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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA MARINHA • Nº 466 • ANO XLII AGOSTO 2012 • MENSAL • € 1,50 TRADIÇÃO E MODERNIDADE CRUZAM-SE NO TEJO

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PUBLICAÇÃO OFICIAL DA MARINHA • Nº 466 • ANO XLII AGOSTO 2012 • MENSAL • € 1,50

TRADIÇÃO E MODERNIDADECRUZAM-SE NO TEJO

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Viagem de Cadetes da Reserva MarítimaNE SAGRES – 1953

Foi no Verão de 1953 que, após vários dias de mar, sem terra à vista, nem adivinhar para onde o Comandante Dentinho nos estava a levar, acabámos por alcançar terra.

Era terra Lusa: Lagos (Algarve).Já o Sol se encaminhava para outras longitudes, quando o

pano foi arreado e a SAGRES rumou com o seu fraco motor para fundear na baía de Lagos.

Chegados que fomos ao ponto que o Cdt. Dentinho con-siderou como mais conveniente para fundearmos, foi o f erro largado.

Só que aconteceu o mais inesperado: ao bater no fundo, o ferro soltou-se por se ter partido o anete. E assim ficou a S AGRES com a amarra penduradíssima e à deriva...

Deixando-nos o Sol em adiantado estado de ocaso, nada mais restou do que voltar à “segurança” do mar alto. Por onde nos mantivemos durante toda a noite.

Logo que os primeiros laivos de luz se adivinharam no horizonte, rumámos de novo a Lagos.

Arreado todo o pano, entrando com o motor muito devagar, parámos perto da bóia de arinque. Desceu então o comandante (“fardado” de calções e camisola de alças) para um bote onde jingou até à bóia de arinque.

Aí chegado foi ele que, após localizar a prumada da bóia, deu indicações para posicionar a SAGRES no local que lhe pareceu mais conveniente.

E ordenou então o arriar do segundo ferro. E sondou de novo a boia de arinque, após o que ordenou levantar o s egundo ferro.

Ferro esse que, quando surgiu fora de água, nos surpreen-deu com a apresentação do ferro perdido no dia anterior pen-durado numa das suas patas! O segundo ferro fora largado com tamanha precisão e alguma dose de sorte que “pescara” o primeiro. Aquele que, de outra forma, estaria condenado a apodrecer na baía de Lagos. SÓ E ABANDONADO.

Abílio Ferreira Capitão da Marinha Mercante Portuguesa

Ex-Cadete 393 da Reserva Marítima

O Comandante Luciano Sena Dentinho pertence àquele grupo de velhos marinheiros de pele curtida pelo tempo, pelo sol e pelo frio, de temperamento tenaz, vontade fér-rea, que hoje para todos nós são já uma lenda!

São daqueles que nos vêm à memória quando evoca-mos o Sudoeste Rijo!

Uma das suas últimas missões, mais visíveis, foi a de c omandar o Bergantim Real que transportou a Rainha Isabel II de Inglaterra do iate “Britânia” para o Cais das Colunas, no Terreiro do Paço, em 1957.

Viagem de Cadetes da Reserva MarítimaNE SAGRES – 1953

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Publicação Oficial da Marinha

Periodicidade mensalNº 466 • Ano XLII

Agosto 2012

DiretorCALM EMQ

Luís Augusto Roque Martins

Chefe de RedaçãoCMG Joaquim Manuel de S. Vaz Ferreira

Redação1TEN TSN Ana Alexandra Gago de Brito

Secretário de RedaçãoSAJ L Mário Jorge Almeida de Carvalho

Colaboradores PermanentesCFR Jorge Manuel Patrício Gorjão

CFR FZ Luís Jorge R. Semedo de MatosCFR SEG Abel Ivo de Melo e Sousa1TEN Dr. Rui M. Ramalho Ortigão Neves

Administração, Redação e PublicidadeRevista da Armada

Edifício das InstalaçõesCentrais da Marinha

Rua do Arsenal1149-001 Lisboa - Portugal

Telef: 21 321 76 50Fax: 21 347 36 24

Endereço da Marinha na Internet http://www.marinha.pt

e-mail da Revista da Armada [email protected]

Paginação eletrónica e produçãoPágina Ímpar, Lda

Tiragem média mensal:4500 exemplares

Preço de venda avulso: € 1,50Revista anotada na ERC

Depósito Legal nº 55737/92ISSN 0870-9343

SUMÁRIO

ANUNCIANTES: LISSA - AGÊNCIA DE DESPACHOS E TRÂNSITOS, Lda.; ROHDE & SCHWARZ, Lda.

Revista da aRMada • AGOSTO 2012 3

Foto 1MAR M Ferreira.

O Tridente na américa.

5

22semelhanças e Relações entre Nápoles e Portugal.

O Bérrio e o Conflito das Falkland30 anos.

17

13a navegação aérea:

da astronomia à electrónica.

viaGeM de Cadetes da ReseRva MaRÍtiMa Ne SAGRES – 1953 2REFLEXÃO ESTRATÉGICA 5 4VOLVO OCEAN RACE, Mais QUe UMa ReGata 6a SAGRES Na VOLVO OCEAN RACE 7POLÍCIA MARÍTIMA. MISSÃO VOLVO OCEAN RACE CUMPRida COM sUCessO 8dia da MaRiNHa dO teJO – 2012 9COOPERAÇÃO TÉCNICO-MILITAR COM CABO VERDE 10COMISSÃO CULTURAL DA MARINHA 12A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (33) 16JORNADAS DO CONHECIMENTO SITUACIONAL MARÍTIMO 21XIX ENCONTRO NACIONAL DE COMBATENTES 26NRP ÁLVARES CABRAL 27ESCOLA NAVAL 28HieRaRQUia da MaRiNHa 19 / viGia da HistÓRia 46 29NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (15) 30XXXI PEREGRINAÇÃO MILITAR A FÁTIMA 31QUARTO DE FOLGA / CONVÍVIOS 33NOtÍCias PessOais / CONvÍviOs 34NAVIOS HIDROGRÁFICOS CONtRaCaPa

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4 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

A visão estratégica e holística do uso do mar

No passado os oceanos eram comum-mente entendidos como uma fonte inesgotável de recursos, capaz de resis-

tir a todos os abusos dos utilizadores, e como via privilegiada de comunicações, livre de res-trições impostas pelos interesses do Estado cos-teiro. Durante séculos, apesar dos problemas decorrentes dos actos de pirataria e dos riscos associados à poluição ambiental e às catástrofes naturais, as espécies piscícolas abundaram, os resíduos lançados ao mar criaram apenas difi-culdades locais e temporárias, as orlas costeiras não sofreram impactos relevantes, a navegação fez-se sem quaisquer limitações e a protecção do património cultural não constituiu uma pre-ocupação. Foi neste contexto que, no início do século XVII, ultrapassada a diver-gência doutrinária entre os par-tidários dos princípios do mare clausum e do mare liberum, se afirmou o conceito de liberda-de dos mares, baseado na visão idealista de que o exercício do direito do seu uso por parte de uma entidade, dificilmente acar-retaria a violação dessa mesma prerrogativa por parte de outros usufrutuários.

A única excepção que o con-ceito de liberdade dos mares ad-mitiu, prendeu-se com a defini-ção de uma jurisdição marítima confinada às necessidades de defesa do Estado costeiro. Para isso, foi estabelecida uma faixa de três milhas de largura ao longo da costa, cujo limite exte-rior se designava por “linha de respeito”, que correspondia, aproximadamente, ao alcance máximo de um canhão no século XVIII. Nessa estreita bordadura, designada por mar territorial, ganhou expressão o costume do Estado costeiro ser o único titular de soberania, com legitimi-dade exclusiva para afirmar a autoridade. Em toda a restante área, o mar foi entendido como um bem não apropriável por nenhum Estado.

Após a II Guerra Mundial, as crescentes neces-sidades de recursos naturais, sobretudo energé-ticos, das economias pujantes, e os rápidos pro-gressos da ciência e da tecnologia, fomentaram o início da corrida ao mar, anulando, progres-sivamente, a visão idealista do uso do mar, por esta já não traduzir a realidade da actuação do Estado costeiro. Uma consequência substantiva desta corrida ao mar, em que o Tratado de Pária (1942) assumiu um papel preponderante como iniciador de uma nova realidade, verificou-se em 1958, com a realização da conferência de Gene-bra. Nela foram reconhecidos os direitos sobe-ranos do Estado costeiro sobre o mar territorial, até ao limite máximo de 12 milhas da costa, e

sobre a respectiva plataforma continental, até à profundidade de 200 metros. Este regime foi re-forçado em 1982, com a assinatura da Conven-ção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), que fixou os limites do mar territorial nas 12 milhas a partir das linhas de base recta, e criou as Zonas Económicas Exclusivas até às 200 milhas. Também estabeleceu as normas do Direito Internacional para a concretização das pretensões do Estado costeiro estender a sua pla-taforma continental a distâncias da costa que po-dem ser superiores às 350 milhas.

As extensões das plataformas continentais tor-naram evidentes que, no século XXI, a concep-ção e a concretização do uso do mar, exigem a adopção de uma visão estratégica e holística,

essencial para que o Estado costeiro possa, em simultâneo: dispor do cimento conceptual im-prescindível à preparação e ao emprego do seu poder na preservação dos interesses marítimos nacionais; e disfrutar da integração das capaci-dades multidisciplinares e especializadas nas áreas política, económica, ambiental, cultural e securitária de actuação no mar.

Para o Estado costeiro, a premência da visão estratégica do uso do mar, justifica-se pelo fac-to de esta despertar a mentalidade, reforçar a vocação e mobilizar a vontade marítima dos cidadãos, para identificar e defender os seus in-teresses marítimos, e para edificar, organizar e empregar todas as capacidades do país nas ac-ções que, centradas no mar, contribuem para o seu desenvolvimento e segurança. Porém, a ac-tual visão estratégica do uso do mar não pode continuar focalizada apenas na preparação e no emprego das capacidades políticas e secu-ritárias, que prevaleceram na actuação marítima do Estado costeiro durante o século passado. A globalização e as disputas em torno dos interes-ses marítimos dos Estados costeiros implicam, agora, o contributo adicional das capacidades económica, ambiental e cultural, integradas no contexto de uma visão holística do uso do mar, fulcral para se poder fazer face à verdadeira di-

mensão dos desafios marítimos actuais. Assim é porque, embora cada uma das referidas ca-pacidades possua grande relevância individual, não chega, por si só, para garantir o uso do mar numa conjuntura internacional, onde as amea-ças e as oportunidades marítimas se misturam e relacionam de forma inextricável e imprevisível. Na realidade, cada uma daquelas capacidades marítimas especializadas, apenas proporciona acções sectoriais diferenciadas, cuja utilidade, em termos das políticas públicas do Estado cos-teiro, é incomparavelmente menos relevante que a resultante da adopção da visão holística, potenciadora da actuação multidisciplinar e in-tegrada de tais capacidades.

Nestas circunstâncias, só uma visão estratégi-ca e holística do uso do mar pode proporcionar aos diferentes secto-res do Estado costeiro uma idênti-ca percepção das ameaças e das oportunidades marítimas e, em simultâneo, favorecer o desenvol-vimento de um esforço conjunto e concertado, baseado num sentido de partilha de responsabilidades, numa atitude de permanente aber-tura e de uma postura de constante determinação, tendo em conta os respectivos meios, mandatos, fun-ções e autonomia no processo de tomada de decisão relativamente

às matérias e actividades relacionadas com o mar. Para isso, como as competências marítimas, na generalidade dos Estados costeiros, estão re-partidas por diversos departamentos públicos, é necessário criar, fortalecer e dinamizar os ór-gãos de diálogo, de fomento de confiança e de tomada de decisão, focalizando-os no estabe-lecimento de parcerias e no desenvolvimento de sinergias entre todos os agentes envolvidos. Neste contexto, é especialmente relevante: a ar-ticulação do planeamento estratégico das capa-cidades públicas marítimas; a partilha de meios, saberes, experiências e competências; e a coor-denação e colaboração na actuação dos dife-rentes departamentos públicos. Na consecução destes três proeminentes propósitos, o cimento conceptual proporcionado pela abordagem es-tratégica e a integração das capacidades resul-tante da abordagem holística, têm uma função decisiva, porque só ligando e dinamizando to-dos os vectores de acção marítima do Estado costeiro, se viabiliza o seu uso na justa medida dos interesses de cada país.

António Silva RibeiroCALM

N.R.O autor não adota o novo acordo ortográfico.

A visão estratégica e holística do uso do mar

REFLEXÃO ESTRATÉGICA 5

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 5

a viagem cujo presente relato pretende ilustrar, refere-se à primeira travessia do Atlântico Norte efectuada por um

submarino Português, 99 anos após a cria-ção da Arma Submarina em Portugal.

O facto dos submarinos da classe TRIDEN-TE, com a sua tecnologia e autonomia, terem visto aumentado o seu raio de ação, permite ao Estado Português exercer a sua influência por suposta presença mais além. Assim, esta foi a oportunidade de comprovar esta mais valia num cenário real. A necessidade de se proceder à certificação do Sistema de Armas do submarino, permitiu o convite para par-ticipar no exercício War 1812 - Fleetex, por parte da US Navy, no decorrer das comemo-rações do Bicentenário da Guerra de 1812, que colocou frente a frente as potências ma-rítimas dos Estados Unidos da América e da Inglaterra. Nesta conjugação de circunstâncias criou-se o cená-rio ideal para mais uma vez de-monstrar as capacidades da Ma-rinha Portuguesa, que tem nos submarinos da classe TRIDENTE uma arma dissuasora de signifi-cativo impacto, reconhecida na comunidade naval internacional.

A viagem começou no dia 25 de maio de 2012, cerca de um mês e meio após a saída de Kiel, onde durante 8 meses o navio so-freu uma rigorosa e meticulosa in-tervenção nos estaleiros da HDW e de exigente acompanhamento por parte da guarnição, por for-ma terminar fase de garantia do NRP Tridente.

À passagem de Entre-Torres o espírito pre-sente era de desafio pelos cerca de 20 dias de viagem que se avizinhavam. O tempo de imersão que se aproximava não era variável desconhecida para a experiente guarnição do NRP Tridente, no entanto, o factor psi-cológico da distância a percorrer e o peso de uma travessia oceânica, era um desafio nunca antes enfrentado e neste ponto, este era o nosso “Monstrengo” e presente no nosso espírito estava a vontade de querer “o mar que é teu”1.

O planeamento da viagem, contemplou um vasto cardápio de exercícios de ades-tramento da guarnição, que cobriram todas as áreas de funcionais de bordo, desde a limitação de avarias, operações, manobra de embarque rápido de armas, manobra da plataforma, navegação e comunicações. A organização a bordadas durante os 20 dias de viagem permitiru uma elevada percenta-gem de execução do planeamento de exer-cícios e um incremento do nível de ades-tramento da guarnição para os desafios que se aproximavam.

Paralelamente ao planeamento de exer-cícios a atividade de bordo teve a normal

componente de manutenção do material onde os desafios com que se depararam os técnicos de bordo foram claramente supera-dos, alicerçados no seu conhecimento téc-nico e experiência da plataforma.

Quanto à travessia do Oceano Atlântico, o caminho até às nossas ilhas do Açores era conhecido pela maioria, pelo que o primei-ro terço da viagem foi tranquilo e em águas conhecidas.

À passagem pela da ilha das Flores, en-trámos para lá do nosso “Bojador”. O co-nhecimento das características do meio sub-marino era limitado e novidade para todos. O mau tempo à superfície, ondulação 5 a 6 metros tornava bastante complicada a nos-sa navegação snorkel e os nossos ouvidos começavam a ressentir-se. Todos os subma-rinistas embarcados conheciam os efeitos

do fecho da válvula de cabeça, mas o facto de estarmos em território nunca antes ex-plorado e indefinição do que nos esperava pela frente, tornava mais difícil que o ha-bitual lidar diariamente com os efeitos da depressão atmosférica, ainda mais quando nos dias subsequentes não havia previsão de melhorias, pois o anti-ciclone dos Aço-res teimava em não se deslocar para norte de forma trazer-nos a tão esperada bonança. Para ajudar, o efeito da Corrente do Labra-dor associada à Corrente do Golfo começou a fazer-se sentir, incrementando dificuldade ao avanço do navio induzindo uma corrente contra de cerca de 4 nós. Este facto obrigou a um ajustamento do planeamento, basea-do num elevado grau de incerteza, quan-to à altura ideal para realizar as cargas da bateria, às idas para a imersão profunda e consequente determinação da cota ideal por forma minimizar o efeito da corrente.

A passagem de uma tempestade tropical que se fez sentir aos 50 metros de profun-didade, tendo por base os registos de ban-da e caimento, normalmente estáveis, do sistema de gestão de dados de navegação, tornava percetível a razão de um elevado nível de ruído ambiente na nossa escuta,

onde nem os nossos habituais companhei-ros de viagem, os habitantes das profun-dezas se faziam ouvir. Nos resquícios da passagem da frente, em mais uma exigente navegação snorkel, foi avistada no periscó-pio uma tromba de água, sinal da violência da tempestade que acabávamos de passar.

O efeito da corrente, o estado de mar alteroso e os fenómenos meteorológicos observados, faziam surgir diversos comen-tários no sentido de que o “Rei Neptuno” estaria a testar, mais uma vez, o marinheiro português. Desta vez não eram as caravelas com a cruz de Cristo, mas os 33 elementos da guarnição do seu novo Tridente, que só passando por esta provação, estariam aptos para cruzar os seus mares e ser dignos de operar a sua arma preferida ao serviço de Portugal e dos Portugueses.

Como é bem sabido e do co-nhecimento geral, a seguir à tem-pestade vem a bonança e esta trouxe navegações snorkel mais calmas. No entanto, o efeito da Corrente do Golfo continuava a fazer-se sentir. Apesar deste fac-to, através de um estudo empíri-co do efeito da corrente ao longo da coluna de água, foi possível cumprir com o planeamento de-finido, mantendo o submarino sempre dentro do Moving Ha-ven, ou seja dentro da área de-finida para uma navegação em imersão segura.

A chegada a Norfolk começou bem cedo, a cerca de 25 milhas

da costa, uma vez que as características da batimetria da zona obrigaram o submarino a fazer a aproximação a terra à superfície. A entrada no Hampton Road (que junta a foz dos rios James e Elizabeth), fez-se acompa-nhar de duas unidades da Guarda Costeira que escoltaram o navio até à base naval, evitando que qualquer curioso se aproxi-masse mais do que o permitido, face à gran-de curiosidade que um submarino conven-cional moderno naturalmente suscita.

Ao atracar, fomos recebidos pelos mili-tares portugueses que prestam serviço em unidades sediadas na Base de Norfolk e pe-los militares do USS Montpelier, que serviu como navio de acolhimento, tendo já agen-dadas diversas atividades de confraterniza-ção entre submarinistas das duas margens do Atlântico.

Os dias atracados servirão para descanso da guarnição e preparação da nova etapa desta missão histórica, que será provar, em cenário operacional, o verdadeiro valor da arma sub-marina operada por portugueses.

Colaboração do COMANDO DO NRP TRIDENTE

Notas1 in Mensagem, Fernando Pessoa

O Tridente na AméricaO Tridente na América

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6 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

a Volvo Ocean Race é muito mais do que apenas uma competição desporti-va. Como anunciado frequentemente,

é a “vida em condições extremas”. De facto, trata-se da regata oceânica mais longa da atua-lidade, implicando uma volta ao mundo intei-ramente à vela.

A primeira edição da regata começou a 8 de setembro de 1973, em Portsmouth, com a pri-meira etapa a terminar na Cidade do Cabo. Na altura apresentaram-se, à partida, 17 veleiros, com um total de 167 marinheiros a bordo. À largada, era difícil distinguir os veleiros concorrentes dos cerca de 3000 barcos de espectadores que se juntaram para assistir. Na verda-de, os veleiros em prova eram em tudo semelhantes aos comuns ia-tes à vela então existentes.

As origens da regata remon-tam, contudo, a finais da década de ‘60. Tudo terá começado com a Sunday Times Golden Globe Race, regata que teve apenas uma edição em 1968-69 e que consistiu na circum-navegação, sem escala e em solitário. Foi, sem dúvida, uma aventura para os mais destemidos, em que só nove marinheiros se apresentaram à largada. E no final, apenas Sir Robert “Robin” Knox-Jo-hnston terminou (em 313 dias) esta controversa regata, que entre muitas histórias contou com o suicídio de um dos velejadores em plena prova, o naufrágio de outro e, a mais bizarra de todas, a desistência de Bernard Moitessier, um lendá-rio velejador francês que desistiu da prova, apesar de se encontrar com forte possibilidade de ven-cer, alegando desinteresse pelo reconhecimento público. Segun-do Moitessier, a palavra “recorde” nunca fará sentido no mar. No en-tanto, Moitessier prosseguiu a sua viagem, acabando por completar a circum-navegação em solitário e continuando por mais 2/3 do percurso até concluir a sua aven-tura no Taiti. Ironicamente Moi-tessier conseguiu, com a sua via-gem, alcançar o “recorde” da navegação à vela, em solitário sem escala, mais longa de sempre, contabilizando um total de 37 455 milhas náu-ticas em 10 meses.

Guy Pearce e Anthony Churchill, dois ho-mens ligados à publicidade e às publicações náuticas, ficaram fascinados pelo feito de Robin Knox-Johnston que, com a vitória acima referi-da, se tornara no primeiro homem a efetuar a volta ao mundo, sem escala e em solitário. Isso levou-os a conceber e a propor à Royal Naval Sailing Association (RNSA) a realização de uma regata de circum-navegação à vela. Essa ideia viria a concretizar-se em 1971, em Portsmouth,

num encontro num pub local, entre o Almirante Otto Steiner, da RNSA, e o Coronel Bill Whit-bread, da família dona da cervejeira de mesmo nome. Aí, foi decidido avançar para a organiza-ção de uma regata de circum-navegação, com Otto Steiner a presidir à comissão de regatas e a marca “Whitbread” a patrocinar o evento.

Muito mudou entre a primeira edição e os dias de hoje. Dos primeiros participantes da re-gata, muitos eram aventureiros sem experiên-

cia náutica, tendo havido quem pagasse para poder participar como marinheiro a bordo. Já entre os skippers, não existia amadorismo, embora este tipo de regata fosse terreno des-conhecido para todos. Poucas ajudas à nave-gação existiam na altura, sendo a embarcação conduzida com recurso à navegação astronó-mica e estimada. O espírito era totalmente de aventura e não competitivo. Após a primeira etapa, os membros da tripulação do ‘Sayula II’ (que viria a ser o primeiro vencedor da regata)

contaram que consumiam, a bordo, a extra-ordinária média de seis garrafas de vinho por dia! Na verdade, era comum os navios terem os géneros alimentares acondicionados como nos nossos lares e também possuírem um cozi-nheiro a bordo, prática que desapareceu pou-co depois. Infelizmente, nesta primeira edição, perderam a vida três velejadores, sendo cinco, o total de vidas perdidas em todas as edições da Volvo Ocean Race.

Atualmente os veleiros Volvo Open 70 são o culminar de anos de investigação e evolu-ção. Nada é deixado ao acaso, dos materiais, ao desenho, passando pelo lastro e pelo pano.

Na realidade, os veleiros têm apenas dois ob-jetivos: competição e durabilidade. São fruto do desenho de arquitetos navais de grande ex-periência competitiva, como o argentino Juan Kouyoumdjian, conhecido por Juan K, ou o neo-zelandês Bruce Farr. Estes dois arquitetos desenharam alguns dos veleiros presentes nes-ta edição da Volvo Ocean Race. Juan K con-cebeu os veleiros das equipas Puma, Telefóni-ca e Groupama, sendo que Farr desenhou os

veleiros das equipas Abu Dhabi e Sanya (este último concebido em 2006 para a anterior edição da regata). Resta apenas o Vol-vo Open 70 da equipa Camper / Emirates Team New Zealand, que foi deixado à imaginação do espanhol Marcelo Botín. Os desenhos, porém, são obrigados a seguir algumas regras e dimen-sões, emitidas pela organização da Volvo Ocean Race.

