Trabalhar A Dor

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Trabalhar a Dor

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27Dia Nacional do

Psicólogo

01nº

Conselho EditorialMarilde Batista NovelliMarcelo Dino FracarroAdriana Silva Fraccaro

Produção editorialTraço Publicidade

ImpressãoEditora RBB Ltda

Periodicidade: bimestralTrabalhar a dor é uma publicação da editora

Diretor executivo: Marcelo Alves Novelli

Endereço: Rua da Prata, 992 – Jd. Camargos – BarueriContato: [email protected]

[email protected]

Este é um momento de grande emoção. A Revista Trabalhar a dor é um projeto que sai dos nossos corações e torna-se concreto. Há algum tempo acalentamos o sonho de criar um espaço no qual pudéssemos veicular nossas experiências na área da saúde, refletir e produzir teoricamente sobre o cotidiano do nosso trabalho.

Pensamos bem e chegamos à conclusão de que o nosso sonho poderia ser compartido com outros trabalhadores. Achamos de suma importância falar sobre a saúde mental no cotidiano de todo trabalho. E, mais do que falar, fazer com que as idéias circulem, que os profissionais se manifestem, contribuam com suas produções e seus saberes. Não nos propomos a apresentar uma resposta acabada, a nossa proposta é valorizar a prática, a reflexão, o debate. Fazê-los circular: dar voz a quem trabalha!

Além da alegria, sentimos o peso da responsabilidade, colocar no mercado uma revista cujo foco é a saúde mental e o trabalho é propor um grande desafio, significa dar apenas o primeiro passo diante de uma tarefa tão importante e tão complexa. Esperamos abrir uma porta para o cuidado, para acolher o sofrimento daquele que diariamente se empenha na afirmação e na defesa da vida. A dor produzida no ofício diário de ganhar o seu viver precisa de acalento, não podemos desprezá-la. Mas também, não é nossa intenção criar um muro de lamentações.

Trabalhar a dor é um veículo pelo qual as vivências são conduzidas, isto requer atitude. É exemplo de proposta criativa, de saída para o sofrimento, de postura propositiva. Queremos contribuir com a promoção da saúde, com a construção de caminhos e de perspectivas saudáveis. Afinal, não existe caminho, este se faz ao caminhar! Então vamos juntos compartir o pão no caminho.

E ficamos felizes em começar rendendo homenagens a um profissional, por excelência, da saúde mental: o Psicólogo. 27 de Agosto é o Dia Nacional do Psicólogo, a ele dedicamos o número 1. Agradecemos a todos que colaboraram para que isto fosse possível e convidamos para que continuem conosco!

Convidamos você, leitor, a vir conosco também. Participe, colabore!

Abraços e até a próxima!

Os editores

Editorial

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O sentido do trabalho e a melhora da qualidade de vida.

Trabalho

Entrevista com Eliana Aparecida da Silva Pintor - Psicóloga do CEREST Diadema/

SP e Mestre em Psicologia da Saúde.

Trabalhar com saúde

Entrevista com Salete Monteiro Amador.Entrevista

A carreira de Ana Mercês Bahia Bock.Meu trabalho, um projeto de vida

A Contribuição da nutrição para uma boa saúde mental.

Conversa que se põe a mesa

Saúde!Saúde Mental

Conheça a história do Dr. Cuidador.O Cuidador

As belezas do Castelo de Versailles.Navegar é preciso

Revista Trabalhar a Dor - Ago 20116

Quando pensamos em “qualidade de vida no trabalho”, que imediata-mente nos deparamos com o seguin-

te questionamento: qual, de fato, é o sentido que “o trabalho” tem em nossa vida. Por que, para quê, ou mesmo para quem, exatamente o exercemos cotidianamente? Alguém pode logo dizer: ora, eu trabalho para me susten-tar e a aqueles que de mim dependem. Tam-bém há quem entenda o trabalho como fonte de satisfação pessoal ou ascensão social. Ou mesmo quem diz conseguir conciliar tudo isso ao mesmo tempo.

O conceito de trabalho que aqui adotamos é aquele que o define, prioritariamente, como um ente econômico e social. O trabalho, defi-nido sob este prisma, o da economia política

clássica, é elemento fundamental na geração das condições necessárias para nossa própria existência, tanto do ponto de vista das neces-sidades mais imediatas - alimentação, saúde, vestuário, habitação - como na reprodução de nossas relações humanas e sociais.

Assim, o trabalho também se constitui en-quanto conceito histórico, uma vez que essas mesmas relações sofrem mudanças com o passar do tempo. Basta tomar como exemplo as próprias condições de trabalho e os meios envolvidos para a produção de mercadorias, assim como a distribuição e circulação de bens e serviços de uma forma geral. Na con-temporaneidade, essas condições são muito diferentes daquelas que conheceram nossos pais e avós, há 30, 50... 100 anos atrás.

O sentido do trabalho e a melhora da qualidade de vida

Trabalho

» Marcelo Dino Fraccaro

Revista Trabalhar a Dor - Ago 2011 7

Na sociedade tecnológica atual o trabalho adquire novas formas cada vez mais avan-çadas e complexas, porém nem sempre mais favoráveis à nossa tão almejada “qualidade de vida”. Muitas vezes acabamos por nos deixar absorver por um ritmo de jornada que nos escraviza, mais do que nos torna senhores de nossas decisões e práticas no trabalho, fazendo com que essas atividades deixem de ser algo prazeroso e edificante, como desejaríamos, para se tornarem um verdadeiro suplício.

A filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975), em um de seus principais trabalhos “A Condição Humana”, faz uma brilhante distinção dessa contradição entre o “traba-lho que nos escraviza e o que nos liberta”. A noção “Vita Activa” apresentada por ela em sua obra, à luz de uma confrontação do conceito de trabalho, da antiguidade clássica à teoria moderna, define três tipos de ativi-dade humana: “labor”,“trabalho”e “ação”, que respectivamente estariam relacionados ao suprimento de nossas necessidades bio-lógicas, a fabricação de objetos e de serviços

que altera nosso ambiente natural; a liber-dade criativa, esta última a única capaz de nos tornar sujeitos da ação social e política. Arendt a nomeia de “condição humana da pluralidade”.

Retomando aqui nossa proposição inicial, verificamos que a complexidade do conceito, não nos impede de avançar – pelo contrário, nos fornece melhores condições de análise – diante da necessidade de uma resposta acer-ca do sentido de nossas atividades cotidia-nas. Nosso dilema, nesta segunda década do milênio que apenas se inicia, não se resume à busca de uma resposta acerca de como me-lhorar a “qualidade de vida” a partir do tra-balho. Cumpre saber como, e agir, de modo a equilibrar: subsistência, satisfação pessoal e liberdade criativa.

