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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X TRABALHADOR E TRABALHADORA, QUE SUJEITOS SÃO ESSES? Virgínia Carollo da Costa Dias 1 Resumo: O presente trabalho tem como proposta, a partir do arcabouço teórico da análise do discurso (AD) de corrente francesa, analisar as construções dos padrões de gênero presentes em discursos sobre trabalho. Para isso são escolhidas, como corpus de análise, duas matérias prescritivas sobre trabalho retiradas das revistas das revistas Você S/A e Cosmopolitan/Nova. Palavras-chave: Análise do Discurso. Sujeito. Mulher. Trabalho. Introdução: Neste trabalho buscamos analisar como os discursos sobre gênero e trabalho se entrelaçam e se materializam na textualidade, para isso trazemos uma análise discursiva de uma matéria retirada da revista Você S/A e outra da revista NOVA. A primeira é uma publicação especializada em emprego e empregabilidade e a segunda é voltada para mulheres jovens. A motivação dessa proposta vem da desigualdade entre homens e mulheres existente no mercado de trabalho, apesar de termos conquistado grande espaço, não temos os mesmos salários nem as mesmas condições de trabalho. Além disso, encontramos também uma segregação sexual de postos e profissões, algumas áreas ainda são compostas majoritariamente por mulheres e outras por homens, sendo as consideradas masculinas de maior prestígio social. Os cargos e posições de maior poder, chefia e liderança dentro das corporações ainda são também, em sua maioria, ocupados por homens (HIRATA, 2002). Dentro dos estudos sobre sociologia do trabalho as autoras Helena Hirata e Danièle Kergoat, se dedicam especificamente ao estudo da divisão sexual do trabalho. Elas consideram a divisão sexual do trabalho como um aspecto da divisão social do trabalho, onde a relação opressão/ dominação está fortemente incluída. “A divisão sexual do trabalho é sempre indissociável das relações sociais entre homens e mulheres, que são relações desiguais, hierarquizadas, assimétricas e antagônicas” (HIRATA, 2002). Logo, as relações trabalhistas não podem ser analisadas separadamente das sociais, entre elas as sexuais. Kergoat (2002) propõe então considerá-las em termos de “coextensividade”, ou seja, não há hierarquia entre relação econômica e sexual, as duas se dão simultaneamente, o espaço da exploração do trabalhador assalariado é também o espaço de dominação masculina. 1 Mestranda em Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

TRABALHADOR E TRABALHADORA, QUE SUJEITOS SÃO ESSES?

Virgínia Carollo da Costa Dias1

Resumo: O presente trabalho tem como proposta, a partir do arcabouço teórico da análise do discurso (AD) de corrente

francesa, analisar as construções dos padrões de gênero presentes em discursos sobre trabalho. Para isso são escolhidas,

como corpus de análise, duas matérias prescritivas sobre trabalho retiradas das revistas das revistas Você S/A e

Cosmopolitan/Nova.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Sujeito. Mulher. Trabalho.

Introdução:

Neste trabalho buscamos analisar como os discursos sobre gênero e trabalho se entrelaçam e

se materializam na textualidade, para isso trazemos uma análise discursiva de uma matéria retirada

da revista Você S/A e outra da revista NOVA. A primeira é uma publicação especializada em

emprego e empregabilidade e a segunda é voltada para mulheres jovens.

A motivação dessa proposta vem da desigualdade entre homens e mulheres existente no

mercado de trabalho, apesar de termos conquistado grande espaço, não temos os mesmos salários

nem as mesmas condições de trabalho. Além disso, encontramos também uma segregação sexual de

postos e profissões, algumas áreas ainda são compostas majoritariamente por mulheres e outras por

homens, sendo as consideradas masculinas de maior prestígio social. Os cargos e posições de maior

poder, chefia e liderança dentro das corporações ainda são também, em sua maioria, ocupados por

homens (HIRATA, 2002).

