TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO CAMILA LOPES FERREIRA TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira DISSERTAÇÃO PONTA GROSSA 2010

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UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

CAMILA LOPES FERREIRA

TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER:

uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira

DISSERTAÇÃO

PONTA GROSSA

2010

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CAMILA LOPES FERREIRA

TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER:

uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira

Dissertação apresentada como requisito

parcial à obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de

Produção, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Área de Concentração: Conhecimento e Inovação.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti

PONTA GROSSA

2010

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Durante este trabalho... As dificuldades não foram poucas... Os desafios foram muitos... Os obstáculos, muitas vezes, pareciam intransponíveis.

Muitas vezes me senti só, e, assim, o estive... O desânimo quis contagiar, porém a garra e a tenacidade foram mais fortes, sobrepondo esse sentimento, fazendo-

me seguir a caminhada, apesar da sinuosidade do caminho. Agora, ao olhar para trás, a sensação de dever cumprido

se faz presente e posso constatar que as noites de sono perdidas, o cansaço, os longos tempos de leitura, digitação, discussão, ansiedade em querer fazer e a

angústia de muitas vezes não o conseguir, por problemas estruturais; não foram em vão. Aqui estou, como sobrevivente de uma longa batalha,

porém muito mais forte, com coragem para mudar a minha postura, apesar de todos os percalços...

A cada vitória o reconhecimento devido ao meu Deus, pois só Ele é digno de toda honra, glória e louvor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas do meu convívio que acreditaram e

contribuíram, mesmo que indiretamente, para a conclusão desse estudo.

Aos meus pais Célia Acácia e Antonio Carlos, por terem feito o possível e o

impossível para me oferecerem a oportunidade de estudar, nunca deixando que as

dificuldades acabassem com os meus sonhos, serei imensamente grata.

Aos meus irmãos, por terem sentido junto comigo, todas as angústias e

felicidades, acompanhando cada passo de perto. Pelo amor, amizade e apoio

depositados, agradeço de coração.

Às minhas filhas, que embora não tivessem consciência da importância

dessa conquista, aceitaram a minha ausência quando necessário e iluminaram de

maneira especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimento.

Professor Pilatti, “chegamos” ao fim. Meu orientador e organizador dos meus

pensamentos mais desconexos, um muito obrigada especial pelo seu incentivo,

carinho e, acima de tudo, paciência.

Aos meus amigos e familiares, relegados a segundo plano por conta da vida

de mestranda, mas que nunca deixaram de estar ao meu lado.

Enfim, a todos os que por algum motivo contribuíram para a realização deste

estudo, agradeço por acreditarem no meu potencial, na minha profissão, nas minhas

idéias, nos meus devaneios, principalmente quando nem eu mais acreditava.

Sem vocês nada disso seria possível.

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“Quem é mestre na arte de viver distingue pouco entre o trabalho e o tempo livre, entre a própria mente e o próprio corpo,

entre a sua educação e a sua recreação, entre o seu amor e a sua religião. Com dificuldade sabe o que é uma coisa e outra. Busca simplesmente uma visão de excelência em tudo que faz,

deixando que os outros decidam se está trabalhando ou brincando. Ele pensa sempre em fazer ambas as coisas ao mesmo tempo.”

(DE MASI, 2001)

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RESUMO

FERREIRA, Camila Lopes. Trabalho, tempo livre e lazer: uma reflexão sobre o uso do tempo da população brasileira. 2010. 80 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia

de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Ponta Grossa, 2010.

A existência da vida humana está atrelada ao trabalho, tanto na estrutura da sociedade como na formação do sujeito na modernidade. O trabalho causou crises

ao longo da história, valores e categorias foram sendo alterados, exigindo nova caracterização. Assim, o trabalho teve domínio na estrutura social, até que o tempo livre e o lazer passaram a integrá-la. Esse estudo tem como objetivo analisar as

possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadores brasileiros. Para tanto, o procedimento técnico adotado para a coleta de dados foi o da pesquisa documental. O referido documento trata-se da Pesquisa Nacional por

Amostra de Domicílio, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano de 2005. A partir desse estudo, pode-se perceber a necessidade de se refletir sobre o uso do tempo, seja este livre ou destinado ao trabalho ou ao

lazer; já que o mesmo contribui de forma direta na produção e na estrutura da sociedade como um todo. Trabalho, tempo livre e lazer são interdependentes mesmo estando em esferas diferentes. Sendo assim, é imprescindível tratar o tempo como elemento estruturante da vida humana.

Palavras-chave: Trabalho. Tempo livre. Lazer. Uso do tempo.

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ABSTRACT

FERREIRA, Camila Lopes. Work, free time e leisure: a reflexion about the use of time by The Brazilian population. 2010. 80 f. Dissertation (Master in Production

Engineering) - Graduate Program in Production Engineering, Federal Technological University of Paraná. Ponta Grossa, 2010.

The existence of the human life is connected to work, as much the structure of societty as the formation of a person in the modernity. Work has caused crisis during

history, values and cathegories have been changed, demanding a new characterization. This way, work has controlled our social structure, and has reached the point that even our free time and leisure started being integrated into it. This

study has as goal to analyze the possibilities of using the time during The Brazilian workers free time. Therefore, the tecnical procedure adopted for this data collection was a documented research. The referring document is based on a nacional

research through some sample residences, developed by The Brazilian Geography and Statistic Institute, in 2005. After this study, it can be noticed the necessity of reflection about how the time is used, being it during the free time, the work time or

the leisure one, once time contributes the production and the structure of society in a direct way as a whole. Work, free time and leisure are dependable of each other even being found in different contexts. This way is essential to deal with time as a

structuring element of the human's life.

Keywords: Work. Free time. Leisure. The use of the time.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal……………..33

Gráfico 2 – Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005…………………………………46

Gráfico 3 – Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculino que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005......................47

Gráfico 4 - Número médio de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor/raça - Brasil - 2005................52

Gráfico 5 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por sexo e grupos de idade - Brasil - 2005.............55

Gráfico 6 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuida de afazeres domésticos por sexo e condição na família - Brasil - 2005.........................63

Gráfico 7 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e condição na família - Brasil - 2005.................65

Gráfico 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e tipo de família - Brasil - 2005..........................66

Gráfico 9 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de

referência da família do sexo feminino por classes de rendimento per capita por e tipo de família - Brasil - 2005......................................................................................68

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Horas médias trabalhadas por ano, em países selecionados ................. 27

Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho em países selecionados ........................... 28

Tabela 3 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados......... 28

Tabela 4 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados......... 29

Tabela 5 - Jornada média semanal dos assalariados por setor da economia – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas)............................. 32

Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ..... 48

Tabela 7 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .............................................................................................................................. 49

Tabela 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas

com 18 anos ou mais de idade por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões -2005 .............................................................................................................. 50

Tabela 9 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .................. 51

Tabela 10 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de

afazeres domésticos e número médio de horas gastas em afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ............................................ 53

Tabela 11 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que realizam afazeres domésticos e número médio de horas gastas na semana em afazeres domésticos por sexo segundo os grupos de anos de estudo - 2005 ......................... 54

Tabela 12 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade ocupadas por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .............................................................................................. 56

Tabela 13 - Número médio de horas trabalhadas das pessoas de 18 anos ou mais

de idade ocupadas por sexo e grupos de idade segundo as Grandes Regiões - 2005 ...................................................................................................................................... 57

Tabela 14 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões -2005 .............................................................................................................................. 58

Tabela 15 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 ............................................................................................................. 59

Tabela 16 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de

afazeres domésticos, total e proporção, por sexo segundo a posição na ocupação -2005 .............................................................................................................................. 60

Tabela 17 - Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade no cuidado de afazeres domésticos e média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas no trabalho principal por sexo - 2005 ................... 61

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Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que iam direto do

domicílio para o local de trabalho, total e sua respectiva distribuição por períodos de tempo de deslocamento segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005 .................. 62

Tabela 19 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos dos membros das famílias por tipo de família segundo o sexo e condição na família - 2005 ......... 64

Tabela 20 - Pessoas de referência que cuidam de afazeres domésticos por tipo de

família e número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família segundo o sexo - 2005 .............................................................. 67

Tabela 21 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família por tipo de família segundo sexo e as classes de rendimento familiar per capita - 2005.............................................................................................. 69

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LISTA DE SIGLAS

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

OIT Organização Internacional do Trabalho

PPV Pesquisa sobre Padrões de Vida

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LISTA DE ACRÔNIMOS

ICATUS International Classification of Activities on Time-Use Survey ONU Organização das Nações Unidas

PEA População Economicamente Ativa PED Pesquisa de Emprego e Desemprego PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

UNIFEM Fundo das Nações Unidas para a Mulher

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14

2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 18

2.1 O DIREITO À PREGUIÇA ............................................................................. 18

2.2 A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO .............................................. 26

2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER .... 36

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................. 44

3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005 ............................ 46

3.2 A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DESTINADO AOS AFAZERES

DOMÉSTICOS NO ÂMBITO FAMILIAR .............................................................

63

3.3 TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER ......................................................... 70

3.3.1 Trabalho ..................................................................................................... 70

3.3.2 Tempo livre e lazer ..................................................................................... 72

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 75

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 78

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1 INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho, mesmo sofrendo constantes transformações, é o

elemento fundamental e estruturante da vida das pessoas. O trabalho contribui para

a formação e a organização das sociedades, proporciona a sobrevivência do homem

e o aumento do capital, bem como conduz e estrutura as organizações e as relações

sociais.

Trabalhar é inerente à condição humana. Para garantir sua sobrevivência, o

indivíduo depende do seu labor. A estrutura da vida social é influenciada pelo

trabalho; pois, este é o componente fundamental da organização social e interfere

diretamente na utilização do tempo dos trabalhadores, fazendo-se necessária a

compreensão do mesmo.

A divisão do tempo é consequência da importância a que se atribuem certos

valores na vida. Como o trabalho, na maioria das vezes, é visto como decisivo nessa

divisão; em função do tempo de trabalho, as demais atividades acabam sendo

secundárias.

A história demonstra que, até o final do século XIII e início do século XIV,

não havia separação na utilização do tempo, pois o tempo de trabalho não era

tomado inteiramente. Vivia-se um tempo natural, balizado pelos fenômenos da

natureza (THOMPSON, 1991). A distinção entre vida e trabalho deu-se após a

Revolução Industrial, quando o trabalho tornou-se a forma de auferir a vida, mas não

tendo o significado da mesma.

O tempo de trabalho pode ser definido como aquele destinado à produção

de meios para a própria sobrevivência. Quando este não for o caso, diz-se que o

tempo é livre ou de não trabalho.

Nessa concepção, percebe-se como é fundamental o trabalho na formação

do tempo livre: o trabalho define o tempo na vida dos indivíduos, visto que trabalhar

é viver.

Antes, o trabalhador detinha o controle sobre o processo de produção e,

assim, o fazia de acordo com a sua vontade ou as exigências impostas pela

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natureza, pois até então a ideia era trabalhar para atender às necessidades básicas.

Com o advento do capitalismo, essa independência acabou e pode-se observar o

aumento abusivo da jornada de trabalho.

Em defesa do direito do trabalhador, diversas vozes ecoaram em diferentes

períodos da história. Uma dessas vozes, talvez a mais ressonante, foi a de Paul

Lafargue. Lafargue escreveu um conjunto de manifestos que, mais tarde, foram

transformados na obra O Direito à Preguiça. Na obra, ao se fazer uma análise da

sociedade da época (final do século XIX), é elaborada uma crítica refinada e

contundente ao proletariado e à ideologia do trabalho no sistema capitalista.

Lafargue conseguiu reproduzir a preguiça e o trabalho e a sua interatividade

de forma surpreendente, pois o seu manifesto foi de grande sucesso. O texto

destaca a importância da redução da jornada de trabalho, tanto para benefício dos

trabalhadores como para divisão das horas trabalhadas por todos aqueles que

precisam. Na lógica de Lafargue, a superprodução é maléfica ao próprio trabalhador,

e este deve lutar pelo direito à preguiça e pela redução da jornada de trabalho.

O capitalismo conseguiu transformar o conceito de tempo, fazendo com que

esse passasse a ser controlado pelo relógio (THOMPSON, 1991). O tempo passou a

ter uma conotação dualista: o tempo para produzir e o tempo para recuperar as

forças para retornar à produção, deixando de lado o tempo livre e o lazer. Numa

leitura marxista frankfurtiana, o tempo tornou-se meramente compensatório (LENK,

1972).

O tempo de trabalho é reflexo da luta entre as classes sociais, trabalhadores

e empregadores, em que aqueles foram obrigados a trabalhar mais para o acúmulo

do capital buscado por estes. Esse sistema instituiu a ideia de que é necessário

trabalhar para viver.

O tempo passou. A história mudou. A jornada de trabalho foi reduzida e

legalizada. Entretanto, isso não quer dizer que a reivindicação dos trabalhadores

tenha acabado, pois os mesmos continuam fazendo parte de uma sociedade que

ainda impõe as suas regras e o trabalho continua precário, em muitos casos,

prejudicando a vida do trabalhador.

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O trabalhador faz parte de uma dimensão social e busca desenvolvimento e

relacionamento pessoal como fonte de satisfação. Assim, o tempo livre e a

construção da liberdade são ideais, também, a serem conquistados (ROSSO, 1996).

Faz-se pertinente a interação entre o tempo de trabalho, o tempo livre e o

lazer, como forma de resgate do tempo, como superação do objetivo do capital e

dos efeitos do capitalismo. Assim, o tempo livre ou o direito à preguiça defendido por

Lafargue podem superar o capitalismo trazendo, ainda, aumento da produtividade

nas organizações e melhoria da qualidade de vida e do próprio trabalho.

O tempo livre, reivindicado por Lafargue, aumentou com as conquistas

trabalhistas ocorridas ao longo da história; e, ao mesmo tempo, foi apropriado pela

indústria cultural, da moda, do turismo, do esporte e do lazer, onde a busca pelo

consumo tornou-se desenfreada. Porém, para se consumir mais é necessário

trabalhar mais.

As ideias construídas por Lafargue, em essência, são corretas. Nesta

direção, compreender as transformações no tempo presente é uma necessidade.

Sendo assim, o objetivo estabelecido para o este estudo foi analisar as

possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadores

brasileiros.

Para o alcance do objetivo geral foram definidos os seguintes objetivos

específicos:

a) identificar a influência do trabalho no tempo livre dos trabalhadores

brasileiros;

b) avaliar as possibilidades temporais de lazer que são possíveis aos

trabalhadores em função de sua jornada de trabalho;

c) conhecer a forma de utilização do tempo livre da população trabalhadora

brasileira.

Para o desenvolvimento do estudo, o procedimento técnico adotado para a

coleta de dados foi o da pesquisa documental. Para tal, foi utilizada a técnica da

reelaboração de material com foco nos objetos da pesquisa.

O documento utilizado foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

(PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o qual

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pertence ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão através de um estudo

organizado por Cristiane Soares e Ana Lucia Sabóia, e publicado em 2007, no Rio

de Janeiro, através da Diretoria de Pesquisas e Coordenação de População e

Indicadores Sociais. As informações dizem respeito ao uso do tempo relacionado

aos afazeres domésticos e foram coletadas entre as pessoas de 10 anos ou mais de

idade totalizando uma amostra de 109,2 milhões de pessoas agrupadas por região,

sexo e idade.

O estudo foi desenvolvido em quatro capítulos.

O primeiro capítulo apresenta uma contextualização ampla do tema, o

objetivo geral, os objetivos específicos e a metodologia.

O segundo capítulo constitui-se do embasamento teórico necessário para o

desenvolvimento do estudo em questão. A discussão foi iniciada com o manifesto „O

direito à Preguiça‟, escrito por Paul Lafargue em 1883. O manifesto reflete as

reivindicações de lazer (preguiça, o termo usado por Lafargue tem esta conotação)

feitas pelas classes operárias nos primórdios do capitalismo. Depois, abordou-se a

questão das conquistas trabalhistas ao longo da história. Intentou-se mostrar,

considerando o aparato legal, as transformações ocorridas; e, na parte final do

capítulo, o lazer, inserido dentro do espectro do tempo livre, é tratado na perspectiva

de Elias e Dunning.

O terceiro capítulo é centrado na discussão dos dados da PNAD

desenvolvida pelo IBGE e, através dos mesmos, buscou-se chegar a um escólio

considerável, com resultados pertinentes sintetizados a partir da realidade estudada.

São apresentadas considerações a respeito da relação entre trabalho, tempo livre e

lazer, que pertencem a um abrangente campo de discussão, envolvendo todas as

classes sociais.

