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Sobre a natureza jurídica da norma que atribui competência para a fixação da remuneração dos administradores

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Universidade de LisboaFaculdade de Direito

Maria Teixeira Marreiros

Sobre a natureza do artigo 399. do Cdigo das Sociedades Comerciais: Competncia para a fixao da remunerao dos administradores

Trabalho realizado no mbito da disciplina de Direito das Sociedades Comerciais I do Mestrado em Direito (Cincias Jurdico-Empresariais)

Fevereiro2015

Sumrio

Introduo .. 31. O caso que deu origem escolha do tema 41.1 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 21-04-2012 51.2 Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 27-03-2014 . 61.3 Argumentao do Ru/Administrador ... 72. Normas imperativas 93. A opinio da Doutrina e da Jurisprudncia . 114. O interesse social . 145. Bibliografia 17

Introduo

No presente trabalho propomo-nos analisar a questo da natureza jurdica do artigo 399. do Cdigo das Sociedades Comerciais.Inicialmente iremos falar um pouco sobre o caso atravs do qual escolhemos este tema de modo a que se possa compreender que esta questo da natureza jurdica no apenas um problema terico, mas que coloca dificuldades prticas e condiciona as resolues dos casos. Salientamos ainda que, regra geral, o Direito das Sociedades Comerciais Direito Privado, ou seja, que a maior parte das normas podem ser derrogadas por deliberaes dos scios, por isso s se justifica considerar uma norma como imperativa se estiver em causa a ordem pblica societria, princpios injuntivos ou se forem postos em causa interesses de terceiros. Em seguida, iremos ver qual tem sido a orientao da Doutrina e da Jurisprudncia neste tema da imperatividade, ou no, da norma que regula a competncia da fixao da remunerao dos administradores e qual a importncia desta matria para a sustentabilidade de uma sociedade. Finalmente, falaremos sobre a verdadeira ratio desta norma e se se justifica, ou no consider-la como uma norma imperativa neste quadro.

1. O caso que deu origem escolha do tema

O tema do presente trabalho a natureza do artigo 399. CSC foi escolhido a partir do Acrdo do STJ de 27-03-2014 (Relator: Fernando Bento)[footnoteRef:1]. [1: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1c8a89e8d3c51b2180257cb3004eed46?OpenDocument&Highlight=0,responsabilidade,civil,administrador]

Antes de passarmos anlise do tema propriamente dito, achmos por bem relembrar as circunstncias mais relevantes do nosso caso, de modo a podermos contextualizar a questo e visualizar na prtica uma situao em que a natureza deste artigo determinante para a resoluo do caso concreto. O nosso caso trata-se de uma sociedade annima (Autora), cujo objeto o exerccio da atividade de seguro direto e de resseguro dos ramos vida, que detida na totalidade das aces representativas do seu capital social por um Banco. At fevereiro de 2008, um dos administradores (Ru) da referida sociedade auferia 2.190 como remunerao fixa mensal bruta. No entanto, nesse ms, este determinou aos servios de recursos humanos que iria passar a auferir uma remunerao mensal ilquida adicional de 3.500 com efeitos desde novembro 2007, perfazendo um total de 113.406. Sucede que este aumento de remunerao do administrador nunca foi aprovado ou confirmado pela assembleia geral de acionistas, nem foi eleita uma comisso de remuneraes para o perodo em causa, exigncia que decorre do artigo 399. CSC. Assim, a sociedade intentou uma aco de responsabilidade contra o referido administrador, nos termos do art. 72. CSC, no sentido de obter a sua condenao a pagar-lhe a quantia de 113.406 acrescida de juros taxa legal.O Ru contestou, alegando que o aumento da sua remunerao tinha sido determinado pelo Presidente do Conselho de Administrao do Grupo a que pertencia o Banco, que era simultaneamente o Presidente desse mesmo Banco - que era o acionista nico da sociedade em questo e ainda o Presidente da Comisso de Remuneraes; e que sempre entendeu essas determinaes como legtimas e nunca as questionou, chegando a afirmar que este era um procedimento comum e reiterado e que ao longo dos anos (o Presidente do Grupo a que o Banco pertencia), reviu, aprovou e assinou as contas, procedimento este tambm seguido pelos restantes rgos de fiscalizao.[footnoteRef:2] [2: Acrdo do Tribunal da Relao do Porto de 12-04-2012 (Relator: Leonel Serdio) - http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/230da8b4503cfd4f802579ea00313dd0?OpenDocument&Highlight=0,remunera%C3%A7%C3%A3o,administrador,dever,de,cuidado,dever,de,lealdade]

