Tourinho - 1995 - O Autoconhecimento Na Psicologia Comportamental de B. F. Skinner

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Ç GarbsALiertpNt^ies

EMMANUEL ZACURY TOURINHO

0 AUTOCONHECIMENTO NA PSICOLOGIA

COMPORTAMENTAL DE B. F. SKINNER

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0 AUTOCONHECIMENTO NA PSICOLOGIA

COMPOKTAMENTAL DE B. F. SKINNER

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA

ReitorMarcos Ximenes Ponte

Vice-ReitorZélia Aniador de Deus

Pró-Reitor de Administração Vera Maria Bandeira Arruda

Pró-Reitor de EnsinoMarlene R. Medeiros Freitas

Pró-Reitor de Extensão Camillo Martins Vianna

Pró-Reitor de PesquisaCristovam Wanderley Picanço Diniz

Pró-Reitor de Planejamento Joaquina Barata Teixeira

Secretário Geral da UFPAEmanuel G. Matos

Prefeito do CampusAbílio Augusto Velho da Cruz

Ficha Catalográfica: Biblioteca Seccional do CFCHTourinho, Emmanuel Zagury T727a O autoconhecimento na psicologiacomportamental de B. F. Skinner. - Belém: UFPA. CFCH, 1993.105 p. (Coleção Carlos Alberto Nunes)

ISBN: 85-247-0111-0 1. Behaviorismo. 2. Skinner, Burrhus Frederic, 1904-1990. 3. Comportamento Humano. 4. Consciência. I. Título

CDD 19.ed. 150.1943 CDU 159.9.019.4

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EMMANIEL ZAGIIRY TOURINHO

0 AUTOCONHECIMENTO NA PSICOLOGIA

COMPORTAMENTAL DE B. F. SKINNER

Centro de Filosofia e C. Humanas Coleção Carlos Alberto Nunes

E D I T O R AUNÍVERSITÁRiAU F P A

B elém1995

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Título e texto amparados pela Lei n. 5 988 de 14 de dezembro de 1973.

l a ediçáo - UFPA - 1995(c) 1995, by Emannuel Zagury Tourinho

CONSELHO EDITORIAL Presidente: Emanuel G. MatosMembros: Amarilis Tupiassu, Jane Felipe Beltrão, Ricardo Ishak Representante da Biblioteca: Maria das Graças Coelho Representante da Gráfica e Editora: Ivan Costa

EDITORA DA UFPA

Diretor: Ivan Cardoso Costa Editor Executivo: Maria das Dores Sarmento Revisão do Texto: Berenice Loureiro

Lisbela Braga Maria das Dores Sarmento

Capa: Ivanise Oliveira BritoComposição eletrônica: Joáo Carlos Moraes

Maria Auxiliadora Prado Normalização Técnica: Sílvia Maria Bitar de Lima Moreira Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto n. 1 825 de 20/12/1907.

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Para MIRYAM

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“Multidões de pessoas estão agora preocupadas, mais do que nunca, apenas com as histórias de suas próprias vidas e com suas emoções parti­culares; esta preocupação tem demonstrado ser mais uma armadilha do que uma libertação. ”

(R. Sennett. O D eclín io do H om em Público)

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NOTAEste trabalho tem como base a Dissertação de Mestrado

intitulada Sobre a Visão Behaviorista Radical do Autoconhe- cimento, apresentada ao Programa de Psicologia Social da PUC-SP em 1988 e orientada pelo Prof. Dr. Sérgio V. Luna. Dentre as alterações em relação ao texto original está a adição de um Posfácio intitulado Para Além do Público-Privado.

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APRESENTAÇÃO

Dando continuidade à Coleção Carlos Alberto Nunes, a Universidade Federal do Pará, através da sua Editora, tem a honra de lançar, no mercado editorial, a obra O Autoconheci- mento na Psicologia Comportamental de B. F. Skinner, de au­toria do Prof. Emmanuel Zagury Tourinho.

Trata-se de uma obra que procura mostrar, de forma crí­tica, o pensamento skinneriano, ao mesmo tempo em que con­duz o leitor a refletir acerca de tão polêmico tema, extraindo, da complexidade do assunto, argumentos que embasem suas próprias conclusões quanto à psicologia do comportamento humano.

E com orgulho, portanto, que esta Universidade coloca à disposição do público leitor tão relevante publicação, colabo­rando, mais uma vez, com o enriquecimento intelectual da so­ciedade brasileira.

Marcos Ximenes PonteReitor

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PREFÁCIO

Esta publicação vem preencher uma dupla lacuna na me­dida em que torna mais pública a existência de um jovem pen­sador (o que é muito mais do que uma promessa de um pesqui­sador brilhante), ao mesmo tempo que dissemina um de seus produtos.

Lamentavelmente, raramente uma obra consegue revelar o amadurecimento teórico-epistemológico por que passa um autor em seus embates com o tema escolhido. Deste ponto de vista, este trabalho não foge à regra. Por esta razão, é preciso enfatizar várias características do autor que foram sendo reve­ladas (ou disciplinadas) ao longo do trabalho. A mais impor­tante foi, sem dúvida, a clareza demonstrada quanto ao pro­blema que ele pretendia estudar, o que foi fundamental para discriminar o que era periférico, o que era relevante e o que representaria um confuso desvio na meta traçada.

Tal clareza de propósitos, porém precisou ser complemen­tada com uma predisposição para enfrentar os desafios que vão sendo interpostos, sob o risco de tornar o produto superficial, e dosada pelo bom-senso, sob o risco de perder o interlocutor/lei­tor em um emaranhado de raciocínios preparatórios e de con­siderações intercaladas. Ambas as características marcaram permanentemente o desenrolar do trabalho. As paradas para estudar um novo assunto ou destrinchar um novo problema foram encaradas com a mesma tranqüilidade com que foram abandonadas muitas páginas de texto pronto por que não con­tribuíram para o esclarecimento do problema em estudo.

Uma segunda característica do autor confere um traço de relevância à obra: a sua capacidade crítica. Assumindo-se como behaviorista, o autor recusa o dogma, a verdade por tradição e o comodismo dos argumentos prontos, obrigando-se e ao leitor a reconstituir argumentos com base nas informações originais. Trata-se, de fato, do exercício da crítica interna, tão decantada, mas tão infreqüente.

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Um autor com tais características não poderia produzir uma obra menos que importante. Embora a problemática teó­rica circule em torno da Análise Experimental do Comporta­mento, e a matéria prima seja constituída basicamente pela obra de Skinner, o conteúdo e as análises realizadas têm um interesse que extrapola esse âmbito.

Por um lado, a obra recoloca argumentos comumente di­vulgados sobre a Análise Experimental do Comportamento e sobre o próprio pensamento de Skinner, com surpresas tanto para os adeptos do behaviorismo quanto para seus críticos. Por outro o processo de estabelecimento dos limites e das possibili­dades do behaviorismo radical quanto aos estados internos, obriga a uma feliz passagem por temas de interesse geral tais como o próprio estatuto dos estados internos, o papel da lin­guagem, o autoconhecimento, o autocontrole e o autogoverno (que, em outro contexto teórico podem ser lidos como cons­ciência).

Enfim, a partir da sua publicação, a obra poderá ser dis­cutida, questionada ou mesmo contestada, jamais ignorada. Qualquer destes três efeitos certamente atingirá as intenções do autor ao escrever a obra e ao divulgá-la.

Sérgio V. Lurta

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INTRODUÇÃO

Este trabalho foi iniciado com um projeto intitulado Li­mites e Possibilidades de um Tratamento Behaviorista Radical para a Questão da Consciência. Como o próprio título indica o objetivo era discutir o tradicional problema da consciência no contexto da psicologia comportamental de B. F. Skinner. O termo behaviorismo radical, utilizado pelo próprio Skinner para designar sua proposta de ciência psicológica, refere-se, em termos gerais, ao conjunto de princípios teóricos e metodológi­cos que fundamentam uma visão da psicologia como ciência do comportamento.

A idéia de se conceber a psicologia enquanto ciência do comportamento suscita, de imediato, uma indagação acerca do tratamento a ser dado aos problemas tradicionalmente coloca­dos no campo da disciplina psicológica, isto é, a vida interior, subjetiva, ou mental dos indivíduos. O tema da consciência, pertence a este conjunto de problemas e, ao examiná-lo no con­texto do pensamento skinneriano, interessará abordar duas questões principais: primeiro, em que medida o behaviorismo radical trata efetivamente do problema da consciência; e, se­gundo, como o tratamento dado a este problema se articula com a concepção de homem com a qual aquela abordagem tra­balha. A primeira questão remete não apenas ao que é dito so­bre o conceito de consciência, mas, também, ao que é sugerido sobre a possibilidade de investigação dos fenômenos pertinen­tes àquele conceito. A segunda, leva ao papel atribuído a estes fenômenos no processo de determinação do comportamento humano.

Alguns esclarecimentos conceituais devem ser feitos, an­tes que se adentre no assunto deste trabalho. No decorrer des­ta pesquisa, decidiu-se optar pelo uso do termo autoconheci- mento, em vez de consciência, por ser este um termo mais pró­ximo das formulações de Skinner sobre a própria consciência, e por trazer a vantagem de que, ao empregá-lo, certos problemas

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xviinerentes ao uso de conceitos que têm definições diversas, de­pendendo do contexto teórico em que são empregados (como é o caso do termo consciência), são evitados. Ainda assim, even­tualmente, o termo consciência foi utilizado, mas sempre no sentido em que Skinner o emprega. O próprio Skinner em di­ferentes momentos, utiliza ora consciência, ora autoconheci- mento. E, por razões a serem apontadas posteriormente, também o termo autodiscriminação é empregado por Skinner como sinônimo de autoconhecimento e consciência.

Com respeito ao termo autoconhecimento, convém escla­recer, desde já, que Skinner não concebe o conhecimento no sentido tradicional do termo, segundo o qual o conhecimento é algo que se possui armazenado na mente e que permite ao in­divíduo comportar-se adequadamente numa dada situação. Skinner dedica um capítulo de seu Sobre o Behavioris- mo (1974/1982)* à análise desta e de outras diversas versões corriqueiras do termo conhecimento. Em todos os casos, pro­cura indicar que o dado a partir do qual se costuma inferir a existência do conhecimento é o comportamento, embora o ter­mo conhecimento seja freqüentemente empregado como signi­ficando muito mais do que meramente comportar-se. Para Skinner, entretanto, conhecer é fundamentalmente compor- tar-se discriminativamente ante estímulos. Segundo seu ponto de vista, diz-se que um indivíduo conhece x, no sentido de que ele adquiriu um dado repertório comportamental discriminati­vo com respeito a x. Por esta razão, transmitir conhecimento é colocar o comportamento com uma dada topografia sob o con­trole de determinadas variáveis” (grifos do autor) (Skinner, 1968/1972, p.193).

Outros três termos que serão empregados como sinônimos são: autocontrole, autogerenciamento e autogover­no, este último utilizado, por Skinner, com menos freqüência do que os dois primeiros.

* A primeira data refere-se ao ano da primeira publicação do artigo, e a se­gunda, ao ano da publicação consultada. Este mesmo critério será usado em citações posteriores.

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Pensando na leitura deste texto, o ideal seria utilizar apenas um de cada conjunto de termos apontados, aqui, como sinônimos. Todavia, isso não foi possível porque nas próprias citações de Skinner, transcritas neste trabalho, os diversos termos enumerados aparecem.

Um segundo esclarecimento importante diz respeito aos textos utilizados para consulta. Ao coletar-se o material para este trabalho, encontrou-se mais de uma edição de alguns tex­tos de Skinner. Em alguns casos, a edição consultada foi sim­plesmente a versão em português. Em outros, preferiu-se uti­lizar uma versão do original em inglês - ou porque alguma dificuldade com a tradução para o português era encontrada, ou simplesmente porque só havia edição em inglês. Houve ca­sos, também, em que duas edições diferentes de um mesmo texto foram consultadas. Isto aconteceu quando se encontrou algum detalhe relevante em uma edição, que havia sido omiti­do ou reformulado na outra, com a qual se estava trabalhando.

Com respeito ao conteúdo deste trabalho, o leitor obser­vará que para falar de autoconhecimento, foi necessário ou conveniente discutir problemas relativos aos eventos privados em geral. Isso não significa que se tenha alterado os objetivos, em busca de uma análise de problemas mais abrangentes. Apenas considerou-se adequado apontar aquilo que, além de aplicável à questão do autoconhecimento, corresponde às for­mulações de Skinner acerca dos problemas relativos à privaci­dade em geral. Por outro lado, como o objetivo central limita­va-se à concepção skinneriana do autoconhecimento, não se foi além do necessário sobre os outros ditos eventos privados.

O material que se segue está organizado em três capítulos principais. O primeiro capítulo consiste de um exame sobre o surgimento do behaviorismo radical, considerando-se, para tanto, não os primeiros escritos de Skinner, mas o momento em que este autor diferencia seu behaviorismo das demais abordagens comportamentais em psicologia. Trata-se de um momento importante para este trabalho pelo fato de que um dos aspectos mais relevantes nesta diferenciação diz respeito ao tipo de tratamento oferecido para as questões relativas à privacidade.

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No segundo capítulo, os aspectos mais importantes da formulação teórica de Skinner à respeito da privacidade, em geral, e do autoconhecimento, em particular, são discutidos. Além disso, alguns problemas ainda não plenamente resolvidos naquelas proposições de Skinner são também apontados.

No terceiro capítulo, apresenta-se o que tem sido indicado como alguns aspectos epistemológicos que subjazem às formu­lações teóricas de Skinner. Neste caso, não se tem a pretensão de enveredar por uma análise sistemática dos diversos princí­pios epistemológicos que caracterizam o pensamento skinne- riano. De qualquer maneira, procura-se abordar alguns ele­mentos que sugerem empecilhos de ordem epistemológica pre­sentes nas formulações de Skinner sobre o autoconhecimento.

Em seguida a estes três capítulos, apresenta-se uma sín­tese do material discutido e um posfácio indicativo de perspec­tivas a partir das quais pode-se dar continuidade a esta pes­quisa.

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SUMÁRIODEDICATÓRIA / v EPÍGRAFE / vü NOTA / ix APRESENTAÇÃO / xi PREFÁCIO / x iii INTRODUÇÃO / xv

1 O SURGIMENTO DO BEHAVIORISMO RADICAL DE B.F. SKINNER / 1

2 AS PROPOSIÇÕES BEHAVIORISTAS RADICAIS ACERCA DO AUTOCONHECIMENTO / 252.1 A NATUREZA DOS EVENTOS PRIVADOS / 262.2 O AUTOCONHECIMENTO / 492.3 LIMITES TEÓRICOS DO TRATAMENTO BEHA-

VIORISTA RADICAL PARA A QUESTÃO DO AU- TOCONHECIMENTO / 64

3 LIMITES EPISTEMOLÓGICOS DO TRATAMENTO BEHAVIORISTA RADICAL PARA O AUTOCONHE- CIMENTO / 71

CONCLUSÃO / 91POSFÁCIO:

PARA ALÉM DO PÚBLICO-PRIVADO / 93REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS / 101

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1 O SURGIMENTO DO BEHAVIORISMO RADICAL DE B. F. SKINNER

". . . o behaviorismo radical é o efeito que o pensamento de Skinner vem a ter no comportamento das pessoas. Na medida em que este efeito envolve o estabelecimento de novos repertó­rios de resposta que desafiam seriamente as idéias bastante ve­lhas que temos em nossa cultura sobre como o comportamento deve ser explicado, acredito que o behaviorismo radical é tanto interessante quanto importante.”(W. Day, Radical Behaviorism)

A psicologia tem sido de tal forma identificada com postu­lados (científicos ou não) acerca daquilo comumentemente de­nominado vida mental, que seria difícil imaginá-la como uma disciplina que se eximisse de abordar o assunto. Ainda assim, por motivos os mais diversos, alguns sistemas (notadamente os behavioristas) não raramente são colocados sob suspeita, a despeito de seus representantes reivindicarem o status de psi­cológico para o conhecimento que produzem. Por um lado, po- de-se encontrar razões históricas para que a psicologia tenha se constituído como um projeto independente de ciência da vi­da mental, conforme indica Figueiredo (1982). Por outro, vale assinalar que nem sempre se justifica a concepção segundo a qual as abordagens behavioristas simplesmente ignoram a vida mental e, como tal, poderiam ser tomadas como não-psicoló- gicas.

Figueiredo (1982) argumenta que as contradições presen­tes no projeto inicial de uma ciência psicológica levaram a uma condição em que se tem, de um lado, uma concepção de indiví­duo (único, independente) que é tomado como objeto de uma psicologia que não é ciência e, de outro, uma concepção de

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2indivíduo (suporte de papéis sociais pré-definidos) que é toma­do como objeto de uma ciência que não chega a ser psicológica. Por trás disso, está exatamente a questão da subjetividade, da privacidade, da (im)possibilidade de um tratamento científico para a vida interior dos indivíduos. Nesta perspectiva, muitos comentadores da psicologia tendem a enquadrar as abordagens comportamentais no elenco daquelas que são científicas sem chegarem a ser psicológicas. Contudo, ao analisar-se a obra de B. F. Skinner, observa-se que o tratamento dado por este autor ao problema da privacidade não implica nem uma concepção de indivíduo autodeterminado, nem uma concepção de indivíduo mero-receptáculo de determinações sociais.

Afora os problemas que surgem com o tipo de tratamento que propõe para questões relativas à subjetividade (alguns dos quais serão abordados neste trabalho), o behaviorismo radical de Skinner surpreende pelo empenho com que tenta conciliar preocupações históricas da psicologia com uma proposta de ciência do comportamento. Este autor acredita ter inaugurado na psicologia uma concepção epistemológica que inova (no campo das ciências do comportamento) exatamente no que traz de implicações para o tratamento a ser dado à questão da privacidade. Trata-se de uma proposta que, ainda hoje, parece não ter sido suficientemente discutida.

A tarefa de elucidar o pensamento de Skinner sobre o problema da privacidade pode ser iniciada recuperando-se o momento em que este autor diferencia seu behaviorismo das demais abordagens comportamentais em psicologia. Para tal, serão discutidas as idéias contidas no texto de Skinner, pu­blicado em 1945, intitulado The Operational Analysis of Psychological Terms (Skinner, 1945/1984a), considerado por vários autores que o comentaram recentemente como um mar­co no surgimento do behaviorismo radical de Skinner. E neste trabalho que ele, pela primeira vez, apresenta uma análise sis­temática do problema dos eventos privados.

O referido texto foi elaborado para ser lido no Simpósio sobre Operacionismo, em 1945, do qual participaram vários psicólogos que então trabalhavam com experimentação em psi­cologia, vinculados a abordagens behavioristas, mas com quem

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3Skinner não tinha relações muito amistosas em função de di­vergências teóricas. Particularmente, foi escrito para contestar o caráter positivista lógico do behaviorismo de Boring e Ste- vens (seus colegas na Universidade de Harvard) que, segundo Skinner, implicava uma visão mentalista do homem (Skinner, 1984b). Neste sentido, o que Skinner colocava em discussão, naquele instante, era o tipo de operacionismo que vinha sendo desenvolvido na psicologia. Este momento pode ser melhor compreendido recuperando-se alguns fatos a respeito do sur­gimento da doutrina operacionista e de suas primeiras in­fluências na psicologia.

Em 1928, Percy Bridgman, um físico, publicou uma obra intitulada Logic o f Modem Physics, a qual viria a tornar-se um marco importante no surgimento dos princípios operacionistas da ciência. Bridgman havia se preocupado com o impacto pro­vocado pela teoria da relatividade de Einstein no meio científi­co da física. A novidade desta teoria era que ela exigia uma revisão drástica dos conceitos de tempo, espaço e comprimento. Para entender por que esta revisão teria provocado tamanho impacto, Bridgman começou a estudar os hábitos de pensa­mento e expressão na física que precedeu Einstein, particular­mente na física de Newton. E observou que Newton explicava conceitos como tempo, espaço e comprimento (exatamente os conceitos sobre os quais a teoria de Einstein impunha uma drástica revisão) a partir de supostas propriedades não dis­poníveis na natureza1, ou seja, explicava conceitos físicos em termos de propriedades sobre as quais não indicava uma re­lação precisa com o próprio mundo físico. Bridgman (1928) considerava que estes conceitos eram ambígüos e não se arti­culavam com o trabalho científico dos físicos. Isto é, a atitude de Newton excluía a possibilidade de que aqueles conceitos fossem reformulados com maior precisão a partir do progresso que as pesquisas da física pudessem alcançar no futuro. Insis­

1 Bridgman (1928) referia-se, em particular, aos conceitos de “tempo absoluto’ “espaço absoluto” e “ comprimento absoluto” .

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4tir neste tipo de conceito significava manter a física como uma ciência permanentemente sujeita a revoluções. Para Bridgman (1928) a alternativa era formular os conceitos da física de uma forma que pudessem ser sistematicamente revistos, à medida que as pesquisas fossem estabelecendo novos fatos. Isso seria possível definindo-se os conceitos físicos em termos igualmente físicos - como o fez Einstein, mesmo sem discutir o problema como levantado por Bridgman (1928)2.

A atitude introduzida por Einstein, caracterizada pela defi­nição dos conceitos em termos de operações executadas pelo cientista, e não em termos de propriedades supostas, preserva­va a física da possibilidade de ter que sistematicamente reela- borar sua atitude diante da natureza - as revoluções que Bridgman pretendia evitar. Nas palavras de Bridgman (1928),

". . . se a experiência é sempre descrita em termos de experiên­cia, deve sempre haver correspondência entre a experiência e nossa descrição dela; e não precisamos nunca ficar embaraçados, como ficamos, na tentativa de encontrar na natureza o protótipo do tempo absoluto de Newton” (p.6-7).

Moore (1981) analisa o surgimento da proposta de Bridgman também ressaltando sua ofensiva contra o recurso a forças especiais na explicação das teorias físicas emergentes no início do século XX. A grande contribuição de Bridgman, então, consistia na idéia de que, em vez de se explicarem as

2 Segundo Bridgman (1928), nem o próprio Einstein, nem outros físicos, estavam cientes da mudança de atitude presente na ciência de Einstein. Esta mudança, con­tudo, teria sido “a maior contribuição de Einstein” (Bridgman, 1928, p. 4) e estaria claramente encarnada na nova prática científica dos físicos. Esta questão é afirma­da por Bridgman (1928) nos seguintes termos:

“Não há provavelmente, nenhuma asserção no [nos textos de] Einstein ou [de] outros escritores de que a mudança no uso de “con­ceito” ( . . . ) tenha sido feita conscientemente, mas que este é o caso, fica provado, eu acredito, com um exame da maneira com que os con­ceitos são agora manipulados por Einstein e outros” (p. 7).

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5asserções teóricas dos cientistas a partir de forças desconheci­das que os possibilitavam chegar a tais formulações, dever-se- ia fazê-lo recorrendo-se às operações experimentais conduzidas por estes cientistas e aos dados daí provenientes. Estes últimos é que deveriam ser tomados como a base do discurso verbal dos cientistas. Há um trecho de Bridgman bastante elucidativo desta sua posição:

“A nova atitude em relaçáo a um conceito é inteiramente diferente. Podemos exemplificá-la considerando o conceito de comprimento: o que é que entendemos pelo comprimento de um objeto? Sabemos, evidentemente, o que queremos dizer com comprimento se pudermos indicar qual é o comprimento de todo e qualquer objeto; e, para o físico, nada mais é necessário. Para apurar o comprimento de um objeto temos de realizar certas operações físicas. Portanto, o conceito de comprimento é fixado quando se fixam as operações pelas quais o comprimento é me­dido; quer dizer, o conceito de comprimento implica, nem mais nem menos, um coryunto de operações; o conceito é sinônimo do conjunto correspondente de operações” (Bridgman, 1928, p.5).

A psicologia parece ter sido uma das disciplinas na qual o discurso operacionista encontrou maior repercussão na década de 30. Dentre as possíveis razões para este fato, destaca-se a expectativa de que a fórmula operacionista pudesse salvar esta disciplina da confusão conceituai na qual estava imersa e con­ferir-lhe o status de cientificidade que lhe faltava. Este movi­mento foi denominado por Israel e Goldstein (1944) de uma utopia operacional, que professava uma era na qual “ a con­trovérsia inútil será (seria) silenciada e a total concordância entre psicólogos substituirá a divergência notória” (Israel e Goldstein, 1944, p.179)3.

3 Uma análise sobre as condições da psicologia enquanto ciência e profissão naquele período e sobre a conveniência do discurso operacionista naquelas circunstâncias pode ser encontrada em Rogers (1989).

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Day (1969) e Moore (1981) indicam alguns aspectos rele­vantes acerca da grande repercussão que o texto de Bridgman teve entre os psicólogos experimentais da época. Tanto Skinner quanto seus colegas de Harvard foram fortemente in­fluenciados pelos argumentos daquele discurso operacionista. O contato com esta obra, entretanto, parece ter sido feito de uma forma distinta, o que levaria a posturas igualmente dis­tintas a respeito de uma psicologia operacionista.

Skinner teve contato direto com a obra de Bridgman, pouco tempo após sua publicação. Em um artigo publicado em 1931 (mas escrito em 1930), ele já se referia a Bridgman e pro­curava aplicar os princípios operacionistas em uma análise do conceito de reflexo (Skinner, 1931/1961a). Mais tarde, em 1945, ele afirmaria que seu artigo de 1931 tinha sido não só a primeira publicação psicológica a apresentar uma referência a Bridgman, como também a “ . . . primeira análise explicitamen­te operacional de um conceito psicológico” (Skinner, 1945/1984a , p. 551). A despeito deste fato, um outro tipo de operacionismo surgiu na psicologia, através de outros behavio- ristas de Harvard. Este outro modelo (como se deduz de um re­lato de Boring, 1950), contudo, já surgiu comprometido com outros princípios que nada tinham necessariamente a ver com as proposições originais de Bridgman.