Na parte final do desenvolvimento é apresentada uma síntese dos

resultados encontrados e sugestões para trabalhos futuros.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O DIREITO À PREGUIÇA

Duas máquinas a vapor projetadas por James Watt, instaladas numa mina

em 1776, produziram as condições para que uma revolução se efetivasse, a

Revolução Industrial. Depois desse “momento inicial”, o mundo do trabalho foi

completamente transformado. Os processos foram continuamente aprimorados,

produzindo novas técnicas de fabricação. A produtividade aumentou com a absorção

do trabalho humano pelas máquinas.

Muitos trabalhadores rurais, despreparados para as novas formas de

trabalho, migraram para os centros urbanos com a ilusão de uma vida melhor.

Encontraram condições de trabalho e vida precárias. Passaram a residir em locais

sem condições mínimas de higiene e limpeza, a alimentação que consumiam não

atendia necessidades mínimas. Com efeito, ocorreu a proliferação de doenças e

acidentes de trabalho. Para Pilatti (2007, p. 42-43),

Outros fatores contribuíram para tornar o trabalho ainda mais impróprio: a fadiga causada pelo excesso de esforço requerido, a falta de higiene e inadequação do ambiente fabril, jornadas demasiadamente longas de trabalho. Com efeito, ocorre uma proliferação de doenças e um número elevado de acidentes.

O aparato jurídico existente, com parâmetros públicos de regulamentação das relações de trabalho, torna-se obsoleto, sendo sistematicamente derrubado. A precarização e aprofundamento da exploração do trabalhador foram consequências notórias.

A revolução do aço e da eletricidade, ocorrida entre 1860 a 1914, configurou

a segunda etapa da Revolução Industrial. Nesta etapa, a substituição da máquina a

vapor pelo motor a explosão e a adoção da eletricidade como força propulsora

possibilitaram a sofisticação dos processos existentes. A especialização do trabalho

foi ampliada. Em paralelo, os trabalhadores passaram, de forma mais organizada, a

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lutar por melhores condições de trabalho e vida. Surgem entidades representativas

engajadas nas lutas da classe proletária (CARVALHO, 2004). Ainda que avanços

nas condições de vida dos trabalhadores tenham sido registrados, a situação lhes

era muito semelhante às existentes na etapa anterior da Revolução Industrial.

Surge neste momento uma voz que ecoou fortemente na defesa deste

trabalhador colocado em condições precárias e explorado: Paul Lafargue.

Lafargue nasceu em 1842 na província cubana de Santiago de Cuba. Antes

de completar dez anos foi levado para a França, onde concluiu os estudos

secundários e, posteriormente, formou-se em medicina. No Quartier Latin, seu

ambiente de estudos, teve contato com as ideologias positivistas, materialistas e do

socialismo, de fonte proudhoniano e posteriormente marxista. Em 1865 encontrou

Marx, conhecendo sua filha com quem três anos mais tarde veio a se casar. Do

casamento nasceram três filhos, todos precocemente falecidos.

Desgostoso com a medicina, Lafargue envereda para outros setores, entre

eles e sobretudo, profissionalmente, a política revolucionária. Ativista da

Internacional Socialista, Lafargue foi várias vezes preso. O folheto que gerou sua

mais conhecida obra, O direito à preguiça, publicado entre 16 de junho e 4 de agosto

de 1880 no Jornal L‟Égalité , foi terminado no cárcere de Sainte-Pélagie.

No final de 1911, Lafargue e Laura, sua esposa, após um dia aparentemente

normal, desgostosos com a velhice, suicidaram-se durante a noite. De Masi (2001,

p. 28), ao comentar sobre a carta deixada para explicar o ato, expõe que:

Muito se discutiu sobre a natureza desse gesto, que sempre me pareceu evidente e sobre cujo significado a última carta não deixa dúvidas: diante da necessidade de renunciar ao ócio, diante da perspectiva de se tornar um peso para os demais, privando-os de seu próprio ócio, Lafargue escolhe a via ociosa de ir embora de fininho, junto com a linda companheira a quem sempre amou.

Outra obra de Lafargue, La réligion du capital (A religião do capital), escrito

sete anos depois de sua obra mais notória, também ecoou entre o público de

esquerda ganhando notoriedade.

Defendendo o direito à preguiça como uma espécie de equilíbrio existencial,

Lafargue não é contrário ao trabalho. A leitura de O direito à preguiça revela, de

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forma sútil, um autor que vê no trabalho algo necessário e que até melhora à

preguiça. É importante ressaltar que o entendimento de preguiça proposto por

Lafargue tem aderência a conceitos contemporâneos como os de lazer e prazer. As

aproximações são evidentes.

Lafargue objetivou reorganizar a classe operária. Para tanto, acreditava que

a luta de classes era o motor da história. Para alcançar seu intento buscou

conscientização da necessidade de uma ação revolucionária. Aliou-se a Marx e

Engels nessa luta, os quais diziam serem operários revolucionários franceses.

O manifesto escrito de forma direta baseia-se em quatro marcos temporais:

a) O movimento insurrecional popular de 1848, no qual a derrota causou a

restauração da monarquia e no Segundo Império de Napoleão;

b) 1871 com a Comuna de Paris e do nascimento da Terceira República

francesa;

c) o Congresso de Haia ocorrido em 1872, onde as lutas entre Marx e

Bakunin levaram à morte a Primeira Internacional;

d) Congresso imortal de Marselha ocorrido em 1879, no qual é proposta a

criação de um partido socialista revolucionário da classe operária.

O intuito de Lafargue no manifesto era atacar a classe burguesa e os

cristãos, os quais santificavam o trabalho. Lafargue enaltecia a preguiça,

descaracterizando-o da forma de um pecado capital. Mesmo declarando-se não

cristão, fazia analogia à conduta de Deus, colocando que Este deu aos seus

seguidores o exemplo da preguiça total: após seis dias de trabalho, descansou.

O cenário que serviu de pano de fundo para os escritos de Lafargue era

absolutamente precário. As condições de trabalho inumanas e desiguais. De Masi

(2001, p. 29-30) faz a seguinte análise:

Na época em que Lafargue escrevia seus artigos sobre o ócio, a divisão do trabalho na Inglaterra era mais ou menos a que fora levantada pelo recenseamento de 1861: uma população total de 20 milhões, dentre a qual 1.098.000 trabalhadores agrícolas e 1.600.000 operários têxteis, metalúrgicos e siderúrgicos.

Os privilegiados (aristocratas, grandes herdeiros, empresários) tinham ao seu serviço direto ou indireto 1.200.000 indivíduos, entre os quais mordomos, garçons, cocheiros, pajens, uma multidão imponente e variada

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de pessoal dedicada “exclusivamente a satisfazer os gostos dispendiosos e fúteis das classes ricas”: bordadeiras, rendeiras, estilistas, decoradores, cabeleireiros e esteticistas de todos os tipos. A estes somavam-se militares, policiais e magistrados, “burocratas mantidos no ócio da improdutividades atarefada”.

Seguindo a linha de raciocínio proposta por Lafargue, as classes proletárias

viviam em um mundo inumano de servidão para manter os privilégios de uma

minoria crescente que passou a ganhar dinheiro e reivindicar o lazer como com

condição para manutenção de seu status. Dois autores notórios, Thorstein Bunde

Veblen em A teoria da classe ociosa e Eric J. Hobsbawm em A era dos impérios, de

forma aprofundada mostram como as classes superiores tornaram-se

crescentemente improdutivas. A improdutividade era, inclusive, uma condição de

pertencimento de classe.

Para De Masi (2001, p. 30), a divisão de classes era notória,

[...] de um lado havia a classe dos operários, cada vez mais imprensados pelos ritmos da produção industrial, dilacerados na própria carne e com os nervos arrebentados, obrigados ao “papel de máquinas fornecedoras de trabalho sem trégua nem remissão”, intelectualmente degradados e fisicamente deformados pelo esforço e abstinência a eles impostos. De outro lado estava a classe dos capitalistas “condenados ao ócio e ao prazer forçado, à improdutividade e ao superconsumo”. No meio havia a estupidez astuta dos mexeriqueiros encarregados do desperdício vistoso dos ricos.

O cenário perspectivado por De Masi é esmiuçado nos escritos de Chaui.

Para a autora, particularmente nos anos 70 e 80 do século dezenove, fruto da longa

crise econômica francesa, a situação de exploração do proletariado atingia limites

intoleráveis, apontando para necessidade de mudanças urgentes. Para Chaui (2000,

p. 23),

A baixa dos salários, o aumento do custo de vida, a jornada de doze horas, a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o deslocamento ou fechamento de fábricas, as greves locais ou parciais reprimidas pelas forças da ordem com derramamento de sangue, e as guerras coloniais para conquista de novos mercados, evidenciavam que era a hora a vez de a classe operária agir revolucionariamente.

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Não obstante, como denuncia Lafarge, o proletariado permanecia preso nas

amarras montadas pelo patronato, tendo a cumplicidade de padres, economistas e

moralistas que discursavam aos trabalhadores com o intuito da manutenção da

frugalidade, a ausência de inquietação e a “paixão funesta pelo trabalho”, levada ao

limite da capacidade física do indivíduo. Para De Masi (2001, p. 30-31),

[...] Enquanto os ricos custodiavam zelosamente o próprio direito ao ócio, os pobres, estupidamente, exigiam o direito ao trabalho: uma tortura de quinze horas por dia na atmosfera insalubre das oficinas, precedidas e seguidas por longas horas de um penoso deslocamento e pelo breve repouso em míseros casebres.

Lafargue (2000) não aceitava como os proletários, apesar das condições

inumanas a que eram submetidos, deixavam-se dominar pelo dogma do trabalho e

como este se tornou uma paixão. Daí justifica-se a escolha pelo termo preguiça,

uma crítica materialista ao trabalho assalariado ou ao trabalho alienado. O objetivo

de O direito à preguiça não era outro que o de conscientizar o proletariado das

causas e das formas de trabalho na economia capitalista.

Inicialmente, Lafargue pensou em intitular seu manifesto como direito ao

lazer ou direito ao ócio, mas optou pela preguiça; sendo proposto como direito um

pecado capital. Esse manifesto é contra o louvor ao trabalho quando este é alienado

e não distribui os seus benefícios, apenas fortalece a divisão entre as classes e

aprisiona os trabalhadores. Adicionalmente, busca outra forma de trabalho e outro

sistema de troca, onde o lucro possa ser dividido entre as classes e a jornada de

trabalho reduzida.

Nem mesmo a automação que livrou o trabalhador de seu fardo mecânico

possibilitou a recuperação do seu tempo livre. O exemplo utilizado por Lafargue para

evidenciar sua indignação é o labor de uma operária ao tear. Enquanto com o fuso

uma tecelã não produz mais que cinco malhas por minuto, alguns teares circulares

produziam até 30 mil neste tempo. Neste exemplo, a tecelã levaria

aproximadamente 100 horas para alcançar a produção de um minuto da máquina.

A indignação reside no fato de que a mecanização existente no final do

século XIX não serviu para a redução drástica da jornada de trabalho e, por

extensão, o aumento do ócio. Pelo contrário, a aprimoramento do maquinário foi

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acompanhado de um prolongamento “injustificado” do labor (uma estranha loucura).

Para Lafargue (2000), o trabalho só será benéfico ao trabalhador e lhe proporcionará

prazer quando for regulamentado e limitado em três horas diárias. Neste ideário, o

autor (2000, p. 71-72) infere que:

É dizer que os filhos dos heróis do Terror se deixaram degradar pela religião do trabalho a ponto de aceitar, após 1848, como uma conquista revolucionária, a lei que limitava a doze horas o trabalho nas fábricas; eles proclamavam, como sendo um princípio revolucionário, o direito ao trabalho. Envergonhe-se o proletariado francês! Somente escravos seriam capazes de tamanha baixeza! [...] E se as dores do trabalho forçado, se as torturas da fome se abaterem sobre o proletariado em número maior que os gafanhotos da Bíblia, foi ele que as invocou. O trabalho que, em junho de 1848, os operários exigiam, armas nas mãos, foi por eles imposto a suas famílias; entregaram, aos barões da indústria, suas mulheres e seus filhos. Com suas próprias mãos demoliram seus lares; com suas próprias mãos, secaram o leite de suas mulheres; as infelizes, grávidas que amamentavam seus filhos, tiveram de ir para as minas e manufaturas curvar a espinha e esgotar os nervos; com suas próprias mãos, estragaram a vida e o vigor de seus filhos. Envergonhem-se os proletários!

Como se pode perceber, os escritos Lafargue são elaborados com requinte

através dos instrumentos da retórica, a qual quando seguida suas regras, compõem

um texto perfeito, como é o caso. Além desta, a oralidade também se faz presente e,

esse conjunto, é capaz de comover e persuadir.

Esse manifesto vai além. Seu discurso pode ser comparado a uma violenta

paródia dos sermões religiosos, pois começa com a religião do trabalho (substituindo

a leitura do evangelho) e termina com uma oração (através de uma invocação à

Deusa Preguiça).

Mesmo o tema sendo o elogio à preguiça, como condição para o

desenvolvimento físico, psíquico e político do proletariado, Lafargue (2000) tem

como pressuposto principal o significado do trabalho no modo de produção

capitalista, isto é, a divisão social do trabalho e a luta de classes.

O pioneirismo do trabalho de Lafargue está no idear de que a libração do

trabalhador não se produz com o desaparecimento do capital e dos capitalistas, mas

com a permissão de livrar-se de sua alma, que é o princípio redobrado de sua

sujeição (MATOS, 2003). Suas ideias são inspiradas em Marx, seja através dos

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„Manuscritos Econômicos de 1844‟ sobre o trabalho alienado e n„O Capital‟ sobre a

análise do trabalho assalariado.

Vale ressaltar que Marx e Lafargue apontam o trabalho como uma dimensão

da vida que pode revelar o homem, pois através deste pode-se dominar as forças da

natureza, satisfazer as necessidades básicas e exteriorizar a capacidade imaginativa

e criadora.

Nesta linha de raciocínio, o trabalho alienado pode ser definido como aquele

onde o trabalhador não se reconhece como um produtor, sendo desconsideradas as

suas aptidões e habilidades, assim como suas necessidades e pretensões. Para

elucidar essa questão, o trabalhador pertencente a uma classe social – o

proletariado – para sobreviver, trabalha para outra classe social – a burguesia –

vendendo sua força de trabalho ao mercado. Isso é alienação, a força de trabalho

torna-se uma mercadoria destinada a fabricar novas mercadorias.

Além disso, o preço pago por esse trabalho realizado é muito baixo e, desta

forma, os trabalhadores empobrecem à medida que produzem riquezas. Não só

isso. Os produtos fabricados pelo trabalhador, muitas vezes, não estão dentro do

seu padrão de consumo. Assim, os trabalhadores são condenados à abstinência dos

bens que produzem (LAFARGUE, 2000). Chauí (2000, p. 36-37) acrescenta que:

[...] como os preços dos produtos seguem as leis de mercado impostas pelos capitalistas e como os trabalhadores precisam de muitos desses produtos para sobreviver, passam a aceitar as piores condições de trabalho, os piores salários, a pobreza, a miséria, a fome, o frio, a doença para terem o direito ao trabalho, com o que terão salário para comprar o mínimo daquilo que eles mesmos produziram.

O embasamento de todo o manifesto dá-se através do trabalho alienado e

do trabalho assalariado. Nos panfletos é mostrado que os trabalhadores que

produzem o capital com a superprodução, ao invés de usar racionalmente as

máquinas, reduzindo a jornada diária de trabalho (pelos seus cálculos, a

necessidade seria de três horas) e o ano produtivo seria de seis meses.

Se essa realidade está longe de acontecer, é porque os trabalhadores se

deixaram sobrepujar pela religião do trabalho, acreditando ser este sacrossanto e

fonte de virtude; quando, na verdade, é a causa da miséria, a qual cresce na

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proporção do capital por esta produzido. O Direito à Preguiça tem duas linhas de

raciocínio:

a) a primeira, coloca o trabalho como um vício e a preguiça como a mãe

das virtudes;

b) a segunda, como não é possível acabar com o trabalho assalariado,

Lafargue propõe a redução da jornada diária de trabalho.

Isso para que os trabalhadores possam praticar “as virtudes da preguiça”

e/ou “o prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas, danças,

música, sexo, ocupação com as crianças, lazer e descanso) e o tempo para pensar

e fruir da cultura, das ciências e das artes.” (CHAUÍ, 2000, p. 45).

