Toda Poesia -...
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TODA POESIA
Eder Ferreira
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Eder Ferreira
TODA POESIA
1º Edição
Clube de Autores
2011
4
Editora: Clube de Autores
Edição, diagramação e revisão final: Eder Ferreira
Capa: Eder Ferreira
Ferreira, Eder
Toda Poesia: Eder Ferreira;
Siqueira Campos – 2011
1. Literatura. 2. Literatura nacional. 3.
Poesias. 4. Antologia
Eder Ferreira. 2011. Todos os direitos reservados
Contato: [email protected]
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ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação
Antes de mais nada, quero avisar meus mui honrosos leitores que esse livro não nasceu por acaso. Seu parto foi rápido, mas sua concepção um tanto quanto meticulosa.
Isso porque ele tem uma missão de grande importância: reunir todas as poesias que, porventura, publiquei até este momento. Para ser mais exato, os poemas que aqui se encontram foram publicados originalmente nos livros “Palavras vazias” e “O Exterminador de Sonetos”, além de textos inéditos.
Com essa obra, quis reunir todos os meus devaneios poéticos em um único tomo, como forma de propiciar uma leitura mais completa.
Por tanto, aproveite. Aqui está toda a minha poesia. Que venham mais (e virão, pode acreditar!)
Eder Ferreira
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Sobre o autorSobre o autorSobre o autorSobre o autor
Nascido em 27 de dezembro de 1980, na cidade de Siqueira Campos, no estado do Paraná, Éder Carlos Ferreira sempre se interessou pelo universo dos livros. Desde muito cedo, demonstrou interesse em áreas tão diversas como romance, ficção científica, poesia, filosofia, contos, dentre vários outros temas recorrentes na literatura. Apesar
de ter se formado em licenciatura na disciplina de matemática, de ser funcionário público municipal em sua cidade natal, e de exercer a função de professor de informática e secretariado, nunca se desviou da paixão pelos livros. Começou sua caminhada como escritor na poesia, aperfeiçoando-se na criação de sonetos brancos. Não demorou muito, e iniciou-se também na criação de contos para, logo em seguida, dedicar-se também às crônicas.
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SumárioSumárioSumárioSumário Poemas
Ego .......... 19
Singular .......... 20
Relógio de parede .......... 21
Origem .......... 22
Queda (livre) .......... 23
Um rosto na multidão .......... 24
Oito passos para uma vida santa .......... 25
Pseudo-devaneio literalmente contido.......... 26
As ilusões achadas .......... 27
O tempo rouge .......... 28
Página manchada .......... 29
Minha dor .......... 31
Paraíso .......... 32
Vida: meu único vício .......... 34
Urbano .......... 35
Adjuntos .......... 36
Anti-herói .......... 37
Concílio .......... 39
Parto .......... 41
Enforcado .......... 43
10
Véu .......... 44
O morto e o tempo .......... 45
Um sonho literário .......... 46
O vento .......... 47
Palavras vazias .......... 48
Mortos-vivos .......... 49
Versos irreais .......... 50
Anti-o-quê?! .......... 51
Arquivo morto .......... 52
Imperfeita trova com o maior
e mais inútil título que um
poeta sem nada melhor para
fazer poderia criar numa
tarde de segunda-feira "braba" .......... 54
Amor poente .......... 55
O sonho perfeito .......... 56
Haikaos I .......... 57
Haikaos II .......... 58
Haikaos III ......... 59
Haikaos IV.......... 60
Haikaos V .......... 61
Haikaos VI .......... 62
Haikaos VII .......... 63
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Haikaos VIII .......... 64
Virgem de pedra – Haikai I .......... 65
Virgem de pedra – Haikai II .......... 66
Virgem de pedra – Haikai III .......... 67
Virgem de pedra – Haikai IV .......... 68
Virgem de pedra – Haikai V .......... 69
Virgem de pedra – Haikai VI .......... 70
Virgem de pedra – Haikai VII .......... 71
Virgem de pedra – Haikai VIII .......... 72
Sonetos
Soneto de Introdução I .................... 75
Soneto de Introdução II .................... 76
Dedicatória .................... 77
Aventura poética .................... 78
O Exterminador de Sonetos ....................79
Sonetificação .......... 80
Sexologia .......... 81
Face oculta .......... 82
Ao amor ou ao ódio .......... 83
Pecados mortais .......... 84
Vozes humanas .......... 85
12
Chacais .......... 86
A última noite de um poeta .......... 87
Sombras na parede .......... 88
Sintético .......... 89
Mãos do destino .......... 90
Alienígena .......... 91
Artista do céu .......... 92
Almas explosivas .......... 93
Nostalgia .......... 94
O poema perfeito .................... 95
A nuvem .................... 96
Sinestesia .................... 97
Sonetóide trovadoristico-
poetrixzado-haikaidológico .................... 98
Cosmos .................... 99
Invencionice .................... 100
Como escrever um Soneto .................... 101
Acidez .................... 102
Contemplação .................... 103
A rosa assassina .................... 104
Altar .................... 105
Copo de cerveja .................... 106
Soneto com uma só rima .................... 107
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Ego perverso .................... 108
Microsoneto .................... 109
Coma .................... 110
Soneto de desorganização .................... 111
Máscara negra .................... 112
Ciclo infinito .................... 113
Musicalidade .................... 114
Releitura .................... 115
Diálogo gramatical .................... 116
As dores do mundo .................... 117
Soneto de Ruptura .................... 118
Tempo esgotado .................... 119
Poesia eterna .................... 120
Inverso .................... 121
Soneto de falta de inspiração .................... 122
A Árvore da Vida .................... 123
Heroísmo .................... 124
Nas Trevas .................... 125
Eterno .................... 126
Uma palavra .................... 127
A Máquina .................... 128
Soneto modernista .................... 129
Sanguinolência .................... 130
14
Enterro de mágoas .................... 131
Mitologia .................... 132
Pedagogia Selvagem .................... 133
Espectros carentes .................... 134
Vida eterna .................... 135
Correntes da miséria .................... 136
Musa .................... 137
Soneto à Mulher-melancia .................... 138
Desabafo .................... 139
Memória caipira .................... 140
Via Sacra .................... 141
Tributo I .................... 142
Tributo II .................... 142
Tributo II .................... 144
O último soneto.................... 145
...o fim! .................... 146
Anexo
O Micro-Soneto ......... 150
Fuga .......... 151
Reencarnação .......... 151
Minha senhora .......... 151
15
Oráculo .......... 152
Invisível .......... 152
Ilha .......... 152
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POEMAS
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19
Ego
Sou eu quem me quer quem me deseja nesta fria terra
neste veio vazio
Eu, que me tolero e me vejo
todos os dias semi-nu
num espelho que nada reflete
Eu, que me amo
e me odeio me venero
e me enveneno
Sou eu, e ninguém mais que a cada dia vive
como se fosse outra pessoa
20
Singular
eu
monossílabo atônito
monobloco
de incertezas
desconstruído pela gramática do verbo errar
21
Relógio de parede
Meus olhos te veem mas meu coração não Os segundos passam
mas não passa a saudade
O tempo flui e meus minutos se vão
Tudo em vão
No pulsar das horas pulsa forte meu coração
Sigo a linha
do tempo que vai
Te vejo mas não te toco
não te sinto
Você, estática na parede lisa
Retrato marcado Selado como o fluxo
Inércia rara
do tempo infindável que nunca para
22
Origem
Não há vida sem a morte Nem passado sem futuro
A dor não resiste ao açoite Não há luz sem ter o escuro
Os pássaros não migram ao norte
Se não houver o lado sul O céu não enegrece a noite
Se o dia não for azul
A loucura não é o bastante Se a mente está cansada Não surge a aurora rubra Sem o ocaso e a alvorada
E na origem tão distante
D’um amor que me queira amar Não há um abraço que me cubra
Não há um beijo a me afagar
23
Queda (livre)
Subiu a escada Desceu a escada
Como sempre, tudo muito normal
Subiu a escada
Desceu a escada
Como sempre, tudo muito comum
Subiu a escada Desceu a escada
Como sempre, tudo muito trivial
Subiu a escada Caiu da escada
E nunca mais subiu a lugar nenhum
24
Um rosto na multidão
Tenho a face da vida Tenho fases da morte
Em momentos ambíguos Fragmentos de sorte
Tenho a face do riso
Tenho fases de agonia Em momentos longínquos
Pedaços de monotonia
Tenho a face do mal Tenho fases do bem
Em momentos antigos Estilhaços do além
Tenho a face do medo Tenho fases corajosas Em momentos retidos
Frações perigosas
Tenho fases atadas Tenho a face perdida Tenho fases erradas Tenho a face da vida
25
Oito passos para uma vida santa
Vomitei minha gula Ignorei minha inveja
Castiguei minha luxúria Agitei minha preguiça
Perdoei minha ira Doei minha avareza
Escondi minha vaidade Chorei em vão
(mas o resto do mundo
continuou em festa)
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Pseudo-devaneio literalmente contido
Querem que eu escreva algo. Mas como, se sou maneta?