Boring (1950) relata que o primeiro contato dos psicólo­gos de Harvard com o trabalho de Bridgman ocorreu em 1930, através de Herbert Feigl, um positivista lógico, membro do Círculo de Viena. Este fato teria tido uma implicação séria no tipo de operacionismo a ser desenvolvido por psicólogos como o próprio Boring, Stevens e até Spence (Moore, 1981). Estes, ao interpretarem a obra de Bridgman, teriam atribuído uma ên­fase exagerada à questão da objetividade e chegado, assim, a uma ciência dos fenômenos publicamente observáveis, funda­mentada num critério de verdade por consenso público. Se­gundo Boring (1950) e Day (1969), Stevens viria a tornar-se o líder deste grupo, tendo publicado, em 1939, um artigo que sumarizava sua postura acerca dos problemas levantados pelos operacionistas. Neste trabalho, o problema do comportamento verbal do cientista é abordado a partir da perspectiva de uma

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7teoria de referência do significado. De acordo com tal teoria, a linguagem deve ser explicada em termos de um conjunto de proposições simbólicas, descritivas de conteúdos da consciên­cia. Para efeito de tratam ento científico, devem-se identificar os elementos deste conjunto com operações mensuráveis, a respeito das quais possa haver concordância pública. Na opi­nião de Moore (1981), esta posição:

". . . admitia a possibilidade de uma linguagem privada. Isto é, ao assumir que a linguagem era uma atividade simbólica, eles assumiam que havia entidades como significados subjetivos pri­vados que possuíam uma existência independente. ( . . . ) esta po­sição implica a existência de algum sistema náo comportamental que, com efeito, é responsável pela linguagem. Ela implica que as pessoas sejam automaticamente capazes de descrever elementos de sua própria experiência privada - e que a linguagem seja es­sencialmente descritiva de manipulações lógicas destes elemen­tos. Quando seguida a este extremo, esta posição impõe um dua­lismo pernicioso e um agente controlador interno. . .” (p.58).Boring (1950) refere-se ao artigo de Stevens como o ma­

nual da nova psico-lógica (p.657). E é exatamente nessa linha que o behaviorismo de Boring, Stevens e Spence irá desenvol- ver-se nas décadas de 30 e 40. No intuito de enfrentar os pro­blemas da psicologia mentalista, esses autores desenvolvem um operacionismo bastante influenciado pelo positivismo lógi­co da época e que acabará desembocando numa postura com implicações igualmente mentalistas e dualistas em psicologia. A interpretação do operacionismo que o positivismo lógico produz (e que o behaviorismo de Boring e Stevens assumirá) fica melhor compreendida quando se leva em conta que aquele movimento filosófico pretendia estabelecer critérios (regras ló­gicas e metodológicas) de significação e validação a partir dos quais a fronteira entre os discursos científico e não-científico pudesse ser demarcada. E neste contexto que aquilo que Bridgman (1928) apresentava como um procedimento para es­clarecimento dos significados dos conceitos científicos se con­verte em critério de cientificidade4.

4 Uma análise sistemática sobre a interpretação neopositivista do operacionismo e sua incidência na psicologia comportamental pode ser encontrada em Moore (1975; 1981) eS m ith í 1989).

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8No entendimento de Israel e Goldstein (1944), este proble­

ma pode ser colocado em termos de um equívoco de psicólogos como Stevens (e Boring), na interpretação do operacionismo como um novo método científico. O que Bridgman propunha era, na verdade, “uma coisa muito simples.. . uma fórmula a ser seguida para a definição de termos ou conceitos” (Israel e Goldstein, 1944, p.178). Ao converter o procedimento de Bridgman em uma orientação metodológica, contudo, os beha- vioristas metodológicos buscavam um critério a partir do qual a objetividade do discurso científico pudesse ser afirmada e servisse, ainda, de referência para a demarcação do escopo de uma ciência psicológica. Trata-se, aqui, de um objetivismo de conteúdo fisicalista e dualista; de um lado, porque admite a existência de duas naturezas distintas de fenômenos, a física e a mental, e, de outro, porque postula que os fenômenos men­tais só podem ser objeto da ciência na medida em que se apon­tam seus correspondentes no mundo físico. Nesta perspectiva, para o operacionismo de Boring (1945), “ a ciência não consi­dera dados privados” (p.244).

E contra esse tipo de operacionismo que Skinner se le­vantará em seu artigo intitulado The Operational Analysis o f Psychological Terms (o qual será denominado, doravante, de Terms, como fazem alguns autores que o comentaram recen­temente).

Terms tra ta basicamente de três questões: a natureza dos eventos privados, o problema do critério de verdade por con­cordância pública e os processos através dos quais um indiví­duo passa a relatar eventos que lhe ocorrem de forma privada. Estes assuntos são todos pertinentes uns aos outros, mas cabe um esclarecimento. As duas primeiras questões são tratadas de forma mais sistemática numa segunda parte do artigo, que não foi lida no Simpósio, mas incluída na publicação na forma de comentários posteriores sobre os trabalhos apresentados (Skinner, 1945/1961b). Para facilitar a compreensão das pro­posições de Skinner, contudo, mostra-se conveniente iniciar expondo o tratamento dado àquelas duas questões iniciais pa­ra, em seguida, apresentar sua concepção a respeito da ter­ceira.

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Sobre a natureza dos eventos privados, Skinner é enfático ao negar-lhes qualquer condição distinta daquela dos eventos públicos. Para ele, o que ocorre de forma privada a um indiví­duo é tão físico quanto comportamentos publicamente ob­serváveis. São eventos pertencentes a um mesmo sistema de dimensões que os eventos publicamente reconhecidos como fí­sicos. “ . . . a minha dor de dente é simplesmente tão física quanto minha máquina de escrever, embora não [seja] públi­ca. . (Skinner, 1945/1984a, p.552). Esta posição tem uma implicação fundamental que é a eliminação de uma perspectiva dualista no estudo do comportamento humano. Ela correspon­de a uma visão monista de homem que não seria compartilha­da pelos behavioristas metodológicos. Estes últimos (represen­tados por Boring e Stevens), embora concordassem em tomar a psicologia como ciência do comportamento, admitiam que o mundo está dividido entre eventos públicos (físicos) e eventos privados (de outra natureza), devendo a psicologia confinar-se aos primeiros a fim de estabelecer-se como ciência. Este último aspecto remete ao segundo problema tratado por Skinner, isto é, a questão do critério de verdade por consenso público. Isto porque o que se observa é que a dicotomia físico-mental articu- la-se, de imediato, com a definição do escopo de uma ciência do comportamento.

A necessidade de distinguir os eventos entre públicos e privados não é gratuita para o behaviorismo metodológico. Se­gundo Skinner, por trás desta distinção encontra-se uma forte preocupação de ordem epistemológica. Aquela abordagem re­pousaria na crença de que um estudo só pode ser tomado como científico enquanto tra tar de fenômenos acessíveis a dois ou mais observadores. Já para o behaviorismo radical, o problema da concordância pública deve ser tomado como secundário, em favor de um critério mais funcional e de coerência interna do sistema teórico.

“A distinção público-privado enfatiza a filosofia árida da “verdade por consenso”. O público, na verdade, acaba sendo simplesmente aquilo sobre o que se pode concordar porque é co­mum a dois ou mais concordantes. Isso não é uma parte essen-

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10ciai do operacionismo; ao contrário, o operacionismo nos permite dispensar esta soluçáo demais insatisfatória do problema da ver­dade. (. . .) O critério último para a boa qualidade de um conceito não é se duas pessoas entram em acordo, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso sobre seu material - so­zinho, se precisar. O que importa para o Robison Crusué não é se ele está concordando consigo mesmo, mas se ele está chegando a algum lugar com seu controle sobre a natureza” (Skinner, 1945/1984a, p.552).

Ao propor a funcionalidade como critério de verdade, opondo-se ao critério de observação pública, Skinner expressa um aspecto fundamental de sua ciência do comportamento: o interesse na previsão e controle dos fenômenos comportamen- tais. No âmbito da ciência skinneriana, portanto, o que impor­ta não é a precisão de descrições fisicalistas da topografia do comportamento, mas a descoberta de leis que expressem re­lações dinâmicas entre o comportamento dos organismos e condições ambientais5. Neste contexto, falar sobre os eventos privados mostra-se legítimo, mesmo que aqueles eventos não estejam acessíveis a uma observação pública. Asserções sobre estes eventos devem ser julgadas segundo o que propiciam ao cientista em termos da previsão e controle de um conjunto de fenômenos.

Resumindo as duas questões, o behaviorismo radical tra ta dos eventos privados como fenômenos físicos (enquanto os be- havioristas metodológicos tendem a atribuir-lhes uma outra natureza) e acredita ser tarefa da psicologia tra ta r destes eventos, mesmo que de forma inferencial (enquanto os beha- vioristas metodológicos insistem no princípio de verdade por consenso público).

A terceira e principal questão tratada naquele artigo de Skinner é um pouco mais complexa e diz respeito aos proces­sos através dos quais um indivíduo torna-se capaz de relatar

5 Neste sentido, Skinner permitia-se, desde muito cedo (Cf. Skinner, 1932a; 1932b), falar de condições internas do organismo; por exemplo, em suas considerações so­bre o “drive” (Cf. Sério, 1990).

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seus próprios eventos privados. Para tra tar deste assunto, Skinner inicia examinando o problema de respostas verbais a eventos públicos. E um ponto que se coloca de forma impor­tante para ele é como explicar o comportamento verbal do cientista.

Segundo Skinner, o operacionismo lógico de seus colegas de Harvard falhava ao tentar explicar o comportamento verbal do cientista porque não conseguia esclarecer como este chega­va a elaborar uma definição de um conceito (fosse ela opera­cional ou não). E a definição é um termo fundamental para o operacionismo, uma vez que deve expressar as operações que justificam emprego de um dado termo numa dada circunstân­cia. Em vez de considerarem as operações executadas pelo cientista, os operacionistas lógicos tendiam a recorrer a concei­tos como idéia ou significado, o que os afastava de uma análise adequada das bases do discurso verbal.

Na perspectiva skinneriana, termos como conteúdo, sig­nificado ou referente devem ser desprezados, pelo menos enquanto propriedades das respostas verbais. Estes termos só fariam sentido enquanto especificações das contingências sob controle das quais uma dada resposta verbal ocorre. Isto é, de­ve-se lidar com os termos verbais na forma como são observa­dos, qual seja, como respostas verbais. Nesta perspectiva, para Skinner, uma leitura mais apropriada do operacionismo de Bridgman resulta, fundamentalmente, na proposição de uma análise funcional para o comportamento verbal. Assim, o ope­racionismo skinneriano se resume à tentativa de examinar conceitos ou asserções científicas enquanto respostas verbais que são função de contingências estabelecidas por uma comu­nidade verbal científica. O princípio geral da análise funcional que Skinner postula para o tratamento das respostas verbais pode ser entendido sem dificuldades. Na psicologia operante de Skinner, uma análise funcional implica a identificação do estímulo discriminativo que se constitui em ocasião para a ocorrência da resposta em questão e das conseqüências que o mantêm. O que acontece, então, é que uma comunidade verbal ensina o indivíduo a emitir uma dada resposta verbal (a ex­pressar um termo) provendo estímulos reforçadores quando

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esta resposta ocorre na presença de um dado estímulo discri­minativo (da coisa para a qual o termo será tomado como referente). Assim, o indivíduo aprende, por exemplo, a dizer cadeira na presença de uma cadeira ou objeto similar, não por uma questão de apreensão do significado de cadeira, mas por­que esta resposta, na presença da cadeira tem uma história de reforçamento provido pela comunidade verbal. Esta relação funcional entre termos e estímulos discriminativos que au­mentam sua probabilidade de ocorrência será tratada de forma mais sistemática no livro O Comportamento Verbal (Skinner, 1957/1978), onde aparece sob a classe de operantes verbais de­nominados tatos.

“O tato surge como o mais importante operante verbal, por causa do controle incomparável exercido pelo estímulo ante­rior. Este controle é estabelecido pela comunidade reforçadora ( . . . ) No tato (. . . ) estabelecemos uma relação excepcional com um estímulo discriminativo. Fazemos isso reforçando a resposta tão consistentemente quanto possível na presença de um estí­mulo, com muitos reforçadores diferentes ou com um reforçador generalizado. O controle resultante é feito por meio do estímulo [discriminativo]. Uma dada resposta “especifica” uma dada pro- priedade-estímulo. Isto é a referência da teoria semântica” (Skinner, 1957/1978, p. 109).

A abordagem que Skinner inaugura com o Terms preten­de eliminar a necessidade de recorrência a explicações (lingüís­ticas ou filosóficas) não relacionais ao nível do observável para que se compreendam as bases do discurso verbal. Como, para Skinner, cada resposta verbal deve ser entendida enquanto funcionalmente relacionada a um conjunto de condições que tornam sua ocorrência (mais) provável, a aquisição do compor­tamento verbal constitui-se num problema a ser tratado pela psicologia como ciência do comportamento e não por outras disciplinas. E isso vale, também, para o comportamento verbal do cientista.

Moore (1981), ao discutir alguns aspectos do Terms, esclarece que, numa perspectiva behaviorista radical, o com­

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13portamento verbal do cientista pode ser tratado como predo­minantemente (mesmo que não exclusivamente) sob o controle de estímulos discriminativos e reforçadores comuns à comuni­dade científica - aos quais denomina de estímulos discrimina­tivos e reforçadores científicos (onde estímulos discriminativos científicos são aqueles oriundos das operações e dos contatos com os dados, e reforçadores científicos são aqueles oriundos da previsão e do controle). Isso contrastaria com o comporta­mento verbal do leigo, predominantemente sob o controle de estímulos discriminativos e reforçadores sociais e culturais.

Retomando as proposições do Terms, após apresentar as idéias acima, Skinner avança na discussão acerca do papel do estímulo discriminativo e da comunidade verbal na instalação do tato (embora sem empregar este termo), tratando da priva­cidade, no que acredita residir a grande contribuição do artigo, ‘‘Substitua cadeira por dor e chega-se ao problema de ‘a defi­nição operacional de um termo psicológico,, (Skinner, 1984b, p. 573).

Admitindo-se que um indivíduo seja ensinado a emitir uma certa resposta verbal (a verbalizar um certo termo) através do reforçamento provido pela comunidade verbal quando esta resposta ocorre na presença de um dado estímulo discriminativo (da coisa referente), como tra ta r daquelas res­postas cujos estímulos discriminativos só estão acessíveis ao próprio indivíduo, e não à comunidade verbal que deve en- siná-lo a emitir a resposta correta naquela circunstância? Aí reside todo o problema a ser enfrentado pelo behaviorismo no tratam ento da privacidade. A proposta de Skinner para uma análise funcional das respostas verbais na presença de estí­mulos discriminativos parte do princípio de que estes últimos estejam acessíveis tanto ao indivíduo que emite a resposta quanto à comunidade que o ensina a emiti-la, e isso não é possível no caso de estímulos discriminativos privados. Como, então, o indivíduo aprende a relatar aqueles eventos aos quais só ele próprio tem acesso?

Skinner enumera quatro estratégias através das quais a comunidade verbal procura ensinar respostas verbais a estí­mulos privados, a partir da inferência de ocorrência destes

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14últimos, já que o acesso direto não é possível. No primeiro ca­so, a comunidade utiliza-se de estímulos públicos associados ao estímulo privado para reforçar a resposta do sujeito. E o que ocorre, por exemplo, quando se ensina a resposta verbal à es­timulação tátil de um objeto, tendo-se acesso à estimulação visual deste mesmo objeto. Para o indivíduo que emite a res­posta verbal, a estimulação que adquire o controle da resposta pode ser privada (tátil), mas quem lhe ensina a resposta, o faz com base em um outro estímulo público (a estimulação visual do objeto) associado à estimulação privada.

Uma segunda estratégia consiste em reforçar a resposta verbal ao estímulo privado na presença de outras respostas colaterais públicas não verbais (geralmente reflexos incondi- cionados) àquela mesma estimulação. Neste caso, temos o exemplo do indivíduo que relata uma dor de dente, ao mesmo tempo em que põe a mão na mandíbula ou geme. A partir da resposta colateral, a comunidade infere uma certa estimulação privada ao indivíduo e reforça sua resposta verbal.

A terceira possibilidade diz respeito à situação em que o indivíduo descreve seu próprio comportamento. Quando se tra ta de um comportamento aberto (público), a comunidade pode reforçar a resposta verbal com base na observação desse comportamento, enquanto para o indivíduo os estímulos pro- prioceptivos envolvidos naquele comportamento podem adquirir o controle da resposta. Quando se tra ta de um comportamento que era público e retrocedeu ao nível encober­to, entretanto, há três alternativas: o relato (do comportamen­to agora encoberto) pode ser reforçado com base numa resposta aberta tomada como acompanhamento daquela resposta enco­berta; a resposta encoberta pode ser similar (embora menos intensa) a uma resposta aberta e assim prover um mesmo estímulo público, embora de forma enfraquecida; e a resposta pode não ter sempre um acompanhamento público, mas ser ocasionalmente reforçada, quando a mesma estimulação ocorre com manifestações públicas. A respeito destas últimas possibi­lidades, Skinner não chega a oferecer exemplos que esclareçam sua explicação, talvez pela própria dificuldade de apontar comportamentos que se enquadrem naqueles casos.

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15Uma quarta e última estratégia diz respeito à generali­

zação de estímulos. Uma resposta pode ser adquirida em co­nexão com um estímulo público e posteriormente ser emitida em conexão com uma estimulação privada, com base em pro­priedades coincidentes. Um exemplo disso, é descrever uma es­timulação privada como agitada ou ebuliente. E o que Skinner mais tarde (1957/1978) chamará de tato metafórico.

Uma primeira constatação que estas estratégias suscitam é que a comunidade verbal não precisa ter necessariamente aquele acesso direto aos eventos privados de um indivíduo pa­ra que possa ensiná-lo a descrevê-los. De fato, este acesso não é estritamente necessário. Por outro lado, como fica bastante claro, nenhuma das estratégias citadas é suficiente para pro­ver a instalação de um repertório verbal preciso a respeito dos estímulos privados. Nenhuma delas pode ser eximida da possi­bilidade de erro/imprecisão ou de limitação na sua aplicação. Isso significa dizer que o indivíduo não pode “ claramente ‘co- nhecer-se’, no sentido em que o conhecimento identifica-se com comportar-se discriminativamente” (Skinner, 1945/1984a, pp.549-550). Na opinião de Skinner, esse problema justifica que nunca se tenha chegado a um vocabulário estável sobre eventos privados, de uso razoavelmente uniforme por parte dos membros de uma comunidade verbal.

Ainda neste artigo, Skinner já aborda diretamente o pro­blema do autoconhecimento, utilizando-se também do conceito de consciência. Diz ele que estar consciente é reagir ao pró­prio comportamento de forma verbal. Assim, um indivíduo que está consciente é um indivíduo capaz de descrever seu próprio comportamento. Como esta descrição só se torna possível a partir de contingências providas pela comunidade verbal, desta proposição resulta uma concepção de consciência como produ­to social.

“. . . é somente porque o comportamento do indivíduo é impor­tante para a sociedade que a sociedade torna-o, entáo, importan­te para o indivíduo. Alguém se torna consciente do que está fazendo somente após a sociedade ter reforçado respostas ver­bais com respeito ao seu comportamento como a fonte de estímu­los discriminativos”. (Skinner, 1945/1984a, p.551).

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16A consciência, então, deve ser abordada como uma

questão de descrição do próprio comportamento, ou melhor, como uma questão de instalação de um adequado repertório verbal descritivo do próprio comportamento. Esse tipo de tra ­tamento tem uma implicação que Skinner chega a considerar irônica: é o desenvolvimento de um vocabulário mais efetivo para a análise do comportamento que pode aumentar as possi­bilidades de um indivíduo tornar-se efetivamente consciente. Em suma, “ a psicologia do outro é, no fim de tudo, a aborda­gem direta para o ‘autoconhecimento’” (Skinner, 1945/1984a, p.551).

Para chegar a esta explicação do autoconhecimento, Skinner serve-se do exemplo do comportamento de ver. Segun­do ele, quando um indivíduo relata vermelho, na presença de um estímulo desta cor, devemos considerar que esta resposta verbal foi instalada e mantida através de reforçamento contin­gente à propriedade cor do estímulo. Ao invés de supor-se que o indivíduo esteja relatando um evento privado do tipo de uma sensação de vermelho, deve-se supor que esteja relatando uma propriedade do estímulo, esta última acessível tanto ao próprio sujeito, quanto à comunidade que reforça sua resposta verbal. Um problema adicional surge, no entanto, quando é examina­do o caso em que tal resposta ocorre na ausência do estímulo discriminativo vermelho - o que, na psicologia tradicional, se­ria considerado como a descrição de uma imagem interna. Mas o comportamento verbal que é descritivo de imagens também deve ser explicado por qualquer ciência do comportamento.

Retornando àquelas estratégias para a instalação de re­pertórios descritivos de eventos privados, pode-se dizer que a resposta vermelho seria explicada em termos da primeira téc­nica enumerada. Isto é, há uma estimulação privada à qual o indivíduo responde verbalmente, mas o reforçamento da res­posta verbal é feito contingentemente a uma estimulação pú­blica associada. Entretanto, quando um indivíduo diz eu vejo vermelho ou eu estou consciente de vermelho (o que pode ocor­rer na ausência de qualquer objeto vermelho), o mesmo tipo de explicação não seria possível. Isto porque ver ou estar conscien­te de “ . . . parecem referir-se a eventos que são por natureza ou por definição privados” (Skinner, 1945/1984a, p.550).

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17Uma primeira solução para o problema seria afirmar que

quando um indivíduo diz eu vejo vermelho ele está descrevendo o seu comportamento de ver, o que poderia ser explicado em termos da terceira estratégia, de acordo com a qual o reforça- mento da resposta verbal descritiva do próprio comportamento é feito contingente a uma dimensão (ou acompanhamento) pú­blica deste mesmo comportamento. Isto é, o indivíduo apren­deria a ver estímulos privados (neste caso, a ver seu próprio comportamento visual) a partir do reforçamento provido em circunstâncias de visão aberta (nas quais a comunidade verbal tem acesso a alguma dimensão pública do objeto visto). Mas esta não é exatamente a hipótese que Skinner considera mais provável, pois ela implica considerar o ver meramente como um comportamento de reação ao estímulo vermelho. Para ele, o ver, neste exemplo, deve ser entendido como uma reação ao próprio comportamento de reagir ao vermelho. No caso, é possível que a expressão eu vejo vermelho (onde vejo é tomado como sinônimo de estou consciente de) descreva mais do que um acompanhamento privado do tipo de uma estimulação que sobrevive em um ato encoberto semelhante (como ocorre no emprego da terceira técnica descrita). Ela pode estar descre­vendo um estado privado que adquire o controle daquela res­posta verbal (como ocorre no emprego das técnicas 1 e 2). Neste caso, o termo ver não se refere a um comportamento, mas a uma condição interna do indivíduo.

“Dizer eu vejo vermelho é reagir, náo ao vermelho (este é um significado trivial de “ver”), mas à própria reaçáo a verme­lho. Ver é um termo adquirido com respeito ao comportamento do próprio indivíduo no caso de respostas abertas disponíveis pa­ra a comunidade, mas de acordo com a presente análise ele pode ser evocado outras vezes por qualquer acompanhamento privado de visáo aberta. Aqui está um ponto no qual uma visáo privada náo-comportamental pode ser introduzida” (Skinner, 1945/1984a, p.550-551).

O autoconhecimento, de acordo com esta análise, pode então ser concebido em termos de uma discriminação de estados

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18privados (expressa na forma verbal), instalada a partir do re- forçamento de discriminações (visuais) de eventos públicos. Embora se compreenda que Skinner trate do autoconhecimen- to em termos da discriminação de um controle que estímulos internos exercem sobre o comportamento encoberto do próprio sujeito, não fica claro por que identifica esta discriminação com o comportamento visual (em outros momentos de sua obra, a discriminação de estímulos é tratada sem qualquer re­ferência àquele comportamento), nem por que limita esta dis­criminação a condições internas do sujeito (a discriminação de aspectos externos relativos a comportamentos do sujeito - por exemplo, de variáveis que os controlam - não significa autoco- nhecimento?).

Apresentadas as principais idéias contidas no Terms, cabe examinar alguns comentários formulados por diferentes auto­res àquele artigo, bem como algumas respostas do próprio Skinner aos respectivos comentários.

Uma primeira observação importante é que vários auto­res (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984; Meehl, 1984; Moore, 1984; Ringen, 1984; e Zuriff, 1984) fazem questão de ressaltar a importância histórica daquele artigo, como um marco no de­senvolvimento do pensamento skinneriano. Nestes casos, adje­tivos como significativo ou brilhante não são nada escassos na caracterização do trabalho. Por outro lado, alguns daqueles autores (Brinker e Jaynes, 1984; Lowe, 1984; Moore, 1984; e Ringen, 1984) chamam a atenção para uma questão um tanto delicada. Trata-se da não aplicação daqueles novos princípios a um programa de investigações acerca do comportamento hu­mano. E realmente intrigante que Meehl (1984), por exemplo, afirme que os argumentos do Terms são hoje tão atuais quanto em 1945, o que pode ser uma forma indireta de afirmar que não se avançou nas questões ali levantadas.

Brinker e Jaynes (1984) chegam a considerar que a razão das críticas atualmente dirigidas ao behaviorismo radical pode ser encontrada no fato de que a proposta contida no Terms “ . . . nunca culminou no programa prometido de pesquisa em comportamento humano que demonstraria as diferenças entre o velho e o novo operacionismo” (p.554). Se a presente inter-

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19pretação estiver correta, isso significa dizer que a filosofia be- haviorista radical teria dado um passo, há quarenta anos, que a análise experimental do comportamento só acompanhou, se é que o fez, de forma extremamente precária6. No entanto, mesmo entendendo dessa forma a colocação de Brinker e Jaynes, ainda se mostra necessário avaliar em que medida a filosofia behaviorista radical realmente deu o referido passo. Esta questão, entre outras, será desenvolvida no capítulo se­guinte deste trabalho.

Lowe (1984) vai um pouco mais longe, abordando o pro­blema específico do autoconhecimento. Após ressaltar que Terms reconhece aspectos especiais caracterizadores do com­portamento dos seres humanos, este autor afirma que a grande realização do artigo “ . . . é que ele mostra que a ‘consciência’ . . . está, finalmente, acessível à análise científica” (p.562). Esta realização, entretanto, não teria apresentado grandes re­sultados, já que Lowe desenvolve sua análise reclamando por pesquisa na área do autoconhecimento.

