Trabalho - Federalismo e Desigualdades
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Pedro Henrique Aquino de Freitas - 6907005
O desenho federativo brasileiro e a redução de desigualdades
1. Apresentação
No debate público brasileiro, existe uma defesa de que o Brasil não é um país com
clivagens étnicas ou religiosas que façam necessária a adoção de um modelo federativo, e que
o federalismo no Brasil causa ineficiência ao Estado. Entretanto, recentes estudos apontam
que o federalismo no Brasil cumpre um importante papel para a redução das desigualdades
entre os entes federativos.
Este trabalho se propõe a revisar como a literatura sobre federalismo trata o tema da
redução das desigualdades e estudar, para o caso brasileiro, se a afirmação sobre o atual
desenho das instituições políticas é correto.
2. A literatura sobre os impactos do federalismo na redução de desigualdades
Ao analisar o debate sobre o tema, a contribuição de Arend Lijphart (1999) é de que
há áreas de atividade governamental em que é mais provável que se manifestem
características de generosidade e benevolência em democracias de consenso, como se refere
aos estados federativos. Estas áreas são o bem-estar social, a proteção do meio ambiente, a
justiça criminal e a ajuda externa. Ou seja, o autor deduz que as democracias de consenso
estão associadas a melhores, mais generosas e benevolentes políticas governamentais.
A teoria da escolha pública, por sua vez, foi lançada quarenta anos antes por Charles
Tiebout (1956). Trabalhando com o oferecimento de bens públicos nas municipalidades, o
autor assume que os consumidores são livres para escolher onde viver, que não há custos de
mudança; que há disponibilidade de informação e muitas comunidades para escolher. Tiebout
afirma que os governos locais apropriados, com os padrões de receita-gasto adequados, são
adotados por esses consumidores. Ou seja, os indivíduos escolherão a comunidade local que
maximiza sua utilidade pessoal, em equilíbrio na provisão de bens públicos de acordo com as
preferências dos indivíduos, o que ajuda a comunidade a alcançar um tamanho e um
funcionamento ideais.
A partir deste estudo, Buchanan (1995) argumenta que uma autoridade central forte
com a capacidade e a vontade de forçar o livre comércio dentro de um território, junto a
diversos estados separados e competitivos, só pode ser aplicada a determinadas realidades. O
autor analisa a história dos Estados Unidos na perspectiva de que uma reforma constitucional
significou a devolução de autoridade do governo central para os estados separados.
Weingast (1995), preocupado com o crescimento econômico, pensa qual desenho de
Estado favorece o investimento. O que o autor chama de market-preserving federalism, com
governo central limitado e descentralização da autoridade econômica, reduz as possibilidades
de coalizões distributivas e de burocracias rent-seeking terem sucesso em tentativas de
expropriar riqueza dos cidadãos. Este modelo, no qual governos tomarão decisões de política
econômica considerando a ameaça de saída, induz a competição e é o que permitiu o
desenvolvimento da Inglaterra, dos Estados Unidos e da China respectivamente nos últimos
três séculos, deduz o autor.
Ou seja, para Buchanan e Weingast o modelo ideal é aquele no qual a autoridade sobre
as políticas deve ser descentralizada e a função redistributiva do governo central, limitada. Os
autores não acreditam que os governos centrais possam exercer tarefas redistributivas pois
estariam sujeitos a interesses de coalizões distributivas e de burocracias. Os estados
federativos, nestes casos, não produzem redistribuição entre as jurisdições.
Por outro lado, existem autores que defendem que os estados federativos podem criar
instituições políticas que reduzam de forma eficiente as desigualdades entre as jurisdições. Na
literatura, Obinger, Leifbried e Castles (2005) elaboraram que há diferentes tipos de
federalismo, para dizer que há aquele em que os governos regionais possuem grande
autoridade sobre as políticas públicas, como nos modelos de Buchanan e Weingast, mas há
uma variedade de federações nas quais os governos centrais têm ampla autoridade para
legislar sobre as políticas dos governos territoriais.
