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129 Revista de Letras, São Paulo, v.47, n.1, p.129-153, jan./jun. 2007. GILBERTO GIL E HAROLDO DE CAMPOS: IN(CON)FLUÊNCIAS, TRANSCRIAÇÃO DA CANÇÂO Heloísa Pezza CINTRÃO 1 RESUMO: Entre 1967 e 1968, Gilberto Gil e Caetano Veloso encabeçam a Tropicália, movimento de vanguarda na MPB. Na fase tropicalista de suas participações em festivais, Gil e Caetano haviam tido contato com os poetas concretos. A letra da canção “Batmakumba” de 1968, composta em parceria pelos dois líderes do Tropicalismo num apartamento de São Paulo, é um poema concreto. Os concretistas também contribuíram para entusiasmar os baianos com Oswald e sua Antropofagia. Já mostrava vocação antropofágica o Gil que em 1967 havia sonhado combinar as eletrificadas inovações musicais estrangeiras com o que havia de mais autóctone; o Sargent Pepper’s dos Beatles com a Banda de Pífanos de Caruaru. Antropofagia, Transcriação e Tropicália convergem na incorporação do estrangeiro como alimento revitalizador para a arte nacional. Abordaremos esse ponto de contato da perspectiva de certas ressonâncias no trabalho posterior de Gil, como tradutor de canções. Há importantes semelhanças entre a tradução poética e a tradução da canção, e algumas versões de Gil evocam idéias dos irmãos Campos em dois aspectos: nos procedimentos utilizados ao traduzir e na própria escolha das canções a serem traduzidas, que parecem 1 USP – Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento de Letras Modernas – Área de Espanhol. [email protected]

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  • 129Revista de Letras, So Paulo, v.47, n.1, p.129-153, jan./jun. 2007.

    GILBERTO GIL E HAROLDO DE CAMPOS: IN(CON)FLUNCIAS, TRANSCRIAO DA CANO

    Helosa Pezza CINTRO1

    RESUMO: Entre 1967 e 1968, Gilberto Gil e Caetano Veloso encabeam a Tropiclia, movimento de vanguarda na MPB. Na fase tropicalista de suas participaes em festivais, Gil e Caetano haviam tido contato com os poetas concretos. A letra da cano Batmakumba de 1968, composta em parceria pelos dois lderes do Tropicalismo num apartamento de So Paulo, um poema concreto. Os concretistas tambm contriburam para entusiasmar os baianos com Oswald e sua Antropofagia. J mostrava vocao antropofgica o Gil que em 1967 havia sonhado combinar as eletrifi cadas inovaes musicais estrangeiras com o que havia de mais autctone; o Sargent Peppers dos Beatles com a Banda de Pfanos de Caruaru. Antropofagia, Transcriao e Tropiclia convergem na incorporao do estrangeiro como alimento revitalizador para a arte nacional. Abordaremos esse ponto de contato da perspectiva de certas ressonncias no trabalho posterior de Gil, como tradutor de canes. H importantes semelhanas entre a traduo potica e a traduo da cano, e algumas verses de Gil evocam idias dos irmos Campos em dois aspectos: nos procedimentos utilizados ao traduzir e na prpria escolha das canes a serem traduzidas, que parecem

    1 USP Universidade de So Paulo. Faculdade de Filosofi a, Letras e Cincias Humanas Departamento de Letras Modernas rea de Espanhol. [email protected]

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    selecionadas tendo em vista certas contribuies para o sistema semitico de chegada.

    PALAVRAS-CHAVE: Gilberto Gil, Traduo de cano. Haroldo de Campos. Transcriao. Tropiclia. Antropofagia.

    Traduo subordinada, traduo de poesia, traduo da cano

    Na Tradutologia h uma proposta de categorizao que usa como critrio o meio para classifi car algumas modalidades de traduo (HURTADO, 2001). A distino entre meio oral e meio escrito permite fazer uma separao inicial entre traduo escrita de textos escritos e traduo oral de textos orais. Essas seriam as modalidades simples, que abrangem as tradues escritas de qualquer gnero textual escrito, por um lado, e que, no caso do meio oral, incluem a interpretao simultnea, por exemplo. O meio escrito e o oral ainda podem se combinar numa tarefa de traduo, caracterizando as modalidades complexas, como no caso em que um tradutor tem um texto escrito nas mos e vai fazendo dele uma traduo oral.

