Trabalhando Com Sistemas Amplos – Sistemas Determinados Por Um Problema Ampliando o Uso Da...

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TRABALHANDO COM SISTEMAS AMPLOS – SISTEMAS DETERMINADOS POR UM PROBLEMA Ampliando o uso da Metodologia de Atendimento Sistêmico Novo-Paradigmático Juliana Gontijo Auni RESUMO Considerando que a adoção do pensamento sistêmico como epistemologia implica a reformulação da prática profissional, assim como dos conceitos teóricos que a embasam, a autora descreve uma metodologias de trabalho desenvolvida pelas profissionais da EquipSIS – Equipe Sistêmica, decorrente dessa implicação. Trata-se da metodologia de atendimento sistêmico que se dá pelo processo de co- construção em um contexto de autonomia. O artigo é um convite ao leitor e/ou ao ouvinte a pensar a ampliação da aplicabilidade dessa metodologia de atendimento sistêmico para além dos contextos profissionais com os quais tem trabalhado, juntamente com suas colegas na EquipSIS, uma vez que suas práticas profissionais de atendimento sistêmico têm se dado especialmente no âmbito das políticas sociais (públicas e privadas) da assistência social, da educação, da saúde, da justiça, voltadas para a família. A autora justifica esse convite por definir o sistema a ser abordado como um sistema determinado pelo problema, uma definição lingüística, não reificada, que ultrapassa os limites consangüíneos, organizacionais, institucionais, legais. Para que o leitor e/ou o ouvinte possa formar uma idéia mais concreta dessa metodologia de atendimento, acompanhar seu surgimento e, então, avaliar se aceita ou não esse convite, a autora faz um rápido resumo da evolução de suas idéias; descreve como utiliza, no contexto de atendimento, os conceitos desenvolvidos por Goolishian e Winderman para o contexto de terapia; descreve a forma de atuação do profissional especialista em atendimento sistêmico; e, finalmente, reforça e justifica o convite acima. Assumir o pensamento sistêmico como epistemologia implica a reformulação de nossa prática profissional, assim como dos conceitos teóricos que a embasam. Requer o desenvolvimento de metodologias de trabalho coerentes com os pressupostos novo-paradigmático da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade1. Durante as décadas de 1960 e 70, nos Estados Unidos e na Europa, foram desenvolvidas muitos modelos e métodos sistêmicos de terapia de família coerentes com as dimensões da complexidade e da instabilidade e foram feitos alguns ensaios de abordagens de sistemas mais amplos que a família. A partir da década de 80, o impacto das idéias construtivistas de Maturana e Varela, Von Foerster e outros (pressuposto da intersubjetividade) têm exigido dos autores do movimento da terapia de família uma revisão radical das concepções de terapia, de família e de sua própria identidade e, recursivamente, de suas formas de atuação. Por outro lado, este esforço de revisão tem sido frutífero, ampliando as possibilidades de atuação do profissional, desenvolvendo teorias e práticas que lhe permitem incluir os sistemas mais amplos do que a família em seus atendimentos. Seguindo nesta direção, este artigo é um convite ao leitor e/ou ao ouvinte a pensar a ampliação da aplicabilidade da metodologia de atendimento sistêmico, que tenho desenvolvido juntamente com minhas i Psicóloga, Mestre em Psicologia Social – UFMG, membro fundador da EquipSIS – Equipe Sistêmica – e docente do Curso de Especialização em Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais, terapeuta de família e consultora em políticas sociais. [email protected], www.equipsis.com.brcolegasii da EquipSIS, para além dos contextos profissionais com os quais temos trabalhado, especialmente os das políticas sociais (públicas e privadas) da assistência social, da

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TRABALHANDO COM SISTEMAS AMPLOS SISTEMAS DETERMINADOS POR UM PROBLEMA Ampliando o uso da Metodologia de Atendimento Sistmico Novo-ParadigmticoJuliana Gontijo AuniRESUMOConsiderando que a adoo do pensamento sistmico como epistemologia implica a reformulao da prtica profissional, assim como dos conceitos tericos que a embasam, a autora descreve uma metodologias de trabalho desenvolvida pelas profissionais da EquipSIS Equipe Sistmica, decorrente dessa implicao. Trata-se da metodologia de atendimento sistmico que se d pelo processo de co- construo em um contexto de autonomia.O artigo um convite ao leitor e/ou ao ouvinte a pensar a ampliao da aplicabilidade dessa metodologia de atendimento sistmico para alm dos contextos profissionais com os quais tem trabalhado, juntamente com suas colegas na EquipSIS, uma vez que suas prticas profissionais de atendimento sistmico tm se dado especialmente no mbito das polticas sociais (pblicas e privadas) da assistncia social, da educao, da sade, da justia, voltadas para a famlia. A autora justifica esse convite por definir o sistema a ser abordado como um sistema determinado pelo problema, uma definio lingstica, no reificada, que ultrapassa os limites consangneos, organizacionais, institucionais, legais.Para que o leitor e/ou o ouvinte possa formar uma idia mais concreta dessa metodologia de atendimento, acompanhar seu surgimento e, ento, avaliar se aceita ou no esse convite, a autora faz um rpido resumo da evoluo de suas idias; descreve como utiliza, no contexto de atendimento, os conceitos desenvolvidos por Goolishian e Winderman para o contexto de terapia; descreve a forma de atuao do profissional especialista em atendimento sistmico; e, finalmente, refora e justifica o convite acima.Assumir o pensamento sistmico como epistemologia implica a reformulao de nossa prtica profissional, assim como dos conceitos tericos que a embasam. Requer o desenvolvimento de metodologias de trabalho coerentes com os pressupostos novo-paradigmtico da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade1.Durante as dcadas de 1960 e 70, nos Estados Unidos e na Europa, foram desenvolvidas muitos modelos e mtodos sistmicos de terapia de famlia coerentes com as dimenses da complexidade e da instabilidade e foram