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http://www.slideshare.net/leosavassi/financiamento-do- sus-2010 Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) criaram o movimento suprapartidário FRENTE NACIONAL POR MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE, no dia 3 de fevereiro, durante entrevista coletiva à imprensa. A intenção é propor um projeto de lei complementar para que a União reveja a aprovação da Emenda 29 (EC 29). O texto aprovado pela Câmara, no final do ano passado, estipula 12% de recursos para os Estados e 15% para os Municípios, mas não determinou nenhum provento federal. A intenção do movimento é que 10% da receita corrente bruta da União passe a ser direcionada para o setor de saúde e que existam sanções em caso de descumprimento do acordo. Durante o evento foi iniciada a coleta de assinaturas de apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular. “Este é um projeto do povo brasileiro, não só dos médicos. Precisamos mostrar para o governo federal que a regulamentação da Emenda 29 não foi como a população necessita e que a saúde pública deste país precisa sim de mais recursos”, explicou Florentino Cardoso, presidente da AMB, durante fala aos jornalistas. O projeto altera a Lei Complementar nº 141/12, que regulamentou a Emenda Constitucional 29, não só no que diz respeito ao subfinanciamento do SUS, mas também propondo que os recursos sejam aplicados em conta vinculada, mantida em instituição financeira oficial, sob responsabilidade do gestor de saúde. “Na avaliação da Frente Nacional por Mais Recursos para a Saúde, somente com percentuais fixos de destinação de recursos para a saúde será possível garantir o atendimento no Brasil do artigo 196 da Constituição Federal, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. Só dessa forma será possível colocar a

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http://www.slideshare.net/leosavassi/financiamento-do-sus-2010

Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Academia Nacional de Medicina (ANM) criaram o movimento suprapartidário FRENTE NACIONAL POR MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE, no dia 3 de fevereiro, durante entrevista coletiva à imprensa. A intenção é propor um projeto de lei complementar para que a União reveja a aprovação da Emenda 29 (EC 29). O texto aprovado pela Câmara, no final do ano passado, estipula 12% de recursos para os Estados e 15% para os Municípios, mas não determinou nenhum provento federal. A intenção do movimento é que 10% da receita corrente bruta da União passe a ser direcionada para o setor de saúde e que existam sanções em caso de descumprimento do acordo. Durante o evento foi iniciada a coleta de assinaturas de apoio ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular.

“Este é um projeto do povo brasileiro, não só dos médicos. Precisamos mostrar para o governo federal que a regulamentação da Emenda 29 não foi como a população necessita e que a saúde pública deste país precisa sim de mais recursos”, explicou Florentino Cardoso, presidente da AMB, durante fala aos jornalistas.

O projeto altera a Lei Complementar nº 141/12, que regulamentou a Emenda Constitucional 29, não só no que diz respeito ao subfinanciamento do SUS, mas também propondo que os recursos sejam aplicados em conta vinculada, mantida em instituição financeira oficial, sob responsabilidade do gestor de saúde.

“Na avaliação da Frente Nacional por Mais Recursos para a Saúde, somente com percentuais fixos de destinação de recursos para a saúde será possível garantir o atendimento no Brasil do artigo 196 da Constituição Federal, que estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. Só dessa forma será possível colocar a saúde pública na pauta de debates da sociedade brasileira, elegendo a saúde como tema de prioridade nacional”, afirmou Ophir Cavalcante Júnior, presidente da OAB Nacional, que integra com a AMB a Frente Nacional.

Para Marcos Moraes, presidente da Academia Nacional de Medicina, entidade que também apóia a campanha desde o início, a regulamentação da EC 29 foi arrastada por anos e, quando aprovada, não causou o efeito esperado. “Este projeto lançado hoje repõe a ideia que vem desde a instituição do SUS, de que as ações e obrigações para com a saúde brasileira devem ser tripartites, ou seja, municípios, Estados e União.”

Para que a mobilização caminhe, a Frente Nacional por Mais Recursos deve agora coletar cerca de 1,5 milhão de assinaturas, número que corresponde a 1% do eleitorado nacional distribuídos em pelo menos cinco Estados (0,3% dos eleitores de cada um), e apresentar esse material à Câmara dos Deputados. Depois o projeto de iniciativa popular seguirá a tramitação normal no Congresso.

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O quadro atual do SUS e seus desafios

Dentre todos os elementos estruturantes que compõem o arcabouço jurídico e político do

Sistema Único de Saúde – SUS no Brasil, sem dúvidas que a Participação da Comunidade

constitui a mais relevante, desafiante e intrigante.

