Tom Kelley - Integral

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Tema: Inovação Palestrante: Tom Kelley Bom dia. Hoje vou falar sobre as dez faces da inovação. Gostaria muito de dar esta palestra toda em Português, mas infelizmente já gastei todo o meu português neste parágrafo. Vou falar sobre aquilo que meu colega chamou de “Dez faces da Inovação” e os três papéis positivos da Inovação, os quais vocês e seus colegas em sua organização podem atuar, a fim de causar mais impacto ou a fim de ajudá-la a ser mais competitiva no mercado mundial. Mas antes de entrarmos nas dez faces, vou tomar alguns minutos no conceito de Inovação per se. Todos somos a favor da Inovação, certo? Mas a Inovação tem alguns problemas, dois deles em especial. O primeiro é: apesar de todos gostarem da Inovação, ela vive naquilo que Dr. Steven Covey (o autor de “Os sete hábitos de pessoas altamente eficientes” que define a Inovação localizada no que Covey chamará de segundo quadrante) classificou de “coisas importantes, mas não urgentes”. Conceitos que estão no segundo quadrante de Covey, como a Inovação, são aquelas que, mesmo você sendo a favor a princípio, se torna muito tentador deixá-la para o dia seguinte... e o que acontece com algumas pessoas ou organizações é que deixam a Inovação para o amanhã, e amanhã, e amanhã, até que um dia acordam sabendo que uma companhia (muitas vezes uma companhia pequena para a qual não se prestava atenção, as vezes uma companhia do outro lado do mundo, qualquer uma que não deixou a Inovação para amanhã) está tomando um pouco do mercado da sua. Está tomando para si alguns de seus clientes. Por isto acreditamos que, no longo prazo, Inovação tem urgência em si mesma. Mesmo ela estando no quadrante 2, você deve prestar atenção a Inovação. Deve tomar um pouco do seu dia agitado para gastar com Inovação. Portanto este é o problema número um da Inovação: está no quadrante 2 e é normalmente adiada. O segundo problema com a Inovação é o que, idealmente, chamamos de “Efeito da Rainha Vermelha”. Sei que provavelmente vocês leram livros diferentes na infância daqueles que eu li nos Estados Unidos, mas espero que vocês conheçam um livro chamado “Alice no País das Maravilhas”. Este livro tem sua seqüência “Alice através do Espelho” que, mesmo vocês não o conhecendo, digo que o livro todo é baseado na metáfora de um tabuleiro de xadrez. E há uma cena neste livro na qual Alice, de preto neste desenho, está com uma outra personagem chamada Rainha Vermelha. A Rainha Vermelha sempre está de mau humor. Não sei porque, mas sempre de mau humor. Alice e a Rainha Vermelha estão tentando atravessar o tabuleiro de xadrez. Mas, como se vê no desenho, está ventando muito forte. Elas se movem, mas não chegam a lugar algum. Isto frustra Alice profundamente. Alice diz a Rainha: “Rainha Vermelha, o que é isto? Nossos pés se movem, mas nós não vamos adiante!” A Rainha Vermelha, impacientemente, responde: “Alice, se você quer chegar a algum outro lugar, você terá que correr duas vezes mais rápido do que isto!”. Esta é a má noticia da Inovação do século 21: não é mais suficiente ser inovador, você deve copiar e ultrapassar as inovações de todas as outras companhias do mundo, e as outras companhias são muito boas no que fazem. No setor bancário é mais agravante, porque ele não atua por fronteiras: eu moro nos Estados Unidos, mas deixo meu dinheiro nos Países Baixos porque acho que eles são inovadores. Portanto você deve prestar atenção a empresas do mundo todo. Você deve manter a sua cópia

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Entrevista com Tom Kelley

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Tema: Inovação Palestrante: Tom Kelley

Bom dia. Hoje vou falar sobre as dez faces da inovação. Gostaria muito de dar esta palestra toda em Português, mas infelizmente já gastei todo o meu português neste parágrafo.

Vou falar sobre aquilo que meu colega chamou de “Dez faces da Inovação” e os três papéis positivos da Inovação, os quais vocês e seus colegas em sua organização podem atuar, a fim de causar mais impacto ou a fim de ajudá-la a ser mais competitiva no mercado mundial.

Mas antes de entrarmos nas dez faces, vou tomar alguns minutos no conceito de Inovação per se. Todos somos a favor da Inovação, certo? Mas a Inovação tem alguns problemas, dois deles em especial. O primeiro é: apesar de todos gostarem da Inovação, ela vive naquilo que Dr. Steven Covey (o autor de “Os sete hábitos de pessoas altamente eficientes” que define a Inovação localizada no que Covey chamará de segundo quadrante) classificou de “coisas importantes, mas não urgentes”. Conceitos que estão no segundo quadrante de Covey, como a Inovação, são aquelas que, mesmo você sendo a favor a princípio, se torna muito tentador deixá-la para o dia seguinte... e o que acontece com algumas pessoas ou organizações é que deixam a Inovação para o amanhã, e amanhã, e amanhã, até que um dia acordam sabendo que uma companhia (muitas vezes uma companhia pequena para a qual não se prestava atenção, as vezes uma companhia do outro lado do mundo, qualquer uma que não deixou a Inovação para amanhã) está tomando um pouco do mercado da sua.

Está tomando para si alguns de seus clientes. Por isto acreditamos que, no longo prazo, Inovação tem urgência em si mesma. Mesmo ela estando no quadrante 2, você deve prestar atenção a Inovação. Deve tomar um pouco do seu dia agitado para gastar com Inovação. Portanto este é o problema número um da Inovação: está no quadrante 2 e é normalmente adiada.

O segundo problema com a Inovação é o que, idealmente, chamamos de “Efeito da Rainha Vermelha”. Sei que provavelmente vocês leram livros diferentes na infância daqueles que eu li nos Estados Unidos, mas espero que vocês conheçam um livro chamado “Alice no País das Maravilhas”. Este livro tem sua seqüência “Alice através do Espelho” que, mesmo vocês não o conhecendo, digo que o livro todo é baseado na metáfora de um tabuleiro de xadrez. E há uma cena neste livro na qual Alice, de preto neste desenho, está com uma outra personagem chamada Rainha Vermelha.

A Rainha Vermelha sempre está de mau humor. Não sei porque, mas sempre de mau humor. Alice e a Rainha Vermelha estão tentando atravessar o tabuleiro de xadrez. Mas, como se vê no desenho, está ventando muito forte. Elas se movem, mas não chegam a lugar algum. Isto frustra Alice profundamente. Alice diz a Rainha: “Rainha Vermelha, o que é isto? Nossos pés se movem, mas nós não vamos adiante!” A Rainha Vermelha, impacientemente, responde: “Alice, se você quer chegar a algum outro lugar, você terá que correr duas vezes mais rápido do que isto!”.

