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Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o morrer Maria Julia Kovács Universidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil Resumo: Este artigo discute os principais temas e pesquisas na área da Tanatologia, estudos sobre a morte e o morrer. São apresentados os autores pioneiros que escreveram as primeiras obras de sistematização da Tanatologia entre os quais: Herman Feifel, Robert Kastenbaum e Elizabeth Kübler-Ross, e os principais temas de estudo: luto, violência e guerra, a morte e a TV, cuidados a pacientes gravemente enfermos, além da formação de profissionais da área de saúde e educação para lidar com pessoas vivendo situações de perdas e morte. São feitas propostas de estudos para o futuro desenvolvimento da Tanatologia em nosso país. Palavras-chave: Educação em relação à morte. Profissionais da saúde. Cuidadores. Formação profissional. Development of Thanatology: studies about death and dying Abstract: This study discusses the main themes and research related to Thanatology, studies of death and dying. The pioneer experts who wrote the early works that systematize the area are presented: Herman Feifel, Robert Kastenbaum and Elizabeth Kübler-Ross, as well as the main themes of study: bereavement, violence and war, death and TV, palliative care, training of health and education professionals to deal with people experiencing loss and death. Further studies to develop Thanatology in Brazil are proposed. Keywords: Death education. Health professionals. Caregivers. Professional education. Desarrollo de la Tanatología: estudios sobre la muerte y el morir Resumen: Este artículo discutí los temas principales, las investigaciones en el área de la Tanatología y estudios sobre la muerte y el morir. Son presentados los autores pioneros que escribieron las primeras obras sistematizadas de la Tanatología, entre los cuales: Herman Feifel, Robert Kastenbaum y Elizabeth Kübler-Ross. Se presentan también las áreas principales de estudios como: el duelo; la violencia; la guerra; la muerte y la televisión; los cuidados a los pacientes gravemente enfermos y la formación de profesionales del ámbito de la salud y de la educación para trabajar con personas que están viviendo situaciones de pérdida y muerte. También son realizadas propuestas de estudios para el futuro desarrollo de la Tanatología en nuestro país. Palabras clave: Educación con relación a la muerte. Profesionales de la salud. Cuidadores. Educación profesional. Disponível em www.scielo.br/paideia

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Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o morrer

Maria Julia KovácsUniversidade de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Resumo: Este artigo discute os principais temas e pesquisas na área da Tanatologia, estudossobre a morte e o morrer. São apresentados os autores pioneiros que escreveram as primeirasobras de sistematização da Tanatologia entre os quais: Herman Feifel, Robert Kastenbaum eElizabeth Kübler-Ross, e os principais temas de estudo: luto, violência e guerra, a morte e a TV,cuidados a pacientes gravemente enfermos, além da formação de profissionais da área desaúde e educação para lidar com pessoas vivendo situações de perdas e morte. São feitaspropostas de estudos para o futuro desenvolvimento da Tanatologia em nosso país.

Palavras-chave: Educação em relação à morte. Profissionais da saúde. Cuidadores. Formaçãoprofissional.

Development of Thanatology: studies about death and dying

Abstract: This study discusses the main themes and research related to Thanatology, studiesof death and dying. The pioneer experts who wrote the early works that systematize the areaare presented: Herman Feifel, Robert Kastenbaum and Elizabeth Kübler-Ross, as well as themain themes of study: bereavement, violence and war, death and TV, palliative care, training ofhealth and education professionals to deal with people experiencing loss and death. Furtherstudies to develop Thanatology in Brazil are proposed.

Keywords: Death education. Health professionals. Caregivers. Professional education.

Desarrollo de la Tanatología: estudios sobre la muerte y el morir

Resumen: Este artículo discutí los temas principales, las investigaciones en el área de laTanatología y estudios sobre la muerte y el morir. Son presentados los autores pioneros queescribieron las primeras obras sistematizadas de la Tanatología, entre los cuales: Herman Feifel,Robert Kastenbaum y Elizabeth Kübler-Ross. Se presentan también las áreas principales deestudios como: el duelo; la violencia; la guerra; la muerte y la televisión; los cuidados a lospacientes gravemente enfermos y la formación de profesionales del ámbito de la salud y de laeducación para trabajar con personas que están viviendo situaciones de pérdida y muerte.También son realizadas propuestas de estudios para el futuro desarrollo de la Tanatología ennuestro país.

Palabras clave: Educación con relación a la muerte. Profesionales de la salud. Cuidadores.Educación profesional.

Disponível em www.scielo.br/paideia

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Neste artigo nos propomos a apresentar algunstemas da Tanatologia, área de conhecimentos e deaplicação, envolvendo cuidados a pessoas que vivemprocessos de morte pela perda de pessoas signifi-cativas, processos de adoecimento, em decorrênciade comportamentos auto-destrutivos, suicídio, ou porcausas externas, pela violência presente principalmentenos centros urbanos. Há dois periódicos fundamen-tais para a sistematização da área: Omega Journalof Death and Dying e Death Studies. Outra fonteimportante de consulta na área da Tanatologia é aAssociation for Death Education (ADEC), fundadaem 1970 nos Estados Unidos da América do Nortecom os seguintes objetivos: (a) estabelecer redes deinteração com profissionais que lidam com o tema;(b) promover encontros, workshops e material es-crito para divulgar o assunto; (c) incrementar a edu-cação para a morte e o preparo de profissionais paraatuação na área.