    Mas, num texto a ser traduzido, a linguagem verbal pode estar estreitamente vinculada a elementos no-verbais, visuais e/ou sonoros, como as imagens de um fi lme ou de um cartaz publicitrio, ou a melodia de uma cano. Quando a presena de um componente no-verbal impe limitaes traduo do cdigo verbal, como no caso das restries de espao a que tem que se adequar um legendador, essa modalidade de traduo chamada por alguns autores de traduo subordinada. O termo traduccin subordinada, usado por Hurtado (2001), corresponde ao ingls constrained translation, termo que teria sido introduzido por Titford (1982), num texto que tratava

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    das restries tpicas da legendao. Depois, Mayoral, Kelly e Gallardo (1988) publicam, na revista canadense Meta, uma conceituao e categorizao mais elaborada da constrained translation, preocupados, muito especialmente, com a traduo envolvida nas artes dramticas, como a legendao e a dublagem de fi lmes.

    A traduo literria um subtipo da traduo escrita, uma modalidade simples quanto ao meio. No entanto, pode ser abordada do ponto de vista da traduo subordinada, no caso de textos literrios ou fragmentos de textos literrios marcados pela funo potica da linguagem, o que acontece acentuadamente no caso da traduo de poesia. A traduo de um poema, sempre que se queira que o texto-meta mantenha as caractersticas estruturais desse gnero literrio, pode ser profundamente infl uenciada por elementos icnicos, como a espacializao tpica dos poemas concretos, ou, mais comumente, por elementos sonoros trabalhados na prpria materialidade da linguagem verbal, como rimas, aliteraes, mtrica... Se a prpria defi nio de funo potica implica uma explorao da materialidade sonora ou grfi ca da lngua (JAKOBSON, 2001), deveramos considerar a traduo de funo potica como traduo subordinada (CINTRO 2006a , 2006b).

    Em comparao com outros tipos de traduo subordinada, letras de cano so pouco traduzidas, e a traduo da cano uma das que menos tm sido estudadas. A traduo de cano tem afi nidades com a traduo de poesia em dois aspectos. Por um lado, a letra de canes quase sempre construda com recursos tpicos dos poemas, como rimas, aliteraes, paralelismos, alm do fato de que a melodia da cano costuma se estruturar com apoio em reiteraes de frases meldicas, e tem, nesse sentido, um funcionamento semelhante ao da mtrica, com limitaes de slabas e cadncias acentuais.

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    A letra de cano envolve tambm as restries ditadas pelo cdigo musical, especialmente aquelas impostas pelo vnculo entre slabas do texto verbal e as notas da melodia. Assim, a traduo de letra de cano compartilha as difi culdades prprias da traduo potica e as restries prprias de traduo subordinada.

    As principais difi culdades de traduo nessa modalidade so assim explicadas por Hurtado (2001, p.92)

    [...] conjugam-se o cdigo lingstico e o musical, e com isso o tradutor precisa subordinar a traduo desse cdigo lingstico aos compassos musicais e aos grupos tonais, e efetuar uma sincronia entre o texto e a msica.

    Como traduo que tem afi nidades com a traduo potica, possvel recorrer avaliao que Jakobson (2001) faz sobre as difi culdades da traduo de poesia. Na funo potica, a linguagem se volta sobre sua prpria forma e busca nessa forma novos sentidos, neutralizando o princpio de arbitrariedade do signifi cante, diz Jakobson (2001, p.72), e por isso, [...] a poesia, por defi nio, intraduzvel. S possvel a transposio criativa [...].

    Outro conceito til ao examinar uma traduo de cano o de norma. Toury (2000) quem introduz essa discusso na Tradutologia, explicando que, grosso modo, dizer que a traduo regida por normas assinala que aquilo que uma comunidade e uma poca aceitam como correto e bom em traduo no tem a ver unicamente com caractersticas objetivas e intrnsecas do ato tradutrio. De fato, na Frana dos sculos XVII e XVIII, e das belles infi dles, valorizou-se fazer profundas adaptaes ao traduzir um texto literrio, para mold-lo ao gosto francs da poca e ambient-lo na sociedade francesa, aclimatando a obra (VEGA,

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    1994), ao passo que na Alemanha, na virada do sculo XVIII para o XIX, valorizava-se a traduo literal (MILTON, 1998), e, mais tarde Benjamin, retomando idias de Humboldt, chegaria a defender que a traduo literria se inspirasse na traduo interlinear, deixando transparecer, na lngua-meta, a sintaxe da lngua-fonte (VEGA, 1994).

    Pois bem, se observada do ponto de vista das normas, a traduo de cano no Brasil hoje, assim como a traduo de cano popular em vrios outros lugares do mundo, parece admitir uma ampla margem de manipulao dos sentidos do texto verbal, to ampla a ponto de que, em certas verses de cano, aparentemente aproveitam-se apenas a melodia e certos elementos temticos gerais (como por exemplo um tema romntico), e se elabora uma letra que difi cilmente identifi camos como traduo, e s vezes nem mesmo como uma adaptao.