Se sou perneta? (mesmo que não escreva com os pés)
Se sou cabeceta? (seja lá isso o que for)
Se não sei nada? Se não sei tudo?
Analfabeticamente genial! Um universo contido de vazio... Uma sombra sem luz própria...
Um prodígio da inequação ortográfica... Um... desconcordância verbo-qualquer coisa-
nominal...
Querem que eu escreva? Beleza!
Mas, não precisam se compadecer. Não preciso de pena. Prefiro caneta mesmo.
27
As ilusões achadas
Se Balzac as perdeu Quem sou eu para achá-las Quero mesmo escravizá-las
Acorrentadas em meu eu
Neste mundo desigual Sem culpa, nem pudor
Iludo-me, ao me transpor Em mero provençal
Busco em minha alma O reflexo da imagem
Transformado em miragem Sem pressa, na calma
Em balzaquiana devoção
Perco um tempo inútil Na busca sempre fútil
De encontrar minha ilusão
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O tempo rouge
Sob escombros de incertezas o tempo se vai a longos passos
e o passado fica finca suas raízes
como uma faca sangrenta na terra inerte da curvatura espacial
Especial viagem
onde virgens morrem impuras assassinos viram santos
e sangue é derramado em vão
Largas horas que oram à divindades estáticas
paralisadas no tempo que ainda flui
como um rio escarlate
Viagem sinestésica Sentidos vermelhos manchados de ódio
(A lá Voltaire)
O tempo é como um quadro pintado por uma criança
assustada demais para rir
29
Página manchada
Caiu uma lágrima sobre um livro empoeirado
Ao molhá-lo, uma mancha surgiu Ao surgir a tal mancha, uma letra se foi
A lágrima, que dum olho caiu fez uma palavra mais triste
sem um pedaço de sua existência
Palavras só têm letras Estas são seus membros
são suas mentes são tudo o que elas têm
Letras só formam palavras Sozinhas, não valem nada
As lágrimas são tristes
e espalham tristeza onde caem
Palavras sem letras são como olhos sem lágrimas
Livros sem palavras são como cabeças sem cérebros
Corações sem amores são como frases sem palavras
30
Está tudo ligado na eternidade da existência sem explicação
As lágrimas caem
e com elas caem as palavras derramadas de bocas trêmulas
Caem as letras, de palavras já manchadas e caem também corações
sem palavras para dizer uma única frase de conforto
Caiu a pálpebra do olho
As palavras não mais serão manchadas pelas lágrimas derramadas em vão
e também não mais serão lidas pelo olhar aflito de quem ainda não foi capaz de ler
as palavras que saem dum coração manchado de ilusões
31
Minha dor
Não discuto com minha dor já que ela me quer bem
Me avisa dos males
que a vida me impõem Me mostra a verdade na mentira mais trivial
Me deixa sempre atento quando meus olhos nada veem
Me explica o mundo quando não há mais respostas
Minha dor é o sinal maior
de que não vim à vida a passeio
32
Paraíso
Piso sobre um chão de puro húmus onde nada germina, nada vive
Uma terra fértil como uma puta seca
que já não aguenta mais nada um pedaço de qualquer lugar
perdido na imensidão desse planeta
Fixo minhas raízes apodrecidas numa rocha de pura lama
Meu mundo é aqui, nesse fragmento de lar
Minha alma aqui jaz, nessa semi terra
Meu corpo entorpecido se confunde
com a vermelhidão da planície que se espalha sob meus pés
Este é meu lugar
não o seu
Vá embora, vagabundear pelo mundo enquanto revivo o meu
com uma tempestade de lágrimas
Retransformo minhas origens
33
e me faço um sedentário
Porque ser nômade é ser vazio por mais que haja chão pela frente
34
Vida: meu único vício
Meu cigarro é de loucura mas nem por isso é uma droga Nem vou a nenhuma tabacaria
a não ser a Pessoana Tenho apenas um vício louco
de liberar fumaça ao vento poluindo a atmosfera
que crio a cada nova fútil ação Sinto meus pulmões inchados
cheios de falta de ar Não tenho nenhum enfisema já problemas, tenho muitos
Em cada nova tragada trago um pouco mais de rancor
Inspiro tudo o que há de mal e, aos poucos, perco minha inspiração
Ainda bem que não aprendi a fumar
Um mal a menos
35
Urbano
Outra vez os cães ladraram Os felinos miaram
Os pássaros voaram
Mais uma vez, um morto nasceu Uma vida sorriu para a morte
e uma brisa de loucura soprou em meu rosto
Outra vez a cidade pulsa sob as horas que não cessam em correr
como as doidas criaturas urbanas
Novamente, senti em mim um frio Um vento gelado que me corta em dois Duas almas em constante ressonância
Mais uma vez as ruas estão vazias
preenchidas pelo cheiro semi-humano exalado por milhões de vidas inteligentes
Novamente essa cidade vibra
Mais uma vez esse labirinto se reconstrói Outra vez estou perdido
36
Adjuntos
Meu gênero quer o teu e meu presente te quer agora sob uma chuva de interjeições
e adjetivos pecaminosos
Minhas palavras escorregam e meus fonemas se remontam
na ousadia de nomeá-la a mais-que-perfeita ilusão
Nossos corpos substanciais
unem-se em conjunção para mais uma vez conjugarem
as delicias do verbo amar
37
Anti-herói
Em meu peito Uma insígnia pulsa Uma dor fortalece Inerte e convulsa
Em minha mente Uma voz é ouvida
O grito da alma Mais vil e perdida
Em minhas mãos
O sangue coagulado Escorre bem lento
Já frio, gelado
Em minha coragem Que surge do nada
Minha vontade É livre, é alada
Em meu heroísmo
Surgido agora A dor enaltece A agonia aflora
Em meu peito
Que pulsa, que dói
38
Já pode ser lido: “Aqui jaz um herói”
39
Concílio
Quem espera que seja um pecado, a morte talvez seja um forte
talvez nada veja
ou ainda espere que o perdão lhe venha
mesmo sem senha que ninguém confere
A fé que se alastra nessa alma crente se faz de demente Na vida, já basta
Se é bem ou é mal
se é fé ou descrença não vem a presença duma réplica divinal
Mas se sou eu a pecar
já me fitam inteiro Preso num mosteiro esqueço até de rezar
Um mero entrave
Uma mera aparência
40
Profana indulgência No peito, um conclave
41
Parto
Dentre os vários despertares da vida escolhi o que menos me alucina
Nasci, das brumas da inexistência para o amanhecer da matéria inexata
Acaloradamente, minha mente surgiu
Sob um sol reinante e estático me fiz servo, sem saber a causa dessa escravidão chamada vida
Dentre as várias almas que nasceram
só a minha sou eu só uma me fez humano
apenas uma me fez nascer
Dentre tantos amanheceres somente um me despertou
para o óbvio sonho desgarrado para a vida obscuramente clara
Do ventre de uma vida maior
ressurgi de um abismo cheio de vazio moldado pela mesma matéria trágica
que molda a tragédia cotidiana
Sou eu, um ser cheio de nada Resolvi ser isso, dentre tanta opções
42
Dentre as várias histórias inacabadas Dentre os vários despertares da vida
43
Enforcado
Acordo E vejo minha vida
Pendurada Perdurada
Olho para cima E vejo a corda
A balançar Como um fio de vida
Que se estica Até o inevitável fim
Durmo
Com o pescoço em risco Aguardando a sentença final
Sonho que estou sem ar Que estou sem tempo
Novamente acordo
E lembro-me que a hora chegará Que a corda da existência
Também tem seu nó
44
Véu
Rasgo o véu, e vejo o céu Azul, sem brilho, sem sol Olho o espaço noturno Sem lua, sem estrelas
Vejo as nuvens transparentes A refletirem uma luz Que nada ilumina Posso sentir o frio
Causado por um eclipse Ocultamento fantasioso
Sem sol, sem lua, sem explicação... Segredos! Apenas segredos...
...que se escondem onde a visão não pode ver!
Dentro de mim Dentro de alguém Em algum lugar
Onde a luz não entra Tapada por um véu
Que ninguém pode rasgar...
