Tráfico de drogas ilícitas nos Andes: a dimensão regional da ...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM RELAES INTERNACIONAIS (PUC-SP,
UNESP E UNICAMP)
LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS
TRFICO DE DROGAS ILCITAS NOS ANDES: A DIMENSO REGIONAL DA
COOPERAO E DA SEGURANA
SO PAULO
2015
LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS
TRFICO DE DROGAS ILCITAS NOS ANDES: A DIMENSO REGIONAL DA
COOPERAO E DA SEGURANA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Relaes Internacionais (PUC-
SP, UNESP e Unicamp), como exigncia
parcial para obteno do ttulo de mestre em
Relaes Internacionais, na linha de pesquisa
Segurana Regional, na rea de
concentrao Paz, Defesa e Segurana
Internacional.
Orientadora: Suzeley Kalil Mathias.
SO PAULO
2015
Santos, Leandro Fernandes Sampaio.S237 Trfico de drogas ilcitas nos Andes : a dimenso regional da cooperao e da
segurana / Leandro Fernandes Sampaio Santos. So Paulo, 2015.181 f. : il.; 30 cm.
Dissertao (Mestrado em Relaes Internacionais) UNESP/UNICAMP/PUC-SP,Programa San Tiago Dantas de Ps-graduao em Relaes Internacionais, 2015.
Orientador: Suzeley Kalil Mathias.
1. Trfico de drogas Cooperao internacional. 2. Trfico de drogas Bolvia. 3.Trfico de drogas Colmbia. 4. Trfico de drogas Equador. 5. Trfico de drogas Peru. 6. Narcticos Controle Amrica do Sul. 7. Segurana internacional. I. Autor. II.Ttulo.
CDD 363.45098
LEANDRO FERNANDES SAMPAIO SANTOS
TRFICO DE DROGAS ILCITAS NOS ANDES: A DIMENSO REGIONAL DA
COOPERAO E DA SEGURANA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Relaes Internacionais (PUC-
SP, UNESP e Unicamp), como exigncia
parcial para obteno do ttulo de mestre em
Relaes Internacionais, na linha de pesquisa
Segurana Regional, na rea de
concentrao Paz, Defesa e Segurana
Internacional.
Orientadora: Suzeley Kalil Mathias.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profa. Dr.(a) Suzeley Kalil Mathias (Universidade Estadual Paulista/Franca)
______________________________________________
Prof. Dr. Hctor Luis Saint-Pierre (Universidade Estadual Paulista/Franca)
______________________________________________
Prof. Dr. Paulo Gustavo Pellegrino Corra (Universidade Federal do Amap)
So Paulo, 05 de agosto de 2015.
Somente uma fico pode fazer crer que as leis so feitas para serem acatadas, a
polcia e os tribunais destinados a fazer com que sejam respeitadas. Somente uma
fico terica pode nos levar a acreditar que aderimos, de uma vez por todas, s leis
da sociedade qual pertencemos. Todo mundo sabe, tambm, que as leis so feitas
por uns e impostas aos outros. Parece, porm, que se pode dar um passo a mais. O
ilegalismo no um acidente, uma imperfeio mais ou menos inevitvel. um
elemento absolutamente positivo do funcionamento social, cujo papel est previsto
na estratgia geral da sociedade. Todo dispositivo legislativo organizou espaos
protegidos e aproveitveis, em que a lei pode ser violada, outros, em que ela pode
ser ignorada, outros, enfim, em que as infraes so sancionadas. No limite, eu diria,
simplesmente que a lei no feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento,
mas para diferenciar as maneiras de burlar a prpria lei (FOUCAULT, 2006, p. 50).
RESUMO
A proposta desta pesquisa investigar a cooperao em matria de segurana para o combate
ao trfico de drogas ilcitas entre Bolvia, Colmbia, Equador e Peru, no mbito da
Comunidade Andina de Naes (CAN), no transcurso de 1999 a 2012. Para tanto, foi adotada
uma perspectiva histrica para descrever e examinar o contexto da segurana regional nos
Andes, a emergncia intersticial das redes de traficantes, o processo de construo do trfico
de drogas como ameaa segurana e a sua insero na agenda poltica e de segurana da
CAN. Este processo foi intenso no decorrer de toda dcada de 1990 e no incio dos anos 2000,
perodo que foi marcado pela elaborao e aprovao da Poltica Externa Comum da CAN, da
agenda de segurana comunitria e do Plano Andino de Cooperao Para Luta Contra as
Drogas e Delitos Conexos como formas de respostas antidrogas. Para compreender este
processo, abordamos o alinhamento e o questionamento s diretrizes internacionais, o
desenvolvimento e o exerccio do controle coercitivo das drogas ilcitas em cada pas que
compe o bloco andino no decorrer do recorte temporal delimitado e identificamos as
convergncias e divergncias das agendas de segurana e das posturas adotadas pelos
governos andinos perante a questo das drogas, assim como os diferentes agentes
intervenientes, enfocando, a partir de uma perspectiva relacional, as dimenses domstica e
internacional (intermstica), bem como o processo de des-diferenciao que diluiu a fronteira
entre a segurana interna e externa para combater o trfico de drogas e suas redes
transnacionais. Por fim, debatemos o combate ao trfico de drogas como vetor de cooperao
regional em segurana entre os pases andinos e problematizamos o conceito de comunidade
de segurana quanto sua aplicabilidade para compreender a dinmica da segurana na regio
andina.