    Nosso interesse neste artigo examinar algumas caractersticas de Gilberto Gil como tradutor de canes, tendo em vista os parmetros anteriores e focalizando o tipo de relao que certas prticas tradutrias desse artista mostram com suas posies como agente de vanguarda do Tropicalismo, em seus dilogos e confl uncias com duas vanguardas literrias a dos poetas concretos e transcriadores de So Paulo e a da antropofagia oswaldiana. Sustentaremos, por fi m, que idias de Haroldo de Campos com relao traduo ecoam nos procedimentos de Gil como tradutor de canes.

    Gil como agente de vanguarda: exerccio da liberdade na arte

    Entre 1967 e 1968, Gilberto Gil e Caetano Veloso encabearam um importante movimento de vanguarda na cano brasileira, a Tropiclia ou Tropicalismo.

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    Nessa fase inicial de sua trajetria artstica, em diversos momentos, Caetano e Gil expressaram sua preocupao artstica em termos de uma retomada da linha evolutiva da MPB. Em entrevista a Augusto de Campos, em abril de 1968, Gil2 dizia que isso se relacionava com a conscincia de que a msica popular brasileira havia tido uma formao complexa, envolvendo no apenas elementos surgidos na prpria cultura brasileira, mas tambm oriundos da cultura de vrios outros povos. Caetano e Gil viam essa conscincia como diretora do trabalho de Joo Gilberto, que, a partir dela, havia aberto portas para a msica nacional, favorecendo que a MPB chegasse a atingir nveis de qualidade artstica que lhe valeram reconhecimento internacional. No momento da Tropiclia, no entanto, Gil e Caetano tinham a preocupao de que essa linha evolutiva estivese sendo interrompida, entre outros fatores, pela determinao de setores intelectuais em repelir e combater aquilo que no parecesse ser estr(e)itamente nacional, posio assumida inclusive por alguns dos mais infl uentes e talentosos artistas da MPB da poca. Em fi ns dos anos 60, com Elis Regina e Geraldo Vandr cabea, chegou a acontecer um ato pblico em defesa da msica brasileira, uma passeata contra a invaso da msica estrangeira no pas, que fi cou conhecida como a passeata contra as guitarras. Gil participou meio constrangido (diz-se que, principalmente, para no contrariar Elis). Caetano e Nara Leo recusaram-se. Calado (1997, p. 109) narra que, da janela do hotel em que se hospedavam em So Paulo, assistiram juntos a manifestao passando. Caetano teria dito: Nara, eu acho isso muito esquisito.... E Nara: Esquisito, Caetano? Isso a um horror! Parece manifestao do Partido Integralista. facismo mesmo!.

    A retomada da linha evolutiva, a que vrias vezes se referiu Caetano antes e durante a Tropiclia,

    2 Cf. CAMPOS, 1993.

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    foi explicada por Gil (CAMPOS, 1993, p.190) no sentido de uma...

    [...] tentativa de incorporar tudo o que fosse surgindo como informao nova dentro da msica popular brasileira, sem essa preocupao, do estrangeiro, do aliengena. Quanto idia de uma msica moderna popular brasileira, ela tem mais ou menos o mesmo sentido. a idia da participao fecunda da cultura musical internacional na msica popular brasileira. De se colocar a MPB numa proposta de discusso ao nvel de msica, e no ao nvel de uma coisa brasileira com aquela caracterstica de ingenuidade nazista, de querer aquela coisa pura, brasileira num sentido mais folclrico, fechado, uma coisa que s existisse para a sensibilidade brasileira.

    Nesse momento, os Beatles e a msica pop internacional eram vistos por Gil como tendo proposto msica popular do mundo inteiro um exerccio de liberdade, ao acabar com outra compartimentalizao, que era aquela estabelecida entre msica erudita e msica popular, ou entre msica sria e msica de mercado.

    Os Beatles quase que puseram em liquidao todos os valores sedimentados da cultura musical internacional anterior. Eles procuraram colocar tudo no mesmo nvel o primitivismo dos ritmos latino-americanos ou africanos em relao ao grande desenvolvimento musical de um Beethoven, por exemplo. O valor reconhecidamente desenvolvido da Msica Renacentista, em relao, por exemplo, ao folclore escocs. Eles pegaram essas coisas todas e colocaram numa bandeja s,

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    num nico plano de discusso. (GIL apud CAMPOS, 1993, p. 193).

    Essas idias eram comuns a Gil e Caetano. Sabe-se que Gil, depois de uma viagem Caruaru em 1967, havia exposto a Caetano sua vontade de juntar a Banda de Pfanos de Caruaru com os Beatles, Sargent Peppers com Pipoca Moderna (SORROCE, 2003; MORAES NETO, 2004).