No Brasil podemos citar como fontes de refe-rência: o Laboratório de Estudos sobre o Luto naPontifícia Universidade Católica de São Paulo e oLaboratório de Estudos sobre a Morte no Instituto dePsicologia da Universidade de São Paulo, cujos obje-tivos são muito semelhantes aos da ADEC. A históriabrasileira trouxe importantes contribuições para oestudo da Tanatologia. Em 1980 ocorreu o SeminárioA Morte e os Mortos na Sociedade Brasileira, coor-denado pelo Professor José de Souza Martins, doDepartamento de Sociologia da Universidade de SãoPaulo. As palestras deste Seminário foram publicadasno livro A morte e os mortos na sociedade brasileira(Martins, 1983), abrindo inúmeras perspectivas paraa compreensão e investigação sobre o tema.

Wilma Torres foi a primeira psicóloga brasi-leira que se dedicou à sistematização da área daTanatologia no Brasil. Criou no Instituto de Pesqui-sas Psico-Sociais da Fundação Getúlio Vargas, noRio de Janeiro, um acervo de dados bibliográficossobre a área, dividido em vários sub-temas, consti-tuindo-se em referência importante àqueles que seiniciam nos estudos sobre a morte (Kovács, 2003).Em 1980 coordenou o I Seminário sobre a Psicolo-gia e a Morte na Fundação Getúlio Vargas no Riode Janeiro, cujos resultados foram reunidos no livroPsicologia e morte. Neste mesmo ano Wilma Torres

propôs o curso Estudos e Pesquisas em Tanatologiacom o intuito de promover pesquisas e publicaçõesna área.

Em 1984, foi realizado em Minas Gerais, o ICongresso Internacional de Tanatologia e Preven-ção do Suicídio, sob coordenação de EvaldoD’Assumpção, que resultou na publicação da obraMorte, suicídio, uma abordagem multidisciplinar(D’Assumpção, D’Assumpção, & Bessa, 1984). Naárea da enfermagem cabe destacar os trabalhos deMagali Roseira Boemer e Elizabeth Ranier Martinsdo Valle, docentes da Escola de Enfermagem de Ri-beirão Preto da Universidade de São Paulo.Fernandes e Boemer (2005) trazem importante contri-buição na questão da educação para a morte no livroO tema da morte em sua dimensão pedagógica.

Em Campinas-SP, Roosevelt Cassorla desen-volveu pesquisa na temática do suicídio. Teve tam-bém o mérito de reunir estudos brasileiros sobre otema da morte e do suicídio nas seguintes obras: Damorte: Estudos brasileiros (Cassorla, 1991a) e Dosuicídio: Estudos brasileiros (Cassorla, 1991b). Em2007, na Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo (FMUSP), foi criado o Curso deTanatologia e Educação para a Morte, coordenadopor Franklin Santana Santos, resultando na obra Aarte de morrer: Visões plurais (Incontri & Santos,2007). Trata-se de curso pioneiro na FMUSP. Me-rece citar que, desde 1986, vem sendo oferecida,em nível de graduação, a disciplina Psicologia damorte no Instituto de Psicologia da Universidade deSão Paulo, como apresentaremos em outra partedeste texto. Cabe ressaltar que atualmente temosum grande acervo de livros e teses sobre o tema damorte no Brasil e propostas de disciplinas de gradu-ação, pós-graduação e extensão em vários cursosda área da saúde.

Temas em TanatologiaA seguir apresentamos as questões relevantes

na área que surgiram nestes últimos anos. Bluebond-Lagner (1987), pesquisadora na área do luto infantil,apontou que desde os anos de 1950 há uma sistema-tização da Tanatologia, mas se questiona sobre a realcontribuição que certo tipo de pesquisas oferecem.Muitos estudos tratam de detalhes, isolando alguns

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aspectos do tema da morte, com grande preocupaçãoem definições operacionais. Na década de 1960 hou-ve grandes mudanças na área da Tanatologia, a par-tir dos trabalhos de Kübler-Ross e Saunders(Kovács, 2003, 2007) que revolucionaram o traba-lho com pacientes em estágio terminal da doença etrouxeram o tema da morte para discussão pública,desafiando a mentalidade da morte como tema in-terdito (Ariès, 1977).

O grande desenvolvimento da Tanatologia ocor-reu após as guerras mundiais, com os estudos deHermann Feifel que escreveu o clássico The meaningof death (Feifel, 1959). Esta obra sinaliza o movi-mento de conscientização sobre a importância da dis-cussão do tema da morte, apesar da ainda existentementalidade de interdição do tema. O livro inclui tex-tos sobre filosofia, arte, religião, sociologia. Há arti-gos de vários autores muito conhecidos, entre os quaisdestacamos: Jung, A alma e a morte e Marcuse, Aideologia da morte. Nesta obra, encontram-se tam-bém artigos temáticos como o capítulo Trajetóriasda morte por Glaser e Strauss, e o capítulo Prevençãodo suicídio, de Farberow e Schneidman.

Kastenbaum e Aisenberg escreveram o livroPsychology of Death em 1976, traduzido para oportuguês com o título Psicologia da Morte(Kastenbaum & Aisenberg, 1983), que constitui tex-to de referência na área. Kastenbaum é responsávelpela primeira sistematização da bibliografia sobre otema e na década de 1970 criou o periódico Omega:Journal of Death and Dying, referência para osestudiosos do tema.

