:

    Cmara Municipal de Tavira, 2006, pp. 123-126

  • 9

    Herculano, eram sensveis a este problema. Eram defensores dos museus, dos monumentos

    e da arqueologia. O museu foi assim a soluo encontrada para dar destino a muitos bens

    expropriados dos conventos em que A pequena elite que se ocupava destas coisas,

    segundo a prespectiva e estratgica dominantes, concentrava-se em absoluto na noo de

    museu como adereo indispensvel civilizao, ().5

    Em Tavira, durante as lutas liberais as convulses eram constantes. Devido sua

    tradio religiosa que se manifesta na grande quantidade de conventos e igrejas, a

    populao com tendncia conservadora tendia para a poltica de D. Miguel defendendo os

    princpios absolutistas. Os liberais desembarcaram em Tavira a 25 de Junho de 1833 e

    puseram fim resistncia miguelista.6 Com o Decreto de 30 de Maio de 1834, sobre a

    extino das ordens religiosas, no Algarve extinguiram-se vinte e duas casas regulares em

    que cinco delas se localizavam em Tavira. Os bens mveis dos diversos conventos foram

    agrupados por categorias: bens de uso comum, obras de arte, bibliotecas, utenslios de

    culto divino, objetos de ouro e prata e joias. A cada categoria foi dado um destino diferente

    e atualmente pouco se conhece sobre o que aconteceu a estes bens.7

    Dos vrios conventos que existiram em Tavira, apenas nos interessa referir o

    Convento das Bernardas, o Convento de So Francisco e o Convento da Graa. Nos

    Conventos das Bernardas e da Graa foram realizadas escavaes arqueolgicas.

    O antigo Convento das Bernardas, nica comunidade da Ordem de Cister que se

    instalou no Algarve e fundando por D. Manuel I em 1509 em memria do levantamento do

    cerco muulmano de Arzila, era um edifcio com uma arquitetura majestosa e at meados

    do sculo XIX manteve-se afastado do ncleo urbano. Foi construdo entre 1520 e 1528

    com o formulrio artstico do Manuelino. Em 1530 foi entregue s monjas de Cister.8

    Sofreu estragos com o terramoto de 1755 e em 1808 foi pilhado pelos franceses. Ao

    5 SEABRA, Jos Alberto - A recolta devia fazer-se estugadamente e por complete. Patrimnios em trnsito:

    extinguir conventos e criar museus. 100 Anos de Patrimnio. Memria e Identidade. Portugal 1910-

    2010. 2.ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 39

    6 CHAGAS, Ofir - Tavira. Memrias de uma cidade. Tavira: Edio de autor, 2004, p. 100

    7 MARADO, Catarina Almeida - A cidade, os conventos e as suas hortas. Cidade e Mundos Rurais. Tavira e

    as sociedades Agrrias. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2010, p. 112, 114

    8 CHAGAS - Tavira. Memrias de uma cidade, p. 183

  • 10

    contrrio do que sucedeu com os conventos masculinos, que foram definitivamente

    extintos em 1834, nos conventos femininos o processo foi diferente: mantinham-se at

    morte da ltima freira. O Convento das Bernardas recolheu as freiras de Lagos, Loul e

    Faro. A 20 de Outubro de 1857 elaborado o inventrio do Convento das Bernardas. A 1

    de Janeiro de 1861 d-se a sua completa extino e a 3 de Novembro de 1862 o Estado

    toma posse do convento e os seus bens so nacionalizados. O convento extinto por

    portaria de 13 de Janeiro de 1862 e a ltima religiosa, a madre abadessa D. Cndida Clara

    de Assis foi obrigada a sair do convento por ordem da Secretaria do Estado, oficializado

    em 26 de Maro de 1862. A 1 de Abril de 1862, a Fazenda Nacional toma posse do edifcio

    e os bens foram incorporados. Este mosteiro era possuidor de muitos bens e obras de arte

    religiosos. Os bens pertencentes comunidade incluam roupas (como paramentos,

    casulos), mais de dez imagens, vrias pratas (como resplendores, clices, custdias), sinos,

    diversos objetos (como jarras, cadeiras, candeeiros, bancos), livros, manuscritos e

    documentos de importncia e vrios quadros.9 Os objetos foram mantidos no convento

    enquanto as religiosas o ocupavam.10 Conhece-se o destino dos seus bens mveis que

    foram distribudos pela Igreja de So Pedro de Faro, Hospital de Esprito de Santo de

    Tavira, Arquivo Municipal, Igrejas de Santo Antnio e So Francisco de Tavira, Museu

    Paroquial de Moncarapacho e a igreja Paroquial de Boliqueime.11 Em 1890, o Estado

    vendeu o convento a um particular que o transformou numa fbrica de moagem de cerais e

    operou at dcada de 1960. Durante a escavao arqueolgica do Convento das

    Bernardas, pela equipa de arqueologia do municpio, foi descoberta uma fonte do sculo

    XVII consistindo em trs painis com decorao floral na zona do antigo claustro.

    O Convento de So Francisco de Tavira foi fundado em 1312. Este edifcio foi

    afetado pelos terramotos de 1722 e 1755 o que lhe provocou bastantes estragos. Com a

    extino das ordens religiosas, o convento foi encerrado e os seus bens passam para a

    9 Torre do Tombo, Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Convento da Nossa Senhora da Piedade da

    Ordem de So Bernardo, Tavira/Faro, Cota: Cx N. 1935, Inventrio dos Bens, 30 de Dezembro de 1858,

    fls. 3-12

    10 Torre do Tombo, Arquivo Histrico do Ministrio das Finanas, Convento da Nossa Senhora da Piedade da

    Ordem de So Bernardo, Tavira/Faro, Cota: Cx N. 1935, Repartio da Fazenda Pblica da Comarca de

    Tavira, N. 33 de 17 de Fevereiro de 1862

    11 MARADO, Catarina Almeida - Antigos Conventos do Algarve. Um Percurso pelo Patrimnio da Regio.

    Lisboa: Edies Colibri, 2006, p. 171

  • 11

    posse do Estado, com exceo da Capela da Ordem Terceira que existia na igreja

    conventual desde 1670. Em 1843 sofreu um grande incndio que levou derrocada da

    igreja e de grande parte das dependncias conventuais. O que restou da cerca conventual

    foi vendido a particulares em 1849 e, mais tarde, em 1918 a Cmara adquiriu este espao e

    converteu em cemitrio pblico.12 Para o jardim do convento, posteriormente, foram

    transportadas vrias cantarias de provenincia desconhecida.

    Em honra do Santo Agostinho, foi erguido o convento da Graa, situado no interior

    do permetro das muralhas e no lugar da antiga judiaria. A fundao do Convento da Nossa

    Senhora da Graa ocorreu em 1542. A obra iniciou-se em 1569. As obras do convento

    arrastaram-se at ao sculo XVIII. No perodo do Barroco, entre 1758 e 1778, ocorreram

    alteraes imagem inicial trazendo novidades decorativas como a fachada do edifcio

    com o arquiteto Diogo Tavares de Atade. Com a extino das ordens religiosas, o

    convento foi entregue pela Fazenda Nacional ao Ministrio do Exrcito e foi instalado o

    Batalho dos Caadores n.5 em 1839. Em 1904 passou a servir de arrecadao militar e a

    igreja foi convertida a estbulo e depois a garagem das viaturas do exrcito. Este processo

    foi responsvel pela descaraterizao do antigo convento, bem como ao desaparecimento

    dos bens artsticos mveis em que no existem referncias exatas em relao ao seu

    destino. No incio de 2000 passou para a posse da Cmara Municipal de Tavira e

    transformou-se em Pousada de Tavira. Atualmente o convento uma estrutura

    arquitetnica que integra testemunhos de pocas distintas, em que os vestgios da

    arquitetura do sculo XVI, provavelmente no estilo cho, so muito poucas.13 Durante as

    campanhas de escavaes arqueolgicas no Convento da Graa foram descobertos vrios

    elementos arquitetnicos em pedra que fizeram parte do formulrio decorativo do

    convento.