Talvez o elemento mais importante com respeito a estas duas questões venha do próprio Skinner. Sobre a importância histórica de seu artigo, ele em nada contesta seus comentado­res, podendo se pensar que, no mínimo, não veria aí nenhum exagero. Com relação à pesquisa na área do comportamento verbal e do autoconhecimento, Skinner é bastante explícito ao concordar com a demanda daqueles autores. Respondendo a Brinker e Jaynes (1984), ele afirma: “Eu também lamento que mais trabalho não tenha sido feito na linha da minha análise no Verbal Behavior .. . ’’(Skinner, 1984b, p.574). E, mais inte­ressante, respondendo a Lowe (1984), declara: “ . . . estou feliz de me jun tar a ele [Lowe] ao exigir o próximo passo: pesquisa sobre autoconhecimento e autogerenciamento e seus possíveis

6 Esta distinçáo é apresentada por Skinner de forma mais explícita em seu Behavio­rism, at Fifty ( 1963/1984c). Segundo ele, o behaviorismo constitui uma filosofia da ciência que se ocupa dos métodos e do objeto de estudo da psicologia. A análise ex­perimental do comportamento, por outro lado, constituiria a ciência que se serve daqueles princípios.

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efeitos no comportamento humano em geral” (Skinner, 1984b, p.576). Em nenhum momento de suas respostas, contudo, Skinner esclarece se na época em que escreveu aquele artigo acreditava estar propondo um novo programa de pesquisas na área do comportamento humano, ou se os problemas que le­vantou estariam simplesmente voltados para um esclarecimen­to de ordem epistemológica. Como não faria sentido, aqui, uma discussão a respeito dos objetivos de Skinner naquela ocasião, convém colocar o assunto de outra forma. Dado o fato de que este artigo (e outros seguintes) poderia ter suscitado algum tipo de pesquisa na área do comportamento verbal e do auto- conhecimento, que razões justificam que isso não tenha ocorri­do? Embora não seja possível oferecer uma resposta conclusiva à questão, ela parece bastante importante e será retomada no decorrer deste trabalho.

Uma última observação nessa linha de comentários, dire­tamente relacionada à questão anterior, diz respeito ao tipo de leitura provida pelo artigo de Skinner. Terrace (1984) classifi­ca o texto como contendo posições metafísicas e epistemológi- cas incomuns. Stalker e Ziff (1984) afirmam que na época do Simpósio sobre Operacionismo as preocupações de Skinner iam além do problema de uma tecnologia do comportamento e voltavam-se, cada vez mais, para questões filosóficas. O texto em discussão marcaria, assim, o início de um período no qual Skinner afastar-se-ia cada vez mais da pesquisa para dedicar- se a questões filosóficas (Stalker e Ziff, 1984). Em resposta a estes últimos, Skinner inicia afirmando que seu texto não é fi­losofia, mas interpretação. E define interpretação como a apli­cação de princípios cientificamente comprovados a assuntos mais complexos, sobre os quais o conhecimento existente não é suficiente para tornar a previsão e o controle possíveis. Con- textualizado tal argumento em termos do comportamento hu­mano, o assunto de seu artigo, afirma o seguinte:

“As análises de laboratório do comportamento dos orga­nismos têm produzido uma boa quantidade de previsão e contro­le bem-sucedidos, e estender os termos e princípios descobertos como efetivos sob tais circunstâncias à interpretação do compor-

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tamento onde as condições de laboratório sáo impossíveis é factí­vel e útil. Eu náo acho que isso seja propriamente chamado de fi­losofia. O comportamento humano que observamos no dia-a-dia é, infelizmente, muito complexo, ocorre muito esporadicamente e é uma função de variáveis muito longe do alcance para permi­tir uma análise rigorosa. No entanto, é útil falar sobre ele à luz de exemplos nos quais a previsáo e o controle já provaram ser possíveis” (Skinner, 1984b, p.578).

Embora, aqui, Skinner apresente elementos a favor da in­terpretação de eventos mais complexos a partir da utilização de conceitos comprovados como eficazes no tratamento de even­tos menos complexos, isso não significa que concorde com a suposição de Stalker e Ziff (1984) de que, com isso, estaria afastando-se da pesquisa. O que precisa ser esclarecido é em que medida seria possível conciliar o caráter interpretativo de algumas de suas proposições com uma demanda por pesquisa empírica e, a esse respeito, Skinner oferecia poucos subsídios em seu artigo de 1945. Esta questão será retomada no capítulo seguinte deste trabalho.

A título de conclusão do presente capítulo introdutório, convém destacar os pontos principais do material discutido até aqui, alguns dos quais serão retomados nos capítulos seguin­tes:• O behaviorismo radical de Skinner constituiu sua identida­

de (no sentido de distinguir-se das demais psicologias com- portamentais então existentes) através do reconhecimento da vida interna dos indivíduos e da proposição de uma pers­pectiva científica para o tratamento de fenômenos a ela relacionados. Por um lado, esta constatação tem uma im­portância singular, considerando-se opiniões bastante pro­paladas no sentido de que Skinner despreza este tipo de problema na construção de sua ciência do comportamento. Por outro lado, vale registrar que este reconhecimento sur­ge a partir de preocupações de ordem epistemológica, mais precisamente, a partir da necessidade de viabilizar um pro­jeto operacionista efetivo para a psicologia.

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• Skinner considera que os eventos privados são eventos físi­cos, embora inacessíveis à observação pública. Ainda assim, considera ser tarefa da psicologia tra tar destes eventos, mesmo que de forma inferencial, a partir da aplicação de termos e princípios já comprovados como eficazes no tra ta­mento de problemas menos complexos.

• A resposta verbal caracterizada como o “emprego de um termo” deve ser objeto de uma análise funcional que de­monstre as circunstâncias em que tal resposta ocorre (ou, que tal termo é empregado) e as conseqüências reforçadoras então providas pela comunidade verbal.

• Quando aquelas circunstâncias consistem de estímulos dis­criminativos privados, deve-se considerar as estratégias através das quais a comunidade infere a ocorrência daquela estimulação privada para reforçar a resposta verbal do in­divíduo. A partir do fato de que essas estratégias têm um alcance limitado, pode-se explicar a dificuldade de um in­divíduo chegar a ter um efetivo repertório verbal descritivo de seus eventos privados.

• Conhecer, para Skinner, é discriminar estímulos. O autoco- nhecimento, então, corresponde a uma discriminação de estímulos gerados pelo próprio indivíduo (autogerados) que se autoconhece, isto é, autoconhecimento é autodiscrimi- nação.

• Algumas vezes, Skinner tra ta do autoconhecimento en­quanto discriminação de comportamentos do próprio indiví­duo. Outras vezes, trata-o como discriminação de estados privados, que podem ser não-comportamentais. Sobre a dis­tinção, não faz nenhum tipo de esclarecimento adicional.

• Um outro problema surge quando Skinner introduz o com­portamento de ver para falar do autoconhecimento. Em al­guns momentos, parece legítimo supor que se refere a este comportamento apenas para exemplificar o problema da discriminação de estímulos. Em outros casos, entretanto, parece conceber o autoconhecimento como um fenômeno de alguma forma relacionada à questão da própria discrimi-

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nação visual. Esta última possibilidade não faz sentido, por exemplo, se se consideram as alternativas para um cego au- toconhecer-se. Mesmo que se justifique a postura de Skinner, supondo que utiliza a visão apenas como exemplo de um sentido que permite o acesso do indivíduo ao ambien­te que o rodeia (e ao seu próprio ambiente interno), dois problemas podem ainda ser levantados. Por um lado, não haveria necessidade de se falar de uma “visão privada não- comportamental” . Por outro (talvez mais importante), o conceito de discriminação de estímulos não exige (como se vê em outras obras do próprio Skinner) nenhum tipo de re­ferência àqueles sentidos, podendo ser empregado simples­mente através do recurso aos princípios do comportamento operante. Por que então, não falar de autoconhecimento simplesmente enquanto discriminação de condições do pró­prio indivíduo, sem recorrer à visão (ou a qualquer outro sentido) para sugerir aspectos intermediárips desta discri­minação?

• A despeito de seu caráter realmente interpretativo, o artigo de Skinner contém elementos suficientes para que algum ti­po de pesquisa sobre o comportamento humano complexo tivesse sido desenvolvida nas últimas quatro décadas. As razões para que isso não tenha ocorrido (ou tenha ocorrido apenas de forma precária) parecem complexas. Por um lado, Skinner não esclarece como pretende conciliar uma postura interpretativa acerca do autoconhecimento (e de outros problemas relativos ao homem) com uma demanda por pes­quisa empírica nessa área. Por outro, uma análise mais adequada deste problema parece requerer a consideração de diversos elementos da epistemologia skinneriana, que é muito mais do que meramente operacionista.

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2 AS PROPOSIÇÕES BEHAVIORISTAS RADICAIS ACERCA DO AUTOCONHE­CIMENTO

". . . a auto-observaçáo pode ser estudada, e deve ser incluída em qualquer abordagem razoavelmente completa do comportamen­to humano. Em vez de ignorar a consciência, uma análise expe­rimental do comportamento humano salientou certos problemas cruciais. A questáo náo é se um homem pode conhecer a si mes­mo, mas o que ele conhece ao assim agir.”(B. F. Skinner, O Mito da Liberdade)

No capítulo anterior, observou-se que Skinner pretende distinguir sua abordagem de outros sistemas comportamen- tais, através da proposição de um tratamento efetivo para pro­blemas relativos à privacidade. Por um lado, assinalou-se que a proposta de Skinner visa superar uma perspectiva mentalista e dualista que persistia nas abordagens (por ele designadas) behavioristas metodológicas. Por outro lado, também se apon­tou o fato de que a alternativa de Skinner para uma superação daquele problema esbarra em algumas dificuldades que preci­sam ser examinadas.

Neste capítulo, procurar-se-á avançar na análise das pro­posições de Skinner para a privacidade, em geral, e para o au­toconhecimento, em particular, recuperando-se as idéias e os problemas anteriormente levantados.

Ao considerar-se os diversos textos em que Skinner trata de problemas relativos aos eventos privados, observa-se um certo tipo de contradição. Há momentos em que este autor procura sugerir uma abordagem efetiva para aqueles eventos, a despeito dos problemas que se colocam no caminho - proble­

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mas estes por ele mesmo apontados. Em outros casos, Skinner assume uma postura bastante distinta, sugerindo que a psico­logia enquanto ciência do comportamento poderia prescindir de um tratam ento efetivo para aqueles eventos. O objetivo deste capítulo será, então, o de apontar e discutir estes dois momentos (tratando dos eventos privados em geral), para que depois se examine como a alternativa de um tratamento efeti­vo para os eventos privados é articulada no âmbito do auto- conhecimento em particular. E, ao final deste capítulo, procu- rar-se-á indicar em que medida estas posições permitem esta­belecer os limites e as possibilidades de um tratamento beha- viorista radical para o autoconhecimento, ao nível das formu­lações teóricas de Skinner.

Embora Terms tenha sido escrito em 1945, muitas das idéias ali contidas repetem-se em obras posteriores de Skinner. Apesar disso, a repetição daquilo que já foi apresentado no capítulo anterior será evitada. Cada tópico deste capítulo será tratado procurando-se acrescentar elementos ao que já foi dis­cutido anteriormente.

2.1 A NATUREZA DOS EVENTOS PRIVADOS

Examinar como Skinner concebe a privacidade implica demarcar em que medida ele sugere que os eventos a ela perti­nentes podem ser efetivamente considerados no contexto de sua psicologia comportamental e em que medida isso deixa de acontecer. Vale esclarecer que a expressão tratamento efetivo será empregada, aqui, não apenas no sentido de uma expli­cação teórica consistente, mas, também, no sentido de um tipo de tratam ento que realmente leve em conta os eventos priva­dos na análise e (proposição de) intervenção em situações onde estes eventos reconhecidamente ocorrem e relacionam-se com outros comportamentos públicos dos indivíduos.

No capítulo anterior, assinalou-se que Skinner toma os eventos privados como físicos, porém inacessíveis à observação pública. Mostra-se necessário, agora, entender que tipo de fenômeno físico é este bem como o status que Skinner lhe

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27atribui na construção de seu sistema teórico e de sua ciência do comportamento.

Em Terms, Skinner indica a possibilidade de que os even­tos privados sejam pensados como comportamentos (por exemplo, ver), ou como estados ou condições internas do orga­nismo (por exemplo, dor). Em textos posteriores (por exemplo, Skinner, 1963/1984c), Skinner deixa bem claro que aquilo que denominava de estados ou condições internas deve ser tomado, mais adequadamente, como estímulos internos (ou seja, como estimulação interoceptiva e proprioceptiva). Isto é, o que ocor­re sob a pele do indivíduo pode ser interpretado em termos de estímulos e comportamentos, os exatos eventos de que se ocu­pa a psicologia operante. Conceber os eventos privados dessa forma justificaria analisá-los de acordo com os princípios com- provadamente eficazes no estudo de fenômenos menos com­plexos. O mais relevante neste esclarecimento, porém, é que ele diferencia a posição de Skinner sobre os eventos internos daquelas abordagens psicológicas que falam em estados inter­nos do organismo, na forma de “condições armazenadas a par­tir da experiência” , ou mesmo “ geneticamente determinadas” . Para Skinner, o interno remete a acontecimentos (comporta­mentos e estimulações privadas) e não a conteúdos ou proces­sos (mentais ou de outra natureza). Por outro lado, ao levar em conta a interação de um organismo com seu ambiente, ao invés de se considerar que as experiências são de alguma forma armazenadas pelo organismo que as vivência, deve-se supor, segundo Skinner, que elas atuam na forma de modelagem e instalação dos repertórios comportamentais do organismo. As­sim, o comportamento é explicado como função da interação do organismo com o ambiente, e não como função de condições in­ternas do tipo experiência armazenada. “Pensar que alguma cópia das contingências é introduzida no organismo para ser usada numa data posterior, é um erro ‘cognitivo’ fundamental. Os organismos não armazenam as contingências filogenéticas e ontogenéticas às quais são expostos; eles são mudados por elas” (Skinner, 1984d, p.656, grifo nosso).

Para ilustrar o problema levantado por Skinner pode-se recorrer ao exemplo da “memória” . Enquanto para algumas

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teorias cognitivas, o indivíduo armazena informações que poderão ser recuperadas em situações futuras, para o behavio- rismo radical, o que ocorre é algo distinto. O organismo, ao interagir com o ambiente, é transformado na forma de mode­lagem e instalação de repertórios comportamentais. Embora Skinner vislumbre este processo de interação de uma forma mais dinâmica, interessa assinalar que dele resultam relações funcionais entre comportamentos e variáveis ambientais. O comportamento de lembrar um nome, nesta perspectiva, pode ser analisado enquanto uma resposta com alguma probabili­dade de ocorrência, probabilidade esta determinada por uma história de reforçamento daquela resposta, na presença de cer­tos estímulos discriminativos. Esse tipo de análise não requer nenhuma suposição da existência de conteúdos mnemónicos. Ao contrário, procura mostrar que suposições como esta ape­nas desviam a atenção do pesquisador de uma análise efetiva do comportamento humano. Isso não significa dizer que Skinner despreze as contribuições da fisiologia e da neurologia no estabelecimento das bases (neuro)fisiológicas do compor­tamento. Ele apenas pondera que, a despeito dos fatos que es­tas disciplinas conseguirem estabelecer, ainda será necessário que uma ciência do comportamento estabeleça os fatos relati­vos ao papel do ambiente externo ao organismo na determi­nação de seus comportamentos.

A postura de Skinner a respeito do problema de condições internas do organismo é fundamental para a coerência e legi­timação de sua psicologia como ciência do comportamento. Não faria sentido que a análise experimental do comportamen­to se ocupasse das relações entre o ambiente e o comportamen­to dos organismos se aceitasse a premissa de que os organismos são dotados de condições internas às quais se atribui o status de determinantes do comportamento. Aceitar a existência des­tes estados seria negar a pertinência de uma análise experi­mental do comportamento. Isto é, o próprio projeto de uma psicologia operante poderia perder sentido. Por outro lado, olhar para os eventos privados como estímulos e comporta­mentos, por mais que ocorrendo a um nível diretamente ina­cessível para a comunidade em geral, significa continuar com

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as relações entre ambiente (seja ele externo ou interno) e com­portamento como o fato que importa no estudo científico das atividades humanas.

Ao considerar os eventos privados como estímulos e com­portamentos, Skinner dá um passo importante para que possa abordá-los no contexto de uma ciência do comportamento. To­davia, um problema surge quando se levanta o fato de que são eventos que não ocorrem de forma pública e que, portanto, não estariam diretamente acessíveis à investigação científica.

Na perspectiva skinneriana, o que caracteriza os eventos privados é exatamente o fato de constituírem uma parte do universo de cada indivíduo à qual só ele próprio tem acesso. Disso resulta que, ao considerar-se que os comportamentos de um indivíduo são função de sua interação com o ambiente, será necessário admitir que uma parte do ambiente se encerra dentro de sua própria pele. Esta situação só é problemática devido às dificuldades de descrição daqueles eventos. Como examinado no capítulo anterior, os repertórios verbais auto- descritivos são instalados a partir de contingências providas pela comunidade verbal e esta, por não ter aoesso direto àque­les eventos, sempre encontrará dificuldades para modelar um repertório com alto grau de precisão. Em outras palavras, é possível caracterizar a privacidade (ou seu aspecto de inacessi­bilidade pública) em termos de uma questão de relativa incog- noscibilidade.

Além das estratégias de que a comunidade verbal dispõe para instalar repertórios verbais auto-descritivos, apresenta­das no capítulo anterior, uma alternativa bastante citada quando se discute o problema acima diz respeito à possibilida­de de certos eventos privados virem a tornar-se públicos. Em alguns momentos, Skinner chega a admitir tal possibilidade. “A linha entre o público e o privado não é fixa. A fronteira se altera com cada descoberta de técnicas para tornar públicos os eventos privados. O comportamento que tenha uma magnitude tão pequena que não possa ser observado poderá ser amplifi­cado. ( . . .) O problema do privativo pode, portanto, ser final­mente resolvido por técnicas avançadas” (Skinner, 1953/1981. p. 271). Não há dúvidas de que, em alguns casos, a possibilidade

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levantada por Skinner pode realmente concretizar-se. Por exemplo, com respeito a um comportamento encoberto, ele su­gere a possibilidade de se ampliar os movimentos dos dedos de surdos-mudos e, como estes falam com os dedos, poderia to r­nar-se possível detectar seus comportamentos verbais enco­bertos. Do mesmo modo, a fisiologia poderá desenvolver um instrumental que permita o registro dos impulsos responsáveis por uma dor qualquer, e assim um estímulo originalmente pri­vado estaria sendo tornado público. De qualquer maneira, Skinner reconhece que esta estratégia teria abrangência limi­tada.

Ainda em 1953, em seguida ao trecho citado acima, Skinner afirma:

“Mas ainda nos defrontamos com eventos que ocorrem no nível privado e que são importantes para o organismo, e não te­mos instrumental para amplificação. Como o organismo reage ante esses eventos permanece uma questão importante, mesmo que algum dia os eventos possam tornar-se acessíveis a todos” (Skinner, 1953/1981, p.271).

Em 1963, Skinner reconhece que os estímulos externos e internos diferem em algo mais do que a localização, mesmo admitindo-se que ambos tenham dimensões físicas. Segundo ele, a situação diz respeito à intimidade, à familiaridade com que o acesso a eles se dá. Por esta razão, mesmo que se consiga registrar alguns eventos privados, não será possível detectar a forma da estimulação única para cada indivíduo.

“Embora se possa dizer que, em algum sentido, duas pes­soas vêem a mesma luz ou ouvem o mesmo som, elas não podem sentir a mesma distensão de um duto biliar ou a mesma dis­tensão muscular. (Quando a privacidade é invadida com instru­mentos científicos, a forma de estimulação é alterada; as escalas lidas pelo cientista não são os eventos privados em si)” (Skinner 1963/1984c, p. 616) (grifo nosso).

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31Gunderson (1984) oferece alguns elementos que facilitam

a compreensão deste aspecto peculiar dos eventos privados. Este autor comenta o texto Behaviorism at Fifty, de Skinner, e discute a existência de dois tipos de privacidade, uma skinne- riana e outra leibniziana. A primeira seria constituída de eventos cuja acessibilidade é uma questão de utilização de técnicas que alterem a fronteira público-privado e Gunderson reconhece que há casos em que isso se aplica. A segunda, cons­titui-se de eventos cognoscíveis apenas para o próprio indiví­duo sob cuja pele ocorrem. Ela tem a ver com o tipo de contato (direto, imediato, não-inferencial) que o indivíduo estabelece com os eventos que ocorrem sob sua pele. Neste caso, a fron­teira público-privado é inalterável. A privacidade leibniziana, então, jamais estará publicamente acessível; ela deriva de uma diferença qualitativa fundamental, em bases epistemológicas, entre asserções psicológicas na primeira e na terceira pessoa. Eventos (mentais, para Gunderson) relativos a esta privaci­dade.

“. . . estão numa categoria epistemologicamente diferente de entidades inobserváveis (teóricas) na ciência, isso não signifi­ca que sejam agraciados por algum status metafísicos especial - uma observação com a qual estou certo de que Skinner concor­daria - mas significa sim que são conhecidos de uma “maneira especial” - uma observação da qual acredito que Skinner discor­daria e discorda. . .” (Gunderson, 1984, p. 629).

Partindo do que foi apresentado acima, é possível dizer que, ao contrário do que pensa Gunderson, Skinner reconhece os aspectos caracterizados como privacidade leibniziana. O próprio Skinner, entretanto, responde a Gunderson e elucida sua posição.

Skinner (1984d) inicia sua resposta declarando que con­corda com muito do que Gunderson diz, e afirmando que a maneira como observa seus eventos privados introspectiva- mente não é a maneira como os neurologistas os observariam se pudessem. Apresenta, contudo, duas observações ao co­mentário. Em primeiro lugar, não utilizaria o termo mental, se

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com isso se quer dizer que os eventos privados são constituídos de um tipo diferente de substância. Em segundo lugar, insiste em que a auto-observação é um comportamento de tipo espe­cial7, de origem largamente social. Skinner admite a peculiari­dade do tipo de contato que o indivíduo estabelece com os eventos que ocorrem sob sua pele, ressaltando, porém, que os comportamentos aí envolvidos, bem como o próprio compor­tamento de observá-los, têm raízes na interação do indivíduo com seu ambiente social. Por outro lado, não discute possíveis implicações epistemológicas de sua postura de reconhecimento de que certos eventos são por natureza privados e não se tor­narão acessíveis com o desenvolvimento tecnológico (invenção de instrumentos científicos). Talvez não discuta essas impli­cações por não dispor, no momento, de uma alternativa para conciliar sua proposta de uma ciência experimental com a su­posição de que alguns eventos relativos ao seu objeto de estudo só podem ser tratados pela comunidade numa perspectiva inferencial. Este é o primeiro de dois problemas a serem apon­tados como não (ou mal) resolvidos na perspectiva de um tra ­tamento efetivo para os eventos privados.

Ao distinguir os eventos entre públicos e privados, conce­bendo o privado em termos de evento inacessível à observação pública direta, Skinner acaba impondo um limite sério a um tratamento efetivo da privacidade, já que sua abordagem enfa­tiza a necessidade de investigação empírica dos fenômenos re­lativos ao comportamento. Os eventos privados, neste caso, não atenderiam a esta exigência, quer dizer, não estariam dis­poníveis publicamente a fim de serem investigados daquela forma (empiricamente). Nesse sentido, se se considera o méto­do experimental empírico como o instrumento através do qual uma ciência do comportamento deve estudar os fenômenos

7 Vale observar que o fato de Skinner considerar a auto-observação como um com­portamento de tipo “especial” não significa que ele esteja atribuindo uma natureza mental (ou de qualquer outro tipo que não seja física) àquele evento. O especial, aqui, provavelmente refere-se ao fato de que a auto-observação é um com­portamento que, embora inacessível à comunidade, só se instala a partir de con­tingências por ela providas.

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33relativos a seu objeto de estudo, distinguir os eventos entre públicos e privados pode significar a permanência de um certo traço dualista na abordagem skinneriana, a despeito do esforço para que este tipo de problema seja superado. Isto é, distinguir os eventos entre públicos e privados, onde o privado é ina­cessível à observação pública direta, implica necessariamente dizer que há eventos diretamente acessíveis à investigação empírica e outros acessíveis (do ponto de vista público) apenas de forma inferencial. E certo que se podem citar estratégias para tornar certos eventos privados publicamente acessíveis. Entretanto, como visto anteriormente, Skinner reconhece que há eventos por natureza (e irremediavelmente) privados.

Apesar de se apontar a persistência de um traço dualista nas análises de Skinner, não parece ser o caso de afirmar que Skinner seja um dualista, como os behavioristas metodológi­cos. No mínimo, por que não há nenhum tipo de dualismo me­tafísico em suas proposições. Em nenhum momento Skinner fala de eventos físicos e eventos mentais ou de outra natureza qualquer. Para ele, todos os eventos têm dimensões físicas - o problema é meramente de acessibilidade pública. O próprio Skinner reconhece aquele traço dualista, mas inteligentemen­te aponta para o fato que não se tra ta de um dualismo (metafí­sico) propriamente dito. Respondendo a um comentário de Heil (1984) sobre seu artigo Behaviorism at Fifty, Skinner afirma que:

“É verdade que falar de um mundo público e de um m un­do privado “leva a uma interpretação dualista”, mas o dualismo é simplesmente aquele entre o público e o privado, não entre o físico e o mental; e a distinção de público e privado é uma dis­tinção de fronteiras, não de natureza” (Skinner, 1984d, p. 658).

Ainda neste capítulo, será retomada a questão da distin­ção público-privado (onde o privado é concebido como inacessí­vel à observação pública direta) e de suas implicações. Por ho­ra, é possível apontar o que pode ser tomado como um segundo problema a ser resolvido na formulação de Skinner sobre os

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34eventos privados. Trata-se da questão da topografia dos com­portamentos privados.