Dentro dos estudos sobre sociologia do trabalho as autoras Helena Hirata e Danièle Kergoat,

se dedicam especificamente ao estudo da divisão sexual do trabalho. Elas consideram a divisão

sexual do trabalho como um aspecto da divisão social do trabalho, onde a relação opressão/

dominação está fortemente incluída. “A divisão sexual do trabalho é sempre indissociável das

relações sociais entre homens e mulheres, que são relações desiguais, hierarquizadas, assimétricas e

antagônicas” (HIRATA, 2002). Logo, as relações trabalhistas não podem ser analisadas

separadamente das sociais, entre elas as sexuais. Kergoat (2002) propõe então considerá-las em

termos de “coextensividade”, ou seja, não há hierarquia entre relação econômica e sexual, as duas

se dão simultaneamente, o espaço da exploração do trabalhador assalariado é também o espaço de

dominação masculina.

1 Mestranda em Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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Propomos, então, em pensar tal conceito dentro de uma perspectiva discursiva, buscando

investigar como se dá a relação entre o discurso sobre trabalho e os discursos de dominação

masculina e opressão feminina.

Dentro da perspectiva de AD a noção de sujeito discursivo (ORLANDI, 2013) não se refere

à noção psicológica e/ou sociológica de sujeito empírico, trabalhamos com a noção de sujeito

descentrado, este não sendo a causa de si. O sujeito aqui é entendido como “posição”, ou seja, cada

sujeito assume diversas posições, sem as quais não seria possível o “dizer”, de modo que sempre

falamos de algum lugar e nossas falas sempre estão inscritas nessas posições.

Essas posições não possuem seus sentidos em si, as imagens dos sujeitos significam dentro

de um contexto sócio histórico e de acordo com a memória discursiva, de modo que “o que

funciona nos processos discursivos é uma série de formações imaginárias que designam o lugar que

A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles se fazem de seu próprio lugar e do

lugar do outro” (Pêcheux, 2014, p.82). Aqui, A e B são entendidos como lugares determinados na

estrutura de uma formação social e não como a presença física de organismos humanos individuais.

Os processos discursivos se desenrolam então, a partir, da antecipação, por parte do emissor,

das representações do receptor sobre a qual se funda a estratégia do discurso (PÊCHEUX, 2014).

Tais processos direcionam os discursos, o enunciador “antecipa-se assim a seu interlocutor quanto

ao sentido que suas palavras produzem” (Orlandi, 2013, p.39). Nossa hipótese é a de que esses

lugares são representados nos processos discursivos em que são colocados em jogo.

Podemos considerar, então, que as revistas elaboram suas matérias a partir da antecipação de

formações imaginárias de seu público leitor. A revista Você S/A se baseia, a princípio, nas projeções

imaginárias de “trabalhadores corporativos”, (pessoas que trabalham em ambientes corporativos) e

a revista NOVA nas de “mulheres jovens”.

Buscamos assim investigar que efeitos de sentido constituem as formações imaginárias

desses trabalhadores corporativos em Você S/A e das mulheres jovens para NOVA. Quem são esses

sujeitos? Que discursos atravessam essas formações imaginárias?

Análises:

Apresentaremos agora a análise das matérias “Master Chefe” da revista NOVA de fevereiro

de 2015 e “Chefe de primeira viagem” da revista Você S/A de abril de 2012. Ambas abordam o

mesmo tema, a primeira vez de um profissional em um cargo de liderança. A análise foi feita

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comparativamente por recortes, ou seja, as sequências já foram recortadas e agrupadas de modo a

serem comparadas, de acordo com seu modo de funcionamento no texto.

As duas matérias apresentam caráter prescritivo, de modo que seu objetivo não é apenas o

de divulgar informações. As revistas se colocam como detentoras de um saber que deve ser

transmitido e ensinado para seus leitores de forma a torna-los profissionais bem sucedidos.

Os textos são assim caracterizados por traços de didaticidade, ou seja, são “voltados para

expor, de modo pedagógico, as demandas do mercado de trabalho, o que deve ou não ser feito e os

riscos de não se seguirem as recomendações dadas” (Souza-e- Silva, 2010, p.9).

Começamos então, recortando os subtítulos das duas matérias de modo a observar seus

modos de funcionamento.