    A Ermida de So Roque um pequeno templo de origem quinhentista que sofreu as

    suas injrias com a Implantao da Repblica. O inventrio dos bens eclesisticos foi

    efetuado em 1911. Em 1923, a Cmara Municipal de Tavira arrendou a Ermida e adquiriu-

    12

    MARADO - Antigos Conventos do Algarve. Um percurso pelo patrimnio da regio, p. 166

    13 SANTANA, Daniel - O Convento da Nossa Senhora da Graa de Tavira. Monumentos. Lisboa: Direo

    Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais, N. 14 (2001), p. 127, 129, 132, 133

  • 12

    a em 1935. A partir da a antiga ermida funcionou como canil14 e atualmente um armazm

    do municpio em estado de degradao avanado. A imagem de So Roque encontra-se

    exposta num pequeno ncleo de arte sacra numa instalao anexa e pertencente Igreja de

    Santa Maria do Castelo e existem suspeitas que o retbulo da ermida encontra-se na capela

    colateral da mesma igreja. Nesta pequena ermida foram efetuadas sondagens

    arqueolgicas.

    Os edifcios que foram adaptados a novas funes sofreram os resultados de uma

    arquitetura deficiente: o Convento das Bernardas foi completamente descaracterizado com

    a instalao de uma estrutura industrial e o Convento da Graa ficou empobrecido com o

    desaparecimento do seu patrimnio integrado.

    Tavira era uma pequena cidade provinciana, que no assumia a mesma importncia

    de Faro, para ser criado um museu com intuito de receber este patrimnio vandalizado.

    Mas as escavaes arqueolgicas e a recolha de elementos arquitetnicos nos antigos

    conventos mencionados foram o resultado indireto da extino das ordens religiosas, do

    abandono, da descaracterizao, da negligncia, do vandalismo e de demolies.

    Em Tavira, o sculo XIX foi um marco importante no que diz respeito

    arqueologia. J no sculo XVI, Andr de Resende tinha identificado a cidade romana de

    Balsa com a cidade de Tavira. No sculo XVIII j eram conhecidos vestgios romanos na

    regio da Luz de Tavira, mas no foram identificadas como sendo as runas da antiga

    Balsa. Apenas na segunda metade do sculo XIX que as runas foram identificadas como

    sendo a cidade de Balsa por Estcio da Veiga. Os seus trabalhos arqueolgicos em Balsa

    estiveram integrados na Carta Arqueolgica do Algarve e ficaram terminados em 1878.

    Posteriormente publicou nas Antiguidades Monumentais do Algarve os resultados das

    suas investigaes. Defendeu a criao de um museu arqueolgico no Algarve e indicou a

    cidade de Faro, no Convento de Santo Antnio dos Capuchos, para erguer o dito museu.

    Sonho que nunca concretizou. Este esplio de Balsa dispersou-se por vrias instituies

    como o Museu Municipal de Faro, o Museu Nacional de Arqueologia e o Museu Regional

    14

    ANICA, Arnaldo Casimiro - Tavira e o seu termo. Memorando Histrico. 1, ed. Tavira: Cmara Municipal

    de Tavira, 1993, p. 296-297

  • 13

    de vora.15 Foi com a publicao da primeira Carta Arqueolgica do Algarve em 1878 que

    nasceu a ideia de criar um museu arqueolgico no Algarve, provincial, com os materiais

    descobertos. Estcio da Veiga defendia a importncia da criao de museus regionais para

    a instalao de museus de arqueologia coordenadas pelos respetivos institutos

    arqueolgicos de cada provncia, com o fim de educar as populaes.16

    No que diz respeito formao de museus no sculo XIX, o Algarve segue mais

    lentamente que as outras provncias e sofreu a indiferena das instituies governativas e

    culturais. S em 1889 surgiu o primeiro museu algarvio, o Museu Martimo e Industrial de

    Faro, designado posteriormente por Museu Martimo do Almirante Remalho Ortigo. Em

    1889, a Direo do Instituto Arqueolgico do Algarve requereu ao Governo para criar um

    museu arqueolgico em Faro e transferir os bens que se encontravam em Lisboa para esse

    museu. O pedido foi aceite. O museu foi instalado no Convento de Santo Antnio dos

    Capuchos, edifcio do sculo XVII. A sua inaugurao oficial foi em Maro de 1894 sob a

    designao de Museu Arqueolgico e Lapidar Infante D. Henrique, atualmente Museu

    Municipal de Faro.17 Este museu formou-se com algumas peas arqueolgicas depositadas

    no Instituto Arqueolgico do Algarve por Estcio da Veiga, por uma pequena coleo

    pertencente ao cnego Boto e foi enriquecido com donativos particulares.18

    Nos dias 21 e 22 de Dezembro de 1920 decorreu o Congresso Arqueolgico

    Nacional em Tavira. A finalidade deste congresso foi intensificar e orientar a defesa dos

    monumentos nacionais. Aderiram ao congresso oito coletividades cientficas, literrias e

    artsticas de Lisboa e das provncias.19

    15

    VIEGAS, Catarina - A ocupao romana no Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve

    central e oriental no perodo romano. Srie Estudos e Memrias 3. Lisboa: Faculdade de Letras da

    Universidade de Lisboa, 2004, p. 259, 266-267, 271, 274

    16 PEREIRA, Lusa Estcio da Veiga - O Museu Arqueolgico do Algarve (1880-1881). Subsdios para o

    Estudo da Museologia em Portugal no sculo XIX. Faro: Separata dos Anais do Municpio de Faro, 1981,

    p. 58-59

    17 CARRILHO, Antnio Carrilho - O Museu Arqueolgico Lapidar Infante D. Henrique. Subsdios para a

    sua Histria. vora: Universidade de vora, 2002. Tese de Mestrado, p 14-19

    18 PEREIRA - O Museu Arqueolgico do Algarve (1880-1881). Subsdios para o Estudo da Museologia em

    Portugal no sculo XIX, p. 41, 47

    19 O Algarve, 23 de Dezembro de 1920, Ano 13., N. 666, p.1

  • 14

    Toms Cabreira no seu livro Algarve Econmico, de 1918, manifesta a sua

    preocupao em relao ao patrimnio algarvio e defende que se devia conservar todas as

    ruinas, achados arqueolgicos e monumentos que se liguem recordaes histricas.20

    2. Estado Novo

    Durante o perodo do Estado Novo ir surgir em Tavira o primeiro Museu

    Municipal. Este perodo foi o primeiro marco da histria da museologia em Tavira e por

    isso reveste-se de alguma importncia. Alguns bens culturais que figuraram neste museu

    fazem parte da atual coleo municipal.

    O golpe militar de 28 de Maio de 1926 no deu origem a um movimento

    ideolgico definido. Em Outubro de 1932 surge um regime recm-institudo em bases

    ideolgicas definidas que iro moldar a poltica do Estado Novo: Constituio de 1933,

    Estatuto do trabalho Nacional em 1933 e a Unio Nacional em 1930. Os valores

    fundamentais eram Deus, Ptria e Famlia. Este sistema poltico-ideolgica, que encontrou

    no catolicismo os seus principais fundamentos, defendeu o regionalismo valorizando os

    ncleos polticos das freguesias e dos muncipes e as associaes locais. Os momentos de

    triunfo da nossa histria servem para revindicar a grandeza do passado e justificar o

    presente. A atividade do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mais tarde

    Secretariado Nacional de Informao (SNI), dirigido por Antnio Ferro, promove a

    divulgao da nova perspetiva histrico-ideolgica. Este perodo foi marcado pela criao

    de museus regionais e pela explorao do potencial econmico do turismo.21

    Os museus fizeram parte da ao poltica e ideolgica do Estado Novo. A sua

    funo era transmitir a mensagem de que Portugal respeitava o patrimnio, protegia os

    esplios museolgicos e respeitava os antepassados gloriosos. Os museus serviram de

    instrumento de propaganda poltica e de explorao ideolgica do novo regime. A Poltica

    de Esprito de Antnio Ferro assentava na Nao, no Territrio (Portugal e colnias) e na

    20

    CABREIRA, Toms - O Algarve Econmico. Lisboa: Imprensa Libanio da Silva, 1918, p. 262

    21 NETO, Maria Joo Baptista Neto - Memria, Propaganda e Poder. O Restauro dos Monumentos Nacionais

    (1929-1960). 1. ed. Porto: Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, 2001, p. 139-146, 168-

    170

  • 15

    Histria, dando especial ateno aos heris e s personagens ilustres. Os objetos

    museolgicos eram escolhidos de acordo com a mensagem que se pretendia transmitir. O

    objeto etnogrfico foi muito valorizado neste perodo, uma vez que estava relacionado com

    a arte popular e centrado na representao do povo e das tradies populares.22 A etnografia

    estava relacionada com a verdadeira identidade nacional e com a salvaguarda dos valores

    identitrios genunos. Deste modo, a tradio a referncia central, sendo destacada a

    cultura popular.23

    O semanrio regionalista Povo Algarvio, entre os anos 1937 e 1940, aborda

    insistentemente as comemoraes do duplo centenrio, referncias exposio do Mundo

    Portugus com descries pormenorizadas dando grande relevncia ao evento.