45
O morto e o tempo
Fluiu o tempo
O relógio badalou às zero horas
Badalou às seis horas
Badalou meio-dia
Ninguém para se importar com a caminhada lenta do tempo
Cadáveres ainda não sabem ver horas
46
Um sonho literário
Corri pelos vales Pela estrada que me aparecia
Num sonho quixotesco Onde a névoa e o fogo
Dantescamente surgiam
Vaguei sem rumo Pelas terra de Polífilo
E, ao acordar Me ví como Tartufo
Rindo dos costumes aparentes
Foi só um sonho Que me pareceu tão real Literalmente imaginário
Na loucura que me abateu Vi o sorriso da pobre Ismália
Mas não foi nada em vão
Nem um sonho como outros Percebi que minha vida Finalmente se ascendeu
E, olhando para mim mesmo Vi meu corpo flutuar Na longinqua lucidez
Que faz dos poetas e seresteiros Os mais felizes dos mortais
47
O vento
O vento sopra São as incertezas da vida
Que se chocam em meu rosto São meus pecados que me retornam
Em reles brisas despretensiosas
São inconseqüências de uma vida Solta ao vento
Mas presa em um sentimento
São lamentos São vendavais de dúvidas
De quem respira o ar desse mundo Vivendo ao sabor do vento
São lufadas de paixão
Que perpetuam nossa saga Nosso amor
Pois essa é a única certeza que tenho
A única coisa que o vento não pode levar
48
Palavras vazias
Não me diga nada... nem tudo! Não me diga não, nem sim!
Não diga palavras desconectas, Coloquiais ou eruditas,
Tão pouco triviais.
Diga-me asneiras, Loucuras e devaneios...
Não me fale da vida,
Muito menos da morte. Fale-me incerteza,
Pensamentos e inverdades...
Diga bobagens! Recite versos sem rimas;
Declame crônicas poéticas; Cante letras sem sons.
Só não diga o que você sempre diz, Ou seja, nada!
49
Mortos-vivos
Psicossomáticas visões Maneirismos fantasmagóricos
Reles aparições Almas penadas, perdidas
Almas raras, sem abstrações Ralos ectoplasmas
Escorrendo pelas paredes Sob gritos assustadores Sobre corpos sem vida
Sem qualquer medo ou fobia Psicoses metaforizadas Espíritos rejuvenescidos Sentimentos encarnados
Ódio imaculado Amores lúgubres
Espectros perdidos Almas raras
Escondidas sob a fina pele da vida
50
Versos irreais
Tanta dor, tanta emoção, tanto amor Onde estão minhas vestes?
Talvez no ventre seco duma deusa martirizada Tanta penúria, tantos momentos tediosos
Milagres sem favores Pedaços de santidade
Minúcias, adventos e palavras Sangue negro jorrando de sentimentos ígneos
Folhas amareladas... ramagens Árvores de tronco úmido
São devaneios, fissuras mentalizadas Cérebros em êxtase, talvez meras alucinações
Ou, quem sabe, nada, nem uma explicação Nem uma singela resposta para as orações
perdidas Palavras, são só palavras Signos, sinais, símbolos
Sanguessugas endeusadas Onde estão minhas vestes?
Talvez em meu corpo envelhecido De tantas manias, de tantas inconsequências
De tanta alienação... Talvez seja só loucura!
51
Anti-o-quê?!
Anti-guerra Anti-trégua Anti-ciência
Anti-demência Anti-droga Anti-prova
Anti-nazismo Anti-eufemismo
Anti-gente Anti-crente Anti-morte Anti-sorte Anti-fada
Anti-mudo Anti-nada Anti-tudo
52
Arquivo Morto
Olhei para meus escritos, já empoeirados, e vi rastros de inquietude e impaciência.
Pude observar meus sentimentos obsoletos e minhas manias exacerbadas.
Olhei bem fundo, dentro de minhas idéias, e não hesitei em fitar as lamúrias
que regurgitei a cada letra desenhada Não consegui fechar os olhos
para as inverdades mal arranjadas sobre a mesa apodrecida. Tapei sim meus ouvidos,
para não ouvir os gritos e berros dos loucos que faziam de tudo
para atrapalhar minha concentração. Me coloquei como o mais fiel dos leitores,
a frente de minhas palavras reorganizadas, afim de sentir a podridão exalada por minhas desmedidas sinopses
e ideologias bem calcadas. Olhei para mim mesmo,
e vi minha literatura se desmanchando em formas avulsas e ignotas.
Vi meu passado, presente e futuro. Me vi descrito em letras sobrepostas.
Me vi sozinho, escrevendo bobagens poéticas
e ensaios sobre a ignorância humana.
53
Só não vi minh'alma. Essa está guardada
em alguma pasta amarelada, dentro de um velho arquivo enferrujado,
no escuro porão de minhas lembranças perdidas.
54
Imperfeita trova com o maior e mais inútil título que um poeta sem
nada melhor para fazer poderia criar numa tarde de segunda-feira
"braba"
Quando falta a inspiração Quando o tédio enfim ataca Surge uma rima de sopetão
Em meio a mais uma ressaca
55
Amor poente
Vai embora o Astro-Rei. Aquele que um dia girou. Que um dia foi menor. Que um dia foi deus. Que todos os dias faz o dia acontecer. Que espanta o frio. Que ilumina vidas obscuras.
Vai para longe. Segue o caminho espacial. Vê as estrelas, suas irmãs, ao longe, apenas para relembrar de quando pertenciam ao tudo.
Vai o sol, o onipresente encalorado. Vai recordar de um aluado amor, já quase esquecido, na outra metade da esfera terrestre.
Vem a Lua, a singela prateada. Aquela que um dia foi deusa, mas que ainda é poderosa. Que puxa as águas para si. Que encanta mentes e corações. Que enamora seres noturnos. Que surge no horizonte azulado para reinar na fria noite.
Surge cheia de esperança, nova e sublime, crescente em seu amor, mas minguante pela lembrança de alguém tão quente quanto distante.
Vai o Sol, vem a Lua. Vai o dia, vem a noite.
Vai o amor, fica a saudade...
56
O sonho perfeito Quem me dera sonhar, e ao acordar recordar de meus noturnos devaneios. Quem me dera chorar neste sonho, a acordar ainda banhado em lágrimas. Quem me dera amar, e no sonho amoroso que vislumbro, poder recordar-me dos beijos e das carícias da mulher amada. Quem me dera beijar a boca mais suave e sonolenta, a mais doce e suculenta, a mais sublime e noturna... Quem me dera poder saber em que sonho meu destino se esconde. Quem me dera ver, no sonho mais amável, uma saída para minhas sombrias dúvidas. Quem me dera ter, numa calma noite de sono, o sonho ideal, onde ninguém morre, ninguém nasce, ninguém sofre... Quem me dera renascer em um sonho, e ser eterno, para sempre sonhando, com o mais perfeito dos sonhos...
Quem me dera... poder sonhar acordado...
57
Haikaos I
meu mundo caiu coitado!
tropeçou na lua
58
Haikaos II
quando o "kai" cai e não volta mais
entristece o pobre "hai"
59
Haikaos III
fugi retornei à minha pátria do monte fuji ao Chuí
60
Haikaos IV
água corrente na fenda do rio
presa eternamente
61
Haikaos V
no monte que neva o calor se despede
vendo o frio beijar a terra
62
Haikaos VI
na esfera anil vi o sol se esconder
de medo do frio
63
Haikaos VII
no calor do sol que se derramava o frio da solidão
64
Haikaos VIII
a última gota de orvalho tentando se equilibrar
sobre a última folha de outono
65
Virgem de pedra – Haikai I
numa pedra, a virgem coração de diamante
e alma de granito
66
Virgem de pedra – Haikai II
queria, eu, tê-la mas, na imensidão rochosa
a perdi ao vento
67
Virgem de pedra – Haikai III
virgem paralisada com a beleza natural
por mim desejada
68
Virgem de pedra – Haikai IV
deusa solitária queria eu lapidá-la
como uma pedra preciosa
69
Virgem de pedra – Haikai V
mulher sempre bela virgem de rara pureza
linda, mas inerte
70
Virgem de pedra – Haikai VI
porque és assim nessa beleza estática
tão desolada?