Esta é a má noticia da Inovação do século 21: não é mais suficiente ser inovador, você deve copiar e ultrapassar as inovações de todas as outras companhias do mundo, e as outras companhias são muito boas no que fazem. No setor bancário é mais agravante, porque ele não atua por fronteiras: eu moro nos Estados Unidos, mas deixo meu dinheiro nos Países Baixos porque acho que eles são inovadores. Portanto você deve prestar atenção a empresas do mundo todo. Você deve manter a sua cópia

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de inovações (paste of Innovations) para chegar a frente ou manter-se a frente de todos estes competidores.

Não foi sempre assim. Quando eu era uma criança, antes do mundo achatar-se, não era necessário ser um inovador tão sofisticado assim. Você poderia inovar de vez em quando e isto seria o suficiente. Eu cresci em um lugar no centro dos EUA chamado Akron, no Estado de Ohio. Naquela época Akron era chamada de “a Capital mundial da borracha”, o que não estava totalmente certo. Por borracha queríamos dizer pneus, que tem outros significados nas gírias norte-americanas, mas queríamos dizer “pneus”, e mais, nós dizíamos “capital do mundo”, mas queríamos dizer “capital dos Estados Unidos”. O que queríamos dizer é que produzíamos 100% dos pneus para frota de passageiros produzida nos Estados Unidos. Você já deve ter notado que as pessoas nos EUA tem este pequeno hábito irritante: as vezes eles dizem “o mundo” quando querem dizer “os EUA”. Por exemplo, todo outubro temos um campeonato de baseball chamado “Liga Mundial de Baseball”, mas que não é a Copa do Mundo de Baseball. Na “Liga Mundial de Baseball”, o Brasil nunca ganha de nós, porque eles não deixam o Brasil jogar. Temos um time canadense nesta liga, portanto não é a Liga Mundial, é a Liga dos Estados Unidos, é a Liga Norte-Americana.

Quando dizíamos que Akron era a capital mundial não era bem verdade, mas era verdade que produzíamos 100% dos pneus para carros dos EUA. Portanto era um negócio legal, uma indústria doce e um processo de Inovação muito vagaroso. Era como se os gerentes daquelas empresas se unissem e dissessem: “Não vamos fazer do nosso trabalho algo muito difícil”. Existiam três grandes empresas: Goodyear, Firestone e Goodrich. Era como se dissessem “a cada trimestre faremos uma inovaçãozinha e isto será tudo o que precisaremos fazer, a não ser que um de nós vá muito a frente, o negócio será simples e não precisaremos inovar muito”.

E isto durou muito tempo, pareceu funcionar bem até que (como disse, o mundo ficou achatado durante minha infância) a grande inovação que veio de fora do sistema fechado das fábricas de pneus de Ohio foi, como vocês devem saber, o pneu radial. Naqueles dias as grandes inovações não vinham do Brasil, da Rússia, da Índia ou da China, mas desta vez veio da França. A competição mundial que enfrentávamos durante a minha infância era com a francesa Michelin. Eles começaram a vender pneus radiais para o mercado americano e nossas empresas não gostaram e disseram: estes pneus da Michelin duram mais, mas isto era ruim para os negócios, porque podemos ganhar mais dinheiros se vendermos mais pneus se nossos produtos estragarem mais rápido.

Então a indústria automobilística norte-americana pensou: “Nós não vamos produzir estes pneus por enquanto”. Mas os consumidores obviamente gostaram. Eles compraram os pneus radiais. O sistema maravilhosamente fechado se abriu e as fábricas de pneus em Ohio pagaram um preço muito alto por isto, por terem atrasado a cópia da inovação (paste of Innovation).

Lembra que eu disse que 100% dos pneus eram produzidos na cidade que nasci? Quando eu completei 18 anos, 0% dos pneus da frota americana era produzido ali, o que é equivalente a dizer que toda a base manufatureira e todos os empregos foram eliminados. Era uma cidade de uma indústria só. Isto foi há muito tempo atrás, mas nenhuma outra grande indústria veio para a cidade posteriormente. Não só nenhuma grande indústria como nada veio a minha cidade. Não só as empresas mas a cidade em si pagaram um preço por terem atrasado a cópia de Inovação (paste of Innovation).

Portanto este é o “Efeito Rainha Vermelha” que agiu sobre a Indústria de pneus na minha cidade natal.

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Mas eu notei que, por mais que eu fale no mundo todo, as pessoas não estão interessadas em pneus. Por isto eu trouxe o exemplo de uma outra indústria, um pouco mais atraente, que é a de bens de consumo eletrônicos.

Temos aqui duas empresas conhecidas, a Sansung e a Sony. Os números do gráfico Interbrand representam as pesquisas internas dos valores que a marca tem. Vocês devem ver estes números todos os anos: uma empresa de marketing chamada Interbrand, desenvolveu sua própria metodologia para calcular o valor de uma marca. Não mensuram pelos ativos, pelos holdings financeiros, mas pela essência da marca em si. Isto pode valer muito para uma marca global, assim como o é para algumas grandes marcas brasileiras.

Em 2000 eles calcularam que o valor da marca mundial Sony era de US$17 bilhões. Isto fazia deles a maior marca de Bens de Consumo Eletrônico no mudo, indiscutivelmente, naquela época. E temos a Sansung em 2000 colocada abaixo nos gráficos Interbrand, naquilo que chamamos “na casinha do cachorro”.

Isto foi quando começamos a trabalhar com a Sansung: ela tinha produtos de boa qualidade, mas não tinham uma marca de peso. O que significava que a maioria das pessoas no mercado norte-americano que eu conhecia não entrava em uma loja para dizer: “Você tem alguma televisão Sansung? Eu realmente quero comprar um produto da Sansung”. Não era o tipo de marca requisitada. Por outro lado, muita gente entrava para pedir uma Sony.

Mas uma coisa interessante aconteceu naquela época: o CEO da Sansung viajou o mundo para ver como estavam os seus produtos comparados com as outras marcas. Ele considerou a comparação ruim e decidiu consertar o problema. Ele então lançou vários programas sérios de Inovação, incluindo muita antropologia, abriu pontos de ouvidoria ao redor do mundo, fez parcerias mundiais para melhorar seu design, incluindo com a IDEO Global Design (empresa da qual faço parte). Implementou uma idéia inovadora na época: deixou os jovens darem conselhos aos velhos, porque até este momento, até onde sei, isto nunca havia acontecido antes: a Sansung era a empresa mais autocrática que eu havia conhecido até então.