SD1a: Por mais preparado que um profissional esteja, há muitos desafios para um gestor

novato. Descubra o que fazer nos três primeiros meses. (Você S/A, ed.202, abril de 2015).

SD1b:Os Deuses te ouviram: Você foi promovida! Mas com a mesa maior e o novo cargo

no cartão de visita vieram outras responsabilidades. E você percebe que liderar e motivar

uma equipe não é tão fácil quanto parece naqueles livros de carreira... Veja como agir no

seu novo posto – aliás, Parabéns!(NOVA ed. 497, fevereiro de 2015)

Encontramos nos textos de Você S/A e NOVA, diferentes formas de inclusão do leitor no

discurso. No primeiro este é incluído como o sujeito (gramatical), do enunciado e designado por

termos genéricos (um profissional, todo profissional, o profissional, o gestor, o líder...), arquétipo

do bom profissional. Esse “ele” do discurso (do enunciado) mostra ao pretenso leitor como ele

deveria ser e o que deveria fazer. Essa construção cria um efeito de espelhamento, ou seja, o leitor

se “espelha” no personagem criado para se tornar bem sucedido (MOIRAND, 1993).

No segundo, o destinatário é interpelado diretamente pelo pronome “você”, não há mais um

efeito de espelhamento, cria-se uma identificação forçada do destinatário através de um simulacro

de diálogo (MOIRAND, 1993).

Apesar dessas diferentes formas de inclusão do “outro” no discurso, encontramos tanto em

SD1a quanto em SD1b o uso do imperativo direcionado ao leitor. Mesmo sendo gramaticalmente

semelhantes, essas marcas linguísticas funcionam produzindo diferentes efeitos de sentido em cada

uma das sequências. Para compreendermos melhor os funcionamentos de tais marcas em cada

sequência, analisemos primeiramente os elementos que a antecedem.

Em SD1a o parágrafo é introduzido por uma oração concessiva destacando-se a boa

qualificação de “um profissional” para logo após afirmar que não existe preparação suficiente que

evite o “gestor novato” de encontrar “desafios”. Essa concessão funciona como uma forma de

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mostrar ao leitor que sua competência profissional não está sendo questionada e que os desafios da

nova gestão não estão relacionados a ele.

Já SD1 b começa com a frase “Os Deus te ouviram”, funcionando a partir da antecipação na

qual a leitora estaria fazendo pedidos a entidades místicas (e ou religiosas) para que pudesse ser

promovida. No decorrer da sequência, a revista “vê a necessidade” de esclarecer como é um cargo

de chefia na “vida real”, ou seja, que “não é tão fácil quanto parece naqueles livros de carreira”,

indicando que a leitora não teria uma real noção das responsabilidades trazidas com o novo cargo,

pois suas expectativas seriam criadas apenas baseadas em suas leituras dos “livros de carreira”,

como se elas não tivessem a vivência do mundo do trabalho. Além disso, as exemplificações de

“mesa maior” e o “nome no cartão de visitas” representam o status de chefe, indicadores de

hierarquia que habitam o imaginário do senso comum, a parte “legal” de ser chefe. Representam o

estereótipo, em que há conforto e “respeito” sem considerar as atribuições do cargo. O enunciado

funciona como um alerta. É preciso explicar o que é ser chefe “na vida real”.

Essa introdução, em ambas as revistas, funciona como justificativa para explicar ao leitor

porque este deve ouvir seus conselhos e seguir as diretrizes trazidas pelas revistas.

Temos então em SD1a o enunciado “descubra o que fazer”, O verbo descobrir tem entre

outros sentidos o de “encontrar o que era desconhecido” remete a ação. Além disso, o verbo no

imperativo é seguido do pronome demonstrativo “o” que tem função de complemento do verbo

descobrir (objeto direto). Desse modo, é marcado na oração que há algo a ser descoberto, basta que

o leitor se aproprie desse conhecimento para por em prática. O verbo “fazer” da oração subordinada

adjetiva “que fazer” também reforça a ideia de ação. Podemos assim pensar no funcionamento do

enunciado como “Descubra o que fazer para conseguir enfrentar os desafios”.