71
Virgem de pedra – Haikai VII
não sei dizer a razão de nessa pedra
descansar seu ódio
72
Virgem de pedra – Haikai VIII
o mesmo ódio que em mim petrificou-se
por não poder tê-la
73
SONETOS
74
75
Soneto de Introdução I
Eis que esse livro tem seu inicio E para introduzi-lo, venho agora
Em versos (nada mais propício...) Espalha-los pelo mundo afora
E nessa introdução, irei ressaltar Da forma mais simples e sintética
Minha maneira de escrever e recitar Essa obra tão literária e poética
Portanto, leitor, preste muita atenção
Nas palavras que vem do coração Mesmo que pareçam meio melosas
Poesia á assim mesmo, rasa, abstrata
E com sua loucura a vida retrata Usando as palavras mais honrosas
76
Soneto de Introdução II
Continuando, pois, essa introdução Venho, nessas frases poderosíssimas Escrever sobre a majestosa inspiração
A mãe de todas as artes belíssimas
Ela, que magnífica sempre aparece Seja em um soneto, trova ou proesia E em suas estrofes e rimas agradece Seus admiradores, com muita cortesia
Mesmo quando a arte não lhe convém, Com seu lirismo puro, com seu talento, Com todo seu poético ardor, ela vem
Cantarolando, declamando, recitando... Aos ouvidos ávidos, a noite, ao relento Matar a dor de quem está amando...
77
Dedicatória
Dedico esses versos, primeiramente À consciência primordial, o tal Deus
Que mesmo sem saber os planos seus Exalto em dedicar-me inteiramente
Dedico, também, o verso mais puro
A todos àqueles que vivem ao meu lado E que no presente momento, e no futuro
Me desviam de tudo o que é errado
E nessa minha dedicatória poetizada Não poderia me esquecer dos poetas Que, como eu, declamam a revoada
Revoada do tempo, que não há de parar
Até que um dia, nas palavras corretas Alguém, os seus versos, a mim dedicar
78
Aventura poética
O que é a tal linguagem poética Senão um emaranhado de emoções? Tentando imitar a afamada fonética E a voz suave das vãs tentações...
Com suas hipérboles quase irônicas Devaneios, loucuras e inverdades
Que se misturam, frágeis e atônitas Às mentiras da falsa realidade...
É essa linguagem que a todos comove
E talvez, com ela, alguém renove As bases fracas da tímida literatura
Imortalizando em versos finos Volúpias, mágoas e desatinos
Siga poeticamente esta aventura
79
O Exterminador de Sonetos
Nestes dias tão aguados
De arte simples, sem encanto Me coloco aqui, no entanto A citar versos deliberados
Esqueço as regras de antemão
Más deixo as rimas bem cunhadas Palavreando as alvoradas
Com ódio, sangue e paixão
E estas rimas sorridentes Alvos pasmos, sem correntes
Que ecoam por entre os guetos
Sentimentos precoces, fingindo Correm, para sempre, fugindo Do Exterminador de Sonetos
80
Sonetificação
Entre palavras soltas e inacabadas Formam-se, aos poucos, alguns versos Meio clássicos, modernos, simbólicos...
Ou um soneto, daqueles, bem feitos!
Cheios de riminhas, regrinhas, coisinhas... “Poema romântico, coisa de mulher...” Uma trova consignada, pura estética...
Bem escrita, declamada... O que quiser...
Mas logo esses versos se transformam E viram pérolas literárias deslumbrantes Com o tempo, obras de arte de tornam...
Não importando a temática, sempre serão (Apaixonados, tristonhos ou angustiantes)
Filhos de um inspiradíssimo coração...
81
Sexologia
No fluxo esgotante da perfeita simetria Dos corpos semicarnais, paralisados
No tempo, na alcova, seres endeusados A breve tempestade flui a calmaria
Mentes ligadas em sanguínea perfeição Ardentes sonhos louvados, pecaminosos
Sentidos confusos, arrepios porosos De Adão e Eva, à mera fornicação
O súbito, o púlpito, a mescla de dor Com o prazer latente, alimentado
Da beleza honrosa, à morte da flor
Algemas; cárcere; símbolo retido O chicote letal, o sentimento açoitado
No tronco ruge o amor pervertido
82
Face oculta
Lua branca, de prata, iluminada Que faz toda noite sua viagem Livre, a contemplar a paisagem
Brilhante, mágica, quão afamada
Ao redor de tudo para sempre gira No vazio longínquo, exorbitante Aparece sempre, a todo instante
mostrando uma face; nunca de vira
Talvez por isso seja tão majestosa Em sua viagem, tão bela, formosa
Sem nunca se mostrar inteiramente
Invejo-te muito, senhora enluarada Pois gostaria de ocultar na madrugada meus erros, como fazes eternamente
83
Ao amor ou ao ódio
Ecoou o grito desesperado da esperança E, ao soar, suas ondas curtas de alongaram
Imitando os gritos dos que não amaram Mas, no ódio, encontraram a vingança
Retaliação essa que se fez merecida Quando a voz da loucura pairou no ar
E, todo aquele que não pôde amar Viu perplexo o reflexo de sua vida
Que entre lágrimas alguém ouça meu canto
Pois nem o amor e o ódio podem resistir Ao sentimento que nasce de um pranto
E que, ao chorar à vida, eu possa dizer,
Ao amor ou ao ódio, ou a quem me ouvir: - Amando ou odiando, ainda posso viver...
84
Pecados mortais
No cemitério que habita em meu coração A vida e a morte se fazem vis crianças
Pendendo uma noutra, como uma balança Sobre o peso de um pecado sem perdão
Nesta terra sempre fria, deito em minha cova Na escura e inerte noite que se refaz em mim
Procurando um inicio mais próximo do fim Recitando uma necromantica e vil trova
A loucura que me abrasa, no túmulo atroz
Vem como uma seta, pungente, mortal, veloz Libertando meus devaneios sepultados
Já morto, meio vivo, metade semi-humano Canto um lamento singelo, porém profano Na esperança amarga de esquecer meus
pecados
85
Vozes humanas
Somente um barulho... nítidas vozes me cercam, em eco, em sons triunfais.
Convergem em mim, como setas velozes só ouço um som; sonatas descomunais
São gritos da noite, percalços sonoros Fragmentos audíveis em êxtase puro
que se adentram em meus eloquentes poros e me fazem um vil ouvidor obscuro
Estas vozes, estes sons, são mágoas que viajam pelos ares, pelas águas
e acabam se voltando sempre em mim
Vozes que escapam de malditas bocas Surgindo de becos, mórbidas, loucas Tortura audível, meu sangue, meu fim
86
Chacais
Derrubei meus muros de concreto tosco E despi-me de infortúnios desejáveis Para entregar-me a pecados amáveis
E a algum sentimentalismo fosco
Suprimi meus desejos mais que reais Na bravura dum horror mais corrompido
Dum medo vão, detestável, reprimido Para fugir de humanizados chacais
Na verdade, tirei minha carapuça
Olhei para minh’alma sempre convulsa E vi-me num espelho; um pobre plebeu
E o que nunca veria, então percebi
Com os olhos da alma, finalmente vi O pior dentre todos os chacais era eu
87
A última noite de um poeta
Sob o sol da noite quente, que queima Sob a lua de prata pura, sem valor Sobe uma angústia, sem sentir dor Desce uma tristeza que ainda teima
São madrugadas, escuras e silenciosas Onde minha pena se faz solene escrava
E na frieza da letárgica e vil palavra Sou um autor sem letras pretensiosas
A solidão, descrevo em um vil soneto
Em minha pele, grudado, um manto preto Se misturando à sombra que me domina
E nesta noite, na qual me peguei a ler Os últimos escritos, filhos de meu ser O conto de minha vida enfim termina
88
Sombras na parede
Na fria e inerte parede branca Onde a escuridão gélida fica
A brisa sórdida e mórbida brinca Um riso rijo, da parede arranca
E nesta lisa e patética muralha
Onde lágrimas jorram na fria noite A solidão se faz como um açoite
A penumbra se torna uma mortalha
Movo minhas mãos, olho na parede Vejo sombras se movendo, numa rede
Entrelaçadas, emoções e tristezas
Crio figuras, seres solitários Vis, sombrios, escuros, arbitrários
Reflexos de minhas vãs estranhezas
89
Sintético
Roboticamente falando, eu em minha mecânica existência Apaziguo minha vil paciência
sonhando em ter o que não é meu
A cinza visão de meus olhos de vidro e minha voz tão áspera e tremida
Fazem de mim uma máquina ferida Um ser de lata, frio e denegrido
A estranheza dessa minha imagem
(Um LED, um botão, uma engrenagem) me faz sentir um elétrico trauma
Nenhuma das três leis podem fazer
com que eu tenha o que não posso ter Meu lado humano, meu ego, minh’alma
90
Mãos do destino
Nos calos de minhas mãos tão servis O frio cai como se fosse pura neve Calejando, gélida, assim, de leve
Desgastando-as como um pó de giz
Mãos sujas, ásperas, de tanta surra Esperançosas em descansar um dia
De tanto encararem a vil noite fria Que, eterna, me cai como uma luva
Mãos que apalparam belíssimos corpos
Agora só levantam vazios copos Cheios de uma aleivosa vaidade
Embriagado, de mãos tão vazias
Tento agarrar o que me sobra de dias Socando o que me resta de sanidade
91
Alienígena
Voo, por este universo afora, vou Em busca de um sinal inteligente De uma prova óbvia, contundente
Para explicar o que vejo e o que sou
Mando um sinal ao céu, a procura Não sei do que, nem importa o que seja
Num alento qualquer talvez eu veja Uma saída para essa infinita tortura
Quem sou eu? Filho da Terra, da lua...