Um problema que Skinner não chega a abordar quando propõe que os eventos privados sejam analisados em termos de estímulos e comportamentos encobertos é o da topografia dos últimos. Isto é, embora afirme que os comportamentos priva­dos têm dimensões físicas não aponta nenhum indicador de sua topografia a partir de cujo relato se possa inferir o contato do próprio indivíduo com estes eventos. Skinner afirma que um indivíduo estabelece contato direto (não inferencial) com os eventos que lhe ocorrem de forma privada. Se assim acon­tece, e se estes eventos têm dimensões físicas, os indivíduos deveriam, em alguns momentos, ser capazes de relatar a topo­grafia de seus comportamentos privados (por exemplo, quando dispusessem de um repertório verbal adequado e/ou quando fossem capazes de uma auto-descrição das contingências). Mas os indicadores daquela topografia nunca foram especificados por Skinner.

Nos exemplos examinados, temos sempre um relato do ti­po “ eu vi uma cadeira” . Este tipo de relato talvez pudesse ser considerado suficiente para descrever um comportamento, se se tratasse de um comportamento público. Um relato do tipo “ eu chutei uma bola” parece ser suficiente para descrever o comportamento porque se trata de um operante verbal insta­lado a partir de contingências relativamente precisas da co­munidade verbal. Ele pode ter sido instalado, por exemplo, contingentemente a um certo tipo de movimento da perna em direção a uma bola, ou contingentemente ao contato do pé com uma bola, com uma certa força. Dizer “ eu chutei uma bola” , então, pode tornar-se suficiente para informar à comunidade verbal acerca da topografia de um comportamento. O mesmo não pode ser dito com respeito a um relato do tipo “eu vi uma cadeira” . O que este relato informa sobre a topografia do ver? O máximo que se poderia dizer é que, em última instância, esta resposta foi instalada a partir de contingências também provi­das pela comunidade verbal. Mas, neste caso, sendo o compor­tamento privado, sabe-se que as contingências providas pela comunidade verbal não foram baseadas na observação do com­portamento e sim na inferência de sua ocorrência. Nessa pers­

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pectiva, pode-se dizer que o relato de um indivíduo apenas em termos da ocorrência de um comportamento privado não é su­ficiente para que se afirme que o indivíduo relatou a topogra­fia daquele comportamento.

Apesar dos dois problemas apontados (onde o segundo, o da topografia, é, na verdade, uma derivação do primeiro, o da inacessibilidade pública do evento privado) na formulação skinneriana dos eventos privados, é possível acrescentar al­guns elementos que representam a tentativa de Skinner de lidar efetivamente com a questão da privacidade. Estes ele­mentos são caracterizados por exemplos de análise de compor­tamentos humanos complexos.

Há vários momentos em que Skinner procura analisar si­tuações que envolvem comportamentos humanos complexos. Em alguns casos, refere-se ao papel dos eventos privados pos­sivelmente envolvidos no fenômeno em questão. Dois destes momentos serão examinados, em obras relativas à resolução de problemas e ao ensino. O primeiro deles é encontrado no texto que tra ta da resolução de problemas, denominado An Operant Analysis ofProblem Solving (Skinner, 1966/1984e).

Skinner caracteriza um problema como uma situação na qual uma resposta capaz de produzir um reforço não pode ser emitida. Resolver um problema, neste sentido, significa alterar o ambiente a fim de que aquela resposta (que proporciona o acesso ao reforço) possa ocorrer. Esta mudança no ambiente geralmente ocorre na forma de construção de estímulos dis­criminativos que propiciem a ocorrência da resposta que leva à obtenção do reforço. Assim, uma análise do comportamento de resolver problemas inclui a consideração do comportamento de construir estímulos discriminativos aos quais outros compor­tamentos estariam funcionalmente relacionados8.

8 Um exame minucioso das formulações de Skinner sobre “ resolução de problem as” e da relação entre este assunto e a questão da privacidade foi desenvolvido por Mo­roz (1991).

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36Muitas vezes, o estímulo discriminativo é construído na

forma verbal. Skinner ressalta que este tipo de estímulo dis­criminativo é muito mais facilmente construído e tem valores adicionais. O indivíduo pode recordar facilmente a resposta, bem como pode executá-la em qualquer lugar. Além disso, tra ­ta-se de um estímulo discriminativo que pode ser facilmente colocado à disposição de outros membros de uma comunidade. Esse tipo de estímulo discriminativo (verbal) para a resolução de problemas caracteriza o que se denomina de uma regra9. Isto é, uma regra pode constituir-se num importante estímulo discriminativo para a resolução de um problema e pode ser fa­cilmente colocada à disposição de outras pessoas. E importante notar, no entanto, que, da mesma forma que a construção de uma regra não garante a obtenção de um reforço disponível em dada situação, a construção de um estímulo discriminativo qualquer não garante a obtenção do reforço disponível na si­tuação problema. E, dessa forma, não é aquele reforço final (que se segue ao que podemos denominar de resposta con- sumatória) que controla diretamente o comportamento de construir estímulos discriminativos (que é um comportamento antecedente à resposta consumatória).

Skinner faz uma distinção entre o comportamento de re­solver um problema e a solução do problema propriamente dita. A solução é a resposta capaz de produzir o reforço na si­tuação e o comportamento de resolver o problema é a resposta que produz um estímulo discrimifíativo que propiciará a ocorrência da solução, isto é, o comportamento de resolver um problema não é a solução em si, no sentido de que não é este o comportamento que produzirá o reforço final. Embora apenas o comportamento de resolver problemas esteja sendo discutido, esta distinção (entre resolução e solução) é importante pelo fa­to de que leva a indagar sobre as conseqüências responsáveis pela ocorrência de cada resposta. Skinner esclarece que a

9 Ainda neste capítulo será exam inada com mais detalhes a questão do controle do com portam ento por regras. Por ora, basta esclarecer que um a regra pode ser to ­m ada como um estím ulo verbal que descreve as contingências de reforçam ento p re­sentes num a dada situação.

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solução está sob controle do reforço que ela produz na si­tuação. Quanto ao comportamento de resolver o problema, ou de criar um estímulo discriminativo que propicie a ocorrência da solução, este encontra-se sob o controle da ocorrência da so­lução. Aqui, Skinner utiliza, então, o conceito de comporta­mento precorrente para referir-se ao comportamento de criar estímulos discriminativos que propiciem a ocorrência da so­lução de um problema. Isto é, o comportamento de resolver um problema é reforçado pela ocorrência de um outro comporta­mento (a solução). A constatação de que há comportamentos que são reforçados pela ocorrência de outros comportamen­tos tem especial importância quando se discutem aspectos do comportamento de resolver problemas (de construir estímulos discriminativos) que se relacionam com a questão da privaci­dade.

Considere-se apenas a construção de estímulos discrimi­nativos verbais, ou seja, a construção de regras que propiciem a ocorrência da solução de um problema. Há casos em que o auto-conhecimento pode ser necessário para a construção de regras que estarão envolvidas no processo de determinação dos comportamentos futuros dos indivíduos. No contexto da so­lução de problemas, pode ocorrer uma situação na qual a regra necessária para o surgimento da solução de um problema seja um tipo de regra derivada do auto-conhecimento (isto é, que tem a ver com o comportamento do próprio indivíduo). Dessa forma, pode-se dizer que há problemas cuja resolução depende do autoconhecimento. Por outro lado, independentemente da questão do autoconhecimento, uma regra pode estar relacio­nada com a questão da privacidade no sentido de que ela pode ser construída de forma encoberta. Isto é, o processo de cons­trução de uma regra pode não ocorrer de forma pública. Um indivíduo pode analisar contingências, a fim de derivar uma regra, de forma encoberta. Por mais que verbalize a regra e ainda que o comportamento solucionador do problema seja público, a comunidade não terá tido acesso ao processo de pro­dução daquela regra.

Skinner insiste em que a resolução de um problema é um evento comportamental. Procura analisar a questão em termos

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38dos princípios da psicologia operante, inclusive quando envol­ve eventos privados. Todavia, com respeito à questão de como um indivíduo produz estímulos discriminativos, acaba conside- rando-a secundária para a própria análise do comportamento.

“Os vários tipos de atividade que provêm o aparecimento de uma solução são todos formas de comportamento: o curso se­guido ao mover-se em direçáo a uma solução, contudo, não refle­te necessariamente um processo comportamental importante.Do mesmo jeito que há quase tantas curvas de aprendizagem quanto [o número de] coisas a serem aprendidas, assim também há quase tantas ‘curvas de resolução de problemas’ quanto [o número dei problemas. A lógica, a matemática e a ciência são disciplinas que se ocupam das maneiras de resolver problemas, e as histórias destes campos registram maneiras pelas quais pro­blemas particulares têm sido resolvidos. Por mais fascinante que isso possa ser, não é uma fonte primária de dados sobre o com­portamento” . (Skinner, 1966/1984e, pp. 586-587)

Duas considerações podem ser feitas com respeito à pos­tura de Skinner diante da resolução de problemas. Por um la­do, o aspecto mais diretamente relacionado à privacidade (a questão de produção de regras) não é abordado como relevante para o tratamento do fenômeno em questão. Como aquele ar­tigo está mais voltado para um esclarecimento da distinção en­tre comportamentos governados por regras e comportamentos modelados por contingências, procurando demonstrar o papel das regras na resolução de problemas, é possível que Skinner esteja apenas afirmando a particularidade de cada estratégia diferente para a resolução de problemas, concentrando-se na demonstração de uma possível aplicação dos princípios gerais da análise do comportamento para o tratamento da questão. Em continuação ao texto citado acima, afirma Skinner:

10 Neste caso, Skinner evita o problema da topografia do com portam ento privado, supondo que este tipo de especificação não é necessário para que se lide com a questão da resolução de problemas.

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39“As estratégias e as instâncias nas quais as estratégias te­

nham sido efetivamente usadas têm o mesmo status, indepen­dentemente de um problema ser resolvido por um indivíduo, um grupo, ou uma máquina. Do mesmo jeito que não nos voltamos para a maneira pela qual uma máquina resolve um problema, para descobrir os princípios elétricos, mecânicos, ópticos ou quí­micos |com base] nos quais é construída, assim também não de­veríamos nos voltar para a maneira pela qual um indivíduo ou um grupo resolve um problema, para [obtermos] dados úteis no estudo do comportamento individual, de comunicação, ou de ação coordenada. Isso não significa que não possamos estudar o comportamento do indivíduo, do grupo, ou da máquina, a fim de descobrir melhores maneiras de resolver problemas ou de reve­lar os limites do tipo de estratégia que pode ser empregada, ou dos tipos de problemas que podem ser resolvidos” (Skinner, 1966/1984e, p. 587).

Independentemente do status que Skinner atribua às es­tratégias de resolução de problemas, uma segunda consideração merece ser feita. Dado o fato de que estas estratégias podem constituir-se de comportamentos encobertos e que o compor­tamento de resolver um problema é um comportamento pre- corrente, pode-se afirmar a possibilidade de ocorrência de um comportamento privado como antecedente (encadeado) do comportamento solucionador de um problema. Isto é, a análise de Skinner permite supor um comportamento privado como membro de uma cadeia de respostas que constitua a resolução de um problema.

Passando, agora, ao texto sobre o ensino, denominado Tecnologia do Ensino (Skinner, 1968/1972) encontra-se com maior nitidez a posição de Skinner acerca do papel da privaci­dade na resolução de problemas.

Para Skinner, é fundamental que a escola (ou qualquer instituição responsável pelo ensino) tenha clareza dos compor­tamentos a serem modelados nos repertórios dos alunos e pro­cure fazê-lo dispondo dos princípios de uma análise operante. Segundo ele, muitas vezes espera-se que o aluno seja capaz de executar certas tarefas (de emitir certos comportamentos) simplesmente como função de um pensamento criativo. Por um lado, se o comportamento criativo é um comportamento a ser

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40ensinado, dever-se-iam buscar as variáveis das quais é função e ensiná-lo diretamente, e não simplesmente esperá-lo emergir. Por outro, é necessário que se ensinem outros comportamen­tos importantes de forma direta, ao invés de esperá-los emergir como função de um comportamento criativo ou de outro su­posto evento qualquer. Quando isso não é respeitado, o papel da escola passa a ser não o de ensinar, mas o de selecionar alunos que aprenderam aqueles comportamentos sem serem ensinados na escola (possivelmente tendo sido ensinados em outros ambientes). Ao desenvolver este tipo de análise, Skinner é levado, então, a discutir algumas questões relativas à privacidade que podem estar envolvidas no aprendizado es­colar.

Em vários momentos do texto em exame, Skinner ressalta a importância do que chama, aqui, autogoverno intelectual - que inclui a possibilidade de um indivíduo gerar não só estímu­los discriminativos para o seu comportamento subseqüente, como também reforços. O fenômeno é fundamental, por exem­plo, para ensinar-se um aluno a estudar. “ Ensinar um aluno a estudar é ensinar-lhe técnicas de autogoverno, que aumentem a probabilidade de que o que foi visto ou ouvido seja lembra­do” (Skinner, 1968/1972, p. 122). Ele pode ser importante, também, para a motivação do aluno, desde que a escola dispo- nha-se a analisar os comportamentos envolvidos e procure en­siná-los aos alunos. “A educação nunca ensinou efetivamente o autogoverno da motivação. Raramente tentou. Mas as técni­cas se mostram disponíveis tão logo o problema seja entendi­do” (1968/1972, p. 158). E interessante notar que, por várias vezes neste texto, Skinner refere-se a uma tecnologia que se aproveite do controle que o próprio aluno pode exercer sobre seu comportamento, sugerindo que os educadores ensinem es­tes comportamentos de autocontrole aos alunos.

Muitos tipos de autogoverno, segundo Skinner, relacio­nam-se com o pensar enquanto comportamento preliminar que altera o ambiente a fim de que a solução de um problema (ou resposta consumatória, como a define no texto) possa ocor­rer. Pode-se exemplificar a postura de Skinner com o tipo de autogoverno intelectual (relacionado ao pensar) denominado

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atentar. “Atentar para algo como forma de autogoverno é res­ponder a algo de modo que o comportamento subseqüente ten­da a ser reforçado” (Skinner, 1968/1972, p. 115).

Tomando-se o comportamento de atentar como um com­portamento preliminar (ou precorrente) num processo de reso­lução de problema, seria necessário esclarecer a topografia11 deste comportamento, bem como a possibilidade de ensiná-lo, isto é, de criar contingências que propiciem sua ocorrência.

Atentar é responder seletivamente a certos aspectos de um dado ambiente. E

“o aluno pode ser induzido a agir seletivamente diante de carac­terísticas especiais do ambiente, arraryando contingências de reforço. Em geral, pode ser-lhe ensinado que “vale a pena” res­ponder a alguns aspectos do ambiente. O processo central é dis­criminação e a instrução consiste em simplesmente arranjar as contingências apropriadas” (Skinner, 1968/1972, p.115).

Pode-se dizer, então, que atentar é um comportamento (privado) discriminativo de eventos do ambiente, cujo ensino pode ser alcançado através de um arranjo adequado de con­tingências de reforço. Em alguns casos, os reforços são dispos­tos contingentemente ao comportamento consumatório (ao comportamento subseqüente que caracteriza a solução do pro­blema). Mas o próprio Skinner argumenta sobre a necessidade de que o comportamento preliminar seja ensinado diretamen­te, e não só através do reforçamento de outro comportamento que o siga: “ . . . muito da delicada arte de ver e ouvir não pode ser ensinado com só reforçar o aluno quando responde de ma­neira a mostrar que viu ou ouviu cuidadosamente” (Skinner, 1968/1972, p.116).

Note-se que o comportamento de atentar é classificado como discriminativo, mas sua topografia não é esclarecida por Skinner. Ainda assim, Skinner defende que este comporta­

11 Note-se, aqui, novamente, o problema da topografia do com portam ento privado.

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mento seja ensinado de forma direta. Resta saber, então, como ensiná-lo diretamente, quando isso se faz necessário.

“As dimensões últimas do comportamento encoberto não sáo aqui de interesse, além do requisito de que o comportamento seja auto-estimulante. A questáo principal é a acessibilidade pa­ra contingências instrutivas. Quando ensinamos simplesmente pelo reforço dos resultados bem sucedidos [das respostas consu- matórias], não importa se o comportamento preliminar seja pri­vado ou público, mas na instrução direta a questão não pode ser afastada.

A solução é simplesmente ensinar o comportamento ao ní­vel descoberto. Embora uma criança possa eventualmente falar consigo mesma silenciosamente, foi ensinada a falar reforçan­do-se diferencialmente o comportamento audível. (. . . ) tanto quanto sabemos, não há nenhuma espécie de pensar que deva necessariamente ser encoberta” (Skinner, 1968/1972, p. 117-118).

Embora nesta citação Skinner conclua referindo-se ape­nas ao pensar, há outros trechos em que afirma que nada é aprendido encobertamente que não tenha sido, antes, aprendi­do de forma aberta. Em outras palavras, Skinner resolve o problema do acesso a certos comportamentos privados postu­lando sua ocorrência na forma pública através do arranjo de contingências adequadas12.

As colocações acima, enquanto exemplos da possibilidade de um tratam ento compatível com a psicologia operante para problemas que envolvem comportamentos humanos comple­xos, permitem acrescentar alguns elementos à presente análi­se. Ao tra ta r da resolução de problemas, Skinner oferece um exemplo claro de comportamento humano que pode implicar autogoverno intelectual (ou autogerenciamento) - em outras

12 N este caso, a soluçáo encontrada por Skinner p ara o problem a da topografia do com portam ento privado é supor que este é aprendido de form a pública e que pode ocorrer dessa form a sem pre que contingências adequadas forem providas. R esta­ria saber, pelo menos, em que medida este princípio se aplicaria a todos os com­portam entos privados.

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palavras, que pode implicar comportamentos encobertos, inclusive relacionados ao autoconhecimento (se o problema envolver aspectos relativos ao comportamento do próprio in­divíduo). Além disso, Skinner enfrenta o problema da privaci­dade - ou da acessibilidade - supondo que os comportamentos envolvidos possam ser tornados públicos através de contin­gências adequadas. Ainda que não postule isso para todos os eventos privados, trata-se de um passo importante falar de possíveis estratégias para que os elementos privados envolvi­dos em problemas humanos complexos sejam tratados de uma forma direta pela ciência do comportamento. Se, aqui, Skinner não elimina todos os problemas enfrentados pela análise do comportamento no tratamento da privacidade, pelo menos in­dica um reconhecimento de que estes problemas devem ser efe­tivamente enfrentados.

As informações apresentadas até aqui caracterizam o que pode ser considerado como a tentativa de Skinner de prover uma análise efetiva para os eventos privados. Nessa linha, ob­serva-se que Skinner concebe aqueles eventos na forma de estímulos e comportamentos privados, que há momentos em que sugere a importância daqueles eventos e que chega a bus­car estratégias para que certos comportamentos privados possam ser ensinados de uma forma direta. Os problemas que persistem como não resolvidos, no âmbito das análises de Skinner, são aqueles relativos à permanência de um traço dua­lista na distinção dos eventos entre públicos e privados e à to­pografia dos comportamentos privados.

Há outras considerações de Skinner, acerca dos proble­mas relativos à privacidade, que parecem sugerir uma alterna­tiva distinta da que foi examinada acima - mais precisamente apontam contra a alternativa de tra tar efetivamente daqueles problemas. Esta segunda alternativa de Skinner está bastante articulada com a concepção dos eventos privados enquanto mediadores das relações entre ambiente e comportamento pú­blico.

Um problema que sempre emerge quando se discutem as possíveis relações entre eventos privados e comportamentos públicos diz respeito à idéia de mediação (por parte do evento

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privado) entre os eventos do ambiente e o comportamento. Embora introduza alguns elementos também problemáticos em sua análise desta questão, Skinner critica a prática menta- lista de enfatizar possíveis entrepostos mentais envolvidos na determinação do comportamento.

“Em uma análise experimental, a relaçáo entre uma pro­priedade do comportamento e uma operação executada sobre o organismo é estudada diretamente. As formulações mentalistas tradicionais, contudo, enfatizam certos entrepostos. Onde uma análise experimental examinaria o efeito da puniçáo no compor­tamento, uma psicologia mentalista estará primeiro preocupada com o efeito da puniçáo na geraçáo de sentimentos de ansiedade e entáo com o efeito da ansiedade no comportamento. O estado mental parece estender uma ponte sobre a lacuna entre as va­riáveis dependente e independente, e uma interpretação menta­lista é particularm ente atrativa quando estas [variáveis] estáo separadas por longos períodos de tempo - quando, por exemplo, a puniçáo ocorre na infância e o efeito aparece no comportamen­to do adulto” (Skinner, 1963/1984c, p.620).

Afora a compreensão da crítica de Skinner aos mentalis­tas, uma primeira questão que o trecho acima suscita é se cabe concluir que Skinner admite a existência do entreposto men­tal, mas o despreza na busca de relações diretas entre ambien­te e comportamento, ou se, além de admitir sua existência, pretende levá-lo em conta ao analisar o comportamento13. Tra- ta-se de uma questão bastante complexa, até pela (aparente) ambigüidade com que este autor examina o problema em dife­rentes obras. Nos parágrafos acima, apontou-se que Skinner,

13 Observe-se, en tre tan to , que há um a diferença significativa en tre as noções de “ entrepostos m en ta is” e “ eventos in te rn o s” . Os prim eiros usualm ente rem etem a “ estados em ocionais” supostam ente determ inantes do com portam ento. Os se­gundos, como examinado, a com portam entos e estim ulação privada. A questáo talvez fique m elhor colocada nos seguintes term os: Sk inner sim plesm ente despre­za a privacidade (seja ela pensada enquanto “ en trepostos m en tais” ou náo) e se volta apenas p ara eventos públicos, ou reelabora a noção de privacidade e in tro ­duz em sua ciência os eventos a ela relacionados?

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45ao tra ta r de eventos como a resolução de problemas, analisa determinados comportamentos privados enquanto envolvidos em processos comportamentais mais complexos, recorrendo in­clusive à idéia de encadeamento de respostas (onde algumas respostas são privadas). De uma certa forma, porém, e a des­peito da ênfase com que Skinner afirma ser tarefa da psicolo­gia tra ta r da privacidade, parece justificado afirmar que, em alguns momentos, a proposta Skinneriana é realmente a de desprezar o que ocorre de forma privada, em favor da busca de relações diretas entre o ambiente e o comportamento público. Nessas ocasiões, Skinner não insiste em sua própria formulação da privacidade; ele freqüentemente cita concepções mentalis- tas acerca da interioridade humana e, a partir delas, argumen­ta a favor da tese de que uma ciência do comportamento deve lidar apenas com eventos públicos.

Em 1953, em seu Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1981), Skinner já discutia demoradamente o problema relativo ao elo 2 (supondo-se uma seqüência causal do tipo ambiente-eventos privados-comportamento). Após afirmar que “ o hábito de buscar dentro do organismo uma ex­plicação do comportamento tende a obscurecer as variáveis [ambientais] que estão ao alcance de uma análise científica” (1953/1981, p.41-42) e assinalar que o “segundo elo é inútil para o controle do comportamento, a menos que possamos manipulá-lo” (1953/1981, p.44), Skinner apresenta um discur­so de reconhecimento da vida privada, mas propõe a busca de relações diretas entre ambiente e comportamento.

“A objeção aos estados interiores não é a de que eles não existem, mas a de que não são relevantes para uma análise fun­cional. Não é possível dar conta do comportamento de nenhum sistema enquanto permanecemos dentro dele; finalmente será preciso buscar forças que operam sobre o organismo agindo de fora. A menos que haja um ponto fraco no encadeamento causal de modo que o segundo elo não seja ordenadamente determinado pelo primeiro ou o terceiro pelo segundo, o primeiro e o terceiro elos devem ser ordenadamente relacionados. Se nos obrigarmos sempre a retroceder além do segundo elo para previsão e contro­le, evitar-se-áo muitas digressões enfadonhas e exaustivas, exa­

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minando-se o terceiro elo como função do primeiro. Informações válidas a respeito do segundo elo poderão esclarecer esta relação, mas não podem alterá-la” (Skinner, 1953/1981, p.45) (grifo nos­so)14.

Em 1963, Skinner volta ao problema do segundo elo15, apresentando duas razões para não incluí-lo em uma ciência do comportamento. Por um lado, a referência àquela instância tende a interromper uma análise da cadeia causal completa. Is­to é, tende-se a considerar o evento privado apenas como função de uma condição ambiental qualquer (sem especificação do comportamento que justifica a inferência de sua existência) ou como a causa do comportamento (sem especificação da va­riável ambiental que determina sua existência). Por outro la­do, ocupar-se com o elo 2 pode corresponder a sobrecarregar uma ciência do comportamento com todos os problemas advin­dos das limitações e incorreções dos repertórios auto-descriti- vos. Assim, “nós não precisamos tomar a posição extrema de que os eventos mediadores ou quaisquer dados sobre eles, ob­tidos através da introspecção, devam ser excluídos da conside­ração, mas devemos certamente dar as boas-vindas a outras maneiras de tra ta r dos dados mais satisfatoriamente” (Skin­ner, 1963/1984c, p.621).

14 No trecho desta citação, Skinner vem falando de “ estados in te rio res” em term os de bases fisiológicas do com portam ento. Todavia, sugere que estes estados podem ser do tipo “ m en ta l” ; por exemplo, “ tem er” ou “ su sp e ita r” . E, neste último caso, lim ita-se a dizer que suas afirm ações an teriores continuam válidas, sendo que agora seria necessário considerar ou tras variáveis. Adiante, neste mesmo texto, sugere que o leitor náo precisa ler a seção sobre eventos privados, caso seus in te ­resses sejam essencialm ente práticos (leia-se previsão e controle).

15 N este artigo, Skinner t r a ta explicitam ente dos eventos considerados “ m entais” . A única observação, aqui, é que Skinner critica a postulação de estados m entais como expectativas, cognição, percepção, etc. Mas o que dizer de eventos que ele mesmo postula na form a de com portam entos privados? As dificuldades seriam as mesmas, ainda que se suponha que estes eventos têm dim ensões físicas.

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47Diversas restrições podem ser feitas a estas colocações de

Skinner. Por exemplo, se forem consideradas como a visão behaviorista radical sobre os entrepostos mentais, cabe rever seriamente as críticas que Skinner formula ao behaviorismo metodológico, colocando em discussão novamente os aspectos que distinguem estes dois “behaviorismos” . De qualquer ma­neira, antes que se afirme que Skinner critica o behaviorismo metodológico, mas comete alguns de seus mesmos erros, deve- se considerar que o fundamental é discutir a própria necessi­dade de Skinner oferecer aquele tipo de tratamento para os eventos privados. No próprio Behaviorism at Fifty (Skinner, 1963/1984c), ao discutir uma posição mentalista que supõe mecanismos de interação entre estados mentais que alteram as relações entre ambiente e comportamento, Skinner já anuncia um outro tipo de alternativa behaviorista para tratam ento do problema.