Referências bibliográficas:

ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994.

ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000.

DOWBOR, Ladislau. O que Aconteceu com o Trabalho, São Paulo, SENAC, 2002.

Sociólogo, especialista em Direitos Humanos, é professor universitário e consultor em projetos e políticas socioculturais. Foi consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Ministério da Cultura.

Marcelo Dino Fraccaro

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Saúde Mental

» Marilde Batista Novelli & » Renata Boareto Suiyama Há muito tempo, a humanidade busca saber o que é,

como se mede e como se promove a saúde. Em 1946, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou

uma definição que até hoje tem sido alvo de muitas críticas e questionamentos. Segundo a OMS saúde caracteriza-se por um “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de doença ou incapacidade”.

Esta definição foi formulada logo após a Segunda Guerra Mundial e, naquela época, representava um avanço, pois afirmava uma preocupação com fatores sociais, com a saúde mental e com a paz, com um modo de bem viver. É propositiva e positiva, afirma que a saúde vai muito além da simples ausência de doença e tem a ver com as condições de vida. Atualmente ela é considerada ultrapassada e irreal. Por exemplo: o que seria um completo estado de bem estar? Isto seria possível?

Freud, em O mal-estar na civilização (1930) afirma que o homem ao organizar-se em sociedade, tornar-se civilizado, renuncia a um tanto de sua liberdade e esta renuncia gera um sentimento de mal-estar. A organização social pressupõe regras, leis, limites para a nossa liberdade, torna-se impossível falar em completo estado de bem-estar. Pelo contrário, um tanto de angústia é saudável e o sofrimento não é necessariamente doença. É até desejável o sofrimento do homem frente a diversas situações. Algumas destas situações são inerentes à vida, como a morte, por exemplo. Outras situações são decorrentes da organização social, das condições de vida e aí é preciso sensibilizar-se para poder mudar, a indignação e inconformidade são necessárias para a construção de um mundo melhor. O que esperamos sentir diante de uma situação de crueldade, de opressão, de violência, de injustiça? A pessoa que não experimenta a angustia, a dor, o sofrimento está empobrecida psiquicamente, amortecida. Isto é saudável?

Saúde!

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Como podemos ver, saúde é um tema complexo, pode ser entendida a partir de várias perspectivas, envolve vários elementos, um deles é o trabalho.

Dejours (1980) fez estudos importantes sobre o impacto que o trabalho produz na saúde do sujeito na sociedade contemporânea. Para ele, o trabalho é um elemento determinante e tem poder estruturador ou desestrutura-dor na economia psíquica do sujeito. Pode ser fonte de sofrimento ou doença, como também de saúde e de prazer, nunca é neu-tro em relação à saúde, favorece ou a saúde ou a doença e repercute sobre a vida de toda a família de forma geral e não apenas sobre aquele que trabalha. O significado do tra-balho, o sucesso ou o fracasso, tem impacto direto sobre a imagem que o sujeito tem de si mesmo, põe em questão a vida passada e presente do sujeito, sua vida íntima e sua história pessoal. A sua importância é tão grande que o desemprego, muitas vezes, é identificado como doença.

Para ele a história da saúde está intimamen-te relacionada a história de lutas e reinvin-dicações dos trabalhadores. A evolução das condições de vida não pode ser dissociada da história de lutas e reivindicações pela saúde dos trabalhadores. Diz ele: ...a frente pela saúde só progrediu graças a uma luta perpétua, pois as melhorias das condições de trabalho e de saúde foram raramente oferecidas graciosamente pelos parceiros sociais. Ao lutarem por melhores condições de trabalho, lutavam em defesa do direito de existir, e assim foram conquistando melho-res condições de vida.

Saúde e trabalho

No século XIX a luta pela saúde identifi-cava-se com a luta pela sobrevivência, no sentido estrito da subsistência, do direito de viver. A partir de 68, com o avanço nas con-dições físicas de trabalho e com a eferves-cência cultural daquele momento, amplia--se a problemática tradicional das questões relacionadas à saúde e o foco passa a ser a preocupação com a saúde mental. O traba-lho foi acusado de ser uma fonte nociva para a vida mental. Assim ganhou força a preo-cupação com a saúde mental no ambiente de trabalho, bem como a preocupação com o papel do trabalho na saúde mental, ou seja, o sentido do trabalho para a humanidade, o lugar dedicado a ele na existência. E a saúde mental o que seria então?

Embora se reconheça a saúde de forma in-tegral, com o físico e mental como dois ele-mentos fundamentais e indissociáveis da saúde, a atenção que de dá a saúde mental é infinitamente menor do que aquela que se presta a saúde física.

Não há uma definição “oficial” para a Saú-de Mental. Descreve o nível de qualidade de vida cognitiva ou emocional, inclui a capa-cidade de um indivíduo de apreciar a vida e procurar um equilíbrio entre as ativida-des e os esforços para atingir a resiliência psicológica; o equilíbrio emocional entre os recursos internos e as exigências ou vivên-cias externas. É a capacidade de administrar a própria vida e as suas emoções dentro de um amplo espectro de variações sem contu-do perder o valor do real. É ser capaz de ser sujeito de suas próprias ações sem perder a noção de tempo e espaço, buscar viver a vida na sua plenitude máxima, respeitando o legal e o outro.

Saúde mental

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Saúde Mental

A visão de saúde foi ampliada, hoje há um destaque para a autonomia do sujeito, compreendendo-o de uma forma integral. A saúde está relacionada com a possibilidade de desempenhar as atividades do dia a dia de forma autônoma. Segre (1997) pergunta: Não se poderá dizer que saúde é um estado de razoável harmonia entre o sujeito e a sua própria realidade? Para Dejours, a saúde está relacionada com a habilidade das pessoas e nas soluções elaboradas por elas para enfrentar as adversidades da vida. Outra tendência atual é valorizar a relação de quem cuida com quem é cuidado e neste sentido, avançam os estudos, as pesquisas e os espaços de reflexão sobre o trabalho dos profissionais da saúde que, inevitavelmente, vivem no dia a dia o confronto com a doença, a loucura e a morte. A fala destes profissionais sobre esta relação seria de grande valia para a compreensão do processo saúde-doença e também do seu tratamento.