Estou perdido, como uma fera nua Longe de seu ambiente campestre
E ao procurar uma razão para viver
Confronto a verdade, de só poder ser Um Alien humano, um Extraterrestre
92
Artista do céu
Risco o grande céu com meu dedo Desenho belas e cintilantes estrelas
Sem culpa alguma, sem nenhum medo Na esperança de, talvez, um dia tê-las
Apago os quasares, crio nebulosas Pinto de vermelho os aglomerados
Desviando as distâncias numerosas Dos tempos e espaços acelerados
A aquarela celeste, a azulada pintura
Plagiando e recriando as constelações Do leste ao oeste, a galáctica moldura
Misturando as tintas nesse negro gel
Retas, sentimentos, curvas e emoções Torno-me o astronômico artista do céu
93
Almas explosivas
A quimera em teu olhar me fez assim Um louco a sonhar em falso e em pranto
Calejado e castigado, mas que no entanto Despede-se a cada madrugada do fim
Imortal, em minha caminhada sangrenta Na escuridão que perpetuou em meu ser Olho para teus olhos, e posso então ver
O brilho refletido, que sempre te afugenta
Esta luz que sai de tua branca retina Surge de uma misteriosa e vil sina
De não podermos nos tocar na eternidade
Como um grande sol, irradio minha loucura E, como uma eterna e irresistível fagulha
Queimo esse amor, em forma de insanidade
94
Nostalgia
Tempos velhos... momentos eternos D’onde surgem as letras garrafais
Que centram-se, e fixam-se aos anais Do passado ao futuro... tempos modernos
Vem daí a ideia, no tempo infindável
A dialética da poesia desgarrada Da nostálgica inércia sempre atada
À liberdade mais amável e detestável
Volta a rima, o soneto, a poesia... A brancura dos versos e dos temas
Sem qualquer santificação ou heresia
Em toda obra, todo sinal, todo lugar Muito além de quaisquer lemas
Sempre haverá um louco a rimar
95
O poema perfeito
Quero, nessa página, algo supremo Um poema mais que perfeito, irreal Só não posso cometer o erro fatal
De ser mal visto; é só o que temo...
Sou um poeta como outro qualquer Apenas acredito em minha literatura E, para qualquer verso que eu fizer Sei os limites da poética conjectura
Escrever um poema exato... será?
Se ninguém ainda o fez, quem o fará? D'onde posso tirar versos tão perfeitos?
Talvez esse poema apareça um dia
E o poeta genial cegamente ria Sem perceber os inerentes defeitos...
96
A nuvem
Nuvens de poeira, de cinzas; nuvens rasas Esvoaçadas nuvens, como a aura de inimigos Que dos pássaros e morcegos, agora amigos
Atrapalham o vôo, no bater de suas asas
Confundem a visão, na fétida e vil cortina Delineadas na escuridão; nas sombras
desenhadas Das asas dos condores, ruflantes, esvoaçadas Consomem as penas, o bico, a língua e a retina
Não há visão, não há vôo, não há mais nada
Só um pedaço de asa, solta, na revoada Pérfida nuvem, maldita, a confundir e a cegar
Na visão humana, também há uma nuvem assim
Que surge a qualquer um; a tu, a nós e a mim Ofuscando os olhos de quem ainda quer amar
97
Sinestesia
Vejo o que meus olhos não conseguem ver Sinto meus dedos tocarem o inexistente
Escuto o som de um brilho reluzente Posso, então, pegar o que nunca pude ter
Coloco-me a sentir o cheiro de minh'alma
E o gosto suavizante do ar suavizado Meus sentidos afoitos, agora unificados
Capazes de curar qualquer dor ou trauma
Libero todo o meu ser em puro sentimento Para experimentar essências ao relento
Mesmo que meu corpo ainda seja contido
Imagens, sons, cheiros, gostos e texturas Voando bem longe, elevando-se às alturas Mostrando a mim mesmo, um novo sentido
98
Sonetóide trovadoristico-poetrixzado-haikaidológico
Mato meus momentos sem sentido Num soneto que de mim agora sai Mescla de trova, poetrix e haikai
Intitulado: “Nas letras estou perdido”
[Trova] Contar sílabas, ninguém merece Foram nove, das tais poéticas
Pelo menos acho (vis heréticas) Em mim tais coisas não apetecem
[Poetrix]
De que vale rimar em concordância Se nem há regras que me forcem Mas vou forçar, com discordância
[Haikai]
No jardim das letras As sílabas são como flores
Um dia elas murcham
99
Cosmos
Átomo; nano-existência complexa Milionésima parte da menor parte
Que se renova toda manhã e tarde Nos corpos dessa gente perplexa
Mistério universal, pleno, imenso
Números que mandam e desmandam Leis cosmológicas que comandam
Energia residual; cataclismo intenso
Químico-fisicamente, tão poderosa Peça fundamental de toda existência Com sua força extrema e cautelosa
Onipresente ordenamento elementar (Do Big-Bang, à total convergência) Que faz de mim um “ser molecular”
100
Invencionice
Estou sonetificante por escrever Tantos versos e tantas poetilezas
Quiçá as riméticas não sejam coezas Libertináveis, sim, é certo de saber
Invento palavriações inexoráveis
Vocábulos eternófilos, demasiados E, nesses vérsicos tão desolados
Redesposeciono as frases amáveis
Ao reinventar todas essas coisélas Talvez sobre uma inspiracinalização
Que eu consiga furtificar delas
Transpalavriando, na volta ou na ida No caminho da febril inventalização Quem sabe, eu reinvento minha vida
101
Como escrever um Soneto
Não escrevo Sonetinhos métricos Para quê; as letras se desfazem
"Cheios de vida..."; prefiro os tétricos Os poemas (como nós) se refazem
Parnasiano ou (pós-) modernista De versos em versos, uma obra
Experimental, como um Alquimista Mortífero, como veneno de cobra
Poucas páginas, muitas formas Assassinando as belas normas
O bom poema é o que vem de cima
Do céu, d'um plano, do universo afora No mundo da lua; o que vem agora? Sem inspiração! (completo a rima...)
102
Acidez
Na cáustica vivência do poderoso ácido Ninguém mergulha em sua vil corrosão
Num toque único, acelera a reação Da efervescência, surge o plácido
O básico silêncio, a alquímica paz
Sulfúrico, Iodídrico, bórico Em qualquer melodrama teórico
Na alcalina terra, fúnebre, jaz
Meu corpo esfria, perante o mistério Depósito radioativo, (vão) cemitério
Derreto, só, sob o olhar estático
Será esse ácido poderoso o bastante Para queimar o ódio deteriorante
Que reage em meu peito pragmático?