Os hábitos de bordo são tam-bém adaptados à necessidade de

redução de peso. Contam-se mesmo histórias de partilha de escovas de dentes entre marinheiros! Tudo é revisto ao pormenor. Os marinheiros já não são simples aficionados por vela, alguns são velejadores olímpicos e muitos já participaram em anteriores edições desta grande prova. De facto, pode dizer-se que, para qualquer mari-nheiro, poder velejar num barco com 70 pés e um mastro com 31 metros de altura, a uma ve-locidade de mais de 20 nós à vela, pode ser um sonho, mas para alguns é apenas a sua profissão.

Na atual edição da prova, cada veleiro é guarnecido por uma equipa de 11 elementos, dos quais um é um jornalista que se encontra dedicado a registar os acontecimentos a bordo, recor-rendo a fotografia e a gravação de imagem. Importa aliás referir que nesta edição da prova, estes jornalistas marinheiros têm tido um extraordinário impacto, pois registam todos os acontecimen-tos com imagens que qualquer individuo pode visualizar, ape-

nas alguns minutos depois, em qualquer parte do globo! Isso significa que, atualmente, todos podem ver o que antes apenas se imaginava, a partir das histórias contadas pelos marinheiros.

Para finalizar, importa referir que na primeira edição, o recorde de milhas percorridas num pe-ríodo de 24 horas (isto é, o recorde de singradu-ra), pertenceu ao “Pen Duick VI”, do mítico Eric Tabarly, com o total de 305 milhas. Já em 2008, o “Ericsson 4” conseguiu 596,6 milhas em igual período – o que dá uma noção da evolução ve-rificada em cerca de 4 décadas!

Colaboração do COMANDO DO NRP SAGRES

Volvo Ocean Race, mais que uma regataVolvo Ocean Race,

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Cinco dos Volvo Open 70 no rio Tejo.

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O veleiro Camper na In-Port Race em Lisboa.

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 7

O navio escola Sagres marcou presença junto à Doca de Pedrouços, nas rega-tas de 8 e de 9 de junho, bem como na

largada para a 8ª etapa da Volvo Ocean Race (Lisboa-Lorient), ocorrida no dia 10 de junho – associando-se dessa forma à mais impressionan-te competição à vela, cuja dureza, adversidade e dificuldade estão bem traduzidas no lema “life at the extreme”.

No dia 8 de junho de 2012, dia Mundial dos Oceanos, a Sagres largou da Base Naval de Lisboa rumo à Doca de Pedrouços. Abrin-do caminho entre as largas deze-nas de embarcações que quiseram marcar presença neste evento, fundeou em frente ao Race Village para acompanhar a primeira rega-ta portuária, a Pro-Am, que decor-reu no período 13h00 – 15h00, da Doca de Pedrouços para jusante do rio, e que serviu de aquecimen-to para a In-Port Race pontuável do dia seguinte. Numa posição privilegiada, que a organização do evento fez questão de conce-der à Sagres, foi possível observar a escassos metros de distância as manobras dos Volvo Open 70, que, nesse dia, serviram de palco para repórteres e convidados, os quais puderam beneficiar de uma oportunidade única de embarcar nestes verdadeiros “Fórmula 1” dos mares.

No dia seguinte, 9 de junho, realizou-se a In-Port Race, entre Pedrouços e o Terreiro do Paço. Com apenas 21 pontos a separar as tripulações do topo – Team Tele-fónica, Groupama, Puma e Cam-per / Emirates Team New Zealand – e com a In-Port Race a valer 6 pontos para o primeiro classifica-do, a competição estava ao rubro,

principalmente para as equipas do Team Telefó-nica e do Groupama, separadas por apenas 3 pontos na tabela geral. Mais uma vez a Sagres, fundeada junto à largada, acompanhou de per-to esta regata, na companhia de muitas dezenas de embarcações e veleiros, que ocupavam uma enorme faixa do Tejo. A In-Port Race acabaria por se revestir de grande emotividade, com pe-nalizações, cabos partidos, velas largadas ao

mar, situações de colisão iminente e a tripula-ção do Groupama a fazer a festa final, ganhando a regata e saltando para a liderança da prova.

No dia 10 de junho, pelas 13h00m em fren-te à Doca de Pedrouços, a frota de seis veleiros desta regata de circum-navegação iniciava a sua 8ª etapa, com a Sagres, o Creoula e o Iate Dona Amélia fundeados em posições pré-de-finidas que delimitavam o perímetro de segu-

rança da regata. Ao som do tiro de largada, protagonizado por SEXA o Presidente da República, os seis veleiros concorrentes dispararam em direção ao Terreiro do Paço, manobrando e mareando com uma velocidade estonteante. Si-multaneamente, num contraste impressionante entre a tecnologia e a tradição, a Sagres içou e caçou todo o pano, cruzando-se a meio do Tejo com a frota de veleiros competidores e com outras cente-nas de embarcações que acompa-nharam a prova, proporcionando imagens únicas a quem seguia a regata ao vivo, na televisão e na in-ternet. Começou assim, de forma espetacular, esta tirada de 1940 milhas, em que os veleiros iriam contornar os Açores e terminar em Lorient, França, escala seguinte da Volvo Ocean Race.

Em pleno dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Por-tuguesas, a Sagres subiu depois o rio Tejo, navegando à vela na com-panhia dessas inúmeras embarca-ções, proporcionando uma expe-riência inesquecível para muitos e mostrando, de forma inequívo-ca, o apego do povo português pelo mar.

Colaboração do COMANDO DO NRP SAGRES

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A Sagres cruzando-se com Puma. A Sagres subindo o Tejo acompanhada por dezenas de veleiros.

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8 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

a mítica regata Volvo Ocean Race marcou a sua presença em Portugal, pela primei-ra vez, de 31 de maio a 10 de junho.

Lisboa foi a cidade escolhida para o final da 7ª etapa, da 11ª edição da prova. Para receber a competição a “João Lagos Sports” (JLS), firma que trouxe para o nosso país esta importante competição internacional de vela, preparou, na Doca de Pedrouços, todas as infraestruturas ne-cessárias, criando para o efeito um recinto único no seu género, que se designou por Race Vilage. Este espaço contou com a presença de diversos expositores, entre os quais a Marinha, teve dis-ponível ao público, em geral, vários simulado-res, entre eles o nosso de navegação, dispôs de locais de comes e bebes e contou ainda com uma grande variedade de espetáculos mu-sicais e de atividades desportivas, mais vi-radas para os jovens.

A segurança do evento, quer da Race Village, quer do campo de regatas, espa-ços de jurisdição da Capitania do Porto de Lisboa (CPL), foi planeada e executada pela Autoridade Marítima Local, em articulação com a JLS, a PSP e a Proteção Civil de Oei-ras e de Lisboa. A execução das tarefas de interdição e de assegurar a manutenção e reposição da ordem pública estiveram a cargo da Polícia Marítima (PM) de Lisboa. Este evento representou um grande desafio para esta força, não por haver alguma dú-vida sobre a sua capacidade para cumprir com sucesso tal desiderato, mas sim, pelo facto, de ter que empenhar grande par-te dos seus recursos humanos e náuticos, sem descurar todos as outras tarefas que garantem a segurança dos espaços de ju-risdição da CPL.

A primeira prova de fogo ocorreu logo no dia 31 de maio, com a chegada noturna dos veleiros, onde foi necessário fazer o acompa-nhamento individual, em segurança, de todas as embarcações, desde Entre-Torres até à linha de chegada, em frente à Doca de Pedrouços. A grande concentração de embarcações de re-creio, e não só, ao longo de toda a entrada da barra, e em especial junto à linha de chegada, não facilitou de forma alguma a tarefa. Contu-do, a ação dos agentes da PM, conjugada com o bom desempenho dos meios náuticos e dos sistemas de comando, controlo e comunica-ções, permitiram trazer, sem sobressaltos de maior, os veleiros até ao destino. Para evitar al-guma situação desagradável, atendendo sobre-tudo ao facto destes veleiros terem um patilhão com cerca de 5 metros de comprimento, foi ne-cessário colocar a lancha aladora (de redes) da PM, 2 dias antes da chegada, a percorrer toda a extensão da entrada da barra, várias vezes ao dia, para garantir que não existiam artes de pes-ca no trajeto, que pudessem impedir a entrada em segurança dos concorrentes, em Lisboa, o que foi conseguido com êxito.

A vigilância e o policiamento da Race Village contaram, diariamente, com a presença perma-nente de agentes da PM, desde a sua abertura até ao seu fecho. O dispositivo foi variável em quantitativo, tendo em conta, entre outros fato-res, o grau de ameaça definido para o evento, os períodos de maior afluência de público e a presença de altas entidades, das quais se des-tacam Suas Exas. o Presidente da República, o Presidente da Câmara de Lisboa, o Príncipe das Astúrias, o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada.

Os maiores desafios para a PM estavam reser-vados para os períodos de treino dos veleiros da Volvo Ocean Race, no rio Tejo, nos dias 7 e 8 de junho, e para as regatas oficiais, nos dias 9 e 10

de junho. Nestes dias foi necessário interditar e garantir a segurança da navegação no seu inte-rior, num vasto troço do rio, desde a Doca da Marinha até à praia da Cruz Quebrada, junto à estação do VTS, para que os veleiros pudessem competir, sem qualquer alteração da verdade desportiva, por causas externas. Foi uma tarefa extremamente complicada de levar a cabo, de-vido às centenas de embarcações que quiseram ver os protagonistas do espetáculo, de perto, e que por vezes forçaram a entrada no campo de regatas. A PM chegou a empregar 8 meios, entre lanchas e semirrígidas, para efe tuar a in-terdição efetiva do campo de regatas, o que foi conseguido em pleno e que mereceu rasgados elogios por parte da organização da prova, so-bretudo pela forma eficiente e cívica como a mesma foi feita.

Durante os dias supracitados, a equipa de mergulhadores forenses da PM esteve também presente no campo de regatas, pronta para dar resposta a qualquer situação que necessitasse dos seus préstimos, tendo também sido um pre-cioso auxilio nas tarefas de interdição de área.

Outra presença, que não passou despercebi-

da entre o público, devido essencialmente ao equipamento que envergam e transportam, foi a do Grupo de Ações Táticas (GAT) da PM, que apenas participou neste evento nos dias 9 e 10 de junho, dias das regatas oficiais; sendo ain-da de assinalar a presença, neste último dia, de Sua Exa. o Sr. Presidente da República. Ao GAT foram-lhe atribuídas tarefas específicas, quer no âmbito da regata, quer da visita presidencial.

Para além dos meios da PM, o dispositivo contou ainda com uma embarcação semirrígida da Estação Salva Vidas de Cascais, que operou com elementos dessa e da Estação Salva Vidas de Paço de Arcos. Esta destinava-se a fazer face a algum acidente que pudesse ocorrer duran-te as regatas e que carecesse de pronto apoio,

tendo mesmo ficado estabelecido, em arti-culação com a organização, que a embar-cação auxiliaria na evacuação para terra de algum acidentado. Esta chegou mesmo a prestar auxilio a alguns elementos que se encontravam a assistir ao evento e que não se sentiram bem.

Toda a coordenação dos meios aquáti-cos da PM ficou a cargo dos graduados de serviço, chefes e subchefes da PM, que a partir da sala de operações da CPL, em li-gação permanente com o elemento da PM que guarnecia o Posto de comando sedea-do na Race Vilage, que também integrava elementos da PSP, da Proteção Civil e da organização, conseguiram coordenar toda a operação de interdição de área, assim como dar resposta a todos os inopinados e solicitações de última hora da organização da prova. Os preparativos para cada dia de missão começaram sempre da mesma for-ma, com um briefing dado pelo graduado

de serviço, na sala de operações da CPL, a to-dos os agentes envolvidos, sendo dado especial enfoque aos locais de interdição, à disposição dos meios, ao plano de comunicações em vigor e aos horários das regatas.

Outra das situações de grande exigência para a Polícia Marítima foi garantir que os veleiros faziam a saída da barra em segurança. Para tal foi necessário retirar do caminho dezenas de embarcações, que queriam fazer o seu úl-timo adeus e tirar a sua última fotografia, junto destes esplendorosos veleiros, que só mesmo quem esteve junto deles, a navegar, o pôde tes-temunhar. Mais uma vez, a tarefa foi supera-da com êxito, culminando assim com estrela de ouro, 11 dias de intensa atividade, os quais foram precedidos de outros tantos de rigorosa preparação. Esta força policial sente-se muito orgulhosa por ter cumprido, com brio e grande profissionalismo, este mega desafio que lhe foi proposto. É também de realçar a forma cordial do relacionamento com a “João Lagos Sports” durante todo o evento.

Colaboração da POLÍCIA MARÍTIMA

Polícia Marítima Missão Volvo Ocean Race cumprida com sucesso

Polícia Marítima Missão Volvo Ocean Race cumprida com sucesso

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 9

No Cais das Colunas em Lisboa estão as portas por onde entrou o destino que Portugal ousou dar ao Mundo. Foi lá

este ano de 2012, a 23 de junho, o Dia da Ma-rinha do Tejo. E aí será esse Dia doravante. Com o apoio da Marinha dos Portugueses, a Arma-da, o empenho dos Patrocinadores, a alegria das festas de Lisboa e a parceria de Câmaras Municipais de Lisboa, da Moita, de Alcochete e do Ecomuseu do Seixal, mas sobretudo, com o amor e dedicação de Proprietários, arrais e tripulações e de Associações e Centros Náu-ticos, assim navegou a Marinha do Tejo, por desejo de Governo de Portugal e abraço, que apoia, da Marinha dos Portugueses, a Armada, Pólo Vivo do Museu de Marinha.

Estiveram presentes cinquenta e quatro embarcações, canoas, faluas, catraios, va-rinos, de 1900 até 2011, com a sua cor, as suas velas, dos Fados e das Canções e dos Séculos, vieram de Abrantes, de Vila Fran-ca de Xira, de Lisboa, de Paço de Arcos e de Cascais, de Rio de Moinhos, de Rossio ao Sul do Tejo, de Salvaterra de Magos, de Alcochete, do Montijo, de Sarilhos Peque-nos, da Moita, de Alhos Vedros, do Seixal e do Ginjal em Almada. São um atractor, um Pólo. O Pólo Vivo do Museu de Marinha. Vieram, de novo, ligar o Mar, a Terra, o Ar e a Luz na beleza da quintessência que Lisboa tem. E daqui se descobriu o Mundo, afinal com um só Oceano, e através dele se ligaram, pela primeira vez, todas as raças da Humanidade.

Foram recebidas pelos Almirantes Chefe do Estado-Maior da Armada, Comandante Naval, e Diretor do Museu de Marinha e pelos Capi-tão do Porto de Lisboa e Comandante da Base Naval de Lisboa, a quem foram dadas as boas vindas pelo Almirante Castanho Paes, Presidente da Assembleia Ge-ral da Marinha do Tejo e pelo CALM Pinto Bastos Saldanha, Presidente da Direção da Marinha do Tejo. Estive-ram presentes os Presidentes das Câ-maras da Moita e Lisboa, bem como o Secretário de Estado do Mar e o Chefe da Representação da Comis-são Europeia em Lisboa.

A Marinha do Tejo, uma realida-de longeva anterior à Nacionalida-de, reencontrou-se simbolicamente no Século XXI, no dia 28 de junho de 2008, em cerimónia pública rea-lizada no Cais de Pedra da Moita que Suas Excelências o Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Dr. João Mira Gomes, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Fernando Melo Gomes, o Presidente da Câmara Municipal da Moita, Eng. João Lobo, o Presidente da Academia de Marinha, Almirante António Ferraz Sacchet-ti, o representante da Sociedade de Geografia de Lisboa, o Diretor do Museu de Marinha e os presidentes da Associação dos Proprietários e Arrais das Embarcações Típicas do Tejo, do Centro Náutico Moitense, da Associação Naval

Sarilhense e da Associação Náutica da Marina do Parque das Nações se dignaram solenizar com a assinatura do termo de abertura do Livro de Registos da Marinha do Tejo.

No ano de 2012, este livro de Registos que está depositado no Museu de Marinha foi tra-zido pelo seu Diretor para que o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada mandasse proceder à assinatura das embarcações que fa-zem parte na época 2012/2013 e à entrega das cadernetas e distintivos da Marinha do Tejo.

A inscrição de uma embarcação típica no Li-vro de Registos da Marinha do Tejo culmina um processo de aferição de autenticidade patrimo-nial em que a sua operacionalização é essen-cial para a salvaguarda do mesmo património como obra de arte, como testemunho histórico e como forma de preservar saberes tradicionais. É que a navegação, a marinharia e o trabalho marítimo estão intimamente associados no quo-

tidiano da vida marítimo-fluvial, requerendo as atividades extintas ou em vias de extinção um conhecimento especial que será perdido se não se persistir na continuidade da sua prática, o que contribuirá para a conservação e recuperação de artefactos, mesteres e usos tradicionais. Im-porta, portanto, ver reconhecido um conceito adequado de embarcações tradicionais que pri-vilegie a autenticidade e funcionalidade e ao mesmo tempo acautele a sua sustentabilidade. Todavia, todo este esforço pode ser infrutífero se previamente não for assegurada a acessibilidade

ao meio aquático e o seu uso sem restrições, ou seja, de libertação da via da água, manifesto vital em que estão empenhados a Marinha do Tejo e outros companheiros mareantes. Neste ano de 2012 a fraternidade mareante foi ampliada pelos camaradas das rias da Galiza e dos rios Minho, Lima, Cávado e Ave, da ria de Aveiro e do estuário do Sado.

E porque no Dia da Marinha do Tejo foi, tam-bém, tempo para recordarmos com saudade dois dos nossos melhores que recentemente

nos deixaram: O Senhor Manuel Francisco Amador de Matos, Proprietário e Arrais da canoa Benfica de Vila Franca de Xira e o Se-nhor José Fernandes, fundador da Associa-ção Naval Sarilhense foi guardado um mi-nuto de silêncio em sua Memória.

Finda a cerimónia de assinatura pelos Proprietários e Arrais, o Livro de Registos da Marinha do Tejo foi de novo entregue pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada ao Almirante, Diretor do Museu de Marinha para ficar em exposição e à guar-da do Museu.

A razão de ser da Marinha do Tejo são as embarcações típicas, com os seus proprie-tários e os arrais que conjuntamente com os camaradas as mantêm vivas e autênticas, gente simples, que quotidianamente assu-

me os valores mais profundos do património do Tejo com cor e alegria, sem esquecer to-dos quantos nele lutaram e labutaram, ontem e hoje, exemplo magnífico de fraternidade, de esperança e de partilha. Neste ano de 2012, simbolicamente, refez-se a ligação até Abran-tes e Rossio ao Sul do Tejo com a presença do Arrais de embarcações de água acima, Senho-res Armando Ferreira e Jacinto Abreu. Os últi-

mos que fizeram até 1950 Abrantes, barra fora. Aliás, a prova viva com os que lá estavam de vinte anos de que com a Marinha dos Portugueses, a Armada, a Marinha do Tejo estão em estuários e no Mar e esperam que outros entendam que só, de quando em vez, são dos estuários e do Mar.

Ficou bem patente que, na Ma-rinha do Tejo, parte humilde, grata e tão honrada por ser recebida e apoiada no seio da Marinha dos Por-tugueses como Pólo Vivo do Museu de Marinha, sabemos que se no Cais das Colunas em Lisboa está o Cais da Europa que ousou dar destino ao

Mundo. Foi nas canoas, nas faluas, nos catraios e nos varinos que foram transportadas pela Via da Água, gentes, bens e o essencial da vida. Mas foi, sobretudo, nelas e nos Navios da Ar-mada que carregámos por Portugal, a História, a Cultura e a Fé que estão atracadas aos cais do Tejo e a todos os cais e docas que Portugueses espalhámos pelo Mundo.

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Cooperação Técnico-Militar com Cabo VerdeProjeto 5 – Unidade de Fuzileiros Navais – Formação local

10 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

Cooperação Técnico-Militar com Cabo Verde

O objetivo global deste projeto – apoiar a consolidação da estrutura organizacio-nal, formativa e operativa dos Fuzileiros

Navais de Cabo Verde – tem sido materializado com recurso a um Diretor Técnico residente e complementado com Assessorias Temporárias especializadas, que se deslocam àquele país para ministrar formação.

Durante as ações de formação ministradas localmente, além da transmissão de saberes estritamente militares existe ainda a preo cupação de valorizar as capaci-dades de cada formando, incutindo--lhes regras e hábitos de trabalho, de conduta e de disciplina, tornando-os militares mais bem preparados e, so-bretudo, melhores cidadãos, para que possam não só prestigiar as FA’s do seu país como ainda contribuir para o for-talecimento do tecido socioeconómico onde se encontram inseridos.

Da parte da Marinha Portuguesa tem havido cuidado especial em selecionar os assessores pela competência técni-ca e profissional, mas também pela sua verticalidade de princípios e correção de procedimentos, na certeza de que são dignos representantes de Portugal e reúnem condições para encarnar uma atitude solidária, de igual para igual, com o objetivo de reforçar os estrei-tos laços de cooperação e amizade que unem Portugal e Cabo Verde.

Os assessores nomeados para ministrar as duas últimas ações de formação – Curso de Condução de botes e Motores e Estágio de Salvamento e Resgate em Montanha – desen-volveram um notável trabalho, patente nos elevados níveis de formação e qualificação atingidos pelos militares formandos locais, de que resultou um significativo acréscimo para o produto operacional das FA’s.

Constituem reflexo da excelência do trabalho desenvolvido e do empenho e dedicação dos assessores, as palavras de agradecimento e reco-nhecimento proferidas pelas mais altas autorida-des militares cabo-verdianas nas cerimónias de encerramento daquelas ações de formação, em

que se ultrapassou largamente a normal relação institucional potenciada pelo valioso património comum que é a língua portuguesa.

Curso de Condução de Botes e Motores

Dada a existência de um elevado número de militares, a prestar serviço na Seção de Bo-tes da Companhia de Fuzileiros Navais, desem-penhando o cargo de Patrão de Bote mas sem

a indispensável qualificação, as autoridades cabo-verdianas solicitaram a Portugal a reali-zação deste curso. O referido curso decorreu no período de 19 de setembro a 7 de outubro de 2011 na praia da Gamboa, cidade da Praia, frequentado por 15 formandos – um da Esqua-drilha Naval, quatro do Pelotão de Abordagem e dez da Companhia de Fuzileiros Navais – tendo todos obtido aproveitamento. Teve a du-ração de 90 horas (35 teóricas e 55 práticas) e incluiu formação em áreas como a navegação, montagem de botes, motores fora-de-borda de 40 HP, manobras com botes, controlo de vagas e manutenção do material.

estágio de salvaMento e resgate eM Montanha

Sendo o arquipélago constituído por ilhas de origem vulcânica, pequenas mas bastante mon-tanhosas, encontrava-se igualmente identificada a necessidade de dispor de militares habilitados para apoiar as autoridades competentes em si-

tuações problemáticas no âmbito da proteção e socorro, decorrentes de acidentes graves ou de catástrofes com consequências para as pes-soas, bens e ambiente.

Este estágio decorreu no Comando da 3.ª Região Militar e no quartel Jaime Mota, na ci-dade da Praia, entre 21 de novembro e 18 de dezembro de 2011. Foi frequentado por 14 formandos – dois do Pelotão de Abordagem, dois da Polícia Militar e dez da Companhia de

Fuzileiros Navais – tendo todos obtido aproveitamento.

O estágio teve a duração de 100 horas (16 teóricas e 84 práticas) e in-cluiu formação nas áreas equipamen-tos, segurança, introdução à escalada, ancoragens e amarrações, sistemas de desmultiplicação, montagem de apa-relhos e salvamentos.

No final do Estágio, o Diretor Téc-nico do Projeto 5 procedeu à entrega de um kit oferecido por Portugal, con-tendo o material necessário para uma equipa de salvamento.

Manutenção de qualifiCaçõesNo desempenho das suas funções, tanto os

patrões de bote como os elementos das equi-pas de salvamento e resgate, têm à sua res-ponsabilidade a vida de terceiros, tornando--se crítico que mantenham, através do treino, as perícias alcançadas no final dos respetivos cursos. Nesta conformidade, tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de sensibilização junto do Comando da 3.ª Região Militar, no sentido de garantir um plano de treino especí-fico que permita aos militares agora formados manter as qualificações obtidas. Apesar dos constrangimentos orçamentais, tem sido feito um esforço significativo para criar condições logísticas que permitam desenvolver o treino e adestramento, continuado e regular, das téc-nicas e doutrinas apreendidas. Só assim será possível garantir a prontidão operacional que se lhes exige.