    Voltei de Pernambuco para o Rio de Janeiro disposto a mudar tudo na minha msica e na minha relao com a msica. Essa disposio veio a se tornar, em seguida, um dos elementos fundadores do tropicalismo. (GIL, 2003).

    Esse sentimento compartilhado cristalizou-se numa cano de cada um deles no mesmo momento, meio por sincronicidade. No mesmo festival da TV Record de 1967, Gil apresentava Domingo no parque com as guitarras dos Mutantes, e Caetano concorria com Alegria, alegria, com participao dos roqueiros argentinos Beat Boys. A platia se dividia entre vaias e aplausos s ousadas misturas dos baianos. No fi m venceu o aplauso para Domingo no Parque, que fi cou com o segundo lugar. Uma recepo eufrica, o quarto lugar e um grande sucesso de mercado coroaram Alegria, alegria, que transformou Caetano num popstar do momento. A Tropiclia gera-se como reivindicao radical da liberdade para a criao artstica, acima de qualquer compartimentalizao da arte e da cultura. Gil e Caetano at hoje se orgulham de dizer que tm tido coragem para entrar em todas as estruturas e sair de todas elas, num descompromisso total com os estilos, com os modismos, com as coisas descobertas e exauridas (GIL apud CAMPOS, 1993, p.195).

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    Essa idia aproximou Gil e Caetano de msicos eruditos de vanguarda de So Paulo (especialmente Rogrio Duprat, arranjador no Tropicalismo), e tambm dos jovens roqueiros dos Mutantes, que participaram e colaboraram em vrios momentos da Tropiclia. Gil (apud CAMPOS,1993, p.195) comenta:

    Rogrio tem, em relao msica erudita, uma posio muito semelhante que ns temos em relao msica popular. Essa posio de insatisfao ante os valores j impostos. Ele quer desenvolver a msica erudita, ele no quer sujeit-la a um sentido acadmico.

    E sobre o guitarrista dos Mutantes, Gil (apud CAMPOS, 1993, 197) diz: Serginho tocava indiferentemente Bach, Beethoven, i-is e rocks de Elvis Presley, para ele era a mesma coisa.

    As idias germinais da Tropiclia so anteriores ao contato de Gil e Caetano com as propostas irreverentes do antropofagismo de Oswald de Andrade, mas, quando esse contato se produziu, gerou nos baianos um sentimento de profunda identifi cao. Em entrevista de abril de 1968, Caetano diz ter composto a cano-manifesto do Tropicalismo, Tropiclia, uma semana antes de ver a montagem de o Rei da Vela, a primeira obra de Oswald que conheceu (CAMPOS, 1993 ). Depois, Augusto de Campos presenteou Caetano com o livro Oswald de Andrade, textos escolhidos e comentados por Haroldo de Campos. Em 1968, Caetano (apud CAMPOS, 1993, p.204-205) se dizia muito impressionado com Oswald, por sua violncia contra a estagnao e a seriedade.

    Uma outra importncia muito grande de Oswald para mim a de esclarecer certas coisas, de me dar argumentos novos para discutir e para continuar criando, para

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    conhecer melhor a minha prpria posio. Todas aquelas idias dele sobre poesia pau-brasil, antropofagismo, realmente oferecem argumentos atualssimos que so novos mesmo diante daquilo que se estabeleceu como novo.

    A idia de que o Brasil tem incio no encontro de Cabral com o ndio, do estrangeiro com o nativo, a proposta de deglutio do estrangeiro, de amalgamar o elemento autctone com o elemento forneo num processo criativo, e no numa mera imitao da cultura das metrpoles econmicas e culturais, era afi m com a viso de Gil e Caetano sobre a formao complexa da MPB e de sua vocao de evoluir em interao com a msica internacional, com a diversidade de manifestaes artstico-culturais. Quando, em 1968, Augusto de Campos (1993, p.207) pergunta o que o Tropicalismo, a entrevista a Caetano se encerra com a seguinte resposta: o Tropicalismo um neo-Antropofagismo.

    Quanto confl uncia com as idias dos concretistas, ela se d, em parte, numa afi nidade de ambos os movimentos com idias de Oswald. Mas os baianos tambm beberam diretamente do trabalho dos poetas concretos, o que mais tarde se evidenciaria em textos musicados por Caetano (o Circulad de ful das poesias das Galxias de Haroldo de Campos; o Pulsar de Augusto de Campos), e no fascnio de Gil pelas palavras-valise (manifesto em Parabolicamar). J na poca da Tropiclia, Gil e Caetano haviam incorporado diretamente a experimentao espacial dos concretistas na letra de Batmakumba (Anexo A). O comentrio de Gil a Renn (2003, p.107) sobre a gnese dessa cano evidencia a confl uncia que houve entre Tropiclia, Antropofagia e Concretismo, e por isso vai reproduzido extensamente:

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    O Caetano e eu sentados no cho do apartamento dele, na avenida So Luis, centro de So Paulo, compondo a msica: o que a gente queria, hoje me parece, era fazer uma cano com um dstico que fosse despida de ornamentos e possvel de ser cantada por um bando no musical, algo tribal, e que, por isso mesmo, estivesse ligada a um signo da nossa cultura popular como a macumba, essa palavra nacional para signifi car todas as religies africanas, no crists, e que um termo que o Oswald de Andrade usou.O Oswald estava muito presente na poca; ns estvamos descobrindo a sua obra e nos encantando com o poder de premonio que ela tem. A idia de reunir o antigo e o moderno, o primitivo e o tecnolgico, era preconizada em sua fi losofi a; Batmakumba de inspirao oswaldiana. E concretista na ligao das palavras e na construo visual do K como uma marca; no sentido impressivo, no s expressivo, da criao. No s uma cano, uma msica multimdia, poema grfi co, feita tambm para ser vista.Naquele momento, ns vivamos cercados de elementos de interesses mltiplos, ligados nas novidades sonoras e literrias trazidas pelos poetas concretos e pelos msicos de vanguarda de So Paulo.[...] Eu tenho a impresso de que chegamos a grafar a palavra com k porque vimos que o poema formava um k. O k passava a idia de consumo, de coisa moderna, internacional, pop. E tambm de um corpo estranho; no sendo uma letra do alfabeto portugus-brasileiro, causava uma estranheza que era tambm a estranheza do Batman.Sobre b, ob, baob como alguns dos sentidos sintetizados nas duas grandes

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    palavras-valises da cano Pode ser que para o Caetano essas palavras tenham sido percebidas ou colocadas conscientemente ali, mas eu no descobri a presena delas na poca, pelo menos; so extraes posteriores. Para mim no havia, por exemplo, o ob entidade, s o oba saudao, interjeio. A palavra bat, morcego, sim.[...] a coisa foi feita mesmo a quatro mos, quatro olhos, quatro ouvidos, msica e palavras ao mesmo tempo, seguindo o procedimento de ir cortando as slabas e depois as reconstruindo, uma a uma, at formar as duas asas.

    Gil como tradutor-transcriador da cano

    Gilberto Gil (GG doravante) comea a traduzir canes estrangeiras para o portugus depois de voltar de seu auto-exlio em Londres, que aconteceu entre 1970 e 71, e foi impulsionado pela priso (entre fi nal de 68 e incio de 69), e pela posterior vigilncia opressiva que a ditadura militar lhe imps. Essas tradues esto abaixo em ordem cronolgica:

    1) De leve 1977

    (Get Back Lennon & McCartney gravao Beatles 1969)

    2) No chore mais 1977

    (No woman, no cry 1974 Vincent Ford gravao Bob Marley 1974 e 1975)

    3) Sargento Pimenta e a Solido 1981

    (Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band Lennon & McCartney grav. Beatles 1967)

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    4) S chamei porque te amo 1985

    (I just called to say I love you 1984 Stevie Wonder)

    5) Mande-me algo 1997

    (Send me some lovin L. Price & J. Marascalco gravao Little Richard 1957; Stevie Wonder 1967; parcialmente grav. John Lennon 1975)

    6) Eleve-se alto ao cu 2001

    (Lively up yourself 1974 Bob Marley)

    7) Kaya ngan daya 2001

    (Kaya 1978 Bob Marley)

    8) Tempo s 2001

    (Time will tell 1978 Bob Marley)

    Alm da evidente preferncia por Beatles e Bob Marley, parece haver dois critrios norteando a escolha das canes acima por GG. Em primeiro lugar, a seleo refl ete um interesse por ritmos estrangeiros contemporneos: rock, funk, pop, reagge. Isso tem relao com caractersticas notveis no cancioneiro de GG: sua versatilidade para compor nos mais variados estilos e ritmos musicais e sua preocupao com reunir tanto peas e elementos representativos da msica tipicamente brasileira quanto peas que incorporam ritmos internacionais modernos, especialmente aqueles marcados pela herana rtmica africana (caso dos estilos musicais mencionados). Em segundo lugar, a quase totalidade das escolhas tem relao com a obra de artistas negros. Aqui tambm se vem pontos de contato com caractersticas de suas composies: a questo da negritude e da herana cultural africana evidente tema e motor de numerosas canes compostas pelo prprio GG, como se evidencia examinando suas letras compiladas por Renn (2003).