feitos alguns ensaios de abordagens de sistemas mais amplos que a famlia. A partir da dcada de 80, o impacto das idias construtivistas de Maturana e Varela, Von Foerster e outros (pressuposto da intersubjetividade) tm exigido dos autores do movimento da terapia de famlia uma reviso radical das concepes de terapia, de famlia e de sua prpria identidade e, recursivamente, de suas formas de atuao. Por outro lado, este esforo de reviso tem sido frutfero, ampliando as possibilidades de atuao do profissional, desenvolvendo teorias e prticas que lhe permitem incluir os sistemas mais amplos do que a famlia em seus atendimentos.Seguindo nesta direo, este artigo um convite ao leitor e/ou ao ouvinte a pensar a ampliao da aplicabilidade da metodologia de atendimento sistmico, que tenho desenvolvido juntamente com minhasi Psicloga, Mestre em Psicologia Social UFMG, membro fundador da EquipSIS Equipe Sistmica e docente do Curso de Especializao em Atendimento Sistmico de Famlias e Redes Sociais, terapeuta de famlia e consultora em polticas sociais. [email protected], www.equipsis.com.brcolegasii da EquipSIS, para alm dos contextos profissionais com os quais temos trabalhado, especialmente os das polticas sociais (pblicas e privadas) da assistncia social, da educao, da sade, da justia, voltadas para a famlia (ver, no anexo, uma lista de problemas abordados). Creio ser pertinente esse convite uma vez que defino o sistema a ser abordado como um sistema determinado pelo problema2, uma definio no reificada que ultrapassa os limites consangneos, organizacionais, institucionais, legais.Para que o leitor e/ou o ouvinte possa formar uma idia mais concreta da metodologia de atendimento sistmico que se d por um processo de co-construo em um contexto de autonomia, acompanhar seu surgimento e, ento, avaliar se aceita ou no meu convite, fao um rpido resumo da evoluo de minhas idias; descrevo como utilizo, no contexto de atendimento, os conceitos desenvolvidos por Goolishian e Winderman3 para o contexto de terapia; descrevo a forma de atuao do profissional especialista em atendimento sistmico; e, finalmente, reforo e justifico o convite acima.COMEANDO A TRABALHAR COM SISTEMAS MAIS AMPLOS QUE A FAMLIAIniciei o Mestrado em Psicologia Social, em 1993, com o objetivo de tentar a abordagem de uma poltica social o Programa de Assistncia ao Excepcional da LBA a partir de uma viso sistmica. Para isso, pretendia me utilizar das prticas de terapia de famlia, que faziam parte de minha experincia clnica, para trabalhar com sistemas mais amplos que a famlia, porm, queria tambm evitar o carter clnico presente na prtica da terapia. Em dezembro de 1990, tinha participado de dois cursos simultneos com Humberto Maturana e, no ano seguinte, do encontro de Buenos Aires Novos Paradigmas: Cultura e Subjetividade. Impactada com o questionamento da realidade objetiva enfatizado nesses eventos, estava reorganizando todos meus conhecimentos cientficos e minha atuao prtica. Eu estava entrando em contato com as idias de Harold Goolishian, especialmente com as noes de sistema lingstico, sistema determinado pelo problema e da posio de no saber4 ou colaborativa5 do terapeuta. Estava tambm incorporando vivencias de prticas teraputicas definidas como narrativistas e/ou conversacionais. Enfim, acreditava que, a partir dessas noes e experincias eu poderia realizar, durante o mestrado, o trabalho que pretendia.Paralelamente, a EquipSIS Equipe Sistmica, da qual eu fazia parte, tinha sido fundada e comeava a se constituir no que hoje para mim um laboratrio de pensar e atuar. Nela, estreitei minha convivncia pessoal e profissional com Maria Jos Esteves de Vasconcellos que, na poca, elaborava sua tese do pensamento sistmico como o novo paradigma da cincia.Nesse contexto, tendo recusada, pelas autoridades responsveis, minha proposta de trabalhar com reformulao do Programa de Assistncia ao Excepcional da LBA, acabei por realizar, para concluso do Mestrado, duas pesquisas articuladas. A primeira, uma pesquisa histrica, baseada em fontes secundrias, sobre as polticas para as pessoas portadoras de deficincia, desenvolvidas antes da Nova Constituio Brasileira, nas reas da educao, da sade e da previdncia social (entre as quais estava includo o Programa de Assistncia ao Excepcional). pesquisa histrica acrescentei uma explicao sistmica de cada uma delas, considerando a dimenso da participao dos diversos atores envolvidos, a organizaoiii das polticas que distingui como de dois tipos: em diferentes formas de hierarquia (mais ou menos lineares) e na forma de heterarquia em rede (forma de organizao intermediria entre e hierarquia e a rede). Essa pesquisa me mostrou que, para manter uma organizao na forma de heterarquia em rede, coerente com aii Maria Jos Esteves de Vasconcellos e Snia Vieira Coelho, da EquipSIS Equipe Sistmica, www.equipsis.com.br. iii Utilizo os termos organizao e estrutura segundo a definio de MATURANA, H.; VARELA, F. A rvore do2viso de mundo sistmica novo-paradigmtica e com a Constituio Brasileira de 1988, a poltica tinha de se desvincular dos rgos governamentais.A segunda pesquisa decorreu dessa minha distino. Foi uma pesquisa-ao que pretendia ser coerente com o a diretriz do carter democrtico e descentralizado da gesto administrativa, com a participao da comunidade... 