Gerring, Thacker e Moreno (2005) contribuem com a ideia de que a boa governança é
alcançada em democracias nas quais as instituições políticas conseguem trabalhar dois
objetivos: autoridade centralizada e inclusão ampla. Ou seja, haverá boa governança quando a
autoridade do soberano for preservada ao mesmo tempo em que serão sistematizadas e
representadas as ideias, identidades e interesses existentes na sociedade. Os indicadores
utilizados pelos autores são qualidade de burocracia, receita tributária, taxa de investimento,
abertura do comércio, PIB per capita, mortalidade infantil, expectativa de vida e
analfabetismo apontam que as instituições que conseguem incluir atores e interesses em uma
pirâmide em que o fluxo de poder chega ao local de decisão no centro, são aquelas que estão
associadas a um largo alcance de indicadores políticos, econômicos e humanos.
Estas interpretações fazem parte de um conjunto de autores que argumentam que com
centralização da autoridade política é possível criar instituições em estados federativos que
reduzam as desigualdades entre as jurisdições (Arretche, 2010). Com a autorização ao
governo central para regular os níveis inferiores, centralizando a formulação de políticas a
serem executadas pelas unidades constituintes e com um sistema de transferências entre as
jurisdições, reduz-se as desigualdades. Nota-se que os governos subnacionais perdem poder e
autoridade decisória.
Um trabalho de Linz e Stepan (2000) analisa igualdade e desigualdade entre as
democracias industriais avançadas. Os autores consideram que as diferenças na igualdade
podem ser detectadas entre democracias em estados unitários e federativos; dentro do
universo das democracias federais industriais mais antigas; e na democracia norte-americana,
o modelo clássico. O estudo tem o objetivo de identificar os mecanismos políticos que
produzem e legitimam os padrões de desigualdade.
Os autores lembram que, no estudo de desigualdade, o analista deve estar ciente de
que os sistemas federativos envolvem necessariamente um grau de diferença e desigualdade
não encontrado em um estado unitário, porque há matérias exclusivamente dentro da
competência de unidades locais, fora do escopo do governo nacional. Os estados
multinacionais, por sua vez, são assimétricos e têm arranjos constitucionais para garantir
diferentes capacidades e direitos para alguns. Em algum grau, estes aspectos autorizam
desigualdades constitucionais não encontradas em estados unitários.
Na sequência, Linz e Stepan discutem a afirmação de que o federalismo traz o governo
para perto do povo, questionando que há diferentes tamanhos de estados e que em boa parte
das federações, parcela significativa das decisões e da possibilidade de participação fica
restrita ao nível dos membros constituintes, dos estados ou províncias, e não ao nível
municipal. Na verificação da participação nas eleições, percebe-se que em diversos estados
federativos o nível de abstenção nas urnas é muito grande, chegando a mais de 40%, o que
contradiz a ideia de que as federações trazem o governo para perto do povo, afinal, parcela
significativa dos eleitores não participa nas urnas, em casos como o dos Estados Unidos e o da
Suíça, devido a procedimentos mais complexos de registro dos eleitores.
Os autores discutem cinco indicadores de desigualdade que afetam uma área de grande
importância da vida dos cidadãos, que são influenciados por fatores políticos e que possuem
dados comparativos compilados por líderes acadêmicos ou organizações internacionais. O
índice de Gini é o primeiro deles e, no índice de Gini, estados federativos possuem um
desempenho um pouco pior que os estados unitários da OCDE. Os indicadores de saúde, taxa
de pobreza de crianças e idosos também mostram mais igualdade em estados unitários. Na
análise do princípio “um homem, um voto” e da desproporção no cumprimento do princípio
devido à composição do parlamento, inclusive devido à existência de uma câmara alta nas
federações, novamente os estados unitários apresentam rankings mais igualitários.