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    Um exame mais detido de uma das tradues mencionadas acima revela mais caractersticas importantes de GG como tradutor. Trata-se da verso feita para I just called to say I love you de Stevie Wonder (SW em diante). O Quadro 1 mostra um alinhamento de duas diferentes tradues da letra de SW, a verso de GG e a traduo apresentada na pgina web da Nativa FM Rio, do tipo que algumas emissoras costumam fazer para serem enunciadas por um locutor, a modo de traduo simultnea. Mesmo uma rpida olhadela comparativa a essas duas diferentes tradues da letra mostra que h grandes diferenas entre elas, atribuveis a suas funes bastante distintas: informar sobre os signifi cados de palavras e versos da letra-fonte, no caso da traduo da Nativa FM, e, no caso da verso de GG, permitir que a cano possa ser cantada em portugus, e assim ser entendida e acompanhada pelo pblico brasileiro sem intermediao, propiciando prazer esttico.

    O refro de GG traduz muito de perto o da letra de SW, com algumas manipulaes de sentido atribuveis a limites formais impostos pela rima e pelo nmero de notas da melodia. no ttulo e no refro, traduzidos bastante literalmente, que se concentra a cena central e a idia tema por trs da estrutura de imagens poticas na letra de SW: um eu faz uma ligao telefnica a um par romntico apenas para dizer que o/a ama, sem que isso possa ser justifi cado por nenhuma data especial ou acontecimento excepcional.

    I just called to say I love you

    I just called to say how much I care

    I just called to say I love you

    And I mean it from the bottom of my heart

    S chamei porque te amo

    S chamei porque grande a paixo

    S chamei porque te amo

    L bem fundo fundo do meu corao

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    As modifi caes semnticas e sintticas na verso do primeiro verso do refro so pequenas. I just called to say I love you aparece traduzido como s chamei porque te amo. H excluso do verbo dizer (to say), que, no entanto, permanece implcito na situao dialgica instarurada por you voc, no refro. A conjuno causal porque corresponde bem relao de fi nalidade introduzida por to em to say, j que causa e fi nalidade so relaes semnticas muito prximas. Alm disso, porque recupera perfeitamente as sonoridades voclicas de to say. O paralelismo do incio dos trs primeiros versos mantido (I just called to say... 3X S chamei porque... 3X). No ltimo verso, corao a traduo literal de heart, palavra com sentido importante dentro do tema romntico da cano, e que faz uma rima parcial com care. Essa rima se recupera com a palavra paixo, no segundo verso, que, talvez em razo dessa rima, o verso que mostra maior manipulao dos sentidos na traduo. No entanto, mesmo na correspondncia menos literal que se estabelece entre how much I care e grande a paixo, h vnculos semnticos prximos dados pela expresso de um afeto (I care a paixo), em ambos os casos intensifi cados pelas palavras precedentes (how much grande), e em rima com o verso fi nal.

    Tomando por base as restries que vimos como previsveis para a traduo de cano (como tipo de traduo subordinada e de traduo potica), era possvel esperar que as letras de GG e SW no fossem exatamente coincidentes palavra a palavra, no que se refere a seus signifi cados superfi ciais, considerando os versos correspondentes no alinhamento. Contudo, excludo o refro, as diferenas entre os versos parecem maiores do que seria possvel justifi car apenas pelas especifi cidades formais desse tipo de traduo, ou seja, pela necessidade de adaptao da letra melodia,

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    s rimas etc. No entanto, possvel notar estreitas coincidncias entre as duas letras, usando parmetros de observao que no as seqncias lineares dos sentidos, principalmente campos semnticos e padres de estruturao geral da letra.

    A letra de SW se constri como justaposio paralelstica de frases negativas iniciadas por no, que negam que a data seja especial ou que algo excepcional tenha acontecido no mundo exterior. O contedo dessas negaes uma variao sobre a idia do refro, e se constri a partir de dois campos semnticos: datas especiais/festivas e meses/estaes do ano, com seus fenmenos naturais correlatos nos climas temperados do hemisfrio norte, que tem as estaes bem marcadas e invertidas com relao ao hemisfrio sul. Esses dois campos se articulam numa unidade ao serem apresentados numa seqncia cronolgica que se inicia no dia de Ano Novo e percorre exatamente o perodo de um ano, passando por cada um dos meses.

    I just called to say I love you

    S liguei pra dizer que eu amo voc

    S chamei porque te amo

    Stevie Wonder3 Internet4 Gilberto Gil5

    No New Years day No dia de Ano Novo

    No Natal

    to celebrate para celebrar nem Ano BomNo chocolate covered

    Nem coraezinhos cobertos

    Nenhum sinal no cu

    candy hearts to give away

    de chocolate para te dar

    nenhum Armagedom

    3 Cf. WONDER, 19844 Cf. NATIVA...., 20075 Cf. GIL, 1987.

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    No fi rst of Spring No o primeiro dia de primavera