Nos Estados Unidos, Jessica Mitford (1978)escreveu American Way of Death, obra que causougrande polêmica, traçando um retrato da morte noOcidente, particularmente na América do Norte. Seutexto apresenta o que Ariès (1977) aponta como oretrato da morte tabu, interdito de uma sociedade.Muitas das pesquisas nas décadas de 1970 e de 1980levaram à consolidação de programas na área daTanatologia. Segundo Bluebond-Lagner (1987), hou-ve certa estagnação da área pelas exigências e rigormetodológico das pesquisas realizadas na década de1980, a partir da necessidade de comprovação de tudoo que se dizia. Esta tendência à quantificação pode terlevado à repetição de certos temas, como a avaliação

da ansiedade frente à morte, presente em inúmerosartigos. Tal fato pode ter reduzido a profundidade dadiscussão de uma área tão complexa como aTanatologia, levando a um afastamento de suas di-mensões mais profundas (Kastenbaum & Sharon,1995). A hipótese dos autores é que poderia estaroperando um mecanismo de defesa nos pesquisadoresque não permitiria a entrada em contato com temasenvolvendo a subjetividade em relação à morte, omedo da extinção, da aniquilação, entre outras ques-tões. Discutem ainda por qual motivo os profissionaisque atuam na área clínica não lêem o que pesquisa-dores escrevem. Uma primeira resposta pode serporque as pesquisas repetidas e com excessivo zeloquanto à precisão dos termos, talvez não respondamàs questões principais daqueles que cuidam de pes-soas vivendo situações de morte.

Passamos a apresentar alguns dos temas atuaisde estudo na área da Tanatologia, os quais longe depretender esgotar a abrangência da área, apresen-tam um panorama do que vem sendo pesquisado.

Estudos sobre lutoParkes (1987), grande autoridade na área do

luto, menciona as preocupações atuais nas pesqui-sas sobre este tema. Nos estudos dos conceitos bá-sicos sobre o luto, há os que verificam como perdasafetam estruturas de significado na vida, já que oluto é considerado uma profunda transição existen-cial. Outra área importante de estudo é o efeito dosprocessos do luto no sistema imunológico. Dadosepidemiológicos apontam que ocorrem muitas mortesapós a viuvez. Vários sintomas psíquicos eram vistoscomo doença física em pessoas em processo de luto,os médicos eram procurados por pessoas enlutadasque apresentavam sintomas como: depressão, insônia,anorexia, aumento no uso de álcool e drogas. Atual-mente muitos destes sintomas são relacionados aoprocesso de luto e não são mais vistos como patologia,como atestam os estudos de Parkes (1987), Stroebee Stroebe (1987), entre outros.

Parkes (1987) refere também pesquisas sobreas diferenças nas respostas do luto, envolvendo ques-tões de gênero. Cita autores que estudam avulnerabilidade e alto risco de mulheres que per-dem seus filhos. Menciona estudos sobre diferentes

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manifestações emocionais e a realização de rituais emvárias culturas. Parkes, Laungani e Young (1997) pu-blicaram o livro Death and bereavement across thecultures, no qual abordam os principais temas e rituaisde várias culturas, entre as quais: a hindu, a budistatibetana, a judaica, a cristã e a islamita. Kastenbaum(1969) se refere a fatores de risco para luto complica-do no caso de pessoas idosas, principalmente quandoperdem seus filhos adultos. O número de idosos temaumentado e muitos vivem em situação de risco, comproblemas financeiros, isolados, com doenças graves,que podem se agravar com as perdas da vida, consti-tuindo o que o autor denominou sobrecarga de luto.Com o prolongamento do tempo da vida muitos paisestão enterrando seus filhos adultos, e acabam viven-do sozinhos esta perda tão difícil de ser elaborada.

O luto complicado, antigamente denominadode luto patológico suscita controvérsias. SegundoParkes (1998), é preciso muito cuidado para não seclassificar precocemente processos de luto comodisfuncionais, quando não seguem estágios ou etapasque durante muito tempo foram considerados comoinerentes a seu processo. Para o autor uma cuidadosaavaliação é necessária em todos os casos. A questãodo luto complicado é um ponto importante para pes-quisas, já que muitos profissionais não estão prepara-dos para lidar com este problema. Segundo Rando(1992/1993), há conseqüências sérias quando não secuida de pessoas que apresentam risco para proces-sos de luto complicado. É fundamental: (a) identificarfatores de risco; (b) delinear tendências sócio-cultu-rais e tecnológicas que possam exacerbá-las; (c) ob-servar o que é necessário ser trabalhado para se evitarum luto complicado.

Para a autora mencionada anteriormente hádificuldades de identificar o que se considera comofatores complicadores. Aponta a necessidade de re-visão de alguns conceitos como luto patológico,desajustado, anormal, disfuncional, desviante, entreoutros. A tendência é falar em fatores complicadoresdo luto, pois retira da pessoa a única responsabilidadepelos problemas. Há circunstâncias anteriores à mor-te, na própria situação e após o óbito que podem difi-cultar o processo de luto. A autora afirma que algunsprocessos são importantes para elaboração do luto,entre os quais: (a) reconhecer o luto, (b) reagir à

separação, (c) recolher e re-vivenciar as experiênciascom a pessoa perdida, (d) abandonar ou se desligarde relações antigas, (e) reajustar-se a uma nova situ-ação, (f) reinvestir energia em novas relações.

Entre os fatores que podem causar complicaçõesno processo de luto, observa-se negação e repressãoligadas à perda e à dor. Estes fatores podem serexacerbados em uma cultura que faz com que as pes-soas se controlem, não se manifestem e que vivamcomo se a morte não existisse. Há também distorçõesque afetam a expressão do luto, como o adiamento,inibição ou cronificação do processo. Não há padrõesque definam quando um ou outro processo está seinstalando, porque também devem ser levadas emconta a maneira de ser das pessoas e suas formas delidar com situações de crise. Estes itens são impor-tantes para serem considerados pelos profissionais quevão cuidar de pessoas enlutadas, não como um padrãoa ser imposto sobre elas, mas como sinais a seremobservados. Há uma tendência para “adequar” as pes-soas, buscando-se normatização, o que não permiteque elas possam viver sua tristeza. Podem ocorrerdistorções que afetam a expressão do luto, como oadiamento, inibição ou cronificação do processo.