A construção “veja como agir” , entrando, apresenta outro funcionamento discursivo. O

verbo “ver” remete a observação, passar a saber o que antes não sabia. Juntamente com adjunto

adverbial de modo “como” produz-se o efeito de sentido de que as leitoras não sabem como se

portar no ambiente de trabalho e por isso a revista lhes mostrará padrões de comportamento que elas

devem apenas copiar.

Além do imperativo, encontramos também, nas sequências abaixo, diferentes

funcionamentos no uso dos verbos na primeira pessoa no plural (tempo presente do indicativo):

A seguir comparamos os parágrafos introdutórios de cada uma das revistas:

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SD2a: Chegar a um cargo de liderança faz parte dos planos e das ambições de praticamente

todo profissional. Mas alcançar voos mais altos e assumir responsabilidades maiores nem

sempre é simples. (Você S/A, ed.202, abril de 2015).

SD2b: Todo fim de ano você se lembra de pedir para encontrar um boy sincero, revive o

sonhodaquela casa na praia e traça metas como começar a academia, a pós-graduação e ser

menos ansiosa. Na sua lista de desejos para o ano novo também esta a aquela sonhada

promoção, mesmo que ela pareça distante. E não é que seu pedido corporativo saiu do

papel? Seu chefe reconheceu e você é a nova gerente de sua área. Ufa. Mas junto com a

felicidade te ter chegado aonde queria aparece o medo de liderar uma equipe pela primeira

vez. Você acha que não merece o sucesso e se apavora. Isso é normal!(...)E geralmente nós,

mulheres, nunca achamos que estamos de fato preparadas. Rola insegurança, medo de errar.

(NOVA, ed. 497, fevereiro de 2015)

Começamos pela análise de SD2b na qual tem-se uma narrativa com a simulação de a uma

lista de desejos de fim de ano. Aqui, como no subtítulo, a leitora é tomada como passiva, alguém

que pede a outros para realizar seus desejos, ou apenas sonha com os desejos que ela considera

difíceis ou quase impossíveis de serem realizados. Também merece atenção a ordenação dos

elementos ao longo da lista, começando com “encontrar um boy sincero” seguido de “casa na

praia”. Os itens mencionados primeiramente funcionam produzindo efeito de sentido de prioridade

e importância, sendo assim, embora a matéria trate de um tema da vida profissional, desejos e metas

de ordem pessoal misturam-se com o profissional e coloca-se o relacionamento amoroso com um

homem como algo prioritário na vida dessa mulher. Vemos também, através da ordenação dos itens

presentes na lista de metas que a preocupação com o corpo vem antes dos estudos e qualificação

profissional.

No fim da lista de desejos traçada ao longo dessa narrativa, tem-se a “tão sonhada

promoção”, que é jogada no campo do “sonho”, ou seja, do inalcançável, confirmado pelo uso da

concessiva “mesmo que ela pareça distante”. A leitora então, todo fim de ano, insiste em colocar a

promoção na lista de desejos, esperando que um dia o impossível de realize.

A leitora de NOVA, desse modo, sonha e deseja um cargo de liderança. Ao analisarmos

SD2a, encontramos outro funcionamento para os leitores de Você S/A, uma vez que para estes o

cargo de liderança faz parte de seus planos e ambições. Esses profissionais planejam e ambicionam

e não sonham e desejam uma promoção.

Tem-se assim, um efeito de sentido de maior passividade para as leitoras de Nova e de

“ação” para os de Você S/A. Esse efeito de sentido de passividade também é produzido através dos

enunciados “E não é que seu pedido corporativo saiu do papel?” e “seu chefe reconheceu você”.

Observamos que em nenhuma das duas construções a leitora é colocada como agente da ação, ela

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não conquistou o novo cargo, ela o recebeu, foi promovida graças ao reconhecimento do chefe e

não ao seu empenho e competência ou à suas ações.

Em contrapartida o leitor de Você S/A é colocado sempre no lugar de agente, como alguém

que além de planejar e ambicionar, “alcança voos mais altos” e “assume responsabilidades

maiores”.