    Para comemorar os dois centenrios o Portugal dos nossos dias vai apresentar-se realizando por todo o Pas e por todo o Imprio melhoramentos das maiores e dos mais significativos que ficaro a atestar pelo tempo fora a maneira como os portugueses do Estado Novo souberam recordar a fundao da sua Ptria e a Restaurao da sua independncia.24

    O concurso A aldeia mais portuguesa de Portugal foi referenciado no mesmo

    semanrio:

    () H que interessar, nessa obra de renascimento folclrico e etnogrfico nacional, o povo das aldeias, os artistas annimos que, afeioando o barro, entoando cantigas ou, simplesmente, repudiando influncias alheias e nocivas, logram manter intactos, na sua pureza e graa, os costumes tradicionais da sua terra. () As condies essenciais a que devero subordinar-se as aldeias portuguesas do continente, admitidas a concurso, so, em referncia s tradies etnogrficas e folclricas das respectivas provncias, a maior resistncia oferecida a decomposies e influncias estranhas e o estado de conservao no mais elevado grau de pureza ()25

    Em Tavira, a preocupao dos feriados municipais coincidirem com datas

    marcantes como a passagem do feriado concelhio de 1 de Maio para o dia 11 de Junho,

    data em que a cidade foi conquistada aos mouros por D. Paio Peres Correia.26

    22

    LIRA, Srgio - Museus no Estado Novo: continuidade ou mudana. 100 Anos de Patrimnio Memria e

    Identidade. Portugal 1910-2010. 2.ed., Lisboa: IGESPAR,2011, pp. 187-192

    23 MELO, Daniel - Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1997.

    Tese de Mestrado, p. 81

    24 Povo Algarvio, 1 de Maio de 1938, Ano IV, N. 205, p.1-2

    25 Povo Algarvio, 27 de Fevereiro de 1938, Ano IV, N. 196, p.2

    26 Povo Algarvio, 20 de Junho de 1937, Ano IV, N. 160, p.1

  • 16

    2.1. O antigo Museu Municipal de Tavira

    A documentao existente em relao ao antigo Museu Municipal de Tavira muito

    escassa, uma vez que na poca no houver qualquer tipo de preocupao em documentar

    este espao. Estava localizado num edifcio anexo, antiga Casa do Despacho, Igreja da

    Misericrdia, atualmente um Ncleo de Arte Sacra da Santa Casa da Misericrdia (Figuras:

    1.1 e 1.2 nas pginas 143 e 144). Alguns objetos que fizeram parte deste museu foram

    guardados no Cofre Municipal e atualmente fazem parte das colees do museu, outros

    voltaram para os respetivos proprietrios e os elementos arquitetnicos retornaram ao

    jardim da Igreja de So Francisco, em que alguns destes elementos, mais tarde

    recuperados, tambm fazem parte do museu. Alm da criao do espao museolgico,

    inaugurou-se tambm uma biblioteca, o castelo foi restaurado pela Direo Geral dos

    Edifcios e Monumentos Nacionais e classificaram-se alguns monumentos. O castelo de

    Tavira foi classificado como monumento nacional em Junho de 193927 e as suas obras de

    restauro pela DGEMN iniciaram em Maio de 194028 e prolongaram-se at 1945.29 Do

    primitivo castelo nada restava, exceto vestgios das fortificaes construdas no reinado de

    D. Dinis.30

    Tavira sofre influncia do Estado Novo na fase de maior fora do seu programa

    cultural e poltico. Um dos objetivos de propaganda salazarista era a procura da

    autenticidade e originalidade de cada regio que a diferenciasse das outras. Assim, as

    atividades ligadas etnografia e aos costumes e tradies da terra tornavam a regio num

    alvo de interesse e de oferta turstica: regionalismo igual a patriotismo e que

    necessariamente tem que ser nacionalista. A ideologia salazarista demarcada por Ptria,

    Histria, Tradio, Famlia e Deus.

    Em 1937, toma posse a comisso administrativa municipal presidida pelo Sr.

    Isidoro Manuel Pires.31 Este corpo dirigente municipal era constitudo por homens de

    27

    Povo Algarvio, 18 de Junho de 1939, Ano V, N. 264, p. 2

    28 Povo Algarvio, 5 de Maio de 1940, Ano V, N. 306, p. 1

    29 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A65, n. 6268, Plano de Atividades da Cmara Municipal do

    Concelho de Tavira para o ano econmico de 1945, fl. 3

    30 BAOM, Sebastiam - O Algarve, 18 de Janeiro de 1914, Ano 6., N. 304, p.2

    31 Povo Algarvio, 7 de Fevereiro de 1937, Ano III, N. 141, p. 1

  • 17

    confiana do governo e que sob a influncia da delegao regional da Unio Nacional veio

    a fortalecer os valores salazaristas no territrio algarvio.

    O Museu Municipal de Tavira foi criado por deliberao camarria em Abril de

    1937 e ps empregados da secretaria da cmara a percorrer a cidade a fim de obter objetos

    de arte e objetos antigos para o futuro museu.32 33 A iniciativa da criao de um Museu

    Municipal foi muito bem recebida pelos tavirenses, que imediatamente se prestaram a doar

    objetos de interesse histrico e artstico.

    Propem-se a Cmara Municipal, em abenoada deliberao, organizar um Museu Municipal. Louvores merece, porque se interessa em valorizar o seu torro natal (). Organizando um Museu, a Camara arranca a um prolongado e lamentvel esquecimento, e torna devidamente conhecidos e apreciados todos os valores, quaisquer que sejam, a forma porque se aproveitem ou manifestem ()34

    A Cmara decidiu proceder instalao do museu nas instalaes anexas Igreja

    da Misericrdia e foi efetuado pequenas reparaes no edifcio.35 No incio de Agosto de

    1937 foi instalado a Biblioteca e o Museu Municipal continuava em organizao. O Museu

    ocupava o rs-do-cho e a sala do lado direito do primeiro piso.36 A Cmara mandou

    construir uma vitrina para a coleo numismtica.37 Em 1938 foi adquirido mobilirio para

    o Museu e a Biblioteca.38 Segundo as memrias do senhor Ofir Chagas, que na dcada de

    1940 estudava na escola primrio, no Palcio da Galeria, na escadaria que dava acesso ao

    primeiro piso, as paredes exponham lanas e escudos, as cantarias encontravam-se na

    entrada do edifcio, a vitrina com a coleo de numismtica estava disposta no centro da

    32

    Povo Algarvio, 4 de Abril de 1937, Ano III, N. 149, p. 2

    33 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 38, Actas da Cmara Municipal de 28 de Julho de 1933 a

    10 de Novembro de 1938, Sesso de 1 de Abril de 1937, fl. 146

    34 VASCONCELOS, Damio - Museu Municipal. Povo Algarvio, 23 de Maio de 1937, Ano III, N. 156, p. 1

    35 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 38, Actas da Cmara Municipal de 28 de Julho de 1933 a

    10 de Novembro de 1938, Sesso de 13 de Maio de 1937, fl. 150 v.