O tipo de morte pode afetar a forma de elabo-ração do luto. Suicídios e acidentes são as mais gra-ves, pelos aspectos da violência e culpa queprovocam. Por outro lado, as mortes de longa dura-ção, com muito sofrimento podem também serdesgastantes. Entre os fatores complicadores desteprocesso deve ser considerada a relação anterior como falecido, principalmente a que envolve ambivalênciae dependência, problemas mentais e a percepção dafalta de apoio social. O luto complicado pode se ma-nifestar por sintomas físicos e mentais. Em muitoscasos é difícil separar um processo de luto complicadoe a presença de problemas mentais. Esta diferencia-ção é fundamental ao se pensar nas formas mais ade-quadas de cuidado.

Mudanças sociais são responsáveis pelas difi-culdades de elaboração do luto nos dias atuais. O rá-pido índice de industrialização, urbanização e o avançoda técnica médica levaram a uma desvalorização dosritos funerários. A conseqüência disto é que ao vive-rem perdas significativas, as pessoas sentem-se sozi-nhas, sem saber o que fazer, principalmente quando

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estão distantes de seus familiares, fato comum naatualidade. Nos centros urbanos, houve aumento sig-nificativo da violência, dos acidentes e do abuso dedrogas, resultando no aumento das mortes violentase traumáticas, um dos fatores de risco para luto com-plicado. A morte escancarada por ser inesperada nãopermite preparo prévio. Envolve múltiplos fatores quepodem dificultar a sua elaboração: perdas múltiplas(morte de várias pessoas da mesma família), perdasinvertidas (filhos e netos que morrem antes de pais eavós), presença de corpos mutilados, desaparecimentode corpos e cenas de violência (Kóvacs, 2003).

Mortes lentas, em processos crônicos, tam-bém causam dor e sofrimento. O aumento do tempode vida, também daqueles com doenças lentas edegenerativas, faz com que se viva longos processosde morte, causando desgaste físico e psíquico aosseus cuidadores, que sofrem com a perda da pessoaque conheciam, complicando o processo do luto(Hennezel, 2001). Podem ocorrer sentimentosambivalentes, tristeza pela perda e raiva pelo aban-dono, desejo da morte para alívio do sofrimento, quepode provocar culpa, podendo ser este um fator derisco para o luto complicado.

O luto não autorizado também deve serpesquisado, como apontaram Corr (1998/1999), Doka(1989), Casellato (2005). Um exemplo é a morte poraids, quando companheiros não podem chorar a mú-tua perda, porque seus amigos e familiares não sa-bem da relação entre eles. O aborto é também umasituação de perda não reconhecida, já que a morteocorre antes da vida ser reconhecida socialmente.Trata-se de grave engano, pois pode haver intensoinvestimento de amor em uma gravidez com a ex-pectativa do nascimento do filho. Com o aborto ini-cia-se o processo de luto para elaboração desta perda.Um outro exemplo de luto não autorizado é o dosamantes em situação de adultério, pois sua relação,muitas vezes, não é aceita. Adolescentes, às vezes,não têm seu luto reconhecido, já que freqüentementese isolam ou se retraem dando idéia de que não estãoenvolvidos com a situação, o que pode aumentar asua dor, pois o seu sofrimento não é percebido.

Para o futuro, Parkes (1998) sugere a criaçãode instituições para prestar cuidados durante oadoecimento e após a morte, o desenvolvimento de

programas de cuidados paliativos, os hospices, ga-rantindo-se a especificidade dos trabalhos, que aten-dam às necessidades de cada população. Porexemplo, em Israel foi criado um serviço de ajudapara viúvas e viúvos da guerra; na África, as institui-ções cuidam dos órfãos da guerra civil. No Brasil,citamos o trabalho do Laboratório de Estudos sobre aMorte no Instituto de Psicologia da Universidade deSão Paulo e do Laboratório de Estudo sobre o Luto,na Pontíficia Universidade Católica de São Paulo.Merece destaque o trabalho de Maria Helena PereiraFranco, coordenadora do Instituto Psicológico deEmergências, que oferece cuidados a sobreviventese familiares enlutados em catástrofes, como foramos grandes desastres aéreos ocorridos em 2006 e2007 em nosso país.

Aproximação da morte: cuidado a pacientes nofim da vida

Uma obra de grande impacto na história daTanatologia é Sobre a morte e o morrer (Kübler-Ross,1987), que fala sobre o cuidado a pacientes gra-vemente enfermos, destacando a importância daescuta de suas necessidades e seu sofrimento. Ela émais conhecida pelos estágios (negação, raiva, bar-ganha, depressão e aceitação) vividos por pacientesque recebem o diagnóstico de doença grave. Na ver-dade, a autora fala das reações de pessoas nesta si-tuação. Ela temia que os profissionais se fixassem naseqüência dos estágios, o que poderia indicar a buscade um padrão ou molde. Entretanto, o fundamentalem sua obra é a proposta de comunicação que a autoraapresenta. Infelizmente, foi dada mais importância aosestágios propostos do que à sua experiência clínica.(Kovács, 2003, 2007)