“Em muitos casos, podemos reconstruir uma cadeia causal completa, identificando o estado mental que é o efeito de uma variável ambiental com o estado mental que é a causa da ação.Mas nem sempre isso é suficiente. Nas filosofias mentalistas tra ­dicionais, várias coisas acontecem no entreposto [mental] que al­teram a relaçáo entre os eventos terminais. (. . . ) Uma vez que o estado mental é alcançado, diz-se que outros efeitos ocorrem. Os estados mentais se alteram um ao outro. Uma memória dolorosa pode nunca afetar o comportamento, ou pode afetá-lo de uma maneira inesperada se um outro estado mental consegue repri­mi-la. ( . . . ) Estes distúrbios em ligações causais simples entre ambiente e comportamento podem ser formulados e estudados experimentalmente como interações entre variáveis, mas a possibilidade não foi plenamente explorada, e os efeitos ainda fornecem uma fortaleza formidável para as teorias mentalistas, concebidas para fazer a ponte na lacuna entre variáveis depen­dente e independente na análise do comportamento” (p.621)(grifo nosso).

Mais adiante, no mesmo artigo, Skinner deixa claro que o problema não é de interação entre estados mentais e sim de produção, por parte do próprio indivíduo, de variáveis que pas­sam a relacionar-se funcionalmente com o comportamento. “ Certos comportamentos envolvidos no autogerenciamento,

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48tal como rever uma história de punição, podem alterar o com­portamento, mas fazem-no introduzindo outras variáveis, ao invés de mudar uma dada relação” (p.621).

Os diversos aspectos da concepção skinneriana da priva­cidade examinados até aqui podem ser sumarizados em três pontos principais:- Uma análise das proposições de Skinner sobre os eventos

privados aponta para dois tipos de discurso. Em alguns ca­sos, Skinner discute problemas importantes acerca da natu­reza daqueles eventos, bem como suas possíveis relações com comportamentos públicos aos quais a comunidade tem acesso direto. Nesta perspectiva, Skinner chega a reconhe­cer a importância dos comportamentos que ocorrem no nível encoberto e insiste na busca de alternativas para que alguns destes comportamentos possam ser diretamente ensinados aos indivíduos.

- Em outros momentos, Skinner sugere que não seria tão re­levante a preocupação em lidar-se efetivamente com os eventos privados, com o argumento básico de que se pode prever e controlar os comportamentos (públicos) dos indiví­duos sem necessidade de conhecimento dos eventos que ocorrem sob sua pele (e sem a necessidade de enfrentar as dificuldades advindas da natureza privada daqueles even­tos). Em suma, quando se trata de partir do critério de pre­visão e controle do comportamento público, Skinner é claro ao negar a necessidade de que se lide efetivamente com os eventos privados.

- Por último, independentemente da contradição marcada pe­las duas posições acima citadas, resta um problema não re­solvido por Skinner ao tra tar da privacidade. Trata-se do traço dualista que permanece com a distinção dos eventos entre públicos e privados, sendo o privado concebido en­quanto um evento inacessível à observação pública direta. Este problema reflete-se na formulação dos eventos priva­dos enquanto eventos físicos, sem qualquer indicação de como verificar a suposta natureza física. Ele fica bastante

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49evidente quando se indaga a respeito de indicadores da to­pografia de um comportamento privado e não se encontra resposta nas proposições de Skinner16.

2.2 O AUTOCONHECIMENTO

Das duas alternativas que emergem das colocações de Skinner acerca da privacidade, apenas uma deverá ser analisa­da nesta seção - a de um tratam ento efetivo para o autoco- nhecimento. A segunda alternativa significaria simplesmente descartar a necessidade desse tratamento para lidar com a previsão e controle do comportamento público. Assim, esta seção será iniciada com um exame das propostas de Skinner no sentido de um tratamento efetivo para o autoconhecimento. E como o autoconhecimento é freqüentemente discutido no con­texto de uma análise das possibilidades de autocontrole, cabe examinar, também, momentos em que Skinner relaciona os dois tipos de comportamento.

Considerando-se que, para Skinner, os eventos privados constituem-se de estímulos e respostas, autoconhecer-se signi­fica exatamente discriminar estímulos e respostas encobertas. Convém, portanto, iniciar esclarecendo alguns aspectos impor­tantes daquilo que Skinner denomina discriminação de estí­mulos.

Considere-se, primeiro, o conceito de comportamento ope­rante. Este conceito foi introduzido por Skinner para caracte­rizar um certo tipo de comportamento que se distingue do que é conhecido como reflexo, ou comportamento respondente. O aspecto fundamental do reflexo é que ele se constitui de um comportamento cuja ocorrência está sob controle de uma

16 Skinner pode argum entar que aquele traço dualista expressa sim plesm ente um a distinção de fronteiras, ou de acesso. E sta, contudo, é uma distinção relevante no contexto de um a ciência empírica. Q uanto à questão da topografia, o problem a talvez resida não propriam ente na falta de descrições topográficas, mas no fisica- lismo que caracteriza a visão m onista de homem que Skinner procura elaborar.

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variável que o antecede e o elicia. O conceito de operante, ao contrário, refere-se a comportamentos (ou, classes de respos­tas) que operam sobre o ambiente produzindo determinadas conseqüências. Assim, um comportamento operante é um com­portamento emitido (em contraste com o respondente, que é eliciado), e sua probabilidade de ocorrência é funçáo não dos eventos que o antecedem, mas das conseqüências que produz. Por esta razão, “ o condicionamento operante pode ser descrito sem menção a qualquer estímulo que aja antes de ser efetuada a resposta” (Skinner, 1953/1981, p.112). As conseqüências de um comportamento operante podem retroagir sobre o organis­mo aumentando a probabilidade de ocorrência futura deste comportamento. E através dos diversos esquemas de reforça- mento, então, que grande parte dos repertórios comportamen- tais são instalados.

Embora a probabilidade de ocorrência de um compor­tamento operante possa ser formulada a partir das con­seqüências que produz, Skinner atenta para o fato de que um organismo está permanentemente em contato com uma varie­dade de estímulos ambientais. Por essa razão, muitas vezes, um comportamento operante adquire uma conexão importante com um estímulo que o antecede. Neste caso, a relação fun­cional entre um estímulo antecedente e o operante que o segue é a de estabelecimento da ocasião em que a resposta operante será reforçada. Skinner ressalta a importância do tipo de conexão que se estabelece entre uma resposta operante e o estímulo discriminativo que a antecede e adquire controle so­bre ela.

“O comportamento operante quase necessariamente vem a ficar sob este tipo de controle por estímulos, pois sáo poucas as respostas reforçadas automaticamente pelo próprio organismo sem relação às circunstâncias externas. O reforço encontrado pe­lo ajustamento a um dado ambiente quase sempre requer o tipo de contato físico que nós chamamos estimulação. O controle ambiente tem uma significação biológica óbvia. Se todos os com­portamentos tivessem a mesma probabilidade de ocorrência em todas as ocasiões, o resultado seria caótico. A vantagem de que uma resposta só ocorra quando tem certa probabilidade de ser reforçada é evidente” (Skinner, 1953/1981, p. 113).

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A partir desta formulação de Skinner, pode-se dizer que sempre que um indivíduo emite uma resposta operante, está comportando-se discriminativamente para com algum aspecto de seu ambiente. Isto é, todo operante contém um elemento discriminativo (que sinaliza a disponibilidade do reforço). A autodiscriminação, nesse sentido, significa emitir uma respos­ta operante cujo estímulo discriminativo é um evento interno.

Quando se fala de discriminação de estímulos, assim como quando se fala de qualquer operante, é necessário ter claro que Skinner emprega estes termos para tra tar de relações funcio­nais, e não de ações do organismo. Recuperando-se o que foi discutido na seção anterior deste capítulo, a respeito do fato de que um organismo não armazena suas experiências, mas é al­terado por elas, observa-se que a discriminação de estímulos deve ser entendida enquanto uma condição de controle do comportamento por certos estímulos, devido à história de interação do organismo com o ambiente. Isto é, o elemento dis­criminativo de um operante não é um comportamento do or­ganismo (neste sentido, dizer que um indivíduo discrimina a ocasião em que certo comportamento será reforçado, acaba sendo uma expressão problemática). Ele meramente especifica um processo de condicionamento de um operante.

No início deste texto, afirmou-se que, para o behavioris- mo radical, conhecimento é discriminação de estímulos e, por­tanto, autoconhecimento é autodiscriminação. Isso significa dizer que falar de autoconhecimento implica referir-se a um comportamento encoberto sob controle de variáveis também internas do próprio organismo. Um primeiro problema que surge desta constatação diz respeito exatamente à natureza do comportamento autodiscriminativo. As colocações de Skinner sugerem que todo comportamento operante implica, em certa medida, uma discriminação de estímulos. Desse modo, todo operante cujo estímulo discriminativo ocorre de forma privada ao indivíduo pode ser tomado como envolvendo uma auto-dis- criminação. Poder-se-ia indagar, então, o que caracteriza o operante autodiscriminativo que Skinner denomina autoco­nhecimento. Uma resposta a este problema parece requerer que se considere o papel do comportamento verbal na insta­lação de repertórios autodiscriminativos.

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Skinner aponta dois fatos que justificam a relevância do comportamento verbal na instalação de repertórios autodis- criminativos. Por um lado, o indivíduo só se engaja em com­portamentos autodiscriminativos a partir de contingências providas pela comunidade verbal. “ Diferentes comunidades geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros” (Skinner, 1974/1982, p.146). Por outro, é através do relato verbal que a comunidade tem acesso aos eventos pri­vados de um indivíduo. O autoconhecimento, então, torna-se, também, uma questão de autodescrição. Para ele, conhecer-se é ser capaz de descrever seus próprios eventos internos. Nessa perspectiva, o autoconhecimento é um tipo de autodiscrimi- nação que implica a capacidade de autodescrição.

Em 1969, Skinner estende seu conceito de autoconheci­mento aos eventos relativos a todo e qualquer comportamento do próprio indivíduo, mesmo que sejam públicos, e não priva­dos. “Estamos conscientes do que estamos fazendo, quando descrevemos a topografia do nosso comportamento. Estamos conscientes de por que o fazemos, quando descrevemos as va­riáveis relevantes, tais como aspectos importantes da ocasião ou o reforço” (Skinner, 1969 p.244)17. De acordo com esta afirmação, o indivíduo está consciente quando descreve seu comportamento e/ou as variáveis que o controlam. Tal com­portamento pode ser público ou privado. Isto é, diz-se que um indivíduo que afirma “ eu chutei uma bola” está consciente de que chutou uma bola, do mesmo jeito que se diz que está cons­ciente de que viu uma cadeira quando afirma “ eu vi uma ca­

17 Embora, aqui, Skinner esteja incluindo eventos públicos na categoria dos eventos dos quais um indivíduo pode se to rn ar consciente, suas afirm ações devem valer, também, p ara instâncias de eventos privados. N este caso, e s ta r consciente de um com portam ento privado corresponderia a ser capaz de descrever sua topografia. Repete-se, aqui, o problem a apontado anteriorm ente, já que Skinner não esclare­ce os indicadores da topografia do com portam ento privado, e muito menos como o indivíduo vem a descrevê-la.

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53deira” . O mesmo vale para a descrição das variáveis que controlaram o “ chutar a bola” ou o “ver uma cadeira” . Esta formulação torna mais acessível lidar com o problema da cons­ciência, visto que não há grandes obstáculos para que a comu­nidade verbal instale repertórios autodescritivos de eventos aos quais ela tem acesso direto. Ou seja, não haveria grandes dificuldades em prover aos indivíduos as contingências ne­cessárias para que se tornassem conscientes de seus compor­tamentos públicos e das variáveis que os controlam. A cons­ciência, no caso, só é problemática quando se tra ta de estar consciente de um evento que é privado. Embora comportamen­tos públicos e variáveis ambientais não sejam eventos a respei­to dos quais se levantem todos os problemas da privacidade, é particularmente importante que Skinner os considere ao tra ­tar do autoconhecimento. Isso porque, como se notará poste­riormente, o autoconhecimento de que depende o autogeren- ciamento pode ser relativo a eventos públicos.

Skinner desenvolve grande parte de sua argumentação sobre o autoconhecimento apontando os equívocos das explica­ções mentalistas tradicionais. Ao fazer isso, discute dois proble­mas importantes: o papel da comunidade verbal e a inutilidade da teoria da cópia. Com respeito ao papel da comunidade ver­bal na instalação de repertórios verbais autodescritivos, não há muito o que acrescentar ao que já foi apresentado. De qual­quer maneira, vale registrar a importância da análise de Skinner a esse respeito, por mostrar a necessidade de compre­ensão de fenômenos como o autoconhecimento levando-se em conta o papel do contexto social em que o indivíduo se insere - ao contrário da tradição mentalista que prescinde de um tra ­tamento mais apurado a este respeito. Já a crítica de Skinner à teoria da cópia merece melhor apreciação pelo fato de ser a partir dela que Skinner chega a um dos aspectos mais proble-

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18 E ste exemplo vale apenas para indicar que um relato do tipo “ eu chutei um a bo­la ” passa a ser considerado, também, como auto-descrição, que implica autoco­nhecim ento. Não se está, aqui, en trando no m érito dos problemas (an terio rm ente indicados) relacionados a relatos do tipo “ eu vi um a cadeira” .

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54máticos de sua formulação do autoconhecimento: o comporta­mento de ver-que-está vendo.

Skinner sustenta sua crítica à teoria da cópia naquela idéia de que um organismo não armazena suas experiências, mas é mudado por elas. A mudança deve ser entendida na forma de estabelecimento de (novas) relações funcionais entre eventos do ambiente e comportamentos. O exemplo já citado do comportamento de lembrar ilustra bem a distinção entre uma análise behaviorista radical do problema e uma que se apóie na idéia de armazenamento de cópias do mundo externo. Embora admita a legitimidade dos estudos relativos aos aspec­tos físicos e fisiológicos da visão, Skinner propõe que a psicolo­gia se ocupe do comportamento de ver enquanto discriminação de estímulos (e o mesmo se aplicaria aos outros sentidos que permitem o contato do organismo com seu ambiente). “Ver uma casa” , por exemplo, deve ser analisado como um compor­tamento privado instalado na presença de diversos estímulos, inclusive do estímulo casa, mas uma vez instalado, pode ocor­rer na ausência da casa, sob controle de outras variáveis. A comunidade infere a ocorrência deste comportamento a partir de outros eventos (comportamentais) do indivíduo que carac­terizam “reações à visão de uma casa” (por exemplo, a comu­nidade pode solicitar que o indivíduo descreva a fachada da ca­sa). Skinner (1969) argumenta que, mesmo a fisiologia avan­çando no sentido de demonstrar algum tipo de formação de có­pias do mundo externo numa área qualquer do cérebro huma­no, ainda assim, seria necessário explicar o que ocorre com um organismo ao ver algo (ou, ao formular uma cópia de algo). Quer dizer, por mais que se provasse que uma cópia do mundo externo é armazenada no cérebro dos indivíduos, ainda seria necessário explicar o comportamento de ver esta cópia - e esta seria uma tarefa para a psicologia e não para a fisiologia. Um outro argumento a favor da análise de Skinner é que há estí­mulos cujo contato se dá através de outros órgãos de sentidos, como o tato e o olfato, a respeito dos quais não é fácil argu­mentar-se a existência de cópias distintas do objeto real.

“Quando sentimos a textura de uma folha de papel, sen­timos o papel, não alguma representação interna. Possivelmente

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não necessitamos de cópias de sabores, odores ou sensações tá- teis, pois já temos intimidade física com eles e, presumivelmente pela mesma razão costuma-se dizer que sentimos estados inte­riores como fome ou raiva em vez de cópias” (Skinner, 1974/1982, p.72).

As críticas de Skinner à teoria da cópia serão retomadas adiante, no contexto de uma problematização do conceito de autoconhecimento. Por ora, convém examinar como Skinner articula o problema do autoconhecimento com a possibilidade de auto gerenciamento (ou autocontrole). Esta questão assume relevância particular no âmbito das discussões travadas por psicólogos acerca do papel da consciência na determinação do comportamento humano.

Há dois momentos em que Skinner discute o auto-geren- ciamento e aponta o papel do autoconhecimento nesse proces­so. O primeiro é quando fala do comportamento governado por regras, o segundo, quando analisa as técnicas de autogerencia- mento (ou autocontrole). Estas últimas são descritas e anali­sadas por Skinner em seu Ciência e Comportamento Humano, de 1953.

Após ponderar que a psicologia deve buscar explicar o comportamento humano a partir das variáveis ambientais das quais é função, Skinner admite que “ . .. o indivíduo parece, até certo ponto, modelar seu próprio destino” (Skinner, 1953/1981, p.222), e acrescenta que a análise experimental do comportamento pode dar conta do fato sem abandonar seu programa. Isso porque, quando um indivíduo se controla, está se comportando (autocontrole é comportamento) e o controle exercido sobre seu próprio comportamento é precisamente o tipo de controle exercido sobre o comportamento de outras pessoas (ou seja o autocontrole é também manipulação de va­riáveis das quais o comportamento é função). Skinner conside­ra que o autocontrole surge freqüentemente em situações de conflito, quando uma resposta produz tanto conseqüências “ agradáveis” quanto aversivas. Nesse sentido enumera nove técnicas de controle que podem ser empregadas na forma de autocontrole, quando o comportamento a ser controlado é o do

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56próprio indivíduo que as utiliza. Ao invés de enumerar estas técnicas, basta indicar que, em todos os casos, o indivíduo alte­ra seu ambiente a fim de tornar mais provável a ocorrência do comportamento desejado e menos provável a ocorrência do comportamento indesejado. Um exemplo seria fechar as jane­las de uma sala de estudos para evitar estímulos distrativos e favorecer a ocorrência do comportamento de estudar.

Considerando-se os problemas examinados anteriormen­te, um primeiro aspecto a ser ressaltado com respeito às técni­cas de autocontrole é que elas exigem uma discriminação, por parte do indivíduo, de seus próprios comportamentos e das va­riáveis das quais são função. Isto é, não se pode falar de con­trole do (próprio) comportamento se não se é capaz de descre­ver este comportamento e as variáveis das quais é função. Em outras palavras, o autocontrole implica autoconhecimento. A recíproca, porém, nem sempre é verdadeira, isto é, não há nada que garanta que um autoconhecimento a respeito de um com­portamento qualquer implicará autocontrole. O que controla, então, a ocorrência do autocontrole?

Após enumerar as técnicas de autocontrole, Skinner cha­ma a atenção para o fato de que especificá-las não explica por que o indivíduo as põe em funcionamento.

“Esse defeito é bem aparente quando nos empenhamos em gerar o autocontrole. E fácil dizer ao alcóolatra que pode evitar a bebida jogando fora todos os suprimentos de álcool; o principal problema é fazê-lo agir assim. Tornamos este comportamento controlador mais provável dispondo contingências especiais de reforço (. . . ) Algumas dessas conseqüências adicionais são forne­cidas pela natureza, mas em geral são dispostas pela comunidade. Na verdade, é o que interessa no treino ético. Parece, portanto, que a sociedade é responsável pela maior parte do comporta­mento de autocontrole. Se isto for correto, pouco controle final resta para o indivíduo. O homem pode gastar grande parte do tempo planejando sua própria vida - pode escolher as cir­cunstâncias as quais deve evitar com cuidado, e pode manipular seu ambiente cotidiano em extensa escala. Essa atividade parece exemplificar uma ordem elevada de autodeterminação. Mas também é comportamento, e o explicamos em termos de outras

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57variáveis no ambiente e na história do indivíduo. São essas variáveis que fornecem o controle final” . (Skinner, 1953/1981, p. 233).

O fato de Skinner apontar o ambiente externo (social) como a fonte final do controle não significa que esteja negando a possibilidade do autocontrole em si. Significa, sim, que se deve pensar na manipulação do próprio comportamento e das variáveis das quais é função como um comportamento do in­divíduo, sob controle de contingências externas, e não como devido a um agente originador interno. Neste sentido, pode-se dizer que o autocontrole implica autoconhecimento e condições outras providas pela comunidade verbal. Estas condições po­dem ser objeto de uma análise experimental do comportamento que torne, inclusive, mais provável a ocorrência do comporta­mento autocontrolador. Após criticar as visões mentalistas do autocontrole, Skinner afirma:

“Uma análise alternativa do comportamento de controle tornaria possível ensinar técnicas relevantes tão facilmente quanto qualquer outro repertório técnico. Também aperfeiçoa­ria os processos através dos quais a sociedade mantém o compor­tamento de autocontrole com probabilidade de emissão. Como a ciência do comportamento revela mais claramente as variáveis das quais o comportamento é função, essas possibilidades seriam grandemente aumentadas” (Skinner, 1953/1981, p. 234).

A análise do problema do autocontrole, e de sua relação com o autoconhecimento, pode ser estendida a partir da noção de comportamento governado por regras. As técnicas de auto­controle já sugerem, indiretamente, a formulação de regras. Is­to é, o indivíduo torna-se capaz de manipular variáveis das quais seu comportamento é função a partir do momento em que é capaz de descrever a relação funcional entre ambos e a partir de contingências que o levam a formular regras para manipulá-los. Algumas considerações podem ser acrescentadas a esse respeito.

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58O conceito de comportamento governado por regras é uti­

lizado por Skinner para referir-se ao caso do indivíduo que, ao ser exposto a uma dada situação, já possui informações de co­mo comportar-se a fim de obter os reforços ali disponíveis, ou que deriva ele próprio a regra para tal aproveitamento. Ou se­ja, o indivíduo entra na situação sob o controle de certos estí­mulos que lhe permitem comportar-se adequadamente. O comportamento foi estabelecido sem que o indivíduo precisasse expor-se às contingências originais da situação até que seu comportamento fosse por elas modelado. Um exemplo claro de comportamento governado por regras é operar um aparelho de acordo com as instruções contidas em um manual. Neste exemplo, o comportamento do indivíduo está sob controle, entre outras variáveis, da regra (instrução); ele não teve que experimentar as contingências da situação até que seu com­portamento fosse modelado. Grande parte do comportamento humano «stá sob controle de regras (na forma de códigos, leis e máximas), e é exatamente a existência das mesmas que permi­te certos avanços das sociedades, que não precisam deter-se em formular especificações já existentes na forma de regras (por exemplo, científicas).

Há duas questões importantes relativas ao comportamen­to governado por regras. Em primeiro lugar, deve-se observar que um comportamento modelado por contingências pode as­semelhar-se a um comportamento governado por regras. No caso, a semelhança deve ser tomada apenas como topográfica. Entre os diversos aspectos que distinguem os dois comporta­mentos, o principal é que estão sob o controle de variáveis distintas. Uma segunda questão é que o conceito de compor­tamento governado por regras não viola o princípio operante de contingências de reforçamento. Dizer que um dado compor­tamento é governado por regras não significa dizer que não es­teja sob o controle de contingências. Comportar-se de acordo com uma regra é, tanto quanto qualquer comportamento, uma questão de contingências de reforçamento. As contingências, neste caso, não são as mesmas que controlariam o comporta­mento do indivíduo que entra na situação sem as regras, mas são contingências que controlam o comportamento de obediên­cia às regras.

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Do ponto de vista da presente análise, a questão mais re­levante com respeito ao comportamento governado por regras é aquela que o relaciona com o auto-conhecimento. Skinner postula que o autoconhecimento é requisito para a formulação de regras que digam respeito ao próprio comportamento. Além disso, reconhece a própria utilidade desse tipo de regra na de­terminação de comportamentos futuros dos indivíduos.

“Quando construímos regras sem sermos siyeitos às con­tingências (por exemplo, quando extraímos regras a partir de uma análise de um sistema reforçador tal como um espaço de amostra), nada há em nosso comportamento de que devamos es­ta r conscientes; mas, quando construímos uma regra a partir de observações de nosso comportamento sob exposiçáo das con­tingências (sem saber delas em qualquer outro sentido), devemos estar conscientes do comportamento e das variáveis das quais é função. Uma comunidade verbal avançada gera um alto nível de tal consciência. Seus membros náo só se comportam apropria­damente quanto às contingências que encontram em sua vida cotidiana, como examinam essas contingências e constroem re­gras - regras-ato-contínuo para uso pessoal ou regras gerais que provem ser valiosas tanto para si mesmos como para a comuni­dade como um todo” (Skinner, 1969, p.244-246).

Se Skinner concebe esta possibilidade de que o autoconhe­cimento dê origem a regras que estarão envolvidas no processo de determinação dos comportamentos futuros do indivíduo, e chega a formulá-la na forma de técnicas de autocontrole, pode-se indagar se isso implica a possibilidade de desenvolvi­mento de uma tecnologia comportamental voltada para a ins­talação de repertórios comportamentais deste tipo. Em uma citação anterior sobre o autocontrole, observou-se que Skinner de fato vislumbra esta possibilidade. Entretanto, quando se examinam as dificuldades que ele mesmo aponta para a insta­lação de repertórios verbais autodescritivos, nota-se que se tra ta de um problema mais complexo do que talvez pareça. Respondendo a um comentário de Lowe, Skinner apresenta al­guns indícios de como vê o problema.

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Lowe (1984) parte de estudos como o de Harzem, Lowe e Bagshaw (1978). Estes autores demonstraram que quando um indivíduo formula uma regra, tende a comportar-se de acordo com ela, mesmo que as contingências sejam alteradas. Isto é, ao formular uma regra, os indivíduos tenderiam a tornar-se menos sensíveis às alterações das contingências ambientais. Por essa razão, Lowe (1984) apresenta uma questão a Skinner no sentido de que talvez os efeitos do reforçamento sejam qua­litativamente alterados quando os indivíduos adquirem a habi­lidade de gerar descrições verbais de seus comportamentos e das variáveis controladoras. Ao formular a questão, Lowe o faz afirmando que há evidências recentes sugerindo aquela mu­dança qualitativa no efeito do reforçamento. As evidências a que Lowe se refere são os fatos verificados em trabalhos como o de Harzem, Lowe e Bagshaw (1978).

