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18 Revista Ferroviária - Fevereiro 2006 Toque de Midas Modelo de gestão da GP Investimentos coloca ALL no rol das grandes ferrovias brasileiras Ao adquirir em dezembro de 1996 o direito de explorar a Malha Sul da antiga Rede Ferroviária Federal, a Ferrovia Sul Atlântico – embrião da América Latina Logística (ALL) – tinha um desafio e tanto pela frente. Cerca de um terço dos 6.586 quilômetros de extensão estavam em péssimo estado e a estatal que administrava o negócio até então tinha um volume expressivo de impos- tos e encargos sociais atrasados. Quase dez anos depois, já como ALL, a empresa de transporte ferroviário tem mais de 16 mil quilômetros de rede espalhados por dois países (Brasil e Argentina), valor de mercado de R$ 4,2 bilhões e operações comerciais no Chile, no Uruguai e no Paraguai. O crescimento tem sido proporcional ao otimismo dos investidores, que no começo de fevereiro pagavam aproximadamente R$ 125 pelas “units” (conjunto de quatro ações preferenciais e uma ordinária) da ALL. Quando foram lançados, em junho de 2004, os papéis valiam individualmente R$ 46,50. Depois disso, houve um “split”: cada ação foi desdobrada em cinco da mesma espécie, o que permite a comparação entre os preços das “units” e dos papéis originais. “Os resul- tados mais recentes, do terceiro trimestre de 2005, surpreenderam o mercado positi- vamente”, afirma Luiz Otávio Broad, analista de logística da corretora Ágora Senior. Entre os dados financeiros da compa- nhia, Broad destaca o fato de a geração operacional de caixa (EBITDA) ter cres- cido 28,7% nos nove primei-ros meses de 2005, frente ao mesmo período de 2004. No mesmo período, a receita líquida da ALL aumentou 19%. O desempenho financeiro favorável levou recentemente o banco de investimentos Merrill Lynch a elevar de R$ 110 para R$ 150 o preço-alvo das “units” da ALL para os próximos doze meses. A estimativa da Ágora Senior é de que o papel chegue ao patamar de R$ 146 ainda em 2006. Os resultados operacionais e financei- ros são um dos pilares de sustentação do sistema de gestão implantado na ALL. “Desde 1998 temos um programa de remuneração variável atrelado a metas para todos os nossos cola-boradores” , conta Pedro Roberto Almeida, diretor de Gente e Relações Corporativas da ALL. Metas cumpridas significam um acrés- cimo na remuneração que pode variar de um a dez salários extras no fim do Rodrigo Carro, especial para Revista Ferroviária Bernardo Hees Presidente Sérgio Pedreiro Diretor Financeiro e de Relações com o Mercado Raimundo Pires da Costa Diretor de Operações 18 Revista Ferroviária - Fevereiro 2006

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Toque de MidasModelo de gestão da GP Investimentos coloca ALL no rol das grandes ferrovias brasileiras

Ao adquirir em dezembro de 1996 o direito de explorar a Malha Sul da antiga Rede Ferroviária Federal, a Ferrovia Sul Atlântico – embrião da América Latina Logística (ALL) – tinha um desafio e tanto pela frente. Cerca de um terço dos 6.586 quilômetros de extensão estavam em péssimo estado e a estatal que administrava o negócio até então tinha um volume expressivo de impos-tos e encargos sociais atrasados. Quase dez anos depois, já como ALL, a empresa de transporte ferroviário tem mais de 16 mil quilômetros de rede espalhados por dois países (Brasil e Argentina), valor de mercado de R$ 4,2 bilhões e operações comerciais no Chile, no Uruguai e no Paraguai.

O crescimento tem sido proporcional ao

otimismo dos investidores, que no começo de fevereiro pagavam aproximadamente R$ 125 pelas “units” (conjunto de quatro ações preferenciais e uma ordinária) da ALL. Quando foram lançados, em junho de 2004, os papéis valiam individualmente R$ 46,50. Depois disso, houve um “split”: cada ação foi desdobrada em cinco da mesma espécie, o que permite a comparação entre os preços das “units” e dos papéis originais. “Os resul-tados mais recentes, do terceiro trimestre de 2005, surpreenderam o mercado positi-vamente”, afirma Luiz Otávio Broad, analista de logística da corretora Ágora Senior.

Entre os dados financeiros da compa-nhia, Broad destaca o fato de a geração operacional de caixa (EBITDA) ter cres-cido 28,7% nos nove primei-ros meses de 2005, frente ao mesmo período de 2004. No mesmo período, a receita líquida

da ALL aumentou 19%. O desempenho financeiro favorável levou recentemente o banco de investimentos Merrill Lynch a elevar de R$ 110 para R$ 150 o preço-alvo das “units” da ALL para os próximos doze meses. A estimativa da Ágora Senior é de que o papel chegue ao patamar de R$ 146 ainda em 2006.

Os resultados operacionais e financei-ros são um dos pilares de sustentação do sistema de gestão implantado na ALL. “Desde 1998 temos um programa de remuneração variável atrelado a metas para todos os nossos cola-boradores”, conta Pedro Roberto Almeida, diretor de Gente e Relações Corporativas da ALL. Metas cumpridas significam um acrés-cimo na remuneração que pode variar de um a dez salários extras no fim do

Rodrigo Carro, especial para Revista Ferroviária

Bernardo Hees

Presidente

Sérgio Pedreiro

Diretor Financeiroe de Relações como Mercado

Raimundo Piresda Costa

Diretor deOperações

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ano, dependendo do nível hierárquico do empregado e dos objetivos a serem atingidos por ele. Há, também, a possi-bilidade de o funcionário se tornar sócio da empresa, por meio de “stock options” (opções de compra de ações). “É o concei-to de que você vale pelo que faz”, resume Pedro Roberto.