Ele iniciou uma série de programas de Inovação e, como resultado direto desta inovação, a Sansung foi na direção norte dos gráficos Interbrand, o que significa que ano a ano o valor da marca Sansung cresceu. Nós prevíamos que isto fosse acontecer, e finalmente aconteceu em 2005, o valor da marca Sansung ultrapassou o valor da marca Sony pela primeira vez na história da empresa. E não a ultrapassou simplesmente, mas, a ultrapassou por US$4 bilhões. Este foi o ponto baixo da Sony, que então acordou e decidiu fazer algo e começaram a subir. Mas o momentun da Sansung foi tão forte que ela tem uma vantagem sobre a Sony.

Este caso também é de “Efeito Rainha Vermelha” porque se analisarmos a Sony em qualquer ponto da linha vermelha, qualquer ponto na última década, se precisasse colocar a Sony em uma categoria: “Inovador” ou “Não Inovador”, em qual colocaríamos? De fato, a Sony é inovadora, é uma grande empresa. Não foi que a Sony parou suas Inovações, mas ela abrandou sua cópia e ultrapassagem de Inovações (paste of Innovation). E foi o suficiente para deixar que 100 competidores lhe ultrapassassem.

Em qual linha dos gráficos você gostaria de estar? Eu gostaria de ser o competidor faminto, eu preferiria mais ser a Sansung do que a Sony neste tipo de gráfico. Não importa qual o seu negócio, sempre haverá uma Sansung por aí. Sempre haverá alguém querendo um pedaço dos seus negócios. Portanto você gostaria de ser a Sansung, você gostaria de ter a sua paste of Innovation forte o suficiente para que você chegue a frente e se mantenha a frente.

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Isto é o “Efeito Rainha Vermelha”: manter o seu paste of Innovation alto. A minha empresa trabalhou em 4.000 programas de Inovação. Novos

produtos, serviços, novos ambientes físicos, novas experiências de consumo, o que inclui um projeto que fizemos no Brasil. Nós fizemos um projeto para as Havaianas, trabalhamos no passado para a Natura. Minha primeira visita ao Brasil, há 15 anos, foi para visitar um banco brasileiro e conversar sobre maquinas automáticas coloridas. Meu irmão David, fundador de nossa empresa, começou sua carreira trabalhando para uma empresa de máquinas automáticas para bancos: a NCR Corp.

4.000 projetos significam que, se você os faz ao mesmo tempo, ou dorme ao volante ou aprende alguma coisa. Quando comecei a escrever meus livros, tudo o que tinha de fazer era captar as lições destes 4000 projetos. Para isto entrevistei todos os nossos funcionários e muitos dos nossos clientes e chequei o que tinha funcionado e o que não tinha funcionado. Quais eram os fatores-chave de sucesso dentre estes 4000 projetos? O resultado disto foram dois livros, um chamado “A Arte da Inovação” (“Art of Innovation”) que aborda ferramentas e técnicas para inovação, mas o segundo livro, sobre o qual falo hoje, é chamado “As dez faces da Inovação” (“The ten faces of Innovation”), que é sobre ser um inovador, a inovação tomada pelo pessoal: quais os papéis que você pode assumir para adicionar valor, para ir em frente com a inovação em sua organização.

Em todos estes 4000 projetos utilizamos algo que chamamos de “Pensar em Design”, que é a combinação de três coisas: a primeira delas, que também é a primeira para o seu cliente, são os Negócios. Você deve acertar no lado dos negócios. Chamamos isto de Viabilidade.

Estou baseado no Vale do Silício, onde a tendência é pensar bastante nos fatores técnicos. Chamaremos isto de Possibilidade. Nossos clientes normalmente tomam muito de seu tempo pensando nestes dois fatores, naquele tipo de coisa analisado pelo lado esquerdo do cérebro.

Visto que aquilo que sempre incluímos, e que de fato tomamos como fator de liderança é o terceiro círculo, que significa pensar nas pessoas, pensar antropologicamente. Colocamos na categoria de Conveniência.

Não estamos dizendo que o terceiro círculo seja mais importante do que os outros. Só dizemos que normalmente é o negligenciado. Se você foca nas pessoas de uma maneira antropológica e seus competidores não, acreditamos que esta seja a chance de conseguir uma vantagem competitiva.

Portanto “Pensar em Design” é arcar com um problema pensando inicialmente pelo lado das Pessoas e a partir daí incluir Negócios e Tecnologia. Usamos esta técnica em todos os nossos 4000 projetos.

Isto nos leva a pergunta: O que são as dez faces? Quais são estes papéis pró-inovação que posso atuar?

Antes de nomear os dez, gostaria que você aprendesse com um de meus erros: o cérebro humano tem um processador de 7 bits, o que quer dizer que você pode processar 7 bits de informação por vez. Você pode lembrar um número de sete dígitos (e por isso começamos com números de telefones de 7 dígitos nos EUA), você pode lembrar de uma lista de sete itens, você pode olhar a uma mesa com sete objetos e seu cérebro falaria: “Ok, Sete”. Mas assim que estes sete viram oito, seu cérebro tem que contar até oito para se certificar. Nosso cérebro não pode engolir oito coisas ao mesmo tempo, temos um processador de 7 bits. Farei um estudo sobre isto chamado “Sete, o numero mágico, mais ou menos dois”, o que quer dizer que quando temos pessoas espertas ao redor, elas podem processar nove coisas de uma só vez, e outros, pessoas com pequenas deficiências, consegue absorver cinco coisas de uma vez. Mas

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a pessoa comum consegue acompanhar sete coisas, o que significa que, se você quiser escrever um livro (eu recomendo, eles são muito divertidos, uma vez terminados) nunca o faça sobre dez coisas. Mesmo se o seu leitor for um “Sete mais Dois”, você nunca chegará a dez. Se eu simplesmente começar a falar das dez coisas, as pessoas começam a cochilar. Portanto, não faça seu livro sobre dez coisas, pare nas sete.

Lembram-se do Steven Covey? Sete! Portanto nunca faça seus livros sobre dez coisas, sempre pare no sete. Prometo que meu próximo livro parará na sétima coisa.

Bem, quais são as dez coisas? Eu só falarei de duas, mas acho que deveria pelo menos mostrar-lhes as dez. Se você vai a uma palestra com o nome de “Dez maneiras de Inovar” e só ouve duas, você pode se sentir traído, pedir-me 80% do seu dinheiro de volta, por isto vou mostrar as dez.