Lafargue retorna no tempo expondo que, na Antiguidade, o trabalho era

desprezado e o ócio valorizado. Em sua obra, encontram-se as ideias defendidas

por Aristóteles, que acreditava que as máquinas poderiam substituir o trabalho

humano e não mais haveria necessidade de escravos. Pode-se dizer que essas

ideias tornaram-se parcialmente verdadeiras, pois a máquina substituiu a força do

trabalho, mas a libertação do homem não ocorreu.

Para que isso tivesse acontecido, infere Lafargue (2000), os trabalhadores

precisariam ter seguido as afirmações apresentadas no manifesto; entretanto, o

teste do tempo mostrou que a luta pelo direito ao trabalho continuou, através de

reivindicações por uma jornada de oito horas diárias, por um salário mínimo, por

férias, aposentadoria e, até, seguro desemprego.

O mundo do trabalho passou a ser administrado através da organização

científica, que manteve o controle do trabalhador. O tempo livre reivindicado por

Lafargue para às virtudes da preguiça, em alguma medida, aumentou com as

conquistas auferidas no curso da história. As formas de apropriação deste tempo

foram sofisticadas e parcialmente apropriadas pela indústria cultural, da moda, do

turismo, do esporte e do lazer.

Para Lafargue, a entrega dos trabalhadores, ingênua e impetuosamente, ao

vício do trabalho, gerou uma produção que transcendeu as necessidades,

produzindo uma crise, a crise da superprodução.

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A burguesia, ao mesmo tempo que perdeu muito pouco com as conquistas

trabalhistas adquiridas no curso longo da história, ganhou e muito com invisibilidade

conquistada em relação a dominação de classe e a exploração. O trabalhador

continuou com o livre arbítrio de vender seu trabalho, e esta característica

despersonaliza a exploração antes notória.

2.2 A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

No decorrer da história, a jornada de trabalho aumentou consideravelmente,

chegando ao limite da capacidade do trabalhador com a Revolução Industrial e a

consolidação do regime capitalista.

Maior tempo livre é uma reivindicação feita há muitos e muitos anos; a luta

pela redução da jornada de trabalho teve sua primeira manifestação notória em

1866, através do Conselho Internacional dos Trabalhadores em Genebra.

Marx (1983, p. 211), na obra O Capital, defende de maneira veemente a

redução da jornada, apontando que:

Em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais trabalho, o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Reduz o sono saudável para concentração, renovação e restauração da força vital e tantas horas de torpor quanto a reanimação de um organismo absolutamente esgotado torna indispensável [...]

A partir de reivindicações como estaS, é que conquistas foram acontecendo.

Economizar tempo de trabalho é aumentar o tempo livre, isto é, o tempo que serve ao desenvolvimento completo do indivíduo. O tempo livre para a distração [...] transformará naturalmente quem dele tira proveito em um indivíduo diferente [...] (MARX, apud DUMAZEDIER, 1994, p. 47).

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Desde o capitalismo (ou antes disso), a reivindicação pela diminuição do

tempo de trabalho foi uma constante nas reivindicações trabalhistas. Para Guedj e

Vindt (1997, p. 14):

[...] um fato marcante na história do tempo de trabalho é, sem dúvida, a formidável resistência à sua redução, começando pelo patronato. Entre as razões disso destacam-se: a busca do lucro máximo; a necessidade de isolar os assalariados (antigos artesãos ou camponeses) de seu meio de origem e de lhes impedir uma atividade e, portanto, um rendimento complementar; a desconfiança sobre como os trabalhadores utilizariam o tempo livre; e a oposição, por princípio, à intervenção do Estado no que se considera ser assunto privado.

Através de greves, rebeliões e reivindicações, os trabalhadores, aos poucos,

foram conquistando o seu espaço perante seus patrões e objetivos foram sendo

alcançados.

Segundo Turino (2005), a primeira limitação da jornada de trabalho

aconteceu na Inglaterra em 1802 sendo estabelecido o limite máximo de 12 horas

diárias. Já na França, essa mesma limitação aconteceu na primeira metade do

século XIX. Em 1947, na Inglaterra a jornada máxima foi reduzida para 10 horas

diárias. Somente em 1919, depois de muita reivindicação junto a sindicatos e

discussões entre patrões e empregados, através da Convenção número 1 da OIT é

que ficou estabelecida a jornada semanal de 48 horas.

Para melhor contextualização, seguem as tabelas na sequência:

Tabela 1 – Horas médias trabalhadas por ano, em países selecionados

País

Ano

1870 1913 1938 1950 1970 1979

Alemanha 2.941 2.584 2.316 2.316 1.907 1.719

Austrália 2.945 2.588 2.110 1.838 1.755 1.619

Áustria 2.935 2.580 2.312 1.976 1.848 1.660

Bélgica 2.964 2.605 2.267 2.283 1.986 1.747

Canadá 2.964 2.605 2.240 1.967 1.805 1.730

EUA 2.964 2.605 2.062 1.867 1.707 1.607

França 2.945 2.588 1.848 1.989 1.888 1.727

Holanda 2.964 2.605 2.244 2.208 1.910 1.679

Itália 2.886 2.536 1.927 1.997 1.768 1.566 (a)

Japão 2.945 2.588 2.391 2.272 2.252 2.129

R. Unido 2.984 2.624 2.267 1.958 1.735 1.617

Suécia 2.945 2.588 2.204 1.951 1.660 1.451

Fonte: Adaptada de Bosch, Dawkins e Michon (1994, p. 8 apud DIEESE, 2010).

Nota: (a) refere-se ao ano de 1978.

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Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho em países selecionados

País

Ano

1979 1983 1989 1992 1994 1998

Austrália (a) 35,5 34,6 33,1 33,0 33,2 ---

Alemanha (b) 41,9 40,5 40,1 39,0 38,3 ---

Canadá (b) --- 32,4 31,7 30,5 30,6 (c) --- Chile (a) --- 42,4 44,3 44,7 45,3 43,9

Coréia (a) 50,5 52,5 49,2 47,5 --- ---

Espanha (a) 41,9 39,1 37,4 36,8 36,8 36,7

EUA (b) 35,7 35,0 34,6 34,4 34,7 34,6

França (a) 41,2 39,3 39,1 39,0 38,9 ---

Israel (a) 36,6 35,3 36,1 36,7 37,4 ---

Japão (a) 47,3 47,4 46,9 44,4 43,5 42,5

Noruega (a) 36,4 35,6 35,7 34,9 35,0 ---

Reino Unido (b)(d) --- 42,4 40,7 40,0 40,1 40,2

Suécia (a) 35,7 35,7 37,5 37,2 36,4 ---

Fonte: OIT, Anuario de Estadísticas del Trabajo (1986, 1995 e 1999, apud DIEESE, 2010). Notas: (a) horas trabalhadas; (b) horas remuneradas; (c) em 1993; (d) exceto Irlanda do Norte.

Para detalhar ainda mais a contextualização, segue tabela referenciando

somente a jornada de trabalho na indústria:

Tabela 3 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados

País

Ano

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Alemanha (a)(b) 38,9 37,6 38,0 38,3 37,4 37,4 37,5

Argentina (c)(d)(e) 43,7 44,0 44,0 45,1 (f) 46,3 46,5 46,7 (g)

Brasil (São Paulo) (h) 42,0 43,0 43,0 43,0 43,0 43,0 42,0

Canadá (a) 38,3 38,3 38,9 38,5 38,4 39,3 38,6

Espanha (c)(i) 36,3 36,2 36,5 36,7 37,1 37,1 37,1

Chile (c)(j) 43,6 43,6 44,6 44,1 44,9 44,2 43,7

Estados Unidos (a) 41,0 41,4 42,0 41,6 41,6 42,0 41,7

Japão (c) 43,8 43,0 43,0 43,5 43,3 42,7 42,5

México (c) ND 45,0 ND 45,4 45,5 46,4 46,0

Reino Unido (a) 41,5 41,3 41,6 42,1 41,9 42,0 41,8

Singapura (a) 48,7 49,2 49,3 49,3 49,4 49,5 48,4

Suíça (c) 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4

Fonte: OIT, Anuário de Estatisticas del trabajo (apud DIEESE, 2010). Notas: (a) Horas remuneradas; (b) Dados referem-se à República Federal da Alemanha antes da unificação; (c) Horas efetivamente trabalhadas; (d) Dados de Buenos Aires; (e) Ocupação principal, exclui horas extras; (f) Dados da Grande Buenos Aires; (g) Dados de Maio de 1998; (h) Dados da região metropolitana de São Paulo; (i) Pessoas com 16 anos ou mais; (j) Pessoas com 15 anos ou mais. Obs.: Horas efetivamente trabalhadas, incluindo horas extras.

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Com o passar dos anos, a jornada de trabalho realmente reduziu,

principalmente quando se analisa anos como 1870 ou 1913. As reivindicações feitas

pelos trabalhadores foram ganhando seu espaço através das conquistas.

Apontando anos mais recentes, tem-se:

Tabela 4 – Horas de trabalho semanais na indústria em países selecionados

País

Ano

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Alemanha (a) 37,5 37,9 37,8 37,6 37,7 37,6 37,6 37,6

Argentina (b)(c)(d) 45,8 45,4 44,6 42,6 42,8 42,8 44,6 ND

Brasil (e) 43,0 44,0 43,0 44,0 44,0 43,0 43,0 43,0

Canadá (f)(g) 38,9 38,9 39,0 39,1 38,9 38,6 38,4 39,6

Espanha (h) 36,3 36,1 36,3 36,0 36,0 35,8 36,2 35,3

Chile (o) 43,2 (i) 43,6 (i) 43,6 44,1 43,3 (i) 43,0 ND ND

Estados Unidos (j) 41,4 41,3 40,3 40,5 40,4 40,8 40,7 41,1

Japão 42,7 43,7 42,8 43,1 43,1 43,5 43,5 43,2

México (k) 46,4 45,5 45,0 46,1 45,3 45,8 ND ND

Reino Unido (g)(l)(m) 41,4 41,4 ND ND ND ND ND 40,7

Singapura (n)(q) 49,2 49,8 48,6 48,9 49,0 49,8 50,2 ND

Suíça (o)(p) 41,3 41,3 41,2 41,2 41,2 41,2 41,2 ND

Fonte: Anuário dos trabalhadores (apud DIEESE, 2010). Notas: (a) Assalariados; (b) Aglomerados urbanos; (c) Pessoas com 10 anos ou mais; (d) Dados do 2º. Semestre de cada ano; (e) Dados da Região Metropolitana de São Paulo; (f) Assalariados remunerados por hora; (g) Inclui as horas extras; (h) Pessoas de 16 anos ou mais; (i) Pessoas com 15 anos ou mais; (j) Setor privado; (k) Pessoas no emprego principal e trabalhando; (l) Abril, exclui Irlanda do Norte; (m) Assalariados em tempo integral pagos sobre a base de taxas de salários para adultos; (n) Setembro de cada ano; (o) Somente assalariados em tempo integral; (p) Duração normal de trabalho; (q) Empresas com 25 ou mais trabalhadores.

A partir das últimas décadas do século XX, os estudos voltados ao tempo de

trabalho cresceram e muito, principalmente em função das mudanças ocorridas no

ambiente produtivo. Enquanto a economia multiplicou-se por vinte, entre os séculos

XIX e XX, a redução do tempo de trabalho deu-se somente em 40% (muito pouco

em função do aumento exorbitante da produtividade) conforme afirma Turino (2005).

Essa questão deixou de ser tema de reivindicação entre os trabalhadores,

pois passou a ser decidida em nível de Estado, e não mais uma decisão de patrões.

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30

O tempo de trabalho acaba recebendo uma atenção maior do que o tempo

livre, sendo ainda questão tida como referência sindical, legislativa e social, ainda

mais que acaba por influenciar os modos de vida da sociedade. Por exemplo, a

adoção do banco de horas na maioria das organizações pode gerar um maior tempo

de férias ou finais de semana prolongados (três dias), o que acaba por impactar

diretamente no tempo livre dos trabalhadores. (TURINO, 2005).

Por outro lado, essa redução da jornada de trabalho pode acarretar uma

disponibilidade aparente, pois existem aqueles casos em que o trabalhador não está

na empresa, mas precisa estar à sua disposição para qualquer necessidade,

fazendo com que o seu tempo livre não seja tão livre assim, pois esta expectativa

acaba influenciando na decisão do que fazer.

A utilização do aparelho celular e a internet também têm causado impacto

relevante na vida dos trabalhadores, principalmente aqueles vinculados a grandes

empresas, pois acabam estando disponíveis vinte e quatro horas em caso de

necessidade, independentemente do que estejam fazendo no seu tempo (o qual

seria livre).

Segundo estudos realizados por Guedj e Vindt (1997), existem três fases na

evolução do tempo de trabalho, a saber:

a) com o começo da industrialização, a jornada de trabalho aumentou

consideravelmente, atingindo-se quinze horas diárias, seis dias por

semana;

b) após a consolidação da industrialização (o que aconteceu emc

momentos diferentes em cada país: por exemplo, na Inglaterra em

meados do século XIX e, no Brasil, em meados do século XX), a

jornada de trabalho começou a ser diminuída. A princípio, o trabalho

aos sábados foi reduzido em metade e o mesmo passou a ser

controlado para evitar a superexploração (inclusive do trabalho infantil);

c) no final do século XIX, na Europa, a redução da jornada foi bastante

acentuada, mas somente, para trabalhadores de grandes empresas.

Após a Primeira Guerra Mundial, a consolidação do controle da jornada

de trabalho deu-se através de uma legislação própria. No Brasil, essa

legislação somente foi instituída em 1943, através da CLT.

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31

Essa busca pelo sentido do tempo de trabalho e tempo livre é muito antiga.

Aristóteles (1999, p. 177), há mais de dois mil anos, já pensava nisso:

Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social [...] somente poderá efetivar-se por meio da demolição das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para além da visão hierárquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade.

Ainda:

Uma sociabilidade tecida por indivíduos (homens e mulheres) sociais e livremente associada, na qual a ética, arte, filosofia, tempo verdadeiramente livre e ócio [...] possibilitem as condições para a efetivação da identidade entre indivíduo e gênero humano, na multilateralidade de suas dimensões. Em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho torna-se dotado de sentido, será também (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, da pintura, da literatura, da música, do tempo livre, do ócio, que o ser social poderá humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo.

A busca pela defesa de um tempo livre que tenha condições de atender às

necessidades do trabalhador é para contrapor, tirar o sentido da vida do homem,

seja através de sua alienação ou, até mesmo, pela invasão de seu tempo livre.

O tempo livre acaba por influenciar o tempo de trabalho, transformando-o,

por meio de comportamentos ou atitudes, podendo fazer deste fonte de realização e

satisfação.

A redução da jornada de trabalho por si só já traz consigo consequências

benéficas a população como um todo. Um caso dessa comprovação aconteceu na

França, a qual em 1998 reduziu a jornada de trabalho para 35 horas semanais. Até

então, apresentava o segundo maior índice de desemprego da Comunidade

Européia (12,5% em 1996); depois de dois anos, reduziu para 9,5% da População

Economicamente Ativa (PEA). Em 2000, criou 500 mil novos postos de trabalho.

Isso gerou ganhos para o governo, patrões e trabalhadores, além das margens do

Sena ganharem mais encontros de namorados e pessoas lendo ao sol. (TURINO,

2005).

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32

Também, o déficit público diminuiu o que fez com que a capacidade de

investimento do Estado aumentasse (o que permitiu uma redução nos impostos).

Houve o acréscimo de dias livres no ano (entre onze e dezesseis dias para cada

trabalhador assalariado francês) o que causou um expressivo aumento nas vendas e

em atividades voltadas ao lazer. Aumentou também a venda de livros e a ida a

cafés; o que diminuiu foi a tensão social e a violência urbana. (TURINO, 2005).

No Brasil, a regulamentação sobre a jornada de trabalho faz parte da Lei n.

9601 de 1998. A mesma foi escrita com o intuito de evitar demissões, instituindo

uma liberdade de flexibilização, para atender aos interesses de patrões e

trabalhadores.

Essa possibilidade de flexibilização é aparente, pois a empresa acaba se

apropriando do tempo livre de seus trabalhadores em função da disponibilidade que

os mesmos mantêm.