Outro ponto relevante nesta sequência é o efeito de naturalização produzido. Em SD2a

coloca-se que essa nova etapa da carreira “nem sempre é simples”, indicando que, em alguns casos

ou para algumas pessoas pode ser simples. Mais uma vez, a revista se coloca no lugar de reconhecer

as qualidades do profissional, de não duvidar da sua capacidade. Os leitores de Você S/A são

profissionais habituados a lidar com situações do ambiente corporativo, a assumir

responsabilidades.

Já para a leitora de NOVA essa mesma nova etapa é acompanhada de felicidade e medo,

sendo que este último “aparece”, naturalizando esse sentimento como algo sempre presente e que

surge mediante alguma motivação. Logo em seguida, o próprio texto confirma a naturalização desse

medo, com o uso da expressão “isso é normal”. Aqui a afirmação é usada não para mostrar as

qualidades e a competência da profissional, mas sim para mostrar que se ter medo é “normal”. Tem-

se então, que para as mulheres é normal: aparecer o medo de liderar, achar que não merece o

sucesso, se apavorar, ter insegurança.

Desse modo, observamos que através do funcionamento da estrutura X é Y tem-se a

naturalização para o comportamento das leitoras. Podemos identificar esse mesmo efeito nas

sequencias abaixo através do uso da expressão “é comum”:

SD3a: Na ansiedade de conquistar a equipe, mostrar resultados ou impor autoridade, é

comum chegar fazendo mudanças antes mesmo de se inteirar da situação que está

assumindo. (Você S/A, ed.202, abril de 2015).

SD3b: Quando assumimos uma nova posição, é comum bater o medo de não ser aceita (....)

Antes de tomar qualquer decisão você precisa se sentir segura. (NOVA, ed. 497, fevereiro

de 2015)

Encontramos novamente o medo para as leitoras de nova, ao passo que o ímpeto de agir e

tomar atitudes é naturalizado para os profissionais de Você S/A. Vemos também que, para estes o

sentimento de ansiedade é trazido , mas não como algo devido a insegurança, aqui, a ansiedade está

relacionada, aspirações, ambições , são anseios de “conquistar a equipe”, “mostrar resultados” e

“impor autoridade”.

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A seguir, são apresentadas as sequencias retiradas dos boxes das duas revistas, que

funcionam como instruções diretas para os leitores:

SD4a: Bancar o super-homem: por insegurança, falta de humildade ou medo de ficar

vulnerável diante dos subordinados, muitos novos chefes se recusam a pedir ajuda em

situações que não dominam completamente, como alguma tarefa operacional por exemplo.

Acumular tarefas: Quando o profissional passa de subordinado à chefia de uma área da qual

tem domínio, resistir à vontade de colocar a mão da massa é um desafio. (Você S/A,

ed.202, abril de 2015).

SD4b: Peça ajuda: Não tente resolver tudo você mesma, vista a sandália da humildade: fuja

da tentação de controlar tudo e confie no time –sem essa de “Só eu sei fazer do jeito que

preciso”.(...) Procure mentores,(...) pedir conselhos e ouvir pessoas mais experientes.

(NOVA, ed. 497, fevereiro de 2015)

A primeira marca a ser apontada é o uso do infinito e imperativo. Apesar de os dois textos

terem um caráter prescritivo, o modo de funcionamento em Você S/A, daria ao leitor certa

autonomia de escolha, uma vez que a revista aponta os principais erros cometidos pelos

profissionais fazendo uso do infinitivo, diferentemente de NOVA que, ao fazer uso do imperativo,

dá uma ordem direta à leitora sobre o que ela deve fazer.

Analisemos agora os seguintes trechos retirados respectivamente de SD4a e b :

(a) “resistir a vontade de colocar a mão na massa é um desafio”

(b) “fuja da tentação de controlar tudo”

Comparemos o uso dos verbos “resistir” e “fugir” e dos substantivos “ vontade” e

“tentação”, como seus respectivos complementos. Para nossas análises trouxemos enunciados

retirados das definições encontradas em alguns dicionários para esses verbetes. 2 Lembrando que os

enunciados aqui trazidos não tem como objetivo “comprovar” ou “validar” os sentidos, entendemos

esses enunciados como discursos produzidos pelos dicionários. Estamos aqui comparando (dentro

da perspectiva da AD) o que é dito na revista com os dizeres de outros discursos (desenvolver),

articulando assim a rede de memórias discursivas.