Skinner (1984b) contesta aquela possível mudança do efeito do reforçamento argumentando (de forma coerente com tudo o que se apresentou de suas formulações) que um indiví­duo, ao descrever seu comportamento e as variáveis das quais é função, produz outras variáveis controladoras que passarão a desempenhar um papel no controle dos seus comportamen­tos futuros. Ou seja, não é que o efeito do reforço seja alterado, mas sim que o comportamento passa a ficar sob controle não só das variáveis ambientais, como também das variáveis gera­das pelo indivíduo. O problema, então, é saber como investigar o fenômeno.

“É por isso que é tão difícil fazer pesquisa sobre comporta­mento operante em sujeitos humanos que aprenderam a analisar as contingências às quais estáo expostos. Suas análises (estejam ou náo corretas) entram no controle de seus comportamentos como regras auto-geradas. A pesquisa sobre o comportamento humano que se compara favoravelmente com a pesquisa animal é melhor sucedida em crianças pequenas e pessoas retardadas ou quando as contingências são ocultadas” (Skinner, 1984b, p 576).

Skinner mostra por que a investigação daqueles eventos é problemática, mas não indica uma solução para o impasse.

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61De qualquer maneira, vê-se que Skinner reconhece (e explica de acordo com os princípios operantes) o fato de que a partir do autoconhecimento é possível os indivíduos produzirem va­riáveis às quais seus comportamentos futuros estarão funcio­nalmente relacionados.

Um segundo problema relativo às afirmações de Skinner sobre o auto-conhecimento diz respeito à formulação da auto- discriminação em termos de um ver-que-está-vendo.

Após refutar a teoria da cópia com sua análise operante do comportamento de ver, Skinner salienta que não é o com­portamento de ver, em si, que suscita o problema do autoco­nhecimento, mas sim o comportamento de ver-que-está-vendo. Como examinado anteriormente, a formulação de Skinner é no sentido de que o autoconhecimento é um comportamento pri­vado cujos estímulos discriminativos são internos do próprio indivíduo (ou eventos públicos, como na versão mais abran­gente já citada, mas ainda assim relativos aos comportamentos do próprio indivíduo). No capítulo anterior, contudo, afir- mou-se que assumir a discriminação de estímulos como ver e a autodiscriminação como ver-que-está-vendo acaba sendo pro­blemática para a análise de Skinner.

Toda a proposta de Skinner, de uma psicologia como ciên­cia do comportamento, gira em torno de uma refutação onto­lógica de premissas dualistas acerca do homem. Sua própria tentativa de analisar os eventos privados enquanto estímulos e respostas encobertos, com dimensões físicas, surgiu com o ob­jetivo de eliminar os resquícios dualistas e mentalistas que so­breviviam na versão do behaviorismo metodológico. A despeito do fato, porém, Skinner, no mínimo, também não escapa de uma influência cultural que ele aponta como responsável pela sobrevivência de conceitos dualistas em psicologia. Pois, se é verdade que Skinner não é um mentalista (não o é de fato), não há como negar a existência de um traço dualista também em algumas de suas asserções acerca do autoconhecimento.

Retornando ao ver-que-está-vendo, este conceito obriga que se pense que há um ser que vê e um outro ser que o obser­va vendo. Isto é, há um organismo em contato com o ambiente e há, simultaneamente, um ser que o observa. Não é este,

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então, um conceito com traços dualistas? Não estaria Skinner, aqui, favorecendo a idéia de um homúnculo que tanto procura negar? Em 1945, Skinner afirmava que “dizer ‘eu vejo verme­lho’ é reagir, não ao vermelho . . . mas à reação a vermelho” (Skinner, 1945/1984a, p.550). Existe algo mais homunculizan- te do que falar em reagir à reação a algo?

Staddon (1984) aborda a questão da perspectiva dualista em Skinner através do não reconhecimento, pelo último, da existência de estados internos.

“Se estímulos e respostas (embora amplamente definidos)8&o tudo que existe, ent&o os eventos privados devem também envolver estímulos e respostas. Os eventos privados s&o, por de­finição, 'eventos dentro da pele’. Assim, os estímulos e respostas que vfto compô-los devem também ser internos. O que, entáo, recebe estes estímulos e faz estas respostas? Náo pode ser o or­ganismo todo, pois uma vez que entramos alguma coisa é neces­sariamente deixada de fora. Entáo, o que este ator pode ser sen&o um homúnculo, a exata entidade que Skinner pretende abolir? ( . . . ) A noçáo de estímulos e respostas internos náo faz nenhum sentido, a náo ser que haja alguma entidade para rece­ber aqueles estímulos e fazer aquelas respostas. Aquela entidade é, entáo, inexplicada. A menos que se esteja confortável com um tipo de psicologia de caixa chinesa, na qual entidades contêm ou­tras entidades, mundo sem fim, os termos estímulos e resposta devem ser reservados para variáveis que podemos ver e medir.Tudo o mais sáo variáveis de estado. A relutância de Skinner em aceitar variáveis de estado tem-no levado a uma posiçáo auto- contraditória que implica a existência de homúnculos, enquanto náo os aceita” (Staddon, 1984, p.647).

Skinner responde a Staddon recorrendo ao sistema ner­voso para referir-se à entidade que estaria sendo tomada como homúnculo. “ O ponto principal, como Staddon diz, é que os eventos privados envolvem estímulos e respostas. Eles são os únicos eventos com respeito aos quais desenvolvemos um sis­tema nervoso interoceptivo e proprioceptivo. Infelizmente, o homúnculo da psicologia cognitiva reclama estar em contato com muitos outros tipos de coisas” (Skinner, 1984d, p.662).

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Note-se que, mesmo não sendo o caso de discutir a existência de variáveis de estado (como Staddon propõe), Skinner prefe­re, de certa forma, esclarecer que o homúnculo não é tão homúnculo assim, do que se estender na discussão de conceitos como o ver-que-está-vendo.

Independentemente de como Skinner resolva a questão do ver-que-está-vendo, não fica claro por que insiste em tra ta r do autoconhecimento falando do comportamento de ver. A expli­cação do autoconhecimento sustenta-se sem qualquer referên­cia aos sentidos, exceto que é através deles que um indivíduo tem acesso às contingências do ambiente em que vive.

Em 1953, Skinner já deixara claro que utilizava o exem­plo do ver para referir-se a qualquer dos sentidos. Isto é, o au­toconhecimento não implica nada específico da visão. Ao tra ta r de relatos auto-descritivos, afirma que “podemos abordar este problema pesquisando as circunstâncias sob as quais um ho­mem ‘vê alguma coisa’. (Casos paralelos para ‘Ouço. . ‘Gos­to. . .’, não precisam ser explicitamente discutidos)” (Skinner, 1953/1981, p.255). Apesar deste esclarecimento, Skinner con­tinuará falando do ver em suas obras posteriores, sempre que tra ta do autoconhecimento. Somente em 1984, admite que vem utilizando um exemplo não muito apropriado, mas ainda assim o faz de uma maneira não menos problemática. “ Eu concordo que ver que estamos vendo é uma expressão infeliz. O olho in­terno tem uma estrutura diferente” (Skinner, 1984d, p.655).

Não fica claro por que Skinner insiste no comportamento de ver-que-está-vendo, sendo este desnecessário para sua for­mulação do autoconhecimento. Talvez fosse o caso de recorrer às mesmas razões culturais que Skinner indica como res­ponsáveis por alguns equívocos dualistas.

Pode-se encerrar o presente tópico destacando os seguin­tes pontos principais da formulação skinneriana do autoco­nhecimento.a) O autoconhecimento é formulado em termos de um com­

portamento privado autodiscriminativo. Esta autodiscrimi- nação pode existir tanto em relação a eventos privados quanto em relação aos comportamentos públicos do próprio indivíduo e às variáveis controladoras desses comporta-

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64mentos. Em qualquer caso, o comportamento autodiscrimi- nativo só se instala a partir de contingências providas pela comunidade verbal. Por esta razão, a instalação do compor­tamento autodiscriminativo de eventos privados é pro­blemática, o que não ocorre quando se tra ta de discriminar comportamentos e variáveis públicas.

b) O autoconhecimento é apontado como requisito para que o indivíduo elabore regras de autocontrole. Comportar-se de acordo com estas regras, entretanto, pode ser função de ou­tras variáveis sociais.

c) Alguns problemas persistem na formulação skinneriana do autoconhecimento. O primeiro deles é que Skinner não aponta uma alternativa efetiva para a investigação do papel do autoconhecimento, e das regras formuladas a partir do mesmo, na determinação dos comportamentos subseqüen­tes dos indivíduos. Outras duas questões relacionam-se com o que foi citado como problemático na formulação dos even­tos privados em geral. Por um lado, o problema da topogra­fia do comportamento encoberto persiste quando se trata do comportamento autodiscriminativo. Por outro, além da proposição da inacessibilidade (pública e direta) dos eventos privados, Skinner acaba acrescentando elementos ao traço dualista que persiste em sua abordagem (por exemplo, ao falar do ver-que-está-vendo).

2.3 OS LIMITES TEÓRICOS DO TRATAMENTOBEHAVIORISTA RADICAL PARA A QUESTÃO DO AUTOCONHECIMENTO

Vários problemas foram levantados nas seções anteriores deste capítulo. Deve-se, agora, tentar entender como podem ser articulados em torno de uma avaliação dos verdadeiros li­mites de uma análise behaviorista radical para o problema do autoconhecimento, em particular, e da privacidade, em geral.

Como se utilizou com freqüência a expressão tratamento efetivo para as questões relativas à privacidade, um primeiro

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problema a ser considerado, levantado ainda no capítulo ante­rior, é aquele relativo à possibilidade de conciliar uma demanda por pesquisa empírica com o caráter interpretativo das colo­cações de Skinner. Em ocasiões diversas, Skinner refere-se a vários de seus trabalhos sobre comportamentos humanos complexos definindo-os como uma interpretação na área. A despeito disso, há momentos em que parece de fato postular o desenvolvimento de pesquisas nas áreas referidas. Ao invés de se enumerar as diversas citações de Skinner em uma ou outra direção, pode-se concluir o assunto recorrendo a uma ocasião singular em que o autor esclarece o papel a ser desempenhado por interpretações teóricas. “ O valor heurístico de uma inter­pretação deve ser julgado pela qualidade da teoria e da pesquisa à qual ela leva” (Skinner, 1984d, p. 657). Assim, independen­temente de qualquer julgamento de valor das interpretações skinnerianas, pode-se dizer que, com elas, Skinner espera também propiciar o desenvolvimento de pesquisas na área. De qualquer maneira, continua-se com o fato de que certos pro­blemas não foram, de fato, pesquisados - nem mesmo pelo próprio Skinner que advoga tal pesquisa. Talvez isso se deva aos próprios limites da interpretação oferecida. Cabe exami­nar, então, quais são estes limites ao nível teórico.

Skinner parece, sem dúvida, bastante contraditório ao tra tar dos eventos privados. Foram citadas situações em que claramente os assume como mediadores, mas os despreza na busca de relações diretas entre ambiente e comportamento (o que implica não ter ido, de fato, muito além dos behavioristas metodológicos). E examinaram-se exemplos em que o reconhe­cimento dos eventos privados resulta numa análise bastante distinta. Em Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1953/1981), por exemplo, ao começar a tratar dos eventos pri­vados, afirma: “ Estas questões podem não interessar a todos os leitores. (. . . ) Felizmente, raramente o assunto é de impor­tância vital no controle do comportamento humano. O leitor cujos interesses são essencialmente práticos [leia-se, previsão e controle] e que talvez prefira agora avançar para os capítulos seguintes, pode fazê-lo sem sérios prejuízos” (p. 248). Já em Tecnologia do Ensino (1968/1972) chega a defender, como

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visto anteriormente, uma tecnologia voltada inclusive para o condicionamento de comportamentos como atentar.

Talvez se possa traçar um paralelo ao problema acima, afirmando que, em algumas ocasiões, Skinner oferece uma in­terpretação que, além de coerente com os princípios básicos do behaviorismo radical, aproxima-se de um tratamento efetivo do evento privado em questão (por exemplo, sua análise das instâncias de autocontrole). Em outros momentos, acaba cain­do na armadilha dualista que se propõe combater (por exem­plo, ao falar do ver-que-está-vendo, ou mesmo quando analisa a privacidade em termos de eventos mediadores entre ambien­te e comportamento - o caso relativo ao elo 2). E importante, então, delimitar em que medida o traço dualista presente nas considerações de Skinner tem a ver com as suas interpretações e em que medida é determinado por princípios básicos do pró­prio behaviorismo radical.

Quando se examina o problema do dualismo no âmbito da formulação do comportamnto de ver-que-está-vendo, observa- se que não há nenhuma razão justificada para que Skinner formule o autoconhecimento nos termos daquele comporta­mento. Aliás, não é necessário que Skinner relacione o com­portamento autodiscriminativo sequer com o comportamento de ver (que não é problemático como o ver-que-está-vendo). Os outros problemas apontados como relacionados à persistência de um traço dualista da abordagem skinneriana, por outro lado, não poderiam ser superados sem que certos princípios básicos fossem revistos. A dicotomia público-privado, onde o privado é tomado como inacessível à observação pública direta, insere-se neste quadro. Não há como superar definitivamente o proble­ma do dualismo na psicologia enquanto se permanecer com a distinção dos eventos que caracterizam seu objeto de estudo entre acessíveis e inacessíveis à observação pública. E claro que Skinner foi mais longe que os behavioristas metodológicos ao descartar a existência de entidades especiais tidas como de­terminantes do comportamento humano. Mas, ainda assim, não se pode afirmar que tenha superado todos os problemas que apontava naquelas orientações comportamentais.

Com respeito aos limites impostos pela formulação dos eventos privados em termos de entrepostos que podem ser

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desprezados na busca de relações diretas entre o ambiente e o comportamento público, deve-se considerar diversos aspectos deste problema. Por um lado, é verdade que os princípios ope­rantes indicam a possibilidade de previsão e controle do com­portamento público, mesmo que não se considere o que estiver ocorrendo de forma privada ao indivíduo, desde que contin­gências adequadas (suficientes) para tal sejam arranjadas. Sendo o comportamento função de contingências de reforça- mento, não é tão difícil conseguir prevê-lo e determiná-lo li­dando somente com variáveis públicas. Por outro, o próprio Skinner reconhece (como em Tecnologia do Ensino) a im­portância de que certos comportamentos privados sejam efeti­vamente considerados ao tratar-se de cadeias comportamentais que contenham elementos privados. Além disso, levando estes comportamentos privados em conta, e de certa forma provendo o autoconhecimento e envolvendo-o na determinação de outros comportamentos, é que se pode esperar a manutenção e gene­ralização de comportamentos que tenham sido ensinados aos indivíduos. Um controle que não leve estes eventos em conta pode ser efetivo, mas, neste caso, deve ser permanente. Além disso, se for aversivo, envolverá necessariamente os subprodu­tos emocionais derivados desse tipo de controle.

Apesar das afirmações contraditórias com respeito à questão da previsão e do controle do comportamento, há um trecho em que Skinner discute os limites de uma tecnologia do comportamento e indica uma posição favorável à consideração do comportamento em suas dimensões mais complexas.

“Embora uma tecnologia do comportamento esteja se de­senvolvendo, não estamos no limite de resolver todos os nossos problemas. O comportamento humano é extraordinariamente complexo (sem dúvida, é o objeto de estudo mais complexo já submetido à análise científica), e muito ainda tem de ser apren­dido. Necessitamos de conhecimento técnico. Não podemos lidar efetivamente com o comportamento humano aplicando alguns poucos princípios gerais (digamos, de recompensa ou de pu­nição), assim como também não podemos construir uma ponte simplesmente aplicando os princípios de tensão e fadi­ga” (Skinner, 1969, p. 97).

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Partindo desta citação, pode-se afirmar que Skinner está a par dos problemas de uma tecnologia comportamental limi­tada a alguns aspectos do comportamento humano e, pelo me­nos neste momento, defende a alternativa de buscar-se uma tecnologia mais efetiva.

Nos diversos momentos em que Skinner procura prover um tratamento efetivo para a privacidade, em geral, e para o autoconhecimento, em particular, nota-se que suas propostas são sempre aproximativas do problema. As dificuldades não são todas superadas e algumas questões permanecem por serem resolvidas. De qualquer maneira, Skinner oferece elementos bastante importantes ao estabelecer o que devem ser as bases de uma investigação daqueles eventos. Ao invés de supor-se que aqueles eventos podem ser desprezados, poder-se-ia partir dos elementos já disponíveis, no sentido de buscar um tra ta­mento cada vez mais efetivo para os problemas levantados, mas isso implicaria discutir, inclusive, a possibilidade de re­visão de certos princípios.

Em se tratando de situações menos complexas (por exem­plo, a instalação de repertórios autodescritivos de comportamen­tos públicos), apesar dos problemas levantados, o referencial skinneriano oferece subsídios suficientes para uma interven­ção. Quer dizer, é possível o desenvolvimento de uma tecnologia comportamental que leve em conta certos eventos privados. O problema, no caso, é meramente o de que uma tecnologia desse tipo não poderia ser aplicada em larga escala. Ela precisaria levar em conta as particularidades do comportamento de cada indivíduo. De qualquer maneira, trata-se de uma tecnologia possível, embora talvez não seja a pretendida por Skinner.

Um dado também importante a ser considerado na ava­liação das proposições de Skinner é que, muitas vezes, ele trata da privacidade supondo interlocutores mentalistas, que esta­riam desprezando a determinação ambiental e procurando as causas do comportamento em eventos não físicos, habitantes das mentes dos indivíduos. Trata-se de uma circunstância bas­tante singular, se se considera que o trabalho todo de Skinner está voltado para a defesa de um programa de investigações acerca das relações funcionais entre ambiente e comportamento.

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69E considerando os seus argumentos não há como negar a per­tinência de tal programa de pesquisas. Também não há como negar que é muito mais fácil observar instâncias de autocon­trole do que histórias de condicionamento, o que realmente pode resultar em uma subestimação do papel destas. Assim, talvez não seja exagero supor que Skinner, em vários de seus textos, esteja muito mais voltado para um combate contra aqueles que, ao referirem-se à privacidade, colocam-se contra o programa skinneriano, do que para aqueles que, compartilhan­do preocupações e princípios gerais da psicologia operante, es­tejam interessados em discutir seus limites no tratam ento de fenômenos complexos. Skinner parece contentar-se em respon­der aos primeiros e suspeitar de que os segundos não diferem tanto dos primeiros. Sobretudo porque, além dos aspectos ci­tados, apesar de oferecer interpretações de fenômenos comple­xos, ainda acredita ser necessário o desenvolvimento de m uita pesquisa básica sobre fenômenos mais acessíveis à investi­gação operante.

Pode-se concluir este capítulo, afirmando que os limites teóricos da análise skinneriana para o autoconhecimento não são exatamente aqueles de um desprezo pelo problema. Ao contrário, e a despeito de certas afirmações de Skinner (que parecem estar relacionadas com limites relativos a questões conjunturais do meio científico dos pesquisadores do compor­tamento) é possível abordar questões relativas ao autoconhe­cimento numa perspectiva coerente com os princípios básicos (não mentalistas e não dualistas) behavioristas radicais. Os limites, aqui, passam mesmo é pela insistência na categoria da privacidade, enquanto uma instância inacessível, o que pode ser tomado como grave, em se tratando de uma ciência devota­da ao método experimental; mas esta insistência parece mesmo estar relacionada com certos princípios de ordem epistemológi- ca. Por outro lado, pode-se dizer que, mesmo respeitando os princípios behavioristas radicais, incluir o autoconhecimento em asserções explicativas de certos comportamentos humanos complexos não implica, necessariamente, asumir novos pres­supostos ontológicos a respeito do tipo de explicação pertinen­te sobre o comportamento dos organismos. O espaço teórico

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para um tratamento científico do autoconhecimento existe de fato no próprio corpo das proposições básicas behavioristas ra­dicais. Os limites são os apontados, e é um enfrentamento de­les que pode demonstrar em que medida novos princípios ou paradigmas se fazem necessários.

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3 LIMITES EPISTEMOLÓGICOS DO TRATAMENTO BEHAVIORISTA RADI­CAL PARA O AUTOCONHECIMENTO

“A objeçôo ao funcionamento interno da mente náo decor­re de ele náo ser acessível a exame, mas de ele ter obstruído o exame de coisas mais importantes” . (B.F. Skinner, Sobre o Be- haviorismo).

O objetivo deste capítulo será o de discutir a tese de que Skinner adota um princípio epistemológico pragmatista, o qual estaria limitando o tratamento que oferece para a questão do autoconhecimento. Sendo este o objetivo, não se estará tra ­çando um perfil epistemológico de Skinner. Também não se es­tará afirmando que o pragmatismo é o fundamento da postura skinneriana diante do problema abordado. Outros princípios epistemológicos podem certamente ser apontados' na extensa e complexa obra de Skinner e não seria exagero supor que vários podem ser articulados com o problema da privacidade.

Com respeito ao pragmatismo propriamente dito, alguns esclarecimentos prévios da análise que se segue são necessá­rios. Em primeiro lugar, o termo pragmatismo estará sendo utilizado exclusivamente no sentido em que Abib (1985) o em­prega, ao falar dos interesses skinnerianos na descoberta de leis ordenadas acerca das relações ambiente-comportamento e na previsão e controle dos fenômenos comportamentais daí de­rivados19. Em segundo lugar, poderá ser observado que, tal

19 E sta é, claram ente, uma concepção muito particu lar de “ pragm atism o” , mais próxima de um a visáo que o identifica com “ u tilitarism o” . No sentido de “ u tilida­de” ou “ in strum en talidade” , talvez sequer se devesse falar em pragm atism o como um a vertente epistemológica, m arcadam ente diversa de outras ten ta tivas de fun­dam entação do conhecimento científico (talvez por esta razão Abib empregue, em algumas circunstâncias, a expressão “ interesse pragm ático” e não “ filosofia

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como empregado para caracterizar a ciência skinneriana, esta noção de pragmatismo aparece estreitamente relacionada a um empirismo fisicalista, e talvez apenas nesse sentido possa ser tomada como um cometimento de ordem epistemológica. Por último, a sugestão do pragmatismo como limite estará ampa­rada basicamente em dois recursos: de um lado, a análise de Abib (1985) sobre alguns princípios da ciência skinneriana; de outro, o contraste da posição de Skinner com alguns aspectos de uma alternativa não mentalista de tratamento da privaci­dade (Ribes, 1982). Estes dois recursos demarcam, também, os limites da presente análise.

Abib (1985) analisa extensamente as principais obras de Skinner, procurando “ . . . identificar as questões filosóficas que surgem quando se examina na obra desse autor [Skinner] as relações entre os níveis mental e comportamental e entre este e o nível fisiológico, no contexto do comportamentalismo” (p. 4), com o objetivo final de “ descobrir as raízes filosóficas do pensamento de Skinner e por conseguinte identificar a tra ­dição filosófica que orienta seu pensamento” (p. 4).

Em sua análise, Abib (1985) aponta alguns aspectos epis- temológicos do pensamento skinneriano cuja citação pode ser útil para este trabalho. Em particular, Abib (1985) caracteriza o behaviorismo de Skinner como naturalista e positivista. Al­guns elementos que o permitem chegar a esta conclusão são especialmente relevantes para uma discussão sobre o status da privacidade no behaviorismo radical e serão recuperados a seguir.

prag m atis ta” ). Isso porque a p rópria instrum entalidade constitui-se em aspecto fundam ental de todo o pensam ento científico (e da própria racionalidade) que se in s tau ra a p a rtir da modernidade. Por outro lado, há, de fato, um pensam ento pragm atista pertinen te às discussões de ordem epistemológica. E ste pensamento, contudo, seja em suas prim eiras versões (Cf. Jam es, 1907/1949), seja em suas versões mais contem porâneas (Cf. Rorty, 1988) aponta p ara a dissolução da pró­pria epistemologia enquanto instância de fundam entação do saber científico, ou, de ou tra forma, aponta p ara a dissolução da idéia de construção de um a m atriz a p a r tir da qual se possam ju lgar as diversas reivindicações a conhecimento gesta- das no contexto de um a cultura. Apesar destas observações, no entanto, e dados os limites deste trabalho, optou-se por não a lte ra r esta referência ao pragm atis­mo, deixando claro em que contexto este conceito será empregado.

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Ao discorrer sobre a natureza genérica do conceito de re­flexo, Abib (1985) aponta o primeiro traço de uma influência naturalista na psicologia de Skinner. Ele surge quando Skinner justifica a consideração de apenas certos aspectos (dimensões) do fenômeno comportamental, como suficientes para efeito de investigação das leis naturais que cercam este fenômeno. Outras dimensões do comportamento, consideradas secundárias para a investigação daquelas leis naturais, são desprezadas, a fim de evitar-se a possibilidade de que, desvian- do-se a atenção para tais dimensões secundárias, acabe-se por aniquilar aquelas leis naturais. Isto é, a consideração de variá­veis que desempenham um papel secundário na ocorrência do fenômeno comportamental tende a obscurecer uma lei natural acerca de relações entre ambiente e comportamento. Não se deve buscar exatidão na descrição dos eventos comportamen- tais, indo além das variáveis dependente e independente funda­mentais para a definição do fenômeno, sob pena de destruir-se as próprias leis naturais que cercam este fenômeno. Nesse sen­tido, para Skinner, o comportamento é natureza e a psicologia pode ser tomada como um ciência natural. O método experi­mental, expressão da investigação empírica, é o instrumento adequado para a busca de conhecimentos científicos acerca deste fenômeno natural. Mas como o que importa é a busca das regularidades naturais, o próprio método experimental tem sua instrumentalidade e utilidade limitadas ao estabelecimen­to (ou não) daquelas regularidades. Se destrói as manifes­tações da natureza, o método experimental perde sua função, que é a de servir de instrumento para o conhecimento daquela. Por outro lado, o fenômeno comportamental, sendo natural como tudo o mais no universo, está igualmente acessível à in­vestigação empírica20.