A situação era completamente diferente antes da privatização. Pouco antes da venda para a iniciativa privada, a Malha Sul empregava 6.300 funcionários. Trinta dias depois do leilão, o número de emprega-dos já havia caído para três mil e chegou a 2.200 após nova reestruturação, em 1998. ”Adotamos o chamado orçamento de base zero, em que a estrutura da empresa vai crescendo de acordo com as operações”, lembra Pedro Roberto. Hoje, a ALL conta com 3.200 “colaboradores”, como prefere dizer o diretor.

Uma visita à sede da ALL, em Curitiba, evidencia algumas das semelhanças entre a companhia e um de seus mais conhecidos acionistas. A estratégia agressiva de remuneração, o fato de não haver escritórios individuais para os

executivos e a dispensa do uso de terno e gravata seguem o estilo da gestora de recursos GP Investimentos. “Essa cultura da meritocracia veio da GP”, reconhece Almeida, que antes de se transferir para a ALL trabalhou por dez anos nas Lojas Americanas, controlada pela empresa de gestão de recursos.

A participação da GP Inves-timentos na ALL – que em 16 de setembro de 2005 era de 39,69% do capital votante, de acordo com a agência de classificação de risco Fitch Ratings – foi reduzida após uma operação do tipo “block trading” (nego-ciação de um grande volume de valores mobiliários). A operação foi comunicada à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) em fato relevante datado de 3 de outu-bro do ano passado. Na época, 7,21% do capital total da empresa foram alienados (vendidos) por um grupo de 11 acionistas, entre eles os fundos Ralph Partners e Emerging Markets Capital. As mudanças societárias estão longe de afetar a men-talidade reinante dentro da empresa, ga-rante o presidente da ALL, Bernardo Hees. “Nossa cultura inclui trabalhar muito,

mas, também, ter autonomia para tomar decisões e criar valor”, diz o executivo, de 36 anos. Hees começou na empresa como analista de projetos delogística, em 1998, ano em que a companhia assumiu as operações da malha sul. Em agosto de 1999, a empresa adquiriu as ferrovias argentinas Meso (Ferrocarril Mesopota-mico General Urquiza) e BAP (Ferrocarril Buenos Aires al Pacifico General San Mar-tin), dobrando a extensão de sua malha. A partir daí, passou a se chamar América Latina Logística. Em julho de 2001, foi a vez de a ALL incorporar as operações da Delara, empresa de logística com con-tratos no Brasil, no Chile, na Argentina e no Uruguai.

“Entre 1997 e 2005, investimos R$ 800 milhões no Brasil e na Argentina”, informa Hess, salientando que 70% deste total foram destinados à operação nacional. Embora a empresa ainda não tenha di-vulgado oficialmente sua estimativa de investimento, a expectativa do mercado é de que a ALL mantenha em 2006 o mesmo nível registrado no ano passado, de R$ 180 milhões.

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Eduardo Pelleissone

Diretor deCommoditiesAgrícolas

Paulo Basílio

Diretor deNegóciosIndustrializados

Pedro RobertoAlmeida

Diretor de Gentee Relações Corporativas

Alexandre Santoro

Diretor de Logística

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Essa necessidade constante de investi-mentos é um dos principais riscos de crédito relacionados à ALL, segundo a Fitch Ra-tings. Risco de crédito é a possibilidade de que o emissor de um título possa deixar de honrar o principal e/ou o pagamento de juros. Mas, na avaliação de Paulo Fernando Fleury, diretor do Centro de Estudos em Logística, da Coordenação de Programas de Pós-Graudação em Admi-nistração (Coppead), da UFRJ, a questão dos investimentos é comum a todo o setor de transporte ferroviário. “É um setor que demanda capital intensivo. Os investimen-tos são elevados: cada quilômetro de linha férrea construído custa US$ 1 milhão”, exemplifica Fleury.

Com base na rápida expansão da ALL desde 1997, não faltam analistas de merca-do apostando que o próximo passo natural da companhia será a aquisição da Nova Brasil Ferrovias. A holding, que controla a Ferronorte, a Ferroban e a Novoeste, tem como principais acionistas o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e os fundos de pensão Previ (do Banco do Brasil) e Funcef (da Caixa Econômica Federal). A primeira etapa do processo de venda começou com a distribuição de um material detalhado – conhecido como sell book – sobre a Nova Brasil Ferrovias. Na segunda fase, os investidores estão tendo acesso ao data room, onde podem analisar dados estraté-gicos da companhia. Posteriormente, serão apresentadas as ofertas não vinculantes, que funcionam como preços indicativos. No fim do processo, o conselho de admi-

nistração irá analisar as chamadas propos-tas firmes. A ALL foi o único concorrente habilitado a apresentar propostas tanto para o corredor de bitola larga (Ferronorte e Ferroban) como para o de bitola estreita (Novoeste e Ferroban). Considerando que a administração conjunta dos dois corre-dores promete melhor rentabilidade do que duas ferrovias paralelas competindo, há fortes indicações de que a ALL esteja na preferência dos atuais acionistas. Mesmo porque, segundo fontes do mercado, os fundos se tornariam acionistas da holding ALL, que estaria oferecendo suas ações como pagamento de parte do valor da Brasil Ferrovias.

Trem da ALL sobre a ponte do Rio São João num trecho Curitiba-Paranaguá (PR)

em 08/11/2005* Não formadores de Units**Units - Certificados de Depósito de Ações emitidos pelo Banco Itaú S.A.

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Estrutura Societária

Antes do IPO

Depois do IPO