    Nenhuma data

    no song to sing e nenhuma cano para ser cantada

    especial

    In fact its just De fato hoje apenas

    Nenhum ET brincando

    another ordinary day

    mais um dia comum aqui no meu quintal

    No April rain No h chuva de abril

    Nada de mais

    no fl owers bloom nem o vicejar das fl ores

    nada de mau

    No wedding Saturday

    No h sbado de casamento

    Ningum comigo

    within the month of June

    durante o ms de junho

    alm da solido

    But what it is Mas o que existe Nem mesmo um verso

    is something true uma coisa verdadeira

    original

    Made up of these three words

    Feita destas trs palavras

    Pra te dizer

    that I must say to you

    que eu preciso dizer pra voc

    e comear uma cano

    I just called to say I love you

    Eu s liguei pra dizer que amo voc

    S chamei porque te amo

    I just called to say Eu s liguei para dizer

    S chamei

    how much I care o quanto me importo

    porque grande a paixo

    I just called to say I love you

    Eu s liguei pra dizer que eu amo voc

    S chamei porque te amo

    And I mean it E eu falo isso L bem fundo, from the bottom of my heart

    do fundo do meu corao

    fundo do meu corao

    No Summers high No alto vero Nem Carnavalno warm July nem o calor de

    Julhonem So Joo

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    No harvest moon to light

    No h lua cheia para iluminar

    Nenhum balo no cu

    one tender August night

    uma meiga noite de agosto

    nem luar do serto

    No Autumn breeze No h brisa de outono

    Nenhuma foto

    no falling leaves nem folhas caindo no jornalNot even time for birds

    No nem mesmo o tempo dos pssaros

    Nenhuma nota

    to fl y to southern skies

    voarem para os cus do sul

    na coluna social

    No Libra sun No h o sol de Libra

    Nenhuma mmia

    no Halloween nem a festa do Dia das Bruxas

    se mexeu

    No giving thanks for all

    Nem graas por toda

    Nenhum milagre da cincia

    the Christmas joy you bring

    a alegria de Natal que voc traz

    aconteceu

    But what it is Mas existe uma coisa

    Nenhum motivo

    is though old so new

    que apesar de velha to nova

    nem razo

    To fi ll your heart like no

    Para encher o seu corao como

    Quando a saudade vem

    three words could ever do

    outras trs palavras jamais serviriam

    No tem explicao

    A letra de GG tambm se estrutura como justaposio de frases paralelsticas negativas, mas as partculas negativas introdutrias renem diversas possibilidades do repertrio da lngua portuguesa: no, nenhum, nem, nenhuma, ningum, nada. A letra de GG mantm o campo semntico das festas, adaptando-o realidade cultural brasileira, e usando, em vez de Halloween ou referncias ao Valentines Day, o Carnaval e referncias s festas juninas. No aparece o campo das estaes do ano e

  • 147Revista de Letras, So Paulo, v.47, n.1, p.129-153, jan./jun. 2007.

    de seus fenmenos correlatos nos climas temperados do hemisfrio norte. Seguindo o princpio de adaptao realidade brasileira (que opera na traduo do campo das festas), tal excluso coerente, j que os fenmenos naturais das estaes no acontecem no Brasil como aparecem na letra de SW. Em seu lugar, GG introduz um campo no presente na letra-fonte, mas fcil de derivar criativamente do verso in fact its just another ordinary day, um campo que rene vrios tipos de acontecimentos excepcionais (nenhum ET brincando aqui no meu quintal; nada de mais, nada de mau; nenhuma foto no jornal / nenhuma nota na coluna social; nenhuma mmia se mexeu / nenhum milagre da cincia aconteceu).

    A traduo de GG se mostra como uma traduo criativa, gerada com base na estrutura formal, nos sentidos e imagens da letra-fonte, mas que adapta as imagens aos costumes e geografi a da cultura de chegada e prioriza a necessidade de recriao potica e de ajuste melodia da cano.

    Haroldo de Campos e Gilberto Gil: in(con)fl uncias

    Aqui vale retomar os vnculos dos tropicalistas com os irmos Campos, focalizando a importncia que a traduo tem para o trabalho literrio destes poetas, e a teorizao particular que Haroldo de Campos faz sobre o traduzir.

    A partir de Jackobson, Haroldo de Campos (1969b, p.111) enunciava que [...] da essncia mesma da traduo de poesia o estatuto de impossibilidade, e que no caso da poesia s possvel [...] traduzir sob o signo da inveno. Na traduo de poesia, diz ele, [...] como que se desmonta e remonta a mquina da criao (CAMPOS, 1992, p.43). Esses so princpios essenciais que norteiam sua proposta de transcriao,

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    segundo a qual, na traduo de uma estrutura textual artstica, o texto-fonte precisa ser reconfi gurado criativamente...