As dez características estão de acordo com as três categorias. A primeira categoria e a mais importante é a “Papéis de Aprendizagem”. Quando você está na escola, você aprende escutando o professor, lendo livros, falando com outros estudantes. Mas não é assim que organizações funcionam. Pense que organizações aprendem destas três formas: eles aprendem com pessoas que fazem o papel de Antropólogos, indo para campo e observando o comportamento humano. Este papel tenta ver com o que o consumidor quer, mesmo que ele ainda não saiba que quer.

Existem aqueles que aprendem por experiência. Esses experimentam as coisas de maneira singela e simples para que aprendam, ganhem um retorno e assim vão se aprimorando. Ainda existem os que aprendem por Polinização Cruzada (Cross Polinator).

Meus livros estão em 11 línguas. Na China esta expressão não deu certo. Eles me disseram: “Mr. Kelley, um pouco biológico demais”, estavam focando na parte de “polinização”. Mesmo assim, significa trazer idéias de outros lugares, de outras industrias, outras culturas, outros países, gerações, e trazê-las para sua casa, aplicá-las as características particulares de seu negocio. Estes são os três papéis de aprendizagem. São muito importantes e por isto voltaremos a eles.

Os papéis do meio são os “Papéis Organizadores”. Para ser honesto com vocês, por grande parte da historia da IDEO nós ignoramos estes três papéis. Pelos primeiros 15 anos da empresa, achávamos que a vida devia ser meritocrática. Achávamos que a boa idéia sempre deveria ir ao topo e ser implementada, enquanto a idéia ruim deveria ir ralo abaixo e ser ignorada. Hoje nós sabemos que em grandes empresas existe um processo bagunçado, no qual boas idéias podem ser patrocinadas e levadas adiante enquanto outras igualmente boas são deixadas de lado. Nestes papéis organizadores, só queremos entender as regras do jogo e como ganhá-lo.

O meu favorito dos três Papéis Organizadores é chamado “O saltador de Obstáculos”. Nos últimos jogos de Pequim eu amei ver os saltadores, você os observa correr e, quando chegam os obstáculos, eles não diminuem a marcha. Eles são treinados para isso; poderiam saltar obstáculos de olhos fechados porque eles estão contando os seus passos: sabem exatamente onde estará o obstáculo e como ultrapassá-lo.

Esta é a metáfora perfeita para os “Saltadores” dentro de uma organização. Uma pessoa boa em obstáculos sabe que haverá obstáculos no caminho da Inovação. “Eu amo obstáculos porque eles me dão a chance de demonstrar o meu potencial, de mostrar o quão bom eu sou”. Nas olimpíadas, por exemplo, se você retira os obstáculos da corrida, os saltadores correrão na mesma velocidade. Eles não são os melhores corredores do mundo, mas são os melhores saltadores de obstáculos do

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mundo. É assim que funciona nas empresas. É necessário ter bons saltadores no seu time.

O segundo é chamado “O colaborador”, que são aqueles que sempre querem trazer mais pessoas, mais idéias, mais disciplinas ao time.

Temos também o “diretor”. Quando pergunto aos meus clientes quais papeis ele gosta ou é mais inclinado a fazer, ele diz “sou o diretor”. Mas aqui nos referimos a um tipo específico de diretor. Os melhores diretores do mundo, no cinema, nos palcos, nunca aparecem nas cenas. Tínhamos Hitchcock antigamente, que gostava de aparecer por um segundinho nos seus filmes. Além deste, o diretor não aparece na cena. O papel do diretor é o de atrair os mais talentosos, os mais criativos e transformar eles em estrelas. O tipo de diretor que consideramos importante para a Inovação é aquele que faz de outras pessoas as estrelas, que transforma um time em um time de estrelas. Estes são os papéis dos Organizadores.

A terceira categoria é “Construindo Papéis”. O meu papel favorito dentro desta categoria é o “Arquiteto da Experiência”, e aqui não há nenhum sentido de “construir”, mas sim o sentido de design. A característica deste papel é sempre focar nos verbos ao invés dos substantivos, basear-se na experiência do consumidor, na sua jornada. Uso a metáfora do meu sushi bar favorito: um bom restaurante não se pauta somente pela comida. É possível que você se foque de maneira muito restrita, pensando que o seu negócio está baseado somente naquilo que você oferece, mas na verdade o foco deve estar em toda a experiência do consumidor. Se você for do ramo de restaurantes, provavelmente sabe que a comida representa somente 30% dos gastos operacionais, sabemos que temos a equipe de funcionários, o espaço físico, enfim, vários outros pedaços montam este negócio. O sushi bar é o único local no qual você interage com a pessoa que prepara sua comida. Isto se torna parte da experiência em alguns restaurantes, mas não em todos. Eu fui a este sushi bar cinco mil vezes, portanto deve haver algo de bom no design da experiência do consumidor naquele local.

Temos também “O cenógrafo”, aquele que usa o espaço físico para influenciar o trabalho feito ali. Acredito que isto seja negligenciado no mundo dos negócios. É possível mudar a atitude, o comportamento e a performance do seu time se você mudar o ambiente de trabalho. Estamos constantemente remexendo o ambiente de trabalho porque acreditamos que existem oportunidades de fazer as pessoas trabalharem de maneiras diferentes. Existe uma atitude preponderante, que observei em escritórios ao redor do mundo (já palestrei em 12 países), e o que vejo é que as pessoas, relacionando-se com o seu ambiente físico, não acreditam que este seja estratégico. A pergunta que eles me fazem, implicitamente, é: “Qual é a maneira mais rápida e barata de adquirir para meus 4000 funcionários uma cadeira, uma mesa e uma latinha de lixo?”.

Esta pergunta implica dizer que o espaço não é estratégico, ao contrário, é utilitário, como a eletricidade, ou regar as plantas. Nós pensamos que o espaço pode ser estratégico. Se você fizer uma pergunta de diferentes maneiras, vai receber diferentes respostas. A pergunta que nós fazemos é: “Existe alguma maneira de mudar o meu espaço, de mudar o meu ambiente físico a fim de melhorar a performance e o comportamento do meu time?”. Se a pergunta for formulada desta maneira, as respostas serão diferentes. Desta forma é possível investir nisto por causa do retorno que isto traz. Este é o papel do “Cenógrafo”.