Um estudo clássico na pesquisa com pacientesem estágio terminal da doença é o de Hinton (1963),que verificou altos níveis de desespero e depressãoem 55% dos pacientes. Foram observados temascomo desligamento das preocupações sociais e a ne-cessidade de cuidado às perdas relacionadas com adoença. Glaser e Strauss (1961) pesquisaram os ní-veis de consciência de pacientes gravemente enfer-mos sobre a sua doença e a aproximação da morte,trazendo questões importantes sobre a comunicaçãocom eles. Os autores realizaram estudos em hospitais

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de São Francisco, nos Estados Unidos, com pacientesinternados, observando sua relação com a equipe desaúde. Na chamada consciência fechada, o pacientenão quer saber de sua doença ou aproximação damorte e o profissional também não fala. Pode tam-bém ocorrer fingimento mútuo, não deixar que o ou-tro saiba, o que já se sabe. São apresentadas astrajetórias de mortes rápidas, inesperadas, esperadasou prolongadas.

O crescente desenvolvimento da medicina edos hospitais provocou a transferência do lugar damorte para estas instituições. A invenção de procedi-mentos de alta tecnologia como a hemodiálise trouxenovas questões sobre vida e morte. Uma questãomuito difícil para os médicos é decidir quais pacientesserão encaminhados para Unidades de Terapia In-tensiva (UTI) com possibilidade de serem salvos, equais não irão, com risco de morte.

A questão dos transplantes trouxe também re-viravoltas em relação ao momento da morte, dividin-do-a em duas vertentes: morte clínica e cerebral.Cria-se aí um dilema ético envolvendo o atestado damorte para retirada de órgãos, com o coração aindabatendo, o que afeta profundamente o imaginário po-pular que entende que há vida enquanto o coraçãobate, mesmo que o cérebro esteja morto. Com o de-senvolvimento da tecnologia médica os hospitais tor-naram-se “instituições para a cura”. Novas questõessobre vida e morte se apresentam então. O ser hu-mano tem direito à vida e também à morte digna, sur-gindo a questão: qual é o real papel das Unidades deTerapia Intensiva? Salvar vidas ou prolongar mortes?Vemos na prática médica esta mesma contradição:por um lado, tenta-se prolongar a vida a todo custo e,por outro, há uma busca para mortes com dignidade.Questões sobre o fim da vida mostram a importânciado entrelaçamento da Tanatologia com a bioética, umadiscussão interdisciplinar.

Uma das áreas que demanda maior profundi-dade envolve os cuidados a pacientes no fim da vida,observando suas necessidades, a estrutura de atendi-mento nos hospitais e outros recursos como hospices,unidades de cuidados paliativos e o cuidado domicili-ar. Inclui temas polêmicos como morrer com dignida-de, eutanásia, e o suicídio assistido.

Schultz e Schlarb (1987) apontam a magnitudedo problema, já que é crescente o número de idososdoentes e pacientes em estágio avançado da doença.As pesquisas na área de cuidados paliativos envol-vem temas como: agravamento da doença e sinto-mas múltiplos e incapacitantes, transmissão de másnotícias, enfrentamento da proximidade da morte, pro-cesso do luto antecipatório e o luto dos familiares(Kovács, 2003).

Em 1995, foi realizado o estudo Study tounderstand prognosis and preferences foroutcomes and risk of treatment (SUPPORT), cita-do por Lynn (1997), com o objetivo principal de co-lher informações sobre pacientes em estágio determinalidade e seus familiares. Esta pesquisa durouquatro anos, envolveu 9000 pacientes de cinco hospi-tais de ensino nos Estados Unidos, procurando verifi-car a causa do sofrimento na situação da morte. Ospesquisadores verificaram que 55% dos pacientesestavam conscientes nos três dias que antecederama sua morte, 40% apresentavam dores insuportá-veis e 80% tinham fadiga extrema, 63% relataramter dificuldade para tolerar o grande sofrimento físicoe emocional relacionado ao agravamento da doençae com o estágio final da vida. O estudo indicou tam-bém que 20% das pessoas morrem nas UTIs. Da-queles que lá estiveram e saíram: 76% relataramdesconforto, 72% falaram que tiveram muita sede,68% sentiram sono, 63% ansiedade, 56% dor e 52%raiva. Observa-se, então, um grande índice de sofri-mento, que se torna ainda mais grave para aquelescasos nos quais a doença chegou a um ponto deirreversibilidade. Nestes casos, medidas invasivaspodem se tornar inúteis. A referida pesquisa trouxeelementos importantes para a discussão e implantaçãodos programas de cuidados paliativos.

Os estudos sobre crianças e adultos com do-enças em estágio avançado numa abordagem quali-tativa trazem dados importantes sobre os momentosvividos no diagnóstico, no transcorrer da doença etratamento, e no estágio final, envolvendo os senti-mentos relacionados com cada fase e as formas deenfrentamento utilizadas.

As primeiras pesquisas nesta área fizeram com-parações entre os cuidados oferecidos em hospitaisconvencionais e os programas de cuidados paliativos.

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Os programas de cuidados paliativos oferecem: alter-nativas de tratamento menos agressivo, melhor con-trole de sintomas, família mais próxima dos pacientes,embora com nível maior de estresse e preocupação,custos menores; menores índices de depressão. Atu-almente estas diferenças entre modalidades de aten-dimento não são tão marcantes e as pesquisaspassaram a envolver temas como morte com digni-dade e as necessidades dos pacientes no fim da vida(Pessini, 2004).