    36 Povo Algarvio, 8 de Agosto de 1937, Ano IV, N. 167, p. 3

    37 Povo Algarvio, 19 de Setembro de 1937, Ano IV, N. 173, p. 2

    38 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A64, Oramento do Suplemento de Receita e Despesa da

    Cmara Municipal da Concelho de Tavira para o ano econmico de 1938, n. 1765, fl. 1

  • 18

    sala do primeiro piso do lado direito e a sala do lado esquerdo era a biblioteca onde por

    vezes se fazia palestras.39

    Em relao organizao do museu:

    A Camara Municipal tem estado a proceder escolha de antiguidades para a organizao do Museu Municipal que deve ser inaugurado ainda este ano. J l se encontram algumas pedras tumulares, brazes em pedra, etc, cedidas por alguns particulares e pela ordem terceira de So Francisco.

    Fomos porm informados que a Ordem do Carmo, no quis ceder para o Museu umas pedras tumulares que se encontram ao abandono no meio do cemitrio daquela ordem. ()40

    Em 1939, o autarca Isidoro Pires vai apostar na cidade, na sua valorizao e

    projeo turstica e regional, no crescimento e qualidade de vida local, no melhoramento

    da imagem urbana, que se centrava no Centro Histrico, e na divulgao dos valores

    ideolgicos e polticos. Atravs do projeto de valorizao do patrimnio artstico e

    histrico pretendia-se enaltecer a identidade. No centro histrico da cidade criou-se assim

    uma imagem autntica do passado, desde os restauros da Direo Geral dos Edifcios e

    Monumentos Nacionais at s pequenas obras de beneficiao local.41 Numa entrevista

    dada ao autarca pelo semanrio regionalista Povo Algarvio em Abril de 1939 refere-se ao

    Museu Municipal e Biblioteca:

    Neste edifcio anexo Igreja da Misericrdia, est a camara a organizar um museu e a instalar a Biblioteca, que inaugurar no prximo ano, em comemorao dos centenrios. O museu consta de panapolias, brazes de pedra e moedas antigas, e a biblioteca contm algumas raridades de aprecivel valor.42

    O museu foi provavelmente inaugurado em 1940 (no existem referncias quanto a

    data certa da sua abertura), coincidindo com as festas dos centenrios.43

    39

    Ofir Chagas nasceu em 1935, fez o 5. ano na antiga Escola Tcnica de Tavira e foi Chefe de Servios no

    Instituto do Emprego.

    40 Povo Algarvio, 14 de Novembro de 1937, Ano IV, N. 181, p. 2

    41 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A64, n. 1772, Oramento do Suplemento Especial para as

    festas comemorativas dos Centenrios e da Restaurao a realizar de Junho a Dezembro de 1940, Receita

    e Despesa da Cmara Municipal do Concelho de Tavira para o ano econmico de 1940

    42 Povo Algarvio, 9 de Abril de 1939, Ano V, N. 254, p. 1

    43 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de

    1937 a 20 de Setembro de 1941, Sesso de 9 de Maio de 1940, fl. 89 V.-90, elaborao do oramento

    especial para as festas dos centenrios

  • 19

    A instalao do museu nas traseiras do altar-mor da Igreja da Misericrdia tornou

    possvel o seu acesso pelo interior da igreja atravs de uma porta situada no lado do

    evangelho. A igreja, edificada nos meados do sculo XVI com magnficos azulejos e uma

    obra valiosa em talha dourada, seria provavelmente o primeiro ncleo expositivo, fazendo

    assim parte do itinerrio museolgico, que seguia depois para o museu.

    O programa museolgico foi baseado no esprito dos centenrios. Era

    assumidamente um museu local, orientado para explorar as referncias histricas da

    cidade. O objeto museolgico era utilizado como meio de divulgao da propaganda

    poltica e ideolgica. Os objetos provinham das igrejas e de alguns particulares que

    nutriam o gosto pelo colecionismo. O acervo consistia essencialmente em escultura em

    pedra, pintura, numismtica, armas, mveis e poucos objetos de arqueologia. A par do

    museu deu-se interesse s exposies temporrias, aos estudos e ao inventrio dos bens

    artsticos.44

    Alguns particulares que se conhecem que deram objetos ao museu foram:

    Engenheiro Joaquim Rosado Padinha que ofereceu a sua coleo de moedas e medalhas,

    quadros, armas, mveis e objetos de valor, livros documentos, panos, etc; Senhor Filipe

    Monteiro Santos que ofereceu uma coleo de moedas; e a Senhora Ana Peres ofereceu

    uma coleo de armas e objetos gentlicos.45

    O espao museolgico e as intervenes de restauro nos edifcios classificados

    constituram pontos de atrao turstica. O museu localizado no Centro Histrico da cidade

    faria parte de um circuito turstico. Este percurso, dentro das muralhas, inclui a Igreja da

    Misericrdia, a Igreja Santa Maria do Castelo e o Castelo.46

    Para a instalao do museu e da biblioteca tornou-se urgente oficiar a Direo Geral

    dos Edifcios e Monumentos Nacionais a necessidade de reparar o telhado da igreja da

    44

    LOPES, Marco - O ambiente museolgico em Tavira no Estado Novo Memria, Propaganda e Turismo.

    vora: Universidade de vora., 2005. Tese de Mestrado, p. 56-57

    45 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de 1937 a 20

    de Setembro de 1941, Sesso de 2 de Maio de 1940, fl. 89

    46 Povo Algarvio, 6 de Outubro de 1946, Ano XII, N. 639, p. 2

  • 20

    Misericrdia e a conservao das dependncias do edifcio.47 Em 1943, na Igreja da

    Misericrdia caiu o teto da sacristia.48 Esta igreja sofreu vrias reparaes nas dcadas de

    1940, 1950 e 1960. O Povo Algarvio anunciou duas reaberturas da Biblioteca, uma em

    194649 e outra em 1957.50 Daqui pressupomos que o edifcio que albergava tanto o Museu

    como a Biblioteca esteve algumas vezes fechado devido a problemas estruturais e sujeito a

    reparaes.

    O Senhor Antnio Cabreira51, em 1942, doou o seu prdio (atualmente o Arquivo

    Histrico Municipal de Tavira) Cmara Municipal de Tavira para a instalao do Museu e

    Biblioteca ou Arquivo Municipal.52 53 O edifcio anexo Igreja da Misericrdia onde estava

    instalado o museu e a biblioteca era arrendado Santa Casa da Misericrdia.54

    No final da dcada de 1950, o Povo Algarvio volta a abordar o pequeno museu e

    pede a entrega ao Municpio de insgnias, estandartes, bandeiras e outros smbolos

    representativos de organizaes citadinas j desaparecidas para enriquecer o museu da terra

    e contribuir para a elevao do seu nvel.55

    47

    Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 39, Actas da Cmara Municipal de 27 de Novembro de 1937 a 20

    de Setembro de 1941, Sesso de 28 de Maro de 1940, fl. 80 v.

    48 Povo Algarvio, 26 de Setembro de 1943,Ano X, N. 481, p. 2

    49 Povo Algarvio, 7 de Abril de 1946, Ano XII, N. 613, p. 2

    50 Povo Algarvio, 9 de Junho de 1957, Ano XXIV, N. 1195, p.1

    51 Antnio Cabreira nasceu a 30 de Outubro de 1867. Era um homem multifacetado que escreveu sobre

    diversos temas e era monrquico. Alm de colecionador de cargos acadmicos e honorficos era

    empreendedor em criar instituies. Usou o ttulo de Conde de Lagos. Consultar: PINTO, Pinto -

    Monarquia versus Repblica os irmos Antnio e Toms Cabreira. A 1. Repblica em Tavira.

    Transformaes e Continuidades. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2010, p. 36-47

    52 Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A65, n. 8307, Relatrio da Gerncia do ano de 1944, folhas

    8-9, Paos do Concelho, 5 de Janeiro de 1945

    53 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 40, Actas da Cmara Municipal de 6 de Outubro de 1941 a 26 de

    Outubro de 144, Sesso de 20 de Agosto de 1942, fl. 49

    54 Arquivo Histrico da Santa Casa da Misericrdia, Correspondncia Expedida, Ofcio n. 127 de 9 de

    Novembro de 1938

    55 Povo Algarvio, 15 de Novembro de 1959, N. 1.323, Ano XXVI, pp. 1-2

  • 21

    Em 1961 surge pela primeira vez a vontade de criar um Museu Arqueolgico e

    Lapidar no cemitrio de So Francisco.56 Em 1963, a Comisso Municipal de Turismo

    manifesta o interesse na criao de um Museu de Arte Sacra na Cidade.57 Esta nova

    proposta estava relacionada com a oferta turstica. A Indstria do Turismo no Algarve foi

    incrementada na dcada de 1960, marcada pelo incio da construo de grandes hotis e

    estncias balnerias, sendo rendosa, de interesse nacional e apoiada pelo Secretariado

    Nacional de Informao (SNI).