6 definida pela Constituio Brasileira de 1988, e com o pensamento sistmico novo-paradigmtico7 e que, mesmo tratando-se de uma poltica pblica do governo se mantivesse com uma organizao em forma de rede. A poltica abordada foi o convnio entre a PBH Prefeitura de Belo Horizonte e vinte entidades de prestao de servios s pessoas com deficincia. Seguindo a concepo de Sistema Determinado pelo Problema SDP, o problema a abordar definido de forma positiva foi a reelaborao do convnio. O SDP constitudo incluiu os usurios, tcnicos e administradores das entidades conveniadas, tcnicos e chefias da PBH e eu, a pesquisadora. Foram realizadas 38 conversaes, como foram definidas todas as ocasies em que eu, a pesquisadora, e pelo menos mais uma pessoa do SDP nos encontrvamos em um local prprio de algum dos elementos do sistema e conversvamos sobre algum aspecto do problema. Isto significa que todos os contatos, desde o primeiro com a PBH foram definidos como conversaes e distinguidos como parte do processo que emergiu na pesquisa-ao. Todos os membros do SDP os usurios, os tcnicos e os administradores de certo nmero de entidades e ainda os tcnicos e chefia da PBH foram convidados para participar juntos, em algumas dessas conversaes, nas posies de decidir e planejar, de executar e de receber. Isto , todos eles foram convidados a participar como autores, tiveram direito a voz a falarem e a serem escutados no apenas dando suas opinies para que outros, que ocupassem alguma posio de poder, decidissem e planejassem por eles. Puderam participar construindo consensos sobre aquilo que era real para eles, ou seja, a poltica adquiriu uma organizao em rede que inclua em sua estrutura, como um de seus membros, um rgo governamental. A figura abaixo ilustra a transformao da organizao hierarquizada em uma organizao em rede8:conhecimento, Campinas: Editorial Psy, 1995. Original em alemo, 1987.3Fig. 1: Da organizao em hierarquia para a organizao em rede, por mio do contexto de autonomia.A essa metodologia de trabalho que emergiu na pesquisa-ao, dei o nome de processo de co- construo em um contexto de autonomia e a considerei como coerente com as implicaes de se adotar uma posio construtivista ou uma viso de mundo sistmica novo-paradigmtica: o respeito ao saber dos membros do SDP, a crena em que os recursos esto nas relaes e que as conversaes emergem de acordo com os contextos, a recusa relao hierarquizada, em que o profissional est em uma posio privilegiada de saber. Nesse trabalho, ousei pretender mais do que a organizao em heterarquia9, busquei a organizao em rede; comecei a diferenciar o expert em processo, referindo-me ao profissional que coordena o processo, e os experts em contedo, referindo-me aos outros membros do SDP. Alm disto, apresentei, como sugesto, a formao de equipes para coordenar o processo de co-construo e como forma de ampliar o foco, de permitir o surgimento de novas vises, novas idias, novas narrativas.DIFERENCIANDO O PROFISSIONAL QUE COORDENA O PROCESSO DE ATENDIMENTO DOS OUTROS MEMBROS DO SDPNo ano seguinte defesa da dissertao, 1997, elaborei dois artigos sobre o mesmo tema. O primeiro10, uma apresentao oral em mesa redonda no XXVI Congresso Interramericano de Psicologia e o segundo11, um resumo da dissertao publicado na revista Human Systems em 1998. Neles, retomo o interesse pela atuao do coordenador do processo. Teorizando sobre a prtica realizada, descrevo sua atuao de forma mais detalhada do que o fiz na dissertao. Defino que a posio colaborativa12 do coordenador do processo uma exigncia para se criar o contexto de autonomia e para transformar a organizao da poltica, de uma organizao em hierarquia, para uma organizao em rede. Defino que a opo pelo processo de co-construo em um contexto de autonomia uma implicao de se ter assumido uma epistemologia sistmica novo-paradigmtica a qual inclui uma posio construtivista. Continuo descrevendo o coordenador como um expert no processo da experincia de co-construo que recusa4tornar-se um expert em contedo (em encontrar solues, em sugerir alternativas), que recusa qualquer posio de controle de resultados, exceto o controle e a manuteno do contexto de autonomia e de cooperao13. Porm, continuo vendo essa definio do coordenador como uma exigncia do processo de co-construo.Foi s em 1998, que a questo da diferenciao entre o profissional que coordena o processo de co- construo e os outros membros do SDP, que me intrigava desde os primeiros contatos com a noo de posio de no saber, readquiriu importncia para mim e passei a pens-la como uma implicao da adoo de uma posio novo-paradigmtica. No pr-congresso do XXVI Congresso Interamericano de Psicologia, em uma conversao entre a mesa e a platia, Sal Fuks tinha usado a expresso arteso de contextos14 para se referir ao terapeuta de famlia. Na mesma poca, eu estava, juntamente com minhas colegas da EquipSIS, preparando uma srie de workshops. Parece que a coincidncia desses dois acontecimentos me fez resgatar essa questo que estava em suspenso, em stand by. Elaborei, ento, um texto para ser usado nos workshops, propondo uma nova identidade para o profissional que lida com as relaes humanas15, o qual inicio afirmando que a viso de mundo construtivistaiv questiona a prpria idia de que a cincia possa encontrar verdades absolutas nas quais ns, os profissionais, pudssemos embasar nossa prtica e definir o que bom, correto, saudvel, aconselhvel para aqueles com os quais trabalhamos. Diante dessa evoluo da cincia, a identidade do profissional que trabalha com as relaes humanas ficou fortemente abalada e, ento, levantei as seguintes questes: Se no temos mais como fazer essas definies, qual nossa tarefa? Se no temos mais a crena na objetividade cientfica, nem a esperana de chegar a uma verdade absoluta, objetiva, por meio de mais e mais pesquisas cientficas, e se ainda queremos permanecer rigorosamente cientficos, qual o nosso rumo?Alm de tentar responder essas questes, uma razo prtica tambm me levou a escrever aquele texto: a preocupao com o risco de uma falta de discriminao entre a ao do profissional e a do cliente, a partir da disseminao das idias do construtivismo e/ou do construcionismo social no ambiente da terapia de famlia no Brasil. Confuso esta que poderia levar o profissional a uma posio amorfa. Se a realidade entendida como uma construo social, tanto o profissional quanto os outros membros do sistema participam da construo de um acordo entre as pessoas sobre o que real correto, desejvel, bom etc. para elas. Se assim , em que a participao do especialista em atendimento diferente da participao dos outros membros do sistema, quando o objetivo construir um acordo que crie uma nova realidade que no inclua mais o problema inicialmente experimentado pelo sistema?Mais do que um resumo, identifico esse texto como um dilogo com o artigo de Goolishian e Winderman, do qual transcrevi vrios trechos, especialmente as partes que se referem atuao do