Trabalho Informal e Acumulação Capitalista

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Trabalho Informal e Acumulação Capitalista: autonomia ou precarização? Thiago Leibante * Introdução A sociedade capitalista, desde meados dos anos 70, tem passado por profundas transformações que vieram a conformar as características atuais que tem predominado na contemporaneidade. Podemos citar, como título de exemplificação, a crise de superacumulação de capital 1 que data de meados dos anos 70 e permanece até os dias atuais. Como resposta a tal crise, e como alternativa para retomada da acumulação em escala global, o sistema capitalista empreendeu diversas transformações no seu modo de produzir, alterando não somente sua base técnica como também a gestão de sua força de trabalho. Tal processo foi acompanhado por políticas estatais que vieram dar um respaldo legal a essas alterações do sistema capitalista. Quando nos referimos à gestão da força de trabalho, a principal alteração foi a utilização ampliada das técnicas toyotistas 2 , que, utilizadas primeiramente no Japão, logo se expandiram pela América do norte e Europa, chegando inclusive aos países da periferia do capitalismo, mas com uma configuração distinta 3 . * Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Rua Serra do Mirador, 535 – Jd. Bandeirantes Londrina-PR. CEP: 86065-150. Fones: (43) 3327-5255 / 9141-3433. E-mail: [email protected] 1 Dentre os estudos que tratam da crise do capital podemos destacar três trabalhos importantes: Coggiola, Osvaldo. O Capital contra a História. Xamã, 2002. Chesnais, François. A Mundialização do Capital. Xamã, 1996. Mandel, Ernest. A Crise do Capital. Ensaio, 1990. 2 Sobre as principais características do modelo toyotista ver: Coriat, Benjamin. Pensar pelo avesso. Revan, 1994. 3 Consideramos que o toyotismo ou pós-fordismo no Brasil possui ainda diferenças importantes em relação ao capitalismo avançado, visto que o próprio fordismo aqui não se realizou do mesmo modo que nos países ricos. Para Guimarães (2003:196) “em países como o Brasil (...) nem a estruturação do mercado de trabalho generalizou a relação salarial estável como a forma dominante de uso do trabalho, nem a produção em massa se sustentou num movimento de extensão da cidadania e de proteção social na forma de um Welfare público, socialmente eficaz na proteção do trabalho”. Na mesma linha Druck & Thébaud-Mony (2007:25) lembram que a relação salarial fordista não se mundializou e, “no caso do Brasil, implementou-se um ‘fordismo

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É um artigo que vem falar sobre a condição de trabalho informal no Brasil, a partir da concepção deste no modo de produção capitalista.

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Trabalho Informal e Acumulação Capitalista: autonomia ou precarização?

Thiago Leibante* Introdução A sociedade capitalista, desde meados dos anos 70, tem passado por

profundas transformações que vieram a conformar as características atuais que tem

predominado na contemporaneidade. Podemos citar, como título de exemplificação, a crise

de superacumulação de capital1 que data de meados dos anos 70 e permanece até os dias

atuais. Como resposta a tal crise, e como alternativa para retomada da acumulação em

escala global, o sistema capitalista empreendeu diversas transformações no seu modo de

produzir, alterando não somente sua base técnica como também a gestão de sua força de

trabalho. Tal processo foi acompanhado por políticas estatais que vieram dar um respaldo

legal a essas alterações do sistema capitalista.

Quando nos referimos à gestão da força de trabalho, a principal alteração foi a

utilização ampliada das técnicas toyotistas2, que, utilizadas primeiramente no Japão, logo se

expandiram pela América do norte e Europa, chegando inclusive aos países da periferia do

capitalismo, mas com uma configuração distinta3.

* Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina. Rua Serra do Mirador, 535 – Jd. Bandeirantes – Londrina-PR. CEP: 86065-150. Fones: (43) 3327-5255 / 9141-3433. E-mail: [email protected] 1 Dentre os estudos que tratam da crise do capital podemos destacar três trabalhos importantes: Coggiola, Osvaldo. O Capital contra a História. Xamã, 2002. Chesnais, François. A Mundialização do Capital. Xamã, 1996. Mandel, Ernest. A Crise do Capital. Ensaio, 1990. 2 Sobre as principais características do modelo toyotista ver: Coriat, Benjamin. Pensar pelo avesso. Revan, 1994. 3 Consideramos que o toyotismo ou pós-fordismo no Brasil possui ainda diferenças importantes em relação ao capitalismo avançado, visto que o próprio fordismo aqui não se realizou do mesmo modo que nos países ricos. Para Guimarães (2003:196) “em países como o Brasil (...) nem a estruturação do mercado de trabalho generalizou a relação salarial estável como a forma dominante de uso do trabalho, nem a produção em massa se sustentou num movimento de extensão da cidadania e de proteção social na forma de um Welfare público, socialmente eficaz na proteção do trabalho”. Na mesma linha Druck & Thébaud-Mony (2007:25) lembram que a relação salarial fordista não se mundializou e, “no caso do Brasil, implementou-se um ‘fordismo

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Houve também um amplo processo de reestruturação produtiva4, caracterizado

dentre outros fatores pela utilização de tecnologias microeletrônicas, que, em conjunto com

as técnicas toyotistas, operaram uma série de transformações no modo de produzir do

capital.

Com isso, o capital passou a gozar de maior liberdade de movimento, maior

agilidade na produção e uma segurança maior frente às recessões econômicas. O que antes

era produzido pela grande indústria, em uma única planta industrial, passou a ser feito por

diversas empresas de menor porte e localizadas nos mais distintos cantos do planeta, graças

ao artifício da descentralização/desverticalização do processo produtivo. Assim, a produção

passou a ser mais “flexível”, mais adequada a fase atual da acumulação capitalista.

No entanto, para que tais transformações proporcionassem a liberdade requerida

pelo capital, fazia-se necessário flexibilizar não só as fábricas e o processo produtivo, mas

também os contratos de trabalho. Foi então que vieram à cena as chamadas políticas

neoliberais, que, colocando a culpa da crise no “excesso” de direitos5 conquistados pelos

trabalhadores no chamado Estado de bem-estar social, logo se encarregaram de retirar dos

trabalhadores seus direitos sociais, por meio da desregulamentação do direito do trabalho6.

Tal processo tem gerado um aumento do número de trabalhadores informais7 em todo o

periférico’”. Vale lembrar que a expressão fordismo periférico foi cunhada pelo autor integrante da chamada escola francesa da regulação Alain Lipietz em sua obra Miragens e Milagres: problemas da industrialização no terceiro mundo. 4 Para uma análise do impacto da reestruturação produtiva para a luta de classes, ver: Teixeira, Francisco (Org.) Et. Ali. Neoliberalismo e Reestruturação produtiva. Cortez, 1996. 5 Como nos mostra Souza (2001:50) nem a idéia de flexibilização é nova e nem a culpa nos direitos trabalhistas como responsáveis pela crise é própria da contemporaneidade. Conforme o autor, “vem de longe a idéia da flexibilização trabalhista, a despeito da chamada modernização alegada atualmente. Conservadores recomendavam rebaixamento salarial e quebra do ‘monopólio sindical’ como solução para o desemprego e saída da grande depressão dos anos 1930. As supostas excessivas reivindicações sindicais, os exagerados direitos, rigidez legal, foram apontados como causa dessa grande depressão e também da crise dos anos 1970”. 6 Souza (2001: 71) enumera uma série de leis e medidas provisórias que desde 1990 vêm sendo adotadas no sentido de flexibilizar e desregulamentar a legislação trabalhista. 7 Somente na década de 90, o número de trabalhadores informais cresceu 22% no Brasil. Os dados são de: Jakobsen, K. et al. (orgs.). Mapa do Trabalho Informal: perfil socioeconômico dos trabalhadores informais na cidade de São Paulo. São Paulo, Perseu Abramo, 2000.

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mundo capitalista, ou seja, um crescimento daqueles que não gozam mais de quaisquer

proteções da legislação trabalhista.

Além desse processo de informalização do trabalho que está ocorrendo por meio do

processo de flexibilização8 do trabalho, há também o enorme contingente de pessoas sem

emprego que irão buscar nas ocupações mais precárias um modo de garantir o sustento de

suas famílias. É visível o aumento em todo o Brasil do número de carroceiros e catadores

de materiais recicláveis, ou mesmo no número de camelôs que se espalham pelas ruas das

grandes cidades brasileiras, só para citar alguns exemplos dessa situação.