Temos “O Cuidador”, cuja metáfora é de um grande medico ou enfermeira, que constrói uma relação de enfermeiro dos consumidores. Temos também “O contador de histórias”, que também é negligenciado, porque achamos que o trabalho

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sempre deve falar por si próprio. Hoje sabemos que os dados passam a ser utilizados assim que saem. Se eu te der um número, mesmo que com menos de sete dígitos, você começará a esquecê-lo imediatamente. Mas pense em histórias. Você lembra de histórias da sua infância. Portanto, se você tem uma mensagem importante para passar, uma mensagem que você gostaria que andasse pelo mundo, coloque-a em forma de história, pois a história levará sua mensagem adiante.

Foram muitas características? Alguém se lembra da quarta? Nem eu me lembro, portanto nunca faça seu livro sobre dez coisas. Por isto só falarei das duas mais relevantes.

A primeira é de longe a minha predileta: o Antropólogo. A razão de ele ser o meu papel predileto é que nele há a esperança de conversão. Eu não sabia nada de antropologia quando cheguei à minha empresa. Lá todos eram engenheiros, todos tinham mestrado em engenharia pela universidade de Stanford, a exceção de mim. Eu vinha da Berkley, uma escola rival, e havia problemas em relação a isto. Todos eram engenheiros e nós fazíamos coisas como design de lap-tops que poderiam ser jogados de um metro de distância no concreto, que não quebrariam. Este trabalho era difícil, muito sofisticado tecnicamente, e cheio de especificações. Era muito difícil obter sucesso, fazer algo que não quebrasse.

Em 1991 entrou neste time de engenheiros um monte de antropólogos. Eu não entendi por que. Gostaria de dizer que eu logo entendi o porquê destes antropólogos (quando você lê as cartas dos CEOs eles costumam dizer “Fui eu o primeiro a entender o valor da internet” ou as redes sociais). Eu não fui o primeiro e na verdade fui um dos últimos. Na época eu disse ao meu irmão: “que trabalho fácil”. Eles tinham doutorados em etnografia, psicologia ou algo do tipo, mas eu pensava que poderia fazer o trabalho deles. Eu sei que não posso fazer o trabalho de engenheiro, que é muito difícil e muito além das minhas capacidades. Mas enquanto os engenheiros derrubavam lap-tops no chão, os antropólogos iriam sentar-se na beira de lagos e córregos, assistir a crianças pescando e depois contar-nos o que viram. E eu pensei: “Posso fazer este trabalho”. Ele me parecia suave e de valor questionável. Mas isto foi em 1991 e nestes anos de intermédio eu fiz 180 graduações. Acredito hoje que a antropologia seja a maior fonte de Inovação na minha empresa.

Como nas organizações de vocês, nós temos pessoas inteligentes, com grandes mentes técnicas ou grandes solucionadores de problemas. Mas é necessário saber qual o problema a ser resolvido. Os antropólogos são muito bons, hilariamente bons muitas vezes, em ir ao campo e descobrir o problema. Descobrem problemas que a sua empresa e, muitas vezes, nenhuma empresa no mundo percebeu que esta era a necessidade do consumidor. Se você for o primeiro a perceber, os consumidores vão perceber também o que você fez e vão recompensá-lo por isto. Este é o dom da antropologia.

Darei alguns exemplos de bens de consumo e da indústria bancária. Nós temos um processo que usamos na maioria de nossos projetos. Quando

comecei a escrever meu livro, imaginei que fosse escrevê-lo baseado neste processo, nesta linha. Eu abandonei isto, mas eu contarei o que aconteceu. Se temos um problema desestruturado, como “Qual é o futuro dos negócios relacionados a pesca infantil?”. É desta forma que o encaramos: Tentamos entender a situação, naquilo que chamamos de “olhar para dentro – olhar para fora”. Queremos entender a visão de mundo dos nossos consumidores, como o nosso mercado se comporta, qual é o real estado da Indústria. Este é o “entendimento”. Esta é a parte antropológica.

A partir disto vamos para a “observação”. Uma vez terminada a parte antropológica, vamos ao “Circulo de expressão”, onde nós visualizamos, fazemos o

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protótipo, estipulamos a receita e a refinamos. Neste circulo passam diversas idéias, até encontrarmos uma para implantar.

Neste ponto, pensei: “Aqui está a minha estrutura!”, mas no fim joguei tudo isto fora, a exceto de um ponto. Apesar da metodologia ser útil para nós, ela não tem magia. É simplesmente baseada no método “passo 1, passo2....”. A Mágica está na Antropologia, naquilo que está por dentro, na epifania, em todas estas coisas que emergem do segundo passo. Os capítulos iniciais de ambos os meus livros são sobre esta temática: Antropologia.

A perspectiva histórica da abordagem antropológica está em Proust, que diz “O real ato de descobrir não consiste em encontrar novas terras, mas em olhá-las com outros olhos”, é justamente nisto que o antropólogo te ajuda. “Ver com outros olhos” pode ser uma coisa fácil de falar, mas difícil de fazer, especialmente quando se adquire muita experiência no seu negócio. No processo de desenvolvimento desta experiência - que é muito valiosa - a companhia começa a rejeitar novas idéias: “Não, nós não fazemos as coisas assim...”. Quando as enxerga com olhos frescos, você é capaz de reconsiderar as coisas que faz há tanto tempo.

Um CEO costumava levar todo o seu time de gerentes a IDEO uma vez ao ano, 40 pessoas, seu grupo executivo mundial. Nós dizíamos a eles: “vocês estão neste ramo há 30 anos e por isto sabem sobre as necessidades do mercado mais do que nós jamais poderemos aprender, mas para fazer o papel de antropólogo (e nós os levamos para campo, para observarem), você deverá colocar um pouco do seu conhecimento de lado”. Terá que olhar com olhos novos, como diz Marcel Proust.

Tem uma mulher na Escola de Negócios de Harvard, Ms. Leonard, que escreveu um livro chamado “When Sparks Fly” (“Quando voam os brilhos”) no qual ela fala sobre Inovações brilhantes através de design com empatia. Ela chama o processo de “processo de campo antropológico em design”. Design empático, com empatia. Ela diz: “Esta coisa de antropologia parece tão óbvia, não? Mas se fosse tão óbvia, porque os meus clientes não a utilizam? E se a usam, não usam direito?”-ela diz- “Sem exceção, meus clientes estão deixando dinheiro nas suas mesas.” Ela acredita que todas as empresas têm maneiras de aprender com os seus consumidores. Nas organizações de marketing eles trazem os consumidores para dentro das empresas, dentro destes pequenos quartos com espelhos vazados, o consumidor senta-se à mesa de conferencia, a equipe de marketing senta atrás do espelho, bebe café e tira um sarro dos consumidores, e fazem perguntas.