Colaboração do EMA-DIVRE

Entrega de diplomas do curso de condução de botes e motores.

Equipa de Treino e Avaliação do CITAN treina a guarnição do Navio-Patrulha Guardião

No âmbito da Cooperação Técnico-Mi-litar, deslocou-se à República de Cabo Verde uma Assessoria Técnica Tempo-

rária da Marinha Portuguesa, de forma a propor-cionar treino ao recém-adquirido navio-patrulha Guardião, construído na Holanda (nos estaleiros navais DAMEN), estacionado no Porto Grande do Mindelo, Ilha de São Vicente.

Estando definido no Projeto 4 da Coopera-ção Técnico-Militar com Cabo Verde que um

dos objetivos é o apoio ao Comando da Guarda Costeira no adestramento, treino e avaliação das guarnições dos navios, foi atribuída à Marinha a responsabilidade de constituir a referida equipa, tal como o planeamento e execução do plano de treino. O Centro Integrado de Treino e Ava-liação Naval (CITAN) designou 11 elementos do Depar tamento de Treino e Avaliação, tendo o treino decorrido no período de 16 de janeiro a 17 de fevereiro de 2012.

Projeto 4 – guarda CosteiraObjetivo Global – Apoiar a consolidação da

estrutura organizacional, formativa e operativa da Guarda Costeira.

Objetivos Específicos:• Apoiar tecnicamente a organização, for-

mação e funcionamento do Comando da Guarda Costeira, da Esquadrilha Naval e da Esquadrilha Aérea;

• Apoiar o Comando no adestramento, trei-

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no e avaliação das guarnições dos seus navios;• Apoiar tecnicamente a concetualização,

organização e funcionamento do COSMAR e a formação dos seus operadores;

• Apoiar tecnicamente a definição, con-cetualização e caraterização do modelo de exercício da autoridade do estado em espaços soberanos sob jurisdição marítima nacional, in-cluindo a componente de busca e salvamento marítimo (SAR);

• Apoiar tecnicamente a organização do Sis-tema de Fiscalização das águas territoriais e ZEE, contribuindo para a operacionalização e imple-mentação do Tratado de Fiscalização Conjunta dos Espaços Marítimos sob Soberania ou Juris-dição de Cabo Verde;

• Apoiar tecnicamente o cumpri-mento de tarefas respeitantes ao Grupo de Segurança das Equipas de Vistoria a navios alvo;

• Apoiar especificamente o Coman-do da Guarda Costeira na realização de Estágios para inspetores de navios.

Após análise dos requisitos solici-tados pela Guarda Costeira, e tendo em conta o período de formação mi-nistrado pelo estaleiro construtor do navio, foi decidido dividir o plano de treino, ministrado pela Marinha Portuguesa, em três fases.

A Fase I realizou-se no período de 16 a 27 de janeiro e correspondeu ao período de formação administrada pelo estaleiro DAMEN. Durante esta fase, quatro elementos da equipa de ava-liação da Marinha Portuguesa assumiram um estatuto de observadores.

A Fase II, que decorreu no período de 30 de janeiro a 10 de fevereiro, foi a mais abrangente e compreendeu uma semana em terra e outra no mar, com treino de acordo com o solicitado, nas áreas funcionais de Navegação, Limitação de Avarias, Serviços Gerais, Marinharia, Eletró-nica Mecânica e Busca e Salvamento. Por se considerarem áreas relevantes, foram também abordadas as áreas de Orga-nização, Segurança Militar, Emergên-cia Médica e Eletrotecnia. Nesta fase a equipa de avaliação da Marinha foi constituída por nove elementos.

Por último, a Fase III, realizada no período de 13 a 17 de fevereiro, foi de-dicada ao treino de Fiscalização Marí-tima e Vistoria no Mar, com maior inci-dência na fiscalização da pesca, tendo a equipa de avaliação da Marinha sido constituída por dois elementos.

De referir que o plano de treino so-freu diversos ajustes ao longo da sua execução, de modo a acomodar as necessida-des do navio e da equipa de avaliação, não exis-tindo registo de nenhuma alteração significativa quanto ao planeado.

Na Fase I, apesar dos elementos da equipa de avaliação terem assumido um estatuto de obser-vadores, aproveitaram para conhecer o navio, a respetiva guarnição e efetuar os preparativos para a FASE II.

Na semana em terra, realizada na Fase II, o primeiro dia foi dedicado a reuniões de prepa-

ração entre a guarnição e a equipa de avaliação da Marinha e à apresentação do detalhe do na-vio. No segundo dia, ocorreram as inspeções administrativas, as quais serviram para identifi-car as lacunas de organização, normativo e de material de todas as áreas. Os restantes dias da semana incidiram em palestras teóricas e práti-cas, tendo-se realizado quatro exercícios (com-bate a incêndio num espaço de máquinas com navio atracado e com toda a guarnição a bordo; combate a incêndio para o grupo de serviço, fa-lha total de energia e testes ao sistema propul-sor). De destacar que a guarnição do Guardião manteve sempre uma atitude muito positiva e de grande interesse pelas matérias apresentadas.

No período da semana de mar, para além das inspeções diárias de limpezas e segurança para navegar, foram realizados exercícios em todas as áreas, tais como homem ao mar, avaria no leme, testes à propulsão, combate a incêndios de pequenas e grandes proporções, apoio a na-vio sinistrado e reboque, busca e salvamento no mar, entre outros.

Relativamente à Fase III, existiram dois dias dedicados a sessões teórico-práticas, em terra, incluindo uma visita à lota local, e três dias de mar, compreendidos numa navegação do Min-delo para a Cidade da Praia com a duração de dois dias e um dia de navegação entre a Praia e a Ilha do Maio, durante as quais efetuaram-

-se duas ações de fiscalização, estando as duas embarcações de pesca em situação de presu-mível infração.

No plano de treino acima descrito, todas as séries foram NÃO SUJEITAS A AVALIAÇÃO, no entanto, no final de cada exercício foi efetuado um hot defrief e posteriormente entregue um relatório detalhado com sumário, pontos for-tes, aspetos a melhorar e prioridades, tendo-se verificado uma evolução constante de exercí-cio para exercício.

Para além das ações de treino já menciona-das, a equipa de avaliação, com a colaboração do navio, esteve envolvida em outras inúmeras atividades. Na área da Organização foi elabo-rado o Detalhe e respetivos Cartões de Detalhe, tendo sido estabelecidas sete Condições Gerais (Navegação, Emergência, Vistoria, Assistência a Navio Sinistrado, Faina Geral, Homem ao Mar e Reboque) e foram entregues dezasseis Instru-ções Permanentes abrangendo todas as áreas funcionais. Na Navegação foram produzidas quinze Bridge Cards, elaborados os planeamen-tos de saída e entrada do porto do Mindelo, na carta náutica, radar e ECDIS, e todos os sistemas de apoio à navegação foram aferidos.

Apesar do navio trazer alguma sinalé-tica do estaleiro, esta era extremamente insuficiente, pelo que a EACITAN pro-duziu dezenas de sinaléticas no âmbi-to da Higiene e Segurança no Trabalho e implementou o código de cores de equipamentos nos quadros elétricos.

Apesar de o navio possuir uma en-fermaria bem apetrechada de apósi-tos, foram entregues fichas formatadas para o registo individual clinico e para o registo e controlo de material e apó-sitos. No âmbito da eletrónica foi im-

plementado um Livro de Registo de Avarias. Foi também colocado em funcionamento os dois INMARSAT C do navio, tal como um monitor CCTV da consola da Ponte.

Na área da Fiscalização Marítima foi entregue o Relatório de Inspeção, o modelo de briefing para a equipa de vistoria e um registo formato para as atividades de fiscalização.

Enquadrada no âmbito da Cooperação Técni-co-Militar com Cabo Verde, mais concretamen-te no âmbito do Projeto 4 cujo objetivo global é apoiar a consolidação da estrutura organizacio-nal, formativa e operativa da Guarda Costeira, considera-se que esta missão foi extremamente profícua para ambas as partes, alcançando-se

todos os objetivos propostos.A atitude da guarnição foi extrema-

mente positiva, verificando-se uma evolução constante ao longo ao treino. De destacar também a excelência do apoio logístico à equipa de avaliação da Marinha, por parte da Guarda Cos-teira, a qual respondeu prontamente a todas as solicitações. Nota evidente deste interesse foi a participação de mi-litares do Navio Patrulha “Taínha” em algumas palestras e atividades de trei-no. É igualmente de referir o inexcedí-vel acompanhamento proporcionado pelo Diretor do Projeto 4 da Coopera-

ção Técnico-Militar, o CFR M Ferreira Moreira.A realização do primeiro Plano de Treino no

estrangeiro pela equipa de avaliação do CITAN foi uma excelente oportunidade para validar as capacidades da própria equipa, tal como permitiu desenvolver perícias à guarnição do navio-patrulha Guardião, as quais vão permi-tir um melhor desempenho no cumprimento das missões.

Colaboração do COMANDO NAVAL

Revista da aRmada • AGOSTO 2012 11

Guarnição do Guardião e a equipa de treino da Marinha portuguesa.

Navio-Patrulha Guardião.

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No âmbito da come-moração do Dia In-ternacional dos Ar-

quivos, a 9 de junho, a BCM – Arquivo Histórico organi-zou uma mostra documen-tal “A Marinha e os Arqui-vos”, patente ao público, de 8 a 27 de junho, no Torreão Central da ex Fábrica Nacio-nal de Cordoaria.

Esta mostra documental pretendeu conduzir-nos numa viagem temporal, por um lado, pela história dos arquivos da Marinha desde a criação em 1843, to-mando conhecimento das práticas e regras de arquivo, das competências e exigências requeridas para o exercício do cargo de ar-quivista, das dificuldades do Arquivo ao longo do tempo, dos locais e organismos por onde a documentação passou, das vi-cissitudes para a reaver, das alterações or-gânicas mais significativas, chegando até

à atualidade, patenteando um olhar mo-derno e atual de como a Marinha encara os seus arquivos e a sua preocupação com a preservação da sua documentação. E, por outro lado, dar a conhecer os documentos que a Marinha conservou.

A exposição foi ilustrada com imagens do Arquivo Geral da Marinha e do Arqui-

vo Histórico nas atuais instalações na Junqueira.

Exibiram-se, ainda, alguns instrumentos de escrita, de encaderna-ção, carimbos e formas de acondicionamento, isto é, caixas de madei-ra, latas…

O acervo documental do Arquivo Histórico não é apenas o registo da sua memória nas suas múltiplas atividades em áreas geográficas diver-sificadas, é também uma parte da nossa História.

Com os seus documentos podem ser es-tudados temas tão diversificados, como a saúde, a ciência, novas tecnologias, cons-trução naval, pescas, marinha mercante e de recreio, a sociedade...

Colaboração da BIBLIOTECA CENTRAL DA MARINHA

12 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

Mostra "O Acervo da BCM"

Mostra "A Marinha e os Arquivos"

Integrada nas celebrações do Dia I nternacional das Bibliotecas, a 30 de junho, a BCM realizou uma mostra

documental sobre “O Acervo da Bibliote-ca Central da Marinha”, aberta ao públi-co de 30 de junho a 14 de julho, nas suas instalações, em Belém.

A exposição teve como objetivo di-vulgar parte do seu acervo excecional-mente rico, do qual fazem parte obras antigas e contemporâneas, relacionadas com a M arinha, com a História e com a Arqueo logia Naval, constituindo assim

um v alioso repositório bibliográfico. A BCM encontra-se citada em guias

internacionais, sendo por isso procura-da não só pelos leitores nacionais, mas também por leitores estrangeiros aos quais o acervo é disponibilizado a título de consulta local sem formalidades para além das exigidas em qualquer bibliote-ca, estando praticamente todo catalogado numa base de dados bibliográfica, através do programa PORBASE 5. Assim, a BCM funciona como um centro bibliográfico e documental para o estudo de temas de

História dos Descobrimentos e Expan-são, Ultramar, Marinha e outros Assun-tos do Mar.

As obras apresentadas nesta mostra va-riam entre obras clássicas do renascimen-to em edições antigas (Séc. XV), algumas delas mesmo nas primeiras edições, e obras contemporâneas (Séc. XVIII), com base em critérios tais como o tema, rele-vância científica do autor e da obra, a in-fluência no pensamento na época, e, sem dúvida, o seu valor bibliográfico.

Mostra "O Acervo da BCM"

Mostra "A Marinha e os Arquivos"

COMISSÃO CULTURAL DA MARINHA

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A navegação aérea: Da astronomia à electrónica*

Revista da aRmada • AGOSTO 2012 13

Introdução

Esta comunicação resultou de um rep-to lançado pela Academia de Mari-nha para abordar a história da na-

vegação aérea no pós-astronomia, nesta sessão que celebra o registo dos Relatórios da 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral na Me-mória do Mundo da UNESCO. Este repto constituiu, compreensivelmente, um gran-de desafio, pois – apesar de ter estudado navegação aérea no Reino Unido, mais concretamente na Universidade de Not-tingham no âmbito do mestrado em Na-vigation Technology – não possuo qualquer experiência de navegação em aviões. E, sendo certo que a maior parte dos métodos e dos sistemas de navegação que abordarei são comuns à navegação marítima, tam-bém é verdade que nalguns casos existem diferenças significativas entre as soluções adoptadas para a navegação no mar e no ar. Isso acontece, por exemplo, na radio-goniometria, que se desenvolveu bastan-te mais na navegação aérea, e nos sistemas diferenciais adoptados para colmatar as la-cunas do GPS. No entanto, decidi aceder ao repto da Academia de Marinha, procu-rando com esta comunicação contribuir, de forma singela, para esta homenagem a duas das mais notáveis personalidades do século XX português: Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Com esse propósito, procurarei efectuar um breve excurso sobre a navegação aérea desde o início do século XX, em que se es-tava inteiramente dependente dos astros, até aos nossos dias, em que os sis-temas electrónicos inundaram os cockpits, facilitando imenso a tare-fa de quem tem que navegar a bor-do de uma aeronave. Naturalmen-te, será impossível, por falta de tempo, abordar todos os sistemas electrónicos desenvolvidos para a navegação aérea, desde o apareci-mento dos primeiros radiogoni-ómetros em aeronaves, em 1918. Assim, focarei apenas os sistemas mais importantes, esperando po-der proporcionar uma boa pano-râmica da evolução dos sistemas electrónicos usados na navegação aérea, até aos nossos dias.

MedIção de ângulosA navegação aeronáutica – tal como a

navegação marítima – começou por estar inteiramente dependente dos astros. De facto, longe de costa, a astronomia era o único método de navegação passível de ser utilizado. Só que os aviadores tinham

o problema de não disporem de horizon-te visível, que servisse de referência para a medição das alturas dos astros.

Para obviar a essa limitação, foi desen-volvido o sextante de bolha, mas também este apresentava problemas, pois os aviõe s eram, na altura, plataformas bastante ins-

táveis e a turbulência, muitas vezes pre-sente durante o voo, provocava desvios contínuos da bolha do sextante. Isso levou à incorporação de um relógio para deter-minação da média das observações (que mitigava os indesejáveis desvios da bolha

do sextante). Adicionalmente, havia ain-da dificuldades na observação dos astros quando o céu se apresentava nublado na zona do voo.

Mesmo assim, a navegação astronómica nunca foi um método de navegação parti-cularmente atractivo a bordo de aeronaves,

pelo que foi sem surpresa que a navegação aérea se começou a virar para a rádio. De facto, o advento da rádio no final do sécu-lo XIX levara a que se tivesse começado a estudar o desenvolvimento de sistemas de navegação baseados na nova tecnologia. Neste particular, o radiogoniómetro cons-tituiu o sistema pioneiro, tendo tido a sua génese quando o grande Heinrich Hertz se apercebeu que as ondas rádio possuía m propriedades direccionais.

Em 1888, Hertz constatou que, à medi-da que fazia girar uma antena receptora circular, o valor da corrente nela induzida variava, pelo que conseguia perceber a di-recção em que se encontrava o transmissor. A primeira forma de radionavegação con-sistiu, portanto, na utilização de aparelhos – os radiogoniómetros – que permitiam de-terminar a direcção de onde provinham os sinais radioeléctricos emitidos por estações em terra – os radiofaróis, que na navegação aérea são denominados por NDB’s (Non--Directional Beacons).

A aplicação de radiogoniómetros em aero naves começou, a título experimental, em 1918. Na altura, a tecnologia existen-te obrigava a possuir antenas de grandes dimensões, que eram estendidas ao longo de toda a superfície da aeronave.

As antenas só viriam a tornar-se mais pequenas após a invenção das válvulas, que permitiam amplificar os sinais rece-bidos. A partir daí a radiogoniometria tornar-se-ia no método de navegação mais comum para os aviadores (e, por alguns anos, o único). Não obstante, estes radio-

goniómetros, que funcionam em LF (Low Frequency) e MF (Medium Frequency), comportam erros de posicionamento muito elevados, os quais aumentam muito com a distância à estação transmissora. Acresce ainda que os erros tam-bém dependem, entre outros as-pectos, das condições atmosféri-cas da zona (o erro aumenta com o incremento da “electricidade” no ar, o que acontece tipicamente em zonas de trovoadas) e até da hora do dia. Além disso, a obtenção da posição era um processo comple-xo e moroso. Isso levou a que se fossem desenvolvendo técnicas novas para tornar a radiogonio-

metria mais atraente para os aeronautas. Um passo decisivo nesse sentido foi a in-venção de receptores capazes de determi-nar automaticamente a direcção da estação emissora. Esses receptores têm a designa-ção de ADF (Automatic Direction Finder), sendo, ainda hoje, os receptores usados a

A navegação aérea: Da astronomia à electrónica* 1ª parte

Capa do “Relatório da Viagem Aérea Lisboa – Rio de Ja-neiro, efectuada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral”.

Gago Coutinho empunhando um sextante de hori zonte artificial.

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14 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

bordo das aeronaves. Entretanto, na déca-da de ’30, os cientistas conseguiram aper-feiçoar a técnica da radiogoniometria em VHF (Very High Frequency), que permitiu melhorar significativamente a precisão dos azimutes obtidos, dado o menor compri-mento das ondas rádio nesta frequência. Esse passo levou, no final dessa década, à invenção do sistema de navegação VOR (VHF Omnidirectional Range). O VOR é composto por uma rede de transmissores VHF, localizados em terra, os quais emi-tem sinais rádio com diferenças de fase. A medição das diferenças de fase dos sinais recebidos permite ao equipamento insta-lado nas aeronaves indicar com grande precisão o rumo magnético para a estação VOR sintonizada.

Embora bastante mais preciso que os NDB’s – pois, efectivamente, um piloto pode navegar com base no VOR com uma exactidão de 1 grau – também este sistema, que ainda se encontra em uso, tem limita-ções. A principal é o facto de a sua utiliza-ção estar limitada à linha de vista (line of si-ght em inglês). Assim, obstáculos naturais, como montanhas, podem ser limitadores da navegação com o VOR.

Como curiosidade refira-se que a fre-quência utilizada pelas estações transmis-soras do VOR é a mesma utilizada pelas estações que diariamente sintonizamos nos rádios dos nossos carros ou da nossa casa! Evidentemente, uma parte do espec-tro electromagnético é reservada para uso comercial e a outra para a navegação aérea.

Entretanto, em 1929 tinha começado a ser testado um novo sistema de radionave-gação, exclusivamente destinado a auxiliar a aproximação e a aterragem: o Instrument Landing System (ILS). Este sistema é usado apenas para navegar a altitudes abaixo de 1 a 2 km, conseguindo levar a aeronave até à fase final da aterragem. O sistema é basi-camente composto por dois transmissores independentes, instalados junto à pista de aterragem: um em VHF e outro em UHF (Ultra High Frequency). O transmissor de VHF serve para navegação lateral, sendo conhecido pela designação inglesa de lo-calizer, ou em língua portuguesa “locali-zador”. O transmissor de UHF destina-se

a auxiliar a navegação vertical, sendo co-nhecido pela designação inglesa de glide slope, ou em língua portuguesa “ladeira”. Cada um dos subsistemas transmite dois sinais, em frequências diferentes e com modulações diferentes. Os receptores de bordo comparam os dois sinais recebidos do localizer e indicam se o avião se encon-tra à esquerda ou à direita do alinhamento da pista de aterragem. Semelhantemente, comparam os dois sinais recebidos do glide slope e indicam se o avião se encontra aci-ma ou abaixo do ângulo de aproximação à pista de aterragem.

O ILS foi aprovado para instalação pe-las autoridades aeronáuticas norte-ameri-canas em 1941, vindo a ser adoptado pela International Civil Aviation Organization (ICAO) em 1949, dada a sua capacidade de guiar um avião, com alta precisão, até uma altitude mínima mais baixa do que os já apresentados NDB ou VOR (aumentan-do com isso a possibilidade de sucesso de uma aproximação com visibilidade redu-zida e/ou nuvens baixas).

Entretanto o sistema foi-se aperfeiçoan-do e, hoje em dia, o ILS permite efectuar, em total segurança, aterragens automáti-cas, com visibilidade vertical de 0 (zero) metros! Também por aqui se consegue perceber o quanto a tecnologia de nave-gação evoluiu.

Medição de distânciasVoltando à radiogoniometria, importa

referir que as suas características de fun-cionamento continuavam a ser bastante li-mitativas. Cientes disto, os cientistas traba-lharam no sentido de conceber um sistema de radionavegação que baseasse o seu fun-cionamento na medição da distância, pois nessas circunstâncias o erro não aumenta-ria significativamente com o afastamento relativamente à estação transmissora.

A partir do final da II Guerra Mundial, o VOR começou a ser complementado com outro sistema destinado a dar distâncias: o DME (Distance Measuring Equipment), baseado na técnica do radar, que acabara de ser desenvolvida. O equipamento de bordo envia um par de impulsos em UHF que são recebidos num trans-receptor em

terra, que responde ao impulso recebido, emitindo um par de impulsos semelhan-te. O equipamento DME de bordo recebe a réplica emitida pelo trans-receptor de terra e calcula a distância correspondente. A complementaridade com o VOR levou a que se começassem a co-localizar as es-tações VOR e as estações DME. De facto, enquanto o receptor do VOR fornece a di-recção da aeronave para a estação respec-tiva, o equipamento DME de bordo dá a distância da aeronave até à corresponden-te estação e assim, apenas com base nestes 2 equipamentos, passou a ser possível às tripulações determinar a posição do avião com mais rigor, deixando de ser necessá-rio ter que executar o cruzamento de 2, ou mais, azimutes de diferentes estações NDB ou VOR – método usado até então.

Cabe aqui referir que os militares desen-volveram um sistema muito semelhante ao VOR / DME, que tomou a designação de TACAN (TACtical Air Navigation), des-tinando-se exclusivamente a utilizadores militares.

Desde a sua introdução, o VOR / DME tem constituído uma importantíssima rá-dio-ajuda à navegação. Porém, tem alcan-ces relativamente curtos, que na melhor das hipóteses chegam às 200 milhas náu-ticas, o que impede a sua utilização por exemplo em áreas oceânicas.

Assim, para conseguir cobrir áreas mais alargadas era necessário outro princípio de funcionamento que não este, baseado na técnica do radar. Esse princípio foi ideali-zado na década de ’30 e consistia em medir a diferença de tempo (ou de fase) entre a chegada dos impulsos de pelo menos 2 es-tações transmissoras, vindo a concretizar--se durante a II Guerra Mundial. Foi nessa altura que os britânicos conceberam, com base nesse princípio de funcionamento, o sistema GEE para os aviões e o sistema Decca Navigator para os navios.

Estes sistemas designavam-se sistemas hiperbólicos, pois os lugares geométricos dos pontos que recebem os sinais de um par de estações com igual diferença de tempo (ou de fase) têm a forma de hipér-boles, cujos focos são as estações. Esta téc-nica tinha a desvantagem de necessitar de

Emprego da radiogoniometria por aeronaves: a linha a tracejado representa a antena de radiogoniómetro.

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2 transmissores para providenciar apenas 1 linha de posição, pelo que se optou por montar cadeias de, no mínimo, 3 estações transmissoras, em que uma delas era a principal e as outras eram as escravas ou estações secundárias. O equipamento re-ceptor media a diferença de tempo (ou de fase) dos impulsos recebidos da estação principal e de uma das estações secundá-rias, determinando assim a linha de posi-ção hiperbólica em que se encontrava. Para obter a posição era necessário fazer ainda outra leitura relativa a outro par de esta-ções (sendo a principal sempre uma delas), obtendo dessa forma outra hipérbole, cujo cruzamento com a primeira in-dicava a latitude e a longitude do navegante.