    Nos finais da dcada de 1960, a autarquia props reformular o museu com o apoio

    das comisses municipais de arte, arqueologia e turismo. Este projeto previa uma rede de

    museus, um de arte sacra no edifcio anexo Igreja da Misericrdia, outro de etnografia e

    numismtica na casa que Antnio Cabreira doou ao Municpio de Tavira e ainda outro de

    pedras tumulares e brasonadas no jardim da Igreja de So Francisco.58 Em Novembro de

    1967 a Cmara Municipal nomeou uma comisso a fim de trabalhar para instalar num

    curto lapso de tempo o Museu de Arte Sacra e o Museu Arqueolgico e Regional.59 Em

    1968, foi feita uma diligncia com urgncia para a cmara tomar posse do imvel doado

    para instalar a Biblioteca e o Museu.60 Em 1970, cedeu-se Cmara Municipal de Tavira,

    para a instalao da seco de Arte Sacra do Museu de Tavira, o edifcio da Igreja da

    Misericrdia e dependncias incluindo emprstimo de painis, quadros, parametros, alfaias

    e imagens de santos.61

    O terceiro quartel do sculo XX, em Portugal corresponde a uma fase marcada pela

    prpria alterao da conceo do museu tendo conhecimento do que se fazia alm-

    fronteiras. Os museus passam a desempenhar uma misso artstica, cientfica e uma misso

    56

    Povo Algarvio, 9 de Julho de 1961, N. 1.410, Ano XXVIII, p. 4

    57 Povo Algarvio, 28 de Abril de 1963, N. 1.507, Ano XXIX, p. 1 e 3

    58 LOPES, Marco - O (re)nascer do Museu Municipal: programa e prespectiva de futuro. A Realidade

    Museolgica no Algarve. Prespectivas para o sculo XXI. Museal. Faro: Museu Municipal de Faro, N. 1 (2006), p. 52-53

    59 Povo Algarvio, 18 de Novembro de 1967, N. 1.744, Ano XXXIV, p. 1 e 2

    60 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 56, Actas da Cmara Municipal de 6 de Dezembro de 1966 a 20 de

    Maro de 1968, Sesso de 17 de Janeiro de 1968, fls. 171-171 v.

    61 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 59, Actas da Cmara Municipal de 5 de Agosto de 1970 a 22 de

    Dezembro de 1971, Sesso de 3 de Fevereiro de 1971, fls. 84-84 v.

  • 22

    educativa e social e no serem apenas instituies com a finalidade de conservao de

    objetos. O museu deve ser um organismo cultural ao servio da comunidade. As

    exposies devem exercer uma ao pedaggica de forma a suscitar interesse ao pblico.

    Este perodo manifesta-se ainda pela preocupao da formao do pessoal afeto aos

    museus, sobretudo no que diz respeito ao diretor do museu, ao conservador de museu e ao

    muselogo.62 Deste modo, o museu democratiza-se com igualdade de acesso para todos

    deixando de pertencer s elites, no entanto isto estava longe da realidade da maioria dos

    museus portugueses.63

    Face a estas mutuaes que se deram na museologia nesta fase, ter havido

    conscincia pelo Municpio de Tavira de que o Museu Municipal de Tavira seria j um

    museu ultrapassado? Pressupem-se que a exposio pouco teria mudado desde a sua

    inaugurao. Numa notcia de opinio no Povo Algarvio assinado por A.G. em Agosto de

    1964 comenta:

    Do Museu de Arte Sacra (), Deus nos livre igualmente, pois ostentaria uma burla para a arte e para a sacralidade.

    Mas todas as cidades tm a obrigao cultural e social de organizar o seu museu arqueolgico, como documento de arte, subsdio histrico e informativo para elucidao do pblico, visto que existe uma instruo pblica ampliada em Educao Nacional.64

    Nenhum destes ncleos foi concretizado devido falta de financiamentos e assim

    este projeto acabou por morrer.

    Aps o 25 de Abril de 1974, com o regime democrtico, o antigo Museu Municipal

    aproximou-se do seu fim e acabou por fechar. A Biblioteca foi transferida para o edifcio

    doado por Antnio Cabreira em incios de 1981.65 Pressupem-se que o museu ter

    encerrado entre 1980 e 1981. O edifcio onde estava instalado o Museu e a Biblioteca foi

    devolvido Misericrdia e parte dos bens expostos foram transferidos para o Cofre

    Municipal.

    62

    DECRETO-LEI n. 46 758 de Dezembro de 1965. Dirio do Governo, I-Srie. 286 (18-12-1965) 1696

    63 LIRA - Museus no Estado Novo: continuidade ou mudana? p. 195-196

    64 Povo Algarvio, 16 de Agosto de 1964, Ano XXXI, N. 1574, p. 4

    65 Arquivo Histrico Municipal, Livro n. 77, Actas da Cmara Municipal de 6 de Janeiro de 1981 a 28 de

    Abril de 1981, Sesso de 14 de Abril de 1981, fls. 319-319 v.

  • 23

    Os moldes em que este museu foi criado perderam sentido e a Museologia ganha

    outro novo rumo. O Museu Municipal de Tavira regressa em finais da dcada de 1990, mas

    em moldes diferentes. Os museus so manifestaes de uma dada poca e sociedade a que

    pertencem e a sua debilidade por vezes atravessada por transformaes sociais,

    econmicas e polticas que podem levar ao seu encerramento ficando os seus bens apenas

    valorizados por anteriores geraes e completamente esquecidos.

    3. A Nova Museologia

    Aps o 25 de Abril de 1974, com a democracia, surgiram novas orientaes na

    poltica do patrimnio. Os museus democratizaram-se e comearam a promover os novos

    valores polticos e sociais como a democracia, a liberdade de expresso, a igualdade de

    direitos, etc.

    O universo de Patrimnio cultural foi ampliado, ou seja do tradicional objeto

    artstico caminhou-se para a diversidade patrimonial, que em Portugal ocorreu a partir dos

    anos cinquenta. Entre 1972 e 2003 caracterizou-se pela integrao continuada de novos

    patrimnios. A dcada de 1970 marcada pela integrao de uma grande variedade de

    tipologias. Com este alargamento do conceito de patrimnio levou renovao de antigos

    museus e criao de novos museus. Esta mudana deveu-se prpria dinmica da

    sociedade que comeou a exigir um patrimnio mais diversificado e prximo das

    manifestaes culturais locais. Os patrimnios tornaram-se fatores fundamentais e

    estruturantes da sociedade. Em 2003 torna-se importante a salvaguarda do Patrimnio

    Cultural Imaterial, centrado nas tradies e memrias coletivas.66 Em Portugal, no final do

    sculo XX aumentaram as iniciativas locais ligadas s polticas culturais e tursticas dos

    municpios, que corresponderam a novas abordagens de patrimnio e musealizao.67

    Atualmente, a nova Museologia aposta no desenvolvimento das populaes a partir dos

    seus recursos internos.

    66

    FOLGADO, Deolinda - Patrimnio inclusivo. Das expectativas aos desafios. 100 anos de patrimnio.

    Memria e Identidade. Portugal 1910-2010., 2. ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 323-325

    67 MOUTINHO, Mrio - Os museus portugueses perante a sociomuseologia.100 anos de patrimnio.

    Memria e Identidade. Portugal 1910-2010., 2. ed. Lisboa: IGESPAR, 2011, p. 313

  • 24

    Os museus constituem atualmente uma parte da atividade cultural onde se

    desenvolvem as preocupaes cada vez mais centradas na identidade, no lazer, na educao

    e na socio-economia. So bens essenciais sociedade criados historicamente e

    circunstancialmente e procuram continuamente os compromissos necessrios para a sua

    existncia face a uma sociedade em constante mudana. O museu o reflexo das

    conjunturas sociais, culturais e econmicas de cada momento da sua histria.