Se estivermos falando de uma empresa do setor automobilístico, eles poderiam perguntar “Você vai comprar um carro ano que vem? Você prefere bancos de couro ou normais?”. Qualquer um sabe responder a estas perguntas. Alguns iriam concordar com o couro. O time de marketing anota isto e continua: “Você pagaria US$5 a mais para ter assentos de couro no seu carro?”. A maioria que respondeu afirmativamente a primeira pergunta, o farão também para a segunda. “Você pagaria US$5.000?”, a maioria das pessoas diria que não. Assim é possível estabelecer aquilo que eles preferem e aquilo que eles consideram a pior situação. É possível estabelecer o valor do que é um assento de couro.

Mas Dorothy Leonard acredita que isto funciona porque na parcela de mercado que estamos selecionando, todas as pessoas já estiveram num carro, num assento comum e num assento de couro. Portanto, para elas, responder as perguntas é como comprar. As pessoas no mundo são boas em comprar. Mas ela desafia: tente perguntar a elas sobre algo novo, sobre algo que não existe no mundo e veja o que acontecerá. Pergunte: “O que a porta da sua casa não faz, mas que você gostaria que

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fizesse?”. A sala ficará quieta por um tempo. Mesmo quando as pessoas absorveram a pergunta, elas não farão idéia de uma possível resposta.

Para Dorothy, não devemos nem perguntar ao consumidor uma questão deste tipo: os sigam no caminho de casa. Siga 100 consumidores e os observe ao abrirem a porta de suas casa, então você encontrará uma idéia - nem todas lucrativas - mas provavelmente você encontrará uma idéia rentável. Portanto, não exija que seus consumidores sejam diretores de design, não exija que sejam futuristas. Se você quiser descobrir algo sobre o futuro, você deve conduzir o seu consumidor, você deve observá-lo e descobrir suas necessidades. Um melhor exemplo do que o da porta é aquele que ela diz: “Se você estivesse no ano 2000 e fosse a Sansung ou a Sony (lembre-se que naquela época as companhias faziam vídeo-cassetes) e você levasse o seu consumidor para dentro de um destes quartinhos das empresas de marketing e dissesse: Nós produzimos vídeocassetes, você tem um destes, o que mais você precisa? O que você não tem? Os consumidores não fazem idéia. Mas se ele ficar lá por um tempo, se você colocar alguns engenheiros na casa, talvez alguém levantasse a mão: “Eu preciso rebobinar meu vídeo em uma super velocidade”! Quando eu termino de ver o filme, detesto esperar um tempão para rebobinar. Eu quero que isto seja muito, muito rápido. Atrás do espelho a equipe diz: “Cara, você não tem nada melhor a fazer que esperar o filme rebobinar? Levante e pegue uma cerveja!”, mas é isto que o seu consumidor faz: espera a fita rebobinar sentado. Ano 2000 e consumidor pedindo para rebobinar seu vídeo mais rápido, você está anotando tudo. Muito orgulhoso leva a idéia para a equipe técnica: “trouxe isto do campo, nosso consumidor quer um rebobinador super-rápido! podemos fazer isto?” . O que o time técnico dirá: “Ok, você me trouxe um problema a mais”. Vamos colocar um motor enorme, molas enormes e fazemos o vídeo rebobinar super rápido. Se você tiver o time certo, o orçamento, o prazo, e aparece na próxima exposição comercial com o seu vídeo com super rebobinador. Nos estados unidos esta exposição seria o “Show de bens de consumo eletrônicos” (Consumer Eletronics - Las Vegas, Nevada, em janeiro). Lá está você, liderando seu estande. Tem uma grande placa atrás de você dizendo: “O rebobinador mais rápido do mundo!”, você está muito feliz porque é o primeiro do mercado com tal produto. Até que, no estande ao lado você vê o DVD player. O áudio é melhor, a imagem é melhor e o conceito de rebobinar tornou-se obsoleto. Dorothy se pergunta: porque você perdeu o DVD? Porque você estava ocupado fazendo perguntas aos seus consumidores. Nenhum consumidor na história do mundo disse: “Eu quero jogar fora minha coleção de vídeos que colecionei pelos últimos 25 anos e começar de novo com discos”. Seus consumidores não vão te ajudar com grandes mudanças. As grandes mudanças devem vir de você e da capacidade de adaptar seus recursos e tecnologias as vontades atuais do seu consumidor. O papel antropológico pode te ajudar a identificar estes papéis. Lembre-se que eu falei de Proust, de ver as coisas com novos olhos? Nós temos uma expressão para isto, que usamos principalmente quando trabalhamos com Executivos Sênior. Usamos uma palavra do dicionário que é intraduzível e sempre usada direto do francês: déjá-vu. Mas a palavra que usamos não é esta, é a oposta vu-jádé. Vu-jádé significa olhar com novos olhos aquele lugar que você já viu um milhão de vezes. Neste momento você se pergunta por que sempre fez as coisas do mesmo jeito? “Porque fazemos o consumidor escrever seu nome três vezes? Porque fazemos que ele espere ali?”. Portanto os antropólogos te ajudam a ver as coisas em olhos

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novos, te ajudam a ter a experiência Vu-jádé, que normalmente desencadeia em grandes oportunidades para que você seja o primeiro no mundo a lançar um produto. Darei alguns exemplos de Inovações geradas pela Antropologia dentre nossos clientes. Um é referente a um produto simples e outro, mais complexo e está relacionado com o setor bancário. Este primeiro é simples, mas me agrada porque demonstra bem como uma Inovação pode desencadear valor em função da Antropologia. Há muitos anos atrás recebemos uma ligação da ORAL-B, uma grande produtora de escovas de dentes e produtos de higiene. Eles nos disseram que a escova de dente para crianças deles estava “Commoditizada”. Você nunca pode deixar o seu produto virar uma commodity, porque se isto ocorrer, você deverá ser o mais barato de todos. Se for uma commodity, o seu consumidor só se preocupará com o preço do produto. Por isso você vai ter que ser especial neste contexto, e isto que a inovação vai proporcionar a você. Se eles nos dizem: “nossas escovas de dentes estão iguais as de todos os outros; precisamos de algo novo!” dizemos a eles: “vamos começar com a Antropologia”. Eles nos dizem: “isto não é Ciência Espacial; só é uma escova de criança; só comecem a fazer um novo design!”. Eles achavam que nós queríamos fazer tudo devagar, arrastar o processo. Mas pedimos a confiança deles para fazermos através da antropologia. Nós fomos a campo, com a equipe deles cética em relação ao processo. Eu defendo o direito das pessoas de serem céticas, afinal eu era cético também. Mas neste projeto nós tivemos sorte. Nos primeiros dias, descobrimos uma coisa: descobrimos que todas as escovas de dentes para crianças têm a mesma proposta, afinal a mão dos pais é grande, a mão das crianças é pequena, portanto só precisamos fazer uma escova mais curta e mais magra para as crianças, para caber nas mãozinhas delas. Isto é perfeitamente lógico, até fazermos o processo antropológico. Se você observar um menino de 5 anos ao escovar os dentes, descobrirá imediatamente que as crianças não seguram as escovas como você segura. Você segura a escova com as pontas dos dedos, porque é neste local que você encontra coordenação motora. A criança de 5 anos segura com o punho fechado. Descobrimos que às vezes eles seguram muito encima da escova, e por isso dão pequenos socos no próprio rosto. A grande inovação foi aceitar que apesar do tamanho da mão das crianças, elas não precisam ser pequenas e magras, mas pequenas e gordas.