Concebido como um efetivo Sistema que promova e garanta a saúde em todos os seus

aspectos e necessidades com promoção, prevenção e recuperação plenas, com uma força

de trabalho marcada pela importância da atuação multiprofissional, e com um

financiamento que deve ser adequado às suas necessidades, todos eixos estruturantes

bastante ambiciosos, é sem dúvida a Participação da Comunidade que remete a proposta

histórica do SUS ao seu ponto de interrogação definitivo.

Há hoje no Brasil o entendimento da necessidade premente de equacionar corretamente

os desafios que estão colocados em todos os eixos estruturantes citados. É urgente o

fortalecimento da atenção primária e da rede pública, há uma necessidade imediata de

garantir um maior aporte de recursos financeiros bem como profissionalizar a gestão e

estabelecer políticas que permitam a ampliação da sua força de trabalho, na perspectiva

de superar os gargalos caracterizados pela dificuldade do acesso e da resolutividade.

A importância da Participação da Comunidade

Raciocinando em tese, podemos afirmar que as possibilidades dessas demandas estarem

colocadas de forma tão aflitiva como estão, seriam bem menores caso a Participação da

Comunidade, exercida particularmente através dos conselhos e das conferências de

saúde, tivesse acontecido a contento durante esses anos em que o SUS vem sendo

implantado no país.

Em sã consciência, ninguém que participou dos debates da Reforma Sanitária brasileira e

da construção do Sistema Único de Saúde imaginou que seria uma tarefa fácil

e tranquila colocar em prática a proposta aprovada na Constituição Federal de 1988.

Afinal, estava em curso a implantação de algo jamais imaginado, pelo seu caráter

includente e democrático, num país assolado pelo autoritarismo, pela concentração de

renda e poder, pelo corporativismo, patrimonialismo, conservadorismo, preconceito e pela

exclusão social.

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Não é, portanto, sem explicação que, fazendo-se uma análise mais criteriosa, possamos

perceber a enorme distância entre o que preconiza a legislação e a sua situação real e

concreta.

Mesmo reconhecendo importantes e alvissareiras experiências localizadas e pontuais, a

verdade é que o Sistema Único de Saúde que dispomos no Brasil, apesar do excepcional

papel que tem desempenhado como indutor da melhoria da qualidade de vida do

brasileiro, está anos-luz de distância daquilo que é apregoado pela legislação que lhe diz

respeito.

Um SUS invertido e descaracterizado

Isso se dá exatamente em função da manutenção da hegemonia conservadora em todas

as esferas de governo e em todos os espaços institucionais, que trabalham diuturnamente

na perspectiva de implantar um SUS que atenda prioritariamente aos interesses do status

quo. E é isso que tem acontecido. Ao invés de termos um Sistema eminentemente público

com a participação privada complementar naquilo onde provisoriamente não houver

condição de atender a população que dele necessita, o SUS hoje é um portentoso Sistema

que está inteiramente ao dispor dos grandes grupos privados econômicos e

corporativistas.

Sintonizado com essa linha mestra político-ideológica, a Atenção Primária e as ações de

promoção e prevenção foram e são sempre negligenciadas, como forma de potencializar

as necessidades dos demais níveis de atenção, implicando num crescente

comprometimento do seu financiamento e uma supervalorização de profissionais

especialistas.

O nível de atendimento dos interesses privados hoje atinge todo o Sistema, desde as

ações e serviços que são contratados em substituição aos públicos, que são abandonados

ou fechados, passando pela força de trabalho contratada por intermédio de processos de

terceirização que envolve empresas privadas ou cooperativas e atingindo por fim a própria

gerência dos serviços públicos, entregue também a empresas privadas juntamente com os

recursos financeiros que são exigidos para o desenvolvimento do processo.

Estruturado dessa forma de acordo com a lógica de mercado, o SUS está praticamente

inviabilizado, não apenas em função de um financiamento flagrantemente insuficient,e mas

principalmente pela opção político-ideológica que hoje faz parte do ideário do governo

brasileiro.

A Participação da Comunidade enquanto responsabilidade maior

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Mas se as coisas têm acontecido dessa maneira, qual é exatamente o fator que tem sido

determinante, além da correlação de forças e da manutenção do poder pelos grupos

econômicos, políticos, patrimonialistas e corporativistas? Para nós não há dúvida de que o

grande diferencial que poderia alterar essa correlação de forças e estabelecer novos

paradigmas que permitiriam ao SUS uma implantação de acordo com os seus princípios,

seria uma Participação da Comunidade qualificada, politizada e organizada.