No que diz respeito à desigualdade dentro de Estados federativos, Linz e Stepan
analisam que Estados Unidos, Suíça e Austrália são as federações clássicas, nas quais os entes
federativos possuem autonomia substancial, representação igual na câmara alta e capacidades
constitucionais simétricas. Não é o caso de Canadá, Bélgica, Espanha e Índia, que possuem
constituições que garantem federações assimétricas, com diferentes capacidades alocadas para
diferentes membros. Utilizando os indicadores selecionados para comparar estados
federativos e unitários para comparar as federações clássicas e as não clássicas, os autores
identificam que para os cinco indicadores as federações clássicas produziram maior
desigualdade que as federações não clássicas. A desigualdade é muito mais severa nos
sistemas federativos clássicos que nos demais, tanto que se forem eliminadas as federações
clássicas, a desigualdade entre federações e Estados unitários quase desaparece.
A federação mais clássica, os Estados Unidos, é o maior exemplo de desigualdade
entre os países da OCDE pesquisados. Linz e Stepan procuram, então, entender de que forma
essa situação é causada por mecanismos políticos da federação norte-americana.
Primeiramente, discutem que a Constituição norte-americana apresenta compromissos com a
liberdade individual, mas nenhum compromisso com a redução de desigualdade, em contraste
drástico com a Constituição alemã, que prevê uniformidade das condições de vida no
território federal para todos os cidadãos. Nos estados norte-americanos, não há qualquer
obrigação constitucional por parte do governo federal ou dos estados para ajudar a criar
igualdade de condições de vida para os cidadãos norte-americanos.
O federalismo norte-americano se preocupa mais com a igualdade de direitos dos
estados do que na igualdade de condições de vida dos cidadãos. A primeira legislação para
aumentar a assistência a crianças pobres, do governo Roosevelt (Aid to Families with
Dependent Children), sofreu vetos dos estados para garantir que estes pudessem implementar
o programa com suas próprias estruturas, caso contrário haveria uma intromissão nos direitos
dos estados. O programa resultou em desigualdade produzida politicamente.
Percebe-se que a estrutura legislativa federal nos Estados Unidos permitia um arsenal
de pontos de veto para os adversários de qualquer proposta de bem-estar que viesse desenhada
ou implementada pelo governo federal e que afetasse os direitos dos estados. Estes programas
de bem-estar, portanto, estão vulneráveis a competições entre os estados e jurisdições locais
relutantes a aumentar os benefícios, visto que são os governos estaduais os responsáveis por
muitos dos programas de bem-estar.
Outro autor que estuda autonomia de governos regionais e divergência de políticas é
Scott Greer (2005). Para analisar uma política que consiga se efetivar, o autor considera a
conjunção do problema, do político, da política e do poder, elementos que possuem fatores
territoriais que variam conforme as comunidades políticas territoriais, sistemas partidários
territoriais e governos territoriais com autonomia financeira, autonomia política e regulação
legal. Estas condições determinarão a direção de cada política e a extensão com que ela
poderá divergir dos vizinhos, de acordo com normas de implementação diferentes.
Greer entende que a divergência entre as políticas é garantida mesmo em regiões
similares, com competição partidária similar e comunidades políticas similares, porque os
mecanismos de agenda-setting e tomada de decisão variam no tempo e na forma. Para o autor,
sempre ocorreu divergência territorial dentro dos Estados de bem-estar, mas agora que a
tomada de decisões se volta para o nível local de mudanças específicas em elegibilidade,
distribuição, alocação e entrega dos serviços, a propensão de divergência das políticas leva a
uma divergência territorial dentro dos países. As políticas distintas e os debates de políticas
causam trajetórias diferentes e independentes.
Wildavsky (1985) argumenta que o federalismo norte-americano está em declínio,
visto que sua estrutura permanece, mas seu suporte social enfraquece. Tal situação seria
causada por dois fatores: o declínio dos partidos políticos e o crescimento de uma cultura
política sectária dedicada à igualdade de resultados. O autor comenta que a existência de
estados livres para discordar um com o outro e com o governo central causa uma
diferenciação, mas para atender a uma mudança de valores que busca igualdade de condições,
a cultura política do federalismo é insuficiente, porque não é possível um sistema federal com
uma tendência de igualdade de resultados.