A tabela 5 pode comprovar essa situação, pois mesmo sendo

regulamentada uma jornada de trabalho máxima de 44 horas/semana, a realidade

apresenta-se de forma divergente:

Tabela 5 - Jornada média semanal dos assalariados por setor da economia Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas)

Regiões Metropolitanas

Indústria Comércio Serviços (a)

2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007

São Paulo 44 43 43 43 47 47 46 46 42 42 42 42

Porto Alegre 44 44 43 44 46 46 46 46 41 41 41 41

Belo Horizonte 42 42 41 42 45 44 44 44 38 39 38 38

Salvador 44 44 44 44 47 47 47 47 39 40 40 40

Recife 47 47 47 47 50 50 50 50 42 43 42 42

Distrito Federal (b) 45 44 44 43 48 47 47 47 40 40 40 40

Fonte: DIEESE, Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), (2010). Nota: (a) Exclui serviços domésticos; (b) A série histórica do Distrito Federal foi revisada de forma a compatibilizar o indicador de setor de atividade econômica com o das demais PEDs. Observação: (1) A média de horas trabalhadas exclui os que não trabalharam na semana; (2) A média semanal de horas trabalhadas é resultado das médias semanais durante o ano.

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33

A mesma realidade em São Paulo:

Gráfico 1 – Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal Região Metropolitana de São Paulo 1985-2007 (em %) Fonte: DIEESE (2010). Observação: (1) A partir de novembro de 1988, a jornada legal considerada passa de 48

para 44 horas semanais; (2) Exclusive os assalariados que não trabalharam na semana.

“No lugar de o trabalhador ganhar tempo para si próprio, o que acontece é

um aumento do controle e da submissão dele à lógica da produção”. (TURINO,

2005, p. 77). Isso fez com que o trabalhador se tornasse escravo do sistema

capitalista, além de aceitar um trabalho alienado, acaba por fazer parte da sociedade

do consumo. Em razão disso, trabalha cada vez mais.

Dal Rosso (apud TURINO, 2005, p. 43) confirma essa ideia dizendo:

[...] acrescida de inumeráveis horas extras, coloca o Brasil no restrito grupo das jornadas mais longas [e que] a política de redução da jornada continua na agenda social pelas duas razões históricas que sempre a sustentaram: trabalhar menos é importante por criar espaços de não-trabalho, nos quais os atores sociais podem definir seus interesses e lutar por projetos sociais com significado; e lutar pela diminuição do tempo de trabalho é também procurar construir uma sociedade compartilhada com mais justiça e igualdade, em que o trabalho, que é fonte do rendimento e dos direitos, seja

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34

acessível a todos e não elemento da exploração sobre o homem, mas como elemento de auto-realização.

A redução da jornada de trabalho possibilita uma vida fora do ambiente de

trabalho criando novos postos de serviço e aumenta a demanda por lazer; além, é

claro, de minimizar o desemprego. Essa minimização acontecendo, a capacidade de

consumo aumenta e os gastos com seguridade social podem ficar menores (seja

através de maior arrecadação ou menos salário-desemprego).

Questões como essa podem acabar por influenciar até mesmo no déficit

público, o qual se for reduzido, pode fazer com que o governo consiga, também,

uma redução nos juros. Turino (2005, p. 86) afirma:

Com juros menores, sobram recursos para o país investir mais na atividade produtiva; com mais investimento, a economia cresce; com crescimento econômico, os lucros podem aumentar, mesmo que em termos relativos haja melhor distribuição dos ganhos entre o capital e o trabalho.

Os trabalhadores, estando empregados e com um maior tempo livre,

consequentemente, terão um tempo maior para destinar ao lazer, o que aumentaria

os gastos com o mesmo; portanto é um mercado com grandes chances de

crescimento, em função, principalmente, de que a satisfação das pessoas é

ilimitada, não existe um limite. Atividades como um cinema, uma viagem ou uma

festa têm efeito diferente de uma compra de bens materiais.

As necessidades de consumo podem ser as mais variadas e as atividades

voltadas ao lazer têm uma capacidade de inovação permanente.

Ao analisar de forma mais específica algumas atividades, pode-se dizer que

a redução da jornada de trabalho só traria consequências benéficas a todo o tipo de

trabalhador. Nas indústrias, com a redução do tempo de trabalho, o trabalhador

poderia ter sua força (seja física ou intelectual) recomposta de forma mais rápida, o

que proporcionaria uma maior capacidade de produção e aumentaria a

produtividade da empresa como um todo. No serviço público, a mesma coisa. Na

saúde, a jornada tem horário diferenciado, mas em virtude dos baixos salários, as

pessoas acabam tendo mais de um emprego. Quantos médicos fazem plantão de 24

horas seguidas... Quando se trata da educação, a situação não é diferente,

Page 37: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

35

professores têm dois ou três empregos para conseguir satisfazer suas

necessidades.

A redução da jornada de trabalho, além de fazer com que as pessoas

tivessem um maior tempo livre, poderiam ser beneficiadas com uma melhor

qualidade de vida, não só no trabalho. Ainda, pode ser significativa no futuro através

da ampliação do tempo livre para se ter uma emancipação social, ao invés de

pessoas desempregadas e com tempo livre forçado.

As empresas atualmente buscam distribuir o trabalho aproveitando o

máximo do tempo à disposição dos empregados. O modelo da Administração

defendido por Taylor e Ford já visava acabar com os tempos „mortos‟ de uma

jornada.

Os modelos de gestão visam o melhor aproveitamento do tempo, muitas

vezes, convertendo o tempo de descanso em tempo de trabalho efetivo. O momento

da globalização faz diferença de um país para o outro, afetando o tempo de trabalho

dos mesmos.

Por exemplo, há países ricos com jornadas de trabalho entre trinta e trinta e

nove horas por semana (Europa e América do Norte). Há países ricos com jornadas

semanais de quarenta e quatro horas (Japão). Existem países pobres, como o

Brasil, que têm jornadas ainda maiores. Existem países pobre que trabalham com

jornadas muito inferiores pois não têm demanda para jornadas maiores. (ROSSO,

1996).

Embora a redução da jornada seja uma tendência, nem sempre acontece na

maioria dos países. No final do século XX, causas como o crescimento econômico

nos países pobres (Chile e Paraguai) e a crise econômica (Suécia, Israel e Austrália)

aumentam as jornadas de trabalho. (ROSSO, 1996).

A relação entre tempo e trabalho é uma práxis social bastante complexa.

Page 38: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

36

2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER

Três conceitos são chaves para o desenvolvimento desta pesquisa. São

eles: trabalho, tempo livre e lazer. O primeiro conceito será compreendido na

perspectiva de Norbert Elias e Eric Duning como um tempo que está fora do

espectro do tempo livre. Neste sentido, a compreensão do espectro livre permitirá

sua construção em oposição.

Para tempo livre, um segundo conceito se torna necessário. Conceito de

tempo disponível. Para tal, será utilizada a distinção proposta por Gebara (1994)

construída dentro de uma tradição marxista ortodóxica.

Gebara (1994) compreende o tempo livre como sendo um tempo individual e

o tempo disponível como um tempo social. Por exemplo, com foco na indústria do

entretenimento, o tempo é utilizado na dimensão do tempo disponível.

O terceiro conceito e, o mais importante deles, é o conceito de lazer. O

conceito de lazer será fundado dentro do modelo proposto pela teoria eliasiana.

Elias e Dunning encontram-se entre os primeiros sociólogos a ter como foco

de estudo o lazer, colocando este em posição tão privilegiada quanto o trabalho.

Mesmo os estudos tendo data das décadas de 60 e 70, ainda são explorados e

apontados como fonte de referência.

Afirmam esses autores que sua linha de pesquisa era voltada para “[...] uma

teoria central do lazer capaz de servir como quadro comum de investigação

relativamente a todas as espécies de problemas específicos do lazer.” (ELIAS;

DUNNING, 1992, p. 144).

Para que se possa entender o significado e a dimensão social do lazer,

assim como atividades de recreação e divertimento, faz-se necessária a

compreensão da influência do processo civilizador sobre as necessidades e hábitos

de lazer dos indivíduos.

O processo civilizador reflete [...] o desenvolvimento de normas de conduta social que inibem tanto as agressões físicas como as demonstrações

Page 39: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

37

espontâneas de sentimentos, conformando hábitos culturais „civilizados‟ e padrões de relacionamento que são internalizados pelos indivíduos e reproduzidos quase automaticamente. (PRONI, 2008, p. 495).

Assim, somente às crianças é permitida a demonstração de sentimentos, os

adultos devem se comportar de forma contida e racional na maioria de seu tempo;

sendo este comportamento a base de sua vida política, econômica e cultural.

Segundo Proni (2008), o processo civilizador associa-se à transformação:

a) na estrutura da personalidade dos indivíduos;

b) no estilo de vida reinante;

c) nas diversas configurações sociais existentes.

Estas transformações estão relacionadas ao desenvolvimento de formas de

controle mais eficazes, bem como ao surgimento de várias opções de

entretenimento, o que disseminou entre os indivíduos, após o momento em que

estes assumiram, o controle de seus instintos e emoções.

Para comprovar essa questão, basta perceber a substituição das festas de

rua e dos jogos populares, pelos bailes, cinemas e esportes feitos nos clubes;

colocando o indivíduo como um ser em desenvolvimento psicossocial, o qual possui

um maior controle na esfera social.

Nesse sentido, as atividades de lazer transformaram-se ao longo da história;

a diversidade aumentou e as suas funções foram sendo modificadas. Essas são

algumas das consequências que o processo civilizador promoveu ou estimulou,

fazendo com que o lazer fosse sendo alterado de forma civilizada.

Para Elias e Dunning (1992, p. 73), as atividades de lazer diminuem com o

estresse diário, permitindo manifestação de sentimento; entretanto, sem prejudicar a

integridade física e moral dos indivíduos ou acarear a ordem estabelecida. O lazer é

capaz de “[...] produzir um descontrolo de emoções agradável e controlado.”

O lazer é a satisfação de uma necessidade de emoções fortes, podendo ser

visto como o complemento das atividades formalmente impessoais, oriundas do

mundo do trabalho.

Quando se avalia o lazer no espectro do tempo livre, percebe-se que as

atividades voltadas ao lazer não estão em primeiro plano na vida da maioria das

Page 40: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

38

pessoas, muito pelo contrário, só aparecem depois das obrigações trabalhistas, das

familiares, das necessidades básicas, entre outras.

Para Dumazedier (2001, p. 92), o lazer é um tempo em que a pessoa “[...] se

libera ao seu gosto da fadiga, descansando; do tédio, divertindo-se; da

especialização funcional, desenvolvendo de maneira interessada as capacidades de

seu corpo e de seu espírito”.

Essa contextualização não leva em conta somente a autossatisfação e não é

uma decisão individual, pode ter influência política, econômica e social, através de

valores e direitos sociais.

Ainda para Dumazedier (2001), o lazer pode ser distinto em quatro períodos:

a) lazer do fim do dia;

b) lazer do fim de semana;

c) lazer do fim do ano (férias);

d) lazer do fim da vida (aposentadoria).

O que os diferencia são interesses específicos, como físicos, práticos,

artísticos, intelectuais ou sociais; os quais “[...] dependem de condicionantes

econômicas, sociais, políticas e culturais de cada sociedade. (TURINO, 2005, p.

121).

Em função disso, a relação do lazer com o trabalho torna-se fundamental,

envolvendo questões de natureza biológica e psicológica dependendo do interesse

de cada um.

Dumazedier (2001) criou um sistema de classificação relacionado às

características específicas do lazer, identificado por quatro atributos, a saber:

a) liberatório: liberação das obrigações institucionais, mas dependente

das obrigações e condicionantes sociais ou interpessoais;

b) desinteressado: é o prazer de fazer aquilo que se gosta;

c) hedonístico: quando a pessoa não se sente satisfeita, gera uma

sensação de frustração;

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39

d) pessoal: são três os tipos de necessidades: liberação do cansaço físico

ou nervoso; liberação do tédio e das tarefas repetitivas; oportunidade

para a conquista da superação de si mesmo.

Nesse contexto, o lazer pode ser definido como uma combinação de tempo

e de atitude; o que o torna estritamente único. Cada pessoa pode ter uma sensação

diferente, seja pelo interesse, experiência, idade, sexo ou classe social.

A contextualização defendida por Elias e Dunning (1992) não coloca o lazer

como oposto ao trabalho (prazer versus dever); e, sim, o coloca como aversão às

atividades sociais, das quais o trabalho faz parte.

O tempo divide-se entre tempo de trabalho e tempo livre, sendo que este

engloba desde a administração familiar, atividades sociais e atividades de

entretenimento. Observa-se, com isso, que apenas uma parte do tempo livre pode

ser destinada ao lazer.

Para Elias e Dunning (1992, p. 107), o tempo livre é visto com uma

consequência das sociedades industriais que evoluíram, sendo definido “[...] de

acordo com os actuais usos linguísticos, é todo o tempo liberto das ocupações de

trabalho.” Ainda segundo esses autores (1992, p. 149), “O espectro do tempo livre é

um quadro de classificação que indica os principais tipos de actividades de tempo

livre nas nossas sociedades.”

As atividades de tempo livre das pessoas podem ser divididas em cinco

esferas, argumentam Elias e Dunning (1992, p. 108-109), assim distribuídas:

a) trabalho privado e administração familiar: nesse contexto estão

englobadas todas as atividades da família, como provisão da casa,

orientação dos filhos, estratégia familiar, entre outras;

b) repouso: a esta categoria pertence o não fazer nada, as futilidades e,

acima de tudo, o dormir;

c) provimento das necessidades biológicas: aqui se encontram atividades

como comer, beber, defecar, fazer amor, enfim suprir as necessidades

básicas;

d) sociabilidade: não é considerada trabalho, embora possa auxiliar neste,

através de relacionamentos com colegas de trabalho ou superiores

Page 42: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

40

hierárquicos; e, também, atividades que não têm nenhuma relação

trabalhista, como ir a um bar, a uma festa, a um clube;

e) categoria das atividades miméticas ou jogo: aqui se encontram as

atividades de lazer, tais como a ida ao teatro, ao cinema, à pesca, à

caça, dançar, ver televisão.

Essa divisão prova que nem todas as atividades executadas no tempo livre

podem ser caracterizadas como atividades de lazer. Segundo Elias e Dunning

(1992, p. 110), “A tipologia mostra, de forma muito nítida, que uma parte

considerável do nosso tempo livre não se pode identificar com o lazer.”

Para confirmar essa afirmação, Bonato (2006, p. 44) diz: “O tempo

disponível ou excedente, ainda que possa ser fonte de lazer, necessariamente não é

destinado a ele”.

Em contrapartida, o tempo livre deve ser construído para superar os

problemas no campo do trabalho e no campo do lazer, buscando melhorias na

qualidade de vida.

A maioria das atividades de lazer corresponde às atividades realizadas no

tempo livre, mas nem todas as atividades realizadas no tempo livre são

consideradas atividades de lazer.

Entretenimento e descanso estão intimamente relacionados com lazer,

porém não só atividades que os envolvam podem ser consideradas lazer, pois este

também almeja o desenvolvimento pessoal e social.

Os estudos desenvolvidos por Elias e Dunning (1992) facilitam a

compreensão e a distinção entre tempo livre e lazer. Estes autores afirmam que o

lazer:

[...] representa uma esfera de vida que oferece mais oportunidades às pessoas de experimentarem uma agradável estimulação das emoções, uma divertida excitação que pode ser experimentada em público, partilhada com outros e desfrutada com aprovação [...] (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 151).

As atividades voltadas ao lazer procuram proporcionar uma excitação

agradável ou um estímulo das emoções, através de escolhas e vontades individuais.

Page 43: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

41

Elias e Dunning (1992) ainda dividem as formas do uso do tempo fora do

ambiente profissional em três categorias de acordo com o grau de rotina, a saber:

a) rotinas do tempo livre (atividades rotineiras e pouco prazerosas): tempo

destinado ao atendimento das próprias necessidades biológicas,

cuidado com o corpo e rotinas familiares;

b) atividades intermediárias ou de formação e autodesenvolvimento

(menos rotineiras e gratificantes, mas exigem disciplina): são

destinadas ao desenvolvimento pessoal seja através de participação

política, religiosa, estudo, filantrópica, entre outras;

c) atividades de lazer (atividades não rotineiras que geram um

descontrole controlado das restrições sobre as emoções): são as

atividades sociáveis como um jantar ou uma viagem, o lazer

comunitário e o jogo (através das atividades miméticas).

Para Elias e Dunning (1992), além do grau de rotina, podem-se avaliar as

atividades de lazer sobre dois outros aspectos:

a) grau de compulsão social: nas atividades de lazer o grau de compulsão

é menor, a participação é voluntária e menos sujeita a

constrangimentos;

b) grau de pessoalidade: as decisões são tomadas baseadas no „eu‟ e

não no „eles‟; respeitando os limites sociais estabelecidos.

