Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego no Brasil Vitor Araújo Filgueiras...
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Trabalho análogo ao escravo e o limite da relação de emprego no
Brasil
Vitor Araújo FilgueirasUniversidade Federal da Bahia \ Ministério do
Trabalho e Emprego1º de julho de 2011
Trabalho análogo ao escravo no Brasil
• Escravidão até séc. XIX x trabalho análogo ao escravo séc. XXI
• Citação de Polanyi (2000, p. 138-9), de uma passagem de Townsend: “A fome doma os animais mais ferozes, ensina a decência e a civilidade, a obediência ao mais perverso (...) O constrangimento legal é sempre atendido com muito aborrecimento, violência e barulho; cria uma má vontade e nunca pode produzir um serviço bom e aceitável. Enquanto isso, a fome não é apenas uma pressão pacífica, silenciosa e incessante, mas, como motivação mais natural para a diligência e o trabalho, ela se constitui no mais poderoso dos incentivos (...) O homem livre deve ter seu próprio julgamento e critério; deve ser protegido no pleno gozo do que tem, seja muito ou pouco, e punido quando invade a propriedade de seu vizinho”.
Capital e maniqueísmo
• Entender a lógica para entender o fenômeno• Consenso generalizado: de Marx e Weber à
teoria neoclássica: a compulsão como padrão de comportamento, que tende à autonomização
Brasil e assalariamento
• Generalidades e particularidades da relação social (padrão de gestão e regulação): articulando com cuidado
• A herança escravocrata (despotismo e “bondade”)
• Pessoalização (Capital, trabalho e Estado)• Neoclassicismo à brasileira
Trabalho análogo ao escravo
• Em regra, não são necessárias correntes• 1) exército de reserva• 2) território todo privatizado
• Fugir? Para onde? Para viver como?
Natureza do trabalho análogo ao escravo
• Potencialidade de qualquer capitalismo (longe de qualquer maniqueísmo)
• Monopólio social compulsivo X reprodução dos apartados dos meios de produção
• Não há limite inerente à relação
Trabalho análogo ao escravo
• Por isso, trabalho em condição análoga à de escravo (fato incorporado, inclusive, pela legislação)
• Não é idêntico (é próprio do capitalismo assalariado), apesar de engendrar relações muito próximas (padrão de gestão da força de trabalho)
Comparação século XIX e XXI
• O sociólogo Kevin Bales, em seu livro "Disposable People: New Slavery in the Global Economy" (Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial) paralelos entre esses dois sistemas que foram adaptados pela Repórter Brasil para a realidade brasileira.
• Brasil antiga escravidão nova escravidão• propriedade legal permitida proibida• custo de aquisição de mão-de-obra• alto a riqueza de uma pessoa podia ser medida pela quantidade de escravos• baixo. não há compra e, muitas vezes, gasta-se apenas o transporte• lucros- baixos. havia custos com a manutenção dos escravos- altos se alguém fica doente pode ser mandado embora, sem nenhum direit• mão-de-obraescassa. dependia de tráfico negreiro, prisão de índios ou reprodução. bales afirma que, em 1850, um escravo era
vendido por uma quantia equivalente a r$ 120 mil descartável. / um grande contingente de trabalhadores desempregados. um homem foi levado por um gato por r$
150,00 em eldorado dos carajás, sul do Pará• relacionamento• longo período. a vida inteira do escravo e até de seus descendentes• curto período. terminado o serviço, não é mais necessário prover o sustento• diferenças étnicas relevantes para a escravização / pouco relevantes. qualquer pessoa pobre e miserável são os
que se tornam escravos, independente da cor da pele• manutenção da ordem ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos /
ameaças, violência psicológica, coerção física, punições exemplares e até assassinatos• QUANTO MAIS DESCARTÁVEL, MENOS PRESO
Escravidão séc. XIX x trabalho análogo ao escravo séc. XXI
- No século XIX o Estado praticamente não tinha fissuras, sem aparelhos de atenuação da hegemonia (que comportasse disputa de classe)
- NO século XXI há limites prévios e formais à exploração de classe
- Dentre esses limites (regras), há limite à própria relação, que extrapolado desconstitui a mesma
Sem distinção de setor
• Empregados foram encontrados em condições de trabalho análogo à escravidão nos meses de maio e junho em atividades relacionadas à criação de gado, garimpo, produção de carvão e até à área de transmissão de energia elétrica - Notícia do site repórter Brasil em 28 de Junho de 2011
- Todo porte de empresa e setor econômico
Trabalho análogo ao escravo no Brasil
• Jeferson e Janine• Construções – inclusive obras do PAC• Soja• Cana• Carvão• Fabricação de motores• Redes de lojas (confecção)• Portos
LOCAL 1
• Fotos ilustrativas
LOCAL 2
• Fotos ilustrativas
LOCAL 3
• Fotos ilustrativas
Limite do trabalho análogo ao escravo no Brasil
O limite prescrito pelo Estado