Nós fizemos estas escovas gordinhas e apertáveis pela primeira vez na história! Como vocês notaram, elas foram copiadas, como todas as grandes Inovações o são. E nós descobrimos isto nos primeiros dias com a antropologia. Nosso cliente (encontrei ele num café, alguns anos depois) reportou que, após a nossa pequena descoberta, eles lançaram a escova de dentes de crianças mais vendida no mundo por 18 meses. Imagine o que você conseguiria fazer com 3 dias de antropologia! Mas em alguns dias você pode descobrir algo que fará de você o melhor no seu ramo pelos próximos 18 meses. Vale a pena? Sim. A antropologia não é leve e fofinha como acreditei que fosse, na verdade tem valor e peso nos negócios. Desencadeou a habilidade desta empresa de ser a líder mundial por 18 meses. Aposto que você deve estar pensando que o seu negócio é muito mais complexo do que o de escovas de dentes. Deixe que apresente um negocio mais complexo, do mundo bancário, uma companhia chamada Bank of América (acho que ainda é o maior banco dos EUA). Eles nos pediram para analisar as contas correntes e cartões de débito, especificamente pensados para um grupo nos Estados Unidos chamado de “baby boomers”. Hoje eles têm 50 anos e constituem o maior

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componente demográfico do país. É um mercado importante. Eles acreditavam que a conta corrente deles tinha ficado “Commoditizada”, queremos ser especiais. Vocês sabem que contas correntes não é a parte mais rentável de um banco, mas é o portão de entrada para todos os outros produtos financeiros. Eles queriam atrair novos consumidores para suas contas correntes. Fomos ao campo, fizemos nossa antropologia com a equipe do Bank of América, e a primeira coisa que notamos neste segmento foi que as pessoas têm ansiedade por acharem que não poupam o suficiente. O Banco achou interessante, mas já sabia disso. Exercitamos mais um pouco a antropologia e destrinchamos o comportamento deste grupo. Às vezes nas atitudes irracionais do consumidor é que encontramos as oportunidades, e isto era verdadeiro neste caso. Fomos às casas das pessoas, observamos suas atividades bancarias - muitas pessoas desta idade pagavam com cheques, na época. Quando os observávamos preencher seus cheques, percebemos este comportamento estranho: eles arredondavam os valores. Não escreviam os centavos. Muito estranho, porque eles pagavam mais do que o montante exigido na conta! Eles só faziam isto nas contas recorrentes que pagavam. Eles faziam isso porque valorizavam a simplicidade. Eles gostariam de ter um relatório bancário com números arredondados, que fossem mais fáceis de analisar. E para isto só perdiam 20 centavos por mês, o que não é nada. Eles preferem trocar isto pela simplicidade. Era engraçado porque aqueles que faziam isto achavam que era a única pessoa no mundo que arredondava, todos achavam que tinham inventado isto, mas nós víamos isto o tempo todo. Neste momento nós já tínhamos duas descobertas: a preocupação com a economia e o arredondamento nos cheques. Juntamos as duas: Criamos para o Bank of América um serviço chamado “Fique com o troco”. Neste serviço, quando você usa o cartão de débito o banco paga ao credor exatamente o que deve, mas também arredondavam. A diferença vai para uma poupança. Além disto, a declaração bancaria chega arredondada ao consumidor. O consumidor ganha em simplicidade por isto e ganham um sentimento bom de saber que toda vez que usam seu cartão de débito, estão economizando um pouco de dinheiro. Sabemos que as quantias são pequenas, mas não importa, porque isto faz com que eles se sintam bem. Eles estão felizes com isto. Quando colocamos a campanha no mercado, não tínhamos certeza do que poderia acontecer. Colocaram propagandas em todas as cidades. No primeiro ano, 2 milhões de clientes aderiram ao “Fique com o troco”, dos quais 700.000 não eram clientes do banco anteriormente. Portanto, mesmo que o valor possa ser pequeno para um economista, para seres humanos comuns, valia a pena. Assim, a antropologia desencadeou a oportunidade de adquirir 2 milhões de correntistas. Este é o poder da antropologia: trazer ao consumidor produtos que eles não sabem ainda que precisam. A próxima categoria, o Cross-Pollinator (Polinizador Cruzado), é a mais poderosa. Não importa o quanto você faça, sempre haverá a oportunidade de fazer mais. O papel em si significa saber (ter a humildade de saber) que você não terá todas as idéias sozinho, mas que será preciso olhar para outras culturas, países e gerações. Temos um tipo de pessoa em formato de T, a parte vertical do T representa um profundo conhecimento específico que esta pessoa tem. A parte horizontal sinaliza interesse em outras disciplinas. Em todas as pessoas que contratamos, procuramos este formato em T. No contexto do Cross-Pollinator, esta pessoa age como estudante e como professora. São um pouco estudantes porque são dotados de curiosidade intelectual. Lêem muito, viajam muito, estão sempre interessados em novas idéias. Mas existem pessoas que, quando conhecem uma nova idéia, agarram-na com força