Ainda que os indivíduos não tenham tempo suficiente para se dedicarem às

atividades de lazer, estas são fundamentais; assumindo uma dimensão social

bastante ampla mesmo que preponderando a individualidade.

Quando se busca a excitação no lazer, Elias e Dunning (1992) apontam que

os indivíduos não a buscam simplesmente para o lazer se justapor ao tédio; até

porque a sociedade é bastante diversificada e com desafios a serem superados a

todos os instantes, bem como o lazer faz parte de todo esse contexto.

Estes autores acreditam que a manifestação de sentimentos e emoções

acaba por ser restringida em face de oscilação e aflição que caracterizam o

cotidiano da vida humana.

Page 44: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

42

As rotinas são necessárias, entretanto os indivíduos precisam se revelar e

desafiar essa rotina, pois:

Quando o lazer destrói a rotina, expõe a pessoa a certo nível de insegurança, a um maior ou menor risco produzindo adrenalina e endorfina, gerando medo, esperança, exaltação, incerteza, catarse, choro, alegria, prazer e todo um rol de experiências essencialmente humanas. (PRONI, 2008, p. 498)

Caso aconteça o contrário, a atividade de lazer transforma-se em rotina e

acaba por perder a sua função principal, visto que o lazer é fundamental para a

qualidade de vida e para a saúde dos indivíduos.

Além de se estudar as necessidades de lazer de cada indivíduo, para Elias e

Dunning (1992), faz-se necessário compreender as características das atividades,

as quais podem se apresentar sob três formas:

a) sociabilidade: elemento básico que faz parte das atividades de lazer,

como os cassinos e os bares;

b) mobilidade: refere-se ao movimento corporal e a vivência de um

sentimento de liberdade, como ir à praia ou a uma danceteria;

c) imaginação: engloba as atividades miméticas onde é possível

experimentar sentimentos fortes e emoções perigosas sem estar em

perigo, como assistir a um filme, ouvir uma música ou jogar vídeo

game.

Ressalta-se que podem existir situações onde a exposição ao risco e a

perda do controle pode estar muito próximas, provocadas pela marginalização de

certos grupos sociais.

Ainda, o lazer não deve ser visto como um produto da urbanização e da

industrialização, simplesmente para atender a uma exigência do mundo do trabalho

para reduzir o cansaço e o estresse; depois, a interdependência entre as atividades

de lazer e as demais atividades, não existe uma subordinação entre as mesmas; e,

essa questão, deve ser vista como fundamental para o desenvolvimento social

equilibrado.

Page 45: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

43

Os estudos de Elias e Dunning (1992) são significativos e originais quanto a

sua forma de abordagem no que concerne à utilização do tempo livre,

principalmente ao lazer; como forma de romper com a rotina e com o controle

existente.

O controle acontece da sociedade em relação às pessoas e das pessoas em relação a elas mesmas, e o lazer surge num determinado momento histórico e a partir de uma liberação consentida, em que a satisfação e a liberdade individuais são elementos secundários, mas necessários para esse sistema de regulação imposto pelo capitalismo. (TURINO, 2005, p. 126).

Ainda na visão desse autor, o homem precisa controlar a busca pela sua

satisfação, subordinando-a aos interesses da sociedade capitalista, onde estes são

voltados para a acumulação de capital, o qual domina o meio humano e natural para

produzir bens que gerem novos bens e assim sucessivamente.

Os estudos voltados ao lazer devem ir além, visto que este na concepção de

Elias e Dunning (1992), não é somente um produto da urbanização e da

industrialização; e, sim, tem um conceito mais abrangente, com caráter cultural e

orgânico (ser humano).

Page 46: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

44

3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As pesquisas relacionadas ao uso do tempo são fundamentais pois através

destas pode-se conhecer a realidade que permeia o tecido social. São chamadas de

„diários de emprego do tempo ou diários de atividades‟ e buscam “[...] identificar e

quantificar o tempo gasto na dedicação a tantas outras atividades, e não somente as

atividades econômicas de produção e consumo, já normalmente aferidas nas

pesquisas sobre trabalho”. (SOARES; SABÓIA, 2007, p. 7).

Na verdade, essas pesquisas preocupam-se em conhecer as aplicações do

uso do tempo em todas as formas de trabalho, desde atividade econômica e

trabalho voluntário até trabalho não remunerado voltado aos afazeres domésticos.

São desenvolvidos em países de todo o mundo, sendo diferenciado pela

forma de coleta de dados (podendo ser através de pesquisa específica ou por

módulos nas pesquisas domiciliares e condições de vida). A amostra normalmente

envolve pessoas de 15 anos ou mais, as quais podem ser avaliadas através do

relato das atividades realizadas durante diferentes espaços de tempo, os quais são

definidos com antecedência, podendo ser 24 horas de um dia, assim como

intervalos de minutos.

As pesquisas relacionadas ao uso do tempo permitem identificar como as

pessoas o utilizam, podendo ser:

a) execução de tarefas domésticas;

b) cuidados pessoais e com as pessoas da família;

c) cuidados com a saúde;

d) alimentação e exercícios físicos;

e) deslocamentos para desempenhar atividades necessárias;

f) contato social e lazer;

g) estudos;

h) utilização de tecnologias.

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45

Variáveis sociais, econômicas e demográficas têm impacto nesse processo

tempo versus atividades; como, por exemplo, a dupla jornada do universo feminino.

A mulher acaba se dividindo entre o trabalho e os afazeres domésticos por não

conseguir alguém que a substitua em casa, seja por falta de condições financeiras

(variável econômica) ou por não ter uma creche onde possa deixar seus filhos

(variável demográfica).

No Brasil, em função da quantidade de pessoas com idade cada vez mais

avançada, não são somente as crianças que dependem das mulheres, mas os

idosos também acabam demandando cuidados. Com isso, a tendência da jornada

de trabalho feminina é aumentar, fazendo com que o tempo seja redistribuído para

os cuidados pessoais e lazer, pois no que concerne ao ambiente de trabalho e

cuidados com a família, a exigência será a mesma ou ampliada.

Vários estudos são realizados sobre o uso do tempo. Um exemplo, em 2007,

no Rio de Janeiro, realizou-se um seminário internacional intitulado „Pesquisas de

uso do tempo: aspectos metodológicos e experiências internacionais‟, o qual foi

organizado pelo IBGE e pelo Fundo das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM).

(SOARES; SABOIA, 2007, p. 8).

A preocupação com estudos nessa área não é recente. O IBGE, através da

PNAD, em 1982 já investigava sobre o tempo destinado à realização de atividade

física, a assistir televisão, aos afazeres domésticos, ao trabalho profissional e aos

estudos. À mesma pesquisa, em 1992, foi acrescentado o questionamento quanto

ao tempo de deslocamento entre a residência e o ambiente de trabalho.

Em 1996-1997, a Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV) contou com um bloco sobre o uso do tempo onde se investigou sobre o tempo gasto no trabalho produtivo, afazeres domésticos, trabalho comunitário, permanência em estabelecimento de ensino e tempo gasto com transporte. Nesta pesquisa constatou-se que o trabalho produtivo e os afazeres domésticos consomem a maior parte do tempo dos moradores, seguido do tempo gasto em estabelecimento de ensino e trabalho comunitário. (SOARES; SABOIA, 2007, p. 9).

Em 2001, foi realizada uma nova pesquisa a qual se baseou na classificação

internacional das atividades de uso do tempo, estabelecidas pela Organização das

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46

Nações Unidas (ONU) – International Classification of Activities on Time-Use Survey

(ICATUS).

A PNAD é desenvolvida pelo IBGE através de uma amostra de domicílios

brasileiros e busca conhecer características socioeconômicas da população de

acordo com a necessidade de conhecimento. Para esse estudo, utiliza-se a PNAD

elaborada em 2005 e publicada em 2007.

3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005

Os dados apresentados sobre os afazeres domésticos envolvem pessoas de

10 anos ou mais de idade, sendo que estas podem realizar tais atividades de forma

parcial ou integral, independente da condição da atividade ou ocupação na semana.

Para esse estudo em específico, analisar-se-á (quando possível) a faixa etária de 18

a 59 anos, em função desta estar apta às atividades laborais de acordo com a

legislação brasileira.

Gráfico 2 – Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo – Brasil – 2001 e 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Page 49: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

47

Entre os períodos de 2001 e 2005, observou-se que houve um aumento do

tempo dedicado à realização dos afazeres domésticos sendo 66,9% (em 2001) e

71,5% (em 2005).

Essa situação justifica-se pelo fato das pessoas estarem contratando menos

trabalhadores domésticos remunerados (tinha-se 7,8% de população ocupada em

2001 e 7,6% em 2005), fazendo com que estas ampliem as suas jornadas para

suprirem essa falta do trabalhador doméstico (SOARES, SABOIA, 2007).

Outra questão que influenciou nessa realidade é a queda no rendimento real

das pessoas o qual passou de R$ 858,00 (451,58 dólares) em 2001 para R$ 763,00

(287,92 dólares) em 2005; justificando-se a diminuição ou alteração dos serviços

domésticos contratados. (SOARES, SABOIA, 2007).

Esse aumento na quantidade de horas destinadas aos afazeres domésticos

deu-se, também, devido a participação efetiva dos homens, pois foi apontado um

crescimento de 8,6 pontos contra apenas 1,1 ponto para as mulheres no período de

2001 a 2005.

Gráfico 3 – Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculino que cuidam de afazeres domésticos – Brasil – 2001 e 2005 Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Os dados demonstram que a faixa etária de 50 a 59 anos foi a que teve

maior crescimento (9,2 pontos percentuais) na proporção de pessoas do sexo

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48

masculino que cuidam de afazeres domésticos, conforme mostra o Gráfico 3. (IBGE,

2007).

A tabela 6 mostra, por grupos de idade segundo o sexo, a quantidade de

pessoas que cuidam de afazeres domésticos por região:

Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Total Grupos de idade

18 a 24 25 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

Total 91.237.484 16.177.973 49.460.967 12.504.390 13.094.154

Norte 6.496.270 1.505.898 3.717.281 637.507 635.584 Nordeste 23.061.531 4.894.301 12.199.741 2.841.686 3.125.803 Sudeste 40.472.344 6.283.430 21.822.593 5.997.618 6.368.703

Sul 14.968.655 2.315.400 8.171.846 2.244.727 2.236.682 Centro-Oeste 6.238.684 1.178.944 3.549.506 782.852 727.382

Homens 31.031.363 5.529.673 17.143.287 4.180.072 4.178.331

Norte 2.306.462 528.580 1.323.648 218.955 235.279 Nordeste 7.377.694 1.625.419 3.932.315 877.457 942.503 Sudeste 13.513.588 2.079.921 7.513.447 1.941.862 1.978.358

Sul 5.715.245 884.374 3.180.742 874.618 775.511 Centro-Oeste 2.118.374 411.379 1.193.135 267.180 246.680 Mulheres 60.206.121 10.648.300 32.317.680 8.324.318 8.915.823

Norte 4.189.808 977.318 2.393.633 418.552 400.305 Nordeste 15.683.837 3.268.882 8.267.426 1.964.229 2.183.300 Sudeste 26.958.756 4.203.509 14.309.146 4.055.756 4.390.345

Sul 9.253.410 1.431.026 4.991.104 1.370.109 1.461.171 Centro-Oeste 4.120.310 767.565 2.356.371 515.672 480.702

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Segundo os dados apresentados na Tabela 6, 85,6% do total de pessoas

que afirmam exercer atividades enquadradas como afazeres domésticos encontram-

se na faixa etária de 18 a 59 anos, destes 65,6% são mulheres, constituindo os

afazeres domésticos como atividades predominantemente femininas.

Na sequência, tem-se a Tabela 7 com a proporção das pessoas que cuidam

de afazeres domésticos por grupos de idade, sexo e região:

Page 51: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

49

Tabela 7 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões – 2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

Total 66,3 75,1 76,3 71,7

Norte 72,6 74,8 72,3 69,2 Nordeste 67,0 72,6 73,8 66,2 Sudeste 62,9 74,8 76,2 73,2

Sul 70,5 81,5 82,5 77,3 Centro-Oeste 67,0 73,0 72,8 71,0 Homens 45,1 54,2 54,0 52,1

Norte 52,0 53,9 49,3 52,3 Nordeste 44,1 48,9 48,9 44,4 Sudeste 41,3 53,8 53,1 53,5

Sul 53,1 65,9 66,5 61,5 Centro-Oeste 47,2 51,0 50,7 51,1 Mulheres 87,7 94,5 96,1 87,1

Norte 92,3 95,1 95,6 85,5 Nordeste 90,4 94,4 95,6 84,0 Sudeste 84,4 94,1 96,2 87,8

Sul 88,3 95,9 97,5 89,5 Centro-Oeste 86,3 93,3 94,0 88,8

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

De uma forma geral, a maior parte da população destina uma parcela do seu

tempo à execução de atividades domésticas, conforme a Tabela 7. Os resultados

mostram que os afazeres domésticos são atividades que acompanham a vida dos

indivíduos.

Quando se analisam as desigualdades de acordo com o sexo e os grupos de

idade que mais interessam (18 a 59 anos), percebe-se que somente 51,1% dos

homens realizam afazeres domésticos enquanto as mulheres atingem um percentual

de 92,8%.

O Nordeste é a região onde essa realidade está mais presente: o público

masculino atinge 47,3% contra 61,8% da região Sul.

Uma provável justificativa na baixa da participação desse público pode-se

encontrar na cultura da região. Os homens nordestinos, em função do machismo

preponderante, apontam a execução de afazeres domésticos como uma atividade

de responsabilidade feminina. (SOARES; SABÓIA, 2007).

Ao se analisar o número de horas gastas em afazeres domésticos,

primeiramente fazendo um comparativo entre os anos de 2001 e 2005 observa-se

Page 52: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

50

que apesar do aumento na proporção de pessoas que realizam afazeres

domésticos, a pesquisa mostra que no que tange à quantidade de horas dedicadas a

essas atividades, houve uma queda de quase 4 horas; em 2001, as pessoas

dedicavam 23,4 horas semanais o que passou para 19,9 horas semanais em 2005.

Essa diminuição foi mais evidente entre as mulheres (com 3,7 horas

enquanto foi 1,1 horas para os homens) e na faixa etária de 25 a 49 anos, faixa esta

onde as mulheres estão em maior atividade no mercado de trabalho. A redução do

tempo na realização dos afazeres domésticos também se justifica pela utilização de

novas tecnologias as quais podem estar facilitando esse trabalho.

Pode-se verificar que, com o passar dos anos, a população masculina se

dedica cada vez mais aos afazeres domésticos (principalmente em idade mais

avançada, provavelmente em função da aposentadoria), apresentando uma

diferença notável nesse contexto. Já, para as mulheres, o tempo destinado a esse

tipo de atividade não diferencia muito ao longo da idade, sendo mais intenso na faixa

etária de 50 a 59 anos (Tabela 8).

Tabela 8 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões –

2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49 anos

50 a 59

anos 60 anos ou mais

Total 17,6 21,5 24,3 23,7

Norte 18,0 19,9 25,5 20,5

Nordeste 19,8 23,7 25,1 24,1

Sudeste 16,6 21,5 21,9 24,3

Sul 15,5 19,4 22,9 22,7

Centro-Oeste 17,2 20,5 24,3 22,3

Homens 9,0 9,8 10,8 13,0

Norte 9,9 10,0 10,4 12,0

Nordeste 9,5 10,4 11,2 13,1

Sudeste 8,7 9,7 11,2 13,1

Sul 8,3 9,0 9,9 12,9

Centro-Oeste 8,7 9,6 10,3 13,0

Mulheres 22,1 27,7 31,0 28,7

Norte 22,3 25,3 26,9 25,4

Nordeste 24,9 30,0 31,9 28,8

Sudeste 20,6 27,7 31,7 29,4

Sul 19,9 26,1 29,6 27,9

Centro-Oeste 21,8 26,1 29,5 27,1

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Page 53: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

51

Quando se compara a realidade do Brasil com outros países, não se

encontra diferença muito grande. Em um estudo feito por Aguirre, Sainz e Carrasco

(2005), em Barcelona, observou-se que as mulheres dedicam mais tempo aos

afazeres domésticos que os homens e, estes, só se dedicam de forma relevante

quando param de trabalhar. Situação igual foi descrita com a população brasileira.

Em 2005, na faixa etária de 25 a 49 anos, a participação feminina no

mercado de trabalho era de 71,8%, enquanto que a dos homens na mesma faixa

etária chegava a 94,3%. (IBGE, 2006).