Assim, o aumento dos números de desemprego9 e subemprego tem dificultado ações

contrárias ao atual estado do trabalho por parte de organizações do movimento operário,

ocasionando um refluxo da ação dos sindicatos10, que muitas vezes são pressionados pelos

trabalhadores a “negociar” as perdas trabalhistas em nome da manutenção dos empregos.

Partindo assim desse quadro geral da situação do trabalho no capitalismo

contemporâneo, este estudo busca elucidar em que medida a tão aclamada autonomia do

trabalho é de fato real e possível, ou se, pelo contrário, funciona como ideologia

mistificadora da precarização e degradação do trabalho neste início do século XXI.

Objetivos

Este trabalho tem como objetivo compreender as articulações existentes entre as

diversas modalidades de trabalho informal vigentes na sociedade contemporânea e a lógica

8 Para Mészáros (2007:148), “(...) a ‘flexibilidade’ com relação às práticas do trabalho - que devem ser facilitadas e aplicadas por meio de vários tipos de ‘desregulamentação’ equivale, na realidade, à implacável precarização da força de trabalho”. 9 É importante destacar que o desemprego é um produto do próprio sistema capitalista, uma necessidade desse modo de produção, e não apenas uma característica da fase do capitalismo atual, apesar de o momento atual ter acentuado este fenômeno. Para Mészáros (2007:146) “(...) a necessidade da produção de desemprego, ‘enxugamento’ etc., surge necessariamente dos imperativos produtivos antagônicos do capital que buscam o lucro – e a acumulação – a que não pode absolutamente renunciar, de modo a restringir-se de acordo com os princípios racionais e humanamente gratificantes. O capital deve manter seu impulso inexorável em direção aos seus alvos auto-expansivos, por mais devastadoras que sejam as conseqüências, ou, do contrário, perde a capacidade de controlar o metabolismo social de reprodução”. 10 Sobre a chamada crise do sindicalismo ver: Alves, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho. Boitempo, 2005 (em especial a parte III); Cardoso, Adalberto M. A década neoliberal. Boitempo, 2003.

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da acumulação capitalista, e em que medida o trabalho informal é (im) possível de

constituir-se em autônomo perante o capital.

Na atualidade, diversas atividades informais vêm ganhando importância para a

extração de mais-valia, e não se trata mais simplesmente de trabalho ilegal. Por meio de

atividades prestadas por microempresas ou cooperativas11 constituídas em muitos casos

legalmente, a relação capital versus trabalho é escamoteada, aparecendo como uma mera

relação entre agentes jurídicos, como se esta correspondesse mesmo à essência da relação,

quando na verdade este apagamento do assalariamento corresponde ao aspecto fenomênico

do social, à sua pseudoconcreticidade12.

Uma das práticas mais adotadas pelo capital na contemporaneidade é a ampla

utilização de cooperativas de trabalho na terceirização de suas atividades produtivas. Em

meio a barbárie do desemprego e do subemprego, é possível visualizar a expansão de

diversas cooperativas de trabalho, organizadas por indivíduos desempregados, ou, como

ocorre em muitos casos, por Ongs ou mesmo via Estado. Tais cooperativas possuem uma

grande fragilidade frente à concorrência capitalista, e em muitos casos funcionam com alto

grau de precariedade. Desse modo, se tornam “alvos fáceis” da exploração capitalista.

Acabam assim, em muitos casos, se afastando dos ideais de autonomia do cooperativismo.

Os trabalhadores de cooperativas, quando contratados, aparecem como meros

prestadores de serviços, mesmo que efetuando todas as funções do trabalhador assalariado,

com a agravante da ausência do registro em carteira de trabalho. Assim, tal relação aparece

como uma negociação entre empresas, entre pessoas jurídicas, e não entre capital e

trabalho. Algumas premissas do cooperativismo, como autonomia e liberdade, desaparecem

por completo, na medida em que as cooperativas se subordinam às ordens e ditames do

capital contratante, tais como nível de produção, jornada de trabalho13, dentre outros14.