Sem dúvida que a proposta do SUS instigante, transformadora e contra hegemônica, tem

na participação da comunidade seu componente que mais intimida e desafia toda a cultura

historicamente afirmada no Brasil. Afinal toda a trajetória do país tem sido marcada, desde

o Império, por um poder fortemente concentrado e exercido à revelia da opinião e da

participação das pessoas, cujo papel têm se limitado a disciplinada obediência as decisões

dos grupos dirigentes.

A resistência à proposta de Participação da Comunidade no Sistema único de Saúde do

Brasil já foi manifestada oficialmente a partir do veto, por parte do então Presidente da

República, a todos os dispositivos que originalmente previstos na chamada Lei Orgânica

do SUS diziam respeito a essa possibilidade. Surgiu daí a necessidade de uma ampla

mobilização de setores sociais e políticos que tiveram como produto a elaboração de uma

nova lei, essa sim aprovada e sancionada, elaborada então com a específica finalidade de

garanti-la. Temos então duas leis que compõem a Lei Orgânica do SUS, a 8.080/90, que

trata da organização, estruturação e funcionamento do Sistema e a 8.142/90, que se refere

diretamente à participação da comunidade no SUS.

Esse foi sem dúvida o primeiro e forte sinal de que a sociedade brasileira não teria

facilidades na busca da implantação e consolidação da sua participação nos destinos da

saúde.

Distintos momentos históricos

Passado um primeiro momento de efusiva e importante mobilização das entidades civis e

dos movimentos organizados diante da nova perspectiva histórica, pudemos então

perceber o enorme desafio que era a constituição e funcionamento dos Conselhos de

Saúde em todos os municípios e estados da federação, um desafio que hoje engloba mais

de 5.500 municípios e 27 estados.

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Como atender a necessidade de, em todos esses lugares, constituirmos conselhos

paritários, representativos e legítimos, numa sociedade tão diversa, complexa e,

principalmente, profundamente autoritária? Para dar conta dessa complexidade, o

Conselho Nacional de Saúde liderou, nos idos de 1996, a criação da Plenária Nacional de

Conselhos de Saúde, um espaço não institucionalizado e autônomo, que tinha a tarefa de

periodicamente realizar eventos locais, regionais e nacionais, com a finalidade de trocar

informações, conhecimentos e ideias e, a partir daí, definir táticas que apontassem para o

fortalecimento coletivo dos conselhos, bem como definir objetivos a serem atingidos nos

diversos espaços e planos de atuação política.

Esse foi sem dúvida o momento de maior efervescência do chamado “Controle Social” do

SUS no Brasil. Grandes eventos em Brasília, com a participação de um número cada vez

maior de militantes, passaram a discutir a conjuntura política, a realidade do sistema em

todos os municípios, suas fragilidades, seus acertos e avanços. Foi a Plenária de

Conselhos de Saúde que deflagrou, de forma irreversível, o movimento pela aprovação de

uma Emenda Constitucional que desse conta das necessidades financeiras do SUS,

surgindo daí a Proposta de Emenda Constitucional 169, transformada a seguir na Emenda

Constitucional 29, finalmente aprovada no ano de 2000.

Mas a Plenária viveu também um momento de grande retrocesso na Participação da

Comunidade, quando o Ministério da Saúde, por volta de 1999, percebendo o enorme

poder de mobilização política que o coletivo encerrava, deflagrou um movimento

deliberado de esvaziamento dos conselhos de saúde de todo o país, tendo o Conselho

Nacional à frente. O então ministro da saúde passou a debater, deliberar e encaminhar

todos os temas relevantes da saúde, e que naturalmente seriam pauta do Controle Social,

na Comissão Intergestores Tripartite, um colegiado que tem a participação apenas de

gestores das três esferas de governo, e que tem a tarefa de pactuar as políticas depois

que elas são aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde.

O mesmo processo passou a se reproduzir nos estados através das Comissões

Intergestores Bipartite, compostas por gestores estaduais e municipais, num movimento

que promoveu um brutal esvaziamento dos conselhos de saúde que viveram até o ano de

2002; sem dúvida, o seu pior momento nessa ainda curta trajetória.

Mesmo assim, é digno de registro o movimento de resistência dos Conselhos de Saúde,

com o Conselho Nacional à frente, que continuou realizando atividades, embora em menor

número e infinitamente com menor impacto.

Por outro lado, além das dificuldades de organização e funcionamento decorrentes dos

limites do movimento social, com baixo nível de formação e qualificação e insuficiente

renovação de quadros, mesmo os Conselhos que conseguiam se destacar, passaram a se

defrontar com inimigos mais poderosos ainda, o desrespeito às suas decisões e a

impunidade.