Além da idade, outros fatores sócio-demográficos podem ser considerados

nessa análise. Quanto a cor/raça foram obtidos os seguintes resultados (Tabela 9):

Tabela 9 – Pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por cor/raça segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões Total Branca

Preta e parda Cor/ raça

Total 109.251.223 55.021.206 53.433.245

Norte 8.400.757 1.963.003 6.386.801

Nordeste 28.597.718 8.022.402 20.478.079

Sudeste 46.951.393 27.450.403 19.032.394

Sul 17.698.611 14.341.437 3.243.821

Centro-Oeste 7.602.744 3.243.961 4.292.150

Homens 37.738.071 18.652.469 18.805.022

Norte 3.072.769 666.262 2.391.917

Nordeste 9.344.626 2.360.188 6.954.816

Sudeste 15.861.170 9.080.667 6.614.067

Sul 6.817.574 5.470.493 1.298.599

Centro-Oeste 2.641.932 1.074.859 1.545.623

Mulheres 71.513.152 36.368.737 34.628.223

Norte 5.327.988 1.296.741 3.994.884

Nordeste 19.253.092 5.662.214 13.523.263

Sudeste 31.090.223 18.369.736 12.418.327

Sul 10.881.037 8.870.944 1.945.222

Centro-Oeste 4.960.812 2.169.102 2.746.527

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Page 54: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

52

Pode-se perceber que a cor/raça não tem influência significativa na

execução dos afazeres domésticos, a diferença é 0,82% a mais para os homens da

cor/raça preta e parda e 5,03% a mais para as mulheres de cor/raça branca.

Gráfico 4 – Número médio de horas semanais gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor/raça – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005.

Com relação ao tempo destinado à execução dessas atividades, observa-se

que as mulheres de cor/raça preta e parda gastam mais tempo (25,7 horas) com

essas atividades do que as mulheres brancas (24,9 horas), conforme o gráfico 4.

Quando se analisa em termos de sexo e cor/raça, os resultados com horas

semanais gastas com afazeres domésticos são muito próximos, não apresentando

diferença significativa (Gráfico 4).

A Tabela 10 apresenta a proporção de pessoas que cuidam de afazeres

domésticos, assim como o número de horas gastas, de acordo com a cor/raça:

Page 55: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

53

Tabela 10 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos e número médio de horas gastas em afazeres domésticos por cor/raça segundo o

sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que

cuidam de afazeres domésticos

Número médio de horas gastas em afazeres

domésticos

Total Branca Preta e parda

Total Branca Preta e parda

Total 71,5 71,4 71,7 19,9 19,7 20,2

Norte 73,6 72,0 74,1 17,9 17,6 18,0

Nordeste 69,4 66,8 70,4 21,2 21,3 21,2

Sudeste 70,5 70,0 71,2 20,3 20,3 20,4

Sul 77,7 77,7 77,8 18,3 18,1 19,0

Centro-Oeste 70,7 69,3 71,9 18,9 18,6 19,0

Homens 51,1 51,2 51,0 9,9 9,6 10,1

Norte 54,5 52,1 55,2 9,9 9,7 9,9

Nordeste 46,7 42,4 48,4 10,3 10,0 10,4

Sudeste 49,7 49,1 50,4 9,9 9,8 10,1

Sul 62,0 61,9 62,2 9,2 9,0 9,8

Centro-Oeste 50,5 48,5 52,1 9,6 9,4 9,7 Mulheres 90,6 89,4 91,9 25,3 24,9 25,7

Norte 92,2 89,5 93,2 22,5 21,7 22,8

Nordeste 90,7 88,0 92,0 26,5 26,0 26,8

Sudeste 89,7 88,7 91,3 25,6 25,5 25,9

Sul 92,4 92,2 93,3 24,0 23,7 25,1

Centro-Oeste 89,9 88,1 91,5 23,8 23,2 24,3

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Quando se faz a análise por Regiões em relação ao tempo destinado aos

afazeres domésticos, verifica-se que as mulheres pretas e pardas da Região

Nordeste são as que mais se dedicam aos afazeres domésticos, chegando a quase

4 horas diárias (Tabela 10). Quando se avalia a questão de pessoas que se dedicam

a esse tipo de atividade, destacam-se as mulheres pretas e pardas da Região com o

maior percentual (93,3%).

Outro fator considerado foi a escolaridade das pessoas pesquisadas, a

qual mostrou ter influência acentuada nos resultados (Tabela 11):

Page 56: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

54

Tabela 11 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que realizam afazeres domésticos e número médio de horas gastas na semana em afazeres domésticos por sexo

segundo os grupos de anos de estudo - 2005

Grupos de anos de estudo

Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que

cuidam de afazeres domésticos

Número médio de horas gastas em afazeres

domésticos

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Até 4 anos 67,9 47,0 89,0 21,8 10,6 27,8

5 a 8 anos 72,1 51,3 92,3 20,1 9,7 25,8

9 a 11 anos 73,3 52,5 92,8 19,8 9,9 25,1

12 anos ou mais 73,0 54,0 88,7 18,1 9,2 22,6

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Ao se analisar o tempo de estudo, verifica-se que o grupo menos

escolarizado (até 4 anos de estudo) é o que tem a menor participação na execução

dos afazeres domésticos (67,9%); entretanto, de acordo com a jornada semanal,

esse mesmo grupo é o que mais gasta tempo com esse tipo de atividade (21,8

horas).

Já na população com 12 anos ou mais de estudo, o tempo dedicado aos

afazeres domésticos, independente de ser homem ou mulher, é o menor encontrado

(18,1 horas).

No caso dos homens, nota-se que quanto maior o nível de escolaridade,

maior a participação na realização de atividades domésticas, inversamente é a

situação do tempo destinado à execução desse tipo de atividade. Neste mesmo

caso, a situação no universo feminino mostra que quanto maior o tempo de estudo

menos se dedica a essa atividade.

Como o nível de escolaridade tem relação com o rendimento, as pessoas

que ganham mais têm condições de contratar outras para a execução dessas

atividades. No caso das mulheres com esse grau de escolaridade, a jornada

semanal dedicada aos afazeres domésticos chega a ser 5 horas/semana menor do

que a jornada de mulheres com tempo de estudo inferior. (SOARES; SABÓIA,

2007).

Page 57: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

55

Gráfico 5 - Proporção de pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por sexo e grupos de idade – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Mesmo as mulheres estando inseridas no mercado de trabalho, estas não

abandonam seus afazeres domésticos, pois 95,8% (faixa etária de 50 a 59 anos)

afirmam que, mesmo tendo atividades profissionais cuidam, de suas tarefas;

enquanto os homens, nesse mesmo contexto, apenas 44,0% (faixa etária de 18 a 24

anos) dizem realizar algum tipo de atividade doméstica (Gráfico 5).

Ainda no mesmo gráfico, pode-se perceber que o tempo de dedicação aos

afazeres domésticos aumenta com a idade – no caso das mulheres, de 84,1% (faixa

etária de 18 a 24 anos) para 96,2% (faixa etária com 60 anos ou mais) e no caso

dos homens, de 44,0% (faixa etária de 18 a 24 anos) para 52,5% (faixa etária com

60 anos ou mais).

A Tabela 12 apresenta o número de horas gastas em afazeres domésticos

das pessoas ocupadas segundo a idade, o sexo e a região:

Page 58: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

56

Tabela 12 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas com 18 anos ou mais de idade ocupadas por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

Total 13,3 16,8 18,5 18,7

Norte 13,9 15,8 16,8 17,6

Nordeste 15,0 18,8 20,4 20,1

Sudeste 12,6 16,4 18,5 18,3

Sul 12,2 15,8 17,0 18,2

Centro-Oeste 12,7 16,1 17,0 16,9

Homens 8,4 9,2 9,5 10,8

Norte 9,1 9,6 9,7 9,8

Nordeste 8,9 9,8 10,4 11,6

Sudeste 8,2 9,1 9,4 10,3

Sul 7,7 8,5 8,9 11,2

Centro-Oeste 8,3 9,0 9,1 10,4

Mulheres 17,1 22,5 25,2 25,9

Norte 18,2 21,0 22,6 25,8

Nordeste 20,0 24,9 26,9 27,2

Sudeste 15,6 21,9 25,0 25,7

Sul 15,8 21,7 24,2 24,9

Centro-Oeste 16,2 21,0 23,9 24,4

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Na análise dos anos de 2001 e 2005, no que concerne ao tempo destinado à

execução dos afazeres domésticos, houve a diminuição do tempo destinado a essas

atividades, o qual reduziu de 18,4 horas semanais para 16,6 horas semanais.

Analisando-se a tempo utilizado (Tabela 12) para a realização dos afazeres

domésticos, percebe-se que as mulheres utilizam quase o dobro (ou mais, em

alguns casos) do tempo destinado pelos homens.

Na sequência, encontra-se a Tabela 13, a qual apresenta o número médio

de horas trabalhadas das pessoas ocupadas, segmentadas por sexo e grupos de

idade:

Page 59: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

57

Tabela 13 - Número médio de horas trabalhadas das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas por sexo e grupos de idade segundo as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

Total 40,0 41,2 39,5 32,8

Norte 39,8 40,8 40,1 34,9

Nordeste 37,3 38,9 36,6 30,4

Sudeste 41,4 42,2 40,5 34,9

Sul 40,5 41,9 40,1 30,7

Centro-Oeste 41,3 42,1 41,2 37,0

Homens 42,2 45,2 44,3 37,9

Norte 42,4 44,9 45,2 40,9

Nordeste 39,8 43,3 42,4 35,6

Sudeste 43,2 45,8 44,8 39,5

Sul 43,1 46,2 44,9 35,9

Centro-Oeste 43,7 46,2 45,7 42,1

Mulheres 36,8 36,1 32,8 24,1

Norte 35,6 35,1 32,0 23,1

Nordeste 33,2 33,1 29,1 21,7

Sudeste 38,9 37,7 34,6 26,8

Sul 37,1 36,8 33,6 23,0

Centro-Oeste 37,8 36,8 33,9 25,9

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Nota: Horas no trabalho principal na semana de referência

Quando se compara o número médio de horas trabalhadas com o tempo

destinado aos afazeres domésticos, a situação do universo masculino e feminino é

oposta: nestes as mulheres dedicam maior tempo, já naquele são os homens.

No mercado de trabalho a utilização do tempo analisado por sexo, não tem

tanta diferença, pois as mulheres têm uma jornada semanal de 34,7 horas enquanto

os homens 42,9 horas, apresentando um aumento de 23,6% (Tabela 13).

Ao se considerar a jornada de trabalho semanal das pessoas (tanto

profissional quanto dedicada aos afazeres domésticos) nos 5 dias úteis da semana,

nota-se que as mulheres trabalham 11,5 horas por dia contra 10,6 horas trabalhadas

pelos homens. Mesmo trabalhando mais, na maioria das vezes, as mulheres

recebem menos por isso, pois ainda não têm um salário igual ao dos homens que

ocupam a mesmo função, assim como não recebem nenhum tipo de remuneração

pelas horas dedicadas aos afazeres domésticos. (SOARES, SABÓIA, 2007)

Page 60: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

58

Na sequência, é apresentada a Tabela 14 com os dados referentes às

pessoas ocupadas que realizam afazeres domésticos:

Tabela 14 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres

domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49

anos 50 a 59

anos 60 anos ou mais

Total 9.127.238 36.109.297 7.460.675 3.796.102

Norte 784.868 2.691.460 427.857 233.462

Nordeste 2.546.388 8.583.027 1.838.684 1.114.980

Sudeste 3.586.024 15.757.928 3.261.823 1.404.766

Sul 1.548.215 6.479.947 1.465.562 828.485

Centro-Oeste 661.743 2.596.935 466.749 214.409

Homens 3.986.555 15.350.341 3.197.036 1.826.478

Norte 370.369 1.209.263 191.706 119.654

Nordeste 1.150.423 3.454.046 725.022 507.880

Sudeste 1.472.426 6.685.011 1.368.191 676.486

Sul 695.581 2.927.064 694.898 407.512

Centro-Oeste 297.756 1.074.957 217.219 114.946

Mulheres 5.140.683 20.758.956 4.263.639 1.969.624

Norte 414.499 1.482.197 236.151 113.808

Nordeste 1.395.965 5.128.981 1.113.662 607.100

Sudeste 2.113.598 9.072.917 1.893.632 728.280

Sul 852.634 3.552.883 770.664 420.973

Centro-Oeste 363.987 1.521.978 249.530 99.463

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Através dos dados, percebe-se que a faixa etária de 25 a 49 anos engloba

63,9% da população pesquisada. Essa faixa é a maioria quando se analisam os

indivíduos ocupados que cuidam de afazeres domésticos, tanto homens quanto

mulheres(Tabela 14).

A tabela 15 apresenta a proporção das pessoas ocupadas que cuidam de

afazeres domésticos:

Page 61: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

59

Tabela 15 - Proporção das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Grupos de idade

18 a 24 25 a 49

anos 50 a 59

anos 60 anos ou mais

Total 60,1 71,3 70,4 68,7

Norte 64,5 70,0 66,5 65,9

Nordeste 59,9 68,3 69,0 66,4

Sudeste 56,9 70,7 69,1 67,2

Sul 67,1 79,4 79,0 77,2

Centro-Oeste 60,1 68,8 66,0 65,4

Homens 44,0 54,0 52,0 52,5

Norte 49,0 53,4 48,5 50,9

Nordeste 43,4 48,9 48,0 48,4

Sudeste 40,0 53,4 50,0 50,9

Sul 52,8 65,9 65,2 63,2

Centro-Oeste 45,3 50,9 49,7 51,4

Mulheres 84,1 93,3 95,8 96,2

Norte 90,0 93,9 95,3 95,4

Nordeste 87,2 93,4 96,3 96,1

Sudeste 80,7 92,7 95,3 95,6

Sul 86,0 95,5 97,8 98,0

Centro-Oeste 82,1 91,5 92,6 95,5

Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Primeiramente, através dos resultados apresentado pela PNAD de 2001 e

2005, percebe-se que quando se analisa a população ocupada, a proporção de

pessoas que se dedicam aos afazeres domésticos aumentou de 62% (em 2001)

para 68,6% (em 2005), sendo que o aumento maior foi na população masculina,

principalmente na faixa etária de 10 a 17 anos (10,5 p.p). Quando se compara as

pessoas ocupadas com as não ocupadas, pode-se observar que a realidade não é

diferente no que concerne à proporção das mesmas que se dedicam aos afazeres

domésticos. Analisando a faixa etária com maior concentração de pessoas (25 a 49

anos), tem-se: 54,2% para os homens e 54% para os homens ocupados; no caso

das mulheres 94,5% e 93,3% para as mulheres ocupadas. Os dados revelam que

não existe diferença significativa para tal situação (Tabelas 7 e 15).

A Tabela 16 apresenta o número de pessoas ocupadas e respectiva

proporção que cuidam de afazeres domésticos:

Page 62: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

60

Tabela 16 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam de afazeres domésticos, total e proporção, por sexo segundo a posição na ocupação - 2005

Posição na ocupação Total Proporção

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Total 59.764.555 26.040.114 33.724.441 68,6 51,6 92,0

Empregado com Carteira Assinada

17.733.730 9.240.678 8.493.052 65,6 53,1 87,9

Empregado sem Carteira Assinada

9.373.256 5.116.390 4.256.866 60,7 47,9 89,2

Militar 132.459 128.909 3.550 52,0 51,8 62,9

Fun. Público Estatutário 4.100.933 1.247.607 2.853.326 78,3 58,5 91,9

Trabalhador Doméstico 6.012.662 270.742 5.741.920 90,3 59,8 92,5

Trabalhador por Contra Própria

12.464.931 6.773.114 5.691.817 66,2 52,6 95,6

Empregadores 1.976.521 1.155.860 820.661 53,7 42,6 84,6

Trabalhador na Prod. para Próprio Consu

3.366.936 732.687 2.634.249 86,5 59,3 99,1

Trabalhador na Const. para Próprio Uso

85.938 69.900 16.038 70,1 66,4 92,8

Não Remunerado 4.517.189 1.304.227 3.212.962 76,4 50,1 97,1

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Conforme os dados apresentados na Tabela 16 em termos percentuais

totais, percebe-se que os trabalhadores domésticos são os que mais se dedicam

aos afazeres domésticos (90,3%); enquanto os militares são os que menos se

dedicam a esse tipo de atividade (52,0%).

Para auxiliar na compreensão da referida tabela, foi denominado de

„trabalhador na produção do próprio consumo‟ a pessoa que trabalha, durante pelo

menos uma hora na semana, em atividades como agricultura, silvicultura, pecuária,

extração vegetal, pesca e piscicultura, para a própria alimentação ou de pelo menos

de um membro da unidade domiciliar. (PNAD, 2007).