Verificamos ento que neste caso a natureza do artigo 399. CSC determinante para responsabilizar, ou no, o administrador: Se entendermos que este artigo tem uma natureza imperativa, a fixao da remunerao compete sempre assembleia geral de acionistas ou a uma comisso por ela designada (comisso de remuneraes) e se assim no suceder, haver lugar a responsabilidade por violao de preceito legal imperativo; Se, pelo contrrio, entendermos que o referido artigo no tem natureza imperativa, devemos atender ratio da norma e verificar se a fixao da remunerao ps em causa os interesses da sociedade e dos seus donos, ou seja, os acionistas.

No nosso caso, a 1 instncia julgou a ao improcedente e absolveu o Ru do pedido;

1.1 Acrdo do Tribunal da Relao do Porto

J o Tribunal da Relao do Porto julgou a ao procedente e condenou o Ru a pagar a quantia referida acrescida de juros de mora taxa legal. O TRP considerou que o artigo 399. CSC tem natureza imperativa, concordando com o Ru/Apelante, ao afirmar: () Este preceito no contm qualquer ressalva quanto possibilidade de afastar a competncia por ele definido e nesta matria da competncia tem natureza imperativa, sendo o meio adequado defesa da sociedade e dos acionistas, que so os donos da sociedade. Por conseguinte, no caso de a remunerao ter sido fixada por outro rgo, designadamente pelo conselho de administrao, a sano a nulidade, no produzindo efeitos relativamente sociedade e aos acionistas (cf. art. 411./1/al. c) do CSC que fere de nulidade as deliberaes do conselho de administrao cujo contedo seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais imperativos).Alis, este Tribunal defende que a determinao do R. a ordenar aos servios da A. o seu aumento de remunerao est ferida de nulidade no s atravs do citado art. 411./n 1/al. c) CSC, por maioria de razo, dado que em rigor no sequer uma deliberao do conselho de administrao, mas decorrendo tambm a nulidade dos arts. 280./1 e 294., que cominam com a sano da nulidade os negcios jurdicos celebrados contra disposio legal de carcter imperativo, salvo nos casos em que outra soluo resulte da lei e ainda do art. 295. do Cdigo Civil, que permite a aplicao dos artigos 217. e 294. aos atos jurdicos, na medida em que a analogia das situaes o justifique.

Considera ainda que o facto de a ordem de aumento da remunerao no ter partido da iniciativa do administrador, mas sim do Presidente do Conselho de Administrao do Grupo a que pertencia o Banco no valida o aumento, uma vez que apenas ficou provado que o Banco que era o titular da totalidade das aes representativas do capital social da sociedade de seguros e no o Grupo. Existia assim uma relao de domnio total da Autora relativamente a este Banco, mas no relativamente ao Grupo, pelo que conclui que a ordem do Presidente do Grupo () no confere legalidade ao aumento de remunerao do R., enquanto administrador da A. e que esse aumento, para ser legal, carecia de uma deliberao da assembleia geral da A. a aprovar ou a confirmar esse aumento de remunerao.

Este o entendimento do TRP.