O limite: Artigo 149 do código penal
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
(Redação dada pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1o nas mesmas penas incorre quem: (incluído pela lei nº
10.803, de 11.12.2003
Artigo 149 - continuaçãoI – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
(incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela lei nº 10.803,
de 11.12.2003)II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. (Incluído pela lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Modalidade de trabalho análogo previstas no artigo 149
(1) trabalhos forçados ou (2) jornada exaustiva(3) condições degradantes de trabalho(4) restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão
de dívida contraída com o empregador ou preposto(5) cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho(6) mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se
apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho
Coerção direta
• Coerção direta é comum, mas não é o essencial
• Exemplos• Local distante• Truck system – muito comum
Coerção individual
• De acordo com Ricardo Rezende, a quebra de possíveis redes sociais destes trabalhadores propícia a eficácia do aliciamento. “A vulnerabilidade das pessoas aumenta pela distância entre a fazenda e o local de recrutamento, pois não apenas estão longe de suas cidades, mas de uma rede de solidariedade que poderia ser acionada, composta por seus parentes, amigos e conhecidos”
Coerção coletiva
• sobre o limite da degradância, coerção coletiva do capital, coerção do mercado de trabalho – essa é a essência do artigo
Escravidão séc. XIX x trabalho análogo ao escravo séc. XXI
- NO século XXI há limites prévios e formais à exploração de classe
- Dentre esses limites (regras), há limite à própria relação, que extrapolado desconstitui a mesma
- Coerção individual X coerção do mercado de trabalho
- A perversidade do consentimento formal do trabalhador
O combate ao trabalho análogo ao escravo
1- QUADRO GERAL DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO - SIT/SRTE
1995 a 2010 ANO Número de
operações Estabelecimentos inspecionados
Trabalhadores resgatados
Pagamento de indenizações
Autos de infração
2010 até 11/05 23 49 653 1.498.328,05 701 2009 156 350 3769 5.908.897,07 4535 2008 158 301 5016 9.011.762,84 4892 2007 116 206 5999 9.914.276,59 3139 2006 109 209 3417 6.299.650,53 2772 2005 85 189 4348 7.820.211,26 2.286 2004 72 276 2887 4.905.613,13 2465 2003 67 188 5223 6.085.918,49 1433 2002 30 85 2285 2.084.406,41 621 2001 29 149 1305 957.936,46 796 2000 25 88 516 472.849,69 522 1999 19 56 725 ND 411 1998 17 47 159 ND 282 1997 20 95 394 ND 796 1996 26 219 425 ND 1751 1995 11 77 84 ND 906 TOTAL 963 2584 37205 54.959.850,52 28308
Trabalho análogo ao escravo no Brasil
2- QUADRO DAS OPERAÇÕES DE FISCALIZAÇÃO PARA
ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO - SIT/SRTE- 2009
UF Número de Operações
Estabelecimentos visitados
Trabalhadores resgatados
Indenizações (R$)
Autos de infração
AC 5 5 14 10.743,07 60 BA 7 12 285 52.281,77 151 CE 1 1 20 24.891,80 17 ES 5 9 99 100.354,60 131 GO 14 37 328 766.758,13 841 MA 10 26 161 219.533,75 322 MG 8 8 421 1.040.523,45 182 MS 3 5 22 - 99 MT 23 57 308 656.807,52 403 PA 28 68 326 611.165,90 793 PE 7 10 419 787.128,04 294 PI 1 1 11 - 6 PR 15 47 227 405.153,10 492 RJ 3 5 521 288.041,68 113 RO 5 6 74 175.084,22 47 RR 1 1 26 46.495,58 16 RS 2 4 18 47.549,25 60 SC 7 11 98 134.852,90 206 SP 2 6 38 73.538,49 62 TO 9 31 353 467.993,82 240 TOTAL 156 350 3769 5.908.897,07 4535
Desafios• Num caso envolvendo um juiz do estado do Maranhão, por exemplo,
acusado de infringir o art. 149, a justiça local negou a denúncia do Ministério Público com base no seguinte argumento: "Sucede que o crime em espécie exige representativa submissão do sujeito passivo ao poder do agente, suprindo o status libertatis, posto que apenas desta forma anula-se por completo a liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a sua dignidade" e que "há de se convir que o trato da vida envolto a uma fazenda é traçada com singelos modos de viver, o que não podem (sic) ser confundidos com condições degradantes de vida" (PYL, 2009) (grifos nossos).
• “Se o veículo é seguro para o transporte de gado também o é para o transporte do ser humano, não constando do relato bíblico que Noé tenha rebaixado a sua dignidade como pessoa humana e como emissário de Deus para salvar as espécies animais, com elas coabitando a sua Arca em meio semelhante ou pior do que o descrito na petição inicial (em meio a fezes de suínos e de bovinos)”
Medidas de combate
• A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 438
• Aumento dos danos morais individuais e coletivos
• Ajuizamento de ações civis por AGU e DPU• Sensibilização da Polícia Federal, MPF e Justiça
Federal para maiores repercussões criminais