Na Tabela 17 tem-se a média de horas semanais das pessoas, ocupadas ou

não, no cuidado de afazeres domésticos:

Page 63: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

61

Tabela 17 - Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade no cuidado de afazeres domésticos e média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade

ocupadas no trabalho principal por sexo - 2005

Posição na ocupação

|Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou

mais de idade no cuidado de afazeres domésticos

Média de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas no

trabalho principal

Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres

Total 19,9 9,8 25,2 39,5 42,9 34,8

Empregado com Carteira Assinada

12,7 8,6 17,1 44,2 45,6 41,8

Empregado sem Carteira Assinada

13,9 9,2 19,5 40,5 42,5 36,0

Militar 8,0 7,9 10,8 43,0 43,2 34,5

Fun. Público Estatutário 16,9 9,3 20,3 36,9 40,2 34,7

Trabalhador Doméstico 20,1 11,1 20,6 39,9 44,7 39,5

Trabalhador por Contra Própria 17,3 9,8 26,2 39,5 43,6 31,0

Empregadores 11,6 7,6 17,3 48,2 49,2 45,4

Trabalhador na Prod. para Próprio Consumo

27,6 11,7 32,1 16,4 23,5 13,0

Trabalhador na Const. para Próprio Uso

16,1 13,3 28,4 27,9 28,3 25,1

Não Remunerado 19,6 8,6 24,1 28,1 28,2 28,0

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

As mulheres que se dizem trabalhadoras na produção do próprio consumo

(99,1%), não remuneradas (97,1%) e trabalhadoras por conta própria (95,6%) são as

que mais de dedicam aos afazeres domésticos. As trabalhadoras da produção são

as que têm a maior jornada semanal com afazeres domésticos, chegando a 32,1

horas/semana; entretanto, a jornada semanal de trabalho é de 13 horas.

No caso dos homens ocupados, os que dedicam mais tempo às atividades

profissionais (49,2 horas por semana) são os que gastam menos tempo com os

afazeres domésticos como os empregadores com 7,6 horas por semana; e, em

segundo lugar, aparecem os militares com 7,9 horas por semana. Quanto aos que

gastam mais tempo, encontram-se os trabalhadores na produção para o próprio

consumo e para o próprio uso com 11,7 horas e 13,3 horas, respectivamente.

Observa-se que o trabalho doméstico é destinado aos que não tem um trabalho

regular, a dedicação é maior das pessoas que não trabalham fora.

Na Tabela 18 são apresentados os dados referentes ao deslocamento do

domicilio para o local de trabalho, a saber:

Page 64: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

62

Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que iam direto do domicílio para o local de trabalho, total e sua respectiva distribuição por períodos de tempo de deslocamento

segundo o sexo e as Grandes Regiões - 2005

Sexo e Grandes Regiões

Total

Períodos de tempo de deslocamento do domicílio para o local de trabalho

Até 30 minutos

Mais de 30

minutos até 1 hora

Mais de 1 até 2 horas

Mais de 2 horas

Total 65.433.129 68,2 22,2 7,9 1,8

Norte 4.381.399 72,1 20,1 5,8 2,0

Nordeste 15.812.223 71,4 21,1 5,9 1,7

Sudeste 30.529.429 62,5 24,6 10,6 2,2

Sul 9.936.296 77,8 17,8 3,7 0,7

Centro-Oeste 4.773.782 70,0 21,3 7,3 1,4

Homens 39.248.486 66,3 23,3 8,2 2,2

Norte 2.741.538 69,0 21,9 6,5 2,7

Nordeste 9.938.488 69,0 22,3 6,5 2,2

Sudeste 18.028.958 60,9 25,7 10,8 2,5

Sul 5.742.929 76,6 18,5 3,9 1,0

Centro-Oeste 2.796.573 67,8 22,3 7,9 2,1

Mulheres 26.184.643 71,0 20,6 7,4 1,1

Norte 1.639.861 77,3 17,1 4,8 0,8

Nordeste 5.873.735 75,4 19,1 4,9 1,7

Sudeste 12.500.471 64,9 23,0 10,4 1,7

Sul 4.193.367 79,4 16,9 3,5 0,2

Centro-Oeste 1.977.209 73,0 20,0 6,5 0,5

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

A PNAD (2007) fornece dados sobre o tempo dispensado para o

deslocamento do domicílio para o trabalho; onde, de acordo com os resultados

apresentados pode-se perceber que 75% das pessoas vão direto de casa para o

trabalho, sendo, que 68,2% levam até 30 minutos nesse deslocamento e 22,2%

levam entre 30 minutos e 1 hora.

As mulheres (71%), gastam menos tempo em deslocamento do que os

homens (66,3%). Isso possibilita que estas cheguem a casa mais cedo para terem

tempo para realizar outras atividades. (SOARES, SABÓIA, 2007).

Page 65: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

63

3.2 A DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO DESTINADO AOS AFAZERES DOMÉSTICOS

NO ÂMBITO FAMILIAR

A família é uma organização importante nos estudos estatísticos relativos à

distribuição de renda, comportamento demográfico, mercado de trabalho, entre

outros. No que concerne ao uso do tempo não é diferente.

Mesmo com todas as transformações ocorridas no mundo, tanto no

ambiente profissional ou familiar, através das estatísticas da PNAD, observa-se que

as mulheres continuam sendo responsáveis pela execução dos afazeres domésticos

(Gráfico6).

Gráfico 6 - Proporção de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domésticos por sexo e condição na família - Brasil - 2005

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Segundo o Gráfico 6, independente da posição que ocupe na família, as

mulheres realizam mais afazeres domésticos do que os homens, conforme os dados

da os dados da pesquisa que comprovam essa afirmação.

Quando se analisa a pessoa de referência, os percentuais são: 41,6% de

mulheres e 58,4% de homens. Isso não quer dizer que os homens chefes de

Page 66: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

64

famílias realizam mais afazeres domésticos que as mulheres chefes de família; mas,

sim, que o número de homens chefes de família é maior nas famílias brasileiras.

Segundo Horta e Strey (2006), o chefe de família está associado a finanças,

decisão, cuidados e esteio; e o Censo Demográfico de 2000, utilizou a mesma

definição para identificação das pessoas nessa condição. Na pesquisa, a escolha de

uma pessoa de referência, ocorre segundo a estrutura familiar e essa define a

relação entre os membros da família, O Gráfico 6 mostra a proporção de pessoas

que cuidam de afazeres domésticos nesse sentido. A Tabela 19 expõe o número de

horas gastas em afazeres domésticos por tipo de família e sexo:

Tabela 19 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos dos membros das famílias por tipo de família segundo o sexo e condição na família – 2005

Sexo e condição na família

Pessoas

Tipos de família

Casal sem filho

s

Casal com filho

s

Casal com

filhos menores de 14 anos

Casal com

filhos menores de 14 anos e de 14

anos ou mais

Casal com todos os

filhos de 14 anos

ou mais

Mãe com

filhos menores de 14 anos

Mãe com

filhos menores de 14 anos e de 14

anos ou mais

Mãe com todos os

filhos de 14 anos

ou mais

Outros

tipos de

família

Total 19,9 20,5 20,1 21,8 19,7 18,1 20,9 20,6 17,8 17,7 Pessoa de referência 16,6 12,0 11,8 11,7 12,3 11,6 23,5 27,6 26,2 18,2

Cônjuge 30,4 26,7 31,5 31,4 31,6 31,4 - - - - Filho 12,4 - 11,8 9,4 12,6 12,0 9,7 14,3 12,5 15,9

Outro parente

16,4 13,7 16,7 18,5 14,8 16,8 18,2 14,5 16,2 17,3

Outro (1) 15,9 18,9 19,0 19,4 19,1 18,3 17,6 17,3 15,2 13,1 Homens 9,8 10,2 9,2 9,5 9,1 8,7 7,6 9,7 8,9 12,8

Pessoa de referência 10,4 10,2 9,6 9,8 9,6 9,1 - - - 13,6

Cônjuge 10,9 10,6 11,1 10,8 11,3 11,4 - - - - Filho 8,6 - 8,2 7,4 8,3 8,3 7,3 9,9 9,0 10,8

Outro parente

9,6 8,9 9,1 9,4 8,6 9,4 8,7 8,6 9,4 10,6

Outro (1) 9,0 10,4 8,6 7,8 11,3 5,9 12,7 8,5 4,5 9,0 Mulheres 25,2 26,7 26,3 29,0 25,6 23,5 20,0 23,6 20,5 21,9 Pessoa de referência 25,4 24,3 29,0 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 26,2 22,8

Cônjuge 31,1 27,5 32,2 32,1 32,3 32,1 - - - - Filho 14,9 - 14,2 10,6 15,4 14,4 11,1 17,5 14,7 20,7

Outro parente

19,6 16,7 19,7 21,8 17,2 20,1 24,1 17,6 19,2 20,8

Outro (1) 19,2 21,9 21,2 21,1 21,0 21,9 18,1 21,6 23,2 16,5

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005). Nota: (1) Outro: Agregado, pensionista, empregado doméstico e parente de empregado doméstico.

Page 67: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

65

Ao se avaliar o tempo destinado aos afazeres domésticos, o dos cônjuges é

maior que o tempo dos demais, sendo, a jornada feminina (31,1 horas) praticamente

o triplo da jornada masculina (10,9 horas).

A jornada das mulheres no mercado de trabalho (34,7 horas semanais) é

bastante próxima da jornada doméstica (31,1 horas semanais).

O tempo dedicado pelo filho é o menor de todas as categorias, com 8,6

horas (Tabela 19), o que indica que os afazeres domésticos são atividades de

responsabilidade das mulheres, pois é dessa forma que são criadas (KOVALESKI,

2002).

Gráfico 7 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e condição na família – Brasil - 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

As mulheres gastam um tempo maior com os afazeres domésticos

independente do papel que ocupem na família; não é só aquela que se tornou

cônjuge, mas também a filha, a outra parente, todas encontram-se na mesma

situação.

Page 68: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

66

Essa situação “[...] indica uma construção social, inerente no âmbito da

família, de que cabe às mulheres e à mãe o trabalho doméstico”. (SOARES,

SABÓIA, 2007). A pesquisa, em todo seu desenvolvimento, confirma a afirmação

dos referidos autores.

Gráfico 8 – Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e tipo de família – Brasil – 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

As filhas dedicam 14,9 horas semanais com os afazeres domésticos,

aumentando essa jornada para 17,5 horas semanais quando vivem em uma família

onde a mãe não tem um cônjuge e tem filhos maiores ou menores de 14 anos.

(SOARES, SABÓIA, 2007).

Nesse caso, quando a mãe é responsável pelo sustento da família, gasta

seu tempo no mercado de trabalho, o que faz com que a filha assuma algumas de

suas responsabilidades, como os afazeres domésticos e o cuidado com os irmãos.

As mulheres que compõem família constituída por casal com filhos menores

de 14 anos são as que acabam por ter maior tempo destinado aos afazeres

domésticos (29 horas semanais).

De Decca (2005) acredita que essa incidência de maior jornada

(demonstrada através do Gráfico 8) justifica-se pelo fato de as mulheres terem

responsabilidades junto aos filhos pequenos e, em função disso, acabam por se

Page 69: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

67

submeter a situações no mercado de trabalho que lhe são desfavoráveis. A jornada

também é intensa pela falta de opção em termos de equipamentos e serviços sociais

públicos de atendimento infantil.

Na sequência a Tabela 20 aponta as pessoas de referência assim como o

número médio de horas gastas com afazeres domésticos:

Tabela 20 - Pessoas de referência que cuidam de afazeres domésticos por tipo de família e número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família

segundo o sexo - 2005

Sexo Famílias

Tipos de família

Casal

sem

filhos

Casal com

filhos

Casal

com filhos

menores de 14

anos

Casal com

filhos menores

de 14

anos e de 14

anos ou mais

Casal

com todos os

filhos de 14 anos

ou mais

Mãe com filhos

menores

de 14 anos

Mãe com filhos

menores de 14

anos e de 14

anos ou mais

Mãe com todos os

filhos de

14 anos ou mais

Outros

tipos de

família

Pessoas

Total 39.154.603 5.384.745 15.985.954 8.246.677 4.812.869 2.921.336 3.510.965 4.982.237 1.160.075 8.126.109

Homens 22.871.656 4.692.759 14.146.899 7.408.924 4.182.030 2.550.873 - - - 4.031.998

Mulheres 16.282.947 691.986 1.839.055 837.753 630.839 370.463 3.510.965 4.982.237 1.160.075 4.094.111

Horas

Total 16,7 12 11,8 11,7 12,3 11,6 23,5 27,6 26,2 18,2

Homens 10,4 10,2 9,6 9,8 9,6 9,1 - - - 13,6

Mulheres 25,4 24,3 29 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 26,2 22,8

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Quando se avalia o tempo destinado aos afazeres domésticos da pessoa de

referência, observa-se a elevada jornada das mulheres „chefes‟ de família quando

comparada à dos homens „chefes‟, mais do que o dobro praticamente em todas as

categorias, independente de se ter cônjuge ou filho(s).

A maior jornada das mulheres „chefes‟ se encontra na família constituída por

casal com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou mais com 29,7 horas

semanais. Alterando o fato da mulher não ter cônjuge, a jornada desse tipo de

atividade diminui para 27,6 horas semanais.

Pode-se deduzir dessa comparação que a existência de um cônjuge

masculino conduz a um aumento do tempo destinado aos afazeres domésticos para

as mulheres.

Page 70: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

68

Para os homens, a maior jornada para esse tipo de atividade encontra-se em

arranjos familiares com cônjuge e sem filhos (10,2 horas semanais). Estes dados

apontam que os homens entendem que a responsabilidade pelos filhos é das

mulheres. (SOARES, SABÓIA, 2007).

Outro fator que pode ser analisado na alocação do tempo destinado aos

afazeres domésticos diz respeito à renda das pessoas. Para tanto, tem-se o Gráfico

9:

Gráfico 9 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos das pessoas de referência da família do sexo feminino por classes de rendimento familiar per capita e tipo de família - Brasil - 2005 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Nas famílias mais pobres (com renda de até um salário mínimo per capita), o

maior tempo utilizado para a realização desse tipo de atividade encontra-se nas

famílias formadas por casal com filhos menores de 14 anos com 33,2 horas

semanais.

29,1

32,3 33,2 32,6

30,5

24,8

27,9 27,626,1

19,5

24,123,3

24,3

26,5

18,6

Casal sem

filhos

Casal com

filhos

Casal com

filhos

menores de

14 anos

Casal com

filhos

menores de

14 anos e de

14 anos ou

mais

Casal com

todos os

filhos de 14

anos ou mais

Mãe com

filhos

menores de

14 anos

Mãe com

filhos

menores de

14 anos e de

14 anos ou

mais

Mãe com

todos os

filhos de 14

anos ou mais

Outros tipos

de famílias

Até 1 SM Mais de 3 SM

Page 71: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

69

No caso das famílias com renda per capita superior a três salários mínimos,

o maior tempo despendido acontece em famílias formadas por casal com filhos

maiores de 14 anos com 26,5 horas semanais (Gráfico9).

Na sequência, a Tabela 21 mostra o número médio de horas gastas em

afazeres domésticos no que concerne à pessoa de referência da família segundo o

sexo e rendimento:

Tabela 21 - Número médio de horas gastas em afazeres domésticos da pessoa de referência da família por tipo de família segundo sexo e as classes de rendimento familiar per capita – 2005

Sexo e Classes de Rendimento familiar per

capita

Famílias

Tipos de família

Casal sem

filhos

Casal com

filhos

Casal com

filhos menores

de 14 anos

Casal com

filhos menores

de 14 anos e de 14

anos ou mais

Casal com

todos os

filhos de 14 anos

ou mais

Mãe com

filhos menores

de 14 anos

Mãe com

filhos menores

de 14 anos e de 14

anos ou mais

Mãe com

todos os

filhos de 14 anos

ou mais

Outros tipos

de famílias

TOTAL

Total 16,7 12,0 11,8 11,7 12,3 11,6 23,5 27,6 26,2 18,2

Homens 10,4 10,2 9,6 9,8 9,6 9,1 - - - 13,6

Mulheres 25,4 24,3 29,0 28,8 29,7 28,4 23,5 27,6 26,2 22,8

ATE 1 SM

Total 17,7 13,2 12,2 12,1 12,5 12,3 24,8 27,9 27,6 20,3

Homens 10,4 11,0 9,8 9,9 9,9 9,5 0,0 0,0 0,0 15,0

Mulheres 27,1 29,1 32,3 33,2 32,6 30,5 24,8 27,9 27,6 26,1

MAIS DE 3 SM

Total 13,7 10,6 10,2 10,4 10,2 9,3 15,9 25,2 17,8 15,0

Homens 9,2 9,2 8,3 8,5 8,4 7,1 0,0 0,0 0,0 10,9

Mulheres 20,9 19,5 24,1 23,3 24,3 26,5 15,9 25,2 17,8 18,6

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2005).