coordenador/terapeuta, intercalando-os com comentrios meus. Concluo o texto sintetizando a diferena entre o profissional e os outros elementos do sistema afirmando que o primeiro torna-se um expert em contextos na direo das conversaes e no em contedos e os ltimos, ao contrrio, so experts em contedo definem aquilo que importante, real, para si prprios e no em contextos. Alm disso, ressalto que, para o profissional tornar-se um expert em contextos, no basta apenas aprender a fazer perguntas reflexivas, necessrio que ele assuma, explicitamente para si mesmo, uma posio construtivista16.Quando escrevi esse texto, j me sentia incomodada em usar o termo terapeuta de famlia, paraiv Mantenho o termo construtivista para ser fiel ao texto de Goolishian e Winderman (1989/1988) e porque considero que o construtivismo como epistemologia corresponde 3a dimenso do pensamento sistmico novo-paradigmtico.5me referir ao profissional que trabalha com sistemas amplos, mesmo que incluindo famlias em sua constituio. Na falta de um termo especfico, passei a usar a expresso profissional que lida com as relaes humanas. Por ocasio do lanamento de curso de especializao em Atendimento sistmico s famlias, pela EquipSIS, em 2000, insatisfeita tambm com os termos: terapia, por seu carter clnico, e inteveno, por seu carter instrutivo, propus uma definio de Atendimento Sistmico, diferenciando-o de Terapia de Famlia, a partir da caracterizao dos diferentes contextos que se formam, em uma e outra situao, ao se iniciar o trabalho e ao se definir um contrato. Em linhas gerais, caracterizo o contexto de atendimento como diferente do contexto de terapia nos seguintes aspectos: a demanda tende a ser do profissional ou de alguma instituio que prope a abordagem de um problema aos clientes; a forma de retribuio pelo trabalho geralmente feita por uma instituio e no direta ou indiretamente pelos clientes; o local do atendimento geralmente tende a ser onde esto situados os clientes; o tipo de problema a ser abordado tende a ser mais restrito, definido pelo contexto de trabalho do profissional; a estrutura do trabalho tende a ser em equipes multidisciplinares17.Tendo ento proposto uma definio do Contexto de Atendimento Sistmico, elaborei um segundo texto propondo uma definio de identidade para o especialista em Atendimento Sistmico, segundo uma viso sistmica novo-paradigmtica, publicado como captulo de livro18. Nesse, defino o especialista como um Construtor de Contextos um expert em criar e manter contextos conversacionais de autonomia o que implica em se tornar um especialista em coordenar o processo um expert em processo. Por outro lado, os outros membros do sistema so definidos como experts em contedo o que querem para eles, o que querem fazer, como acham melhor agir etc. Assim, a tarefa do especialista em atendimento sistmico ficou definida como a de criar o contexto de autonomia e coordenar o processo de co-construo para a dissoluo do problema.O ATENDIMENTO SISTMICO PROCESSO DE CO-CONSTRTUO EM CONTEXTO DE AUTONOMIA Descrevo agora, de forma resumida, a metodologia de atendimento sistmico, tal qual temos concebido em nossas conversaes na EquipSIS e que se d como um processo de co-construo em umcontexto de autonomia. Defino autonomia, parafraseando a definio de poder de Pakman19, no como um atributo internos pessoas, no como algo que uns tm mais e outros menos. Dou o nome de autonomia a um contexto que permite que as pessoas definam o que real para elas prprias e que, na condio de seres humanos sociais, possam agir de acordo com estas definies e assumir responsabilidade por essas aes, atravs de acordos consensuais20.Assim, o processo de co-construo em um contexto de autonomia requer que o profissional abdique da idia de provocar a mudana ou a transformao do sistema e assuma como sua tarefa a de constituir contextos de autonomia, ou seja, contextos conversacionais em que todos os participantes tm direito igual voz, de forma tal que se torne possvel aos prprios participantes co-construrem as polticas e as mudanas e/ou transformaes que afetam a eles mesmos e comunidade a que pertencem, por meio da criao de consensos em conversaes conjuntas.Resumindo, defino contexto de autonomia como um contexto em que todos tm direito igual voz, de falar a partir de seu ponto de vista e de participar da deciso do que melhor para si, em consenso com os outros membros do sistema em atendimento. Defino processo de co-construo como um processoPor isso, o adjetivo construtivista pode ser lido como novo-paradigmtico.6conversacional em que todos os membros do sistema atendido um SDP participam na construo de alternativas ou de novos significados que dissolvam o problema em torno do qual o sistema se organiza. O processo de co-construo corresponde noo de terapia (no contexto de terapia) e constitui-se na prtica do processo de atendimento (no contexto de atendimento).O sistema a abordar Sistema Determinado pelo Problema SDP.Gooloshian e Winderman definem os sistemas sociais no como sistemas reificados, mas como redes comunicacionais caracterizadas por, e atravs da linguagem21. Referindo-se ao contexto teraputico, definem o sistema a tratar tambm como um sistema lingstico que definido por aqueles que esto ativamente comprometidos em uma interao lingstica, enfrentando um problema, ou em posio antagnica. Trata-se de um sistema no reificado e no definido a priori, independentemente de qualquer conveno social, limite ou agrupamento de indivduos, como por exemplo: famlia nuclear, famlia extensa, comunidade, associao etc. Assim, os sistemas no produzem os problemas; a linguagem a respeito dos problemas constitui os sistemas22.A noo de Sistema Determinado pelo Problema SDP, tem sido um conceito bsico para toda minha produo terica e prtica e tem orientado todos os trabalhos de atendimento sistmico que temos realizado na EquipSIS, inclusive os de nossos alunos. Na distino do contexto de atendimento especifico que a demanda do profissional em geral, de uma equipe de profissionais. Ento, importante salientar que, nesse contexto, a equipe de profissionais se interessa por um problema, define-o