1.2 Acrdo do Supremo Tribunal de Justia

Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justia tambm julgou a ao procedente e condenou o Ru a pagar aquela quantia acrescida de juros de mora taxa legal.Este Tribunal seguiu a orientao do TRP, entendendo tambm que o artigo 399. CSC tem uma natureza imperativa. O STJ considerou que o administrador interferiu unilateralmente na elevao do respetivo montante, sendo que para a realizao de tal ato carecia de competncia funcional pois, no entendimento deste Tribunal, a lei clara e a fixao da remunerao dos administradores compete assembleia geral e no ao conselho de administrao ou ao administrador.Alis, este acrdo faz ainda referncia ao artigo 405. CSC que dispe que o conselho de administrao deve subordinar-se s deliberaes dos acionistas apenas nos casos em que a lei ou o contrato de sociedade o determinarem e este um desses casos, visto que se trata de matria reservada pela lei societria a outro rgo social, a saber, a assembleia geral ou a uma comisso por ela designada e no de um ato de administrao[footnoteRef:3] ou gesto da sociedade, em que a sim j seria da competncia do administrador. [3: A administrao pode ser definida como o conjunto de atuaes materiais e jurdicas imputveis sociedade que no estejam, por lei, reservadas a outros rgos Ac. STJ de 27-03-2014.]

Assim, e no seguimento da orientao do TRP, tambm o STJ invoca o art. 411./n1/al. b) e c) do CSC, defendendo que este artigo se aplica por maioria de razo, pois no est em causa sequer uma deliberao do conselho de administrao mas apenas a deciso de um administrador.

Quanto ordem dada pelo Presidente do Grupo e tambm do Banco nico acionista da Autora, o STJ considerou que essa ordem tinha uma eficcia intra societatis, restringindo-se s relaes internas entre a Autora e ele, como Administrador, sem qualquer relevncia externa, sendo certo que, para lograr para si os benefcios do cumprimento de tal ordem pelos servios da Autora, lhe foi essencial a posio de Administrador, que era a sua (independentemente de, ao pratic-lo, estar ou no a cumprir ordens) .

1.3 Argumentao do Ru/Administrador

Apesar de ambos os acrdos defenderem a natureza imperativa do artigo 399. CSC, ambos tambm reconhecem que esta interpretao no pacfica e que o argumento do administrador forte, visto que o que ele alega que () cumpria ordens do acionista nico e de que tal representava uma prtica que vinha sendo seguida at a, sendo certo que os aumentos acabavam sempre por ser aprovados com a aprovao do relatrio e contas, o que s no aconteceu agora por fora da nacionalizao do DD SA [do Banco].

Na argumentao do recurso para o STJ apresentado pelo administrador este junta um parecer do Prof. Gravato Morais que, apesar de no ter feito vencimento junto dos Tribunais, nos parece ser de destacar. Assim, este Autor defende que:- Deve ser atribuda relevncia jurdica ordem do Presidente do Banco, visto que ficou provado que este era o titular da totalidade das aes representativas do capital social da sociedade em causa (Ponto K e L);- Houve violao formal do art. 399. CSC, mas no houve uma violao substantiva e material, pois os interesses que a norma visa tutelar no foram postos em causa, sendo que o prprio Tribunal da Relao verificou que a ratio da norma a defesa da sociedade e dos acionistas que so os donos da sociedade (Ponto M e N);- Mas o acrdo recorrido no observou que o nico dono da sociedade era o Banco, que era presidido por quem deu a ordem de aumento da remunerao (Ponto O);- Portanto, os interesses dos donos e dos acionistas esto acautelados, quando a "ordem" (no uma deliberao formal da A.G.) partiu do Presidente do Banco, nico dono e nico acionista da sociedade autora/recorrida. (Ponto P);- Assim, a eventual falta de deliberao da assembleia geral est suprida pela interveno do acionista nico (Ponto Q);- Dado que o acionista nico (o dono) era o Banco, o Presidente deste definia as remuneraes por "ordem" directa, para que os vriosadministradores dos diversos pelouros da Autora (propriedade exclusiva do Banco) "no soubessem o que os outros ganhavam." (Ponto T);- No existia, portanto, deliberao formal da Assembleia Geral, relativamente s remuneraes, de modo a preservar a confidencialidade dos vencimentos.- Todos os anos, por altura da aprovao do relatrio de gesto e contas, a assembleia geral da autora reunia (de forma introspetiva, na medida em que havia apenas um nico acionista - o Banco - que deliberava) e aprovava as contas, suprindo assim a omisso de deliberao relativa a remuneraes, nos termos do art. 399 CSC;- Desta forma, a Assembleia Geral acabava por ratificar e confirmar as decises do presidente do Banco - nico acionista da Autora.