11 Conforme Lima (1998:211), o artigo 442 da CLT “afirma não existir vínculo empregatício entre a cooperativa e o associado e nem entre esse e os contratadores de serviços. Esse parágrafo possibilitou o surgimento “legal” de um novo tipo de cooperativismo induzido ‘de cima para baixo’ criado em diversas instâncias institucionais no qual os trabalhadores são apenas recrutados”. 12 “No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto fenomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, é considerado como a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a essência desaparece”. (KOSIK, 1989:12). 13 “Os membros de uma cooperativa de trabalho ou de qualquer associação de trabalhadores, apesar de sua condição de ‘proprietários’, são obrigatoriamente submetidos a critérios de avaliação do tempo de trabalho

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Concordamos com Lima (1998:213) quando este afirma que se pode considerar o trabalho

nessas cooperativas “(...) como um tipo de assalariamento disfarçado, uma vez que

funcionam como um setor das empresas, embora mantenham formalmente contratos apenas

de prestação de serviços”.

Outra modalidade que vem sendo reinventada pelo capital como forma de

escamotear a relação de assalariamento é o trabalho à domicílio moderno15. Por meio da

prática do que poderíamos chamar salário por peça, o capital contrata em geral mulheres

trabalhadoras que efetuam suas funções no próprio ambiente domiciliar. Essa prática é

muito comum na indústria têxtil, em que as costureiras são contratadas em períodos de alta

demanda, e em alguns casos, acabam inclusive elas próprias contratando outras

trabalhadoras, operando assim como espécie de intermediárias. Assim como no caso das

cooperativas, tais trabalhadoras aparecem como prestadora de serviços, não tendo nenhum

vínculo contratual de trabalho com as empresas contratantes.

Um terceiro tipo de trabalho informal que vem tendo bastante crescimento é o

chamado trabalho por conta própria16, sendo esta a categoria de trabalhadores “(...) que

exploram seu próprio empreendimento, sozinhos ou com um sócio, sem empregar auxiliar

assalariado” (HOLZMANN, 2006:84). Em geral, estes indivíduos quando não trabalham

sozinhos contam somente com a ajuda de membros da família, como esposa/marido e

filhos.

Há no Brasil uma grande “idealização” do trabalho por conta própria, por meio de

slogans do tipo “seja seu próprio patrão” ou “tenha seu próprio negócio”. Para Holzmann

(2006:84), o trabalhador por conta própria “constitui o personagem-símbolo do ideário como qualquer trabalhador assalariado, distinguindo-se radicalmente do proprietário capitalista, para quem o tempo nunca é posto em questão”. (ALVES& TAVARES, 2006:437). 14 Segundo Lima (1998:213), “a gerência das cooperativas termina sendo realizada, de fato, pelos funcionários da empresa que estabelecem o modo como o trabalho deve ser organizado. Com isso, o trabalho dos cooperativados só difere daquele dos trabalhadores assalariados no que tange a ausência dos direitos formais constantes na legislação do trabalho, tais como férias, décimo terceiro salário, carteira profissional, assistência médica, aposentadoria e um salário mínimo”. 15 Conforme Ruas (1993:27) “a noção de trabalho a domicílio abrange toda atividade realizada de forma remunerada no ambiente domiciliar. Esse conceito se caracteriza também por uma subordinação técnica e/ou econômica, tendo em vista que o TD se encontra em uma situação de dependência em relação a um ou mais contratantes (...)”. 16 Conforme Holzmann (2006:84), em 2002 os trabalhadores por conta própria totalizavam 22,3% dos ocupados no Brasil, totalizando 17 milhões de pessoas, quase 3 milhões a mais do que em 1993.

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neoliberal, o qual, na apologia das vantagens que usufrui, encobre a precariedade que, em

geral, o caracteriza”. É possível detectar assim que a suposta autonomia ou liberdade do

trabalho por conta própria acaba mascarando uma realidade bem diferente17.

Poderia-se pensar que tais modalidades de trabalho oferecem uma certa autonomia

ao trabalhador, já que não há um patrão supervisionando o trabalho, ou mesmo que os

horários de trabalho podem ser flexibilizados. Esse tipo de ideologia é muito comum e

bastante divulgado nos dias atuais, contribuindo para a disseminação de modalidades de

trabalho com alto grau de precariedade. Dentro deste contexto, (...)

Ganham importância as formas de trabalho cooperativo, de trabalho a domicilio e de trabalho autônomo que muitas vezes nada mais são que relações contratuais de assalariamento disfarçado mas, sobretudo, desprotegido. A suposta liberdade no exercício do trabalho para aqueles que o realizam esconde uma relação de trabalho profundamente assimétrica, onde o contratante aproveita da frágil situação de emprego para impor condições de trabalho muitas vezes degradantes. (Castro & Dedecca, 1998:17).