Visão ampliada de saúde

O SUS – Sistema Único de Saúde

Diferentes maneiras de compreender a saúde levam à construção de diferentes estratégias para cuidar dela. Cada sociedade, a partir do seu entendimento do que seja saúde e de como se cuida dela, vai desenvolver uma for-ma de organizar o cuidado com a saúde de seus membros. Ou seja, desenvolve um mo-delo assistencial.

No Brasil, historicamente, instituiu-se que cuidar da saúde é algo que deve ser geren-ciado pelo poder público, trata-se de uma po-lítica pública. Nos anos da ditadura militar, entendia-se que o Estado propiciaria cuida-dos com a saúde apenas daqueles cidadãos que tinham carteira assinada: era a época do INAMPS, nome ainda hoje presente para muitos brasileiros.

Na época, os cuidados com a saúde dos que trabalhavam registrados se efetivavam quase exclusivamente através de consultas médicas realizadas por profissionais da rede pública ou, em sua maioria, por serviços privados pagos pelo Estado para tanto. As ações inci-diam apenas sobre os quadros de doença, ou seja, na ausência de saúde.

Com o processo de redemocratização do país iniciado na década de 1980, movimentos da sociedade civil trazem questionamentos so-bre a política de saúde nacional. Profissionais da área passam a ocupar cargos políticos chaves para trazer à tona a discussão sobre a ineficácia deste modelo assistencial, que, além de caro, não levava em consideração os cuidados com a saúde entendida de um modo mais global. Cria-se, a partir da Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde – SUS –

Para Dejours, faz parte de uma vida mental saudável, encontrar uma solução adequada para o sofrimento. Uma solução adequada seria a transformação da situação concreta de maneira a adequá-la melhor às necessidades e desejos do sujeito. O sofrimento não é em si uma doença, faz parte da vida, a forma como lidamos com ele é que vai dizer de nossa saú-de mental. Para ele, existe uma luta travada pelo sujeito para refazer o que se desfez, re-estabilizar o que se desestabilizou, uma habi-lidade, uma inteligência do sujeito contra as dificuldades desestabilizantes. O sofrimento mobiliza o sujeito e ele pode caminhar em busca de algo melhor e não necessariamente adoecer.

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fruto deste movimento denominado Reforma Sanitária. A questão da saúde é abordada em diversos segmentos da Constituição de 1988, além de ganhar cinco Artigos específicos – Artigo 196 ao Artigo 200.

Com o SUS, funda-se um sistema de saúde com as mesmas regras em todo o país, que parte da prerrogativa de que a saúde é um direito de todos os cidadãos brasileiros e que deve ser garantida pelo Estado. Define--se aqui o acesso universal e igualitário aos cuidados com a saúde – todos os cidadãos de-vem receber cuidados com a saúde, sem dis-tinção. Os serviços públicos de saúde devem compor uma rede onde as ações de saúde de-vem ser organizadas no nível local e serem hierarquizadas de acordo com a complexida-de da assistência necessária.

O SUS tem três diretrizes:

• Descentralização administrativa, deve ser administrado localmente;

• Atendimento integral às necessidades em saúde da população, priorizando ações preventivas, mas sem prejudicar a assistência à saúde;

• Participação da comunidade nas deci-sões e ações em saúde, formação dos Conselhos de Saúde.

A assistência à saúde é livre à iniciativa privada para complementar a rede pública, mediante contrato ou convênio, preferencial-mente com entidades filantrópicas – é vedada a participação de capital estrangeiro. Em li-nhas gerais, esta é a forma como optou-se, no

Brasil, por organizar os cuidados com a saú-de para que a população tenha acesso às fer-ramentas necessárias para manter-se o mais próxima possível do pólo saúde no processo saúde doença.

No entanto, apesar de ter mais de vinte anos, o SUS ainda não está completamente imple-mentado, pois trata-se de uma questão de extrema complexidade, quanto mais em um país do tamanho do nosso, com tantas reali-dades convivendo em espaços tão complexos.

Referências bibliográficas

SEGRE, M. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, 31 (5): 538-42, 1997.

FREUD, S. O mal-estar na civilização (1930). Rio de Janeiro, Imago, 1980.

DEJOURS, C. A loucura do trabalho. São Pau-lo, Cortez, 1980.

Psicóloga, formada pela PUC-SP, escritora, pesquisadora em Saúde do Trabalhador, 10 anos de experiência na Saúde Pú[email protected]

Marilde Batista Novelli

Terapeuta Ocupacional, formada pela Faculdade de medicina da USP, Mestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da USP.

Renata Boareto Suiyama

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Trabalhar com saúde

Eliana – Como profissional da saúde pública há 22 anos primeiramente me veio à mente o cotidiano do trabalho na saúde. Eu escolhi trabalhar na saúde quando estava na graduação porque achava a psicologia muito elitizada – me formei em 1987 – e de fato o acesso era muito restrito. Saúde é algo muito amplo e envolve a capacidade de propiciar o desenvolvimento integral do ser humano. A parte que nos cabe, para além, de facilitar a mudança psíquica ou oferecer suporte psicoterápico em situações de crise é promover a cidadania e assim ajudar as pessoas a serem protagonistas de suas vidas pessoais e comunitárias. Mas, trabalhar com saúde também nos leva a pensar como o trabalho pode ser exercido de maneira agradável, espontânea e criativa a fim de abarcar a essência do humano e evitar o adoecimento. Para isso há que haver boas condições para o exercício da profissão – os meios, recursos e suportes necessários para a qualidade do serviço, como também uma organização de trabalho que respeite os limites do ser humano. A organização do trabalho envolve como são avaliados os resultados, qual o ritmo do trabalho, a liberdade para a criatividade, a autonomia,

Eliana – A saúde ganhou muito com a entrada dos psicólogos nas equipes técnicas. O cuidado em saúde não pode ser pensado sem considerar as questões subjetivas dos usuários. A escuta profissional é outra quando problematizamos a queixa dos usuários acrescentando aspectos da vida pessoal cotidiana ou aspectos da vida comunitária que psicólogos e assistentes sociais se apropriam com maior

Psicólogo - Profissional da EsperançaEntrevista com Eliana Aparecida da Silva Pintor - Psicóloga do CEREST Diadema/SP e Mestre em Psicologia da Saúde.

a quantidade de horas trabalhadas, como é feita a divisão de tarefas, como se dão as relações interpessoais, se há reconhecimento e valorização do profissional entre outras coisas. Freud (1930) dizia em “O mal- estar na civilização” que o que move toda atividade humana é um esforço desenvolvido em torno de duas metas, a de utilidade e a de obtenção de prazer. O trabalho nos traz estas duas possibilidades, ou pelo menos deveria trazer. Se isto é alcançado o trabalho se torna um correlato do brincar e assim o quintal da nossa infância ganha novos contornos e dimensões. Isto é trabalhar com saúde.

