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  • Eudemonologia na tica Nicomachea de Aristteles

    Introduo

    Sem sombra de dvidas, podemos afirmar que a tica de Aristteles, est em

    contraposio quela das ndoles inatas (naturalista) disseminada pelos preceptores

    espirituais dos antigos, Homero e Hesodo; pois, segundo esses educadores da Paidia

    grega, o carter j se determinava mediante a unio dos progenitores, e manifestava-se j no

    nascimento. Consequncia disto a reviso das teses de seus antecessores, vlida inclusive

    para os ideais platnicos que, como sabemos, preconizava a supremacia do mundo

    inteligvel, bem como a contemplao das formas puras (o belo, o bom, o justo) pelo rei

    filsofo, aplicando o ideal na prxis real, na organizao da polis. Resultado: imploso dos

    paradigmas fundamentais de Plato, dentre os quais, a noo de razo, ou seja, a negao

    dum modelo intelectualista. Destarte, procuraremos delinear no presente trabalho a

    concepo aristotlica, notoriamente calcada na experincia, no que diz respeito

    finalidade do agente moral, a saber, a motivao de sua conduta, em vista de um fim

    ltimo, sua felicidade in lato sensu. Porque s a inteligncia, nada pe em movimento, esta sentena se aloca acima do modelo intelectualista.

    ***

    1.

    evidente que a excelncia moral (virtude) a examinar a humana, pois o bem e a felicidade

    que estamos procurando so o bem humano e a

    felicidade humana.

    Na tica, Aristteles distingue, na alma a parte que tem o (razo) da que no tem: a primeira a sede das virtudes intelectuais e pode ser educada pelo ensinamento e

    exerccio, a segunda comporta, por seu turno, duas partes: a vegetativa, no educvel, e a

    desejante; esta ultima, no tem o logos, mas capaz de escut-lo e segui-lo por pouco que

    receba a educao apropriada. O hbito o meio desta educao, o carter o resultado e

    pode, pois, ser definido provisoriamente, como fruto dos hbitos adquiridos em matria de

    prazer ou de dor.

    O aparece como forma particular da , significa maneira estvel de ser (ou um hbito), adquirido pela educao. A difere da potncia natural (), por ser uma capacidade adquirida. Esta capacidade pode em seguida ser distinguida da ,que s uma disposio durvel produzida pelo trao que uma repetida atitude deixa em ns. O

    trao no uma marca passiva como um estigma, uma habilidade adquirida de refazer

    facilmente o que j fizemos, pois a transformao de um agir, ou de um fazer em ter, de

    se habituar.

  • Sendo, pois, de duas espcies a virtude, intelectual e moral, a

    primeira, por via de regra, gera-se e cresce graas ao ensino por isso requer experincia e tempo; enquanto a virtude moral

    adquirida em resultado do hbito, donde ter-se formado o seu

    nome () por uma pequena modificao da palavra (hbito). [Arist. EN, II, 1; 1102 a 15]

    A palavra bsica pode ainda designar candentemente trs distines: o lugar costumeiro da vida, os costumes daqueles que a esto vivendo e, o modo de pensar e sentir

    o carter. Aristteles ope de um lado, a virtude dianotica que nasce e progride graas ao

    ensino, e requer, em consequncia, experincia e tempo, de outro lado, a virtude tica,

    proveniente do hbito, que concerne a uma parte intermediria da alma.

    A virtude , pois, uma disposio de carter relacionada com a

    escolha e consciente numa mediania, isto , a mediania relativa a

    ns, a qual determinada por um princpio racional prprio do

    homem dotado de sabedoria prtica. E um meio-termo entre dois

    vcios, um por excesso e o outro por falta; pois que, enquanto os

    vcios ou vo muito longe ou ficam aqum do que conveniente no

    tocante s aes e paixes, a virtude encontra e escolhe o meio-

    termo. E assim, no que toca sua substncia e definio que lhe

    estabelece a essncia, a virtude uma mediania; com referncia ao

    sumo bem e ao mais justo, , porm um extremo [ibid, II, 6; 1107 a

    35]

    parte irracional da alma contrape-se a racional, com as virtudes ticas

    engendram-se as virtudes dianoticas, isto , as qualidades do intelecto so orientadas para

    uma finalidade, na medida em que este serve aos interesses da ao. O caminho para esse

    percurso efetiva-se em decorrncia do calculo para o justo meio () designando-se

    para tal, a regra correta. Esta habilidade de escolha dos meios, merece nosso elogio se o

    fim desejado aspira o Bem.

    2.

    Nosso ponto de partida o seguinte, necessidade e contingncia (acaso) so causas

    opostas, o primeiro concerne quilo que s pode ser realizado to somente de uma maneira,

    o segundo de duas ou mais. Ao domnio do contingente, pertencem os objetos da tcnica e

    da ao, aos primeiros concernem arte, aos ltimos, a inteligncia prtica (prudncia),

    que reconhece o benfico e o prejudicial, mediante deliberao prpria.