    O museu uma instituio com personalidade jurdica, com ou sem fins lucrativos,

    aberta ao pblico, ao servio da sociedade, e que tem como caractersticas essenciais o

    trabalho permanente com o patrimnio cultural (natural, paisagstico, tangvel, intangvel,

    etc) e a sua apresentao em exposies. Os museus colocam-se ao servio da sociedade

    contribuindo para a construo identitria, produo de conhecimentos e de lazer,

    desenvolvimento de programas, projetos e aes utilizando o patrimnio cultural com fins

    educacionais, tursticos, de incluso social, comunicao, exposio, investigao,

    inventrio, conservao e democratizao do acesso. Os poderes pblicos, enquanto

    suporte essencial sobrevivncia dos museus, devem prestar um servio pblico na

    salvaguarda do patrimnio, na afirmao pblica dos museus e na atrao de novos

    pblicos.

    O museu local ou regional tem essencialmente como fim promover o

    desenvolvimento local, aberto a toda a participao popular e com funes diversificadas

    centradas sobretudo na identidade, na atrao turstica, na animao cultural e na

    valorizao dos produtos locais. Este museu participa no desenvolvimento da sociedade

    atravs do conhecimento, da salvaguarda e da divulgao da cultura/identidade da

    comunidade e das relaes Homem/meio ambiente natural. Os bens culturais so

    valorizados atravs da aproximao entre o patrimnio cultural e as gentes locais. No

    patrimnio cultural est o reconhecimento da pertena: Os Museus nascem do desejo

    humano de preservar aquilo que reflete a sua imagem no espelho real. esta vontade do

    humano de ser refletido, uma caracterstica prpria do ser humano que funda e legitima o

    que chamamos de patrimnio.68

    68

    SOARES, Bruno C. Brulon; SCHEINER, Tereza C. M. - A chama interna: Museu e patrimnio na

    diversidade e identificao. Museologia e Patrimnio. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do

    Porto. Vol. 3. N. 1 (2010), p. 18

  • 25

    O patrimnio o resultado de definies de critrios de seleo ao longo do tempo

    do que numa dada coleo de um museu, ser adquirido, preservado e guardado para a

    posterioridade e o que ser descartado.69

    Cada gerao responsvel por uma seleo que

    se faz em relao a um patrimnio cultural em constante mudana.

    Os museus lidam com colees constitudas por objetos fsicos, tangveis, que so

    contextualizadas no mbito da cultura imaterial, intangvel, sendo estes dois aspetos

    indissociveis: O entendimento do objeto museolgico expande-se para alm do carter

    da tangibilidade, buscando incorporar o universo das manifestaes culturais em suas

    representaes e suas prticas e no s os produtos da cultura material centrados nos

    objetos.70

    O patrimnio deve ser dado a conhecer juntamente com a documentao a ele

    associada, de uma forma alargada que ultrapasse as paredes das instituies. A utilizao

    das tecnologias de informao, a informatizao dos inventrios ou a criao de Websites

    so instrumentos que alargam o pblico e permitem projetar a imagem do museu, do seu

    patrimnio e das suas atividades. A era da informao e das novas tecnologias provocou

    profundas transformaes na sociedade e, deste modo, no meio museolgico, em que se

    passou do local para o global.

    Em 2006, os museus existentes na regio do Algarve eram em termos absolutos o

    mais baixo do continente portugus, no esquecendo que se trata de uma regio de baixa

    densidade populacional. A proliferao de museus e ncleos museolgicos d-se sobretudo

    no final da dcada de 1990. Predominam os museus de tutela autrquica, poucos ligados

    administrao central e nenhuns dependentes da Direo Geral do Patrimnio Cultural.71

    69

    BRITO, Joaquim Pas de - O museu entre o guarda e o que mostra. Museus, Discursos e Representaes.

    Porto: Edies Afrontamento, 2006, p.150

    70 LIMA, Diana Farjalla Correia. - Museu, poder simblico e diversidade cultural. Museologia e Patrimnio,

    Vol. 3, N. 2 (Jul./Dez. 2010), p.25

    71 CAMACHO, Clara Frayo - O Panorama Museolgico do Algarve e a Rede Portuguesa de Museus. A

    Realidade Museolgica no Algarve: prespectivas para o sculo XXI. Museal. Faro: Museu Municipal de Faro, N. 1 (Mai 2006), p. 16

  • 26

    3.1. O atual Museu Municipal de Tavira

    Hoje em dia, o Museu Municipal de Tavira j no o depsito de obras que

    caraterizou os primrdios da iniciativa museolgica. O atual museu criado em fins da

    dcada de 1990, dependente da Cmara Municipal de Tavira, de carcter territorial, est

    inserido nesta nova tendncia museolgica relacionada com o alargamento do conceito de

    patrimnio museolgico, a descentralizao de unidades museolgicas e a introduo de

    novas prticas de Museologia. Tem um papel social e cientfico e participa no

    desenvolvimento local atravs do estudo, da interpretao, da salvaguarda, da divulgao e

    da valorizao do patrimnio cultural e natural entendido como uma herana coletiva, na

    sensibilizao dos poderes poltico e econmico para os particularismos regionais e na

    contribuio para a reabilitao de saberes tradicionais. Os objetos so explorados no seu

    contexto geogrfico, social, cultural e econmico sendo importante a aproximao e

    participao da comunidade no estudo e na valorizao do patrimnio cultural.72

    As suas funes essenciais como instituio museolgica so: recolha, inventrio e

    registo, conservao e restauro, investigao, divulgao, ao cultural e educativa. A sua

    constituio teve, como qualquer museu, a existncia de uma coleo de objetos

    independentemente da sua existncia. Esses objetos, para alm do seu valor intrnseco,

    transmitem informaes ligadas histria, ao ambiente social, economia, ao progresso

    tecnolgico, etc, em relao sua poca e que so informaes importantes para o

    conhecimento da cultura material. O museu tem assim como fim, alm de conservar esses

    objetos, estud-los e apresenta-los no contexto espao temporal.

    O Museu Municipal de Tavira incide o seu interesse tanto em exposies

    contemporneas como em exposies que mostram a sua histria e cultura local e dai a

    importncia da arqueologia e etnografia. Sendo um museu polinucleado, ou antes uma

    entidade museolgica descentralizada constituda por vrios ncleos temticos dependentes

    de uma sede, procura cumprir a quase totalidade das funes museolgicas e o garante da

    sustentabilidade de todo o sistema. Formado nos finais de 1990 e baseado no modelo

    ecomuseu ou museu de territrio, a criao de ncleos museolgicos deveu-se iniciativa

    autrquica com o fim da valorizao e descentralizao cultural. Sendo um museu

    72

    CARTAXO, Joana; LOPES, Marco - O Museu Municipal de Tavira: retrato de um territrio. Tavira: Vila

    Adentro, Cidade Renovada. Tavira: Cmara Municipal de Tavira, 2005, p. 101-102

  • 27

    polinucleado, os ncleos museolgicos esto estabelecidos em locais fisicamente

    autnomos da sede com colees prprias e atividades diversas, mas com uma ligao

    institucional e orgnica dependente daquele. Cada ncleo museolgico comporta os

    principais servios tcnicos que permitem o cumprimento adequado das funes

    museolgicas indispensveis. Este museu polinucleado tem como fim a valorizao dos

    patrimnios locais, prximo das populaes. Os distintos ncleos desenvolvem distintas

    temticas promovendo a valorizao do acervo museolgico arqueolgico, etnogrfico,

    religioso, industrial e contemporneo. Alguns ncleos museolgicos, relacionados com o

    patrimnio arqueolgico, esto ligados a evidncias preservadas in situ e interpretadas

    museograficamente. Tambm o patrimnio religioso, pertencente ao Municpio, forma

    ncleos de arte sacra destinados a valorizar espaos abandonados pelo culto.73

    O edifcio sede o Palcio da Galeria, que est implantado na encosta nascente do

    castelo em stio proeminente da cidade de Tavira. um elemento importantssimo na

    paisagem urbana. Este imvel de arquitetura civil oferece testemunhos medievais que

    traduzem sobretudo nas cantarias de arcos quebrados dos sculos XIV-XV e que sofreu

    alteraes sucessivas ao longo dos temos com vestgios arquitetnicos dos diferentes

    perodos. Recebeu uma grande campanha de obras a partir de 1753, a qual denuncia a sua

    fachada principal.74 As suas primeiras referncias histricas remontam ao sculo XVI

    sendo um edifcio habitacional. Em 1863 foi adquirido pela Cmara Municipal de Tavira e

    foi instalado o Tribunal Judicial. Este edifcio sofreu obras de reparao indispensveis nos

    finais da dcada de 1930.75 No incio da dcada de 1950 sofreu obras de adaptao para

    instalar a Repartio das Finanas e a Tesouraria da Fazenda Pblica.76 Tambm funcionou

    a Escola Primria Masculina que permaneceu at 1948. O Tribunal e as Finanas

    funcionaram at 1960. Em 1960 o edifcio sofre obras de adaptao pra instalar a Escola