20 E sta in terpretação na tu ra lis ta do pensam ento de Skinner (presente no trabalho de Abib, 1985) m ereceria, na verdade, um exame mais cuidadoso. A expressão “ li­nhas n a tu ra is de f ra tu ra ” e os argum entos a ela relacionados aparecem em um único texto de Skinner (Skinner. 1935), do período de constituição de seu sistem a explicativo. Em textos posteriores. Skinner não mais recorre àquela expressão e, tampouco, procura fundam entar sua ciência com aqueles argum entos. Por outro lado, como examinado no primeiro capítulo deste trabalho, o critério de funciona­lidade assum e um papel central na dem arcação do escopo da investigação que a ciência de Skinner postula.

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Vale acrescentar que os princípios acima foram sugeridos por Skinner quando ainda considerava qualquer comporta­mento como reflexo. Neste caso, as linhas naturais de fratura do ambiente e do comportamento (isto é, o tipo de recorte ou o dado básico do fenômeno que permite chegar-se às leis natu­rais que o cercam) foram formuladas em termos de correlações entre classes de eventos estímulos e classes de eventos respos­tas. Ao introduzir o conceito de operante, Skinner postulou a freqüência da resposta como a variável dependente fundamen­tal na definição do conceito. Este seria o dado básico (“ a linha de fratura natural” ) do comportamento operante, e sua defi­nição é justificada a partir das leis de condicionamento e extinção. Ou seja, este seria, no âmbito do comportamento, o recorde cuja investigação levaria a leis naturais com respeito ao operante. Do ponto de vista dos problemas examinados até aqui, o importante é sublinhar a idéia de se pensar a psicologia como ciência natural - e o comportamento como um elemento da natureza, acessível à investigação empírica, através da qual se pode chegar às leis (naturais) que lhe dizem respeito.

Após discorrer sobre a natureza genérica do conceito de comportamento, Abib (1985) procura elucidar a natureza dos eventos subjetivos, no contexto do behaviorismo radical, discu­tindo, inclusive, a possibilidade de que estes eventos sejam tomados como antecedentes e determinantes de outros com­portamentos. Abib (1985) assinala que, no âmbito do behavio­rismo radical, podem-se explicar certos eventos privados em termos de comportamentos operantes, cuja ocorrência é função de eventos (ambientais) antecedentes. Por outro lado, esta abordagem descarta a existência de um princípio finalista na natureza e postula que as relações de dependências entre os eventos são relações de contingências e não relações lógicas (o que marcaria uma outra convergência entre Skinner e a doutrina naturalista). Estes princípios assinalariam diferenças importantes entre a visão behaviorista radical dos eventos pri­vados e as concepções mentalistas, que tendem a considerar tais eventos como entidades autônomas e por elas mesmas de­terminantes dos comportamentos públicos. Todavia, Abib (1985) aponta que, mesmo assumindo-se aqueles princípios behavioristas radicais como válidos, é possível pensar num

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operante interno como antecedente e determinante de um ou­tro operante futuro21, sem que isso implique cair em uma pos­tu ra finalista. Isto é, afirmar que eventos internos são epi- fenômenos das contingências de reforçamento e que o propósi­to, por exemplo, deve ser entendido em termos da história de interação do organismo com o ambiente, não é impeditivo de supor-se a ocorrência deste propósito enquanto precursor e determinante de outros comportamentos do indivíduo. Em outras palavras, o que ele coloca relaciona-se com o que foi anteriormente dito a respeito do fato de que Skinner fre­qüentemente analisa certos eventos privados em termos de comportamentos, mas algumas vezes não os aborda enquanto funcionalmente relacionados aos comportamentos futuros do sujeito - como se isso significasse explicar o comportamento a partir de categorias incompatíveis com os pressupostos beha- vioristas radicais.

Dado o fato de que os conceitos de conhecimento e propó­sito estão presentes no próprio sistema teórico skinneriano, não em uma perspectiva finalista, mas respectivamente rela­cionados à discriminação de estímulos e à história de condicio­namento, resta saber em que medida relacionam-se com os comportamentos futuros dos indivíduos. Abib (1985) chama a atenção do leitor para o fato de que a existência de um operan­te interno orientado para o futuro (na forma de conhecimento ou de propósito) nem sempre envolve a capacidade do indivíduo de relatá-los. E quando um indivíduo não é capaz de relatar es­tes eventos, eles não atuam como antecedentes ou determinan­tes de comportamentos futuros. E somente na presença do tipo de conhecimento que se vem tratando neste trabalho, isto é, do autoconhecimento, que operantes internos assumem o papel de determinantes de outros comportamentos dos indivíduos. E na presença do autoconhecimento que os fenômenos subjetivos

21 Recorde-se, a este respeito, o exemplo apresentado no capítulo an terio r acerca da possibilidade de que um a resposta pública venha a ocorrer sob controle de um a regra produzida de forma privada (e a p a r tir de um outro com portam ento privado auto-discrim inativo).

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passam de epifenômenos do comportamento a determ inantes efetivos do comportamento. Ou seja, é a consciência dos eventos subjetivos que vai ampliar substancialm ente a con­cepção de causas antecedentes na psicologia de Skinner e, em decorrência, romper com a concepção epifenomenalista da subjetividade” (Abib, 1985, p. 91). Mas, como examinado ante­riorm ente, a admissão da consciência e de outros eventos sub­jetivos no sistema skinneriano enfrenta outras dificuldades quando se pretende ir além de sua formulação teórica.

“Os fenômenos subjetivos sáo epifenômenos do comporta­mento quando deles náo se tem consciência e, por outro lado, a consciência de propósitos e regras torna-se evento válido no que se refere à determinação do comportamento. Compreender essa transição da funçáo da subjetividade, isto é, de epifenômeno do comportamento a determ inante efetivo dele, é lançar alguma luz sobre a teoria do conhecimento de Skinner. Ao assumir o empi­rismo como fonte principal do conhecimento que demonstrará a coerência dessa transiçáo de funçáo da subjetividade, culminará, por instrumento desse mesmo empirismo, por revestir-se de as­pectos céticos quanto às possibilidades de se chegar ao conheci­mento da subjetividade e, em decorrência a uma compreensão estritamente objetiva da determinação do comportamento mani­festo através de ocorrências subjetivas” (Abib, 1985, p. 94).

Abib (1985) aponta o fato de que o mesmo empirismo que serve de instrumento para que se reconheça o autoconheci- mento imporá limites quanto àquilo que se pode (auto)conhe- cer e, portanto, que pode vir a ser tomado como determinante de comportamentos. Exemplifica este limite com o sentir, in- cognoscível na perspectiva behaviorista radical e, dessa forma, impossibilitado de ser tomado como determinante do compor­tamento. E identifica um fundamento para esta postura em in­teresses pragmáticos, que levam Skinner a buscar uma ciência que possibilite a previsão e o controle do comportamento.

“São os interesses pragmáticos de Skinner que o vinculam a um empirismo cuja meta principal é a descoberta de leis expe­rimentais que relacionem o comportamento a contingências de reforço. Se estes comportamentos são descritivos de fenômenos

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77subjetivos, a subjetividade adquire cientificidade, se, por outro lado, a subjetividade puder ser apenas sentida, intuída, perma­necerá epifenomênica até que possa ser descrita de alguma forma. Pode-se concluir dizendo que a função da subjetividade transita de epifenomênica a precursora efetiva do comporta­mento, quando os fenômenos subjetivos percorrem o caminho entre um estado não empírico - são sentidos mas não são descri­tos - e um estado empírico - são sentidos e são descritos. E nten­da-se por estado empírico aquele que pode ser conceituado em termos do operacionismo de Skinner: o fenômeno pode ser ob­servado, medido e manipulado. O empirismo enquanto fonte e origem do conhecimento, serve aqui ao pragmatismo enquanto destino e objetivo da ciência. É uma busca de articulação har­moniosa entre instrumento e utilidade” (Abib, 1985, pp. 103-104).

O pragmatismo de que fala Abib impõe limites a uma con­sideração dos eventos privados na ciência skinneriana. Obser- ve-se, contudo, a relação entre o interesse pragmático de Skinner e o empirismo que fundamenta sua concepção de co­nhecimento científico. O que Abib denomina de estado empíri­coy relacionando-o com o operacionismo de Skinner, aparece sob a forma de um princípio fisicalista, segundo o qual um evento, para ser levado em conta por uma ciência, precisa exis­tir publicamente e acessível aos instrumentos de registro desta

• a • 22ciência .As afirmações de Abib permitem supor que o autoconhe-

cimento, enquanto autodescrição, passe a ser admitido como um evento privado com o status de determinante de compor­tamentos dos indivíduos, ao contrário do que ocorre com o sen­tir, irremediavelmente excluído de uma perspectiva de deter­minação dos comportamentos futuros. Entretanto, exatamente devido à influência do pragmatismo, a existência da autodescri­ção não é suficiente para que o autoconhecimento seja tomado como determinante de comportamentos futuros, conforme visto

22 Note-se que há, aqui, um a contradição d iante do que foi afirm ado no prim eiro capítulo, sobre o operacionismo skinneriano. Mas a contradição parece ex is tir no próprio conjunto da obra de Skinner.

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no capítulo anterior. A autodescrição tem que ser pública para que seja admitida como determinante. E, como assinalado an­teriormente, a autodescrição só ocorre de forma pública na existência de certas contingências sociais. Na ausência delas, pode acontecer de forma privada. Neste último caso, reconhe­ce-se que o autoconhecimento possa existir sem que esteja sendo considerado como determinante de outros comportamen­tos do indivíduo. Isto é, um indivíduo pode autoconhecer-se em diversos sentidos e elaborar regras para comportamentos futu­ros sem que a comunidade (ou o cientista) tenha acesso a tais eventos. Por um lado, este é um fato coerentemente explicável segundo os princípios da teoria operante. Por outro, depen­dendo da extensão com que ocorra, pode impor muitas exigên­cias à própria tecnologia comportamental pretendida por Skinner, oriunda ela própria da dimensão pragmática de seu projeto de ciência do comportamento, e sustentada por uma outra convicção de que esta tecnologia é possível sem o acesso aos eventos internos (incluindo o autoconhecimento).

Uma outra questão levantada por Abib (1985) diz respeito à natureza da teoria do comportamento operante. Ele aponta a existência de dois possíveis componentes de uma teoria cientí­fica: um componente formal e um componente empírico. O componente formal está associado à existência de termos teó­ricos, necessários para a explicação dos fenômenos que cercam o objeto de estudo de uma ciência. O componente empírico re- fere-se aos aspectos observáveis de tais fenômenos. Assim, a estru tura formal está associada a uma “ interpretação realista da teoria científica” (onde realista significa adotar termos ex­plicativos, não observáveis diretamente) e a estrutura empírica relaciona-se com uma “ interpretação descritiva da teoria científica” . Em outras palavras, o que se está discutindo é a utilização de construtos teóricos (com o sentido de referência a eventos inobserváveis) e construtos empíricos, na elaboração de uma teoria (no sentido de conjunto de proposições) científi­ca. Neste quadro, Skinner estaria mais próximo de uma versão descritiva da teoria científica, admitindo apenas o componente empírico e descartando o formal. O próprio Abib, entretanto, salienta que os construtos empíricos da teoria operante (como

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estímulo, resposta, ou condicionamento operante) contêm as­pectos teóricos. Um destes aspectos é o caráter universal das proposições teóricas da psicologia operante. A lei do condicio­namento operante, por exemplo, é um postulado universal. Ela refere-se a um conjunto de fatos possíveis, que podem ou não ser observados. O material discutido anteriormente, com res­peito à visão skinneriana da privacidade, ilustra o caráter uni­versal da lei de condicionamento operante. Como visto, Skinner tra ta dos eventos privados (que são eventos inacessí­veis à observação pública direta) empregando os conceitos que foram derivados da pesquisa operante com eventos menos complexos e sujeitos à manipulação (experimentação) e à ob­servação pública.

Abib (1985) resolve o problema afirmando que a questão da estrutura formal versus estrutura empírica fica melhor co­locada considerando-se a acessibilidade para observação dos fenômenos com respeito aos quais a teoria é formulada.

“ . . . não existe diferença qualitativa entre os construtos empíricos e os construtos teóricos, o que aqui vale dizer que não existe o absolutamente observável e o absolutamente inobservá­vel. Com efeito, a observação pode ser relativamente direta ou relativamente indireta. No primeiro caso, situam-se os constru­tos empíricos; no segundo, os construtos teóricos” (Abib, 1985, p. 178).

Na perspectiva de Abib, então, a teoria operante, embora contendo construtos empíricos que reivindicam um caráter universal e, portanto, tendo uma dimensão teórica (no sentido do inobservável), ainda está limitada à estrutura empírica. Significa dizer que Skinner assume uma versão descritiva (e não realista) da teoria científica. Nesse sentido, é importan­te sublinhar que a teoria, para Skinner (segundo Abib, 1985), não admite a utilização de construtos teóricos para explicar os fenômenos relativos ao comportamento. Apenas construtos empíricos são admitidos nesta função.

A partir das considerações acima, pode-se dizer que a adoção de uma versão descritiva da teoria científica acrescenta

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um outro limite de ordem epistemológica ao tratamento skinneriano da subjetividade, em geral, e do autoconhecimen- to, em particular. Ao considerar as leis do condicionamento operante como universais, e utilizá-las para explicar eventos (privados) inacessíveis, Skinner está dando um passo perfei­tam ente compatível com sua postura diante da natureza (des­critiva) da teoria científica. Todavia, as categorias elaboradas a partir deste recurso (de explicar os fenômenos inacessíveis a partir dos fatos comprovados na pesquisa sobre fenômenos acessíveis) serão categorias teóricas. Tomá-las como explicati­vas de comportamentos equivaleria, então, a fazer um caminho inverso, abrindo mão da versão descritiva da teoria científica. Ou seja, seria admitir a explicação do comportamento, a partir de construtos teóricos.

Cabe, ainda, reafirmar o que foi colocado sobre a influên­cia do empirismo na psicologia de Skinner. Observou-se que a abordagem skinneriana está estreitamente vinculada ao tipo de investigação empírica, por ser este o instrumento de acesso às leis naturais sobre o comportamento. Se este é o caso, então, admitir construtos teóricos relativos a eventos inacessí­veis à investigação empírica, para explicar o comportamento, implica abrir mão do projeto de investigação do comportamento enquanto fenômeno natural. Novamente, o problema só pode ser equacionado na medida em que a privacidade, ou o autoco- nhecimento para ser mais específico (e menos problemático), puder ser tomado como evento público, portanto acessível à investigação empírica, via de acesso às leis naturais. E como a publicização do autoconhecimento é uma questão problemá­tica, pode-se dizer que, ainda que indiretamente, a versão des­critiva da teoria científica adotada por Skinner representa uma outra maneira de se apontar para os obstáculos a um tra ­tamento efetivo do autoconhecimento.

Um recurso diferente, que permite elucidar alguns limites do pensamento skinneriano, consiste em contrastá-lo com uma concepção diversa, porém não mentalista, do problema da pri­vacidade. Isso pode ser feito recorrendo-se à análise de Ribes (1982) sobre os eventos privados.

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Ribes (1982) procura diferenciar quatro coryuntos de di­cotomias que têm sido tomados como equivalentes, no contexto do pensamento psicológico, a seu ver iryustificadamente.

Estes coryuntos são objetivo/subjetivo, externo/interno, público/privado e manifesto/implícito. Para Ribes, o erro de tomarem-se estes coryuntos como equivalentes tem raízes no dualismo que historicamente persiste na psicologia.

“A postulação de eventoe privados como acontecimentos internos, constitutivos de uma subjetividade inacessível, se fun­damenta historicamente em concepções ontológicas e episte- mológicas dualistas" (Ribes, 1982, p. 12).

A análise de um dos conjuntos de dicotomias pode ser su­ficiente para ilustrar por que todos são considerados como equivocados. O conjunto mais apropriado para esta tarefa tal­vez seja o público/privado, não só porque não deveria ser to­mado como equivalente dos outros, como porque, para Ribes, essas categorias não são dicotômicas ou excludentes.

Ribes (1982) acredita que falar de um evento privado não implica negar a possibilidade de observação do mesmo. Para ele, o evento privado caracteriza-se por sua singularidade, e o público por seu aspecto de poder ser referido por mais de uma pessoa, com base em um acordo ou convenção.

“Falar da privacidade de um evento é referir-se a sua es­pecificidade, a sua unicidade de ocorrência. Neste sentido, todo evento que ocorre sob condições específicas é privado, seja ou não psicológico. Tão privado é um evento físico como um evento psicológico. No nível do estritamente psicológico, tampouco tem pertinência a distinção do privado em termos de seu ocultamen- to a outro observador, pois não é a possibilidade de observação que define a privacidade. Tão privada é uma “dor” de dente mo­lar como o é a forma particular com que toco piano ou escrevo uma carta ( . . . ) O público refere-se ao acordo por consenso para referir-se aos eventos, e não a sua acessibilidade à observação por outro. Público e privado, por conseguinte, não são pólos opostos de ocorrência ou natureza de um evento, mas termos que se referem a dimensões diferentes de descrição” (Ribes,1982, pp. 16-17).

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Ribes (1982) chega à concepção de evento privado como evento que é singular podendo ser público, a partir da supo­sição de que este evento não existe enquanto função psicológi­ca, antes que o indivíduo interaja com uma dada comunidade lingüística. Apoiando-se em Vigotsky, para quem qualquer função psicológica aparece primeiro em nível social (interpsi- cológica) e só posteriormente em nível individual (intrapsicoló- gica), Ribes (1982) sugere que antes da aquisição da linguagem o que existe são fenômenos físico-químicos e biológicos. A “ reatividade lingüística” (termo que Ribes empresta de Kan- tor para referir-se ao produto comportamental da interação do indivíduo com uma dada comunidade lingüística? seria, então, não só a responsável pela privacidade enquanto função psi­cológica, como também sua própria forma de existência. Quer dizer, não haveria eventos privados (pelo menos funcional­mente relacionados com a conduta dos indivíduos) a priori, mas sim enquanto produto da interação do indivíduo com a comunidade lingüística. O evento privado é a própria referên­cia lingüística, e não qualquer outra coisa que a linguagem meramente descreva. Além disso, o público pode ser assumido como aquilo que tem uma natureza social, daí a possibilidade de a privacidade ser tomada como evento público. E é nessa perspectiva que a questão a ser colocada não é a de publici- zação dos eventos privados, mas sim a de diferentes níveis de descrição de uma realidade que é social.

". . . os eventos, ou as relações entre eventos, só adquirem fun­cionalidade psicológica na medida em que se pode identificá-las como tais, superando sua fenomenalidade físico-química e bioló­gica imediatas - identificação que leva a efeito, e só pode ter lu­gar, na forma de relação lingüística. A reatividade lingüística constrói, desta maneira, parte da realidade a que respondemos . . . os chamados eventos privados ou subjetivos não constituem mais do que instâncias deste processo de construção, identifi­cação e resposta ante relações (. . .) Todo processo lingüístico de referência a eventos privados, internos ou subjetivos constitui o evento privado de referência e, assim, [significa] que o evento supostamente referido é, na realidade, o ato de referir como in­teração lingüística originada e convalidada publicamente” . (Ri­bes, 1982, pp. 23-24).

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Seria difícil avaliar, em poucas linhas, todas as impli­cações que esta visão da privacidade traz para uma psicologia como ciência do comportamento. Ainda assim, é possível e per­tinente assinalar a crítica daí derivada às proposições do beha- viorismo de Skinner.

Para Ribes (1982), a solução operacionalista de Skinner para a questão da privacidade, embora original se comparada com as versões operacionalistas lógicas, acaba implicando a persistência de traços dualistas na psicologia comportamental. Pois, defender que o papel do comportamento verbal, no caso, seja meramente o de descrever eventos que ocorrem de forma privada, e que o papel da comunidade verbal é meramente aquele de prover contingências para que tais descrições tor- nem-se possíveis, nada mais é do que admitir a existência de eventos dotados de uma natureza especial (privada, inacessível) como presentes nos fenômenos que cercam o objeto de estudo da ciência skinneriana. Os eventos privados, na perspectiva de Skinner, segundo Ribes (1982), seriam eventos existentes a priori e independentemente da linguagem23. Esta última é considerada apenas enquanto “ instrumento de comunicação ou conhecimento social de mundos subjetivos, privados, ante­riores ou independentes de sua descrição lingüística” (Ribes, 1982, p. 21). Na perspectiva de Skinner, finalmente, a dimen­são pública de um evento privado está limitada à possibilidade de um evento físico de alguma forma a ele associado. Esta di­mensão pública não chega a ser formulada em termos da pró­pria natureza social da linguagem responsável e, em última instância, forma de existência mesma da privacidade - pelo menos em termos de funcionalidade psicológica.

Se se considera a crítica de Ribes (1982) pertinente, po­de-se sugerir que são os princípios pragmáticos de Skinner, em

23 De certa forma, é possível questionar esta idéia de que, p ara Skinner, os eventos privados existem independentem ente da linguagem, já que este au to r enfatiza o fato de que o autoconhecim ento não existe a menos que a comunidade arra i\je estímulos verbais adequados p ara tal. De qualquer m aneira, é verdade que, em m uitos casos, Skinner considera o com portam ento verbal apenas em term os de descriçáo de um evento privado que não é verbal e que existe mesmo an tes de ser descrito.

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última instância, os responsáveis pela persistência (não gra­tuita) desta perspectiva dualista no behaviorismo radical.

Isso significa dizer que o tipo de solução vislumbrada por Ribes (1982) para o enfrentamento do problema da privacidade mostra-se incompatível com os princípios que norteiam a ciên­cia de Skinner, mencionados anteriormente. O conceito de evento público em termos de uma convenção da comunidade lingüística (Ribes, 1982), por exemplo, não poderia ser adotado por Skinner porque o público é formulado por ele em estreita conexão com seu conceito de empírico. Isto é, o público, para o behaviorismo radical, é aquilo que se presta à investigação empírica. E como assinalado por Abib (1985), o empírico é en­tendido aqui como o observado, medido e manipulado. O públi­co, para Ribes (1982) não atenderia a estes requisitos já que “ o público se refere ao acordo por consenso para referir-se aos eventos, e não a sua acessibilidade à observação por outro” (Ribes, 1982, p. 17). Skinner, então, não poderia assumir o conceito de público como proposto por Ribes. Neste caso, o primeiro elemento que aponta contra a alternativa de Ribes (1982) é o empirismo, pois, do modo como adotado pelo beha­viorismo radical, impõe a consideração de eventos públicos e privados como dicotômicos.

Como Skinner assume os eventos privados enquanto dire­tam ente inacessíveis, não pode também partilhar da idéia de que a forma de existência daqueles eventos seja exatamente a forma verbal. Talvez se pudesse até pensar que como esta existência na forma verbal é esclarecida em termos de funcio­nalidade psicológica, não haveria tanta incompatibilidade com Skinner, já que, conforme Abib (1985) assinala, quando os eventos privados são autodescritos, eles deixam de ser epi- fenômenos para serem determinantes de comportamentos fu­turos. Entretanto, Abib (1985) também ressalta que, na visão skinneriana, a descrição do evento privado é limitada exata­mente pela inacessibilidade pública àqueles eventos, os quais têm uma existência anterior à sua descrição. Tem-se, então, na inacessibilidade pública dos eventos privados um segundo ele­mento contrário às teses de Ribes.

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A concepção de eventos privados como direta e publica­mente inacessíveis implica que se considere um terceiro ele­mento - a versão descritiva da teoria científica. Uma vez que Skinner assume esta tese, os eventos privados não podem, en­quanto eventos inacessíveis, ser incluídos na teoria operante. Aqui, vale observar que as formulações de Skinner sobre os eventos privados são apenas inferências que surgem a partir das leis derivadas da observação do comportamento, e não u ti­lizadas para explicar este último. Assim, tais formulações não têm propriamente o caráter de construtos teóricos (Abib, 1985). Todavia, ir além destas inferências e explicar o compor­tamento em termos de categorias relativas a eventos inacessí­veis seria, de certa forma, utilizar construtos teóricos, o que não é admitido pela versão descritiva da teoria científica. A versão descritiva da teoria científica constitui, então, um te r­ceiro elemento de incompatibilidade entre o behaviorismo ra­dical e a alternativa de Ribes (1982), uma vez que descarta construtos relativos ao inobservável.

Estes três elementos (empirismo, inacessibilidade dos eventos privados e versão descritiva da teoria científica) pare­cem suficientes para indicar a incompatibilidade entre algu­mas teses de Ribes (1982) e alguns princípios epistemológicos do behaviorismo radical, como apontados por Abib (1985). Isto significa dizer que, no limite destas análises, não há como exi­mir a psicologia skinneriana de um certo traço dualista. Por outro lado, os três princípios podem ser relacionados a uma orientação pragmática, a partir da questão do empirismo.

Os três elementos enumerados podem, de certa forma, ser formulados em termos de um único - o empirismo. Como exa­minado anteriormente, a inacessibilidade dos eventos privados é formulada enquanto tal a partir de uma exigência da investi­gação empírica. E o método empírico de investigação científica que exige uma delimitação de que fenômenos devem ser consi­derados no estudo de um dado objeto. Quanto à versão descri­tiva da teoria científica, pode-se dizer que Skinner assume esta tese também em função, entre outros fatores, de sua crença na “ unidade fundamental do método científico” (um dos traços naturalistas e positivistas de sua abordagem). Não faria sentido

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que descartasse os construtos teóricos, caso não considerasse os construtos empíricos como suficientes para explicar os fenômenos sob investigação. Desse modo, parece legítimo su­por que é o compromisso com o método empírico experimental, única via de acesso às leis da natureza, que torna inevitável o dualismo que Ribes (1982) identifica nas proposições de Skinner. Quanto à relação deste empirismo com o pragmatismo, esta é sugerida também no trabalho de Abib (1985).

Na rápida consideração que Abib (1985) faz do pragma­tismo em Skinner, observa-se que subordina a este princípio a questão do empirismo. “ . .. é o interesse na previsão e controle do comportamento que dirige a atenção de Skinner para fenô­menos que possam ser observados diretamente, pois como tal serão passíveis de manipulação e mensuração e, portanto, de previsão e controle” (Abib, 1985, p. 103). Logo em seguida, Abib (1985) é mais explícito ao vincular o empirismo de Skinner ao princípio pragmático. “ São os interesses pragmáti­cos de Skinner que o vinculam a um empirismo cuja meta prin­cipal é a descoberta de leis experimentais que relacionem o comportamento a contingências de reforço” (Abib, 1985, p. 103). Em outras palavras, é a busca de uma tecnologia do compor­tamento que limitará o tratamento de Skinner para questões relativas à privacidade.