    Deliberamos sobre as coisas que esto ao nosso alcance e podem

    ser realizadas; e essas so efetivamente, as que restam. Porque

    como causas admitimos a natureza, a necessidade, o acaso e

    tambm a razo de tudo que depende do homem . Ora, cada classe

  • de homem delibera sobre as coisas que podem ser realizadas pelos

    seus esforos. [ibid, III, 3, 1112 a 30]

    Para que uma ao se cumpra, trs componentes devem se encontrar presentes na

    alma, a sensao perceptiva, a faculdade de pensar e o desejo, mbile da ao, nossa mola

    propulsora, por assim dizer, desideratum veemente, que nos impele por intermdio da

    , aquela representao fixa, do objeto quisto ou aspirado, pelo qual escolhemos agir deliberadamente.

    Sendo, pois, o objeto da escolha uma coisa que est ao nosso

    alcance e que desejada aps deliberao, a escolha um desejo

    deliberado de coisas que esto ao nosso alcance; por que, aps

    decidir em resultado de uma deliberao, desejamos de acordo com

    o que deliberamos. [ibid., III, 1113 a 10].

    A alma desejante do homem pode receber uma formao porque despojada desta

    regulao natural que est presente no animal; com efeito, se a criana persegue o prazer e

    foge da dor, como o animal, seu desejo no esta espontaneamente regulado. Assim,

    obedecendo sua avidez, no se contenta em seguir a natureza, pode reforar seus poderes

    at o descontentamento. Uma criana contrai o hbito de ceder a seus pendores e forja,

    deste modo, um mau carter para si. Acrescenta-se que esta faculdade tanto mais flexvel

    quando o homem possui numerosas qualidades indeterminadas ou ambivalentes, segundo

    os hbitos adquiridos, tornam-se virtudes ou vcios.

    Sendo, pois, o fim aquilo que desejamos, e o meio aquilo acerca do

    qual deliberamos e que escolhemos, as aes relativas ao meio

    devem concordar com a escolha e ser voluntrias. Ora , o exerccio

    da virtude diz respeito aos meios. Por conseguinte, a virtude

    tambm est em nosso poder , do mesmo modo que o vcio, pois

    quando depende de ns o agir, tambm depende o no agir, e vice-

    versa; de modo que quando temos o poder de agir quando isso

    nobre, tambm temos o de no quando vil; e se est em nosso

    poder o no agir quando isso nobre, tambm est o agir quando

    vil. Logo, depende de ns praticar atos nobres ou vis, e se isso

    que se entende por ser bom ou mau, ento depende de ns sermos

    virtuosos ou viciosos (ibid., III, 5, 1113 b 5-10]

    As observaes empricas constatam amide um mundo das contingncias, nada

    esttico, tudo dinmico, as coisas sempre devm, este pressuposto tomado de antemo

    pelo filsofo estagirita, seno, seria um contra-senso admitir, tal como acontece nas ticas

    prescritivas, o necessitarismo extremado; na prxis, isto rechaado, pois ao assumir a

    liberdade de escolha enquanto componente essencial das aes, imputamos

    responsabilidade no modus operandi do sujeito, dando a ele possibilidade de exercer o bem

    ou o mal relativo, enquanto agente tico-moral.

    3.

  • Neste sentido de indagar acerca das regularidades das condutas assumidas pelo

    sujeito em ao, Aristteles indaga como se pode fazer o que se sabe ser errado, e fazer o

    que se sabe ser errado o que ele chama de incontinncia (). O acrtico o homem

    do vicio e o prudente, da virtude, se olharmos por estes dois ngulos distintos.

    Ora (1), tanto a continncia como a fortaleza so includas entre as

    coisas boas e dignas de louvor, e tanto a incontinncia como a

    moleza entre as coisas ms e censurveis; e o mesmo homem

    julgado continente e disposto a sustentar o resultado de seus

    clculos, ou incontinente e pronto a abandon-los. E (2) o homem

    incontinente, sabendo que o que faz mau, o faz levado pela

    paixo, enquanto o homem continente, conhecendo como mau seus

    apetites, recusa-se a segui-los em virtude do princpio racional.

    [ibid, VII, 1, 1145 b 10- 15]

    O acrtico claramente no pensa at que esteja sob paixo, o que quer dizer,

    suponho, que o acrtico no pensa que seu ato permissvel at que esteja sob o jugo de

    suas inclinaes. Aristteles parece querer dizer que o acrtico sabe que seu ato errado,

    no sentido de que ele possui esse conhecimento, mas pode cometer o ato porque no est

    nesse momento usando-o como tal, descontempla ignorando, pois, pode tanto conhecer

    quanto desconhecer que seu ato seja errado, isto , no momento da atitude incontinente.