É possível percebermos então que essas “novas”18 modalidades de trabalho tem

significado precarização e maior degradação das condições de trabalho, ao invés de

significarem alguma autonomia ou liberdade perante os ditames do capital. Esse processo

se deve em grande parte ao aumento do número de trabalhadores desprotegidos

socialmente, trabalhadores esses que devido aos elevados números do desemprego tem sido

obrigados a aceitar formas degradantes de trabalho que estão sendo recriadas

continuamente pelo capital com o único objetivo de auferir maiores taxas de lucro para o

conjunto da classe dos capitalistas.

Metodologia

17 Ainda conforme Holzmann (2006:85), é na categoria conta própria que se encontra a maior proporção de trabalhadores sem proteção laboral, já que 78,3% não contribuem com a previdência social. Além disso, a renda mensal dos que estão nessa porcentagem é de R$ 454, 98, inferior aos R$ 628,18 correspondente ao conjunto dos ocupados. 18 Vale lembrar que tais modalidades não são nenhuma novidade na história do capitalismo. Contudo, assumem configurações e proporções diferentes no atual estágio de desenvolvimento do capital.

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A metodologia de pesquisa adotada no presente trabalho é a Dialética Marxista.

Trata-se de entender o objeto, neste caso, o trabalho informal, de uma perspectiva da

totalidade, não na direção de captar todas as determinações sociais envolvidas, mas no

sentido de entender como se articulam as diferenças existentes no interior de uma unidade,

de uma totalidade concreta que as engendra.

Para a perspectiva dialética a realidade social não se resume a sua forma cotidiana,

imediata, empírica. O cotidiano é a forma em que o real aparece aos homens, mas esse

mesmo real vai muito além das aparências e da imediaticidade. Conforme Marx, se

aparência e essência se confundissem a ciência seria supérflua.

Portanto, para a dialética, a pesquisa não pode se restringir ao mundo empírico dos

fenômenos; deve sim buscar as mediações e as múltiplas determinações que compõem a

síntese, o concreto, ou seja, o real. No caso do presente trabalho, não basta nos retermos à

categoria “informal”, que, por mais esclarecedora que seja, é apenas empírica e não permite

à apreensão do objeto em sua totalidade. É necessário ir além e desvendar os nexos entre

trabalho informal e o capital, assim como as mediações com a estrutura das classes sociais.

Nosso trabalho também inclui uma pesquisa de campo que ainda será realizada

junto a trabalhadores do comércio de rua do centro da cidade de Londrina-PR, com o

objetivo de estudar um caso concreto de informalidade e em que medida esses

trabalhadores “optaram” por este tipo de trabalho, se foi devido ao desejo de autonomia ou

a falta de opções, ou se para complementar a renda familiar, assim como verificar o tipo de

relação que travam com o capital, ou seja, se são trabalhadores por conta própria ou se

constituem modalidade especial de trabalhadores assalariados, na medida em que muitos

atuam como espécie de trabalhadores “terceirizados”, ou seja, em muitos casos são

trabalhadores que vendem produtos que são de propriedade de terceiros que lhes pagam por

unidades vendidas de determinado produto, como espécie de salário por peça vendida.

Resultados

Como este estudo ainda está em andamento, os resultados que destacaremos são

parciais e incompletos, mas já demonstram alguns elementos importantes do objeto

estudado. Um dos principais resultados a que chegamos é o que aponta a tendência ao

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estabelecimento do trabalho informal enquanto relação predominante na sociedade

capitalista. Se considerarmos o crescimento do trabalho informal não só no Brasil19 como

também em todo o mundo capitalista, sua funcionalidade a esse modo de produção, e o

incentivo às atividades informais por parte do Estado e de instituições da chamada

sociedade civil, não há porquê negar: há atualmente uma tendência à informalização do

trabalho na sociedade capitalista. Segundo Tavares (2004:46),

Se o fim da produção capitalista é mais-valia, razão por que o capital é irreformável na sua base causal; se a força de trabalho é a única mercadoria que quando consumida produz valor; e, se o trabalho formal, estável, em tempo integral, socialmente protegido está se tornando uma categoria do passado, o objetivo do processo de produção capitalista será alcançado através de outra forma de trabalho: tendencialmente, o trabalho informal, submetido às mesmas leis econômicas que regem o sistema de assalariamento.