de forma positiva e convida os vrios elementos, por ela identificados como relacionados ao problema, a participarem de uma conversao.Por exemplo: (1) a equipe profissional se interessa pelo problema do trabalho infantil; (2) define-o de forma positiva como erradicao do trabalho infantil; (3) identifica os elementos que conversam sobre o problema (aqueles que esto ativamente comprometidos em uma interao lingstica) crianas que exercem trabalho infantil, suas famlias, entidades que desenvolvem programas referentes ao problema, escolas, conselhos tutelares, programas de gerao de renda para adultos etc.; (4) convida todos a participarem de uma conversao sobre a erradicao do trabalho infantil, constituindo-se assim um SDP como uma rede social que se constitui em torno do problema.Quando o SDP distinguido constitui-se de um nmero muito grande de pessoas, tornando impossvel atend-las todas juntas, necessrio dividir o SDP em outros SDP menores. Porm, pensando sistemicamente, no se deve seguir o critrio usual de diviso por estratos do sistema, por exemplo: atender os usurios de um programa em um grupo, os tcnicos em outro, os gestores em outro e assim por diante. A meu ver se assim o fizssemos estaramos dividindo o sistema em grupos e destruindo o sistema por um mecanismo de simplificao. Se queremos abordar o SDP mantendo sua complexidade, devemos fazer cortes verticais na organizao hierarquizada, como na figura 1, de forma que, em cada SDP menor constitudo, tenhamos todas as classes de membros que temos no SDP distinguido originalmente. A figura 2, abaixo, ilustra a diviso de um SDP constitudo pelo problema definido de forma positiva como Coerncia das Regras de Convivncia entre os 525 alunos de 15 classes (da 6a srie do 1o grau 3a srie do 2o grau) e suas famlias, seus professores, os funcionrios e administradores de uma escola imaginria, preocupados com algumas atitudes indesejveis dos jovens:7Fig. 2: Exemplo imaginrio de uma escola diviso do grande SDP (525 alunos e suas famlias, professores, funcionrios administrativos e diretores da escola) em pequenos SDPs23.O que mantm o SDP unido o problema. O sistema lingstico permanece conversando a respeito do problema at que ele prprio j no mais distingue o problema como tal. Uma vez que o sistema lingstico o SDP j no mais inclui o problema, o SDP se dissolve e prescinde da equipe de atendimento. Permanecero as redes sociais, os sistemas da comunidade famlias, escolas, associaes etc. porm, com outros sistemas de significados sobre os desacordos experimentados inicialmente como problema e sem a equipe de atendimento.Diagnstico definio colaborativa de problemasReferindo-se ao contexto de terapia, Goolishian e Winderman questionam a noo de que os terapeutas possuem um conhecimento privilegiado, particular, superior que lhes permita diagnosticar a realidade ontolgica de um sistema. No lugar do diagnosticar, eles propem uma definio colaborativa de problemas. Uma vez constitudo o Sistema Determinado pelo Problema, propem que se comece o trabalho explorando a experincia de desacordo a partir da descrio de cada indivduo.Tenho defendido a idia de que, no contexto de atendimento, a demanda pelo processo de co- construo e a distino inicial do problema so do profissional. ele que se interessa inicialmente pelo problema e supe que outras pessoas, instituies, programas tambm se interessem. Ao propor a essas pessoas o trabalho com o problema distinguido por ele, o profissional quer ouvir a posio de todos os membros do sistema, o que cada um pensa do problema, como cada um o v. Quer tambm que todos possam ouvir a posio de cada um e que cada um, a partir de seu ponto de vista, possa conversar definindo conjuntamente o problema a ser abordado. Como se v, no se trata de uma coleta de dados como em um diagnstico tradicional, mas de um processo de co-construo que se inicia desde os primeiros contatos do profissional na constituio do SDP.8A equipe de profissionais compreende que ela prpria, a equipe, faz parte do SDP e que desde os primeiros contatos com os outros membros do sistema j esto acontecendo alteraes, a rede de significados j est se modificando. Sendo assim concebido o processo do atendimento, no h lugar para uma etapa de coleta de dados ou de diagnstico mesmo que, por exemplo, tratando-se de uma comunidade, de uma empresa, de um negcio anterior a uma interveno propriamente dita.O problema a abordar definido como uma experincia compartilhada de desacordo entre pessoas com relao a alguma questo, e tambm uma experincia de desacordo entre a expectativa de como alguma coisa deveria ser e a percepo de como est sendo, tambm compartilhada com mais algum como um problema. No se trata de alguma coisa concreta, objetiva, trata-se de uma construo na linguagem. medida que se desenvolve uma conversao sobre o problema assim definido, este vai sofrendo alteraes at a sua dissoluo.Posio colaborativa da equipe de atendimentoPara Goolishian e Winderman o terapeuta no tem uma posio privilegiada diante dos clientes, a responsabilidade do terapeuta a criao de um contexto conversacional no qual os clientes e o terapeuta desenvolvem uma relao dialgica, de modo que os mltiplos pontos de vista compreendidos em um Sistema Determinado por um Problema sejam respeitados e valorizados. Isto , o terapeuta coloca-se em uma posio colaborativa.Da mesma forma, a equipe de especialistas em atendimento sistmico no tem uma posio privilegiada diante dos outros, mas sim uma funo diferente. Entre os outros membros do SDP tambm no deve haver uma diferenciao de posio de poder, mas sim diferenas de pontos de vista. A equipe cuida disso, preocupando-se em dar voz a todos e a qualquer um deles seja uma criana de uma famlia, seja um funcionrio da manuteno de uma grande empresa desde a definio do problema como tal, at sua dissoluo.No atendimento sistmico, a posio colaborativa da equipe est presente em todo o processo que vai alm dos encontros de todo o SDP. Ao longo do processo podemos distinguir dois tipos de encontros conversacionais, como se pode ver na descrio da pesquisa-ao, no incio deste texto. Em alguns deles, a equipe