Wildavsky considera que o sistema federativo depende da vitalidade do sistema
partidário e que a perda das bases sociais dos partidos nos Estados Unidos fez perder o
princípio federal de partidos nacionais baseados em unidades territoriais independentes. Além
disso, o autor argumenta que os americanos não constituem uma única cultura, que há
variadas formas de vida nos EUA e que a cultura individualista que escolhe manter igualdade
de oportunidades para alcançar distinção agora está sendo afetada por tendências coletivistas
que escolhem uma igualdade de resultados no lugar da distinção, o que é incompatível com o
federalismo.
Keith Banting (2006) estuda o federalismo e a cidadania social para analisar se é
possível as duas características existirem, visto que a premissa de cidadania social é a
igualdade de tratamento dos cidadãos, a ser atingida através de benefícios sociais comuns e
serviços públicos disponíveis a todos os cidadãos enquanto a premissa do federalismo é
diversidade regional em políticas públicas, refletindo as preferências das comunidades
regionais e das culturas. Países com instituições federativas e que desejam amadurecer
Estados de bem-estar social precisam trabalhar com essas lógicas a princípio contraditórias.
O autor analisa a estrutura dos programas sociais em estados de bem-estar federativos,
o balanço entre os governos provinciais e federal na determinação dos direitos dos cidadãos
para os benefícios sociais centrais, busca um resultado histórico e conclui que a lógica da
cidadania social tem dominado em Estados de bem-estar federativos. Os princípios do Estado
de bem-estar social têm avançado sobre as premissas do federalismo nos maiores programas
sociais, seguridade e saúde. A lógica de expansão do Estado de bem-estar no século XX e a
lógica de cidadania social deram nova forma às instituições federativas.
Banting reflete que esta agenda de pesquisa ainda deve ser seguida, mas que a ideia de
um Estado de bem-estar federativo não é uma contradição em termos, pois sugere que, apesar
de tomadas de decisão centralizadas em temas sociais que afetam cidadãos enfraquecerem as
premissas iniciais do federalismo, direitos sociais comuns não negam o federalismo como um
instrumento para proteger a democracia. Governos multiníveis continuam a criar espaço para
pluralismo ideológico e político, visto que diferentes partidos ainda governam em várias
regiões da maioria das federações. A cidadania social constrange as teorias econômicas que
celebram o federalismo, mas a descentralização na implementação dos serviços ainda garante
inovação regional nos sistemas federativos.
De forma similar, o autor lembra que a relação entre cidadania social e diversidade é
um meio de acomodar as minorias nacionais e culturas distintas territorialmente. As minorias
são capazes de resistir às tendências homogeneizantes do Estado de bem-estar. Para a
acomodação da diversidade em sociedades plurais, áreas de políticas como educação,
linguagem e comunicação são mais centrais do que seguridade e saúde, que são questões
vistas como normas universais mais do que suscetíveis às preferências políticas locais. Por
fim, Banting sugere que em alguns casos a cidadania social facilita a autonomia regional, pois
garantias centrais de seguridade social no nível individual podem dar suporte a agendas
coletivas por melhores auto-governos regionais.
3. O caso brasileiro
Para entender as interpretações tradicionais sobre o modelo federativo brasileiro, cabe
recuperar o argumento de Alfred Stepan (1999). O autor propõe um continuum de federalismo
democrático que pode variar da restrição à ampliação do poder do demos, de acordo com o
poder que as minorias têm de bloquear iniciativas de interesse das maiorias. Para Stepan, o
sistema federativo protege o indivíduo contra um poder central excessivamente forte ou
contra a “tirania da maioria” ao limitar os poderes do governo central. Desta forma, cria
sistemas partidários fragmentados ou no mínimo regionalizados. Isto porque (1) alguns temas
estão além do governo central, (2) o bicameralismo favorece o status quo e limita os poderes
do governo central, (3) é difícil mudar as regras do jogo em uma federação, sendo necessárias
supermaiorias, e (4) os tribunais desempenham papel importante em federações. Stepan
entende que as instituições federativas são relevantes para as políticas públicas em todos os
pontos do “continuum demos-constraining”.