Ainda durante a II Guerra Mundial, os norte-americanos também desenvolveram um sistema hiperbólico de nave-gação, que baptizaram como Loran-A (cujo nome é o acróni-mo de LOng Range Navigation). O Loran-A baseava-se em me-dições de diferenças de tempo entre a chegada de 2 impulsos, transmitidos com frequências entre 1750 e 1950 kHz, ou seja na banda MF. O primeiro par de estações Loran-A começou a transmitir continuamente em 1942 e no final do conflito já ha-via 75 estações e cerca de 75 000 receptores a bordo de aeronaves e navios. No entanto, as suas li-mitações começaram a tornar--se evidentes e logo na década de ’50 os militares americanos começaram a estudar a substituição do Loran-A (tam-bém conhecido por Standard Loran) por um sistema semelhante, mas mais exac-to e de maior alcance. Primeiro tentaram um sistema que usava a mesma banda de frequências do antecessor mas funcio-nava por comparação da fase dos sinais, o qual tomou a designação de Loran-B. Este sistema revelou problemas técnicos insolúveis, pelo que nunca passou da fase de testes. O mesmo não viria a suceder à evolução subsequente, o Loran-C, que operava numa frequência mais baixa: LF. O Loran-C tinha melhor exactidão que o seu antecessor, maior alcance de transmis-são e a tecnologia envolvida era mais sim-ples, o que resultava em receptores mais baratos. A primeira cadeia Loran-C entrou em funcionamento, apenas para uso mili-tar, em 1957. Como foi hábito durante a guerra fria, a ex-URSS também criou um sistema muito semelhante ao Loran-C, de-nominado Chayka.

O sinal das estações podia atingir 1100 milhas de dia (por onda de superfície) e quase o dobro à noite (graças à propaga-ção via ionosfera). Relativamente aos er-ros, tal como nos outros sistemas hiperbó-licos, eles variam em função de bastantes

parâmetros, como a distância às estações, as condições meteorológicas, a geometria relativa das estações e a hora do dia. De qualquer maneira, em termos médios, nes-sa altura o erro não excedia 0,25 milhas. Esta boa performance do Loran-C levou a que este sistema se impusesse sobre os outros sistemas hiperbólicos de navega-ção, nomeadamente sobre o GEE (que foi desactivado nos anos ’60) e sobre o Decca Navigator (que, embora tenha funcionado até mais tarde, foi desligado em dia 31 de Dezembro de 1999).

No entanto, o Loran-C – além de não permitir obter a altitude, obrigando os

aviadores a complementar a sua utiliza-ção com altímetros – não tinha cobertura mundial, que era um requisito desejado por todos os navegantes. Para se conse-guirem alcances que permitissem uma cobertura mundial era necessário adoptar frequências mais baixas, pois, como regra genérica, quanto menor a frequência maior será o alcance.

Foi assim que surgiu o sistema Omega, que operava em VLF (Very Low Frequency) e que, com apenas 8 estações em todo o Mundo, conseguia uma cobertura global. Os receptores Omega mediam a diferença de fase entre os sinais de pares de estações, daí derivando redes hiperbólicas. O siste-ma só ficou completo em Agosto de 1982, quando começou a funcionar a oitava e última estação, localizada na Austrália, embora já fosse perfeitamente utilizável em largas porções do globo desde meados da década de ’70. Apesar da vantagem de permitir um posicionamento contínuo em todo o globo, a exactidão facultada pelo Omega era sofrível, variando entre 2 a 4 milhas. O sistema Omega foi usado pela aviação civil, em aviões como por exem-plo os primeiros Boeing 737, até finais de 1997, altura em que foi desligado pelas au-toridades norte-americanas, sobre quem

recaía a responsabilidade da manutenção das estações emissoras.

SiStemaS inerciaiSEntretanto, nos anos ’50, reconhecendo

as limitações dos sistemas rádio então exis-tentes, o Departamento de Defesa dos EUA começou a estudar um sistema de navega-ção autónomo, ou seja um sistema que não necessitasse de quaisquer sinais exteriores à própria aeronave. Com esse propósito, o MIT (Massachussets Institute of Technology) desenvolveu o primeiro sistema de nave-gação inercial, o qual não requeria nenhu-ma emissão exterior para determinar a po-

sição e a direcção da plataforma. Em termos genéricos, os siste-

mas inerciais de navegação vão estimando a posição através da medição do espaço percorrido e da direcção de deslocamen-to da plataforma, usando para o efeito micro-acelerómetros e girobússolas. Os sistemas iner-ciais têm que ser inicializados, com a posição de origem, mas a partir daí são totalmente au-tónomos, entrando em conside-ração com a direcção e a velo-cidade do vento para o cálculo da posição. Naturalmente, os er-ros vão crescendo com o tempo, sendo que uma das principais fontes de erro é facto de o vento nem sempre ser o que se anteci-pava. De qualquer maneira, os sistemas inerciais de navegação tornaram-se extremamente po-pulares na navegação aeronáu-

tica, constituindo o sistema primário de na-vegação a bordo das aeronaves de média e grande dimensão, como por exemplo os modernos Airbus ou Boeings. A tecnologia subjacente foi evoluindo de forma bastante significativa e, hoje em dia, já há sistemas bastante exactos, em que o erro não excede 0,6 milhas por hora. Além disso, na actua-lidade, os sistemas inerciais de navegação funcionam a maior parte das vezes integra-dos com outros equipamentos de navega-ção, desde o GPS ou até mesmo o VOR ou o VOR/DME. Quando esses equipamentos conseguem determinar uma boa posição, então essa posição é a escolhida pelo sis-tema integrado; quando tal não seja possí-vel, então o sistema integrado reverte para o modo inercial.

Trata-se de uma solução robusta e que tem provado ser bastante fiável.

Nuno Sardinha MonteiroCFR

Nota* Este artigo corresponde ao texto de uma comuni-cação apresentada na VIII Sessão Cultural Conjunta Academia de Marinha – Instituto da Cultura Euro-peia e Atlântica, que celebrou o registo dos Relató-rios da 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral na Memória do Mundo da UNESCO.

Revista da aRmada • AGOSTO 2012 15

Linhas de posição de um sistema hiperbólico de navegação.

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16 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (33)

O epílogoO epílogoA batalha de Alcácer Quibir tem, na

História de Portugal, o lugar da su-blime tragédia a que se seguiram,

quase de imediato, sessenta anos de domí-nio espanhol. É vulgar encará-la como um castigo sobrenatural sobre décadas do subli-me pecado da inveja e da cobiça nas relações com o Oriente. O próprio Camões aponta o motivo desta cruel punição, cansado que se sente de cantar a gente surda e endurecida de uma Pátria metida no gosto da cobiça e na rudeza de uma austera, apagada e vil tris-teza. E a Pátria olhou durante séculos para a Batalha, sem ver nela outra coisa que não seja um momento em que Deus olhou para a lusa gente e, como ao povo de Israel, lhe impôs o castigo e a errância. E ao cingir as responsabilidades na loucura de D. Sebastião se consolida esta fábula nacional: a loucura tão irreal de um rei que se transforma em instrumento do celestial castigo, imolado de forma misteriosa para vir a ser o desejado redentor da penitên-cia. Foi a solução fácil e confor-tável que quase todos aceitaram ao longo dos séculos: aquela que faz de D. Sebastião, apesar de tudo, o instrumento de um cas-tigo de Deus. Desta forma per-dem importância os pequenos factos que precedem a Jornada de África e as circunstâncias de um país do ocidente pe-ninsular, entre o Mediterrâneo e o Atlântico, no centro dos interesses da casa de Áustria (Habsburgos), de que Felipe II era o supre-mo patriarca. A batalha de Alcácer Quibir, mau grado as consequências que teve para Portugal, não pode ser vista ignorando este contexto nacional e internacional, onde um jovem rei se quer afirmar fora da hierarquia familiar dos Áustrias.

Pensemos nalguns dos factos ocorridos desde o encontro de Guadalupe, na passa-gem do ano de 1576 para 1577, quando o soberano português apresentou ao congé-nere castelhano um conjunto de propostas concretas, todas elas bem fundamentadas e, aparentemente, de interesse comum. Refiro, sobretudo, o pedido de ajuda para uma cam-panha no Norte de África, alegando o peri-go turco a caminhar para ocidente ao longo do Mediterrâneo, e a proposta de casamento com Isabel Clara Eugénia. Felipe II mostrou--se satisfeito em relação a ambas, mas diferiu qualquer decisão para mais tarde. D. Sebas-tião, nesta circunstância, mostrou uma má relação com o tempo político e foi vítima da impaciência, que muitos atribuíram apenas a loucura e inconsciência, mas que se inse-

re na tentativa de manter iniciativa própria, fora da teia de poder dos Habsburgos. Não o fazer significava render-se à subalternida-de que recusara a quando das propostas de casamento vindas de Madrid, alienando a autonomia e afirmação pessoal por que lu-tava desde que subiu ao trono.

De alguma correspondência que mante-ve depois da vinda de Guadalupe se deduz que, à parte as promessas de Felipe II, lhe agradaram as conversas e debates com vá-rios fidalgos espanhóis de larga experiência em guerra. O que mais o impressionou foi

o Duque de Alba, que o aconselhou a levar para África pelo menos 15000 soldados re-crutados no estrangeiro, e desembarcar em Larache com galés de guerra, para uma ope-ração anfíbia que tomasse aquele porto. Esta cidade já era, aliás, o principal objectivo por-tuguês, considerando que a sua conquista ti-nha um valor estratégico fundamental para o domínio no espaço atlântico ocidental. O tio prometera-lhe 5000 homens em 50 galés de combate e a possibilidade de abasteci-mento em Castela, mas condicionou a ajuda a diversos imponderáveis e dissera-lhe que tudo deveria ser feito até Agosto desse ano de 1577. Por isso os preparativos foram ime-diatos, apesar das dificuldades. Teve apoio de um agente financeiro alemão para recru-tar soldados nesse país, mas a passagem pela Flandres não lhes era fácil e a vinda demorou-se muito mais do que previa. Em Itália teve problemas semelhantes, e apenas o Papa Gregório XIII lhe garantiu atempa-damente a bula de cruzada e um subsídio eclesiástico. Tudo se atrasou e de Espanha apenas vinham recusas, que apenas tiveram o condão de aumentar a persistência de D. Sebastião, estimulada depois pela entre-ga de Arzila e pela aliança com o rei deposto de Marrocos.

Com meios claramente insuficientes, a ar-mada partiu de Lisboa a 24 de Junho de 1578, levando mais de 500 embarcações de todos os tipos, desde naus e galeões a caravelas, galés, urcas e outras embarcações de trans-porte e carga. A 26 aportaram a Lagos e a 28 o rei entrou em Cádis onde ficou alguns dias. Procurou reunir-se todo o pessoal, agregan-do um terço do Alentejo, outro do Algarve e outros pequenos contingentes que se atra-saram. Partiram a 7 de Julho, em direcção a África, aportando a Tânger, onde estava o rei deposto, com algumas tropas que se lhe

mantinham fiéis.Recorde-se que o objectivo

imediato era a conquista de La-rache, devendo a armada dirigir--se para lá, mas foi decidido que se concentrasse antes em Arzila, onde seria reabastecida. Acon-tece contudo que, a 14 de Julho, estando nesta cidade já há dois dias, o rei mandou desembarcar o exército, com o pretexto de que o reabastecimento de água esta-va a ser muito difícil. Difícil foi o desembarque de toda aquela gente e, sobretudo, o alojamento no espaço confinado da praça. Como sabemos hoje, o enorme alarido internacional da expedi-ção portuguesa levou a que Abd el-Malik, rei de Marrocos, tomas-

se as suas precauções, movimentando o seu exército para Alcácer Quibir e reforçando a guarnição de Larache. Conhecido tudo isto e sabendo que os meios para um desembar-que frontal eram insuficientes, o rei decidiu fazer o percurso por terra e ir ao encontro do exército de Abd el-Malik. Hoje encontramos muitos testemunhos que afirmam tê-lo desa-conselhado de tal propósito, mas todos eles foram escritos depois dos acontecimentos e soam como os “bem avisei que isto ia correr mal” com que todos já nos confrontámos ao longo da vida. Partiu de Arzila a 28 de Julho com abastecimentos para oito dias de mar-cha, avançando pelo sertão marroquino até chegar ao rio Makhazen, onde a 4 de Agosto se deu o confronto fatídico. Sabe-se que lutou até à morte de forma obstinada e o seu corpo foi reconhecido pelo seu moço de guarda--roupa. Sucedeu-lhe no trono o cardeal infan-te D. Henrique, temporário recurso a protelar o epílogo da dinastia de Avis e do século de ouro português. Com este episódio termina também a Marinha de D. Sebastião.

J. Semedo de MatosCFR FZ

N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.

Batalha de Alcácer Quibir.Gravura de Miguel Leitão de A ndrada, Miscelânea – Lisboa, 1629.

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 17

INTRODUÇÃO

O conflito das Falkland/Malvinas des-poletou no dia 2 de abril de 1982 na sequência da ocupação argentina das

ilhas Falkland/Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul. Terminou no dia 14 de ju-nho, 74 dias depois, após 33 dias de comba-tes. Como acaba de se confirmar no âmbito da comemoração do aniversário dos trinta anos do conflito, ele continua bem vivo na memó-ria dos que lá combateram e na retórica de ambas as partes, que continuam a dispu-tar politicamente o território.

Este conflito apa-nhou de surpresa o mundo ocidental. A Argentina também não contava com um contra-ataque britânico. As Ilhas Falkland foram to-madas e reconquis-tadas com igual fa-cilidade. Não houve diplomacia, somen-te uso da força.

O nosso Bérrio, então com o nome Blue Ro-ver e ao serviço da Royal Fleet Auxiliary (RFA), como navio de apoio de combate, participou no conflito das Falkland. Aliás, foi o único na-vio da sua classe a ser empenhado na área de operações e a estar debaixo de fogo argentino na baía de San Carlos.

O Blue Rover largou de Portsmouth no dia 16 de abril de 1982 rumo às Geórgia do Sul (7500 milhas náuticas). Por coincidência, 30 anos depois, no dia 15 de abril de 2012 também rumou para sul, para uma área de operações a oeste da Guiné Bissau. As milhas que fez nesta operação (Manatim) permitir-lhe-iam chegar, de novo, às ilhas Falkland/Malvinas.

Sobre o conflito, na perspetiva britânica, o melhor livro que se pode ler foi escrito pelo contra-almirante Sir John Forster “Sandy” Woodward, «One hundred days: The memoirs of the Falkland Battle Group Commander», que foi o comandante do grupo de batalha, a bor-do do HMS Hermes. É ele a inspiração para este artigo.

OS ARGUMENTOS PARA O CONFLITO

O conflito resultou de uma disputa ter-ritorial entre o Reino Unido e a Argentina pelo arquipélago das Falkland/Malvinas, bem como pelas ilhas Geórgia do Sul e ilhas Sandwich do Sul.

A Argentina alega que tem direito às ilhas, porque as herdou da Coroa Espanhola. Alega ainda que o Reino Unido abandonou as ilhas em 1774 e «ficou em silêncio por mais de 50 anos», apenas se manifestando quando a Ar-

gentina, depois de declarar a sua indepen-dência, tomou uma série de medidas para consolidar a sua soberania no arquipélago, na década de 1820.

O Reino Unido argumenta que administra e habita as ilhas de forma contínua e pacífica desde 1833. Refere ainda que o direito da co-roa espanhola terminou quando abandona-ram as instalações que tinham nas ilhas no século XVIII, altura em que ambos disputa-ram o território. Escuda-se ainda no princí-

pio de auto-determinação dos habitantes das Falkland, que querem permanecer súbditos de Sua Majestade.

A ALVORADA DO CONFLITO Em 1981, o general Leopoldo Galtieri as-

sume a chefia do governo militar argentino. Para obter o apoio da Marinha compromete--se a recuperar as ilhas Malvinas.

No início de 1982, depois de vários desen-tendimentos diplomáticos em anos anterio-res, a Argentina e o Reino Unido concorda-ram em criar uma comissão permanente de negociação.

A partir de 24 de janeiro de 1982, o jornal La Prensa começa a divulgar explicitamen-te a intensão argentina de tomar as ilhas Malvinas.

No dia 9 de fevereiro, a Primeira-Ministra Margaret Thatcher aprova a retirada do na-vio patrulha Antártico HMS Endurance do Atlân tico Sul, tal como tinha sido proposto pelo Ministro da Defesa no ano anterior, no âmbito dos cortes na Defesa.

No dia 3 de março, face à evolução dos acontecimentos, o governo britânico inicia o desenvolvimento de um plano para fazer frente ao eventual aumento de hostilidade argentina sobre as ilhas. No entanto, logo no dia 5 de abril, o Ministro dos Negócios Es-trangeiros do RU, Lord Carrington, rejeita a opção de envio de submarinos nucleares para as Falkland. Esta terá sido uma das razões que levou à sua resignação no dia 5 de abril.

No dia 19 de março, o empresário de sucata argentino Constantino Davidoff desembarca trabalhadores argentinos na Geórgia do Sul, supostamente para desmantelar instalações

de apoio à caça à baleia. Tal ação gera um pro-testo diplomático do Reino Unido.

Secretamente, no dia 20 de março, o contra--almirante argentino Anaya, que fazia parte da Junta Militar, manda avançar com o plano de invasão. Era a oportunidade para distrair a atenção da população argentina que estava a começar a protestar fortemente contra as violações dos direitos humanos e contra as medidas internas de contenção económica, ao mesmo tempo que conquistava alguma

popularidade através da emotividade pa-triótica. A Junta Mi-litar considerou que se não atuasse rapi-damente o governo britânico poderia re-forçar o dispositivo militar na região, na sequência do episó-dio do envio de tra-balhadores para a Geórgia do Sul. Con-tavam com o apoio dos EUA, ou, pelo menos, que não aju-

dassem o Reino Unido.A 22 de março, a Primeira-Ministra britâni-

ca ordena ao HMS Endurance que expulse os trabalhadores argentinos da Geórgia do Sul. Aí viria a chegar, no dia 25 de março, o navio argentino Bahia Paraíso, com militares argen-tinos fardados e armados, e, mais tarde, a cor-veta argentina Guerrico.

AVALIAÇÃO BRITÂNICA DA SITUAÇÃO

No início da década de 80 do século passa-do, as preocupações da política externa britâ-nica estavam orientadas para Hong Kong e para a sua integração na China, não se dando a devida atenção à dinâmica geopolítica no Atlântico Sul.

Além disso, o Reino Unido, liderado pela liberal Margaret Thatcher, estava a cortar profundamente no orçamento da defesa. Do ponto de vista militar, a situação pré-conflito era muito similar à que se vive hoje. Os or-çamentos não eram suficientes para investi-mentos em novas plataformas. Como se não bastasse, a Royal Navy parecia ser o ramo que tinha menos prioridade, porque o Exército e a Royal Air Force (RAF) tinham maiores empe-nhamentos na NATO.

Segundo nos diz o almirante Woodward, os argentinos sabiam que os britânicos estavam prestes a ficar sem capacidade operacional ao nível dos porta-aviões, com o Hermes e o In-vencible a serem vitimas dos cortes na Defesa. Estes cortes, decididos em 1981, também visa-vam outras unidades navais, diminuindo se-veramente a capacidade da Marinha Britâni-ca para atuar fora da área e âmbito da NATO. Tal significava também, necessariamente, uma

O Bérrio e o Conflito das Falkland – 30 Anos

RFA Blue Rover na ilha Geórgia do Sul. À direita: CMG Derek Reynolds, comandante do RFA Blue Rover.

O Bérrio e o Conflito das Falkland – 30 Anos

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limitação na capacidade de defesa autónoma de territórios remotos.

O HMS Hermes acabou «salvo» do abate devido ao despoletar do conflito no Atlânti-co Sul. Embora destinado à sucata, o velho navio foi transformado em navio almirante da esquadra britânica operou continuamente 20 aeronaves Sea Harrier e 10 helicópteros Sea King. O mesmo se passou com o outro porta-aviões ligeiro, o HMS Invencible. É caricato lembrar que no dia 25 de fe-vereiro de 1982, o governo Australiano anunciou que depois de vários meses de negociações tinha chegado a um acordo para comprar o Invencible por 175 milhões de libras.

Desde já se adianta que sem os porta--aviões o Reino Unido não tinha qual-quer possibilidade de recuperar as ilhas. No livro, o almirante Woodward diz que «…se perdermos o Invincible, esta-remos em maus lençóis, mas se perdermos o Hermes, a operação termina.».

No final de março de 1982, quando os da-dos indicavam que a invasão argentina era iminente, ainda os políticos britânicos acha-vam que se tratava de um bluff diplomáti-co argentino. No pensamento político go-vernante do Ministério da Defesa, chefiado por John Nott, a solução passava por man-ter reabastecido o patrulha antártico HMS Endurance e movimentar, à máxima veloci-dade, três submarinos nucleares para a área (depois de muitos avanços e recuos neste matéria).

A Marinha não foi ouvida nesta de-cisão. Só no final de março é que o Co-mandante da Marinha, o First Sea Lord almirante Sir Henry Leach, por opor-tunidade e não por convite, foi envol-vido numa reunião de acompanha-mento da situação, onde pensavam numa resposta mais compreensiva para a situação. A Primeira-Ministra, Margaret Thatcher, o Ministro da De-fesa, John Nott, e uma série de outros governantes preparavam-se para re-ver uma diretiva de planeamento ela-borada pelo gabinete do Ministro da Defesa. Foi aí que o almirante Leach, comandante da Marinha, teve acesso ao documento elaborado pelo minis-tro Nott, que advogava que o Reino Unido não se devia envolver numa ação militar decisiva e que não teria qualquer hipótese de recuperar as ilhas se fossem ocupadas. Ao tomar conhecimento desta análise, o almi-rante Leach fardou-se e dirigiu-se ao gabinete do Ministro da Defesa na Câmara dos Comuns, para avisar Nott que a solução que ele defendia não era a melhor. O Minis-tro estava com a Primeira-Ministra e, para surpresa do almirante Leach, rapidamente se viu a falar com a Primeira-Ministra. Com determinação, convicção e ousadia conven-ceu-a de que podia mandar largar uma força naval em 48 horas. Não podiam perder tem-po porque o Inverno rigoroso do Atlântico

Sul aproximava-se e seria mais uma barreira para a força britânica.

O almirante Leach, de quem não se falou muito e morreu no ano passado, tinha fortes convicções, acreditava que não fazia sentido o governo ter à disposição uma Marinha e não a usar. Também estava convencido que os in-teresses britânicos eram melhor servidos se

existisse uma Marinha efetiva e versátil. Além disso, também pensava que o Reino Unido ti-nha a obrigação de defender os seus cidadãos, de qualquer território, independentemente da sua localização. Para o almirante Leach, não recuperar as ilhas era simplesmente impen-sável, apesar dos riscos. Margaret Thatcher concordou rapidamente, porque, na verdade, também pensava desta forma.

Mais tarde, Margaret Thatcher viria a expli-

car que o Ministro da Defesa lhe tinha dito que depois de capturadas e ocupadas as Falkland seria impossível recuperá-las militarmente e que isto a atormentava “se eles as invadiram, nós temos de as recuperar!”.

Assim, o almirante Leach ganhou a autori-zação para preparar e enviar a força naval que viria a totalizar 111 navios, 42 da Royal Navy, 24 da Esquadra Auxiliar (RFA) e 45 mercantes requisitados. Além dos porta-aviões Hermes e

o Invencible, havia 8 destroyers, 16 fragatas, 6 submarinos, 2 navios anfíbios, navios de rea-bastecimento e navios mercantes, incluindo os paquetes Queen Elizabeth e o Camberra.

BREVE CRONOLOGIA O CONFLITO

26 de março: A Junta Militar decide iniciar operação de ocupação das ilhas Mal-vinas. O Ministro da Defesa Britânico informa que não há nada a fazer se houver uma invasão argentina e ainda lembra o Ministro dos Negócios Es-trangeiros que é preciso cumprir com a retirada do HMS Endurance.