participa coordenando o processo e tambm conversando sobre o contedo. So os primeiros contatos24 em que, tendo a equipe distinguido um problema de seu interesse, procura um programa, uma instituio ou associao, supondo que tambm esse/a se interessa pelo problema, e lhe apresenta sua demanda: trabalhar esse problema (definio do problema) seguindo a metodologia do atendimento sistmico (definio da demanda). Nesse momento, desenvolve-se uma conversao sobre o problema e a demanda, na qual a equipe participa tanto coordenando o processo de co-construo (expert em processo/contexto), como negociando o contedo (expert em contedo). Essa atuao, em duas posies simultaneamente, se repete nos encontros para distinguir o SDP e, a partir disso, naqueles em que a equipe procura se vincular com os outros membros do SDP famlias, outras entidades etc. Nesses encontros, a conversao ocorre entre a equipe e os outros membros do SDP clientes.O outro tipo de encontro conversacional, o qual nos interessa mais aqui, constitui-se pelo convite a todos os membros do SDP para uma conversao conjunta. Nos encontros desse tipo, o objetivo no a conversa entre equipe e clientes, mas, sim a conversa entre os clientes, isto , entre os outros elementos do SDP que no o profissional coordenador da conversao. Nesses encontros de todo o SDP, proponho que, na posio de no saber, o profissional suspenda o seu saber sobre o contedo do problema, restringindo-9se exclusivamente a criar o contexto conversacional para que os clientes conversem entre si, para que eles troquem seus saberes, criem vnculos entre si e possam prescindir da equipe profissional.Essa idia comunicada digitalmente e metacomunicada pela colocao espacial da equipe de fora da roda de conversa e pela realizao desses encontros em espaos pblicos, fora do consultrio. a equipe de profissionais que se desloca em direo aos clientes. importante tambm distinguir quando a equipe atua como um participante ativo e quando no. Tenho proposto que o profissional seja um participante ativo na criao e na manuteno do contexto conversacional de autonomia e que assuma a posio de "no saber" em tudo o que se refere ao contedo conversado.Finalmente, as perguntas reflexivas ou interventivas circulares so as principais ferramentas do especialista em atendimento sistmico para se manter na posio colaborativa, assumindo e permanecendo na posio de no saber, ao mesmo tempo em que coordena a conversao.AA TUAODOPROFISSIONALESPECIALIST AEMA TENDIMENTOSISTMICO COORDENANDO A CONVERSAO DO ENCONTRO DO SDP Descrevo aqui a atuao do especialista em atendimento sistmico especificamente no momento decoordenar o segundo tipo de encontro conversacional descrito acima, em que o SDP j est constitudo. Para se chegar at este momento, j ocorreram vrios contatos. Transpondo para os sistemas sociais um conceito da teoria de Maturana, considero que j foram feitos alguns acoplamentos estruturais: entre a equipe de profissionais e a instituio em que o trabalho realizado; entre a equipe e as famlias, ou membros da comunidade, ou operrios de uma fbrica, por exemplo. J foram realizados os primeiros contatos que no sero abordados aqui. Vamos supor que esses j tenham acontecido e que a equipe profissional est coordenando uma conversao em uma assemblia de rede, ou em um encontro conversacional de vrias famlias sobre um tipo de problema que todas vivenciam. a atuao da equipe de atendimento, nesse momento, que descrevo a seguir.Ento, comeamos do ponto em que o profissional especialista em atendimento sistmico j se interessou por um problema e o props para uma instituio, ou associao, ou programa; definiu o problema de forma positiva; distinguiu o SDP, conectou-se com as famlias, outras pessoas, outras entidades do SDP, construindo vrios acoplamentos estruturais; e convidou os membros do SDP para uma conversao sobre o problema definido de forma positiva. Est a ponto de iniciar a coordenao da conversao, na suposio de que aqueles que aceitaram o convite tambm compartilham o problema, vivem a mesma experincia de desacordo, porm cada um a partir de seu prprio ponto de vista. Para isto, a equipe coloca-se em uma posio colaborativa que inclui uma posio de no saber e atua na coordenao da conversao, criando e mantendo um contexto de autonomia. Ao mesmo tempo, ao descrever a atuao da equipe de coordenao, estarei caracterizando-a, de forma a diferenci-la do modo de agir dos outros membros do sistema.Ento, o profissional especialista em atendimento sistmico assume uma viso de mundo construtivista ou uma epistemologia sistmica novo-paradigmtica que, implicando uma posio colaborativa, leva a uma opo pelo processo de co-construo em um contexto de autonomia: 1) Dedica-se especialmente coordenao do processo de co-construo, participando ativamente doencontro conversacional, criando e mantendo o contexto de autonomia. Torna-se expert no processo/contexto:10a)Assegurando a coeso e preocupando-se com a estabilidade do SDP para que, paradoxalmente, a mudana possa ocorrer para que novos significados e novas conexes conversacionais possam ser elaborados. Isso pode ser feito co-construindo acordos que criem segurana para a expresso dos diversos pontos de vista e garantias de repdio a qualquer retaliao em funo do que for dito, como por exemplo, afirmando, em comum acordo com o rgo responsvel por um convnio, que no queremos e no vamos interromper nenhum convnio a partir do que for dito aqui, e, no caso de casais em processo jurdico de separao, conversando sobre o problema de definio de acordos de guarda compartilhada, assegurando e contratando com todos que o que for dito ali no ser usado no processo jurdico de separao em curso. O contexto de autonomia, para que assim o seja, deve ser um espao seguro.b) Convidando todos os membros para uma participao colaborativa na conversao, escolhendo uma linguagem cooperativa, aceitando e validando as diferentes posies; mantendo a convico de que possvel encontrar conexes entre os diferentes pontos de vista e que se pode conversar sobre eles no contexto do atendimento. Aprendendo e se esforando para adotar a linguagem idiossincrtica dos