103
Contemplação
Sou um visionário; vigia, vigilante... Um contemplador, observador nato
Sigo vendo, com minha visão delirante Cada evento, cada cena e cada fato
Olho para a terra e para o céu Tentando ver algo mais vistoso
À noite, observo o enegrecido véu De dia, vislumbro o chão terroso
E, quando me pego a contemplar
Vejo os amantes que não puderam se amar Que nunca se entregaram aos carinhos
Acima, o céu chora... suavemente
Abaixo, a terra grita... austeramente Contemplando-se, um ao outro, sozinhos
104
A rosa assassina
Novamente, o cravo brigou com a rosa E mais uma vez a espancou, covardemente
Da forma mais violenta e desonrosa Destruiu suas pétalas... cravo indolente
Isso aconteceu por que o cravo a traiu Com a linda tulipa, atrás duma moita
O relacionamento tão bonito ruiu Quando a rosa descobriu afoita
Mas, ela tomou uma drástica atitude E, à noite, no total silêncio e quietude Com um espinho, o cravo ela matou
Agora, a rosa é a flor mais temida
Com sua face desolada e carcomida Tudo graças a um amor que a magoou
105
Altar
Prostrado de joelhos em meu altar pessoal Me vejo orando, em lamúrias pobres De certa forma, uma oração nobre
Relatando meus erros, em toque divinal
De pecados em pecados, monto meu retrato Relutante em me declarar com ardor Visto que sou um mórbido pecador
Sujeito-me ao martírio de meu contrato
Pacto selado! Acorrentado e desolado Enxugo meu rosto cheio de lágrimas Sigo o sonho, de um dia ser exaltado
E, fugindo da vil maldade humana
Ouvindo minha voz e minhas lastimas Mergulho na luz que meu altar emana
106
Copo de cerveja
Transparência cheia de conteúdo Olho pelo vidro amarelado
Na cevada líquida, extasiado Tomo um gole, sempre mudo
O álcool que se adentra em mim Já esteve em algum belo campo
Colhido, transformou-se tanto Agora sou eu seu triste fim
Dentro de um mero copo
Fixo minha mente, em foco Vidro frágil, como minh'alma
Sempre e agora, bebo esse karma
Esta delícia em forma de sarna Que me estressa e também acalma
107
Soneto com uma só rima
Da forma mais resplandecente Escrevo esse poema tão envolvente Dando-me o direito, deliberadamente
De rimar, cada verso, igualmente
Sei que parece meio indecente Liberar-me da rima inerente
E redigir um poema, solenemente Criando palavras, desajustadamente
Eis que, nesse poema, profundamente
Me entrego de corpo, alma e mente No caminho árduo, displicente
Nesses poucos versos, sobriamente
Mostro meu dom, poeticamente Como a luz duma estrela cadente
108
Ego perverso
Meu ego se faz de vítima, e somente Ás vezes se coloca a me contemplar
E não casualmente, a me torturar Deleitando sobre meu corpo doente
Meu cérebro, cansado de pensar E de buscar soluções inexistentes Olhando essas tristezas aparentes
Não mais tolera; flui lento e devagar
Minha sorte, já sem fôlego de seguir Adiante, em frente, em sentido reto Não me faz valente na hora de ir
Minhas dúvidas, insolentes questões Prendem-se, ao subirem, lá no teto Para precipitarem em vis emoções
109
Microsoneto
Ao olhar no microscópio Aparece-me uma bactéria
Que se alimenta só de ópio Desvairada viva matéria!
E, como um ser unicelular Da maneira mais etérea
Escrevo um soneto similar!
110
Coma
Na longínqua distância entre a mente E a contemplação da epífise materialista Surge um tempo e um espaço inerente A tudo o que a inteligência conquista
Intelectual processo bem organizável
Que a existência projetada nos mostra Da imagem, da ilusão mais confiável
Contemplativamente a quem se prostra
Cerebral, neural, astral, quase desumano O tempo se esconde em um mês, ou ano No epicentro da Hipófise descontrolada
E nesses espaços atemporais relapsos
Surgida entre explosões e colapsos Encontra-se essa mente despedaçada
111
Soneto de desorganização
Que poema é esse, sem nenhuma estética? É um soneto, ou uma loucura sem fim?
Talvez seja fruto de uma louca dialética
Mas, não é nada de mais, não para mim... É apenas um soneto, como outro qualquer
Com versos normais, só meio elitista Apenas diferente; ou para quem quiser, Um poema ultra-mega-hiper-modernista!
Sei que pode até parecer um insulto
Contra todas as regras tão valorizadas
Digam de tudo! (Exceto que é inculto...)
São só algumas palavras irracionais Meio esquisitas, mas bem intencionadas
Confrontando essas leis convencionais...
112
Máscara negra
Escondo todos meus medos sob ela A máscara negra, pronta a me salvar Em sua escuridão, no frio que gela Deleito-me em sua sombra circular
Máscara escura... profundamente...
Onde qualquer brilho é ofuscado Na noite mágica, estática e envolvente
Finjo também ser um mascarado
Óh, máscara! Máscara afagável... Faça de ti a pele de meu rosto
E oculte esta minha face inconsolável
Mas, ao ocultar-me, virá o ardor Sentirá o eterno e amargo gosto
Que consome a boca dum pecador
113
Ciclo infinito
...e na imensidão, permaneço viajando! Deleitando-me pelo universo grandioso Descobrindo o vão mistério miraculoso
O tempo e o espaço desarranjando!
Infinitamente, no ciclo envolvente Na Via Látea percorro as vielas
Com as nebulosas danço, e com elas Me completo sempiternamente
No ciclo perfeito, do fim ao começo Pela eterna via, sem nenhum tropeço Sigo, no caminho da universalização
Na circunferência circunscrita circular Metafisicamente, na geometria linear Retorno ao início; e na imensidão...
114
Musicalidade
Simples sonata, simbólica, musical D'onde vem o som tão envolvente? Vem de um instrumento reluzente Ou de um canto celeste-angelical?
Eleva-se o volume, a nota, o tom... Da lira bem feita, que enfeita o ar
Que nos ouvidos ávidos, põe-se a soar Um maestro, um talento, um dom...
Vem, esse som, d'uma nuvem, vem
Encantar-me, agora, nesses instantes Fazer-me ouvir os cânticos do além
Canta o instrumentista, toca o cantor Tocando os sentimentos angustiantes Cantando as angustias do lírico amor
115
Releitura
Leio o soneto, o soneto releio Relendo o soneto, o soneto eu leio
Releio e leio, leio e releio Lendo o soneto, o soneto que veio
E relendo o soneto, aquele mesmo
Que li e reli, o soneto que lia Leio o soneto, mesmo que a esmo Vi o soneto, o soneto que eu via
Veio o soneto, o que li a esmo
Que mesmo lendo, voltei a reler Vi, reli, li, lendo assim mesmo
E ao ler tanto esse soneto (o que li!) Retomei a leitura... recomecei a ler
O mesmo soneto que eu li, (vi!) e reli...
116
Diálogo gramatical
A virgula olhou para o ponto e falou: - Porque és mais poderoso que eu?
O ponto, com outra pergunta, respondeu: - Quem te disse que mais forte eu sou?
A virgula, triste, falou novamente:
- Foi a exclamação, com aquela afobação. - Não acredite! - respondeu ele então.
E o ponto foi resolver isso, rapidamente:
- Tu disseste que sou mais forte que a pobre virgula - disse o ponto -
e agora, a coitada, só deseja a morte!
- Tu não gosta de ser mais forte, então? - Disse a exclamação - não seja tonto!
E o ponto virou uma interrogação.
117
As dores do mundo
Pobre mundo, sofrido; gemendo... Com a boca seca, mundo desolado Para sempre, agora e no passado Segue a sina; as dores contendo...
Alegrias, emoções; desgraças, aflições... Perversos sinais, reles vícios culposos
Falsos contentamentos, sempre amorosos Que se entregam a todas as tentações
Miseráveis sentimentalismos capitais... Moedas que compram a vida e a morte Orações fervorosas, pecados carnais
Nesse pedaço de mundo, e em cada parte
No prazer, na dor, no azar e na sorte Vive o evoluído, o sapiente, o covarde...
118
Soneto de Ruptura
Não obstante, mais uma vez cá estou Nas entrelinhas dum mero poemeto
Execrando as juras que enfim prometo Exagerando no que digo e no que sou
Alimentando a descrença nesta febre Que regurgita cada boca poetizada Tais logros que na poesia execrada Me fazem como uma fugitiva lebre
Não rio desses infortúnios regrados
Onde sílabas são medidas ao extremo Já que meus sonhos são bem fixados
Somente observo, como um ser alado
Nada me afugentará, nada temo Pois as letras me querem ao seu lado
119
Tempo esgotado
O tempo não para, só passa devagar Arrastando-se perene, pela eternidade
Ocultando a mentira, enganando a verdade Na montaria temporal, sempre a galopar
Tão solene, só, em recato, desolado
Um relógio quebrado, tênue, perpétuo Desfragmentado no silêncio, quieto
Seu advento já foi cronometrado
Os ponteiros, inertes, logo paralisam Segundos, minutos, horas, enfim
As cicatrizes óbvias não cauterizam
Ser atemporal, desses tempos devassos Já sinto pulsar aqui dentro de mim
Como o relógio, meu coração em pedaços
120
Poesia eterna
Meu lápis quebrou, não posso escrever Sou um poeta morto-vivo, sem sossego
Vivo eternamente, em meu solene apego Relutante em viajar, nego em perecer
Assoviando, pleno, entre erros e acertos Uso meu talento em forma de sinfonia Cantarolando alto, em minha poesia
Os alentos serenos em breves concertos
Livre de qualquer tênue reticência Ressuscito páginas, mortas, na ausência
Das frases rústicas, faço as modernas
Cintilando meu lápis; brilho letrado O pobre lápis, que agora quebrado
Se faz meu amigo, nessas noites eternas
121
Inverso
Olho no espelho e lhe pergunto De onde vem meu reflexo pálido? Sem resposta, mudo de assunto
Vejo, então, minha sombra torta
Contra a luz, no chão árido E lhe pergunto se é viva ou morta
Pensamentos sórdidos, perplexos
Que loucura é essa, afinal? Conversa enlouquecida, banal
Entre um Homem e seus reflexos?