28 de março: A força argentina faz-se ao mar para tomar as ilhas Malvinas.

29 de março: A Primeira-Ministra aprova o envio de submarinos nuclea res.

2 de abril: Centenas de soldados ar-gentinos ocupam as ilhas. O governo britânico corta relações diplomáticas com a Argentina e aprova o envio de

uma força naval para o Atlântico Sul. Uma força naval britânica que se encontra em Gi-braltar é mobilizada e boa parte inicia de ime-diato trânsito para sul. O RFA Blue Rover, que fazia parte dessa força, inicia trânsito para Portsmouth para reabastecer. O comandante desta força era o contra-almirante Woodward, que viria a ser nomeado comandante do gru-po de combate. É atribuído o nome de código «Corporate» à operação.

3 de abril: A Argentina também toma a ilha Geórgia do Sul e a popula-ção celebra nas ruas de Buenos Aires. Mais de 250 mil pessoas comemoram na Plaza de Mayo. O Conselho de Segu-rança da ONU aprova a resolução 502, no sentido da retirada de todas as tro-pas argentinas das ilhas e início de ne-gociações de paz. No Parlamento Britâ-nico, o governo de Margaret Thatcher é duramente criticado por não antecipar a investida argentina.

5 de abril: Partem os porta-aviões. O Ministro dos Negócios Estrangeiros Lord Carrington renuncia ao cargo. O Secretário de Estado norte-americano inicia uma intensa atividade diplomá-tica para mediação do conflito.

7 de abril: O governo britânico anun-cia uma zona de exclusão de 200 milhas em redor das ilhas Falkland.

16 de abril: O RFA Blue Rover, depois de abastecido e carregado com mísseis Sea Wolf, Sea Dart e outros, bem como munições, largou de Portsmouth rumo à Geórgia do Sul.

22 de abril: Submarinos, porta-aviões e outros navios britânicos entram na área de operações.

25 de abril: A Grã-Bretanha retoma a ilha Geórgia do Sul.

27 de abril: Militares apresentam ao gabi-nete de guerra britânico a operação planeada para libertar as ilhas.

1 de maio: Primeiro dia de combates com caças Mirage argentinos a atacarem a força na-

Almirante Sir Henry Leach, 2007 (foto: PA Wire).

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 19

val e esta a reagir atacando o aeroporto de Port Stanley. Os argentinos movimentam dois gru-pos de combate, liderados respetivamente pelo porta-aviões Veinticinco de Mayo e pelo cruzador General Belgrano, com os quais pretendiam ata-car a força naval britânica a partir de duas ori-gens diferentes (movimento que ficou conhe-cido por pinça, ilustrado na figura anterior). O cruzador começa a ser seguido por um submarino britânico.

2 de maio: O submarino bri-tânico HMS Conqueror afunda o cruzador argentino General Bel-grano, fora da zona de exclusão. O ataque resulta na morte de 323 argentinos, 680 são salvos.

4 de maio: Uma aeronave Su-per Étendard argentina afunda o destroyer britânico HMS She-ffield com um míssil Exocet. Vin-te britânicos morrem. A Grã-Bre-tanha inicia o bombardeamento de Port Stanley.

8 de maio: As ilhas são bombardeadas do mar e do ar. Caças britânicos afundam uma embarcação de pesca argentina alegadamen-te em espionagem.

11 de maio: O navio de abastecimento ar-gentino Isla de los Estados é afundado pela fragata britânica HMS Alacrity. A Argentina declara zona de guerra todo o Atlântico Sul.

18 de maio: Britânicos e argentinos rejeitam proposta de paz do então secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar.

21 de maio: As forças britânicas desembar-cam nas ilhas, na Baía de San Carlos, a 80 km de Port Stanley. Na operação, a fragata britâ-nica HMS Ardent é afundada e 16 aeronaves argentinas abatidas.

23 de maio: A fragata britânica HMS Ante-lope é afundada. Sete aeronaves argentinas são abatidas em dois dias. O Ministério da Defe-sa anuncia que a Grã-Bretanha desembarcou 5000 soldados nas ilhas.

24 de maio. Na baia de San Carlos concentram-se muitos na-vios de apoio, inclusivamente o Blue Rover e o Atlantic Conveyor.

25 de maio: O destroyer HMS Coventry é bombardeado e o MV Atlantic Conveyor, porta-con-tentores adaptado para trans-portar helicópteros e Harriers, é atingido por um míssil «Exo-cet AM39» e afunda-se a 28 de maio. Perderam-se os helicópte-ros que deveriam transportar o grosso das tropas para perto de Port Stanley.

28 e 29 de maio: 500 soldados britânicos tomam as posições em Goose Green e Darwin, defendidas por 1500 argentinos, de-pois de um dia inteiro de combates. Morrem 18 britânicos, entre eles o comandante da ope-ração, coronel Herbert Jones. Do lado argen-tino, 250 mortos. O Exército britânico prende mais de mil soldados argentinos.

29 de maio: Sob bombardeamento, as tro-pas britânicas continuam a avançar em di-

reção a Port Stanley. Por horas, as Forças Armadas argentinas pensaram ter atingido o porta-aviões Invincible com o último dos «exocet AM39».

8 de junho: Aeronaves Skyhawkers argenti-nas bombardearam as tropas que desembar-cavam na Enseada de Bluff. A fragata HMS Plymouth é atingida. Os navios de apoio do

desembarque, o Sir Galahad e o Sir Tristam, são atingidos. O primeiro afunda-se. No to-tal, 51 britânicos morrem e 55 ficam grave-mente feridos.

11 de junho: Começa a batalha por Port Stanley.

12 de junho: As tropas britânicas tomam a posição argentina no Monte Longdon, nos ar-redores de Port Stanley, depois de uma longa batalha. O confronto resulta em 50 mortes en-tre argentinos e 29 entre os britânicos. O Monte Harrier também é tomado. O destroyer britâ-nico HMS Glamorgan é atingido.

13 de junho: No Monte Tumbledown, tam-bém posição estratégica para Port Stanley, 40 argentinos e 9 britânicos morrem durante os combates. Os britânicos vencem a batalha.

14 de junho: As tropas argentinas em Port Stanley são derrotadas. A Argentina rende--se. Cerca de 9800 soldados entregam as suas armas.

BALANÇO DO CONFLITODo lado argentino: 649 mortos, 1068 feri-

dos, 11 313 prisioneiros. Afundados: 1 cru-zador, 1 submarino, 4 cargueiros, 2 navios patrulha, 1 traineira de espionagem. Derru-bados: 25 helicópteros, 35 caças, 2 bombar-deiros, 4 aeronaves de carga, 25 aeronaves de ataque ligeiro.

Do lado britânico: 255 soldados e 3 civis

mortos, 777 feridos e 115 aprisionados. Afun-dados: 2 destroyers, 2 fragatas, 2 navios logís-ticos de desembarque e 1 navio porta-conten-tores. Derrubados: 24 helicópteros e 10 caças.

AS LIÇÕES TECNOLÓGICAS DO CONFLITO

O afundamento do cruzador General Belgra-no é um exemplo claro do que significa a vantagem tecnológi-ca. O navio, que navegava fora da zona de exclusão total de-terminada pelos britânicos, foi seguido durante três dias pelo submarino nuclear HMS Con-queror, que teve tempo para ob-ter autorização da Primeira-Mi-nistra Margaret Thatcher para dirigir, a 1380 jardas de distân-cia, 3 torpedos «Mk 8», de tec-nologia da II Guerra Mundial, em direção ao navio argentino.

Foi difundida a notícia que o navio tinha sido afundado por modernos torpedos Mark 24 Ti-gerfish, que eram filo-guiados na parte inicial da trajetória e autodirigidos por um sonar pró-prio na fase final do percurso. Na verdade, não há informação que confirme que o submari-no dispusesse a bordo destes torpedos, mas, pelo menos, serviu o propósito de confinar a Armada Argentina às suas bases e promover a venda desta nova arma. Também há fontes que referem que o comandante do submarino, Wreford-Brown, optou pelos velhos torpedos porque havia dúvidas sobre a fiabilidade dos Tigerfish que tinha a bordo.

O primeiro torpedo rompeu pela casa da máquina e aniquilou a propulsão e distribui-ção de energia. O segundo torpedo, disparado 2 minutos mais tarde, explodiu à proa. Um ter-ceiro torpedo falhou o alvo e foi explodir perto do escolta ARA Hipólito Bouchard.

O facto de haver submarinos britânicos na área de operações fez com que a Marinha Argentina, durante o resto do conflito, considerasse muito arriscado enviar navios para o mar.

Dois dias mais tarde, a 4 de maio de 1982, a fragata Sheffield, tipo 42, o navio mais moderno da Royal Navy na altura, viria a ser a primeira vítima em combate de uma nova arma, o míssil fran-cês «Exocet AM39» lançado por uma aeronave «Super Étendard» da Força Aérea Argentina. O dis-paro do míssil foi feito a umas 40 milhas de distância. Assistíamos assim a um novo salto tecnológi-

co, a aeronave já não precisava de se aproximar do seu alvo, podendo, simplesmente, disparar, à distância, uma arma inteligente e destruidora.

As aeronaves argentinas aproveitaram a zona cega a baixa altura, a partir da linha do horizonte, fazendo uso de um perfil de ata-que a baixa altitude (seaskimmer), reduzindo o aviso antecipado dos navios britânicos, ex-plorando aquelas que continuam a ser as prin-

24 de maio: Blue Rover na baía de San Carlos.

Entrega do distintivo de honra em combate ao RFA Blue Rover.

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cipais vulnerabilidades dos navios na guerra anti-aérea, apesar dos novos radares de «pha-sed array». O HMS Glasgow detetou o inimigo e reportou-o insistentemente, sem que o FA-AWC (coordenador da defesa aérea) a bordo do Invencible classificasse a ameaça como real (havia muitos falsos alertas…).

Houve ainda outra importante alteração, desta vez, organizacional. Os argenti-nos começaram a empregar o conceito de rede, uma incipiente Network Centric Warfare, ao colocarem aeronaves de pa-trulha marítima, como os P-2 Neptune, a definirem, à distância, o panorama ma-rítimo para depois passarem os alvos, via rádio, às aeronaves de ataque. Foi assim que uma arma de meio milhão de dólares acabaria por condenar ao afundamento um navio de cinquenta milhões de dólares.

Do lado do Reino Unido, a grande novidade foram os Harriers VSTOL que permitiram a operação a partir dos curtos conveses dos porta-aviões HMS Hermes e HMS Invencible e que, apesar da sua limitada autonomia, providen-ciaram proteção à força naval e alguma capacidade de ataque ao solo. Durante a campanha militar, o HMS Hermes che-gou a operar 16 Sea Harriers, 10 caças GR3 Harriers da RAF e 10 helicópteros Sea Kings. O HMS Invencíble operou 8 Sea Harriers e 12 Sea King.

Os argentinos não puderam fazer muito. No mar contavam com navios obsoletos e inadequados para o com-bate naval moderno. A renovação da esquadra nunca esteve entre as prioridades do Estado, embora tivesse sido desenhado, no final da década de 70, um ambicioso pro-jeto de renovação. Os contratos celebrados com estaleiros alemães previam a aquisição de quatro fragatas MEKO360, seis corvetas MEKO140, quatro submarinos TR1700 e dois submarinos TR1400. Se estes navios já existis-sem, adicionados aos existentes (fragatas tipo 42, corvetas A69 e submarinos IKL-209) então ver-se-ia uma esquadra respeitável.

Para se ter uma ideia da operacionalidade dos na-vios argentinos podemos lembrar o episódio da to-mada da ilha Geórgia do Sul. A corveta ARA Guerrico aproximou-se de terra (a 550 m) para dar apoio aos seus militares. A peça de 100 mm e as armas de 20 mm encra-varam ao primeiro disparo, as peças de 40 mm ficaram inop ao fim de seis rajadas. O navio teve de fugir rapidamente não evitan-do o embate de disparos de armas ligeiras e de projeteis do morteiro de 84 mm Carl Gustav.

As fragatas tipo 42 argentinas (compradas ao Reino Unido) também não foram usadas em combate, embora tenham fornecido im-portante informação sobre os diagramas de irradiação dos navios britânicos.

No ar, a comparação entre os poderes com-batentes era equilibrado. A FAA (Fuerza Aérea Argentina) e a Armada tinham bons pilotos, profissionais, razoavelmente preparados para o combate. As condições de emprego foram, contudo, amplamente desfavoráveis, resul-tando num nível inaceitável de baixas. Ana-lisando o inventário argentino encontramos

no Super Étendard a única e notável exceção à regra. O ataque ao HMS Sheffield, utilizando mísseis AM-39 Exocet, traduzia um conceito moderno de operação, sem similar nas filei-ras britânicas. Concebidos para operação a partir de porta-aviões, os Dassault Super Éten-dard entraram em serviço na Marinha france-sa em 1978, sendo adquiridos pela Marinha Argentina em 1979. Das catorze unidades encomendadas, apenas cinco já estavam no país quando a guerra eclodiu. Todavia, para

tornar a pequena esquadrilha operacional, era necessária a colaboração dos técnicos france-ses, chamados de volta à Europa no início das hostilidades.

Os argentinos dispunham apenas de 5 mísseis «Exocet AM39» e de 5 aeronaves Su-per Étendard. Não conseguiram adquirir mais devido ao embargo imposto. Inclusivamente,

os técnicos franceses não chegaram a explicar como se utilizavam os mísseis, tendo sido ne-cessário estudar rapidamente o seu modo de emprego. Mesmo assim, com um outro mís-sil afundaram o navio mercante Atlantic Con-veyor. Com bombas, a Força Aérea Argentina ainda viria a conseguir afundar as fragatas Ardent e a Coventry. Os navios Sir Galahad e o

Sir Tristram também foram severamen-te atingidos com bombas.

Os pilotos argentinos (da Marinha e da Força Aérea) revelaram-se extrema-mente corajosos e, por certo, o destino da guerra podia ter sido diferente se os argentinos tivessem umas três dezenas de mísseis «Exocet AM39».

LIÇÕES POLÍTICAS DO CONFLITO

O regime militar argentino entrou em colapso e o país realizou eleições democráticas em 83. O plano do gene-ral Leopoldo Galtieri para conquistar apoio popular com a invasão, teve, no final, o efeito contrário.

Do lado britânico, a vitória consoli-dou o governo da Primeira-Ministra Margaret Thatcher. Para a comunida-de das ilhas, o conflito teve efeitos po-sitivos já que o Reino Unido renovou o seu compromisso para com o arquipé-lago e passou a investir lá. Atualmen-te a população duplicou em relação a 82 e todos vivem bem, não querendo a independência.

O Reino Unido deve muito à atitu-de exemplar do almirante Leach, que

nos deve servir de referência. Por certo, ele concordaria com as seguintes reflexões so-bre o conflito:

1. Uma Marinha só é útil se mantiver per-manentemente a flexibilidade, prontidão e a capacidade de combate (eficácia da ação).

2. Uma Marinha não se improvisa, tem de ser permanentemente estimulada e moder-nizada.

3. Como a vida útil de um navio combatente é de 30 a 35 anos (o Bérrio tem 42 …) e são ne-

cessários 10 a 15 anos para desenhar e construir um novo, os navios que progra-marmos hoje deverão ser pensados para um horizon-te de 50 anos. E quem sabe o que vai acontecer daqui a 50 anos? A única coisa que podemos e devemos fazer é investir na identificação dos desafios marítimos futuros e numa estratégia coerente, integrada e modular de lon-

go prazo que permita rentabilizar os meios ao dispor do Estado.

4. A dificuldade em edificar uma Marinha não deve servir de desculpa para se edificar apenas uma Marinha minimalista. Quem advoga uma Marinha militar de pequena di-mensão, confinada a capacidades específicas, presta um mau serviço ao País, porque nega

20 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

HMS Dauntless fotografado pelo NRP Bérrio em Dakar, no Senegal, em maio 2012.

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 21

aos decisores políticos um (o) instrumento poderoso e flexível de resposta rápida a uma crise, onde quer que ela despolete.

5. O exemplo do almirante Leach, de de­terminação e coragem, mostra­nos que não se pode hesitar quando chega a hora de ser clarividente. Há que reconhecer que o acon­selhamento técnico dos militares em ques­tões de segurança nacional, envolvendo, en­tre ou tras, questões de política externa e de segu rança interna é fundamental para que se tomem as decisões que melhor defendem o interesse nacional.

TRINTA ANOS DEPOIS Nas cerimónias de comemoração dos 30

anos do conflito, o Primeiro­Ministro britâ­nico prestou homenagem ao que chamou de “heroísmo” dos soldados britânicos que libertaram as Falkland da Argentina e disse que a Grã­Bretanha está orgulhosa por ter «corrigido um erro profundo».

Por seu lado, a Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, visitou o porto de Ushuaia para uma cerimónia de homenagem aos sol­dados argentinos mortos no conflito. Aí acen­deu uma «chama eterna».

Em 2009, a Argentina teve a audácia de apresentar, à Comissão de Limites da Plata­

forma Continental das Nações Unidas, uma proposta de extensão da plataforma conti­nental que incluiu as ilhas Malvinas (ver fi­gura retirada dessa proposta). Tal ousadia, gerou, naturalmente, protestos diplomáticos do Reino Unido. Além disso, começou a in­sistir na abertura de negociações sobre a so­berania das Ilhas Falkland/Malvinas, mas o governo britânico diz que não há nada para se discutir, até porque não há consentimento dos habitantes. Por outro lado, a Grã­Breta­nha acusa a Argentina de tentar impor um bloqueio à população local, ao proibir a en­trada nos seus portos às embarcações com a bandeira das Falkland. A medida também foi adotada pelos demais países do Mercosul.

A disputa pela soberania das ilhas atingiu um novo ímpeto no ano passado quando, no seu discurso na 66ª Assembleia Geral das Na­ções Unidas, a Presidente Argentina Cristina Kirchner afirmou que os recursos naturais pesqueiros e petrolíferos das Malvinas estão a ser «subtraídos e apropriados, ilegalmente, por quem não tem nenhum direito».

No campo militar também há pressão por parte da Argentina e até mesmo do Brasil. Es­tes países acusam os britânicos de militariza­rem o Atlântico Sul. Por exemplo, foi muito criticado o envio do moderno destroyer bri­

tânico, o HMS Dauntless, para o arquipélago. Para a líder argentina o envio do navio «repre-senta um grave perigo para a segurança nacional».

Os britânicos tinham em 1982 uma guarni­ção insignificante nas Falkland (70 militares). Habitam atualmente nas ilhas aproximada­mente 3000 pessoas e uns 1500 militares. An­tes da guerra os custos eram ínfimos, na déca­da de 1980 passaram dos 5 milhões de euros e atualmente são de 76 milhões de euros. Têm crescido ao ritmo de 2,5 milhões de euros por ano. Além disso, cada cidadão da ilha custa ao Reino Unido entre 20 a 30 mil euros ano.

Este caso não está definitivamente encer­rado, em especial depois de se terem desco­berto muitos recursos valiosos no fundo do mar e de ter sido autorizada a exploração de petróleo a uma empresa britânica. Além dis­so, o Reino Unido está atento às perspetivas que se estão a abrir na Antártica e precisa dos seus pontos de apoio logístico.

A crise financeira, tal como há 30 anos, está a ditar cortes em vários sectores do Estado. As forças armadas nunca escapam, estão sempre na linha da frente. Até quando o Reino Uni­do vai resistir? Estaremos de novo em 1981?

Armando J. Dias CorreiaCFR

Jornadas do Conhecimento Situacional Marítimo

“Realizou­se no dia 01 de Junho, no Centro Integrado de Treino e Avaliação Naval, a segunda edi­

ção das Jornadas do Conhecimento Situacio­nal Marítimo (CSM), dedicadas ao tema “A vigilância no domínio marítimo”. A iniciati­va, preparada, em parceria, pelo EMA , SSTI e Comando Naval, contou com a presença de inúmeros convidados civis, entre repre­sentantes de empresas, do meio aca­démico e militares, oriundos de di­versos setores da Marinha, da Força Aérea e da Armada espanhola.

Enquadrada pela Diretiva de Po­litica Naval de 2011, especificamen­te pelo Programa Intersetorial para o CSM, a ação contemplou dois pai­neis com o propósito de partilhar in­formação, difundir o pensamento da Marinha sobre esta matéria e promo­ver a troca de conhecimento sobre o tema em apreço entre os diversos participantes.

O chefe da divisão de planeamento do Es­tado­Maior da Armada deu as boas vindas aos presentes e fez uma pequena apresenta­ção, onde explorou os desafios estratégicos e a dimensão das áreas marítimas sob sobera­nia, jurisdição e responsabilidade nacionais, para relevar a necessidade de cooperação e de partilha de informação e do inerente conheci­mento nesse espaço. A este propósito, salien­tou que a Marinha não tem nem a pretensão, nem a possibilidade, de estar em todo o lado

a todo o momento, mas que deve ser capaz de atuar onde e quando necessário, seja em cumprimento das competências que lhe são próprias, seja em apoio a outros agentes ou departamentos do Estado. Apelou por isso a uma maior consonância de esforços, à promo­ção de um ambiente de confiança e à colabo­ração, aspetos que, em génese, consistiam o mote das presentes jornadas.

No painel da manhã, dedicado à “Vigilân­cia e Segurança”, foram oradores o Comando Naval, a Força Aérea, o Instituto Hidrográfi­co, a Direção­Geral de Autoridade Maríti­ma e um representante do Estado­Maior da Armada espanhola. Com este painel, a co­munidade de utilizadores, enriquecida pela experiência da Marinha espanhola, procurou apresentar as lacunas e desafios que enfren­tam no âmbito do tema das jornadas.

No painel da tarde, dedicado à “Economia e Inovação” contou­se com oradores oriundos

da Universidade do Algarve, da Critical Sof­tware, da Edisoft, do CINAV e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Com este painel procuraram conhecer­se as atuais tendências tecnológicas e as perspeti­vas para o futuro. As Academias e a Indústria partilharam as atividades que têm em curso, relevando que, em muitos projetos, já existe cooperação entre as comunidades.

Coube ao Superintendente dos Servicos de Tecnologias da Informa­ção, o encerramento das jornadas. Nas suas palavras realçou a ideia de que só se conseguirá complementar a presença física no mar e mitigar a relativa pequena dimensão de Portu­gal (face à dimensão do espaço ma­rítimo sob jurisdição nacional), com um profundo conhecimento sobre o mar português. Salientou ainda que, ao investir nesta vertente, se estará a contribuir para o desenvolvimento

económico e cientifico nacionais. Para tal, alu­diu que é necessário transformar boas ideias em bons protótipos, e, em última instância, em bons produtos que as empresas nacio­nais possam exportar com a marca de «Por­tugal Nação Marítima». Por fim, agradeceu a presença de todos os participantes desejando que este tipo de iniciativas dê o mote para a partilha de conhecimento, pois conhecimento partilhado é poder.”

Colaboração do EMA e SSTI

Jornadas do Conhecimento Situacional Marítimo

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Semelhanças e Relações entre Nápoles e Portugal

22 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

GEOGRAFIA, CLIMA E POVO

As semelhanças entre Portugal e o antigo reino de Nápoles/Sicí-lia começam com as respectivas

geo­grafias.­Ambos­têm­dimensões­idênticas,­cerca de 550 km de extensão Norte-Sul e 200 km­de­largura­Este-oeste.­Tendo­aproxima-damente os mesmos limites de latitude (Por-tugal entre os 42º10’N e os 36º60’ N; e o an-tigo reino de Nápoles entre os 42º55’ N e os 36º40’­N)­os­dois­territórios­têm­climas­idên-ticos,­com­temperaturas­amenas­e,­sobretu-do,­muito­sol.Também­as­duas­capitais­são­semelhan-

tes:­cidade­marítima­como­Lisboa,­Nápoles­estende-se­sobre­diversas­colinas­e­é­virada­ao­Sul.­E,­tal­como­Lisboa,­Nápoles­é­sujei-ta­a­terramotos­(a­que­se­juntam­as­erupções­do­Vesúvio).Outra­zona­de­confluência­é­o­idioma.­En-

tre a língua portuguesa e o dialecto napolita-no (muitos estudiosos consideram-no uma língua) existem muitas palavras e sons co-muns que não se encontram nem no Italia-no­nem­no­Castelhano,­como,­por­exemplo,­os­artigos­definidos­“o”­e­“a”,­o­som­“sh”­do­“s”­antes­das­consoantes­mudas,­a­típica­ex-pressão­“Há-de”­(em­Napolitano­“Ha da”)­e­as­palavras­“gaiola”­(adoptada­directamente­do­Português)­e­“cá”­(em­Napolitano­“ccà”).­E­encontramos­Portugal­também­no­nome­das­laranjas­(purtuallo)1.Até­n’Os Lusíadas encontramos um ponto

de­contacto:­sabendo­que­Camões­recebeu­uma­notória­influência­de­Virgílio­e­que,­por­sua­vez,­o­famoso­escritor­romano­se­inspirou­para a Eneida durante a sua longa estadia em Nápoles,­podemos­dizer­que­também­o­maior­poeta­português­teve­uma­parcela­de­inspira-ção­napolitana.Por­conseguinte,­não­é­de­admirar­que­en-

tre os dois povos existam tantas semelhanças de­carácter,­sobretudo­na­despreocupação­e­na­desorganização,­embora­nessas­características­os­napolitanos­nos­levem­a­palma­e,­por­outro­lado,­os­portugueses­surjam­demasiado­sérios­quando comparados com o povo partenopeu2.