Simplesmente, neste caso, a ratificao no sucedeu, devido nacionalizao do Banco, sendo que o Presidente deste (que determinava as remuneraes) j no participou na assembleia geral.

Esta argumentao do Ru de facto forte, pois materialmente a ratio do 399. parece estar a ser cumprida quando o acionista da sociedade que determina as remuneraes, estando dessa forma a ser protegido o interesse da sociedade, pois quem melhor que o dono desta para saber o que ser melhor. Assim, todos os anos a assembleia geral reunia e ratificava as decises do Presidente, de forma a suprir a imposio formal da norma do 399. CSC.O aumento de remunerao, aprovado pelo acionista nico, apesar de no ter havido uma deliberao formal, deve ser considerado vlido, ou no? Ou, melhor dizendo, devemos considerar o artigo 399. do CSC como uma norma imperativa, ou no? Tentaremos responder a esta questo no mbito do presente trabalho.

2. Normas imperativas

Na resposta a esta questo, importante termos em conta que o primeiro e mais significativo princpio do Direito das Sociedades o princpio da autonomia privada. As sociedades so elas prprias entes de Direito privado, pois derivam de contratos livremente celebrados entre entidades que se posicionam num plano de igualdade. Assim, uma vez constitudas, as sociedades podem fazer tudo quanto lhes no seja proibido.[footnoteRef:4] [4: CORDEIRO, Antnio Menezes, Direito das Sociedades Comerciais I Parte Geral, 3 edio, Almedina, 2011 - pp.279.]

De entre os limites impostos autonomia privada das sociedades, encontram-se os limites gerais dos negcios jurdicos, os que advm da regra da boa-f, os de regras injuntivas dirigidas s sociedades em geral e os limites prprios de cada tipo societrio. Assim, e citando MENEZES CORDEIRO[footnoteRef:5], na falta de proibies, tudo permitido: seja s partes, seja aos scios, seja s sociedades. [5: MENEZES CORDEIRO, (), p. 280.]

Focamos a nossa ateno nas normas injuntivas dirigidas s sociedades em geral. As normas injuntivas - ou imperativas - so normas que no podem ser afastadas por deliberaes dos scios, ou segundo a letra do artigo 56./1/d), so preceitos legais que no possam ser derrogados, nem por vontade unnime dos scios. A contrario, as que podem ser afastadas por deliberao so normas supletivas. J vimos que o Direito das Sociedades Direito privado. Assim sendo, este tendencialmente supletivo: visa ocupar-se das matrias que os interessados no quiseram regular diferentemente.[footnoteRef:6] Ento, quando que se justificam normas imperativas em Direito societrio? Segundo MENEZES CORDEIRO[footnoteRef:7]: [6: MENEZES CORDEIRO, (), p. 783.] [7: MENEZES CORDEIRO, (), p. 784.]

- Quando integrem a ordem pblica societria, nomeadamente, os elementos necessrios do contrato[footnoteRef:8] (artigo 9.) e os factos integrativos dos tipos de sociedades. Como por exemplo, ser nula a deliberao que limite os poderes representativos de um gerente na sociedade por quotas art. 260./1 pois esta uma norma que contm um facto integrativo do tipo de sociedade por quotas; [8: Artigo 9. (Elementos do contrato)1 - Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:a) Os nomes ou firmas de todos os scios fundadores e os outros dados de identificao destes;b) O tipo de sociedade;c) A firma da sociedade;d) O objeto da sociedade;e) A sede da sociedade;j) O capital social, salvo nas sociedades em nome colectivo em que todos os scios contribuam apenas com a sua indstria;g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada scio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota;h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrio destes e a especificao dos respetivos valores.i) Quando o exerccio anual for diferente do ano civil, a data do respetivo encerramento, a qual deve coincidir com o ltimo dia de um ms de calendrio, sem prejuzo do previsto no artigo 7. do Cdigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.]