O que você entende por trabalhar com saúde?

Poderia falar um pouco da sua profissão? O psicólogo é um trabalhador da área da saúde? Você enfrenta desafios na saúde?

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detalhamento. Uma queixa de dor de cabeça pode persistir por muito tempo e gerar várias consultas, com diferentes medicações e o sintoma não se resolve porque pode ser uma cefaléia tensional e enquanto certos problemas da vida daquela pessoa não se resolver essa dor vai continuar existindo, só para citar um exemplo. As discussões de casos e as atividades grupais desenvolvidas com a equipe multiprofissional permitem integrar os saberes. Soube num Congresso sobre Qualidade de Vida de uma pesquisa que mostrou que só após a quinta consulta médica é diagnosticada uma depressão. Isto mostra despreparo, escuta precária, aumento do sofrimento dos pacientes e consultas desperdiçadas que impediram o acesso de outros. Então, nós temos um papel importante a realizar na saúde começando pela humanização do atendimento, ajudando num bom acolhimento e escuta clínica até o detalhamento de vários aspectos do acontecer humano que aparece no cotidiano do trabalho na saúde. É claro que tudo isso já representa uma série de desafios e dificuldades que temos que enfrentar todos os dias porque a saúde ainda é vista como um lugar dos médicos. Felizmente já temos muitos colegas médicos que percebem a contribuição de outras áreas e solicitam a colaboração da equipe como um todo.

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Trabalhar com saúde

Tenho observado também que temos muita dificuldade de mostrar a efetividade da nossa atuação e dos nossos resultados dentro das equipes e na categoria. Fazemos muito, mas pesquisamos e publicamos pouco. Os gestores precisam saber da eficácia da nossa intervenção, como por exemplo estudos que mostraram que crianças que passaram por situação de luto e não tiveram apoio psicoterápico para elaboração do mesmo podem desenvolver o diabetes juvenil. Os gestores sabem o quanto custa um diabético para a rede pública ao longo de uma vida desde a aplicação de insulina até as várias complicações advindas de um quadro de diabetes mal compensado. Mostrar estas e outras evidências confere um outro lugar à psicologia dentro da saúde. Portanto, ainda estamos conquistando nosso espaço e mostrando o valor do saber psicológico.

Eliana – Já tive várias experiências na saúde pública, mas a minha experiência atual que é em saúde do trabalhador se iniciou em 2004 quando entrei no CEREST (Centro de Refe-rência em Saúde do Trabalhador) em Diade-ma-SP. Tem sido uma vivência apaixonante e desafiadora. Para mim um campo novo por-que na minha graduação não se falava em Psicologia do Trabalho, mas apenas em Psi-cologia Organizacional. A atenção à saúde do trabalhador está assegurada pela Consti-

E o seu trabalho como é, o que você faz especificamente? Há quanto tempo vc está neste trabalho?

tuição Federal e é uma política nacional co-ordenada pela RENAST – Rede Nacional de Saúde do Trabalhador – que conta com cerca de 200 CERESTs pelo Brasil.

Fui convidada inicialmente para trabalhar com os trabalhadores adoecidos pelo traba-lho portadores de LER/DORT (lesões por es-forços repetitivos/distúrbios osteomuscula-res relacionados ao trabalho) ou amputados por acidentes de trabalho que apresentavam um quadro de limitações que geralmente desencadeava quadros de depressão e/ou ansiedade. Iniciei com atendimentos indivi-duais e grupais. Logo fui convidada para ir a uma empresa onde havia ocorrido um aci-dente fatal com duas vítimas devido à explo-são de um forno. Os médicos do trabalho do CEREST se preocupavam com o trauma que isso poderia causar para aqueles que presen-ciaram e/ou fizeram o socorro das vítimas. Depois disso recebemos uma denúncia so-bre o adoecimento mental de vários traba-lhadores de uma empresa cuja sede fica no ABCD Paulista. Juntamos equipes técnicas de três CERESTs (Santo André, São Bernar-do do Campo e Diadema) com o apoio do CEREST Estadual e começamos com isso a estudar os transtornos mentais advindos do comércio – porque tratava-se de uma grande rede de lojas. Bem, o meu trabalho foi saindo da assistência e foi adentrando os ambientes de trabalho. Trabalho com a investigação da relação dos transtornos mentais com o tra-balho, com reabilitação e vigilância nos am-bientes de trabalho. O serviço de saúde do trabalhador tem a assistência – com atenden-tes, médicos do trabalho, enfermagem, psicó-loga, assistente social – para os trabalhadores acidentados ou adoecidos pelo trabalho; tem a vigilância à saúde do trabalhador a qual faz

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Você cuida da saúde mental do outro, trabalha com a dor, certo? E a sua dor? Existe? Você depara com a dor no trabalho? Como é cuidada?

intervenção nos ambientes de trabalho atra-vés de denúncias, solicitação do Ministério Público e sindicatos e pelos dados recebidos pelo serviço de informação (onde se verifi-cam ocorrência de acidentes graves ou muita incidência de doenças ou acidentes em dado local de trabalho). A vigilância investiga os riscos à saúde do trabalhador presentes no local de trabalho e a equipe sempre contou com médicos do trabalho, engenheiro de segurança, técnico de segurança, fonoaudi-óloga e mais recentemente com psicólogas e assistentes sociais. Tudo isso porque hoje os afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho ocupam o terceiro lugar no ranking da Previdência Social. A minha demanda foi mudando, antes os casos que me chegavam eram transtornos mentais secundários oriundos de outras seqüelas causadas pelo trabalho e atualmente recebo muitos trabalhadores que chegam com so-frimento emocional devido a organização do trabalho. São trabalhadores massacrados por imposição de metas abusivas, pressiona-dos e ameaçados caso não consigam o resul-tado esperado; excesso de trabalho... Muitos sofrem com o assédio moral – humilhações sistemáticas intencionais em cima de um tra-balhador ou grupo de trabalhadores – que na maioria das vezes se dá por causa de metas absurdas e por outros motivos relacionados à organização do trabalho. Então, como psi-cólogos temos uma contribuição a dar neste campo, podemos verificar quais os riscos presentes no ambiente de trabalho que são passíveis de desencadear sofrimento mental. Desde o conteúdo da tarefa, o modo como é realizada, em que condições, como são ava-liadas até as cargas psíquicas envolvidas e o desgaste mental provocado. Com isso pode-mos propor mudanças e acompanhar resul-

tados. Quem tiver interesse sobre este tema poderá encontrar informações preciosas num documento lançado pelo CFP em 2008: “Saúde do Trabalhador no âmbito da saúde pública: referências para a atuação do (a) psi-cólogo (a)” (acesso por: http://crepop.pol.org.br); também o Conselho Regional de Psicolo-gia SP elaborou um vídeo muito interessan-te : História e Memória da Psicologia em SP: Uma História da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Recomendo ainda um artigo que publiquei recentemente na Revista Bra-sileira de Saúde Ocupacional – RBSO - sob o título: “Sofrimento Mental em vendedores da Grande São Paulo: a destituição do ser pela organização do trabalho” (acesso: www.fun-dacentro.gov.br/rbso - volume 35 nº122 que é um dossiê sobre saúde mental e trabalho com vários artigos interessantes).