Há dificuldades de pesquisas com pacientesgravemente enfermos. Estudos quantitativos podemtrazer dados para o desenvolvimento da área, maspodem se tornar inviáveis se demandarem grandenúmero de pacientes com características semelhantes.Por outro lado, pesquisas qualitativas, depoimentos,histórias de vida podem trazer de forma maisaprofundada o universo e a percepção de pessoasque estão vivendo tão próximas do fim da vida. Asescalas de qualidade de vida podem não trazer toda adimensão deste momento da existência. O melhor ésempre perguntar, ao próprio paciente, se suas ne-cessidades foram atendidas e ficar atento a como elefala de sua própria dor e sofrimento (Kovács, 1998).

Outra área importante de desenvolvimento é ade cuidados paliativos a pacientes idosos. É um gran-de desafio cuidar de seus sintomas incapacitantes,sendo os mais graves: demenciação, esclerose e con-fusão mental, como apontam Py e Burlá (2004).

Em duas pesquisas realizadas com pacientesportadores de câncer avançado na Unidade de Tra-tamento da Dor e Cuidados Paliativos no HospitalAmaral Carvalho em Jaú-SP, foi discutido como ava-liar sua qualidade de vida na busca por melhor com-preensão de suas necessidades. Questões atuaisligadas ao cuidado com pacientes com doença avan-çada envolvem a discussão sobre a morte com digni-dade e o direito de escolha da própria morte (Kovács,1998, Kovács, Kobayashi, Santos, & Avancini, 2001).

Uma outra área importante de trabalho e depesquisa nos estudos sobre a morte é a formação epreparação de profissionais de saúde para lidar compacientes com doença grave e seus familiares. Benoliel(1987), enfermeira e pesquisadora, aponta questõesimportantes para reflexão sobre o tema. Várias pes-quisas mostraram como profissionais lidam com a

morte, seus índices de ansiedade, medo e de que modoenfrentam a situação. Entre as principais dificuldadesrelatadas estão: como falar com pacientes sobre oagravamento da doença e a possibilidade da morte,como realizar os procedimentos usuais em pacientessem prognóstico de cura e a sensação de impotênciaque estas situações provocam. A autora apresentaainda a importância dos cursos sobre a morte e omorrer para estes profissionais, trazendo a possibili-dade do auto-conhecimento e a capacitação para lidarcom pacientes próximos à morte. Verificou que algunscursos para a formação de profissionais de saúde in-cluem o tema da morte em uma aula ou módulo. Pro-põe que sejam criados cursos específicos deTanatologia, com duração que favoreça, além dosconhecimentos técnicos, a possibilidade de entrar emcontato com valores e sentimentos mais profundos.

Na mesma direção da proposta da autora men-cionada, desde 1986 tem sido oferecida uma discipli-na optativa com o título Psicologia da Morte noInstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo,com os seguintes objetivos: (a) sensibilizar o alunopara os sentimentos e reflexões sobre os vários pon-tos abordados no curso, como por exemplo: suicídio,aproximação da morte, perda de pessoas da mesmafaixa etária por acidentes, entre outras; (b) apresen-tar várias abordagens teóricas sobre a questão damorte; (c) propor reflexões sobre a prática vivida,aprendizagem que envolve aspectos cognitivos eafetivos propiciando buscar o sentido individual e ocoletivo. Trata-se da possibilidade de uma constanterevisão da atuação do estagiário e do profissional, le-vando à construção de seu conhecimento.

O curso aborda vários temas que poderão serincluídos ou aprofundados dependendo do interesse dosalunos. Citamos a seguir aqueles que compõem a baseda disciplina Psicologia da Morte (Kovács, 2003): (a)Retratos da morte no Ocidente: domada, interdita, re-humanizada e escancarada. A visão oriental da morte;(b) Morte no processo do desenvolvimento humano.O desenvolvimento do conceito de morte em criançase adolescentes. A questão da morte na fase adulta eno envelhecimento. Elaboração psíquica da morte nasvárias fases do desenvolvimento; (c) Abordagens teó-ricas do tema da morte; (d) As perdas na existência eo processo do luto. Cuidados psicológicos a pessoas

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enlutadas. Fatores de risco para luto complicado; (e)Comportamentos auto-destrutivos e o suicídio. Pro-gramas de prevenção do suicídio. Cuidados psicoló-gicos a pessoas em risco e seus familiares; (f)Pacientes gravemente enfermos. Cuidados no fim davida. Programas de cuidados paliativos; (g) Bioéticanas questões da vida e da morte. Eutanásia,distanásia, suicídio assistido; (h) A questão da mortenas instituições de saúde e educação. O trabalho dopsicólogo com pessoas vivendo situações de perda emorte.

Tanatologia: violência e guerrasOutra área importante de estudos da Tanatologia

é o estudo da violência, presente nas guerras e naguerrilha urbana. Fulton e Owen (1987-1988) reali-zaram um estudo sobre a compreensão da morte noséculo XX. Comparam as concepções de morte da-queles que nasceram antes da Segunda Guerra Mun-dial e os que nasceram depois. Os primeiros têm hojemais de 70 anos. Quando nasceram a expectativa devida não chegava aos 50 anos e muitos morriam dedoença infecciosa em casa. Quem nasceu depois daSegunda Guerra Mundial já tinha uma expectativa devida de mais de 67 anos e muitos não têm contatopróximo com a morte. As doenças são combatidascom tecnologia avançada e as mortes tornam-se dis-tantes ou invisíveis, ocorrendo, em grande parte, forado lar, nos hospitais.