- Quando concretizem princpios injuntivos, como por exemplo princpios civis, como a responsabilidade constante do art. 72. ou a prescrio (300.) ou mesmo princpios societrios, como no caso de ser feita uma deliberao que ponha em causa o princpio da distribuio do lucro pelos scios;- Quando instituam ou defendam posies de terceiros.

Poderemos enquadrar numa destas hipteses o artigo 399. do CSC? A atribuio da competncia de fixao das remuneraes dos administradores assembleia geral dos acionistas visa proteger os interesses da sociedade e dos acionistas (por isso no defende interesses de terceiros) e consequentemente previne o risco de conflito de interesses relativamente ao administrador, por isso claro que a remunerao reveste uma enorme importncia na sustentabilidade da sociedade, mas no por isso que podemos dizer que esta norma consagra um princpio injuntivo. A remunerao um direito dos administradores pelo desempenho das suas funes mas, mais do que isso, uma importante ferramenta para motivar e estimular os administradores a gerirem a empresa societria do modo mais eficiente possvel, e para captar e fidelizar os administradores mais competentes e responsveis[footnoteRef:9]. Para alm disso, uma poltica de remunerao consistente diminui os custos de agncia, permite que a gesto da sociedade prossiga objetivos razoveis, de mdio a longo prazo, tendo em vista a sustentabilidade da empresa nos mercados[footnoteRef:10]. Da advm a importncia do montante adequado da remunerao, o que leva a que muitas vezes se considere que esta uma norma imperativa. Mas iremos ver adiante que esta interpretao no pacfica. [9: RIBEIRO, Maria de Ftima, Os Modelos de Remunerao dos Membros dos rgos de Administrao in A emergncia e o futuro do corporate governance em Portugal, PINTO, Jos Costa (Coord.), Almedina, 2013, p. 686.] [10: GUEDES, Ins Sousa, A remunerao dos administradores: perspectiva a partir da crise de 2008 - Tese de Mestrado da FDUP, 2010, p.9.]

3. A opinio da Doutrina e da Jurisprudncia

Tal como vimos nos acrdos acima referidos, INS SOUSA GUEDES[footnoteRef:11], no seguimento de COUTINHO DE ABREU, defendem a natureza imperativa do artigo 399. CSC, entendendo que: [11: GUEDES, Ins Sousa, (), pp. 23-24.]

- Se existir uma deliberao dos acionistas no sentido de introduzir outras formas de fixao de remuneraes no contrato de sociedade que no sejam as estatudas legalmente, a deliberao ser nula nos termos do art. 56./1/d) CSC (por violao de preceito legal imperativo, isto , que no pode ser derrogado por vontade dos scios);- No caso de existir uma deliberao do conselho de administrao que fixe as suas prprias remuneraes, esta tambm ser nula[footnoteRef:12] nos termos dos arts. 411./1/c) e 433./1 CSC. [12: Quanto legitimidade para invocar esta nulidade de deliberao do conselho de administrao, tem havido alguma divergncia na doutrina e na jurisprudncia sobre se o interessado pode recorrer logo via judicial ou se este deve aguardar que a assembleia geral se rena e se pronuncie sobre o tema para depois poder recorrer aos tribunais.]

Esta Autora refere que a razo de ser da imposio desta competncia assembleia geral de acionistas est relacionada com o facto de a fixao de remuneraes ser uma rea muito propcia a conflitos de interesses entre administradores e acionistas.

No Ac. STJ de 17-04-1997[footnoteRef:13] tambm se defende a natureza imperativa do artigo 399.: III- de carcter imperativo, embora referente a interesses privados (primeiro da sociedade e depois dos scios), a norma do n.1 do artigo 399. do CSC (quanto fixao das remuneraes de cada um dos administradores pela assembleia geral). [13: Processo n 96B828 - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/668f006a617d894f80256a1d0039c6e2?OpenDocument]

IV- A sano que mais convm sua inobservncia a da nulidade da remunerao no fixada em assembleia geral.