HISTÓRIA Portugal e o antigo reino de Nápoles/Sicí-

lia­partilham­o­berço­histórico:­no­mesmo­ano­em­que­D.­Afonso­Henriques­era­aclamado­como Rei de Portugal pelos seus soldados de-pois­da­Batalha­de­Ourique­(1139),­o­norman-do­Rogério­era­reconhecido­pelo­Papa­como­Rei­da­Sicília.­Além­da­coincidência­histórica,­os­dois­mo-

narcas­estavam,­ainda,­ligados­por­laços­de­pa-rentesco:­tanto­a­mãe­de­D.­Afonso­Henriques,­

Dona­Teresa­como­Elvira,­a­mulher­de­Rogé-rio,­eram­filhas­de­Afonso­VI­de­Leão.­E­tanto­o­Conde­D.­Henrique,­pai­do­nosso­primeiro­Rei,­como­Rogério,­tornados­cunhados­por­via­dos­respectivos­casamentos,­pertenciam­a­famílias­provenientes­do­Norte,­de­territórios­hoje­pertencentes­à­França­–­Borgonha­e­Nor-

mandia,­respectivamente­–­e­conquistaram­aos­Mouros­os­seus­domínios.Na­verdade,­a­relação­histórica­entre­as­duas­

nações­vem­de­época­mais­remota,­quando­Olisipo e Neapolis (a antiga Nápoles) estavam ligadas­pelas­rotas­marítimas­gregas­e,­depois,­romanas.­Ambas­antigas­colónias­gregas­(em-bora­Lisboa­tenha­começado­por­ser­um­en-treposto­fenício),­foram­fundadas­na­mesma­época­(por­volta­do­século­VIII­a.C.).E­depois­vieram­os­Lusitanos.­Guerreiros­

afamados­pela­sua­coragem,­eram­frequente-mente­recrutados­como­mercenários­e,­duran-te­a­Segunda­Guerra­Púnica,­muitos­andaram­pela Campânia (região a que Nápoles perten-ce)­integrados­nos­exércitos­cartagineses­de­Aníbal­Barca.Depois­da­queda­do­Império­Romano­do­

Ocidente,­a­Lusitânia,­renascida­como­Por-tugal,­só­viria­verdadeiramente­a­reencon-trar­o­Mar­durante­o­reinado­de­D.­Dinis,­que­em­1317­convidou­o­genovês­Manuel­Pessa-nha­para­organizar­a­Armada­portuguesa.­A­coope­ração­entre­Portugal­e­a­república­de­Gé-nova­manteve-se­até­ao­período­das­grandes­Descobertas­dos­séculos­XV­e­XVI.­Por­essa­al-tura,­uma­outra­república­italiana,­a­“sereníssi-ma”­Veneza­encontrou­Portugal­como­rival­na­disputa­do­rico­comércio­com­o­Oriente­(acaba-ria­derrotada­quando­a­descoberta­do­caminho­marítimo­para­a­Índia­por­Vasco­da­Gama,­em­1498,­fez­deslocar­para­o­Atlântico­as­principais­ligações­comerciais­entre­a­Europa­e­a­Ásia).

Mas se o reino napolitano parece ter esta-do­ausente­da­epopeia­marítima­portuguesa,­basta­recuarmos­até­1415,­ano­da­conquista­de­Ceuta para encontrarmos uma curiosa coinci-dência:­antes­da­expedição­militar,­espiões­por-tugueses­encarregaram-se­de­difundir­boatos­sobre­o­destino­da­esquadra­que­se­preparava,­de modo a despistar os nossos rivais aragone-ses­e­castelhanos.­Um­dos­boatos­referia­que­os­navios­se­dirigiam­às­costas­italianas­com­uma­embaixada­encarregada­de­propor­o­matrimó-nio­entre­o­príncipe­D.­Duarte­e­a­rainha­viúva­Joana­II­de­Nápoles.

Mas se a vocação de Portugal era atlântica e não­mediterrânica,­não­deixamos­de­encontrar,­nas­suas­particulares­maritimidades,­outras­semelhanças entre os dois povos: se os portu-gueses­souberam­adaptar­o­astrolábio­ao­uso­a­bordo­dos­navios,­terão­sido­os­napolitanos­–­ou­melhor,­os­amalfitanos­–­a­adaptar­a­agu-lha­magnética­à­navegação­marítima­cerca­de­três­séculos­antes,­ambos­instrumentos­indis-pensáveis para as longas viagens oceânicas que­se­preparavam.

Entre os monarcas que mais incentivo de-ram­às­explorações­marítimas,­não­podería-mos­deixar­de­mencionar­o­rei­D.­João­II,­que,­entre­1483­e­1484,­se­viu­forçado­a­submeter,­

Semelhanças e Relações entre Nápoles e Portugal

Mapa do Mediterrâneo onde são bem patentes as semelhanças geográficas entre Portugal e o anti-go reino de Nápoles. A vermelho estão os reinos/impérios que dominaram Nápoles e a laranja os que o invadiram.

Lisboa e Nápoles.

Virgílio e Camões.

Rogério I da Sicília e Afonso I de Portugal.

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 23

entre punhaladas e execuções, a rebel-dia de alguns nobres. Em Nápoles, tam-bém por essa altura, Fernando de Aragão enfrentou o mesmo tipo de rebelião, ten-do derrotado a céle-bre Conjura dos Ba-rões em 1486.

Quando os sonhos de um grande im-pério português se desvaneceram em 1578, na trágica ba-talha de Alcácer Qui-bir, D. Sebastião teve a seu lado um bata-lhão italiano de 600 voluntários, entre os quais se contariam, certamente, muitos soldados originários do “Mezzogiorno”. Sem descendentes, o jovem rei deixava o caminho livre às pre-tensões de Filipe II de Espanha. Assim, em 1580, Portugal juntou-se a Nápoles debaixo da coroa espanhola.

Durante os 60 anos que durou esta união, muitos missionários da Itália meridional foram enviados a evangelizar as colónias portugue-sas em África e no Brasil. A maior parte deles teve oportunidade de passar por Lisboa antes de partir nesta aventura.

Entretanto, vários impostores se fizeram passar pelo desaparecido D. Sebastião, ten-do sido prontamente desmascarados. O mais célebre e o mais convincente foi um tal Mar-co Tulio Catizone, natural da Calábria (Sul de Itália), que foi enforcado em Espanha em 1619.

Durante as lutas contra os holandeses no Brasil, um terço napolitano de cerca de 4.000 homens, sob o comando de Giovanni di San Felice, conde de Bagnoli (1575-1640), desempe-nhou um importante papel na reconquista de Salvador da Bahia (1625) e na defesa de Per-nambuco (1636). O Conde viria a morrer em Salvador em 1640.

A 1 de Dezembro desse ano, começou em Lisboa a revolta contra o rei espanhol. Sete anos mais tarde estalava em Nápoles a revol-ta de Masaniello, de carácter popular e mui-to semelhante a uma outra desencadeada – e prontamente sufocada – dez anos antes no Sul de Portugal, a Revolta do “Manuelinho”. Em-bora não tenha sido vitoriosa como a de Lis-boa, a rebelião napolitana, juntamente com a insurreição catalã, mantendo ocupada uma boa parte do exército espanhol, ajudaram Por-tugal a recuperar a sua independência. Foi esse o motivo que levou a Coroa Portuguesa a en-viar alguns agentes (entre eles o Padre António Vieira) para fomentar o espírito revolucioná-rio dos napolitanos, embora tais tentativas se tenham gorado.

A guerra da Restauração foi longa e D. João IV

viu-se obrigado a contar com o auxílio da Fran-ça e da Inglaterra. Naturalmente, este apoio não foi gratuito e, em 1641, Luís XIV pediu a Portu-gal que apoiasse com navios de guerra a toma-da de Nápoles. Porém, com o reino depaupe-rado e a esquadra empenhada no combate aos holandeses em África e no Brasil, o rei portu-guês recusou o “convite”. A paz com a Espanha viria, finalmente, em 1668.

Em 1734, depois de um breve domí-nio austríaco, Nápo-les torna-se um reino independente sob a coroa de Carlos de Borbón (Carlos III). É interessante notar que no brasão de ar-mas borbónico figu-rava, entre outros, o escudo português. Este escudo tinha sido incluído nas ar-mas de Carlos III na altura em que este se tornara duque de Parma. O símbolo português fazia parte do brasão de Parma desde finais do sécu-lo XVI, quando o du-que de Parma, casado com a infanta Maria de Portugal, tinha manifestado as suas pretensões ao trono luso (pouco antes da

união com a Espanha de Filipe II).É, aliás, neste século que as relações luso-

-napolitanas se tornam mais fortes, como o de-monstra a significativa importação de cereai s provenientes da Sicília para abastecimento dos mercados portugueses.

Em 1759, o Marquês de Pombal expulsa de Portugal os padres da Companhia de Jesus, tendo tido, na ocasião, o apoio incondicional de Fernando IV de Nápoles, que lhe seguiu o exemplo oito anos depois.

Em 1784, forças navais portuguesas e na-politanas serviram conjuntamente na expe-dição multinacional, sob comando espanhol, enviada a combater os piratas argelinos. En-tre os oficiais que se distinguiram naquela operação figuram os nomes de dois jovens tenentes-de-mar: o português Domingos Xa-vier de Lima, Marquês de Nisa, e o príncipe napolitano Francesco Caracciolo. Além da re-conhecida coragem e virtudes marinheiras, al-gumas interessantes coincidências ligam estas duas emblemáticas personagens que viriam a encontrar-se novamente em Nápoles quin-ze anos depois: pertenciam ambos ao mesmo signo do Zodíaco e morreriam no mesmo dia (30 de Junho), com três anos de intervalo, Ca-racciolo em 1799 e Nisa em 1802.

Os dois reinos voltaram a unir armas na guerra contra a França napoleónica. Em 1798, Portugal enviou para o Mediterrâneo uma divisão naval sob o comando do Marquês de Nisa. Esta força naval, juntamente com a es-quadra do almirante britânico Nelson, tomou parte no bloqueio de Nápoles e, alguns meses mais tarde, na reconquista da cidade. Entretan-to, a partida da corte napolitana para a Sicília, quando as tropas francesas se aproximavam, viria a servir de modelo à família real portu-guesa na sua retirada para o Brasil durante a Primeira Invasão Francesa (1807).

Filipe II, Filipe III e Filipe IV de Espanha, que foram também reis de Nápoles e de Portugal.

As revoltas portuguesa (1640) e napolitana (1647) contra o domínio espanhol.

Brasão de Armas do Reino de Nápoles, onde, à esquerda, é bem visível o escudo português.

Os almirantes Francesco Caracciolo e Marquês de Nisa.

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24 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

E neste período não pode deixar de ser men-cionada a presença em Nápoles de uma outra grande personalidade de origem portuguesa: a corajosa e ardente escritora Leonor da Fonseca Pimentel (a “Portuguesa de Nápoles”). O povo napolitano conhece bastante bem esta heroína da breve República Partenopeia, sacrificada na violenta repressão borbónica de 1799, aquando do retorno do Rei.

No século XIX chega, enfim, o liberalismo. Nápoles e Portugal conheceram revoluções liberais no mesmo ano: 1820. Mas enquanto a constituição napolitana acabou por ser revo-gada após intervenção da Santa Aliança, em Portugal o constitucionalismo triunfou, uma vez que a Inglaterra não aceitou a intervenção estrangeira nos assuntos internos do seu velho Aliado. De resto, ambos os reinos se viram en-volvidos nos conflitos que agitaram a Europa entre 1828 e 1848.

Saído destas turbulências em 1847, Portugal enviou a Gaeta um navio de guerra quando o Papa Pio IX ali se refugiou durante os dias conturbados da República Romana (1849). A bordo seguia uma mensagem de D. Ma-ria II, na qual a rainha prestava homenagem ao Sumo Pontífice e lhe oferecia a hospitali-dade de Portugal.

Sete anos depois, em Junho de 1855, D. Pe-dro V, ainda menor de idade, visitou Nápoles com o seu pai, D. Fernando, e com o seu ir-mão D. Luís, durante um périplo pela Euro-pa, dois anos antes da sua coroação. Na sua estadia em terras napolitanas, a comi-tiva real foi acolhida com grandes pom-pas de estado e a sua passagem foi sauda-da por multidões em delírio. Infelizmente a existência terrena do jovem rei, nascido um ano e meio depois do seu primo Fran-cisco II das Duas Sicí-lias, extinguiu-se aos 24 anos, em 1861, o mesmo ano em que o rei-no napolitano foi anexado pela coroa de Itália.

CASAMENTOS REAISAlém do parentesco entre D. Afonso Hen-

riques e Rogério I, Portugal e o reino da Sicília prosseguiram as ligações familiares, a partir do século XIV, por meio de casamentos reais entre as coroas de Portugal e de Aragão (que então reinava em Palermo). Estes laços matrimoniais continuaram nos séculos XV e XVI, entre a di-nastia de Avis e as dinastias Trastamara e Ha-bsburgo, quando, depois de uma separação de dois séculos, Nápoles e a Sicília se tinham de novo unido sob os soberanos aragoneses e, depois, espanhóis. E se Portugal nunca teve uma rainha napolitana, os napolitanos, pelo contrário, tiveram duas rainhas portuguesas: D. Isabel, mulher do imperador Carlos V, e D. Maria, consorte de Filipe II de Espanha.

Neste período é de mencionar o casamento da princesa D. Leonor, filha de D. Duarte, com o imperador Frederico III do Sacro Império, em 1452. O acordo nupcial tinha sido celebra-do em Nápoles dois anos antes, sob o patro-cínio do seu tio Afonso V de Aragão. Depois da cerimónia matrimonial em Roma, uma vez que D. Leonor tinha já perdido ambos os pais, o rei de Nápoles organizou faustosas celebrações nupciais em honra da sua bem--amada sobrinha.

No século XVIII retomaram-se os casamen-tos entre as casas reais portuguesa (Bragança) e napolitana (Borbón): a rainha Mariana Vitó-ria, mulher de D. José I, era filha de Filipe V de Espanha e irmã de Carlos III de Nápoles; D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI, era neta do mesmo Carlos III.

D. Maria Leopoldina, consorte de D. Pe-dro IV, era neta de Fernando IV de Nápoles (filho de Carlos III) e sobrinha-neta da sua es-

posa, Maria Carolina de Habsburgo. D. Maria II era, assim, bisneta de Fernando IV.

Mas em 1862 um outro casamento real, en-tre D. Luís I e a princesa Maria Pia de Sabóia, filha do rei Victor Emanuel II, selava definiti-vamente os laços entre Portugal e o novo rei-no de Itália, ao qual, no ano anterior, o reino de Nápoles fora anexado.

SANTOS, MERCADORES, ECLESIÁSTICOS E ARTISTAS

Portugal e a Itália “partilham” um santo mui-to venerado pelo povo: Santo António, nascido em Lisboa cerca de 1195 e falecido em Pádua em 1231. O seu primeiro contacto com terras italianas, depois de um naufrágio em 1220, foi a costa da Sicília, após o que atravessou a pé, com os seus companheiros, todo o reino meridional para se juntar ao seu mentor, S. Francisco.

Quatro séculos depois encontramos em Ná-poles outras memórias de portugueses ilustres: uma lápide afixada na igreja da Ascensão de Chiaia recorda o rico mercador judeu portu-guês Miguel Vaz, que em 1617 ali se refugiou para escapar aos agentes do vice-rei, depois de ter sido acusado de defraudar o reino. Viria a ser absolvido da acusação dois anos depois. Miguel Vaz, que tinha salvo a cidade de uma grande carestia seguida a uma terrível peste com cereais trazidos dos países balcânicos, tinha sido feito Conde de Molla por Filipe II

e, no início do século XVII, tinha fundado Casale San Michele, na região da Puglia. Grande amante da arte, mandou cons-truir na baixa de Ná-poles o Palácio Vaz (hoje chamado Palá-cio Berio, na Via Tole-do, em frente às Gale-rias Umberto I).

Uma outra igreja, Santa Caterina a For-miello, recorda-nos uma família portu-

guesa, a família Silva, com assento no Con-selho Capuano desde a primeira metade do século XVI. Na “Cappella Sylva”, remodelada em 1698 por vontade de Vicente Maria da Silva, mais tarde bispo de Calvi, dedicada a S. Tiago, podemos ver a lápide funerária do patriarca Afonso Silva (Alfonsi Sylve Lusitani, Arcisq. Ca-pvane), datada de 1536.

Nápoles guarda também a memória do ce-lebérrimo Padre António Vieira que, em 1650, foi enviado por D. João IV a Roma para tratar do casamento do Príncipe D. Teodósio com uma das filhas de Filipe IV e dali, em segredo, iniciar uma revolta contra os espanhóis em Nápoles (ou melhor, alimentar o sentimento de revolta que fervilhava na cidade). Embora o jesuíta não tenha sido bem sucedido nesta missão, foi na cidade partenopeia que o seu discurso “As Lágrimas de Heraclito”, foi pu-blicado pela primeira vez, em 1709.

Em Nápoles foi também publicado pela pri-

Leonor da Fonseca Pimentel.

Rainhas portuguesas de Nápoles: D. Isabel e D. Maria.

D. Mariana Vitória, D. Carlota Joaquina e Carlos III.

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meira vez O Verda-deiro Método de Estu-dar de Luís António Verney (1713-1796). Estabelecido em Roma desde 1736, o célebre humanista português dirigiu-se a Nápoles em 1746, de modo a evitar a apertada censura ro-mana. Convém dizer que naqueles tempos a Imprensa napolita-na era mundialmente famosa pela sua liberdade.

Podemos dizer que o intercâmbio cultural entre Nápoles e Portugal começou verdadei-ramente no século XVII. Entre os grandes ar-tistas italianos que influenciaram o Barroco português, encontram-se dois escultores napo-litanos: Francesco Borromini e Gian Lorenzo Bernini (através do seu discípulo Ercole Ferra-ta), que deixaram as suas marcas, respectiva-mente, no altar da igreja de S. Bento, em Lis-boa (1634) e na Fonte de Neptuno, no palácio nacional de Queluz (1677). Já no século XVIII (1719) encontramos o arquitecto siciliano Filip-po Juvarra envolvido no concurso para o convento de Mafra, embora o seu projec-to não tenha sido escolhido por D. João V.

Em 1721 a corte portuguesa conheceu o músico napolitano Domenico Scarlatti, convidado por D. João V para ensinar mú-sica à sua filha Maria Madalena Bárbara. Em 1752 foi a vez de D. José I de convidar David Perez, que, renunciando a uma car-reira internacional, permaneceu em Portu-gal até à sua morte, em Lisboa, no ano de 1778. Com Perez, Portugal teve a oportu-nidade de diversificar o repertório musi-cal do reino – demasiadamente religioso – com um pouco de ópera italiana.

Uma das alunas de Perez foi a famosa can-tora lírica Luísa Todi (1753-1833). Casada com o violoncelista napolitano Francesco Saverio Todi em 1769, conheceu grande sucesso in-ternacional, de Lisboa a São Petersburgo, sem excluir, naturalmente, Nápoles. Contratada pela corte napolitana em 1796, terminou a sua carreira nesta cidade 3 anos depois, após o que regressou a Portugal.

E tal como Nápoles tem o “San Carlo”, tam-bém Lisboa tem o seu teatro “São Carlos”, inaugurado em 1793 com a ópera “La Balerina Amante” do compositor napolitano Domeni-co Cimarosa. Embora a sua fachada nos faça recordar o “Teatro alla Scala” de Milão, o seu arquitecto também se inspirou na mítica casa de ópera napolitana.

DEPOIS DA UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA Não se encontram muitos sinais de relacio-

namento específico entre Nápoles e Portugal depois da unificação da Itália, mas ainda en-contramos algumas coincidências, como a ce-lebração do 25 de Abril. A Itália festeja o 25 de Abril de 1945, quando foi libertada do nazi-fas-

cismo, um movimento de libertação iniciado com a revolta dos “Quatro Dias de Nápoles” contra os ocupantes alemães, enquanto Portu-gal celebra a “Revolução dos Cravos” de 1974. No entanto, ambas as efemérides evocam um valor comum: a Liberdade.

E uma ligação afectiva permaneceu. Muitos partenopeus recordarão ainda a exibição de Amália Rodrigues em Nápoles, em 1973 e de-certo não esquecerão a sua soberba interpreta-ção d’ “A Tarantella” (entre outras canções) em dialecto napolitano. A Diva voltaria a cantar em Nápoles ainda um par de vezes (1974 e 1996).

Já em pleno século XXI, a cidade aguarda a requalificação da Piazza Municipio e as suas novas estações de metro, segundo o projecto conjunto de Álvaro Siza Vieira e Eduardo Sou-to Moura. Embora esta obra tenha suscitado várias polémicas, estas, no fundo, não são di-ferentes das que, de um modo geral, surgem em todas as intervenções que a cidade tem so-frido ao longo dos tempos.

CONCLUSÃO É difícil encontrar uma verdadeira relação

de causa-efeito entre as semelhanças culturais e de carácter entre portugueses e napolitanos. Talvez a herança greco-romana comum, o cli-ma mediterrânico e a influência norte-africana o possam explicar em parte.

No entanto, embora as suas histórias como nações tenham tido vários pontos de contacto, nunca houve entre elas uma verdadeira con-fluência e mesmo as respectivas maritimida-des se revestiram de caracteres completamente diversos. Isto deveu-se, essencialmente, ao fac-to de Portugal ter uma vocação predominan-temente atlântica, enquanto Nápoles, com um

passado marcado pela tutela das grandes po-tências continentais, sempre manteve uma forte ligação ao co-ração do continente europeu. Só mesmo quando os dois reinos se uniram tempora-riamente sob a coroa espanhola – cujo im-pério teve um carácter simultaneamente con-tinental e ultramarino - os dois povos terão

tido a oportunidade de estabelecer uma con-vivência mais sólida, a qual se viria a manter até à integração de Nápoles no reino da Itália.

Naturalmente, muito do que é dito neste breve artigo pode e deve ser desenvolvido por quem tenha interesse em estudar o assunto e, sobretudo, se sinta imbuído de um genuíno sentimento de amizade luso-napolitano.

Entre Nápoles e Portugal há mais semelhan-ças e relações do que se pode imaginar, mas, acima de tudo, há a amizade entre dois povos irmãos, quase gémeos, que jamais se domina-ram ou combateram entre si.

J. Moreira SilvaCFR

Notas1 À semelhança do que sucede na Turquia (por-

takal) e na Grécia (portokali), entre outros países, me-mória do séc. XVI, em que a laranja doce foi trazida pela primeira vez da China para a Europa a bordo das naus portuguesas.