Os autores mencionados anteriormente fize-ram um estudo sobre as mudanças da mentalidadesobre a morte no século XX, a partir das guerras atu-ais. Nas obras de Ariès (1977), observa-se como du-rante muito tempo as guerras envolviam combatesentre pessoas, sendo que os soldados morriam comoheróis ou anônimos, mas tinham tempo para elaborara morte e realizar os rituais de absolvição e despedida.A guerra do século XX é diferente, o soldado é des-conhecido e anônimo. Não morrem apenas os solda-dos, mas também civis, mulheres e crianças. Muitosnão compreendem as razões das guerras.

Umberson e Henderson (1992) realizaram umapesquisa interessante sobre a guerra do Golfo, comoexemplo de guerra do século XX. O que observaramfoi ambivalência e a negação da morte, como se fossepossível fazer uma guerra sem mortes. A linguagem,

as metáforas e os eufemismos usados nas notícias ereportagens sobre esta guerra provocam algumasreflexões. Observa-se negação, distanciamento, me-canismos de desumanização e desensibilização. Nãohá menção direta da morte, como se ela ocorressepor acidente ou acaso. A ênfase é dada à descriçãoda destruição de locais e equipamentos. Não se usa apalavra morte e sim destruição ou eliminação. Os pre-juízos são justificados como sendo o preço da guerra.

A negação parece assegurar que, ao não sefalar de morte, era como se esta não existisse, con-firmando a idéia de que dessa forma não se matavamcivis inocentes, a não ser por acidente. Morriam os“culpados”, aqueles a serviço do inimigo. A altateconologia evita mortes, pois são atacados alvos ini-migos, não se “mata” pessoas. O público vai sendopreparado para as mortes “necessárias” da guerra.Procura-se desumanizar os “inimigos”, afirmando queas mortes são necessárias visando um objetivo maior.As mortes são causadas pela intransigência dos líde-res e não pelos morteiros.

Observa-se, então, um grande paradoxo: a guerraé promovida, mas se imagina que é possível a trocade morteiros e foguetes, sem que mortes ocorram,por isso são ocultadas quando acontecem. Os mor-teiros e sua capacidade de destruição são espetacu-lares, são disparados à noite para não serem vistospelos envolvidos, mas proporcionam um show paraquem assiste pela TV.

Morte na TVA TV tem também influência na maneira de

se encarar a morte. Segundo Umberson e Henderson(1992), as estatísticas são alarmantes: as pessoasque nasceram na metade do século XX, a primeirageração da televisão, já viram 10.000 homicídios, es-tupros e outras formas de violência e agressões nestamídia.

Com o intuito de oferecer diversão, a TV apre-senta programas extremamente violentos, mesmo queembalados numa linguagem destinada a crianças.Tome-se como exemplo o desenho Tom & Jerry, noqual os dois personagens ficam se perseguindo, semachucando e se destruindo para na cena seguinteaparecerem lépidos, exagerando a idéia infantil de quea morte é reversível e que atos de violência não têm

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efeitos duradouros (Kovács, 1992). Por outro lado, aotrazer cenas de guerra ou violência urbana, como ho-micídios ou acidentes, os veículos de comunicação po-dem passar a informação de que a violência é natural.

A TV mostra também as mortes de persona-gens importantes. Nos Estados Unidos foi o assassi-nato de Kennedy e, no Brasil, a morte de TancredoNeves e de Ayrton Senna. Nestes casos, a morte évista pela tela opaca da TV, mas envolve a coletivi-dade em um processo de luto, o que ficou muito pre-sente na morte de Diana, princesa de Gales. Osnoticiários da TV mostram também imagens de mor-te de pessoas anônimas, figuras esquálidas, retratosda pobreza, fome e morte. Neste caso não há indivi-dualidade ou privacidade. A câmera foca o rosto dasvítimas ou dos familiares para captar as imagens desofrimento. Uma imagem freqüente, nos anos 1980,foi a dos doentes com aids para divulgar o perigo dadoença, a idéia da morte. Foram expostos rostos ecorpos com a justificativa do esclarecimento, mas semmedir as conseqüências desta exposição.

Muitas notícias trazidas pela TV têm caracte-rísticas comuns, apresentando cenas e imagens for-tes, de dor, perda e sofrimento que provocamsentimentos intensos, sem permitir tempo para refle-xão e elaboração, sendo seguidas por comerciais oupor assuntos mais amenos. Esta é uma forma de ba-nalizar a morte, com a idéia de chocar, mas não com-prometer as pessoas, pois a vida deve continuar. Estaé também a mensagem trazida por certos filmes quemostram o detalhamento da violência em quadrosdemorados e repetidos, eclipsando o significado damorte. Diferentemente da duração dos noticiários daTV, os filmes não têm a justificativa da falta de tempo(Kovács, 2003).

A morte no século XX ocorre freqüente-mente nos hospitais, principalmente se decorrentesde doenças do coração, câncer, derrames e ou-tras. A TV exibe, principalmente, a violência e osjovens morrendo. É bem verdade que este últimotipo de morte vem aumentando de maneira signifi-cativa. O que é específico da morte na TV é o seucaráter de impessoalidade. Não podemos deixar demencionar que há certa fascinação frente à morte,uma necessidade de consumo, que pode ser obser-vado pelo aumento de audiência quando o tema sefaz presente.

Fulton e Owen (1987/1988) apontam que podehaver um abalo na idéia de imortalidade, quando sevê tantas mortes e tão próximas, provocando sensaçãode desespero. Para evitar o sentimento de extinçãoexistencial criam-se personagens que trazem umaidéia de imortalidade, como por exemplo, James Bond,que sempre desafia a morte enfrentando a destruição,o Super-Homem do século XX/XXI. Reproduz bema contradição: a busca da imortalidade e a presençaconstante da morte na vida e nos meios de comuni-cação. Como se vê, este é um tema importante deestudo da Tanatologia nos dias atuais.