    O homem que incontinente no sentido absoluto nem se relaciona

    com todo e qualquer objeto, mas sim precisamente com aqueles

    que so os objetos do intemperante, nem se caracteriza por essa

    simples relao (pois, a ser assim, a sua disposio se identificaria

    com a intemperena), mas por se relacionar com eles de certo

    modo. Com efeito, em levado pela sua prpria escolha, pensando

    que deve buscar sempre o prazer imediato, enquanto o outro busca

    tais prazeres embora no pense assim. [ibid., VII, 3, 1146 b 20].

    O prudente, por sua vez, est em evidente contradio com a conduta incontinente,

    por suas aes, justamente almejarem o que realmente lhe benfico, que seu resplandece a prudncia vigorosa no esprito da virtude, unidade absoluta com o

    sabedoria prtica que goza de plena harmonia, suas atitudes no destoam por escolher desejar aquilo que o lesa, pois seu saber

    Com muita razo, o filso alemo, Arthur Schopenhauer (1788-1860) em seu livro,

    Aforismos para a sabedoria de vida, diz o seguinte: Considero regra suprema de toda sabedoria de vida uma proposio incidentalmente enunciada por Aristteles na Etica

    Nicomachea: O prudente sai em busca de ausncia de dor, no de prazer, ele capaz de deliberar () e, mais particularmente, de bem deliberar ( ). A felicidade , ento, uma certa atividade da alma conforme excelncia perfeita e, com o

    maior dos acertos, diz Aristteles: pertence aos que bastam a si mesmos ( ).

  • Enfim, a felicidade como fim ltimo imprescindvel, vida terica e poltica com as

    formas de vida que a promovem, o agir consciente e voluntrio, as virtudes, e, alm disso, a

    amizade com seus elementos decisivos, coloca diante dos olhos do ser humano, claramente,

    as condies por ele almejadas.

    CONCLUSO

    Seja nos permitido considerar a tica a Nicmaco de Aristteles, uma doutrina

    positiva, sui generis, acerca da felicidade humana, de tal forma que o filsofo insta

    pensarmos o peso de nossas aes na prxis quotidiana, e a responsabilidade de assumirmos

    as consequncias que estas podem suscitar tanto aos outros, quanto a ns mesmos. Deste

    modo, percebe-se no estudo da tica, uma obra cuja base fundamental fruto do acmulo

    de experincias, bem como dum encadeamento de raciocnios cuidadosamente intricados,

    bem refletidos e amadurecidos. Reside nela, em sua composio, amplos trechos dirigidos

    de pronto, ao tema fim ltimo do agir humano, que como vimos, identificado com a felicidade, razo pela qual a consideramos eudemonologia, a saber, o discurso () sobre a felicidade (), contudo, h um deslocamento na obra, tanto destoante, mas no menos importante, justamente pela nfase dada, ao examinar a amizade.

    Com efeito, para Aristteles a tica faz parte da cincia poltica e lhe serve de

    introduo. O objetivo da tica seria ento determinar qual o bem supremo para as

    criaturas humanas e qual a finalidade de suas vidas (a fruio da felicidade de maneira

    mais elevada, a contemplao); este o contedo marcante, a grosso modo, das linhas em

    que o estagirita dedicou-se ao tratamento da questo. Aps determinados estes pontos, seria

    cabvel a investigao acerca da melhor maneira de se proporcionar aos seres humanos este

    bem supremo e assegurar-lhes as condies para tal. Visto que o homem um animal poltico, e a felicidade de cada um pressupe a de sua famlia, de seus amigos, dos concidados, ou seja, de modo geral, reflete na harmonia da plis como um todo (no

    sentido helnico da cidade-estado), ento, necessrio empreender meios de governana

    proporcionais felicidade de todos, para o bem-estar de cada um e, para isto, questiona-se

    qual forma de governo a mais benfica. Enfim, a leitura de tica a Nicmaco torna-se

    imprescindvel e atual, afinal de contas, vemos que a conduta humana to suscetvel

    gerao e corrupo, pouco ou nada tem alterado neste decurso de mais de dois milnios

    desde que Aristteles notara tais peculiaridades, no de se admirar que magnanimidade

    desta obra, conserve profundamente o mesmo valor hoje em dia, quando mais do que

    nunca, precisamos urgentemente nos reeducar em vista dum bem maior, universal.

    REFERNCIA BIBLIOGRFICAS

    AUBENQUE, Pierre, 1929. A prudncia em Aristteles / So Paulo : Discurso Editorial,

    2003.

    ARISTTELES. tica a Nicmaco / Traduo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da

    verso inglesa de W. D. Ros. Coleo Os Pensadores. So Paulo : Abril Cultural, 1973.

    SCHOPENHAUER, Arthur, 1788-1860. Aforismos para a sabedoria de vida / traduo de

    Jair Barboza : reviso da traduo Karina Janini. So Paulo : Martis Fontes, 2002.

  • Faculdade de Filosofia e Cincias - Campus de Marlia

    Departamento de Filosofia

    Thiago de Souza Slvio

    EUDEMONOLOGIA NA TICA NICOMACHEA DE ARISTTELES

    Marilia/SP

    2015