Se em seus sonhos o Homem está perdido Na maldade, no caos e na destruição
Olhando no espelho do coração Que sonhos terá o Homem invertido?
122
Soneto de falta de inspiração
Sem saber o porquê, escrevo esse poema Sem direção; sem começo, meio e fim E, talvez, não por orgulho, é para mim O que melhor se apega a esse tema
Que tema, se ainda não foi esclarecida Para tu, leitor, a temática desse soneto? Pois bem, eu sei, é um erro que cometo
Mas, até o final, não será esquecida
Leia com atenção essas linhas estranhas Que tirei lá de minhas internas entranhas
Forçando (eu sei) a rima de vez em quando
Recito versos, glorificando a gramática... Ops! Me lembrei daquela maldita temática Logo agora que o poema esta acabando...
123
A Árvore da Vida
Cresce, aceleradamente, a ávida semente Transforma-se, logo, em uma grande planta Cheia de espinhos; mas que logo encanta Aqueles, que a árvore olham, fixamente
Com seus frutos coloridos e suculentos
Folhagens verdes, vermelhas e amarelas As fortes raízes, donde apegam-se a elas As raízes d'outros troncos tão opulentos
Cresce, cresce... mais, mais, e muito mais... A arvore, em sua ganância, nunca, jamais Deixará que algo lhe interrompa em vão
Alcança, então, o tamanho máximo possível E, como nunca poderá chegar ao inatingível Desaba, tão rápido quanto cresceu, ao chão
124
Heroísmo
Que dirá o que sou, senão um louco
Por transgredir regras sem sentido Dirá me vendo fraco, abatido
Definhando, lento, pouco a pouco
Heroicamente, ergo a espada Solto um brado, ordeiro sinal
No alto de minha coragem fatal Aerofóbico, desço a escada
Más não é o medo que me derrota
Nem mesmo as pedras em minha rota Guerreiro que sou, sigo o caminho
São as vítimas desse mundo fútil Que atrapalham meu destino inútil Salvo a todos, más pereço sozinho
125
Nas Trevas
Estou eu, preso, louco, relutante Neste veio de mortandade fria
Sujando os pesadelos de quem me cria Entre cegos, tetro, delirante
Na eminência lisa, a pensar forte Descubro mistérios eloqüentes
Acreditando em sonhos ardentes Versos proclamados, cheiro de morte
E, certo, como se fosse de contra-senso Me desespero em falso, sempre tenso Nos semblantes, me deleito, esvaído
Em plena loucura, um pueril torto
Inerente, dilacero meu corpo Escaveirado, me sinto traído
126
Eterno
Oriundo de antigas eras, aqui estou eu Viajante da longínqua linha temporal Inebriado por terem me dado o aval
Para observar o cosmos em seu apogeu
Vi perplexo cada transformação astral Melancólico pelas insanidades soltas Por esse mar onde a Terra é envolta Girando em falso entre o bem e o mal
Nasci numa época de pouquíssima luz
E pude perceber claramente que faz jus Essa escuridão que segue a humanidade
Sou eterno em minha louca existência Mas, como eu, também faz resistência Esse vicio tão humano pela maldade
127
Uma palavra
Mundo Destrutível
Incompatível Imundo
Sonho
Indecente Decadente Enfadonho
Liberdade Falsidade
Mídia
Compaixão Enganação
Perfídia
128
A Máquina
O cheiro metálico se espalhando No ar inebriante; puro, amargo
O som latente; infinito, largo Eterna moda, vai girando
Energia pura, magnética
Inconseqüente movimentação Age, ao pressionar de um botão
Dinâmica, ágil, cinética
Engrenada, a máquina vivente Moderna, velada amargura
Em concreta arte, de alma ausente
Parafusos frouxos, deturpação Na existência elétrica, não se cura
Condenada a auto-destruição
129
Soneto modernista
Vangloriando o legado Andradino Nas austeras poetizações... Sigo o formado Petrarquiano
Sem nenhum lampejo rimático
Invento palavras absurdas Machadinamente, converso contigo
O leitor iliterário... Canibal devorador de versos
Se Camões, Bocage e tantos outros
Fizeram dessas rimas suas vidas Quem sou eu para irrompê-los?
Visto a camisa modernista
Para (nesta rima intrometida!) Escrever um poema maniqueísta...
130
Sanguinolência
Sangue escuro; plasmática sangria Que sangra agora este plasma grudento
A grudar os pecados do advento Ser corporal, cadavérico, que esfria
O sangue antigo, novo, velho, eterno
Afagável, o fluxo sanguinolento, mágico Correndo, pelo venoso aurículo trágico
Sedento, vampírico, sugante, materno...
Espectral, sanguíneo, o pulso latente Do corpo e da alma, da vida corrente Cortante, a navalha... o mal, o trauma
Ao entrar a lâmina da covardia plena
Encontra este sangue a dor mais serena Escorre, no sangue, um pouco da alma
131
Enterro de mágoas
Pobre homem, o insípido coveiro A enterrar corpos, no chão mortal
Destino cruel, fatídico, fatal Muito diferente do seresteiro
Esse sim, dança, canta e declama
Poesias, anedotas, cantigas ao luar Pelas ruas, emoções ávidas a recitar
As mágoas, dos ouvintes, ele derrama
Vidas opostas, que assim se fazem Sentimentos ambíguos, a si, trazem
Ambos na vida, sem rumo, sem norte
Não tão diferentes esses homens são Se um enterra as mágoas do coração O outro enterra as mágoas da morte
132
Mitologia
Brilha o olhar claro da pérfida Sereia A fitar o Minotauro, preso, temerário No labirinto, guardando o relicário
Do semideus decaído, que ali vagueia
Realçada a beleza do eterno grego O súbito grito das sonatas Harpias Sob o eclipse, no clamor dos dias A relíquia perdida; o fogo negro
E Ícaro voando, no ruflar das asas
A Atena plena, protegendo as casas Assessorada pelo Hades benigno
Essa relíquia é a liberdade humana
Concedida pelo grande deus da gana Pisoteada pelo Hércules maligno
133
Pedagogia Selvagem
Discípulos Ferais! Brutais ativistas... Defendam sua caça e seu legado Na pele escamosa impregnado
O selvagem discurso construtivista
Evolutivos Sapiens devoradores... Com cérebros e presas; À Guerra! Arranhando os sentidos da Terra
As formas, as superfícies, os odores...
O Leviatã poderoso, no mar atroz Nada forte (ferozmente!) e veloz Na sapiência rígida da calmaria
E neste meio aquoso, irregular
Surge sempre um monstro a nadar No oceano plausível da sabedoria
134
Espectros carentes
Nas lembranças mórbidas, aluadas Sombrias, mortíferas, recorrentes Momentâneos espectros carentes Atormentando vidas desalmadas
No sistema lúdico, destrutivo
Conectado ao meu ego perverso Encontro minha alma ao reverso
Presa em meu corpo introspectivo
Lamentando esse devaneio sagaz Na lápide estagnada onde jaz
O fantasma de minha consciência
Me destruo aos poucos e eternamente Semelhante ao descaso de tanta gente
Fingindo um momento de carência
135
Vida eterna
Que homem, insolente, e tão ousado Saberá, no futuro, a grande sepultura
Que se eleva, e o eleva, solene, a altura Dos céus, a subir alto, glorioso, alado?
Nem os anjos, com seus corpos ínfimos Ou os demônios, escravos insolentes
Recebem de seus mestres, quando doentes Alívio aos seus desejos mais íntimos
Donde vêm, então, este sonho louco De alçar-se, de subir mais um pouco
E alcançar, sublime, as hastes do céu?
O Homem, em sua cega ancia de poder Engolirá seco, nesta ancia, ao morrer
Sentirá, na cova, o gosto amargo do fel
136
Correntes da miséria
Quantas almas estão ainda presas No calabouço angustiante, sofrível?