Stepan entende que o esquema brasileiro é caso extremo de “demos constraining”, ou
seja, o Brasil é uma federação que tem a característica de restringir o poder do conjunto dos
cidadãos da sociedade política. Chega a essa conclusão a partir da análise de quatro variáveis:
primeiramente, pelo grau de super-representação da Câmara Territorial, o autor entende que
há uma super-representação das áreas menos populosas que permite que um grupo de
senadores que representa 9% do eleitorado possa obstruir votações; segundo, Stepan mostra
que o Senado brasileiro tem muito poder, legislando exclusivamente sobre 12 áreas; terceiro,
o autor analisa o grau em que a Constituição confere poder de elaborar políticas às unidades
da federação e percebe que os Estados são muito fortes; por último o autor afirma que o
sistema partidário não consegue atenuar estas características, pois os partidos são fracos e
comprometem o desenvolvimento de políticas nacionais. A conclusão é que o poder é muito
descentralizado na federação brasileira.
Esta interpretação faz entender que as elites regionais têm poder de veto para barrar
políticas do governo federal que reduzam as desigualdades no Brasil, assim como para barrar
a aprovação de reformas. Este desenho federativo no Brasil, de um Senado forte com minorias
regionais super-representadas, partidos fragmentados por parlamentares leais aos
governadores estaduais, compromete, para o autor, a eficiência da democracia brasileira.
O argumento central de Marta Arretche (2009) é que, a partir de 1995, houve farta
legislação que reduziu receitas de Estados e regulamentou a atuação deles na arrecadação de
tributos exclusivos, no gasto dos próprios recursos e na implementação de políticas públicas;
esta legislação somente foi possível porque foi criado a partir de 1988 um “modelo de Estado
federativo que combina ampla autoridade jurisdicional à União com limitadas oportunidades
institucionais de veto aos governos subnacionais” (Arretche, 2009). Não foram estabelecidas
regras que exigiriam supermaiorias para alterar o que já estava determinado
constitucionalmente e as regras regentes favorecem as elites centrais, em mais uma evidência
de que a Constituição estabeleceu regras que centralizaram recursos, que foram ampliadas a
partir de 1995, sem inaugurar um novo modelo de Estado federativo, mas intensificando a
coordenação federal sobre a legislação.
As evidências empíricas levantadas pela autora são 59 iniciativas legislativas
selecionadas, as quais tramitaram do governo Collor ao governo Lula I no Congresso. As
observações são, primeiramente, de que as mudanças institucionais ocorridas a partir de 1995
são parcialmente explicadas pela mudança na agenda da presidência, não havendo evidências
de fracasso parlamentar dos presidentes anteriores a Fernando Henrique. A autora analisa as
mudanças no comportamento das bancadas e chega a uma conclusão bastante divergente
daquela apresentada por Alfred Stepan: o comportamento das bancadas não apresentou
alteração significativa de 1988 a 2006. Os governadores podem ter alterado sua relação com o
presidente, mas não há evidências robustas de que os governadores tenham poder de comando
sobre os votos dos parlamentares maior que os líderes partidários. As matérias que foram à
votação na Câmara obtiveram apoio da maioria das bancadas estaduais, apesar do conteúdo de
imposição de perdas.
A desproporcionalidade na distribuição de cadeiras no Senado brasileiro, por sua vez,
é um mecanismo que impede que uma minoria de estados mais populosos tiranize a maioria
de estados menos populosos. Ou seja, apesar de ir contra o princípio de “1 homem = 1 voto”,
é um princípio de justiça federativa que impede o veto da minoria, mas também impede que a
maioria seja tirana com a minoria (Arretche, 2013).
Quanto à autoridade jurisdicional da união, a Constituição Federal contém dispositivos
originais que deram ampla autoridade à União para legislar sobre a execução de políticas para
os governos subnacionais. A legislação dos anos 90 apenas deu continuidade a estas
disposições, sem que houvesse instituições políticas previstas constitucionalmente que
impusessem proteções especiais às iniciativas de revisão da distribuição original de
competências de 1988. Houve aprovação de 53 emendas constitucionais, taxa muito superior
a de outros países, e havia regras que facilitavam a aprovação dessas emendas, de apenas 3/5
de maioria parlamentar em duas sessões de cada casa legislativa, não sendo necessárias,
portanto, supermaiorias. Além disso, muitas matérias foram apresentadas como projetos de lei
complementar, podendo ser aprovadas por 51% dos parlamentares em um turno de votação
nas duas casas. Estas regras permitem, portanto, amplas oportunidades de iniciativa e
aprovação parlamentar às matérias iniciadas pelo governo central, ao mesmo tempo em que as
elites subnacionais têm suas oportunidades de veto bastante limitadas.