clientes, o profissional tende a validar todos os pontos de vista pessoais expressos e a entend-los como uma contribuio para a evoluo do problema. As diferenas so respeitadas e valorizadas e a homogeneidade de idias rejeitada.c)Dirigindo a conversao de tal forma que possam acontecer mltiplas conversaes simultneas25, que podem ser conectadas umas com as outras, surgindo novas idias coerentes com o que for experimentado pelos participantes do SDP. Cada um dos participantes, ao ouvir o outro, ao ouvir a conversao de dois outros, conversa consigo prprio. Cada profissional da equipe coordenadora, ao dirigir a conversao, ao elaborar perguntas reflexivas, tambm conversa consigo prprio. Ocorrem, ento, as mltiplas conversaes simultneas conversaes internas e conversaes externas.d)Privilegiando intervenes mediante perguntas que levem reflexo, que questionem sistemas de significado cristalizados, alternativas j enrijecidas e paralisantes, e que abram possibilidades de surgimento de novas alternativas. Novas at mesmo para o prprio profissional. Por exemplo, diante de um impasse, elaborando perguntas se que tendem a liberar a imaginao para alm das restries prticas: suponhamos que vocs conseguissem muito dinheiro, mais do que vocs jamais sonharam em ter, o que cada um faria em primeiro lugar?. Fazendo perguntas, no para descobrir informaes, mas para o surgimento de uma nova narrativa da experincia sobre a qual se conversa.e)Tornando-se um ouvinte respeitoso que no compreende apressadamente, o que importa no o saber do terapeuta, no que ele faa descobertas, mas, sim, que os outros membros do SDP apreendam e compreendam o que conversado.f)No fazendo presso para a participao, nem sugerindo represlias pela no participao, mas aceitando as presenas e explorando as ausncias em busca de significado e de sentido para elas, e, alm de tudo, refletindo sobre sua prpria participao na ocorrncia dessas ausncias.g) Possibilitando que cada um dos membros do SDP participe nas posies de decidir, planejar, executar, receber e outras que possam surgir, o que diferente da situao bastante comum em que alguns apenas emitem opinies, enquanto outros tomam as decises que dizem respeito queles primeiros tambm. Todos os membros do SDP so distinguidos como autores das11conversaes. Garantindo, ento, o direito de voz a todos os participantes, at mesmo queles geralmente definidos como mais incapazes aqueles cujo saber, geralmente, definido como no significativo; validando o ponto de vista de todos eles.2) Finalmente, o profissional recusa tornar-se expert em contedo - em encontrar solues, em sugerir alternativas. Recusa qualquer posio de controle de resultados, exceto o controle e a manuteno do contexto conversacional de autonomia e do predomnio de uma relao de cooperao.Sintetizo a diferena entre o profissional especialista em atendimento sistmico e os outros membros do SDP, afirmando que o primeiro tornar-se expert em contexto/processo na coordenao de conversaes e no nos contedos das conversaes. Os ltimos, os outros membros do SDP, ao contrrio, so definidos como experts em contedo nos contedos das conversaes , assumindo a responsabilidade de definir aquilo que real para eles prprios.Diante dessa afirmao, o leitor pode se perguntar: para que servem ento as teorias sobre famlia, grupos, comunidade, sistemas e ainda sobre os temas tratados nos SDP? A meu ver, o conhecimento terico de importncia fundamental para que o profissional especialista possa conectar pontos de vista diferentes, levantar hipteses, dialogar consigo prprio e, especialmente, para elaborar perguntas que levem os membros do SDP reflexo.FINALMENTE, A POSSIBILIDADE DE AMPLIAO DA APLICABILIDADE DA METODOLOGIA DE ATENDIMENTO SISTMICO Finalizo este texto de uma forma muito simples: Afirmando que a identidade do especialista em atendimento sistmico passa a ser a de construtor decontextos. Ento, h uma mudana, uma mudana de 2a ordem, de algum que promove a mudana, a cura, para algum que ativamente constri e coordena contextos em que seja possvel o processo de co- construo das mudanas de significados, de relaes, de aes, no pelo profissional, mas pelos membros do SDP.No pense o leitor que essa uma diferena trivial. A meu ver, uma diferena que faz diferena.Sugerindo que, se aceitamos essa definio da identidade do profissional que coordena o atendimento sistmico de um sistema determinado por um problema o SDP , que se d por um processo de co-construo em um contexto de autonomia, podemos pensar a ampliao da aplicabilidade desse processo para qualquer contexto profissional alm daqueles em que os profissionais e os alunos da EquipSIS tm trabalhado (ver o anexo). Basta que algum se interesse por algum problema que seja compartilhado com outras pessoas e que haja um interesse ou uma preocupao tica de legitimar as outras pessoas que participam de nosso espao de convivncia incluindo-as na soluo do problema. Seja esse espao uma empresa, uma escola, uma comunidade etc., em qualquer um deles, ser constitudo um SDP que ultrapassar os limites organizacionais, legais, consangneos.Sendo assim, considero legtimo, vivel e oportuno o convite feito no incio deste texto e o repito: Convido o leitor e/ou ouvinte a pensar a ampliao da aplicabilidade da metodologia de atendimento sistmico para alm dos contextos profissionais com os quais temos trabalhado na EquipSIS.12ANEXOLISTA DE PROBLEMAS (DEFINIDOS DE FORMA POSITIVA) ATENDIDOS PELOS PROFISSIONAIS E ALUNOS DA EQUIPSIS- Incluso de crianas e jovens com deficincia na famlia, na comunidade e na rede de servios. Contexto assistencial social.- Co-construo de nova trajetria de vida para os adolescentes sob medida scio-educativa programa de Prestao de Servios Comunidade. Contexto pedaggico / social / jurdico.- Implementando a Casa da Famlia CRAS equipamento de referncia do PAIF Programa de Ateno Integral da Famlia do Ministrio de Assistncia Social, com a participao da comunidade. Contexto de poltica social pblica.- Trabalhando o cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Famlia para evitar a perda do benefcio. Contexto de poltica social pblica.