    Num produto que s deixe de ser fi el ao signifi cado textual para ser inventivo, e que seja inventivo na medida mesma que transcenda, deliberadamente, a fi delidade ao signifi cado para conquistar uma lealdade maior ao esprito do original transladado, ao prprio signo esttico visto como entidade total, indivisa, na sua realidade material (no seu suporte fsico, que muitas vezes deve tomar a dianteira nas preocupaes do tradutor) e na sua carga conceitual. (CAMPOS, 1992 , p.47).

    Para Haroldo de Campos (1969a, p.100):

    Numa traduo de um poema o essencial no a reconstituio da mensagem, mas a reconstituio do sistema de signos em que est incorporada essa mensagem, da informao esttica, no da informao meramente semntica. Por isso sustenta Walter Benjamin que a m traduo (de uma obra de arte verbal, entenda-se) caracteriza-se por ser a simples transmisso da mensagem do original, ou seja, a transmisso inexata de um contedo inessencial.

    Na teoria-programtica de Haroldo de Campos (1992, p.39), traduo crtica, uma das formas mais sofi sticadas de leitura, e , por fi m, nutrimento do impulso criador Com relao idia de que, no ato da traduo, o alheio, o estrangeiro nutre o impulso criador e ajuda a re-inventar a identidade, saltam aos olhos as confl uncias entre o canibalismo da antropofagia oswaldiana, a transcriao bblica e provenal, entre outras, dos irmos Campos, as

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    propostas de transcriao de Haroldo de Campos, e a prtica da traduo musical por esse poeta da cano brasileira, Gilberto Gil.

    As caractersticas apontadas at aqui para GG como tradutor da cano tm estreita semelhana com os princpios segundo os quais os irmos Campos lidam com a traduo, tanto no aspecto micro de seus procedimentos tradutrios transcriadores, quanto no aspecto macro, sistmico, de sua seleo meio programtica das canes a serem traduzidas, que parece guiada pela valorizao do recurso traduo e incorporao do estrangeiro como estratgia de criao, de renovao, como elemento capaz de contribuir para a evoluo do sistema artstico-cultural receptor. As confl uncias apontadas entre tropicalistas e concretistas nos autorizam a supor, com razovel grau de segurana, que tais semelhanas no sejam mera coincidncia, mas que GG trabalhe tendo em mente as propostas de Haroldo de Campos, em suas tradues de canes.

    CINTRO, Helosa Pezza. Gilberto Gil and Haroldo de Campos: in(con)fl uencies, transcreation of the song. Revista de Letras, So Paulo, v.47, n.1, p. 129154, jan./jun. 2007.

    ABSTRACT: Between 1967 and 1968, Gilberto Gil and Caetano Veloso headed Tropiclia, an avant-garde movement in Brazilian Popular Music. In the tropicalist phase of their appearances in Festivals, Gil and Caetano had contact with the Brazilian concrete poets. The lyrics of Batmakumba, 1968, written in partnership between Gil and Caetano, are a concrete poem. The concretists also contributed to the enthusiasm of the baianos towards

  • 150 Revista de Letras, So Paulo, v.47, n.1, p.129-153, jan./jun. 2007.

    Oswald de Andrades Anthropophagy. Gil had already revealed an anthropophagic vocation in 1967, when he dreamed about mixing electrifi ed musical innovations from abroad with authochtonous artistic manifestations; the Beatles with the Banda de Pfanos from Caruaru. Anthropophagy, Transcreation and Tropiclia coincide in their incorporation of foreign elements as a revitalizing food for national art. We are to discuss this convergence from the perspective of its resonances in the work of Gil as a song translator. There are similarities between poetry translation and song translation, and some song translations by Gil are consistent with brothers Campos ideas in two aspects: in the procedures used to translate, and in the very selection of the songs to be translated, which seem chosen bearing in mind certain contributions to the semiotic target system.

    KEYWORDS: Gilberto Gil, song translation. Haroldo de Campos. Transcreation. Tropiclia. Anthropophagy

    Referncias:

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  • 153Revista de Letras, So Paulo, v.47, n.1, p.129-153, jan./jun. 2007.

    Anexo A

    BATMAKUMBAGilberto Gil e Caetano Veloso1968

    Batmakumbayy batmakumbaobaBatmakumbayy batmakumbaoBatmakumbayy batmakumbaBatmakumbayy batmakumBatmakumbayy batmanBatmakumbayy batBatmakumbayy baBatmakumbayyBatmakumbayBatmakumbaBatmakumBatmanBatBaBatBatmanBatmakumBatmakumbaBatmakumbayBatmakumbayyBatmakumbayy baBatmakumbayy batBatmakumbayy batmanBatmakumbayy batmakumBatmakumbayy batmakumbaBatmakumbayy batmakumbaoBatmakumbayy batmakumbaoba