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Teve início um processo de profundo descrédito a respeito do papel que os Conselhos e

as Conferências de saúde teriam no SUS. Afinal, a rotina passou a ser o sistemático

desrespeito e desconsideração com aquilo que era produzido nesses espaços de

participação. Louve-se a atuação, que então passou a acontecer em praticamente todo o

país, do Ministério Público, que se revelou o principal aliado da comunidade na defesa dos

interesses do SUS, numa luta profundamente desigual, na qual a resposta da parte do

Executivo e do Judiciário sempre foi pífia e, na maioria das vezes, nula, nenhuma!

O avanço e um prenúncio de consolidação

Foi nesse contexto profundamente complexo e difícil que o movimento social fez uma

definitiva aposta no governo Lula. E hoje podemos afirmar que o balanço é bastante

significativo. O Conselho Nacional de Saúde foi totalmente reestruturado, ampliado e

fundamentalmente democratizado, estabelecendo um processo eleitoral nacional que

eliminou o “direito” cativo que muitas entidades tinham até então, e radicalizando na

democracia, elegeu pela primeira vez o seu presidente oriundo do movimento social,

interrompendo um processo que estabelecia compulsoriamente o gestor federal como

presidente automático do colegiado. Praticamente todos os principais sonhos e anseios do

movimento em relação ao maior e mais importante colegiado do Controle Social do SUS

no país foram alcançados.

Entre novembro de 2006 a fevereiro de 2011, o Conselho Nacional de Saúde viveu sem

dúvida sua mais rica experiência. Realizou em 2007 a maior e mais representativa

Conferência Nacional de Saúde pós-Constituição Federal de 1988; liderou um

enfrentamento nacional contra a proposta de criação das fundações de direito privado a

serem implantadas na saúde; realizou grandes seminários nacionais para debater a gestão

do SUS; protagonizou a Primeira Caravana Nacional em Defesa do SUS em quase todos

os estados da federação, debatendo em cada local a realidade do Sistema; e a Primeira

Conferência Mundial para o desenvolvimento de Sistemas Universais de Seguridade

Social, com a participação de mais de 90 países.

Pautou, debateu e deliberou sobre praticamente todas as políticas propostas pelo governo

federal e iniciou um forte movimento de aproximação com os Conselhos de Saúde em todo

o país, formalizando alianças políticas e realizando conjuntamente atividades que

debatiam a intervenção dos conselhos, bem como ações para o seu fortalecimento e

consolidação. O Conselho Nacional de Saúde viveu então seu apogeu enquanto colegiado

de referência para os demais colegiados. Foram inúmeros os Conselhos que seguiram o

exemplo do CNS, promovendo reestruturações que contribuíram decisivamente para um

novo momento político.

Se de um lado todo esse virtuoso processo se desencadeava, na outra ponta permanecia

o autoritarismo e a impunidade dando as cartas. Se é certo que houve um decréscimo na

denúncia de conselhos que sofriam os revezes do autoritarismo, de outro é fato que,

principalmente nos municípios menores, essa lógica continuou prevalecendo,

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desestimulando setores da sociedade e fortalecendo o viés da impunidade, sem dúvida

uma das grandes marcas, senão a maior marca da nossa história.

As disputas políticas enquanto elementos desconstrutores

Todos esses avanços conseguidos coletivamente no Conselho Nacional de Saúde,

colocaram num processo de hibernação as disputas internas que normal e naturalmente

existem em qualquer espaço político. Dessa maneira, o presidente do CNS foi reeleito por

aclamação e sem maiores traumas nos anos de 2007 e 2008. Isso não significa dizer que

a disputa não existisse e que a contundente atuação do colegiado, com uma visibilidade

bastante significativa principalmente quando se tratava de se contrapor a propostas do

governo, não estivessem na pauta política.

Isso veio à tona na eleição de 2009, quando em uma disputa acirrada pela presidência, o

então presidente foi mais uma vez reeleito, numa contenda com uma candidata que se

apresentava como representante do segmento dos Usuários, e onde as grandes polêmicas

com setores dos Gestores passaram a dominar a pauta política, particularmente nos

debates que o Conselho Nacional de Saúde estava realizando sobre a privatização da

gerência dos serviços da rede do SUS, colocada em prática em vários estados da

federação.

O ano de 2010 foi marcado por esse enfrentamento com setores dos gestores, mas foi

também o ano de realização de dois grandes seminários nacionais que discutiram a

Atenção Primária e as relações entre o público e o privado no SUS.