Do mesmo modo pensa Chico de Oliveira para quem a informalidade é um processo

que está em crescimento “(...) não apenas como uma forma de subemprego disfarçado, mas

como a tendência central do mundo do trabalho no Brasil”. (Oliveira, 2000:13).

Considerando que a crise do capital tem afetado também os países do capitalismo

avançado, e que a resposta a tal crise tem sido a migração para o capital financeiro e a

precarização do trabalho no setor produtivo, é possível constatar que a informalidade não é

só a tendência do mundo do trabalho no Brasil, como afirma Chico de Oliveira, mas é

também a tendência do trabalho em todo o mundo capitalista.

Conclusões

Uma grande parte das teorias que buscaram entender o fenômeno da informalidade,

apesar das contribuições, não conseguiram cumprir tal missão, e tantas outras se mostraram

19 Segundo Thébaud-Mony & Druck (2007:42) “os ‘informais’representam 53% do total dos ocupados – assalariados sem registro, 17,5%; trabalhadores domésticos sem registro, 7%; autônomos, 21%;empregadores, 4,5%; sem remuneração, 3%”. Vale explicar que a autora explica que “a inclusão de empregadores se deve ao fato de que a PNAD, enquanto pesquisa domiciliar, não computa grandes empresários. Além disso, o crescimento do segmento no país nos últimos anos se deveu, em grande parte, à mudança de ‘personalidade jurídica’ (PJ), recurso utilizado pelas grandes empresas para se desobrigar dos encargos e direitos trabalhistas e que constitui uma nova modalidade de terceirização”.

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datadas e incapazes de dar conta de tal objeto, na medida em que na contemporaneidade a

informalidade assume novas dimensões.

Assim sendo, consideramos importante ultrapassar as concepções até então

desenvolvidas acerca do “informal” para entendê-lo como ele é, ou seja, não como

resquícios de atraso, ou como aquele tipo de trabalho que ocupa pequenos espaços, ou

mesmo como um trabalho específico de um setor da sociedade, mas sim como uma forma

de trabalho que tem se mostrado bastante rentável para o capital em um momento que a

própria legislação trabalhista tem sido colocada em cheque pelas políticas neoliberais.

Pensamos que a tendência à informalização do trabalho já é um fato concreto na

sociedade atual, e que, se tal tendência não for freada, dias ainda piores virão, piores é

claro, para o conjunto dos trabalhadores assalariados.

A informalidade, portanto, deve ser considerada uma arma do capital para auferir

maiores lucros e ao mesmo tempo provocar uma cisão política da classe trabalhadora, pois

na medida em que muitos trabalhadores se deixam seduzir pelo mito da “autonomia”, tal

ilusão,

(...) além de mascarar a real dimensão do desemprego, fragmenta a classe trabalhadora, opera o culto ao individualismo, desqualifica as organizações representativas do trabalho, fomenta a ordem ideológica dominante e distancia o horizonte revolucionário. (TAVARES, 2004:22).

Desse modo, mistifica-se o social pensando ser possível alguma autonomia, o que

só faz aumentar o espírito de individualismo e competição entre os indivíduos, com a única

intenção de que estes não se vejam enquanto membros de uma mesma classe social.

Cabe, assim, ao conjunto da classe trabalhadora, através de seus organismos de

representação, impor uma resistência aos abusos do capital, oposição essa que se mostra

mais difícil na medida que aumenta o número de trabalhadores informais e de

desempregados, diminuindo assim o poder sindical e dividindo politicamente os

trabalhadores. Contudo, não se deve cair no pessimismo achando que não há mais nada a

ser feito, a não ser tentar amenizar os “prejuízos”.

Já é hora de a classe trabalhadora repensar suas estratégias de luta de modo a um

enfrentamento direto com o capital, no sentido mesmo da luta de classes, não aceitando

mais sua classe antagônica como possível parceira, pois a única coisa que a burguesia tem

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demonstrado é que de parceira não tem nada, muito pelo contrário, e como a sede do lucro

não comporta limites morais ou éticos, se nada for feito, é sobre o conjunto dos

trabalhadores assalariados que recairá o ônus da ofensiva capitalista que parece não cessar

tão cedo.

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