Eliana – De fato trabalhamos com a dor e é impossível não sentir dor. A nossa profissão exige que empaticamente acessemos o sofri-mento de quem nos procura para em seguida tomarmos certa distância fazendo uma dis-sociação operativa para não atuar, ou seja, não invadir o outro com aspectos do próprio mundo interno. Agora é preciso dizer que atendemos um volume grande de pessoas nos serviços públicos, num serviço especiali-zado como o meu, recebemos uma demanda de pessoas com sofrimento muito semelhan-te, isto pode gerar um desgaste cumulativo

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Trabalhar com saúde

quando certas coisas se repetem devido ao sistema que vivemos, coisas que fogem ao controle individual e que ainda vai demorar muito para se resolverem coletivamente. Os acidentes de trabalho por exemplo, fazem parte desta gama de problemas que pode-riam ser resolvidos, mas que não é fácil. Para nós que atendemos trabalhadores, os aciden-tes de trabalho têm nome e endereço, têm histórias de vida, não são estatísticas. É duro ver uma mulher sem os dedos quando ela se preparava para deixar de ser operadora de máquina para ser cabeleireira... Este é apenas um exemplo e que seria de simples resolução porque ela operava uma prensa e existem normas de segurança para evitar que isto acontecesse as quais não foram respeitadas. Felizmente neste caso pude acionar a nossa equipe de vigilância à saúde do trabalhador que foi à empresa e interditou a prensa que gerou o acidente e outras máquinas insegu-ras. Lembro-me também de uma época que atendia crianças e adolescentes em Unidade Básica de Saúde e contei sete casos de luto de crianças que eu atendia na semana, sendo que o sétimo caso que entrou tratava-se de uma tragédia onde uma menina de 11 anos havia perdido a mãe e dois irmãos numa en-chente que destruiu sua casa e sua família. Então, ela reconstituía essa casa e esse lar perdido todas as sessões. Foram necessárias muitas casinhas para ela após um tempo se dar alta. Mas, veja que nós profissionais en-tramos em contato com essas dores várias vezes por dia e várias vezes por semana e muitas vezes com o mesmo tipo de dor... Nós psicólogos e profissionais da saúde estamos propensos a desenvolver a síndrome do es-gotamento profissional, também conhecida como síndrome de burnout – que acomete quem trabalha como “cuidador”ou ativida-

des ligadas à prestação de algum serviço - e a Fadiga por compaixão que é uma síndrome que atinge aqueles trabalhadores que lidam com uma clientela específica, ou seja, pessoas em sofrimento e que necessitam ajuda/socor-ro e que escutam muitos relatos trágicos. Para evitar o adoecimento temos que ter aquela velha receita de psicoterapia pessoal somada às supervisões e estudo, além de averiguar os estressores pertinentes às condições de tra-balho, porque me referi muito mais ao con-teúdo do nosso trabalho do que às condições que são dadas para sua realização as quais interferem muitíssimo no desencadeamento de doenças. Outro dia encontrei um colega que trabalhou comigo em UBS que me dis-se estar atendendo 60 pacientes por semana, isso não é demais? Outro fator importante é o suporte afetivo da equipe de trabalho que funciona como um atenuador de muitas ten-sões e evita muitas doenças.

Eliana – O Caetano Veloso diz numa canção que cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, então acho que toda profissão tem prós e contras ou os chamados “ossos do ofício”. Trabalhamos com a dor e o sofrimento, mas também podemos acompanhar mudanças impressionantes e pessoas de resiliência fantástica. Existem aquelas pessoas que com tão pouca ajuda conseguem fazer verdadeiras revoluções em suas vidas... Temos o privilégio de ouvir testemunhos de força, de garra, de superação... Poderíamos escrever livros e livros de vidas tão bonitas – não porque foram fáceis, mas porque foram

Na sua opinião, psicólogo é um trabalhador que sofre?

Revista Trabalhar a Dor - Ago 2011 17

feitas de várias batalhas enfrentadas - então, podemos dizer que a profissão tem os dois aspectos. Percebo que somos profissionais que temos uma dedicação muito maior, a qual é exigida pela própria característica do que fazemos, quero dizer com isso que precisamos sempre investir em nós mesmos (psicoterapia, supervisão, estudo) enquanto que outros profissionais da saúde (que é o meu campo de atuação) freqüentam um Congresso ou outro e seguem trabalhando. É uma profissão que exige muito e dá pouco retorno financeiro, temos que saber que não ficaremos ricos sendo psicólogos (as). Posso dizer também que somos profissionais da esperança. Winnicott avaliava o grau de adoecimento pela existência ou não de esperança, considerando isso mais importante do que classificar em neuróticos ou psicóticos.

Buscamos os fragmentos de esperança em nossos pacientes ou plantamos sementes de esperança nas pessoas que nos procuram. Este não é um trabalho maravilhoso?!

Eliana – Para além do que já foi falado até aqui, gostaria de acrescentar para os iniciantes que fiquem muito atentos à vida profissional de seus pacientes. Geralmente, nos estendemos no detalhamento da infância, das relações familiares dos atendidos e esquecemos de pormenorizar os aspectos da

Esta revista tem como missão, além de dar voz a quem trabalha, contribuir com a formação de novos profissionais, você gostaria de dizer algo para quem está entrando na área?

vida profissional e do cotidiano de trabalho onde a pessoa fica no mínimo oito horas por dia. Já recebi muitos trabalhadores que diziam arrependidos das agressões cometidas no lar porque descarregavam em casa o que não conseguiam resolver no ambiente de trabalho – devido ao assédio moral ou excesso de trabalho e cobranças. Então, incluir nas anamneses esta escuta pode ser um ganho. Alerto ainda para o fato de que muitos produtos químicos também geram distúrbios emocionais e então, saber se a pessoa trabalha com produtos químicos e ver se trata-se de um quadro orgânico ou não também é importante.