Educação para a morteA Association for Death Education and

Counselling (ADEC), já citada neste artigo, convi-dou Stillion, especialista na área de suicídio, para fa-zer, em 1989, uma retrospectiva dos estudos sobre otema da morte desde a sua fundação, em 1976. Aautora retoma a perspectiva da morte interdita e ne-gada e o desenvolvimento de uma medicina funda-mentalmente ligada à cura em hospitais com altatecnologia. Nos Estados Unidos, o cuidado dos cor-pos pode ser realizado por estranhos nas funeralhomes, que têm como objetivo maquiar o corpo paratornar a morte menos visível.

A TV passa a ser um dos grandes educadoressobre morte para crianças com cenas de violênciarepetidas à exaustão, dificultando a compreensão dairreversibilidade da morte, ao trazer, recorrentemente,a imagem do acidente ou da pessoa viva. Em 2008,acompanhamos repetidamente, a tragédia da meninaIsabella Oliveira Nardoni cuja história de horror trouxeàs crianças a imagem de pais ou madrastas que po-dem atirá-las pela janela.

A ADEC promoveu vários encontros, conferên-cias, mesas redondas, material escrito, workshops,vídeos sobre temas relacionados à Tanatologia. Fo-ram escritas diretrizes para profissionais, estudan-tes e especialistas foram certificados. A força tarefada ADEC elaborou um catálogo com as principaisobras referentes ao tema e os currículos dos cursosde Tanatologia, além de realizar o levantamento so-bre educação para a morte em pré-escolas, em ins-tituições de ensino fundamental e médio e emuniversidades.

Kovács, M. J. (2008). Desenvolvimento da Tanatologia

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Stillion (1989) aponta para a importância de seformar educadores habilitados para criar e oferecercursos de Tanatologia com os mais variados temas.O periódico Death Studies é a voz desta Associaçãoe em conjunto com o periódico Omega: Journal ofDeath and Dying, procuram traçar as linhas mes-tras das reflexões, pesquisas e práticas profissionaissobre o tema da morte e da preparação de profissio-nais competentes.

Kenneth Doka (1990), um dos tanatologistasmais conhecidos e editor do periódico Omega:Journal of Death and Dying apresenta uma rela-ção de obras clássicas na área da Tanatologia. Emsua opinião, livros podem ajudar pessoas a lidaremcom seus sentimentos diante das perdas da vida, pro-pondo o recurso da biblioterapia. Menciona a obraclássica Sobre a morte e o morrer de ElizabethKübler-Ross (1987). O livro oferece a um públiconão especializado, o esclarecimento sobre questõesenvolvendo o tema da morte. O autor cita obras quetratam do processo de luto de pessoas conhecidas,que relatam sua experiência de perda. Como a socie-dade não permite, em muitas situações, que as pes-soas expressem seu pesar ou falem sobre o assunto,elas podem sofrer intensamente. Muitas pessoas nãosabem se o que estão sentindo faz parte do processodo luto, imaginando que estejam loucas e que talveznunca consigam sair de sua dor. Neste caso, os livrospodem ajudar porque, a partir dos relatos apresenta-dos, poderão observar semelhanças com seus pro-cessos vividos, as dificuldades encontradas, além desugestão de estratégias de enfrentamento. Abiblioterapia pode ser importante auxiliar no processode cuidados de pessoas vivendo situações de perda emorte. Entretanto, a recomendação de livros para estefim deve ser feita com muito cuidado. Alguns livrospodem ter fortes repercussões para uma pessoa eserem irrelevantes ou até danosos para outra, provo-cando ainda mais ansiedade.

Vislumbrando o futuro vemos temas que pre-cisam de desenvolvimento (Kovács, 2003). Um de-les é a abordagem da morte nas escolas e preparaçãode educadores para essa atividade. Esse tema nosparece fundamental, uma vez que estão aumentan-do significativamente as mortes de crianças e ado-lescentes, por diversas causas, principalmente pela

violência, abuso de drogas e outras situações de risco.É importante, também, abrir espaços de comunica-ção sobre a morte para o público leigo e para estu-dantes e profissionais interessados. Para isso, oLaboratório de Estudos sobre a Morte do Institutode Psicologia da Universidade de São Paulo vemcriando recursos áudio-visuais para facilitação dadiscussão sobre o tema. Entre os projetos já desen-volvidos mencionamos “Falando de morte”, comquatro filmes: crianças, adolescente, idosos e pro-fissionais de saúde.

Entendemos como educação para a morte aque se faz no cotidiano, envolvendo comunicação,relacionamentos, perdas, situações limites, nas quaisreviravoltas podem ocorrer em qualquer fase do de-senvolvimento. Está calcada nos questionamentos, naprocura do autoconhecimento, na busca de sentidopara a vida, o verdadeiro sentido de aprendizagemsignificativa. Nunca se trata de dar receitas, respos-tas simples, padrões, normas ou doutrinação, é a bus-ca do sentido para toda a existência.

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Artigo recebido em 05/05/2008.Aceito para publicação em 07/10/2008.

Endereço para correspondência:Profa. Dra. Maria Julia Kovács. Universi-

dade de São Paulo. Instituto de Psicologia. De-partamento de Psicologia da Aprendizagem, doDesenvolvimento e da Personalidade. Av. MelloMoraes, 1721. CEP 05508-900. São Paulo-SP, Bra-sil. E-mail: [email protected]

Maria Julia Kovács é Professora Associadado Instituto de Psicologia da Universidade de SãoPaulo, campus São Paulo.

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