    73

    Ver o Site do Museu Municipal de Tavira. Disponvel na Internet

  • 28

    Tcnica de Tavira77 que permaneceu at 1980.78 Aps a transferncia do ensino secundrio

    para novas instalaes, foi proposto dar uma nova utilidade ao imvel e colocou-se a

    hiptese de instalar salas de conferncia e o Museu Municipal (o antigo museu j teria sido

    extinto nesta altura), alertando para as necessrias obras de conservao do edifcio.79 O

    Palcio da Galeria ficou sem nenhuma utilidade e ao abandono at s obras de reabilitao

    em 1999.

    Antes da reabilitao o edifcio encontrava-se em estado de degradao avanada.

    As obras da primeira fase decorreram entre 2000 e 2001. A sua inaugurao foi a 5 de

    Outubro de 2001. A par das obras de reabilitao decorriam as escavaes arqueolgicas na

    entrada principal de uns poos votivos fencios com cerca de 3,50 metros de profundidade.

    Devido a estes achados arqueolgicos houve alteraes ao projeto inicial.80 A reabilitao

    deste imvel conferiu a salvaguarda do patrimnio como valorizao histrica. Criou-se

    assim uma rea museolgica que fomenta a animao de atividades culturais. A

    interveno evidenciou tambm a valorizao dos testemunhos arqueolgicos postos a

    descoberto durante as obras e que foram reintegrados e contextualizados no edifcio.81 O

    Palcio da Galeria foi classificado como monumento de interesse pblico devido ao seu

    valor esttico, tcnico e material intrnseco, sua conceo arquitetnica, urbanstica e

    paisagstica e memria coletiva.82

    O Palcio da Galeria est dividido em duas reas expositivas, Edifcio Central e

    Pavilho Medieval, que tm vindo a apresentar importantes exposies temporrias com

    integrao de acervo municipal como Esprito e Poder. Tavira nos tempos da

    modernidade, em 2006, Tavira, Patrimnios do Mar, em 2008, Cidade, Mundos

    77

    Arquivo Histrico Municipal de Tavira, Pasta A71, N. 6301b, Relatrio de Gerncia da Cmara Municipal

    do Concelho de Tavira, fl. 1

    78 ANICA, Arnaldo Casimiro - Tavira e o seu Termo Memorando Histrico. Vol. II. Tavira: Cmara

    Municipal de Tavira, 2001, p.212-213

    79 Arquivo Municipal de Tavira, Livro N. 76, Actas de 2 de Setembro de 1980 a 30 de Dezembro de 1980,

    Sesso de 9 de Dezembro de 1980, fls. 287-287v.

    80 Concurso Pblico para a Empreitada de Restauro e Adaptao do Palcio da Galeria. DOME. Cmara

    Municipal de Tavira, 1999

    81 Concurso Pblico para a Empreitada de Restauro e Adaptao do Palcio da Galeria, cit 31ira, 1999

    82 PORTARIA n. 888/2013 de Dezembro de 2013. Dirio da Repblica. II-Srie. 240 (11-12-2013) 35477

  • 29

    Rurais. Tavira e as Sociedades Agrrias, A 1. Repblica em Tavira. Transformaes e

    Continuidades em 2010, e Fotografar. A famlia Andrade, olhares sobre Tavira em

    2011, alm de importantes exposies de arte contempornea com artistas de referncia

    como Bartolomeu Cid dos Santos, Gnter Grass, Pedro Cabrita Reis, Jlio Pomar, Vieira

    da Silva, Luis Gordillo, Paula Rgo, entre outros, exposies coletivas com a Fundao da

    Caixa Geral de Depsitos e exposies temticas como a Fundao Calouste Gulbenkian

    ou a Portugal Telecom. Atualmente, no Pavilho Medieval encontra-se a exposio

    temporria Dieta Mediterrnea e o Edifcio Central a exposio Memria e Futuro

    dedicada ao trabalho realizado pelo Museu Municipal de Tavira desde a sua criao.

    Os outros ncleos expositivos so a Ermida de Santa Ana, a Ermida de So

    Sebastio, Igreja de So Gonalves Telmo, o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira, o

    Ncleo Museolgico de Cachopo, o Ncleo Islmico e o Centro Interpretativo de

    Abastecimento de gua a Tavira. Todos estes ncleos sofreram obras de reabilitao,

    exceto o Ncleo Expositivo da Pousada de Tavira que se encontra num edifcio construdo

    de raiz.

    Fruto da cooperao entre a Cmara Municipal de Tavira e o Centro Paroquial de

    Cachopo foi inaugurado o Ncleo Museolgico de Cachopo, na antiga Casa dos

    Cantoneiros, em 30 de Julho de 2000, com a exposio intitulada A Vida da Serra. Trata-

    se de um percurso expositivo que divide-se em trs vertentes de interpretao da vida

    serrana: O Cachopo no Tempo, que aborda a problemtica do povoamento da serra, suas

    continuidades e flutuaes; A Serra e a Vida, que refere a problemtica da serra como

    lugar de coexistncia entre o homem e a natureza; e Os Trabalhos e os Dias, que

    apresenta uma prestativa geral do quotidiano das gentes da serra, dando enfase aos

    trabalhos domsticos e aos fabricos artesanais. Este ncleo remete para o seu exterior

    atravs de uma caraterizao do territrio desta freguesia nos seus mltiplos aspetos

    geogrficos, econmicos, sociais, histricos, artsticos e tecnolgicos convidando o

    visitante a explorar o territrio e a interagir com a populao local.

    Tanto a Ermida de Santa Ana como a Ermida de So Sebastio so espaos

    bivalentes, funcionando como ncleos museolgicos de arte sacra e locais de realizao de

    eventos de natureza cultural. Ambas so construes de pequenas dimenses.

  • 30

    A Ermida de Santa Ana situa-se numa elevao que a coloca diante da antiga

    cintura amuralhada da cidade, dentro do permetro do Centro Histrico, virada para oeste

    tendo por perto o rio Gilo. Fruto das obras de requalificao urbana que tiveram lugar no

    alto de Santa Ana, a Ermida no s veio a observar a restrio da circulao automvel na

    zona, como tambm passou a dispor na sua envolvente de uma ampla rea de circulao

    pedonal. Este templo de origem medieval serviu de capela primitiva do Governador do

    Algarve a partir do sculo XVIII. O edifcio, entre 2003 e 2006, sofreu obras de

    recuperao e adaptao a equipamento cultural, sendo que as intervenes se

    desenvolveram ao nvel da estrutura do edifcio.

    A Ermida de So Sebastio situa-se fora das muralhas da cidade precisamente na

    Atalaia, afastado do rio Gilo. Sofreu obras de requalificao com uma ampla rea de

    circulao pedonal sua volta. Este templo foi construdo em honra ao santo mrtir So

    Sebastio a que se atribui o poder de conter epidemias e contgios. A origem desta

    construo ser provavelmente medieval. A sua reconstruo ocorreu em 1745 a partir das

    runas pr-existentes e a obra foi atribuda ao arquiteto Diogo Tavares de Atade. A

    exuberante obra de pintura do interior da ermida foi realizada por Diogo de Mangino.