Gostaria de finalizar dizendo que temos que entender de que lado estamos nesta sociedade. Estamos à serviço de promover qualidade nos relacionamentos interpessoais, o respeito à dignidade humana, a justiça - sem a qual não há paz. Então o nosso lugar é o de mediadores de conflitos, de luta contra os vários preconceitos existentes e da formação de uma cultura de paz. Desse modo não estamos num campo neutro e não podemos silenciar diante dos vários tipos de violência (assédio moral no trabalho, bullying, ataques homofóbicos e racistas, trabalho escravo, etc). A nossa missão também é ecológica porque lutamos contra a extinção do respeito mútuo. Se estiverem dispostos a ajudar nesta empreitada, sejam muito bem-vindos! Precisamos de muitos ▪

Revista Trabalhar a Dor - Ago 201118

Entrevista

No dia 27 de agosto de 1962 a Psicologia foi reconhecida legalmente como profissão no Brasil, Lei 4.119/62. Data que ficou instituída como o dia do Psicólogo. No ano de 1971 são criados os Conselhos de Psicologia (Lei 6.766/71) e a partir de então, é preciso registrar-se no Conselho regional de Psicologia – CRP para exercer a profissão de psicólogo.

Em homenagem a este profissional, dedicamos o primeiro número de Trabalhar a Dor e entrevistamos uma psicóloga para que fale de seu trabalho.

Salete Monteiro Amador é psicóloga formada pela PUC/SP e terapeuta Comunitária. Pós graduada em Saúde Coletiva pela FUNDAP.

E-mail: [email protected]: www. sermelhor.com

Salete – Trabalho como coordenadora do Centro de Testagem e Aconselhamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e HIV/AIDS (CTA) Vila Chabilândia em Guaianases, periferia da cidade de São Paulo. Serviço vinculado ao Programa Municipal de DST/AIDS da Secretaria Municipal de São Paulo.

Salete – O trabalho no CTA é voltado para as ações de promoção de saúde, com ênfase na saúde sexual, prevenção sexual (através do trabalho de aconselhamento individual e em grupo, distribuição de preservativos feminino e masculino, gel lubrificante), oferta de exames sorológicos (teste rápido e convencional de HIV, exames de Hepatites B e C e Sífilis). Os trabalhos são realizados no CTA e também na comunidade como um todo, em parceria com unidades de saúde - como UBSs, CAPS, Centro de Práticas Naturais -, escolas, ONGs, unidades da Fundação Casa, dentre outros.

Salete – Há muito prazer e satisfação em meu trabalho. Sempre gostei e quis trabalhar em saúde pública principalmente com a prevenção e promoção da saúde. Sinto satisfação junto

Salete Monteiro

Onde você trabalha?

Como é o cotidiano do seu trabalho?

Há prazer ou sofrimento no seu trabalho? Poderia citar algum exemplo?

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Salete – Trabalho como coordenadora do Centro de Testagem e Aconselhamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis e HIV/AIDS (CTA) Vila Chabilândia em Guaianases, periferia da cidade de São Paulo. Serviço vinculado ao Programa Municipal de DST/AIDS da Secretaria Municipal de São Paulo.

Salete – O trabalho no CTA é voltado para as ações de promoção de saúde, com ênfase na saúde sexual, prevenção sexual (através do trabalho de aconselhamento individual e em grupo, distribuição de preservativos feminino e masculino, gel lubrificante), oferta de exames sorológicos (teste rápido e convencional de HIV, exames de Hepatites B e C e Sífilis). Os trabalhos são realizados no CTA e também na comunidade como um todo, em parceria com unidades de saúde - como UBSs, CAPS, Centro de Práticas Naturais -, escolas, ONGs, unidades da Fundação Casa, dentre outros.

Salete – Há muito prazer e satisfação em meu trabalho. Sempre gostei e quis trabalhar em saúde pública principalmente com a prevenção e promoção da saúde. Sinto satisfação junto

Como é o cotidiano do seu trabalho?

Há prazer ou sofrimento no seu trabalho? Poderia citar algum exemplo?

à união, competência e companheirismo que encontro na equipe com que trabalho.

Sinto-me gratificada também no aconselhamento às pessoas, que é uma prática de meu cotidiano, em que escuto o outro sem julgamentos ou críticas, criando um ambiente acolhedor para que a pessoa fale sobre sua intimidade sexual, sendo respeitada na sua diversidade e junto com ela traçar práticas sexuais seguras de acordo com a sua realidade.

As rodas de Terapia Comunitária também são uma prática que realizo com muita satisfação, saio dos grupos e sinto que também me fortaleci junto aos participantes. São espaços em que as diversidades culturais são valorizadas, bem como a sabedoria popular. Os grupos estreitam os vínculos sociais e potencializam a autonomia dos sujeitos nas escolhas do seu cotidiano. Enfim: trabalho com o que gosto e acredito!

Salete – É a harmonia entre aquilo que acreditamos, nossas concepções e valores, e o que realizamos. É ter espaço respeitoso para nossa expressão criativa, renovação e autonomia.

Salete – O psicólogo tem uma contribuição preciosa às pessoas e à comunidade: o olhar respeitoso ao outro, valorizando suas emoções, sonhos, cultura, enxergando nas diversidades riqueza e nas pessoas autonomia.

É fundamental ao exercer seu trabalho que o psicólogo encontre um ambiente de trabalho saudável, inclusive para a sua saúde mental, para tanto o ambiente deve ser respeitoso, ético, com espaço para a expressão de idéias criativas e inovadoras.

Na sua opinião, o que é trabalhar com saúde?

O que você diria sobre o trabalho do psicólogo de uma forma geral? E sobre a saúde mental do trabalhador psicólogo?

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Meu trabalho, um projeto de vida

F alar sobre meu trabalho é falar da minha vida, pois ela está fortemente marcada por ele. Mas o interessante

de falar sobre ele é a possibilidade de olhar para traz no tempo e perceber que não pensávamos que seria assim quando tudo começou. É um pouco desta história que reparto aqui com o leitor.