Contudo, em sentido contrrio, no Ac. TRL de 18-12-2002[footnoteRef:14] entendeu-se que o artigo 399. no tem natureza imperativa, embora ainda na redao anterior do artigo[footnoteRef:15]: I - O artigo 399/1 do Cdigo das Sociedades Comerciais no tem natureza imperativa. [14: http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/28fe1f309deedab980256ce100538a47?OpenDocument&Highlight=0,comiss%C3%A3o,remunera%C3%A7%C3%B5es] [15: Artigo 399.(Remunerao)1 - Compete assembleia geral dos acionistas ou a uma comisso de acionistas por aquela nomeada fixar as remuneraes de cada um dos administradores, tendo em conta as funes desempenhadas e a situao econmica da sociedade.]

II - A deliberao da assembleia geral que o desrespeite no daquelas cujo contedo no possa ser derrogado, nem sequer pela vontade unnime dos scios e, por isso, uma tal deliberao no padece do vcio da nulidade (artigo 59/1, alnea d) do Cdigo das Sociedades Comerciais) mas de mera anulabilidade.III - Prescrevendo o artigo 399/1 do C.S.C. que compete assembleia geral dos accionistas ou a umacomissode accionistas por aquela nomeada fixar asremuneraesde cada um dos administradores, a deliberao tomada por unanimidade dos accionistas reunidos em assembleia geral designando acomissode fixao deremuneraes (C.F.R.) no padece de qualquer vcio, pois em tal caso, dada a unanimidade, a dita C.F.R. est legitimada por mandato global das accionistas integrado na dita deliberao.

A ideia dar um maior controlo aos acionistas nesta matria, controlo que deve ser exercido a nvel material, de forma efetiva e no efetuado estritamente nos moldes da deliberao da assembleia geral de acionistas. Desde que sejam respeitados os interesses dos scios. E tal a importncia de se conferir aos acionistas um maior controlo, incluindo tambm na determinao da poltica de remuneraes, que se assistiu nos E.U.A a diversas iniciativas no sentido de generalizar a obrigao de respeito pelo princpio say on pay[footnoteRef:16] que confere aos scios o poder de, periodicamente, se pronunciarem atravs do exerccio do direito de voto, acerca da poltica de remuneraes dos membros dos rgos da sociedade. No entanto, a poltica de remuneraes no se confunde com a concreta competncia de fixao da remunerao que nem sempre cabe assembleia geral de acionistas, como em Portugal. [16: Princpio que surgiu numa tentativa de colmatar as assimetrias informativas associadas matria da fixao de remuneraes, como nos explica Maria de Ftima Ribeiro (), p. 701: (...) os administradores esto, em termos de informao, numa posio de vantagem relativamente aos acionistas, pelo que estes dificilmente podero certificar-se de que aqueles desempenham com eficincia as suas funes. (critrio constante do nosso artigo 399. CSC relativo fixao de remuneraes, juntamente com o critrio da situao econmica da sociedade).]

No UK Corporate Governance Codex[footnoteRef:17] alis refere-se: Levels of remuneration should be sufficient to attract, retain and motivate directors of the quality required to run the company successfully, but a company should avoid paying more than is necessary for this purpose. A significant proportion of executive directors remuneration should be structured so as to link rewards to corporate and individual performance. There should be a formal and transparent procedure for developing policy on executive remuneration and for fixing the remuneration packages of individual directors. No director should be involved in deciding his or her own remuneration. [17: https://www.frc.org.uk/Our-Work/Publications/Corporate-Governance/UK-Corporate-Governance-Code-September-2012.aspx]

MARIA DE FTIMA RIBEIRO[footnoteRef:18] salienta as vantagens em permitir que os acionistas concretamente fixem as remuneraes dos seus administradores, como o faz a lei portuguesa: permitir que seja promovida a partilha de informao relativamente s polticas de remunerao, que sejam legitimadas as decises relativas a essas remuneraes (pois os acionistas podero assegurar-se de que sejam captados e fidelizados os administradores que melhor promovam o bom desempenho da empresa societria e, por outro lado, podem evitar os riscos que decorrem de uma poltica de remuneraes inadequada) e que se promovam melhores prticas nesse mbito (sobretudo, incentivando o alinhamento dos interesses dos administradores e os interesses a longo prazo dos acionistas). [18: RIBEIRO, Maria de Ftima, (), pp. 705-706. ]