Para a análise de “resistir à vontade” montamos então o seguinte quadro com algumas

definições dicionarizadas:

2 https://www.dicio.com.br/ http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/

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Resistir Vontade

Não ceder à pressão

Manter-se firme

Não sucumbir

Opor força à força

Determinação

Impulso ou força interior que

leva a pessoa a realizar algo

anteriormente planejada

Empenho

Capacidade individual de

escolher ou desejar aquilo que

bem entende

Tabela 01 – Enunciados para “resistir” e “vontade”

Podemos observar a partir do exposto acima que tanto “resistir” quanto “vontade”

remetem, de alguma forma, à força. Tem-se então, como em um dos enunciados dicionarizados,

“opor força a força”. A expressão colocar a mão na massa é entendido aqui como “executar

tarefas”, “fazer o trabalho duro”, ou seja, os leitores de Você S/A querem realizar tarefas, tem força,

empenho e determinação e precisam resistir a isso para que não acumulem muitas tarefas e se

sobrecarreguem. Os leitores teriam então, determinação força interior e impulso para trabalhar, para

agir. E força e controle para vencerem seus próprios impulsos.

O mesmo modelo de quadro foi feito para “fugir da tentação”, vejamos:

Fugir Tentação

Abandonar ou escapar

Afastar-se

Distanciar-se de uma situação de

perigo, de alguma coisa ameaçadora

Pôr-se em fuga

Retirar-se em debandada

Atração por coisa proibida

Movimento íntimo que incita ao mal

Impulso íntimo dirigido para o

pecado, originado dos instintos

inferiores ou da malignidade do

tentador

Movimento interior que instiga

alguém a fazer algo censurável

Apetite ou desejo violento

Tabela 02 – Enunciados para “fugir” e “tentação”

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Pode-se observar que “fugir” tem sentidos opostos a “resistir”, por não ter a força (por

serem fracas, por não serem capazes de resistir) suficiente para se opor e não sucumbir, a mulher

deve escapar. Observamos que tanto “fugir” como “tentação” remetem a perigo, ameaça, algo

maléfico. Além disso, “tentação” tem a marca de sentimento interior, as mulheres devem então

fugir de si mesmas, de seus sentimentos e impulsos. Tem-se assim que controlar tudo é algo

censurável e que as mulheres são, devido a sua natureza, controladoras.

É interessante apontar que o medo e a insegurança são trazidos por Você S/A como

sentimentos comuns para um “novo chefe”, porém de modo diferente de NOVA, aqui “o novo

chefe” tem insegurança e “medo de ficar vulnerável diante dos subordinados”, ele não é inseguro

com relação à sua competência, não tem “medo de liderar” e nem de “assumir um novo cargo”,

sua preocupação não é com relação a sua competência, mas sim a imagem que passará para os

subordinados, medo de demonstrar fragilidade.

A sequência abaixo, retirada da revista NOVA foi escolhida para encerrar esta analise, não

encontramos nenhuma menção parecida a essa na revista Você S/A e por isso mesmo nos pareceu

interessante traze-la aqui.

SD5: Seja sincera: Escolha as palavras certas para não ofender as pessoas, mas seja sempre

verdadeira. Entenda que a relação estabelecida no escritório é primeiramente profissional.

Trabalhe seu equilíbrio emocional para não misturar as coisas. (NOVA, ed. 497, fevereiro

de 2015)

Para melhor compreensão do gesto analítico que será feito a seguir, é preciso primeiramente

introduzir o conceito de efeito metafórico, que será usado também nas análises dos próximos itens.