Vamos a 1974, deixando de lado os motivos que me levaram à Psicologia, pois eles não eram diferentes dos motivos da maioria dos psicólogos (assim dizem as pesquisas!). Naquele ano eu cursava Psicologia na PUCSP, 5º. ano de 6. Fui convidada para dar aulas em uma Faculdade que recém começava. Aulas? Professora? Nossa, pensava eu, fui fazer psicologia para escapar de dar aulas (destino de muitas meninas, como eu, da camada média da população)! Mas não se podia esnobar, afinal era um trabalho digno! Aceitei. E comecei assim o trabalho que me daria a identidade que tenho hoje: professora de Psicologia. Nunca mais deixei de ser professora. São 37 anos!

Quando terminei meu curso de Psicologia trabalhei (com a profa. Maria Nilde Mascellani) na área de educação. Isto me fez psicóloga educacional. Ao mesmo tempo,

Ana Mercês Bahia Bock

escolhi fazer meu mestrado e doutorado na área de Psicologia Social (com a profa. Silvia Lane de quem eu havia sido monitora) e isto me fez professora titulada em Psicologia Social. E assim iam se somando “apelidos” que me identificavam.

Em 1979, não muito tempo depois que havia me formado, fui convidada para compor um grupo de oposição para o Sindicato dos Psicólogos no Estado de São

Paulo, acompanhando e aprendendo com pessoas que passei a admirar: Odette Pinheiro, Yvonne Khoury, Sergio Leite e tantos outros. Eu que militava desde cedo, em grupos de esquerda, naquele momento reunia

a militante com a psicóloga; junção que nunca mais se desfez. E logo depois reuni ainda neste conjunto, o trabalho de pesquisadora, tomando a Psicologia como profissão como objeto de investigação com vistas à titulação.

Meu mestrado e meu doutorado versaram sobre o trabalho do psicólogo; do Sindicato fui para a Federação Nacional dos Psicólogos (onde fui a primeira presidente) e depois para os Conselhos (Federal e Regional de São Paulo); como professora, me dediquei à Psicologia Social e à Psicologia Educacional, além da disciplina de Ética Profissional.

“...quando olho para esta vida vivida, vou percebendo quantas

coisas foram acontecendo e dando novos sentidos ao

trabalho que realizei...”

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Um grupo de amigos de vida e colegas de trabalho (Ia, Graça, Elisa, Sandra, Bronia, Edna, Odair, Patricia, Sergio) permitiram que eu somasse mais um aspecto: a abordagem a qual passei a me dedicar: Psicologia Sócio-Histórica.

Entre meus parceiros cabe ainda destacar meu companheiro Silvio Bock. Fizemos de nossa vida a dois e depois a muitos um espaço onde o trabalho entrou como assunto, nos ajudando mutuamente a caminhar nele.

Hoje, quando olho para esta vida vivida, vou percebendo quantas coisas foram acontecendo e dando novos sentidos ao trabalho que realizei e realizo.

Dois acontecimentos tornaram públicos meu trabalho: escrever o livro Psicologias, a convite de Odair Furtado e em companhia dele e da Lurdinha Trassi, me puseram no mundo como “a Bock”. Estes são os acasos da vida; aqueles que agente não projeta: meu nome veio, na ordem alfabética dos sobrenomes, em primeiro lugar no livro Psicologias. Outro acontecimento, este ao contrário, bem planejado, foi assumir a presidência do Conselho Federal de Psicologia, com muitas pessoas, mas em particular com Marcus Vinicius Oliveira, Marcos Ferreira, Francisco Viana, Odair Furtado, Wanda Junqueira, Maria da Graça Gonçalves e Lumena Furtado. Pelo lugar de

presidente, passei a representar este coletivo e a, de certa forma, simbolizar um novo projeto para a Psicologia: o do compromisso social.

Quando terminei minhas gestões à frente dos Conselhos, senti falta de um espaço que permitisse o encontro, o debate, o trabalho pelo novo projeto. Foi Silvia Lane quem me ajudou. Ainda viva sugeriu um Instituto como forma de reunir esforços na luta pela transformação da Psicologia brasileira. Foi depois de sua morte que o criamos e ele recebeu o nome de Instituto Silvia Lane de Psicologia e Compromisso Social.

Deste lugar, fui então para a ULAPSI: União Latino americana de Entidades de Psicologia, para uma gestão 2009/2012. E agora divulgo em “portuñol selvagem”, para a América Latina, nosso projeto do compromisso.

De 1974 a 2011, quando escrevo este artigo, muita coisa, em meu trabalho, mudou. Mas, a vontade de ver uma Psicologia posta a serviço da maioria da população brasileira e latino americana se fortaleceu, tomou corpo, sentido; tornou-se um projeto claro e compartilhado. São muitos os parceiros nesta empreitada. Tornou-se,portanto, um projeto mais rico porque diversificado, com muitas contribuições. Aquele pequeno núcleo de pessoas (que hoje estão no Instituto Silvia Lane) se multiplicou, incluindo jovens

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estudantes que se encantam com o projeto e vêem nele uma alternativa para sua profissão de psicólogo.

Isto tudo é vida e trabalho. Nosso fazer deu vida a um projeto e este, por sua vez, deu sentido ao trabalho que realizamos. Esta revisão me permite afirmar, para ir encerrando minha reflexão, que o importante para se ter um projeto de trabalho, que tenha sentido para nós, é se buscar parceiros; o trabalho como projeto de vida precisa ser coletivo.

Dei-me conta, então, de que sempre estive no coletivo. Nenhum trabalho que realizei foi

solitário. Vida é companhia e trabalho é coisa coletiva. Essas são as condições essenciais, a meu ver, para se ter prazer no que se faz; prazer advindo do compartilhamento de um projeto que nos guia e nos permite saber quem somos. A Psicologia que tomei como referência para meu trabalho em minha identidade é uma Psicologia compartilhada. Vivo dela, vivo com ela, mas nunca sozinha. Como gosto da Psicologia! Uma Psicologia que, talvez nem exista ainda, mas que como projeto compartilhado nos aparece sempre como um inédito viável, como dizia Paulo Freire. E seguiremos trabalhando por ela, com muito prazer.

É psicóloga e professora titular do departamento de Psicologia Social da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUCSP. Foi presidente do Conselho Federal de Psicologia em três gestões entre 1997 e 2007. É presidente do Instituto Silvia Lane de Psicologia e Compromisso Social. Secretária executiva da ULAPSI –União Latino Americana de Entidades de Psicologia. Co-autora e organizadora de vários livros em Psicologia.