2 De Partenope, nome dado a Nápoles pelos fun-dadores gregos.

BibliografiaCAPRARA, Gilda, G. Caprara, António Vieira, Na-

poli e il Portogallo: alcune ipotesi di ricerca, in «Archivio Storico per le Province Napoletane», CXXVI, Società Napoletana di Storia Patria, Nápoles, 2008

CASSITTO, Luigi Vincenzo, Per la solenne inco-ronazione di Sua Maestà D. Giovanni VI..., ragionamento re-citato... nella festa per detta faustissima occasione celebrata in Napoli nella real chiesa di S, Ferdinando dalla legazione porto-ghese presso S.M. il Re delle Due Sicilie, Nápoles, Stamperia di Angelo Coda, 1817

ESPARTEIRO, António Marques, O Almirante Mar-quês de Nisa, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 1987

GLEIJESES, Vittorio, La storia di Napoli dalle origini ai nostri giorni, Nápoles, Società Editrice Napoletana, 3ª edição, 1978

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DocumentosARQUIVO HISTÓRICO-DIPLOMÁTICO DO MINIS-

TÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROSCorrespondência da Legação Portuguesa em Nápoles,

caixa 159 (1855-1860)Correspondência do Consulado de Portugal em Ná-

poles, caixa 742/743 (1840-1924)BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGALInstrucçam secreta que o Senhor Rey Dom Joam IV deu ao

Pe. Antonio Vieyra da Companhia de Jesus, mandando-o à cúria de Roma, 14 de Outubro de 1649, BN COD. 1540

Revista da aRmada • AGOSTO 2012 25

D. Maria Leopoldina, Fernando IV e D. Maria II.

Amália Rodrigues, em Nápoles, interpretando “A Tarantella” (1973).

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Estimados Combatentes, Quero agradecer-vos a suprema

honra de poder estar, aqui e hoje, convosco. Não me reconheço os dotes que presumivelmente estiveram na origem do convite que me foi feito pela Comissão Executiva deste Encontro e que outros, em anos anteriores, evidenciaram. No entanto, as palavras deste ilustre desconhecido que está perante vós, que não serão um modelo de retórica, são certa-mente sentidas. Como escre-veu o poeta,

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,De vós não conhecido nem s onhado?Da boca dos pequenos sei, c ontudo,Que o louvor sai às vezes a cabado.

No 10 de Junho, celebramos o Dia de Portugal, Dia de Camões, o poeta da nos-sa epopeia ultramarina. Estamos todos aqui, neste local histórico, à sombra da Torre de Belém, que simboliza os des-cobrimentos portugueses, para celebrar Portugal e honrar os seus combatentes, os seus heróis.

Homenageamos os que combateram na guerra do Ultramar, a mais recente e que ainda está bem viva na memória de mui-

tos, e em que pereceram quase nove mil portugueses europeus e africanos, cujos nomes estão para sempre gravados neste monumento. Tal como os navegadores de antanho, muitos destes deixaram as suas terras para defender a Pátria em terras lon-gínquas, que a maior parte até desconhecia.

Homenageamos todos os outros que deram a vida pela Pátria ao longo da sua história, neste rol incluindo aqueles que, mais recentemente, o fizeram em missões de paz em que, como cidadãos do mundo, estivemos e continuamos a estar envolvi-dos em várias partes do planeta.

Todos merecem o nosso mais profundo reconhecimento. “Ditosa Pátria que tais filhos tem”. Não tenhamos medo desta frase, como não devemos ter medo de afir-

mar, como Vasco da Gama, “Ditosa Pátria minha amada”. Porque estes Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles. E porque não nos esquecemos deles, aqui viemos hoje.

Mas não recordamos apenas os que perderam a sua vida na guerra, homena-

geamos também um enorme número de combatentes ainda vivos, a merecer reconhecimen-to, e de que há muitos, ainda, a sofrer as consequências de uma guerra por Portugal, com refe-rência especial para os mais de 15.000 deficientes do ultramar. Os Portugueses homenageiam--vos a todos vós que aqui estais e os vossos camaradas que aqui não puderam vir.

É claro que há por aí quem não goste do que aqui estamos a fazer. Mas como disse, há pouco mais de um ano, o Senhor Presi-dente da República, por ocasião

do 50º Aniversário do início da guerra em África, “…hoje aqui não homenageamos uma época, um regime ou uma guerra. Tra-ta-se, simplesmente, de uma homenagem da Pátria àqueles que se encontram entre os seus melhores servidores”.

Ainda que algo se tenha progredido nos últimos anos, lamento a forma como os Antigos Combatentes da Guerra de Ultramar foram, e continuam a ser des-considerados, mesmo maltratados, o que

No passado dia 10 de junho reali-zou-se, junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar, o XIX Encon-

tro Nacional dos Combatentes, tendo como Presidente da Co-missão Executiva o Tenente ge-neral Vizela Cardoso.

Antes de dar começo às Co-memorações Oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Co-munidades, que tiveram lugar na Praça do Império, frente ao Mosteiro dos Jerónimos, o Pre-sidente da República deslocou--se junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar onde co-locou uma coroa de flores em homenagem aos mortos ao ser-viço da Pátria.

O Encontro iniciou-se com uma Missa Campal, acompanhada pelo Grupo Coral da Cruz Vermelha Portugue-sa, por intenção de Portugal e de sufrágio pelos que por ele tombaram.

Após umas palavras de abertura profe-ridas pelo Presidente da Comissão Execu-tiva e de uma cerimónia inter-religiosa em

que tomaram parte um sacerdote francis-cano e o xeique da Mesquita de Lisboa, o Professor Doutor Manuel Antunes discur-sou em homenagem aos combatentes, dis-

curso que se transcreve na integra. Seguiu--se a deposição de flores, que formalizou o testemunho de veneração de várias ins-

tituições aos mortos pela Pá-tria. Foi então cantado pelos alunos dos colégios militares o Hino Nacional, que os pre-sentes acompanharam.

Aconteceu ainda a passagem de aeronaves da Força Aérea e um salto de paraquedistas, enquanto os combatentes pre-sentes, alguns acompanhados dos respetivos familiares, iam procurando nas lápides os no-mes de antigos camaradas de armas.

Com um almoço-convívio, servido no relvado frente ao Monumento, terminou mais

um Encontro daqueles que cumpriram as palavras proferidas quando do seu Jura-mento de Bandeira.

26 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

XIX Encontro Nacional de CombatentesXIX Encontro Nacional de Combatentes

Alocução do Professor Doutor Manuel A ntunesAlocução do Professor Doutor Manuel A ntunes

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No passado dia 24 de maio comemo-rou-se o 21º aniversário do NRP Álvares Cabral, sendo a efeméride

assinalada com uma visita da guarnição a Belmonte, localidade natal de Pedro Álvares Cabral.

À chegada a Belmon-te, a guarnição foi rece-bida no salão nobre da Câmara Municipal pelo Vice-Presidente da au-tarquia, Dr. David Ca-nelo. Nesta receção de boas vindas, o Coman-dante do navio usou da palavra para agradecer à Câmara Municipal de Belmonte a colaboração na organização da vi-sita e aproveitou para recordar os feitos e o exemplo desse ilustre português que foi Pe-dro Álvares Cabral, conterrâneo das gentes de Belmonte. O vice-presidente da edilida-de num breve discurso, agradeceu a visita da guarnição da Álvares Cabral a Belmonte

e demonstrou a disponibilidade da autar-quia para outras iniciativas deste género. Por fim, ainda no salão nobre, decorreu a troca de lembranças institucionais tendo

o autarca oferecido ao navio um conjun-to de livros, um dos quais da sua autoria, relativos à vila, à região e às suas gentes.

Após a receção e boas vindas, a guar-

nição realizou uma visita guiada à zona histórica da vila, tendo oportunidade de

visitar o Museu dos Des-cobrimentos, a estátua de

Pedro Álvares Cabral, o Castelo de Belmonte, a Igreja de Santiago/Panteão dos Cabrais e a Igreja Matriz. Foi ainda possível, durante o per-curso da visita, identifi-car o Solar dos Cabrais e o edifício da Tulha de Belmonte onde eram armazenadas as rendas da família Cabral.

A comemoração do 21º aniversário do NRP Álvares Cabral terminou em ambiente de fran-co e salutar convívio, com um agradável al-moço num restauran-te da vila que permitiu

à guarnição retemperar forças com uma ementa de cabrito típica da região.

Colaboração do NRP ÁLVARES CABRAL

Revista da aRmada • AGOSTO 2012 27

evidencia um triste retrato de Portugal. Um retrato que se começa a fazer na es-

cola. Escola de onde entretanto desapa-receu o culto da Pátria, da bandeira, do hino. Escola onde, quase 4 décadas depois, ainda se escamoteia e até se deturpa uma parte importante da nossa história, mas a que a história um dia fará justiça.

Como também disse o nosso Presidente, “é importante transmitir às gerações mais novas, o testemunho de quem enfrentou a adversidade ombro a ombro com aqueles a quem confiava a vida e por quem a daria também; o testemunho de quem conhece a relevância de valores como a solidarieda-de, o profissionalismo, o mérito e a honra, a família e o País”.

De um Antigo Combatente li que, “só as-sim se pode incutir nos mais novos o senti-mento de que pertencem a uma nação, com as suas vitórias e as suas derrotas, os seus momentos de glória e os seus períodos de desânimo. Não se pode compreender um país se não se conhecer o seu passado, com tudo o que teve de bom e de menos bom”.

Homenageamos hoje, pois, a entrega e o espírito de missão dos nossos com-batentes, com o coração e a alma cheios de orgulho no que fizeram. Em combate e fora dele. Na integração com as popu-lações locais, sem precedentes noutras guerras e entre outros povos, e que é am-

plamente reconhecida pelos próprios ci-dadãos desses hoje países independentes.

Estamos, nestes tempos, a virar a pági-na. As nossas ligações com África são hoje mais fortes que nunca. A promoção da lu-sofonia africana, que nos pode ajudar a li-bertarmo-nos de alguns dos nossos proble-mas, é agora um dos nossos desígnios. A vossa luta também ajudou a criar um am-biente propício para este diálogo. Afinal, a história está, uma vez mais, a reescrever-se e a reencontrar-se consigo própria.

Nestes dias, o País atravessa, novamen-te, uma situação difícil. Todos nós sofre-mos as suas consequências. Contudo, comparados com as vicissitudes desse tempo, os problemas que o País enfrenta hoje até parecerão menores. Se os conse-guimos resolver então, certamente os re-solveremos hoje.

Caros combatentes, Permitam-me, finalmente, que apro-

veite a minha presença aqui para desta-car o pessoal da saúde das nossas Forças Armadas, médicos, enfermeiros, técnicos e outros que deram apoio médico-sani-tário nos teatros de operações ultramari-nos. Como médico, não podia deixar de aqui prestar homenagem a todos aqueles que, na frente de combate ou na retaguar-da, resgataram da morte as vossas vidas.

Alguns pagaram também com a própria vida essa sua dedicação à causa.

Mas não foi apenas na guerra que se destacaram. Eles ajudaram a estabelecer uma rede de centros de saúde de que re-sultou uma cobertura médico-sanitária efectiva onde antes não existia nada. As populações desses territórios foram os be-neficiários directos dessa actuação e ainda hoje o recordam. Sou testemunha disso, como sou testemunha dessa actividade, porque por lá vivia então. Convivi com alguns, aprendi com alguns. É necessário não esquecer que 40% do orçamento das Forças Armadas no ultramar era dedica-do à acção social. Também desta forma se contribuiu para a construção do futuro.

Queridos combatentes, Termino, como comecei, c itando Camões:

Em vós esperam ver-se renovadaSua memória e obras valerosas;E lá vos tem lugar, no fim da idade,No templo da suprema Eternidade.

Os Portugueses não vos esquecem. Os Portugueses não esquecem o que vos devem.

Viva Portugal!

NRP Álvares CabralVisita a Belmonte no âmbito do 21º aniversário do navio

NRP Álvares Cabral

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28 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

29º Troféu Accademia Navale e Cittá di Livorno29º Troféu Accademia Navale e Cittá di Livorno

O ensino na EN visa habilitar os seus alunos com as necessárias competên-cias requeridas para o cumprimento

das missões da Marinha, e este é um processo multifacetado que procura conjugar de forma equilibrada o ensino académico, a formação de natureza naval e a formação militar e, con-comitantemente, preparar os jovens cidadãos para um futuro pautado por valores que devem constituir referência na nossa sociedade.

É neste âmbito que a EN tem vindo a estimular e a apoiar iniciativas dos alunos que reforcem a sua consciência e responsabilidade social e atuação como cidadãos integrados e ativos na busca de uma sociedade mais solidária e justa.

Neste sentido, têm vindo a ser desenvolvidos esforços para incrementar estes novos valores e atitudes, despertando e sensibilizando os cade-tes para alguns dos problemas sociais que afe-tam não só os Portugueses, como outros países com os quais temos ligações históricas.

O projeto Pequenos Gestos Moçambique é um exemplo de um projeto de ação social além--fronteiras desenvolvido pelos cadetes que fre-quentam a EN no âmbito da Cooperação Téc-nico-Militar com os PALOP, e que teve como objetivo angariar livros para criação de uma biblioteca na Escola Secundária de Mogoani-ne, localizada a 16 km de Maputo. Com esta iniciativa, que contou com os contributos dos militares e cadetes da EN, das Livrarias Paulinas,

Babel, Principia Editora, FNAC Portugal e Porto Editora e de alguns particulares, foram angaria-dos cerca de 800 livros. A campanha foi lançada durante as comemorações da Semana Africana, que decorreu de 30 de janeiro a 6 de fevereiro, e a EN contará com o apoio da DGPDN para o transporte do material para Moçambique.

A nível nacional destacam-se também algu-mas campanhas desenvolvidas em parceria com outras instituições.

Após a inscrição no Centro de Recolha de Medula Óssea (CEDACE) e no Instituto Portu-guês do Sangue, a EN institucionalizou a prá-tica de recolhas bianuais de amostras de me-dula óssea e colheitas semestrais de sangue em colaboração com estes institutos. No dia 15 de março decorreram as primeiras ações de reco-lha de sangue e recolha de amostras de medula óssea na EN, que registaram 26 inscrições e 50 dádivas de sangue.

Em simultâneo decorria também uma nova

campanha que o Banco Alimentar Contra a Fome lançou, para incentivar a população a trocar papel usado por alimentos. Assim, e por cada tonelada de papel recolhido pelo Banco Alimentar, a empresa Quima, de recolha e recu-peração de desperdícios, entrega o equivalente a 100 euros em alimentos. A EN associou-se a esta iniciativa criando pontos de recolha de pa-pel em vários locais, contando com o apoio do Serviço de Assistência Religiosa para divulgar e sensibilizar para a entrega de um bem já sem utilização, assim como para a importância da reciclagem e da reutilização do que aparenta não ter qualquer valor. Nesta campanha foram recolhidas 4,5 toneladas de papel.

Não menos importante tem sido a partici-pação da EN nas campanhas de recolha de alimentos, organizada pelo Banco Alimentar contra a fome.

Os cadetes colaboram com os demais volun-tários na separação, organização e acondiciona-mento dos alimentos para posterior distribuição pelos mais carenciados.

A EN vai continuar a apoiar e a desenvol-ver projetos neste âmbito, na firme convicção de que o Oficial de Marinha se deve constituir como uma referência enquanto cidadão, cuja missão, estando ao serviço da pátria, é o bem comum das gerações atuais e vindouras.

Colaboração da ESCOLA NAVAL

ESCOLA NAVAL

O Trofeo Accademia Navale e Cittá di Li-vorno é uma das mais importante rega-tas de vela em Itália, organizada pela

congénere italiana da Escola Naval (EN) e pela comarca da cidade onde está instalada, Livorno.

Desde a sua origem que é muito mais que apenas uma regata, distinguindo-se pelo envol-vimento da comunidade local, que acompa-nha e apoia as equipas participantes e vive os dez dias do evento como uma festa da cidade.

Esta é uma competição de grande importân-cia em Itália e a nível internacional, o que pro-porciona uma salutar troca de experiências por parte dos velejadores, que se deslocam dos seus países de origem.

Sendo esta a 29ª edição do Troféu, foi também a 29ª participação de Portugal e a 19ª participa-ção da EN, pois as diferentes componentes que combina, nomeadamente pelo facto de ser uma regata bastante exigente e competitiva, e por pro-mover a interação entre as Marinhas de diversos países, justificam a presença assídua de Portugal, facto realçado pelo Comandante da Accademia Navale, ALM Cavo Dragone. Este ano a comitiva da EN foi constituída por um oficial (1TEN Sarai-va da Rocha) e por três cadetes (Sassetti da Mota, Murta Cunha e Santos Piteira). No que concer-

ne às restantes delegações militares, o evento contou com a presença de diversas nações, Austrália, Bélgica, Bulgária, Catar, Chile, China, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Eslovénia, Itália, Jordânia, Grã-Bretanha, Índia, Marrocos,

México, Noruega, Sérvia, Suécia e Turquia.A prova foi disputada de 29 de Abril a 1 de

Maio e durante os três dias de regatas foi utili-zada a embarcação Tridente 16, uma novidade desta edição do evento, visto que até então era utilizado o J24 por parte das delegações das Ma-rinhas estrangeiras. Apesar de ser utilizada na Academia Naval Italiana como barco-escola, é um barco relativamente rápido, o que, aliado a

sua fácil manobra, permite regatas competitivas e simultaneamente divertidas.

Apesar dos dias de treino terem sido promis-sores, foram disputadas apenas cinco das nove regatas previstas para a prova devido às condi-ções climatéricas pouco favoráveis, com vento muito fraco e inconstante. No entanto, com o treino realizado em Portugal, supervisionado pelo CFR Alcobia Portugal e pelo Instrutor de vela Capucho Paulo, a delegação nacional este-ve ao nível dos melhores competidores, obtendo o 2.º lugar no Troféu das Marinhas Estrangeiras. O 1º lugar foi conquistado pela delegação chi-nesa, num total de 18 concorrentes.

No troféu destinado a todas as Academias Mi-litares, a EN teve uma pequena descida, ficando classificada no 5º lugar, logo atrás das três equi-pas italianas e da delegação chinesa que, uma vez mais, obteve a melhor classificação.

Concluída a missão, o balanço final é bastan-te positivo, não só pelo facto de a EN ter ficado bem representada a nível desportivo, mas tam-bém pelos laços de amizade que se estabelece-ram durante toda a semana, que permitiram aos Cadetes portugueses expandir os seus horizontes e dar a conhecer a Marinha e Portugal.

Escola Naval SolidáriaEscola Naval Solidária

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 29

HIERARQUIA DA MARINHA 19

O termo espadeleiro tem origem na pa-lavra espadela, do latim spathela, que quer dizer espátula (J. M. Silva Mar-

ques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, Lisboa, 1954, p. 83). Em âmbito náutico a espadela é um leme, composto por um cabo (ou cana) e uma pá, ambas de dimensões variáveis, que pode ser montada na alheta ou na popa da em-barcação para garantir o seu governo.

Hierarquicamente o espadeleiro estava su-bordinado ao alcaide da galé, a quem competia o comando do navio, como se pode inferir dos textos dos forais de Santarém e Lisboa de 1179, onde é referido: “De navigio. De navigio vero mando ut alchaide et duo spadelarii et duo pronarii et unus petintal habeant forum militum” (ANTT, Livro dos Forais Antigos, maço 3, n.º 3). Este

pequeno extrato também evidencia que cada navio embarcava, para além do alcaide da galé, dois espadeleiros e um petintal, todos com foro de cavaleiros, o que corresponde ao estatuto actual de oficial.

Vasconcelos de Menezes (Os Marinheiros e o Almirantado, Lisboa, Academia de Marinha, 1989, p. 69) refere que, entre 1282 e 1298, o ter-mo mudou progressivamente para arrais e, a partir daí, não se volta a encontrar esta deno-minação na documentação portuguesa. Po-rém, importa realçar que a função correspon-dente persiste, na medida em que se podem encontrar espadelas nos barcos rabelos e nou-tras embarcações tradicionais de transporte e de pesca. Os barcos rabelos possuem, à popa, uma espadela, que os marinheiros designam,

comummente, de esparrela ou rabagão, pelo facto de prolongar o corpo da embarcação, pa-recendo que lhe cresce um rabo, de onde deri-va a designação de rabelo. O cabo ou cana da espadela dos barcos rabelos tem grandes di-mensões e a sua pá é decorada com motivos onomásticos e religiosos. Também os batéis do Tejo que, no passado, se destinavam ao trans-porte de pessoas e carga entre as margens do rio, possuem espadelas nas alhetas, destinadas a ajudar nas manobras e na navegação nos ca-nais e nos esteios do rio. Nas embarcações de pesca, as espadelas eram usadas, sobretudo, no barco de riba e na muleta do Seixal.

António Silva RibeiroCALM

ESPADELEIROESPADELEIRO

VIGIA DA HISTÓRIA 46

A institucionalização do ensino da nave-gação em Portugal ocorreu, pela pri-meira vez, em Goa, durante o governo

do Vice-Rei Conde de Ega. A criação da Aula de Navegação em 1759, cedo terá começado a dar frutos já que, em Janeiro de 1762, o Vice--Rei informava o Rei que da Aula já iam sain-do oficiais com futuro promissor.

Relativamente a esta Aula, somente foi pos-sível apurar a identidade de um dos professo-res, o CTEN António Rodrigues dos Santos, o mesmo que, em 1764, foi nomeado o primeiro professor da Aula de Navegação da Cidade do Porto. O sucesso da Aula, tal como ocorre em tantas outras organizações, deveria depender, em muito, do entusiasmo do seu fundador e do empenho de alguns dos professores que, uma vez afastados, conduziram à degradação do ensino levando a que uma das instruções do novel governador, D. José Pedro da Câma-ra, fosse a reformulação da Aula, tarefa atribuí-da ao CMG José Sanches de Brito, comandante da nau Madre de Deus na qual seguia o gover-nador, e que ia indigitado para Comandante da Marinha de Goa.

Tendo chegado a Goa a 21 de Setembro de 1774, só no ano seguinte, a 2 de Agosto, teve início a Aula de Navegação de que era lente um frade da Ordem de S. Agostinho que, na vida secular, fora piloto.

A Aula regia-se de acordo com um regula-mento, elaborado por Sanches de Brito, com o seguinte título:

“Ordens que se hão-de observar na Aula da Marinha de Goa e método que se seguirá no ensino da pilotagem”.

Ali se estabelecia que as aulas durariam todo

o ano, das 0800 às 1100, sendo duas horas para o ensino de pilotagem e 1 hora para o ensino da arte de aparelhar e lastrar navios.

Na parte da tarde haveria ainda, durante 2 horas e meias, aulas cuja natureza o docu-mento não especifica sabendo-se, no entanto, que os sargentos de mar e guerra e os prati-cantes de piloto, nesse período, somente te-riam lições de pilotagem.

Um dos aspectos mais curiosos do regula-mento era o de que todos os oficiais da Marinha de Goa 1 deveriam frequentar as lições, os CMG e CTEN durante a parte da manhã de dias alter-nados e os Tenentes de Mar e G/M durante as tardes 2. O regulamento estabelecia um conjun-to de procedimentos administrativos relaciona-dos com a disciplina e aproveitamento de que, pela sua curiosidade, se destacam os seguintes:

- Os alunos deveriam ser portadores de tin-teiro, compasso e régua;

- As lições seriam ditadas;- Os cadernos dos alunos (só para os G. Mar.)

seriam examinados periodicamente pelo Lente;- Os exames teriam periodicidade semestral;- Para o esclarecimento de dúvidas os alunos

poderiam dirigir-se a casa do Lente;- As aulas só seriam interrompidas pela en-

trada do Governador na sala;- Para evitar interrupções haveria à porta da

sala de aula uma sentinela.No que se refere às matérias a ensinar na

aula deveriam abranger:Definições de Navegação, Toda a geometria

prática, Agulha de Marear, Rumos e Variação, Esfera natural e artificial, Círculos, suas pro-priedades e serventias, Determinação do nú-mero áureo e da hora da maré, Razão da igual-

dade e desigualdade dos dias, Construção e uso da balestilha, do quadrante e do octante, Trignometria, Senos, tangentes e secantes, Uso de instrumentos (tabuadinhas (sic) dos rumos, escala de Gurther, quarto de redução e livro dos senos), Correcções ao ponto de fantasia 3, Abatimento, Barquinha, sua graduação e uso, Vozes para o leme, Cartas de marear, planas e reduzidas, Declinação do sol, Altura do Polo e Ascensão Recta, Sinais que anunciam mu-danças de tempo, Conhecimento das costas, fundos, marés, bancos e restingas.

O regulamento estabelecia ainda quais as matérias que deveriam ser ministradas pelos mestres de Construção, do Aparelho do Na-vio e de Manobra e Táctica Naval. Os conhe-cimentos indispensáveis de artilharia, que se encontram referidos no documento, seriam ministrados na Aula de Artilharia que abri-ra alguns meses depois da Aula de Marinha.