Sentindo este cheiro tão horrível De lágrimas, lamentos e tristezas...
Escravidão, servidão, enganação...
Momentos de prazer e liberdade Enforcados pela insana maldade
Como um réu em sua condenação
Sem mais pecados, sem mais culpa Servas da boca suja que as insulta
Aos grilhões, abandonadas as traças
A ferros, escravas dessa vã miséria Tendo que se sujeitar a face séria
De quem só se liberou por trapaças
137
Musa
Como já dizia o grande Modernista Amar não passa de um simples verbo E, na idealização que ainda conservo
Sobra uma idéia Clássica ou Humanista
Se os Realistas só pisaram no sentimento E os Parnasianos só pensaram na arte
Talvez ainda não seja muito tarde Para um novo e triunfal renascimento
Mas, as musas já não existem mais
E a inspiração perdeu-se, para jamais Voltar a brilhar, reluzente, douradora
Se não há nenhuma musa esperançosa
Escrevo eu, uma poesia amorosa Pois tenho minha musa inspiradora
138
Soneto à Mulher-melancia
Quando liguei minha televisão, Deparei-me com algo grandioso.
Era o que muitos chamam "popozão" Dançando de um jeito harmonioso.
Confesso que, como homem que sou,
Gostei do "talento" da dançarina. Mas logo uma idéia se lançou:
"Seguia o Brasil sua triste sina!"
A bela moça rebolava muito, Descia até o chão (quase que o afunda!).
Seria isso arte ou indecência?
Não vou julgar, não é meu intuito. Mas o Brasil prefere mais uma bunda,
Do que valorizar a inteligência!
139
Desabafo
Quem dera me ver, todo despido No mote da loucura que apavora E ver minh’alma em cada aurora
Ouvindo o som breve dum gemido
Sentir em mim o insano sonho A mão fugaz da liberdade plena
Solto como uma pluma, uma pena A voar pelo ar puro e enfadonho
Não falhar com minhas responsabilidades
Nem negar essa pérfida realidade De ser um ser que erra a cada ação
Nadar na fonte de minha insensatez
E olhar para mim mais uma vez Sem ter que me envergonhar em vão
140
Memória caipira
Foi-se um tempo muito distante Que me desperta uma saudade E vou lhes dizer com verdade
Do que ainda me lembro bastante
Lembro do nosso grande cavalo E duma imensa e bela carroça De como o nosso dia lá na roça
Começava cedo, ao canto do galo
Lembro ainda daquela bicharada E como minha mãe ficava danada
Quando as "galinha fugia" do cercado
É essa vida que hoje me inspira E quando escuto música caipira
É como se eu voltasse ao passado
141
Via Sacra
Condenado ao suplício, à dor, à morte No peso da cruz, carrega o mundo
Caído ao chão, por mais que seja forte Sob o olhar materno, que vê ao fundo
Auxiliado por um homem, o tal Cirineu
E, enxugado, na face, por Verônica Novamente, pela cruz, ao chão cedeu É ele quem consola... Imagem icônica
Pela Terceira vez, desaba por terra São tiradas suas vestes. Já é a hora
Na cruz pregado, sem ódio, sem guerra
A morte então vem. O sofrimento tem fim Nos braços da mãe, que, àvida, chora
Para o sepulcro vai, por você e por mim
142
Tributo I
No trêmulo rio do tempo incansável Surge o mestre das letras, o senhor O parnasiano perfeito, o insuperável Declarando à poesia todo seu amor
O ouvinte das estrelas e do impossível Debruçava-se na janela para vivenciar
Toda noite, sua obra intransponível Que nunca, em seus versos, a de acabar
O poeta erudito, de febril literatura Amante fiel da sublime conjectura
E das pérolas poéticas que construía
Através dos tempos, e sempre mais Não a de se apagar, nunca, jamais O brilho estrelado de sua maestria
A Olavo Bilac
143
Tributo II
Talvez os violões chorem eternamente Ou, talvez, enlouqueçam de uma vez Como a Monja, em sua negra avidez Pervertida pela Múmia... solenemente
Se o poeta enlouquecer, maldita sorte Terá que satisfazer seu sonho amável
Para ser, como nos versos, Invulnerável Cantando, bem alto, a Música da Morte
Na liberdade negra de sua inteligência Confundida, muitas vezes, com destino Resta uma dose de talento e opulência
Se a loucura espreitou-lhe no derradeiro
Terá a sorte de no eterno confino Ser afagado pelo Cristo verdadeiro
A Cruz e Souza
144
Tributo III
Assisti, agora, o formidável, o enterro Não da quimera, mas daquele verme
Aquele, que nos versos, no cerne Vangloria-se, feroz, no funesto aterro
E, agonizante, o filósofo me contou
Que morcegos não mais lhe incomodam Só voam, voam... giram, giram e rodam
E, que apenas um (o do tempo) lhe atacou...
Mas, mesmo que seja velha a sua obra Algum verso perdido, sei que sobra
No caos, nos descontroles e desarranjos
Seu lirismo necrófilo ninguém esqueceu Apenas, talvez, alguém não o entendeu
Pois a de enlouquecer até mesmo os anjos
A Augusto dos Anjos
145
O último soneto
Soneto branco... soneto feio... soneto vil... Dentre as páginas acaloradas, a epopéia
De sinopses americanas e formas européias Da rima portuguesa ao poético Brasil...
Um soneto, uma poesia, uma trova...
Mesmices rimadas, com sentido duvidoso Das mãos do insano escritor ocioso
Surge uma imprudente lira nova
Leia e desfrute. Veja que "cousa" linda O último soneto que vem agora
A rimar em falso, na ida e na vinda
Forçando essas rimas sem luxúrias Na bravura poética, logo aflora
O temerário Soneto das injúrias...
146
...o fim!
Caro leitor, esse é o último poema Nessa obra lírica, tão literária Letras soltas; forma arbitrária
Uma rima, um verso, um dilema
Lembranças, amores e devaneios Saltitando pelas páginas afora
Vivendo o ontem, o amanhã e o agora Libertando, de súbito, seus anseios
Más, não tardio, o tempo se vai
Como a alma de um corpo se esvai - “Fazer o que, a vida é assim...”
Numa mescla de alegria e tristeza
Fecho os trabalhos dessa obra coeza Decretando, determinantemente, o fim!
147
ANEXO
148
149
O Micro-Soneto
As artes mudaram. A literatura mudou. O
lirismo mudou. E o soneto, o maior representante da poesia clássica também mudou. Assim, surgiu o soneto branco e o soneto sem métrica, onde as sílabas poéticas não fazem diferença. Não quero ser um revolucionário, e sei que algumas críticas virão, mas percebo que novos rumos devem ser seguidos. Sendo assim,apresento-lhes o Micro-Soneto. A regra básica para a construção é a seguinte: São duas estrofes. A primeira formada por dois versos, e a segunda por apenas um. Porém, cada verso é dividido em dois sub-versos. Os dois sub-versos que compõem o primeiro verso não rimam entre si, e nem com o primeiro sub-verso do segundo verso. Já o segundo sub-verso do segundo verso rima com o primeiro sub-verso do primeiro verso. É colocado um espaço entre a primeira estrofe e a segunda, que contém o terceiro verso. O primeiro sub-verso do terceiro verso rima com o segundo sub-verso do segundo verso, e o segundo sub-verso do terceiro verso rima com o segundo sub-verso do primeiro verso. Os dois sub-versos de cada verso devem ser separados por ponto-e-vírgula. Sobre a métrica, cada sub-verso é composto por cinco sílabas poéticas.
150
A seguir, alguns Micro-Sonetos para o deleite de todos.
Fuga
Fugi de meus sonhos; singela escapada Na fria escuridão; risos enfadonhos
Em meu coração; fizeram morada
Reencarnação
Amores sórdidos; sem culpa ou pudor Paixões tão sofridas; pecados mórbidos
Por várias vidas; escravos da dor
Minha senhora
Perfeita criação; senhora só minha Dona do ar, da lua; sonho e emoção
Minh’alma é tua; e contigo caminha
151
Oráculo
Alucinação; signos provençais Talvez nada seja; um sonho, ou visão
Ou talvez eu veja; futuros sinais
Invisível
Fé intransponível; sorte de quem não ama Pois no desamor; fica invisível
E longe dessa dor; a vida se derrama
Ilha
Nesses secos mares; nessa terra vil Onde nada se cria; sem ruas ou lares
Lugar que me guia; local morto, senil
152
Para conhecer outros livros do escritor
e poeta Eder Ferreira, acesse o site www.eder.prosaeverso.net