Ana Mercês Bahia Bock

Meu trabalho, um projeto de vida

» Livros da autora Ana Merces Bahia Bock:

Bock, Ana M. Bahia - Editora CortezPsicologia e o Compromisso Social

Teixeira, Maria de Lourdes / Bock, Ana M. Bahia / Furtado, Odair Editora Saraiva

Psicologias: uma Introdução ao Estudo de Psicologia - 2 grau

Era um homem muito ansioso, queria resolver

tudo sozinho e muito rápido. Estava casado há

muitos anos com Dona Alma.

Era uma senhora bastante queixosa, vivia doente,

cheia de dores. Reclamava muito da vida. Deixava

Seo Agoniado de cabelo em pé.

Para felicidade de ambos, puderam contar, durante muito tempo,

com a ajuda do Dr. Ondedói

Ele era um homem de poucas perguntas, resolvia tudo rapidamente. Tinha sempre um

remedinho maravilhoso. Porém, já há algum tempo mostrava-se preocupado.

Eis, que lhes indicaram um outro profissional: Dr. Cuidador.

Jovem, dinamico e muito curioso. Fazia inúmeras perguntas e se atinha a minúcias.

Seo Agoniado

Dona Alma

Dr. Ondedói

Dr. Cuidador

Já na~o sei mais o

que fazer com as

dores da Alma.

Conte-me mais

sobre isso.

O Cuidador

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Momentos de lazer são fundamentais para conservar a saúde mental, é importante desligar-se do trabalho e dedicar-se a outras atividades de seu interesse. Esta coluna é dedicada a

publicar experiências relacionadas ao lazer, cujos temas podem variar: viagens, culinária, artesanato, internet, etc. Se você tem uma experiência interessante para contar, escreva para nós, conte sua história ou dê uma sugestão. Afinal, navegar é preciso...

Viajar, passear, descansar, conhecer novos lugares. Você gosta? É um prazer que enriquece, relaxa, revigora. Vamos viajar um pouquinho?

O que você faz no seu tempo livre?Como é a sua vida fora do trabalho?

Navegar é preciso

Vista da fachada do Castelo de Versailles

» Marilde Batista Novelli

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O que você faz no seu tempo livre?Como é a sua vida fora do trabalho?

Um dos corredores do Castelo, todo em mármore com acabamento em ouro.

Cada jardim é um conjunto de esculturas muito bem cuidadas.

Conte sua história, mande suas fotos:[email protected]

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Conversa que se põe a mesa

A Contribuição da nutrição para uma boa saúde mental » Adriana Silva Fraccaro

nutrição vem contribuir muito para o bom funcionamento ce-

rebral e principalmente para termos um envelhecimento

cerebral mais saudável.

O cérebro é um dos nossos principais órgãos, ele é constituído principalmente por gordu-ra. Porem, apesar de diversos estudos, pouco se sabe sobre seu funcionamento.

Nosso cérebro contêm aproximadamente 100 bilhões de neurônios, mas com o passar do tempo eles vão morrendo diariamente, com esse dado em mãos o que podemos fazer para minimizar essa perda?

Uma dieta balanceada e rica em nutrientes, é essencial para o bom funcionamento do nos-so organismo ajudando também na preven-ção de várias doenças ao longo de nossa vida.

Não existem milagres, devemos manter uma vida saudável desde nossa infância, pois, isso é um pré requisito determinante para bom envelhecimento.

Devemos manter uma dieta equilibrada e rica em nutrientes que são essências para o funcionamento do nosso organismo e conse-qüentemente do nosso cérebro, são eles:

A

» Vitamina C e EVitamina C e E são oxidantes e evitam a degeneração das células. Encontramos essas vitaminas nas frutas cítricas, nas folhas verdes escuras, nozes, entre outros.

Ele desempenha diversas funções em nosso metabolismo, os principais alimentos que contem ferro são: fígado, gema de ovo, carnes, feijão. Uma dica importante é consumir alimentos que contenham ferro com alimentos que possuem vitamina C, pois isso faz com que sua absorção melhore consideravelmente.

» Ferro

» Ácido fólicoMelhora a função cognitiva e aumenta o humor. Esse nutriente pode ser encontrado nos cogumelos tipo shitake, tomates, brócolis, espinafre.

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» ZincoZinco protege contra lesão celular e as membranas do cérebro. Encontramos o zinco em alimentos como cereais integrais, frutos do mar, fígado, carnes bovinas.

» Vitamina BVitaminas do complexo B são essenciais para as funções neurológicas normais. Essas vitaminas estão presentes nos seguintes alimentos: leite, ovos, peixes, carnes, cereais integrais, germe de trigo.

» Ácidos graxos ômega – 3Melhoram o desempenho cerebral e são encontrados em peixes de água fria como salmão, sardinha e também na linhaça em proporções menores.

» CaféEstudos mostram que 3 xícaras de café ao dia é uma dosagem essencial para o bom funcionamento cerebral protegendo o cérebro contra neurotoxicidade.

» HidrataçãoÁgua é um alimento essencial para um bom desempenho físico e cerebral, no mínimo 2 litros ao dia.

O principal combustível para o cérebro é a glicose, por isso jejuns prolongados devem ser evitados. Outro fator importante é manter uma atividade física diariamente.

Esperamos que com essas dicas possamos contribuir na adoção de cuidados com nossa saúde e qualidade de vida.

Referências bibliográficas:

Alimentos e Nutrição. Nutrição e o Cérebro Nestlé, 4ª Edição, maio 2008.

Borsoi, M. A. Nutrição e Dietética. São Paulo: Editora Senac, 1995.

Nutricionista, especialista em vigilância sanitária de alimentos e administração de empresas com dez anos de experiência profissional. Atualmente exerce atividades como docente.

Adriana Silva Fraccaro

O que fazer quando a vida impõe uma marca e divide o tempo em antes e depois?

Como amanhecer depois que tudo acabou?

A autora relata o caminho que percorreu numa tentativa de compreensão e destino para sua dor.

Quando por aquela rua eu passavabem em frente a uma construção,uma voz firme eu escutavaem meio àquela movimentação.

Os operários com areia, cimento e tijolos,que iam e vinham numa labuta gloriosa,ouviam também aquela voz firmeque declamava poesias maravilhosas!

Era o poeta construtorque sem se importar com ruídoque vinham do esqueleto do prédio inacabado,declamava seus versos bonitos; - num grito.

» Odila Placência - Escritora e Poetisa de Barueri

“Operários das Letras” União dos Escritores e Poetas de Barueri

Poeta construtor

Cotidiano em Palavras está sendo lançada com o objetivo de editar, publicar e distribuir livros na área da saúde mental, do trabalho e de história de vida.

Tem como missão a valorização do saber construído no dia a dia e a transformação deste saber em palavras.