- Definio de responsabilidades da rede social de um detento para obteno do benefcio de sadas temporrias. Contexto penitencirio / jurdico / psicolgico.- Superao da falta de vaga no SOSF / SMAS / PBH para que uma criana (10 anos) e sua irm adolescente (14 anos) sejam desabrigadas e voltem para a convivncia com a famlia (as meninas encontram-se em regime de abrigo h 4 anos). Contexto jurdico / psicolgico- Promoo das famlias para a reintegrao familiar de crianas abrigadas. Contexto jurdico / assistencial social.- Definio do problema e de limites para uma criana (8 anos) apresentando comportamentos bizarros e anti-sociais em casa, na creche e na escola, com a participao da rede social. Contexto psicopedaggico- Evitando a internao pela co-construo de regras para estabelecer limites para os comportamentos desafiadores e auto e hetero-agressivos de uma criana (11 anos), na famlia, escola e no convvio social em geral, a fim de desenvolver um controle sobre o comportamento da criana por todos os elementos da rede, inclusive pela prpria criana. Contexto clnico psiquitrico / jurdico- Co-construo de regras de convivncia de crianas, adolescentes e suas famlias em um centro de acolhida (programa complementar escola). Contexto de poltica social e psicopedaggico.- Erradicao do trabalho infantil domstico em 17 famlias atendidas na ONG. Contexto sciopedaggico e jurdico.- Emancipao social e econmica das famlias de assentamento rural devido inundao de suas propriedades originais, para construo de barragem hidreltrica. Contexto de poltica social privada.- Prevenindo a reincidncia de gravidez na adolescncia. Contexto hospitalar e de assistncia social da sade.- Ressocializao de adolescentes sob medidas scio-educativas. Contexto jurdico / social / pedaggico.- Do casulo re-significao do cncer pelos pacientes e suas famlias. Contexto hospitalar.- A co-construo de alternativas de acompanhamento do jovem trabalhador com dificuldade de insero no contexto de trabalho. Contexto de trabalho e pedaggico- Reavaliao da experincia da expectativa da chegada de um beb adotado a gravidez burocrtica. Contexto jurdico.- Reintegrao familiar do dependente qumico, aps a internao, como forma de manuteno da abstinncia. Contexto familiar social / psicolgico.- Compreendendo e intervindo em casos de crianas e adolescentes vtimas de violncia sexual, fora da famlia uma co-construo das famlias e membros do Conselho Tutelar, do Poder Judicirio, do Posto de Sade, da Delegacia de Polcia, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Contexto jurdico assistencial social e psicolgico.- Convivendo com a possibilidade de vida ou morte do filho prematuro internado em uma UTI neonatal. Contexto hospitalar e scio-psicolgico.131 ESTEVES DE VASCONCELLOS, M. J. Pensamento sistmico: O novo paradigma da cincia. Campinas, SP: Papirus, 2002.2 GOOLISHIAN, H.; WINDERMAN, L. Constructivismo, autopoiesis y sistemas determinados por problemas. Sistemas Familiares, Buenos Aires, v. 5, n. 3, p.19-29, 1989. Original ingls, 1988.3 GOOLISHIAN, H. WINDERMAN, L., 1988/1989, op. cit. 4 ANDERSON, H.; GOOLISHIAN, H. O cliente o especialista: uma abordagem para terapia a partir de umaposio de no saber. Nova Perspectiva Sistmica, v. 2, n. 3, p. 8-24, 1993. 5 GOOLISHIAN, H.; WINDERMAN, L. Constructivismo, autopoiesis y sistemas determinados por problemas.Sistemas Familiares, Buenos Aires, v. 5, n. 3, p.19-29, 1989. Original ingls, 1988.6 BRASIL, Constituio da Repblica Federativa do Brasil, Ttulo VIII, Captulo II, artigo 194.7 ESTEVES DE VASCONCELLOS, M. J. Terapia Familiar Sistmica Bases cibernticas. Campinas, SP: Editorial Psy II, 1995. Original digitalizado, dissertao de mestrado, 1992.8 AUN, J. G. AUN, J. G. O processo de co-construo como um contexto de autonomia: uma abordagem s polticas de assistncia s pessoas portadoras de deficincia. Belo Horizonte: FAFICH-UFMG, 1996, dissertao de mestrado.9 CAPRA, F. O ponto de mutao. In: Congresso Internacional Amana de Administrao Estratgica II. So Paulo: AMANA, 1992. Transcrio e traduo de conferncia gravada.10 AUN, J. G. O processo de co-construo como uma possibilidade de participao na definio de polticas de assistncia s pessoas portadoras de deficincia. XXVI Congresso Interamericano de Psicologia, PUC-SP, So Paulo, 1997, apresentao oral.11 AUN, J. G. The co-construction process as a context for autonomy: an alternative for the policies of assistance to the handicapped. Human Systems. The journal of systemic consultation & management, Leeds, England, 1998 a, v. 9, n. 3-4, p. 289-305.12 GOOLISHIAN, H. WINDERMAN, L., 1989/1988, op. cit.13 AUN, J. G. 1998 a, op. cit., p. 301-302.14 FUKS, S. Encontro Satlite ao XXVI Congresso Interamericano de Psicologia, So Paulo, 1997, comunicao oral.15 AUN, J. G. Uma nova identidade para o profissional que lida com as relaes humanas: resumo comentado de um texto de Goolishian e Winderman. Belo Horizonte: EquipSIS, 1998 b, texto digitalizado.16 AUN, J. G., 1998 b, op. cit. 17AUN. J. G. Psicoterapia / terapia de famlia / atendimento sistmico famlia: propondo umadiferenciao. Nova Perspectiva Sistmica. Rio de Janeiro: ITF-RJ, ano XII, n. 20, p. 38-43, 2003.18 AUN, J. G., Uma nova identidade para o profissional que lida com as relaes humanas: o especialista em atendimento sistmico. In: AUN, J. G.; ESTEVES DE VASCONCELLOS, M. J.; COELHO, S. V. Atendimento sistmico de famlias e redes sociais. Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa, 2007, v. 2, t. 1. O processo de atendimento sistmico.19 PAKMAN, M., apud GARCA, A. G. Entrevista a Marcelo Pakman. Sistemas Familiares. Buenos Aires, v. 9, n. 3, p. 77-86, 1993.20 AUN, J. G. 1996, op. cit. 21 GOOLISHIAN, H. WINDERMAN, L., 1989/1988 op. cit., p. 20 22 GOOLISHIAN, H.; WINDERMAN, L., 1989/1988 op. cit., p. 23.23 AUN, J. G. O processo de atendimento sistmico: passos para sua realizao. In: AUN, J. G.; ESTEVES DE VASCONCELLOS, M. J.; COELHO, S. V. Atendimento sistmico de famlias e redes sociais. Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa, 2007, v. 2, t. 1. O processo de atendimento sistmico.24 AUN, J. G., 2007, op. cit. 25 GOOLISHIAN, H.; WINDERMAN, L. op. cit., p. 27.1415