4. O interesse social

Mas ser que podemos identificar o interesse social unicamente com o interesse dos scios?FILIPE CASSIANO DOS SANTOS[footnoteRef:19] considera que a sociedade , em geral, coisa dos scios (so os interesses deles que nela se jogam e outros interesses, como os dos credores, so interesses externos). () Devem ser eles [os scios], de acordo com o jogo da regra da maioria e com respeito pelo crculo imperativo da distribuio de competncia entre os rgos a decidir os destinos sociais: () A maioria tem a conduo direta ou indireta dos destinos sociais de modo essencialmente livre. [19: SANTOS, Filipe Cassiano dos, Governo de sociedades bancrias, deveres dos administradores e superviso in II Congresso de Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2012, p.227.]

Por sua vez, COUTINHO DE ABREU[footnoteRef:20] identifica o interesse social com o interesse comum aos scios (enquanto scios) , a causa comum do ato constituinte da sociedade, ou seja, o escopo lucrativo. Este Autor entende que qualquer outro interesse coletivo ou comum de que sejam titulares os scios j no merece tal qualificao. [20: ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial Volume II Das Sociedades, Almedina, 4 edio, 2014, pp. 296-298.]

Para alm disso, explica que no interesse social teremos uma relao entre uma necessidade (em regra) obteno de lucro por parte de todos e cada um dos scios e um ou mais bens determinados (sendo o caso) em cada deliberao.Por fim, conclui que cabe maioria optar, mas sempre entre interesses comuns a todos os scios. Assim o Autor acaba por definir o interesse social como a relao entre a necessidade de todo o scio enquanto tal na consecuo do lucro e o meio julgado apto a satisfaz-la.

No Ac. TRL de 15-03-2007 (Relator: Manuel Gonalves) considerou-se que a ratio do artigo 399. CSC o interesse social, entendido segundo a definio de COUTINHO DE ABREU que acima expusemos: I - Na fixao daremuneraode cada um dosadministradores deve ter-se em conta as funes desempenhadas e a situao econmica da sociedade (art. 399 CSC). II- Subjacente a tal preceito, est a tutela do interesse social, entendido como a relao entre a necessidade de todo o scio, enquanto tal, na consecuo do maior lucro e o meio julgado apto a satisfaz-lo.III - abusiva e portanto anulvel (art. 58 n 1 CSC) a deliberao que aprova a fixao deremuneraodeadministrador, em valor superior ao dobro do anteriormente praticado, sem qualquer justificao, nomeadamente por referncia ao critrio do art. 399 CSC, quando a situao econmica da sociedade dbil.IV - Tal deliberao susceptvel de causar aos scios minoritrios dano (que vm diminudos os lucros a distribuir) contrariando assim, o interesse social.

Portanto, sabemos que o artigo 399. foi consagrado para proteger o interesse social. E o interesse social no , afinal de contas, o interesse dos scios? Ento, desde que sejam respeitados os seus interesses e se for traduzida a sua vontade no vemos por que razo se considera que o artigo 399. foi violado em circunstncias como a do nosso caso em que a remunerao do administrador foi determinada pelo acionista nico, apesar de no ter sido aprovada em assembleia geral de acionistas. Desta forma, entendemos que o artigo 399. no tem natureza imperativa, desde que sejam respeitados os interesses dos scios ou acionistas, consoante o caso.

5. Bibliografia

ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial Volume II Das Sociedades, Almedina, 4 edio, 2014;

CORDEIRO, Antnio Menezes, Direito das Sociedades Comerciais I Parte Geral, 3 edio, Almedina, 2011;

GUEDES, Ins Sousa, A remunerao dos administradores: perspectiva a partir da crise de 2008 - Tese de Mestrado - FDUP, 2010;

RIBEIRO, Maria de Ftima, Os Modelos de Remunerao dos Membros dos rgos de Administrao in A emergncia e o futuro do corporate governance em Portugal, PINTO, Jos Costa (Coord.), Almedina, 2013;

SANTOS, Filipe Cassiano dos, Governo de sociedades bancrias, deveres dos administradores e superviso in II Congresso de Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2012.

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