Para Marta Arretche, portanto, os formuladores da Constituição de 1988 adotaram
princípios centralizadores e mantiveram na esfera da União decisões que diziam respeito ao
modo como os governos territoriais executariam suas próprias políticas. Houve centralização
federativa em 1995 devido à existência de regras que favorecem as elites políticas centrais e
limitam as oportunidades de veto das elites subnacionais, sem que seja necessário mobilizar
coalizões supermajoritárias. A autora, portanto, testa o modelo de Alfred Stepan e demonstra
que o Brasil está mais próximo do extremo demos-enabling do continuum, pois não há no
arranjo federativo brasileiro o poder de veto das minorias regionais à vontade da maioria.
Stepan faz parte de uma tradição de autores, como Bolívar Lamounier, Shah, Abrúcio,
que no início dos anos 1990, criticava a adoção do federalismo no Brasil. Entre os motivos
apresentados por estes autores, estava que o país não é marcado por clivagens étnicas ou
religiosas que façam necessária uma democracia consociativa. O desenho federativo
comprometeria a eficiência do Estado, visto que a cooperação entre as jurisdições e a União
não ocorreria e os estados subnacionais teriam excessivo poder.
Em outro trabalho, Marta Arretche (2010) defende que, se forem incluídas na análise
as desigualdades territoriais, bem como as relações entre a União e os governos subnacionais,
haverá mais elementos para uma interpretação sobre a importância da fórmula federativa no
Brasil. Para a autora, o país tem uma clivagem entre jurisdições pobres e ricas, e garantir o
equilíbrio da representação destas jurisdições é uma preocupação histórica no desenho das
instituições políticas brasileiras. Além disso, a autora avança na constatação de que no país há
uma centralização da autoridade sobre as políticas acompanhada de uma descentralização na
execução destas políticas, e examina como isto afeta a redução das desigualdades.
O argumento da autora leva em consideração que a ideia de forte regulação federal
tem origem na formação do Estado brasileiro, na perspectiva de que a União deve ter
instrumentos para regular os governos subnacionais devido a uma desconfiança que existe
historicamente em relação às elites locais. O processo de construção do Estado-nação desde o
fim da República Velha concentrou autoridade decisória, regulação e gasto no governo
central, pois havia a crença de que havia riscos para o conjunto da nação com a incapacidade
dos governos provinciais em assumir autoridade sobre as mais diversas políticas. Combater a
corrupção e o clientelismo das oligarquias regionais atrasadas era o discurso para justificar a
supervisão federal das políticas implementadas pelos governos locais durante o os anos do
desenvolvimentismo no Brasil (Arretche, 2010). Ao longo dos anos, houve crescimento
econômico alto, mas acompanhado de distribuição desigual espacialmente da riqueza,
concentrada nas jurisdições do sul e do sudeste.
No período recente, como abordado anteriormente neste trabalho, as políticas de
redução das desigualdades desde a Constituição de 1988 expandiram a regulamentação e a
supervisão do centro sobre os governos subnacionais nas políticas. Ou seja, a tradição
brasileira é de que, mesmo que se defenda a descentralização na execução das políticas e que
haja políticas para reduzir as desigualdades, a preferência é de que o governo federal regule a
implementação, para comprometer governadores e prefeitos com os gastos nas políticas de
saúde, na disciplina fiscal.
A autora escolhe analisar as políticas de provisão de serviços públicos executadas
pelos governos locais, no caso brasileiro, os municípios, que executam os serviços de saúde,
educação, infraestrutura urbana, habitação, saneamento e coleta de lixo (Arretche, 2010). A
análise da autora permite verificar que há uma regulação federal forte sobre as decisões de
arrecadação tributária, na alocação de gasto e execução das políticas federais.