    A Igreja de So Pedro Gonalves Telmo um templo de origem quinhentista

    inicialmente com formulrio do Renascimento. A nave est separada da capela-mor por um

    arco triunfal renascentista. Foi restaurado em 1756, aps ter sido afetada pelo terramoto de

    1 de Novembro de 1755, por Diogo de Tavares Atade, com atualizao da decorao nos

    moldes barrocos. O teto da nave, da capela-mor e sanca est revestido com uma pintura

    ilusionista sobre madeira produzida em 1765 por Lus Antnio Pereira, sendo um dos

    melhores exemplares do Algarve. Esta igreja foi construda em honra So pedro Gonalves

    Telmo, padroeiro dos marinheiros e pescadores. Desde 1992 que esta igreja pertence ao

    Centro Regional de Segurana Social do Algarve. Foi efetuado um contrato entre a

    Segurana Social e o Municpio de Tavira em que o ltimo ficou com o direito de usufruir

    do imvel por um prazo de 20 anos. A Igreja foi classificada como Imvel de Interesse

    Pblico.83

    De reabilitao recente, terminada em meados de 2014, ainda no foi dada

    83

    PORTARIA n. 740-EN/2012 de Dezembro de 2012. Dirios da Repblica. 2. Suplemento, II-Srie. 252

    (31-12-2012) 41180-(49)

    http://dre.pt/pdf2sdip/2012/12/252000002/0004900050.pdfhttp://dre.pt/pdf2sdip/2012/12/252000002/0004900050.pdf

  • 31

    qualquer funo a este templo, no entanto pressupem-se ser mais um polo museolgico

    de arte sacra com eventos culturais.

    Na Pousada de Tavira (antigo Convento da Graa) foi criado um espao

    museolgico, que abrange a musealizao do bairro Islmico Almada datado de fins do

    Sculo XII e princpios do Sculo XIII com a incorporao de objetos arqueolgicos, em

    cermica e osso trabalhado, encontrados nessas mesmas runas e relacionados com a vida

    domstica. O Ncleo Expositivo situa-se num dos dois edifcios novos construdos em

    beto volta do antigo Convento da Graa. Este edifcio est virado para Noroeste e a sua

    localizao corresponde antiga Cerca Conventual, situada entre o Convento e a antiga

    muralha medieval. O bairro islmico era constitudo por treze casas com habitaes

    organizadas em torno de um ptio central, pavimentos em pedra, em ladrilhos de cermica,

    em terra batida, em argamassa e cal, paredes revestidas com diversas qualidades de

    argamassas, muros em alvenaria, telhas derrubadas, reas de circulao pblica e presena

    de canalizaes. Apenas cerca de um quarto do bairro islmico descoberto foi musealizado.

    A colocao de estrados com gradeamentos metlicos alternados com e corrimo em

    madeira com suporte em metal pintado permite a circulao do pblico sem tocar nas

    runas e ter acesso s vitrinas.

    O edifcio onde funcionou o antigo Banco Nacional Ultramarino foi convertido no

    Ncleo Islmico e em 2012 foi inaugurado este importante espao interpretativo e

    expositivo com a musealizao de uma parte da muralha islmica e com esplios

    recolhidas de intervenes no Centro Histrico das duas ltimas dcadas relacionado com

    a ocupao Islmica em Tavira. A muralha em taipa ciclpica do sculo XII atravessa

    interior do edifcio e foi construda em cal, areia e pedras revestida com paneis de pedras

    aparelhadas. O Ncleo Islmico tem duas reas expositivas dispostas em dois pisos. O

    acervo arqueolgico exposto no primeiro piso consiste numa exposio permanente de

    bens provenientes das escavaes realizadas no Centro Histrico de Tavira e datam entre

    os sculos X e XIII. O famoso Vaso de Tavira encontra-se destacado numa vitrina isolada.

    No segundo piso tm sido realizadas exposies temporrias.

    A Estao Elevatria da Fontinha situada na Rua dos Pelames, em Tavira, foi

    convertida em Centro Interpretativo do Abastecimento de gua a Tavira. Este edifcio

    trata-se de um projeto de Alves Costa e foi construdo entre 1929 e 1932. A estao

  • 32

    Elevatrio funcionava conjuntamente com o depsito de gua. A recuperao foi feita com

    materiais e tcnicas tradicionais idnticos aos originais do edifcio e caratersticos da

    regio.84 No interior do edifcio encontra-se a bomba de gua que uma estrutura

    constituda essencialmente por vrias partes em ferro fundido (Figura: 1.3 na pgina 145).

    Esta estrutura de patrimnio industrial foi recuperada em junho de 2009. Este pequeno

    ncleo criado a partir do aproveitamento de uma antiga estrutura constitui um testemunho

    importante do papel desempenhado por esta atividade em Tavira. Alm de ter contribudo

    para fomentar o desenvolvimento cultural, social e turstico da cidade, esta infraestrutura

    representa uma atividade humana passada sendo um fator de identidade da comunidade

    preservada na memria das populaes, que se sente reconhecida e recordada neste legado

    que nos deixou os antecessores.85

    Alm dos ncleos museolgicos, o Museu Municipal detm os seguintes servios:

    centro de documentao, gabinetes de investigao em arqueologia, histria de arte e

    antropologia, servio educativo e laboratrio de conservao e restauro. Os servios do

    museu funcionam no Palcio da Galeria, exceto o laboratrio de conservao e restauro e o

    gabinete de arqueologia, que esto localizados noutro edifcio, perto da sede. O pessoal

    afeto ao Museu Municipal de Tavira tem formao em reas disciplinares distintas e est

    enquadrado no organigrama municipal na Diviso de Cultura, Patrimnio e Turismo, e

    compe-se da seguinte forma: uma arquiteta, uma antroploga, uma historiadora; um

    historiador de arte, uma artista plstica ligada ao servio educativo, dois tcnicos

    profissionais de arqueologia, trs arquelogos e uma tcnica superior de conservao e

    restauro. A organizao funcional envolve todos os objetivos da atividade do museu

    repartida pelo trabalho de investigao, incorporao, conservao, documentao,

    interpretao e divulgao. O inventrio encontra-se informatizado no InPatrimonium. O

    museu j tem a sua Website disponvel.

    Vrias personalidades tavirenses deixaram-nos escritas as suas memrias sobre a

    cidade assim como vrios investigadores que se debruam sobre o estudo do territrio,

    84

    E06/08/CP- Reabilitao da Rua dos Pelames e Rua Gonalo Velho, Cmara Municipal de Tavira

    85 MENDES, Jos Amado - Uma Nova Prespectiva sobre o Patrimnio Cultural: Preservao e Qualificao

    de Instalaes Industriais. Gesto e Desenvolvimento, N. 9 (2000) p. 205. Disponvel na Internet

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    sendo um precioso contributo para a preservao da nossa identidade para as geraes

    vindouras. So mencionados alguns nomes. Entre as vrias personalidades tavirenses

    contriburam Maria do Rosrio Brs Cavaco Afonso, Arnaldo Casimiro Anica, Maria Jos

    Campos, Damio de Vasconcelos, Adrito Fernandes Vaz, Ofir Chagas, Oliveira d' Atade,

    Antnio Miguel Galvo e Rui Salv Rainha. Como arquelogos Jaquelina Covaneiro,

    Sandra Cavaco, Manuel Maia, Maria Maia e Catarina Viegas. Como historiadores de arte

    Daniel Santana, Rita Manteigas, Francisco Lameira, Vtor Serro, Catarina Marado e

    Isabel Macieira. Como socilogo Jorge Queiroz. Como antroplogas Joana Cartaxo e Lusa

    Ricardo. Como historiadores Carlos Campanio, scar Pinto e Marco Lopes. Como

    gegrafo Alberto Corvo.

    importante no futuro continuar o estudo do territrio nas vrias vertentes, a

    continuao da recolha de objetos que sejam de interesse marcadamente museolgico, de

    histria local e a sua valorizao de forma a reforar a identidade local. importante a

    realizao de fotografias, entrevistas e filmagens de forma a criar registos de memrias que

    podero ter interesse para usos futuros.

    A valorizao do patrimnio de Tavira tem vindo a ganhar relevo social e admisso

    nas polticas da autarquia. A candidatura Dieta Mediterrnea foi apresentada no dia 4 de

    Dezembro de 2013, no Azerbaijo, na 8. sesso do Comit Intergovernamental para a

    salvaguarda do Patrimnio Imaterial da UNESCO, onde est representada a Cmara

    Municipal de