Tendo a noção de funcionamento da língua um ponto nodal, trabalhamos a partir do conceito de que

“todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar

discursivamente de seu sentido para tornar-se outro” (Pêcheux, 2008, p.53). Desse modo,

procuramos aqui produzir famílias parafrásicas, ou seja, dizeres diferentes em sua superfície textual,

mas que fazem parte da rede de dizeres de um mesmo discurso. Para tal, lançamos mão da metáfora,

que em AD é definida como “o fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual”

(Pêcheux 2014, p.96), ou seja, dois termos x e y são substituíveis em função de um contexto dado.

Para uma melhor compreensão, vejamos abaixo a aplicação de tal dispositivo em nossa análise.

No enunciado “seja sincera” de SD5, podemos substituir “sincera” por “não mentirosa” e em

seguida “não seja” por “você é”, temos então o seguinte efeito metafórico:

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Seja sincera Não seja mentirosa Você é mentirosa

Chegamos então à paráfrase “você é mentirosa” como um dizer da revista para (sobre) suas

leitoras (que constrói a imagem de suas leitoras como mentirosa).

Nota-se que a revista também julga necessário explicar como se estabelecem as relações

interpessoais no ambiente de trabalho, assumindo assim que suas leitoras não sabem diferenciar

suas relações pessoais das profissionais. Por fim, ao aconselhar “trabalhe seu equilíbrio

emocional”, é construído também a partir da antecipação de possíveis enunciados como: “mulheres

não possuem equilíbrio emocional”, “mulheres são desequilibradas”, “mulheres são histéricas”.

O não-dito em Você S/A produz o efeito de sentido de que seus leitores não precisariam

desse tipo instrução, de que esses elementos não fazem parte da formação imaginária que produzem

de seus leitores.

Conclusão:

Ao longo de nossas análises, depreendemos efeitos de sentido que vão construindo imagens

para os profissionais nas duas revistas. Observamos que a imagem de profissional apresentado em

Você S/A é construída a partir de características atribuídas à virilidade, tais como coragem, a força,

a resistência, a autoridade e o autodomínio (CORBIN, 2013). Retoma-se assim, um discurso

reinante no ocidente do século XIX em que a virilidade é considerada uma virtude.

Em contrapartida, para as mulheres de NOVA, encontramos o discurso sobre a mulher (e a

feminilidade) também circulante no ocidente do século XIX, no qual se pretende descrever uma

“natureza feminina” eterna e universal (KEHL, 2016). Nesse discurso de feminilidade, a realização

plena da mulher se dá em seu papel de esposa, ou seja, através do amor e do casamento. São

atributos da natureza feminina: o recato, a docilidade, a passividade, fragilidade, predomínio as

faculdades afetivas sobre as intelectuais.

Porém, essa mesma natureza feminina faz das mulheres seres ambíguos, contraditórios,

imprevisíveis, incoerentes, misteriosos e de temperamento nervoso. Ao longo do século XIX o

discurso da mulher histérica ganha força, as mulheres teriam maiores predisposições à doença

mental, estando mais próxima da loucura do que o homem. A histeria é entendida como um mal

feminino, ligado à natureza do seu sexo, corpo (ENGEL, 2013).

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Os homens seriam então mais competentes e mais confiáveis do que as mulheres, pois são

governados pela inteligência e não pela emoção. A fragilidade, volubilidade e inconstância

tipicamente femininas as tornam as mulheres incapazes de se autogovernarem e de governarem os

outros (CHANTER, 2011).

Observamos assim, o mesmo funcionamento discursivo do século XIX presente no século

XXI, através de um discurso que legitima a inferioridade feminina e a segregação sexual dos

espaços. A mulher com a sua “natural” incapacidade para ocupar os espaços públicos e de poder

deve deixa-los nas mãos dos homens e ocupar seu lugar no espaço privado.

Referências

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Unicamp, 2014, p.59-158.

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<https://revistas.pucsp.br/index.php/intercambio/article/view/3549> . Acesso em: 29/06/2017.

Male worker and female worker, who are these subjects?

Astract: The paper to be presented proposes, from a theoretical framework of French Discourse

Analysis, to analyze the constructions of gender patterns present in prescriptive articles about work

taken from the magazines Você S/A and Cosmopolitan/Nova.

Keywords: Discourse Analysis. Subject.Women.Work