Em todo o regulamento está patente a neces-sidade da componente prática no ensino, para o que a existência, nas salas de aula, de uma peça de artilharia, de diversos tipos de madei-ras com diferentes formas e de um modelo de navio contribuíam.

Com. E. Gomes Notas

1 Na Marinha de Goa existiam 6 CMG, 12 CTEN, 14 Te-nentes de Mar, 14 G/M e 10 Sargentos de Mar e Guerra.

2 Este facto parece ser claramente demonstrativo da bai-xa qualidade da formação.

3 Ponto de fantasia = ponto estimado. Fonte: Cx 87 Índia, Capilha de 15 Maio de 1776. Arquivo Histórico Ultramarino.N.R.O autor não adota o novo acordo ortográfico.

ENSINO DA NAVEGAÇÃO EM GOA IENSINO DA NAVEGAÇÃO EM GOA I

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30 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

…João Sem Medo (esgueirou-se) de Chora -Que-Logo-Bebes (e dirigiu-se) para o tal Muro que cercava a floresta e onde alguém escrevera este aviso: É PROIBI-DA A ENTRADA A QUEM NÃO ANDAR E SPANTADO DE EXISTIR…

In Aventuras de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira, 1963

Poucos livros me influenciaram tanto como o livro supracitado. Lido pela primeira vez aos 14 anos, foi relido

vezes sem conta. De todas as vezes encon-tro um significado novo, uma mensagem importante, uma palavra ou frase, que de-finem sentimentos…Ora na verdade ando “espantado de existir”, neste nosso país onde o rumo não parece muito diferente da “Chora-Que-Logo-Bebes” do meu herói de sempre: o João Sem Medo…

Estou espantado com um país em que só os pobres podem perder “direitos adqui-ridos”, já que os adquiridos por quem tem poder ou influência são de pedra e cal. Mais sólidos do que a Serra da Arrábida, mais merecidos do que a ressurreição di-vina, mais honestos (e inocentes) do que o amor de mãe…

Estou espantado de existir num país em que não parece haver bom senso de qual-quer tipo. Para salvar a pátria da bancarro-ta muitos são capazes de sacrificar aspetos fundamentais (como o acesso de muitos aos cuidados médicos), para proteger os interes-ses de um setor bancário que já deu sucessi-vas provas de se gerir pelo mais primordial dos instintos: a ganância… Por outro lado, outros mostram-se incapazes de satisfazer quaisquer ajustes (por mais pequenos que se-jam) e pretendem manter o status-quo, inde-pendentemente da mudança de conjuntura.

O que se revela, uma e outra vez, é uma incapacidade para o consenso. Este, de tanto adiado, já não se afigura crível nos próximos tempos e creio bem (e não sou o único), que com o refrão das diferenças poderemos, nós também aqui em Portugal, escrever a nossa versão da tragédia Grega, que se arrasta lá para os lados do Pireu…

“Faltam exemplos”, dirão muitos dos que os que têm a paciência para ler estas pala-vras. Faltam, faltam atitudes de humildade, menos carros de luxo no poder, mais trans-parência e menos licenciaturas conden-sadas… Lembrei-me a propósito de apro-veitar experiências práticas, de um senhor barbeiro que trabalhou ali para os lados de Azeitão. Homem versado em males do corpo e da alma, tais como fleimões, fístu-

las e tristezas inesperadas, talvez pudesse submeter o seu currículo a uma (das muitas) faculdades de medicina ou de enfermagem que agora temos. Quiçá, com tanta experi-ência, talvez fosse possível fazer medicina em dois anos ou condensar os cinco anos de enfermagem, em apenas um…Claro, não vou ser egoísta, como os médicos são fre-quentemente, e pensar só em saúde. Admito também que alguém (um filho de pescador, por exemplo) pudesse pedir créditos à Es-cola Naval. Afinal já havia muita habilida-de marítima e talvez fosse possível demo-rar menos tempo a concluir a licenciatura?

A solução para esta crise, acredito pro-fundamente, depende muito de quem nos dirige mas também daquilo que formos ca-pazes de exigir a nós próprios. Durante anos acreditou-se que a todo-poderosa Europa, nos receberia no seu seio de braços aber-tos e estaria disposta a sustentar as nossas necessidades (e, claro, os nossos vícios). Já vimos que não é assim. A Europa são alguns países a Norte, que produzem, e outros, a Sul, que basicamente consomem…Na mes-ma medida em que os últimos deixam de ter dinheiro para consumir, se vem finando o ideal de fraternidade de quem produz…

Portugal deixou de produzir, paulatina-mente, mas de forma segura, passámos a de-pender de outros para as necessidades bá-sicas e não-básicas. Alguns já perceberam que tem que haver alternativas. O exem-

plo mais pungente daqueles últimos são os que cultivam todos os terrenos livres à vol-ta das cidades, junto às vias rápidas, crian-do hortas produtivas onde antes só haviam baldios…Contudo, ninguém fala deles, ninguém se espanta com o seu exemplo…

Trocámos, num ápice, a nossa crença nos tigres de papel que nos foram vendendo ao longo dos anos, pelos tigres do oriente, a quem pedimos a mercê de nos socorrer. Para Portugal (e particularmente para os marinheiros desta terra) já não há novidade nesta troca com países de cultura tão distan-te. Só é pena, afirmo-o seguramente, é a po-sição em que agora nos encontramos. Passá-mos do intercâmbio cultural e comercial de antanho (muitas vezes de uma posição cul-tural ou económica privilegiada), à súplica por mais uns milhares de patacas para nos livrar deste sufoco, em que voluntariamente nos enredámos…Lá se diz que na história e na vida tudo tem o seu reverso…

Por isto (e por muito mais, que aqui não cabe dizer) levo no ser grande espanto. Es-tou prestes a saltar o Muro, para lá deste “salve-se quem puder” em que agora nos encontramos. É um muro de mentalidade, que espero do fundo da alma, muitos este-jam dispostos a saltar…

Saudações amigas, aos “espantados”navais, como eu, que tiveram a coragem… para ler…

Doc

NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (15)

É proibida a leitura a quem não andar espantado de existir…

É proibida a leitura a quem não andar espantado de existir…

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Revista da aRmada • Janeiro 2003 11Revista da aRmada • FeVereiro 2012 31

XXXI Peregrinação Militar a FátimaXXXI Peregrinação Militar a FátimaRealizou-se nos dias 14 e

15 de junho, a XXXI Pere-grinação militar a Fátima,

com a presença dos três ramos das Forças Armadas e das Forças de Segurança.

Este ano, coube à Marinha organi-zar o primeiro momento desta pere-grinação, a Celebração Penitencial.

A reunião dos peregrinos na Ca-pela da Morte de Jesus ocorreu pe-las 18h numa das capelas da nova Igreja da Santíssima Trindade.

Muito prestimosa foi a reflexão a cargo de um ex-capelão da Marinha o Pe. mon-fortino Rui Valério. Seguidamente houve um período para a reconciliação individual para aqueles que o quiseram fazer.

Ainda no dia 14, pelas 21h, junto à capelinha das Aparições, participar na oração do Terço e seguiu-se a sempre emocionante Procissão de Velas no Santuário, tendo o branco dos unifor-mes da Briosa, marcado a tonalidade da pro-cissão. Aliás, é notório o aumento constante de peregrinos da Marinha nas últimas peregrinações.

No dia 15 de junho, os peregrinos juntaram-se novamente na Capeli-nha das Aparições para iniciarem o cortejo litúrgico em direção à Igreja

da Santíssima Trindade, para o mo-mento mais alto desta Peregrinação.

Presidiu à Eucaristia solene o Bis-po das Forças Armadas e de Segu-rança, D. Januário Torgal Ferreira, acompanhado de muitos capelães.

Também presentes estiveram o Ministro da Defesa Nacional, o Dr. Aguiar Branco, o Ministro da A dministração Interna, o Dr. Miguel Macedo, o Secretário de Estado Ad-junto e da Defesa Nacional, o ALM CEMA, em representação do Gene-ral CEMGFA, o DGPRM, Dr. Alber-

to Coelho e vários Oficiais generais.Durante a eucaristia foi prestada a habitual

homenagem aos militares falecidos, com o to-que de silêncio, de homenagem aos mortos e de alvorada.

É um sentimento generalizado que partici-par numa iniciativa deste teor deixa sempre marcas que quereremos reavivar na peregri-nação do próximo ano.

Lá estaremos.

Paulo Graça BarreiroCFR

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Revista da aRmada • AGOSTO 2012 33

QUARTO DE FOLGA

HORiZONtais: 1-Astrologia. 2-Batráquio; aquela que adula. 3-Criada de quarto; cubra de lastro. 4-Quatro letras iguais; espécie de albufeira. 5-Grande povoação da Nigéria; fecha as asas, para descer mais depressa; símb. quím. da prata. 6-Têm trinta dias; é quase eito; larva que se cria nas feridas dos animais. 7-Símb. quím. do érbio; origine; madre. 8-Causa pena; língua dos tupis e dos tupinambás. 9-Ar-mar de novo; rio da Alemanha afluente do Reno. 10-Correias, cordas ou cabres-tos, com que se puxam, ou se atam à manjedoura as cavalgaduras; símb. quím. do cobalto. 11-Restituis ao século, à vida leiga, as pessoas e as coisas que perten-ciam à vida eclesiástica.

veRtiCais: 1-Instrumento com que se medem as distâncias celestes. 2-Um dos cumes da cordilheira costeira do Pacífico, nos Estados Unidos; no princípio de erebo. 3-Idades; apelido de heroina francesa. 4-Símb. quím. do sódio; pé de verso latino ou grego, composto de uma sílaba longa seguida de outra breve. 5-Rio Dão na confusão; nome vulgar do diapasão (inv. e pl.). 6-Ponto cardeal; três romanos; liga. 7-De cor não carregada; é quase raro. 8-Coisa agradável num meio que o não é (fig); nota musical. 9-Quatro letras de adaptar; rio a nordeste da àsia, formado pela reunião do Argun e do Chilca. 10-Rata (inv); casa velha ou esburacada (Bras). 11-O mesmo que arengados.

SOLUÇÕES: PALAVRAS CRUZADAS Nº 436HORiZONtais: 1-Uranoscopia. 2-Ra; Adulador. 3-Aia; Alastre. 4-Nnnn; Ria. 5-Oio; sies; Ag. 6-Mês; Eit; Aru. 7-Er; Crie; Mãe. 8-Doi; Tupi. 9-Rearmar; Rur. 10-Arreatas; co. 11-Secularizas.

veRtiCais: 1-Uranometras. 2-Rainier; Ere. 3-Anos; Darc. 4-Na; Coreu. 5-Oda; serimal. 6-Sul; III; Ata. 7-Clarete; Rar. 8-Oasis; Si. 9-Pdta; Amur. 10-Ior; Arapuca. 11-Arengueiros.

Carmo Pinto1TEN REF

PALAVRAS CRUZADASProblema Nº 436

PALAVRAS CRUZADAS

123456789

1011

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

JOGUEMOS O BRIDGEJOGUEMOS O BRIDGEProblema Nº 154

SOLUÇÕES: PROBLEMA Nº 154E joga o R e S faz de A; pequeno trunfo para o morto, constatando que estão 4-0, ♠ para o V seguido de A vendo cair o R; volta ao morto em trunfo e joga D♠ baldando um ♦ (joga-da chave) e não o ♣, pois se o fizer irá cabidar dando sempre 2 ♦ para E conforme é fácil de verificar; como não pode jogar ♦ para a passagem ao V, uma vez que W corta, vem à mão num corte de outra ♠, obrigando E a mais uma balda mas tendo de ficar com V9 de ♦; joga agora os 3 trunfos e depois o ♣ e no último trunfo chegámos a esta posição: S – ♥R ♦D10 ♣ 2, W – ♣R765, N – ♠10 (para baldar) ♦4 ♣D3 e E – ♦V9 ♣AV. E estará então squeezado, pois não pode baldar ♦ e nem o A de ♣ para evitar ser colocado em mão e ter de se virar para os ♦ de S. Repare que caso o faça, a mão ficará no R de W que só tem ♣ e a D de N faz a vaza de volta, permitindo que S faça os 2 ♦ finais e cumpra o contrato.

Nunes MarquesCALM AN

Oeste (W):852

7632

7

R7654

Este (E):

R6

RV9652

AV1098

Norte (N):D109743

AV5

43

D3

AV

Sul (S):RD10984

AD108

2

CONVÍVIOS

W-e vuln. após uma abertura de e em 1♦ desenvolve-se o seguinte leilão:S – Dobro W – P N – 2♠ E – 3♣S – 3♥ (boa mão) W – 4♣ N – 4♥ E – 5♣ S – 5♦ (controlo) W – P N – 5♥ E – P (face vulnerabilidade)S – 6♥ (talvez um pouco agressivo, mas tem bom complemento a ♠, AD♦ e singleton a ♣).

Qual deve ser o plano de jogo de S para tentar cumprir o seu contrato, recebendo a saída a ♦7?

l Inserido no nosso programa do Dia da Marinha, tivemos a honra da visita que nos foi proporcionada pelo Cte da Fragata D. Fernando II e Glória, CMG Rocha e Abreu que nos recebeu como só a Marinha o sabe fazer e nos deixou extrema-mente agradecidos.

Seguidamente, fomos recebidos pelos Órgãos Sociais do Clube de Praças da Armada que nos brin-daram com um almoço na sua Sede Social.

Esta visita, vem na sequência da efetuada pelo C.P.A. ao Clube Escolamizade, numa troca recíproca e que em nosso entender deve ser extensivo a todos os Clubes, Asso-ciações ou Núcleos que abrangem todo o território nacional.

CLUBE ESCOLAMIZADE1ª GUARNIÇÃO DO NRP ÁLVARES C ABRAL

l Realizou-se no dia 19 de maio, na Messe de Sargentos da ETNA, o almoço-convívio da 1ª guarnição do NRP Álva res Cabral.

O encontro, que de-correu em ambiente de sã camaradagem, reu-niu cerca de 70 milita-res, ex-militares, fami-liares e amigos. Entre

os presentes estava o Almirante Oliveira Viegas.

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34 AGOSTO 2012 • Revista da aRmada

NOTÍCIAS PESSOAIS

CONVÍVIOS

l Realizou-se no passado dia 19 de maio num restaurante local, o almoço convívio de 27º Aniversário do Grupo Amizade Marinhei-ros do concelho de Esposende. O encontro contou com a presença de 124 convivas, entre marinheiros e familiares. O convívio decorreu em ambiente de grande camaradagem e serviu essencialmente para rever camaradas e amigos. Ficou acordado que o encontro de 2013 será realizado na Vila de Fão, deste concelho.

GRUPO AMIZADE MARINHEIROS DO CONCELHO DE ESPOSENDE

l A Associação de Marinheiros de Trás-os-Montes e Alto Douro rea-lizou o seu encontro anual no passado dia 3 de junho.

O momento foi aproveitado para realizar a assembleia geral, no decurso da qual foram tomadas algumas deliberações para o melhor funcionamento da associação.

Participaram perto de 70 marinheiros de toda a região, mas de um modo especial do concelho de Vila Real, de longe o mais representado.

O almoço foi servido na Quinta do Carmo, nos arredores de Vila Real.

ENCONTRO DE MARINHEIROS DE TRÁS-OS-MONTES

FALECIDOS

l CMG AN REF Manuel Francisco dos Santos Domingues l CMG REF Luís Alberto Cristiano de Oliveira l SAJ A REF Rui Catarino Devesa l 1SAR TF REF Fernando Lopes l 1SAR H REF Almiro Nobre Gregório l 1SAR M REF José Soares da Rocha l 2SAR E REF José Marques Valente l CAB FZ REF Manuel Bar-reira Pinto de Sousa.

COMANDOS E CARGOSNOMEAÇÕES

l VALM Augusto Mourão Ezequiel nomeado Comandante Ope-racional dos Açores l CALM RES António Tomé Robalo Cabral nomeado Presidente da Comissão do Domínio Público Marítimo l CMG Paulo Jorge Narciso Ramalho da Silva nomeado diretor de serviços de Programação e Relações Externas da DGAIED l CFR Emanuel Jorge Gonçalves Agostinho nomeado Adjunto do Comandante Operacional dos Açores.

REFORMA

l VALM Manuel Raúl Ferreira Pires l VALM José Joaquim Con-de Baguinho l CALM João José Ferreira Rodrigues Cancela l CALM EMQ Victor Maria Lima Borges Brandão l CMG Afonso Henriques l CMG António Verde Franco l CMG Vítor Manuel

de Sousa Meneses de Lorena Birne l CMG AN José Alberto Cou-tinho Garrido de Melo l CMG António José Fernandes Rodri-gues l CFR Francisco Emílio Neves da Piedade Vaz l CFR João Paulo Maria Freire Cardoso l CTEN Paulo Jorge Gamboa Ca-lado Lopes l 1TEN OT António Manuel Pinto Freitas l SMOR CE José António da Conceição Pinto l SMOR FZ José Arman-dino Paiva Costa l SCH T Mário Monteiro Bacalhau l SCH R João José Proença de Castro l SAJ L Manuel Norberto Martins.

l Realizou-se no passado dia 2 de junho no Bombarral, o V En-contro Nacional dos Antigos Alunos da Fragata D. Fernando II e Glória, seguido de almoço-convívio e confraternização, onde marcaram presença vários ex-alunos, familiares e amigos. No ano de 2013 comemoram-se os 50 anos do incêndio da Fragata e gostaríamos que todos os ex-alunos, ainda dispersos e que até agora ainda não se sabe do seu paradeiro, nos contactassem, para poderem participar no VI Encontro Nacional, a realizar em 2013, em dia e local ainda a definir.

Se ainda não participaste em nenhum Encontro Nacional e sai-bas do endereço de outros ex-alunos, contacta para: Carlos Alber-to Correia Braz Vardasca, Rua António Hipólito da Costa, nº 5 – 1º Esqº, 2860-045 Alhos Vedros, Telefone: 212020157, Telemóvel: 963899868, E-mail: [email protected].

“FILHOS DA ESCOLA” DE SETEMBRO DE 1964l Para comemorar o 48º aniversário de incorporação na Armada, os "Filhos da Escola" de setembro de 1964, realizam um almoço-convívio no dia 29 de setembro na Quinta da Alegria, em Penalva.

Para mais informações os interessados devem contactar: CMG Fernan-do Inácio – Tel: 212 961 837 / TM: 964 016 487, SMOR Manuel Raposo – Tel: 212 536 280 / TM: 964 044 289, MAR FZE João Mourato – Tel: 212 530 197 / TM: 963 191 096.

V ENCONTRO NACIONAL DOS ANTIGOS ALUNOS DA FRAGATA

D. FERNANDO II E GLÓRIA

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Revista da aRmada • Janeiro 2003 11

Navios HidrográficosNavios Hidrográficos

19. O NaviO HidrOgráficO Pedro NuNes

O navio Pedro Nunes, construído no Arsenal da Ma­rinha, em Lisboa, foi lançado à água em 1934 e no ano seguinte aumentado ao Efetivo dos Navios da Armada como aviso de 2ª classe. Ostentava na amurada a ins­crição A 258 e deu o nome à classe da qual também fez parte o NH João de Lisboa.

A denominação “Pedro Nunes” evoca o eminen­te cientista e matemático que viveu no século XVI e a quem se deve a resolução de problemas matemáticos relacionados com a cartografia, o “Tratado em Defensão da Carta de Marear” e a invenção do nónio, que veio reduzir notavel­m e n t e a m a r­gem de erro no planea mento da navegação marí­tima ao possibi­litar a realização de medições mais rigorosas aos mi­nutos do grau.

O navio apre­sentava as seguin­tes características:

Deslocamento máximo........................... 1017 toneladasComprimento (fora a fora) .................... 70,5 metrosBoca ........................................................... 10 “Calado máximo ....................................... 3,1 “Velocidade ................................................ 16,5 nósPossuía duas máquinas diesel MAN de 2.400 cavalos

e t inha uma guarnição de 112 homens.Enquanto aviso de 2ª classe efetuou missões à Madei­

ra, aos Açores, a Moçambique e realizou dois períplos de África. Durante a II Guerra Mundial, em 22 de ju­lho de 1942, recolheu 24 sobreviventes do paquete in­glês Avila Star, ao largo dos Açores e a 31 de agosto do mesmo ano recuperou náufragos do vapor inglês Clan Mac Whirter, a oeste da ilha da Madeira, ambos os na­vios tinham sido torpeados por submarinos alemães. Manteve­se em missão de soberania em Cabo Verde até abril de 1943. Cumpriu depois diversas comissões na Índia e em Macau.

Em 1956, após ter sido equipado com sondadores sonoros e transdutores para obtenção de informação relativa à s onda vertical e lateral, foi classificado como navio hidrográfico. Passou então a prestar serviço na Guiné, rendendo o NH Mandovi, onde deu apoio à respetiva Missão Geo-hidrográfic a, participando nas campanhas hidrográficas anuai s que possibilitaram uma excelente cobertura cartográfica do território. Em 1963 foi equipado com o novo sistema de posiciona­mento Raydist.

Entre os trabalhos em que interveio, salientam­se os seguintes levantamentos hidrográficos: do arquipélago dos Bija gós; do canal do Geba entre Porto Gole e a con­fluência dos rios Geba e Corubal, dando origem à carta hidrográfica 217; do Canal de Orango, constituindo a carta 219 e dos portos de Bissau, Bambadinca e Xime.

De referir igualmente a atualização da barras dos rios Cacheu, Cumbijã e Cacine, incluindo os canais de Pe­dro de Cintra, Álvaro Fernandes e passagens dos Por­cos, do Caravelão e do Galeão e a construção da marca de navegação da ponta Arcumbe, na ilha de Orango.

Encontrando-se os trabalhos da Missão Geo-hidrográ­fica da Guiné em estado bastante avançado, foi o na­vio, a partir de 1965, estender a sua ação a Cabo Verde, já que a Missão Hidrográfica deste arquipélago tinha sido extinta no ano anterior.

A propósito, referiu o Diretor do Instituto Hidrográfico, CMG José Parrei­ra, na suas “No­tas sobre o Insti­tuto Hidrográfico (1961­1962)”, o seguinte: “A Mis­são Hidrográfica de Cabo Verde não rea­lizou a campanha de 1962 por motivo do N.H. “Coman­dante Almeida Car­

valho” se encontrar em fabricos desde 16.IV.962.A Missão Geoidrográfica da Guiné fez, em 1961, a campa­

nha completa e em 1962 foi reduzida a 1 mês por não haver verba disponível para a completar.

Os trabalhos hidrográficos já realizados na Guiné abran­gem a quase totalidade das suas costas e rios navegáveis, mas a parte que falta é de difícil efectivação, enquanto a Missão não dispuser de aparelhagem electrónica de referenciação, pela carência de pontos de apoio naquela zona para a sondagem pelos processos clássicos.

Uma vez terminados os levantamentos hidrográficos na Guiné, já que os geográficos estão pràticamente concluídos, será ocasião de se pensar na organização de uma missão co­mum a Cabo Verde e à Guiné”.

Os trabalhos de hidrografia em Cabo Verde passaram então a ser efetuados pela Missão Geo-hidrográfica da Guiné que, contudo, manteve a sua designação.

Em Cabo Verde, deu apoio aos levantamentos hidro­gráficos das ilhas do Sal e da Boavista, levantamentos topo-hidrográficos dos estaleiros navais do Mindelo e zona adjacente e da baía da Mordeira, levantamento de Vale de Cavaleiros e ainda na efetuação de fiadas de sondagem oceânica entre Cabo Verde e a Guiné. Por seu turno, na Guiné, efetuou, durante longos períodos, levantamentos hidrográficos de natureza operacional, tendo intervido, principalmente a partir de 1972, em operações contra­guerrilha utilizando a sua peça de artilharia de 120mm.

A atividade da Missão Geo-hidrográfica da Guiné ces­sou com o reconhecimento da independência da Guiné e de Cabo Verde, tendo o NH Pedro Nunes regressado à Metrópole para, em 10 de agosto de 1977, ser abatido ao Efetivo dos Navios da Armada.

Colaboração do INStItuto HIdrográfICo

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14 Janeiro 2003 • Revista da aRmada

Navios HidrográficosNavios Hidrográficos

19. O NaviO HidrOgráficO Pedro NuNes