Verifica-se que o dinheiro dos municípios vem de receitas próprias com propriedade
urbana, serviços e transferência de propriedade, de transferências constitucionais federais do
Fundo de Participação dos Municípios (23,5% do IR e do IPI), de transferências
constitucionais estaduais com 25% do ICMS e 50% do IPVA e de transferências vinculadas
universais como o SUS e o Fundeb. A parte mais relevante das receitas fica fora da barganha
política, das transferências negociadas. Como as receitas próprias dos municípios são muito
desiguais ao analisar o índice de gini, as transferências federais têm impacto redistributivo. A
regulação federal sobre os municípios indica que 40% da receita municipal deve ser destinada
para saúde e educação, e que estas políticas reguladas têm alta prioridade na alocação do
gasto municipal e maior equidade na distribuição horizontal dos recursos.
Ou seja, a regulação federal está associada a menores índices de desigualdade, por
meio da vinculação das receitas municipais, das transferências federais e das transferências
condicionadas universais. Estes mecanismos institucionais promovem a redução das
desigualdades, na medida em que a regulação federal tenta uniformizar as receitas e as
despesas municipais. Ao mesmo tempo, a autonomia dos governos locais causa variação nos
gastos em favor da desigualdade territorial, mesmo para as políticas reguladas, o que causa
uma diferença entre as jurisdições dentro de uma zona delimitada. Há a possibilidade de
discordância dentro de certo limite.
A regulação federal constrange os prefeitos a realizar gastos de acordo com a
legislação federal, o que afeta inclusive a quantidade de dinheiro que os prefeitos terão para
gastar em políticas não reguladas. A regulação protege as políticas de saúde e educação, pois
é o que a coalizão política no Congresso nacional aprovou naquela arena decisória, o que não
necessariamente seria a prioridade das coalizões legislativas nas arenas subnacionais.
O mais importante para o objetivo deste trabalho, estas transferências agem para a
redução das desigualdades territoriais. Arretche (2010) afirma que há uma regulação das
políticas em nível federal, de forma a reduzir autonomia dos governos subnacionais, pois há a
crença de que estes governos não destinariam suas receitas a políticas sociais que visem a
redução de desigualdades caso pudessem gastar livremente.
4. Considerações Finais
O estudo sobre as teorias que tratam do impacto do federalismo na redução de
desigualdades mostra ao menos duas tendências opostas. A teoria predominante até os anos
1990, segundo a qual os governos centrais estariam sujeitos a coalizões distributivas que
impedem políticas de redução da desigualdade entre as jurisdições, que devem ter autonomia
local. Entretanto, autores como Obinger, Leifbried e Castles trouxeram novas contribuições
no último período, no sentido de que é possível que estados federativos tenham instituições
políticas que promovam redução de desigualdades. Através da centralização da autoridade na
decisão das políticas ao governo central e um sistema de transferências entre as jurisdições, é
possível reduzir as desigualdades interjurisdicionais.
No caso brasileiro, há autores como Alfred Stepan que entendem que o desenho
federativo que surge após a Constituição Federal de 1988 no Brasil é muito descentralizado e
que, por causa disso, as elites regionais vetam a vontade das maiorias e impedem mecanismos
de redução de desigualdades. Marta Arretche, por outro lado, contesta esta afirmação e
demonstra que as instituições políticas brasileiras possuem um desenho que centraliza a
autoridade política na União, com diversas iniciativas legislativas de regulação federal sobre
políticas a serem implementadas pelos governos locais. Isto garante que políticas de saúde e
educação, reguladas constitucionalmente, sejam implementadas e operem na redução de
desigualdades entre as jurisdições. Os governantes locais são constrangidos pela regulação
federal sobre arrecadação e gastos das políticas a implementá-las, dentro de uma margem de
autonomia. Esta crença de que é preciso uma autoridade central forte para garantir que as
políticas redistributivas ocorram e sejam destinadas do modo adequado existe na construção
do Estado brasileiro desde a República Velha.
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