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porque pensam que conhecimento é poder. Este não é um Cross-Pollinator. O verdadeiro Cross Polinator, após ler um livro, conhecer uma idéia nova ou voltar de uma viajem, eles praticamente não se agüentam até contar as novidades para 2 ou 3 amigos. Quando adquirem uma informação, gostam de dividi-la. Por isto é bom ter muitos destes na sua organização. Darei um exemplo. Existe uma loja de departamentos no Japão (quem já foi ao Japão? Eu já fui 25 vezes, minha esposa é japonesa, então vamos lá todos os anos), que, há alguns anos atrás queriam evoluir a uma loja de marca (house brand), tentavam fazer a loja ficar mais forte. Decidiram viajar pelo mundo para checar como outros varejistas construíram suas house brand. Naquela época nos tínhamos uma categoria para nossos projetos que chamávamos de “Genéricos”, que são representados sempre com fundos brancos e letras pretas (o produto é representado, por exemplo, uma lata de cerveja que seria branca com “Cerveja” escrita em preto). A mulher que comandava este time achou uma boa idéia usar este formato para a house brand dela. Ela amou a simplicidade dos produtos genéricos. Ela criou no Japão uma marca chamada Muji que desenvolve produtos simples: cores simples (cinza, preto e branco), embalagens simples. Mas os produtos agradavam aos consumidores japoneses e a outros consumidores do mundo. Muji é o diminutivo de Mujiwooji, que significa “bom produto, sem marca”. Fez tanto sucesso na loja de departamentos que saiu dela. Hoje existem 300 lojas Muji no mundo, que vendem mais de US$1 bilhão porque ela teve esta idéia polinizada de maneira cruzada. Porque esta idéia veio de Los Angeles. Não quero passar a idéia de que as idéias sempre vêm dos EUA. Na verdade, é o contrário. Existem 194 nações soberanas. Isto significa que não importa de onde você venha não importa o orgulho que você tenha do seu país ou companhia, sempre haverá mais idéias do lado de fora. Por exemplo: uma funcionaria acaba de visitar um hospital de olhos na Índia, aonde são realizadas mais de 1 milhão de cirurgias de catarata com um custo médio de US$20 por cirurgia. A taxa de sucesso é comparável a qualquer hospital norte-americano. Com certeza havia idéias deste hospital que poderiam ser polinizadas de maneira cruzada ao nosso custoso sistema de saúde. Levamos plantonistas de Pronto-Socorro e os colocamos para observar o trabalho dos mecânicos de pit-stops da fórmula 1. Os médicos disseram: “O que vou aprender de pessoas que tem graxa embaixo da unha?”, não acreditavam que poderiam aprender de mecânicos. Mas de fato, eles polinizaram uma idéia: um médico viu que quando os mecânicos pulam o murinho para chegar perto do carro e - é impressionante - eles concertam o carro em 9 segundos. Quando eles pulam o murinho, estão munidos de todas as suas ferramentas. O medico percebeu que ele é obrigado a pegar várias ferramentas durante seu processo de atendimento. Naquela noite ele decidiu fazer um kit de ferramentas antes do paciente chegar. Portanto fizeram o processo de polinização de outro setor. Uma última maneira de fazer o “Cross-Pollinating” é fazê-lo entre gerações. Todos vocês devem ter um mentor, alguém mais velho que você e que dividiu suas experiências pessoais. Existe uma outra idéia que descobri ha 7 anos atrás: o “mentor-reverso”. Alguém mais novo do que você que divide seus insights. Desculpe dizer, mas é verdade, mas existem algumas tendências no mundo que não começam com homens carecas de 50 anos. No século 21 é necessário ter pessoas mais novas do que você, pessoas que te alertem sobre tendências que você talvez não veja. Um CEO trouxe todos os seus executivos a uma sala e perguntou: “Quantos de vocês estão totalmente atualizados em Biotecnologias?” De 40 pessoas na sala, nenhuma levantou a mão. Ele disse: “mas alguém acha que isto é um problema?

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Acredito que as biotecnologias sejam cruciais para o futuro de nossa empresa e nenhum de vocês está atualizado quanto a isto. Por isto quero que todo mundo nesta sala procure um mentor-reverso para que aprendam sobre biotecnologias”. Se você não lembra de muitas das idéias que dei aqui hoje, lembre-se desta. Muitos de vocês já estão fora da faculdade, testem esta idéia. Eu tenho dois deles agora, e aprendi muito com eles. Eles me alertam sobre tendências que talvez, sozinho, não notaria. Darei um exemplo desta idéia: existe um banco pequeno dos Estados Unidos chamado PNC Bank. Eles queriam atingir um público que chamamos de “Geração Y”. São jovens de 18 a 34 anos, e perfazem 60 milhões de pessoas com US$200 bilhões de renda disponível, mas que não são servidos de maneira apropriada pelos bancos. O problema é que o banqueiro não faz parte do público-alvo, é um homem da casa dos quarenta anos. Por isto precisamos polinizar. Fizemos antropologia e “Cross Pollination” nos Estados Unidos e na Coréia do Sul. Descobrimos três coisas: que a geração Y é muito confortável com o mundo digital, preferem que o seu banco seja móvel - o que na época não era fornecido com excelência pelo banco. Notamos que eles não eram bons planificadores, não pensam no futuro. Mas eles olham seus extratos bancários na Internet muito frequentemente, alguns checam mais de uma vez por dia. Eles sempre checam para certificar-se que não estouraram suas contas. Eles também pensam de maneira diferente sobre sua conta bancária. Checar e Economizar não é o suficiente para eles. Eles tem mais uma coisa na cabeça: A conta reserva que só funciona como uma almofada para se um dia eles estourarem suas contas. No fim, criamos neste banco um serviço chamado “Carteira Digital”, um produto para responder às necessidades da geração Y, acoplados a algumas outras coisas. A minha predileta era o “Money Bar”, que não mostra somente o extrato bancário, mas também o que você realmente tem lá. O Money bar sabe que a sua conta do Visa cai na sexta feira, portanto este dinheiro já não está, de fato, na sua conta, já está comprometido. Outro mecanismo é um calendário online que identifica os “Dias de Perigo”: se a sua conta do visa já venceu, mas seu pagamento não caiu, este é o seu “Dia do perigo”, o dia em que há risco de estourar a conta corrente. Estes mecanismos estimulam a geração Y a começar a planejar melhor. Outro produto que está entre os favoritos é chamado de “bata no porco” . Existe um pequeno jogo dentro da Carteira Virtual que sugere que o consumidor economize. O porquinho é animado, você pode decorá-lo. O jogo ficou popular, e foi provado que as pessoas economizavam mais nesta geração Y. Era um banco muito menor do que o Bank of America, mas no primeiro bimestre após o lançamento, 20 000 pessoas se inscreveram nesta conta, das quais 60% eram novas no banco. Realmente agradou especificamente a esta parcela de mercado, a este publico alvo chamado geração Y. O setor bancário é muito complexo. Aqui no Brasil, o mercado é peculiar. Eu não pretendo conhecer todas as nuances do ambiente de negócios de vocês, mas acredito que se vocês levarem estas duas idéias nos seus corações (O antropólogo e o Cross-Pollinator); se você fizer estes papeis ou encorajar alguém a fazê-los, você ajudará a construir suas próprias culturas de Inovação.

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