Nas famílias com renda maior, nota-se a diminuição do tempo destinado aos

afazeres domésticos tanto pelas mulheres quanto pelos homens; o que pode ser

explicado, pois:

a) o tamanho da família é menor;

b) essas famílias têm condições de terem empregados domésticos

responsáveis pelos serviços dessa natureza.

Page 72: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

70

No caso das mulheres, o tamanho da família interfere na quantidade de

horas destinadas a esse tipo de atividade, independente da renda. No arranjo

familiar „casal sem filhos‟ e „casal com filhos‟ é possível observar o aumento da

jornada em função da presença dos filhos.

No caso dos homens, como já foi comentado anteriormente, a situação é

totalmente inversa. Não há uma explicação comprovada para tal questão, mas

acredita-se que a responsabilidade dos filhos e da casa seja da mulher. (SOARES,

SABÓIA, 2007).

Ainda, a maior jornada de dedicação aos afazeres domésticos é de 27,6

horas por semana no arranjo „mãe com filhos menores de 14 anos e de 14 anos ou

mais. A menor, 11,6 horas por semana, no arranjo „casal com todos os filhos de 14

anos ou mais‟. Em função dos dados apresentados, pode-se perceber que o tipo de

arranjo familiar influencia diretamente no tempo destinado aos afazeres domésticos

realizados pela população.

Nas famílias de baixo rendimento, a presença dos filhos menores de 14 anos

exige uma participação mais efetiva das mulheres nos afazeres domésticos. Como a

educação infantil e a educação obrigatória exigem cuidados especiais, as mães

acabam sendo responsáveis por essa tarefa, ampliando ainda mais o seu tempo de

dedicação aos afazeres domésticos.

3.3 TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER

3.3.1 Trabalho

Conforme os dados do DIEESE (2010), a jornada de trabalho foi reduzida

com o passar do tempo na grande maioria dos países. Enquanto por volta de 1870,

Page 73: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

71

trabalhava-se na faixa de 2964 horas por ano (nos Estados Unidos), um século

depois já se tinha apenas 1707 horas por ano no mesmo país.

Ainda, quando se avalia um espaço menor de tempo, mas num contexto

contemporâneo, percebe-se uma redução mesmo que simbólica. Analisando-se o

Japão (país com a segunda maior jornada na época): em 1979, sua jornada semanal

era de 47,3 horas (DIEESE, 2010); já em 1998, chegava a 42,5 horas (OIT, 2010).

No caso do Brasil, embora a legislação trabalhista limite a jornada a 44

horas semanais, segundo os dados desse estudo, a jornada efetiva, em algumas

regiões, é divergente do estabelecido (exigindo mais dos trabalhadores). Os dados

do DIEESE (2010) mostram que, em 2007, a jornada média semanal dos

trabalhadores assalariados do comércio era de 50 horas no Recife, 47 horas no

Distrito Federal e em Salvador e 46 horas em São Paulo e porto Alegre. Segundo a

mesma fonte de dados, a realidade de São Paulo aponta que 37,4% (2007) dos

assalariados trabalham mais do que a jornada legal.

Na PNAD (2007), quando se analisa por faixa etária, os dados mostram que,

na esfera do trabalho, os homens (principalmente na faixa etária de 25 a 49 anos)

trabalham mais que as mulheres chegando a uma jornada média de 45,2 horas; e,

no caso das mulheres, a jornada média é de 36,8 horas (na faixa etária de 18 a 24

anos).

Analisando-se a jornada de trabalho quanto à atividade desenvolvida, a qual

alcançou a maior jornada semanal foi a dos empregadores tanto no caso dos

homens (49,2%) como no caso das mulheres (45,4%) (IBGE, 2005). Isso quer dizer

que não são somente os trabalhadores que têm uma jornada longa, mas alguns

empregadores se encontram em situação semelhante.

Outro ponto avaliado diz respeito ao tempo de deslocamento do domicílio

para o trabalho. Aponta-se que 75% dos trabalhadores vão direto de seus domicílios

para o trabalho; destes, 68% levam até 30 minutos para tanto e 22,2% levam entre

30 minutos e 1 hora. Observa-se ainda que as mulheres gastam menos tempo no

deslocamento (71%) quando comparadas aos homens (66,3%). (IBGE, 2005).

Quando se avalia os dados apresentados em conjunto com o manifesto „O

direito à preguiça‟ percebe-se que a duração da jornada de trabalho mudou, mas

não tanto quanto era defendido na época (3 horas diárias) por Lafargue (1992)

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72

A mudança maior deu-se na sofisticação da vida dos trabalhadores. Isso

aconteceu, entretanto, o tempo que o trabalhador ganhou em função das conquistas

trabalhistas não é destinado a ele próprio; mas, muitas vezes à prolongação do

trabalho além do ambiente laboral (internet, celular, entre outras maneiras) e à lógica

do capitalismo.

Outro ponto percebido, é que assim como aumenta a faixa etária (de 18 até

49 anos), aumenta-se também a quantidade de horas trabalhadas semanalmente,

tanto para homens quanto para mulheres.

3.3.2 Tempo livre e lazer

O tempo livre está vinculado ao tempo de trabalho. Os valores do trabalho

exaltam a produtividade e transformam o tempo em mercadoria e dinheiro (WEBER,

2001). Assim, o tempo livre acaba sendo „cronometrado‟ como o tempo de trabalho.

Isso faz com que os trabalhadores acreditem que o tempo livre também deva ser

produtivo.

Para melhor análise das esferas do tempo livre e lazer, retomam-se os

conceitos defendidos por Elias e Duning (1992) através do espectro do tempo livre, o

qual é dividido em três categorias, a saber:

a) Rotinas do tempo livre (Provisão rotineira das próprias necessidades

biológicas e cuidados com o corpo e o governo da casa e rotinas

familiares): essas atividades são compreendidas como rotineiras e

inerentes à sociedade contemporânea;

b) Atividades intermediárias (trabalho particular – não profissional,

atividades religiosas, atividades de formação de caráter mais

voluntário, socialmente menos controlado e com frequência de caráter

acidental): aqui encontram-se as atividades voltadas às necessidades

de formação, autossatisfação e autodesenvolvimento, essas são

atividades também rotineiras mas em um grau menor de frequência;

Page 75: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

73

c) Atividades de lazer (atividade pura ou simplesmente sociável,

atividades de jogo ou miméticas, miscelânea de atividades de lazer

menos especializadas com o caráter vinculado de agradável destruição

da rotina e com frequência multifuncional): essas atividades envolvem

a destruição da rotina e alívio das restrições.

Retomando os dados apresentados pela PNAD (2005) e fazendo uma

análise considerando a média do tempo gasto pelos trabalhadores com base na

jornada semanal, tem-se: tempo de trabalho (8 horas diárias), intervalo entre a

jornada de trabalho para alimentação (1 hora), tempo de deslocamento (1 hora),

ponderando que as pessoas precisam de 8 horas de sono e gastam, na média, 5

horas com afazeres domésticos, resta apenas 1 hora diária para o lazer, estudos,

cuidados pessoais, entre outras atividades.

Percebe-se, segundo a teoria elisiana, que as atividades desenvolvidas

pelos trabalhadores brasileiros são bastante rotineiras e tomam praticamente todo o

tempo, não restando alternativa para que o tempo seja destinado ao lazer. Ainda na

perspectiva de Elias, o tempo passou a ter um novo componente: o trabalho fora do

trabalho.

Na verdade, a relação existente entre trabalho, tempo livre e lazer é

interdependente. O tempo livre está condicionado ao tempo de trabalho e, ainda,

relaciona-se diretamente à prática do lazer. Assim, o lazer também está

condicionado ao tempo de trabalho, entretanto é uma opção e possibilidade

Retomando as ideias apresentadas por autores que forneceram o suporte

teórico do presente estudo, o trabalho foi apresentado como elemento estruturante e

central na vida humana, sendo realizado de acordo com as regras impostas pelo

sistema capitalista: formando e deformando o tempo, situação essa que influencia

diretamente no tempo livre.

Na Antiguidade, esse tempo praticamente não existia, pois quando não

estava desenvolvendo suas atividades profissionais, o trabalhador precisava

recompor suas forças para voltar ao trabalho em função das longas jornadas.

Essa época não é foco do estudo em questão, mas através da literatura

disponível, a realidade apresentada é de jornadas de trabalho excessivas, crianças

Page 76: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

74

trabalhando, pessoas envelhecendo precocemente nas fábricas. Para os

trabalhadores, o divertimento ou o lazer praticamente não existia.

Após a Revolução Industrial, a tecnologia ganhou espaço. Taylorismo,

fordismo, toyotismo são modelos que foram criados para auxiliar o gerenciamento

das crescentes organizações e a introdução de novas tecnologias. Com isso, o

trabalhador passou a ser explorado de outra forma, pois os produtos passaram a ser

fabricados em menor espaço de tempo, mas isso não permitiu o aumento do seu

tempo livre.

Seja pelas reivindicações feitas pelos trabalhadores, seja pelo progresso da

sociedade, as transformações foram acontecendo. Ainda que hoje questões

criticadas por Lafargue (1992) no final do século XIX possam ser vistas ou que a

realidade seja mais sofisticada, o tempo livre foi modificado, expandido e

diversificado.

Nesse sentido, o lazer também sofre e vai sofrer alterações, sempre

condicionado à lógica do trabalho. O tempo livre que poderia ser destinado ao lazer

é intensamente usado para a preparação do trabalho e na busca pela garantia

deste, através da competitividade profissional, aquisição de bens ou serviços, entre

outras questões que estão disponíveis e são valorizadas pela sociedade do

consumo.

A relação entre trabalho, tempo livre e lazer é bastante complexa, muitas

vezes conflitante e antagônica. O tempo de trabalho concerne à necessidade,

enquanto tempo livre, à liberdade; condições essas adversas à superação da

exploração dos trabalhadores.

Page 77: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

75

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o uso do tempo seja um tema recente no meio acadêmico, vem

ganhando cada vez mais espaço entre os estudiosos. Diversos países iniciaram a

implementação de levantamentos para conhecer o uso do tempo de sua população

e, no caso do Brasil, é através da PNAD que tal assunto passou a ser aval iado com

maior ênfase por meio de informações sobre a execução e o tempo de dedicação

aos afazeres domésticos da população brasileira.

O conhecimento desse tema possibilita confrontar o uso do tempo em duas

esferas: primeira, aquele voltado ao trabalho e o gasto com deslocamento para a

sua realização; segunda, é aquele destinado à organização familiar. Ambas sofrem

influência das alterações que acontecem no mundo, sejam estas tecnológicas,

políticas, econômicas, legais, sociais ou culturais.

As transformações ocorridas no mundo do trabalho, principalmente após a

Revolução Industrial, têm mostrado a necessidade de alterações nas relações de

trabalho já que este é inerente à condição humana e elemento estruturante da vida

social, além de influenciar diretamente na distribuição do uso do tempo.

Na sociedade capitalista, a utilização do uso do tempo está sujeita a

influência das organizações governamentais e culturais, as quais acabam por

regular a duração e a interdependência entre trabalho, tempo livre e lazer. Muitas

vezes, não é possível dispor de forma autônoma do seu uso, pois a alocação do

mesmo acaba sendo imposta.

A preocupação com a jornada de trabalho tem duas vertentes: primeiro, os

defensores da redução com justificativa nos avanços tecnológicos que proporcionam

maior produtividade sem a necessidade de maior tempo de serviço; segundo,

aqueles que acreditam que a redução da jornada de trabalho é um estratégia para o

combate ao desemprego (ideia esta já defendida por Lafargue, em 1883).

Percebe-se que as duas vertentes têm preocupação de caráter econômico.

O uso do tempo está condicionado, nesse sentido, à lógica da maior eficiência e da

concorrência capitalista, sendo capaz de gerar oportunidades de novos postos de

trabalho. Mas as consequências de tal ação também implicam sobre o uso do tempo

em todas as esferas, principalmente na social, já que ambas estão relacionadas.

Page 78: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

76

Não obstante a tantas alterações no mundo do trabalho, benéficas ou

maléficas ao próprio trabalhador, é necessário entender que este é um elemento

estruturante da vida social. Trabalhar é e sempre será condição de sobrevivência e

dependente da administração do tempo para a sua execução.

Não existe somente o tempo de trabalho ou de realização de atividades

laborais ou, ainda, tempo para recuperação das forças para se voltar ao trabalho.

Este é o único meio de sobrevivência na sociedade capitalista, entretanto faz-se

necessário uma alteração dessa concepção, pois este não é o único motivo de se

viver, mas apenas um deles.

Na sociedade capitalista prevalece o consumo, a aquisição de bens; e isso,

faz com que o trabalho influencie diretamente no tempo livre e este, por sua vez, no

tempo destinado ao lazer.

Esse estudo apontou alguns aspectos da disparidade de gênero inerentes à

vida familiar no que diz respeito à execução dos afazeres domésticos. Pode-se

observar, de uma forma geral, que as atividades voltadas aos afazeres domésticos

são necessariamente destinadas às mulheres. Mesmo assim, a participação dos

homens tem crescido, principalmente entre os mais velhos. O fato de não existir um

detalhamento das atividades realizadas e por quem são realizadas, dificulta um

pouco a compreensão do universo masculino e feminino no ambiente doméstico.

Entretanto, percebe-se a diferenciação da utilização do tempo em atividade

remunerada e não remunerada através das variáveis sócio-demográficas.

O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho não fez

com que estas abandonassem os afazeres domésticos, muito pelo contrário, em

diversos momentos pode-se verificar até o aumento (da jornada) de trabalho em

função da dupla jornada que as mesmas se sujeitam.

Mesmo a jornada de trabalho das mulheres sendo menor que a dos homens,

quando se soma a quantidade de horas dedicadas à execução dos afazeres

domésticos e família, essa carga horária chega a ser 5 horas por semana maior que

a carga masculina.

A desvantagem não é somente no que se refere à jornada de trabalho, seja

esta profissional, familiar ou doméstica, mas a dificuldade de conciliação dos papéis

que precisam ser cumpridos, fazendo com que o tempo que sobra seja insuficiente

Page 79: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER: uma reflexão sobre o uso do ...

77

para ser dedicado de maneira eficiente aos estudos e as atividades de lazer,

necessárias para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Essa disparidade

entre a esfera econômica e social é motivo de desequilíbrio social e, no Brasil,

amplia a desigualdade.

O trabalho e a sua jornada é um fator central da dimensão do uso do tempo.

Nesse contexto, surge a necessidade de articular esse uso de forma mais

abrangente, principalmente no que concerne ao seu impacto na vida dos

trabalhadores.

O que ficou claro, através da PNAD, é que mercado de trabalho tem

caráter masculino e, afazeres domésticos, feminino. Na verdade, a jornada de

trabalho das mulheres acaba sendo muito maior quando comparada à dos homens.

O tempo pode ser aproveitado de diversas formas com atividades não laborais, sedo

uma delas as atividades de lazer. Nesse sentido, outro ponto a ser levantado é a

questão do tempo que „sobra‟ para dedicar ao lazer. Através dos dados

apresentados, percebe-se que este é bastante inferior aos demais. E as atividades

ligadas a esse tipo de atividade têm influencia indescritível na vida dos trabalhadores

no que diz respeito à qualidade de vida.

O resgate da importância do lazer torna-se uma necessidade a partir do

momento que este contribui para a formação e desenvolvimento da integridade física

e moral dos indivíduos. O lazer é um valor em crescimento e envolve diferentes

áreas de interesses (físicos, práticos, artísticos, intelectuais e sociais) de acordo com

o nível social, cultural e profissional.

Vale ressaltar que trabalho, tempo livre e lazer são interdependentes mesmo

estando em esferas diferentes. Sendo assim, é imprescindível tratar o tempo como

elemento estruturante da vida humana.

Por fim, para o desenvolvimento de trabalhos futuros sugere-se que sejam

realizados estudos focalizados, em grupos específicos, considerando váriaveis como

descanso no trabalho, lazer, atividades de trabalho no tempo livre entre outras.

Assim, realidades específicas poderão ser aprofundadas, considerando que o Brasil

é um país de dimensão continental composto por realidades muito distintas.

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