A partir dessas considerações, parece legítimo identificar no pragmatismo de Skinner um importante limite de ordem epistemológica para o tratamento behaviorista radical da pri­vacidade, em geral, e do autoconhecimento, em particular24. E claro que uma análise completa do assunto exige exame cuida­doso da doutrina pragmatista, bem como de suas influências no pensamento skinneriano em geral. Esta tarefa, contudo, fi­ca aqui apenas sugerida. Considere-se, agora, apenas o auto­conhecimento, que vem sendo o assunto central do presente trabalho, para examinar um pouco mais a questão do pragma­tismo.

24 Considere-se, aqui, novamente, o sentido particular com que o term o “ pragm a­tism o” está sendo empregado e a idéia de Abib (1985) de que o empirismo skinne­riano está subordinado a seus in teresses pragmáticos.

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No capítulo anterior, observou-se que o autoconhecimen- to é formulado por Skinner em termos compatíveis com sua teoria operante. Todavia, foi também assinalado que um im­passe surge quando Skinner admite que um indivíduo, a partir do autoconhecimento, pode produzir regras que estarão envol­vidas na determinação de seus comportamentos futuros, mas insiste na dificuldade de tratamento do problema e sugere, em alguns momentos, que a psicologia deve ser tomada como uma ciência do publicamente observável. O que caracteriza o im­passe e, assim, o limite teórico, é que as proposições de Skinner admitem a possibilidade de existência do autoconhe­cimento e das regras, mesmo que o indivíduo não as verbalize publicamente. Do ponto de vista teórico, então, admite-se a existência do autoconhecimento e de seu papel na determina­ção do comportamento, mas só se incorporam estes fenômenos à explicação do comportamento quando publicamente observá­veis. O que se pode sugerir, agora, é que tal limite teórico está articulado com o fundamento epistemológico pragmático de Skinner.

Abib (1985) sugere que o autoconhecimento pode transi­tar de epifenômeno a determinante do comportamento quando é descrito pelo indivíduo. Como apontado anteriormente, con­tudo, esta transição só ocorre quando se tra ta de uma descrição pública. Em outras palavras, o autoconhecimento só assume o status de determinante do comportamento quando atende às exigências do empirismo de Skinner. E como este empirismo está articulado com o pragmatismo skinneriano, pode-se afir­mar que o autoconhecimento só será assumido pelo behavioris- mo radical enquanto atender à exigência de previsão e controle do comportamento.

Parece lícito concluir, então, que no âmbito do limite epis­temológico pragmatista, o autoconhecimento será objeto de estudo da psicologia operante, desde que ocorra de forma pública. Por outro lado, a busca de uma tecnologia comporta- mental impõe uma não consideração do autoconhecimento en­quanto evento meramente privado.

Talvez fosse razoável supor que o limite apontado não traria implicações sérias para o desenvolvimento de uma

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tecnologia comportamental, já que esta poderia alcançar um grau tal de sofisticação que ocasionasse o surgimento de des­crições verbais dos eventos que estão ocorrendo em nível pri­vado e, assim, estaria analisando o comportamento humano em sua extensão mais complexa. De qualquer maneira, além da questão dos eventos que são por natureza e irremediavelmente privados (e, portanto, não poderiam ser descritos com precisão, devido ao problema de acesso da comunidade verbal), tal tec­nologia precisaria levar em conta aspectos tão minuciosos da interação do indivíduo com seu ambiente, que provavelmente inviabilizar-se-ia ao nível de uma aplicação em larga escala.

A questão a saber é se Skinner fala de uma tecnologia no sentido meramente de aplicação dos princípios operantes ou se, além disso, sugere que a aplicação destes princípios deve le­var em conta somente as variáveis pública e imediatamente acessíveis. Assinalou-se, anteriormente, que a questão é tra ta ­da de forma contraditória por Skinner, embora algumas ci­tações dele apontem fortemente em favor de uma tecnologia que leve em conta a complexidade de certos eventos compor- tamentais. Dessa forma, devemos analisar as implicações da­quelas duas alternativas de tecnologia comportamental. Se se tra ta meramente de aplicar os princípios operantes, ela será sempre efetiva, desde que leve em conta os eventos inacessíveis direta e imediamente, quando necessário. Isso talvez possa ser feito, por exemplo, trabalhando-se com os relatos verbais dos indivíduos (Cf. Tunes, 1981), mas somente ao nível do compor­tamento individual, já que cada indivíduo estará apresentando diferentes variáveis sob controle das quais se encontra seu comportamento verbal. Se se trata, de outra forma, de aplicar os princípios operantes levando em conta somente variáveis acessíveis pública e imediatamente, a fim de prover contingên­cias dirigidas para o controle do comportamento em larga esca­la, pode-se dizer que o sucesso desta tecnologia estará limitado à própria formulação behaviorista radical do autoconhecimen- to e de seu papel na determinação do comportamento. Isto é, ela só poderá ter sucesso enquanto estiver dirigida para si­tuações em que o autoconhecimento não existe, ou existe mas não está dando a origem à formulação de regras.

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Em suma, o tratamento behaviorista radical do autoco- nhecimento está limitado, do ponto de vista epistemológico, por um traço dualista e por um princípio pragmatista. O pri­meiro, apontado como intransponível sem que os princípios indicados como relacionados ao empirismo de Skinner sejam descartados. O segundo, a própria razáo daquele empirismo, apontando contra um tratamento efetivo do autoconhecimen- to. Assim, não é sem razão que o artigo de Skinner de 1945 não desembocou, até hoje, num programa de investigações acerca do autoconhecimento, em particular, e dos eventos privados, em geral. Isto é, seria um equívoco pensar que, com o Terms, além de distinguir seu operacionismo, Skinner apontava também para uma revisão de outros princípios epistemológicos assumidos até então.

Para finalizar, considerando-se que na visão do próprio behaviorismo radical “ diferentes comunidades geram tipos e quantidades diferentes de autoconhecimento” (Skinner, 1974/1982, p. 146), e que o autoconhecimento, dependendo de contingências igualmente sociais, leva à formulação de regras que estarão envolvidas na determinação de comportamentos futuros, parece legítimo supor que uma tecnologia que não le­ve em conta estes fenômenos (se esta for a opção assumida) será tão (in)efetiva quanto menor (ou maior) o grau de auto­conhecimento provido aos membros de uma dada sociedade, com respeito a uma dada situação problema.

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CONCLUSÃO

No início deste trabalho, afirmou-se que Skinner surpre­ende pelo empenho com que tenta conciliar sua proposta de uma psicologia, enquanto ciência do comportamento, com um tratamento efetivo para os problemas tradicionalmente identi­ficados como subjetivos. E, de fato, tudo o que foi apresentado é suficiente para supor que, no mínimo, Skinner não estaria meramente mostrando que sua abordagem pode explicar os eventos privados, mas também sugerindo as bases para o de­senvolvimento de pesquisas sobre os fenômenos que cercam aqueles eventos. Nesse sentido, qualquer consideração sobre as proposições de Skinner merece a ressalva de que não se tra ta de negar, ao behaviorismo radical, a condição de uma aborda­gem efetivamente interessada no estudo científico dos fenô­menos relativos ao comportamento (inclusive humano). Toda­via, não há como esta abordagem se desenvolver sem que se proceda a uma análise cada vez mais próxima de seus limites (ou problemas) na consecução dos objetivos a que se propõe.

Há dois pontos a destacar com respeito ao material discu­tido. Por um lado, a posição do behaviorismo radical, talvez para espanto de muitos, está muito longe de desprezar o pro­blema do autoconhecimento. Por outro, sendo o behaviorismo radical a filosofia de uma ciência que pretende atender aos critérios de objetividade das ciências naturais, o tipo de tra ta ­mento que procura oferecer para o autoconhecimento caracte- riza-se pela tentativa de abordá-lo enquanto evento acessível à investigação empírica. Assim, no âmbito da análise experimen­tal do comportamento, ao contrário do que pode ocorrer em outras abordagens, o autoconhecimento não pode ser consi­derado em uma perspectiva inferencial, mas sim e somente a partir do momento em que é tornado público. Os limites desta

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publicização foram bastante discutidos no presente trabalho. Mas vale reafirmar que estes limites estão sempre articulados com a questão do dado empírico.

Conforme visto no capítulo anterior, segundo algumas posições, a concepção behaviorista radical do dado empírico ar- ticula-se com a adoção de um princípio pragmatista de ciência. Sendo assim, é através de uma análise mais aprofundada deste princípio que se poderá avançar na discussão do problema do autoconhecimento. Entender como a teoria operante concebe o autoconhecimento, sem discutir os princípios em que se fun­damenta, não deve ser suficiente para uma avaliação de suas possibilidades. O fato de que se pode pensar na instalação de alguns comportamentos relativos ao autoconhecimento, com base nos princípios operantes, como indicado no corpo deste trabalho, não significa que todos os problemas relativos ao au­toconhecimento poderão ser superados com o desenvolvimento de técnicas de registro e análise (como talvez Skinner supo­nha). Ao contrário, observou-se que há problemas cuja supe­ração, quando possível, poderá depender de uma reavaliação dos próprios princípios de ciência adotados pelo behaviorismo radical. E, a despeito de como tal abordagem se desenvolva com respeito a estes problemas, é importante que estes (e ou­tros) princípios estejam sendo discutidos e explicitados. Como afirma o próprio Skinner, o comportamento do cientista também é função de contingências de reforçamento. Nesse sentido, a explicitação destas contingências (sejam elas abor­dadas enquanto epistemológicas ou, numa outra instância, en­quanto sócio-culturais) só traria vantagens. E, mais ainda, se terá a ganhar se for possível analisá-las no contexto da própria história da psicologia enquanto disciplina científica.

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POSFÁCIOPARA ALÉM DO PÚBLICO-PRIVADO

“A intuição da existência de uma parede, de alguma coisa dentro do homem separando-o do mundo externo, por mais ge­nuína que possa ser como intuiçáo, náo corresponde a nenhuma coisa no homem que tenha o caráter de uma real parede.”

(N. Elias. O Processo Civilizador)

Ao longo deste trabalho, o termo subjetividade foi pouco mencionado, em virtude de não se pretender enveredar por certos problemas conceituais que cercam a disciplina psicológi­ca. Todavia, a questão enfrentada por Skinner é exatamente esta, a da subjetividade, desde que entendida em termos da in­terioridade humana e da significação que essa interioridade assume para os indivíduos de uma cultura. O que foi examina­do sobre a posição de Skinner com respeito ao autoconheci­mento, as virtudes e os problemas de sua análise, valem, na verdade, para a privacidade em geral, ou melhor, para qual­quer evento relativo à subjetividade.

O que se apontou como um limite da análise skinneriana, a (im)possibilidade de articular o caráter interpretativo das afirmações ditas behavioristas radicais com a orientação empí- rico-experimental da análise do comportamento, talvez não deva ser pensada como um problema próprio desta versão de psicologia, mas como uma manifestação simplesmente diferen­te de uma dificuldade que faz parte da própria história de constituição da disciplina psicológica: a dificuldade de conciliar as noções de interioridade, singularidade e incomunicabilidade da experiência subjetiva com a pretensão de se fazer disto um objeto de investigação científica. A afirmação de que este é um

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problema que permeia diversas (se não todas) versões de psico­logia não implica, todavia, a aceitação de uma interpretação do fenômeno psicológico enquanto algo interior, singular e inco­municável, portanto refratário aos métodos e instrumentos da ciência. Ao contrário disso, pretende-se indicar brevemente duas vias de problematização da questão da subjetividade que sugerem a limitação daquela interpretação. A primeira via é a do resgate histórico da construção da subjetividade enquanto problema para a cultura ocidental moderna. A segunda é a da relação entre linguagem e subjetividade.

A questão fundamental colocada por uma discussão histó­rica da subjetividade é a da compreensão das condições em que os chamados eventos psicológicos vieram a existir enquanto problema para uma dada cultura. Examinar estas condições, entretanto, implica, desde já, pressupor que se está lidando com um problema construído historicamente, e não dado natu­ralmente. No caso desta suposição se mostrar pertinente, então, as psicologias que assumem seu objeto de estudo numa perspectiva naturalista (o que é o caso da maioria, se não de todas as psicologias) estariam perdendo de vista uma dimensão fundamental de seu objeto, aquela dimensão que remete às condições da própria existência deste objeto. Parece ser isto que ocorre quando se assume o psicológico como algo interior, singular e incomunicável. No caso da análise de Skinner, este naturalismo aparece (mesmo em contradição com algumas de suas afirmações, como se verá a seguir), não com respeito às chamadas “ linhas naturais de fra tu ra” do fenômeno compor- tamental (como apontado na Nota 20), mas com respeito a sua suposição de um privado que existe antes e independentemen­te da interação (talvez não apenas verbal) entre os indivíduos. Quer dizer, se Skinner não é naturalista do ponto de vista da fundamentação epistemológica de seu modelo de ciência, ele certamente o é (ainda que contraditoriamente) do ponto de vista de sua concepção da subjetividade (ou da privacidade).

As evidências de que a subjetividade é um problema que veio a se constituir apenas no contexto de processos histórico- sociais são fornecidas, sobretudo, por historiadores e antropó­

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logos25. Estudos históricos e antropológicos têm não apenas sugerido esta construção, mas também apontado para o fato de que ela fica melhor compreendida quando abordada do ponto de vista de dois processos interrelacionados que marcaram a cultura ocidental a partir do final da Idade Média: de um lado, a valorização ou problematização da interioridade humana (seus sentimentos, pensamentos, vontades, cognições, etc.) em doutrinas religiosas e filosóficas e em movimentos artísticos e culturais; de outro, o afastamento crescente entre os domínios da vida pública e da vida privada, esta última restringindo-se cada vez mais ao próprio indivíduo e convertendo-se em refú­gio e esconderijo de suas pulsões naturais. Estes processos re­sultaram, concretamente, em transformações significativas nas relações sociais, pautadas, agora, pelo princípio da represen­tação e pelo conteúdo impessoal. Estes processos representam, ainda, e de outro ponto de vista, a emergência de doutrinas ou práticas individualistas, próprias ou resultantes da instituição de uma economia de mercado. Estas doutrinas ou práticas individualistas, relacionam-se com o estabelecimento de uma nova ordem econômica, paradoxalmente, tanto no sentido de legitimação desta última, quanto no sentido de reação ao seu produto social. Por outro lado, é no contexto da emergência do individualismo que se institui o indivíduo como unidade inde­pendente, autosuficiente e objeto, em si mesmo, de análise.

O que os problemas citados acima sugerem é que a cha­mada interioridade humana pode não ser um problema em si mesmo, mas um problema que só se torna inteligível quando se examinam as condições de seu aparecimento, e estas, por outro lado, indicam tratar-se de um problema que diz respeito, antes de tudo, à natureza das relações que os indivíduos travam entre si (compreendendo-as em sua dimensão histórica) e à imagem que criam de si mesmos sob tais circunstâncias. E des­te ponto de vista que falar do psicológico como algo interior, singular e incomunicável mostra-se bastante limitado.

25 Alguns dos trabalhos consultados a este respeito são os de Ariés e Duby (1990/1991), E lias ( 1990a; 1990b), Figueiredo (1992) e Sennett (1988).

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Apesar do caráter naturalista da interpretação skinneria- na da subjetividade, ilustrado em vários trechos, há momentos em que Skinner, contraditoriamente, ou sem perceber as im­plicações de sua análise e levá-las às últimas conseqüências, chega a apontar o caráter histórico da significação hoje atri­buída aos conceitos assumidos como descritivos de estados sub­jetivos. Isso acontece, em geral, quando Skinner discorre sobre a etimologia dos termos psicológicos. Mas esta análise aparece apenas como subsidiária de uma análise operacional que resul­ta na noção de “ imprecisão das respostas descritivas de estados internos” . De qualquer modo, mesmo no terreno da análise operacional a tarefa parece ficar a meio caminho. Se o opera- cionismo deve ser assimilado em termos da necessidade de uma análise funcional para o comportamento verbal, algo mais po­de ser dito sobre a questão da subjetividade. Ou, de outra forma, a despeito do que se fale sobre operacionismoy se a lin­guagem deve ser concebida enquanto forma de ação humana no mundo, e não enquanto sistema de representação (mental ou de outra natureza), as idéias de correspondência e impre­cisão precisam ser reexaminadas.

A noção de linguagem como forma de ação está associada à atribuição de uma natureza social a todo sistema lingüísti­co26. Esta natureza social da linguagem implica: de um lado, o caráter público das condições em que é usada; e, de outro, uma base convencional para sua significação. Isto é, na medida em que a linguagem é uma forma de ação sobre o meio social (e não sobre o meio físico) ela só existe dotada de significação na medida em que as condições para seu uso são partilhadas pelos membros da comunidade lingüística, os quais conferem, por sua vez, arbitrária e convencionalmente a natureza de sua sig­nificação. Isso pode ser dito em termos skinnerianos: na medi­da em que o comportamento verbal é entendido enquanto um comportamento cujas conseqüências são mediadas por um ou­vinte, ele só pode ser aprendido a partir de contingências

26 E s ta an á lise se apóia, p rincipa lm ente , nas idéias de W ittg en stein (1988), algum as das quais são suc in tam en te reproduzidas aqui. Evitou-se, no en ta n to , d isco rre r sobre os conceitos e argum en tos por ele em pregados, em v irtude dos lim ites deste trab a lh o .

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providas por uma comunidade verbal, a qual estabelece as condições em que tal comportamento é funcional.

Esta concepção de linguagem implica, também, a impossi­bilidade de uma linguagem privada, de uma linguagem descri­tiva de alguma coisa a que apenas um indivíduo tem acesso, e, de outro modo, implica um referente (no sentido de “ condições em que é usada” ) público para tudo aquilo o que é dito (com significação, ou dotado de funcionalidade). Quer dizer, todas as falas humanas são falas aprendidas a partir de condições parti­lhadas pelos indivíduos de uma mesma comunidade lingüística e são estas condições que lhes conferem e significação. Isso quer dizer que nada do que é dito pode referir-se a alguma coi­sa experienciada por um único indivíduo.

A afirmação da impossibilidade de uma linguagem priva­da não implica a negação da ocorrência de eventos aos quais indivíduos particulares têm acesso, ou a impossibilidade de um indivíduo associar uma condição própria com as condições pu­blicamente partilhadas para o uso de uma palavra. Mas impli­ca a afirmação de que tudo o que é dito tem uma base pública que é determinante de seu uso. E é do ponto de vista desta ba­se pública que se pode falar em correspondência ou precisão de um relato, atentando para o fato de que as condições conven­cionadas em que um relato é tido como confiável não são as mesmas para os diferentes tipos de fala. Esta é uma questão particularmente importante para a discussão dos chamados re­latos subjetivos. Um relato do tipo eu vi um carro tem uma ba­se pública e convencionada, tanto quanto um relato do tipo eu chutei uma bola. E não é porque a topografia do ver não pode se especificada que o primeiro relato é menos preciso que o se­gundo. Também não é porque não se tem acesso à estimu­lação privada que pode ser associada às condições para o uso do ver que esta diferenciação pode ser feita - não se tem acesso à estimulação privada que pode ser associada às condições para o uso de chutar e nem por isso a resposta eu chutei é tida como imprecisa. O mesmo pode ser dito para relatos do tipo eu pen­sei. . ., eu senti. . ., etc. O que pode diferenciar aqueles dois ti­pos de respostas são as condições que determinam seu uso, mas, neste caso, está-se falando de um problema empírico.

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Colocando o problema citado acima em termos skinneria- nos, poder-se-ia dizer que as contingências de reforçamento responsáveis pelos dois tipos de relato são de tipo diferente. Mas disto não resulta, necessariamente, a desqualificação de um tipo de resposta. O problema só aparece quando se pensa que a linguagem deve sempre descrever algo e quando se supõe que uma resposta do tipo eu vi, ou eu senti, deve ter o mesmo tipo de referente de uma resposta como eu chutei, ou eu escrevi. Esta, entretanto, é uma concepção mais apropriada às teorias referenciais do significado e, ao sugerir tal posição, Skinner parece entrar em contradição com sua proposta de análise fun­cional para o comportamento verbal. A suposição de que a co­munidade verbal preocupa-se em inferir a ocorrência de uma estimulação privada à criança quando lhe ensina uma resposta como sinto dor desvia a atenção das contingências de reforça­mento efetivamente responsáveis por aquela resposta. E coloca a questão da dor em si mesma como o problema relevante.

A alternativa que Skinner oferece para tratamento do problema da linguagem contém em si as possibilidades de uma crítica a certos problemas historicamente constituídos no campo da ciência psicológica. Discutindo a relação entre lin­guagem e subjetividade, Bloor (1987) chega a afirmar que é Skinner quem fornece as bases para o argumento wittgenstei- niano da impossibilidade de uma linguagem privada. Mas as possibilidades da interpretação behaviorista radical, não são plenamente realizadas pelo próprio Skinner. Segundo Bloor (1987) Skinner não chega a derivar uma conseqüência funda­mental de sua análise: “ se não podemos condicionar nenhuma resposta pública a algo que é necessariamente privado, então não temos nenhuma base para chamar o que é privado de uma ‘sensação’ ou mesmo de ‘algo’” (Bloor, 1987, p.64).

A discussão de Skinner acerca da impossibilidade de se condicionar respostas verbais sob controle de estímulos priva­dos acaba por enfatizar a existência de um conjunto de fenô­menos (psicológicos) que dizem respeito a seu objeto de estudo (já que, ao contrário dos behavioristas metodológicos, pretende introduzir estes fenômenos no escopo de sua ciência do com­portamento) e que não se prestam a uma investigação

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científica. Nos limites da análise de Skinner, continua-se com o problema de fazer ciência de algo que escapa aos limites de uma formulação lingüística.

As críticas dirigidas a Skinner no decorrer deste trabalho talvez não façam justiça à totalidade de sua obra. Ao longo da história da psicologia como ciência, Skinner foi um dos mais importantes críticos da imagem que o homem moderno insiste em ter de si mesmo, uma imagem de ser autônomo, autosufi- ciente e dotado de vivências interiores que constituem a essên­cia de sua existência psicológica. A propósito, é de Skinner uma das mais importantes e refinadas críticas à noção de li­berdade pessoal (Cf. Skinner, 1983), um dos pilares das dou­trinas individualistas. Sua discussão da chamada literatura da liberdade contém, inclusive, certa dose de compreensão histó­rica da questão e uma boa análise das funções daqueles discur­sos. O problema reside em saber em que medida estas (e outras) contribuições de Skinner podem ser abrigadas sob seu próprio modelo de ciência.

Para Skinner, uma ciência do comportamento deve ser uma ciência experimental, pois apenas assim ela poderá chegar a leis que propiciem a previsão e o controle dos fenômenos comportamentais. O interesse na previsão e no controle freqüentemente aparece associado à idéia de que a ciência do comportamento deve ser capaz de propiciar os recursos ne­cessários ao planejamento científico da cultura, via de solução dos problemas humanos. A história não atende a tais requisi­tos ou exigências e, portanto, não serve a esta ciência (Cf. An- dery, 1990). O mesmo vale para outros tipos de análise que, se, por um lado, são interpretações pertinentes, não são, por outro, científicas. O interesse pragmático de Skinner, então, associa­do que está a um empirismo fisicalista, está mais próximo de um objetivismo (a que se opõe o pragmatismo propriamente dito, tal como apontado na Nota 19) que exclui do escopo de uma ciência grande parte dos problemas examinados neste trabalho. A psicologia, entretanto, não pode prescindir daque­las interpretações se elas são as únicas vias para apreensão de dimensões relevantes de seu objeto de estudo. O progra­ma experimental da psicologia operante de Skinner pode ser

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considerado legítimo, mas isto não significa que ele baste à psicologia ou que se apóie nos únicos suportes capazes de con­ferir cientificidade ou legitimidade a um conhecimento psi­cológico. Ao contrário disso, como argumentado ao longo dos capítulos anteriores, ele chega a partilhar alguns dos equívo­cos ou limitações das próprias psicologias das quais ele se pre­tende crítico.

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Impressão e Acabamento

G R Á F I C A UNIVERSITÁRIA U F P A

Trav. Rui Barbosa, 491 _ Reduto Belém - Pará _ 66.053-260

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Pode a psicologia en­tendida enquanto ciência do comportamento dar conta da subjetividade humana? O que significa para uma tal psicologia o conhecimento de si mes­mo? Qual o papel da cha­mada experiência privada na determinação do com­portamento humano? Per­guntas como estas ocupam o centro da análise desen­volvida por Emmanuel Zaguiy Tourinho neste li­vro. Penetrando no pen­samento tão rico quanto polêmico de B.F. Skinner, a análise evita o nível dos preconceitos e das respos­tas superficiais, colocando em evidência o empenho teórico de Skinner em li­dar com temas centrais da disciplina psicológica, ao mesmo tempo em que as­sinala aspectos críticos de suas formulações.

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EMMANUEL ZA- GURY TOURINHO nas­ceu em Belém, Pará, em 06/08/1962. Graduou-seem psicologia pela Univer­sidade Federal do Pará em 1984. Em 1988 concluiu o Curso de Mestrado em Psicologia Social na Pon­tifícia Universidade Cató­lica de São Paulo. Deu continuidade a sua pós- graduação na Universida­de de São Paulo, onde ob­teve, em 1994, o título de Doutor em Psicologia Ex­perimental, defendendo tese intitulada “Behavio- rismo Radical, Represen- tacionismo e Pragmatis­mo: Uma Discussão Epis- temológica do pensamento de B.F. Skinner”. Atual­mente, é Professor Adjun­to do Departamento de Psicologia Social e Escolar da Universidade Federal do Pará, onde desenvolve estudos na área de episte- mologia e psicologia, histó­ria da psicologia e teoria do comportamento.

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Esta publicação vem preencher uma dupla lacuna na medida em que torna mais pública a

existência de um jovem pensador, ao mesmo tempo que dissemina

um de seus produtos.Embora a problemática teórica da obra

circule em torno da Análise Experimental do Comportamento, e a matéria prima seja

constituída, basicamente, pela obra de Skinner, o conteúdo e as análises realizadas têm um interesse que extrapola esse âmbito.

A partir da publicação, esta obra poderá ser discutida, questionada ou mesmo

contestada, jamais ignorada.

S érg io V. L una

MECSESuPROEDU F P A