O acirramento nas relações com os gestores e os desdobramentos políticos da disputa

realizada em 2009, tornaram a sucessão, que deveria acontecer em 2010, o momento de

maior tensão do CNS nesses últimos anos. Uma disputa interna radicalizada criou as

condições para que o governo Dilma colocasse em prática o projeto de retomar para o

governo a presidência e a condução política dos destinos do maior colegiado de Controle

Social do SUS.

O brutal retrocesso

Numa articulação interna em que nós discordamos da forma, do método e do conteúdo, o

governo conseguiu convencer a representante dos Usuários que estávamos publicamente

apoiando, a abdicar da sua candidatura, e sem que os trabalhadores tivessem tempo de

articular uma alternativa. Por isso, o ministro da saúde se apresentou em fevereiro de

2011, como único candidato à presidência do CNS.

Como afirmamos na época, essa era a pior alternativa que poderia acontecer não somente

para o Conselho Nacional de Saúde. É o que de pior poderia acontecer para o “Controle

Social” do SUS em todo o país. Como consequência, o CNS é hoje uma peça decorativa

no cenário político do SUS no país. Durante todo esse “novo” período, não se conhece

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uma única manifestação pública do colegiado sobre as grandes polêmicas que marcaram

o ano, que não seja uma ou outra moção aprovada em relação a um ou outro tema.

A lei que oficializou o papel das Comissões Intergestores, assim como o decreto que

regulamenta a lei 8.080, tornam, de acordo com o entendimento de vários atores políticos

e jurídicos, os Conselhos de Saúde meras figuras consultivas e "decorativas".

Sintomática e coincidentemente, durante esse período várias propostas e políticas

estruturantes importantíssimas que merecem um debate aprofundado e, inclusive,

alterações de conteúdo, foram colocadas em prática sem que o CNS sequer tomasse

conhecimento. Num sentido inverso, há hoje no país um processo de retomada da

presidência dos Conselhos pelos gestores, num movimento que fragiliza mais ainda

colegiados que já estão atuando com imensas limitações nos rincões desse país.

Ao mesmo tempo e como reflexo direto desse momento político, o Conselho Nacional de

Saúde não só não conseguiu avançar em aspectos que são cruciais na reestruturação dos

Conselhos de Saúde, no debate que foi realizado sobre a atualização da Resolução 333,

como é o caso da legitimidade de representação, mas aprovou retrocessos para nós

inaceitáveis, em temas fundamentais que foram garantidos no decreto que regulamenta o

CNS.

Por fim, a conclusão de que o Conselho Nacional de Saúde é vítima hoje de um forte

processo de perda de autonomia e de independência, cujo retrato mais recente foi a última

Conferência Nacional de Saúde, que aconteceu no início de dezembro passado, tendo

sido comprometida pela impossibilidade de um debate mais qualificado sobre os temas e

teve o seu final manchado pela autoritária e equivocada proposta governamental de uma

“Carta de Brasília”, que deixou no ar um forte odor de casuísmo e manipulação.

As próximas e decisivas eleições gerais do CNS

A Participação da Comunidade do SUS no Brasil enfrenta então um dos seus mais difíceis

momentos, havendo a necessidade de uma grande articulação nacional dos movimentos

sociais organizados e desorganizados, na perspectiva de superar esse contundente

processo de esvaziamento e descaracterização que acomete o colegiado maior de

Controle Social do SUS no país, e que é espelho e referência para os demais.

As eleições gerais que acontecerão no CNS em novembro próximo, assim como a

definição do seu próximo presidente, não podem significar sob qualquer hipótese a

manutenção do atual quadro de dependência política e de consequente falta de

autonomia, de representatividade e legitimidade perante o SUS e o país. Isso significa

dizer que seus membros integrantes e seja quem for o próximo condutor dos destinos

políticos do Conselho Nacional de Saúde, não podem ser urdidos, muito menos eleitos, a

partir das articulações de gabinetes oficiais fechados, método que deve definitivamente

ficar no lixo da história do Sistema Único de Saúde.

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Por isso a constatação da enorme responsabilidade que pesa sobre as costas dos

representantes das entidades civis que pleitearão as vagas disponíveis no Conselho

Nacional de Saúde. É impossível avançarmos na construção e consolidação do Sistema

Único de Saúde sem que a militância envolvida direta ou indiretamente com as entidades

constituídas consiga entender o seu papel, que passa necessariamente pela defesa

intransigente dos princípios do SUS e da clareza de consciência dos limites que existem

nas relações entre governo e movimento social.