Palavras-chave: Trfico de Drogas. Comunidade Andina. Regio Andina. Segurana
Regional. Cooperao.
ABSTRACT
The purpose of this research is to investigate the cooperation on security to combat illicit drug
trafficking between Bolivia, Colombia, Ecuador and Peru within the Andean Community of
Nations (CAN), in the course of 1999 and 2012. Thus, it was adopted one historical
perspective and case studies to examine and describe the context of regional security in the
Andes, the interstitial emergence of trafficking networks, the construction process of drug
trafficking as a threat to security and their inclusion on the political agenda and Security
CAN, this process was intense throughout the entire 1990s and early 2000s This period was
marked by the preparation and approval of the Common Foreign CAN, community safety
agenda and the Andean Cooperation Plan for Fighting Against Drugs and Related Crimes as
forms of drug responses. To understand this process, we address alignment and questioning
the government's requirements, the development and the exercise of coercive control of illicit
drugs in each country that makes up the Andean bloc during the defined time frame and
identified and analyzed the convergence and divergence of agendas security and postures
adopted by Andean governments to the drug issue, as well as the different actors involved,
focusing, from a relational perspective, the domestic and international dimensions
(intermestic), and the process of de-differentiation diluted the boundary between internal and
external security to combat drug trafficking and its transnational networks. Finally, we
discussed the fight against drug trafficking as a vector of regional cooperation on security
between the Andean countries and question the concept of security community and its
applicability to understand the dynamics of security in the Andean region.
Keywords: Drug Trafficking. Andean Community. Andean Region. Regional Security.
Cooperation.
LISTA DE ILUSTRAES
Quadro 1 Principais Conflitos Interestatais Entre Pases Andinos Motivados por Disputas
Territoriais...........................................................................................................27
Mapa 1 Zona de Influncia dos Grupos Ilegais Armados na Fronteira Sul da
Colmbia...........................................................................................................105
Grfico 1 Cultivos e Erradicao da Folha de Coca em Hectares na Bolvia...................126
Quadro 2 Acordos Multilaterais sobre Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas entre
1909 e 1961.......................................................................................................174
Quadro 3 Exemplos de unidades militares e policiais antidrogas criadas com apoio norte-
americano na Regio Andina............................................................................175
Mapa 2 Densidade de Cultivao de Coca na Regio Andina
(2007)................................................................................................................176
Mapa 3 Os Principais Fluxos de Cocana no Mundo.....................................................177
Mapa 4 Os Principais Fluxos do Crime Organizado Internacional................................178
Mapa 5 Os Pases Includos na Iniciativa Regional Andina..........................................179
Grfico 2 Produo Global de Cocana (1990-2004)........................................................180
Grfico 3 Nmero de Usurios de Cocana no Mundo (2004/2005-2011)....................181
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADEPCOCA Asociacin Departamental de Productores de Coca
ALALC Associao Latino-Americana de Livre Comrcio
AUC Autodefesas Unidas da Colmbia
CAN Comunidade Andina de Naes
CICAD Comisso Interamericana para o Controle de Abuso de Drogas
CND Commission on Narcotic Drugs
COMBIFRON Comisin Binacional Fronteriza
CONALTID Consejo Nacional de Lucha Contra el Trfico Ilcito de Drogas
CONSEP Consejo Nacional de Control de Sustancias Estupefacientes y Psicotrpicas
CSDP Common Sense for Drug Policy
DEA Drug Enforcement Administration
DROSICAN Decisin 673: Apoyo a la Comunidad Andina en el rea de Drogas
Sintticas
ECOSOC Comisso de Estudos da Folha de Coca do Conselho Econmico e Social
das Naes Unidas
ELN Exrcito de Libertao Nacional
EUA Estados Unidos da Amrica
FARC Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia
FELCN Fora Especial de Luta Contra o Narcotrfico
FOL Forward Operating Location
FTC Fuerza de Tarea Conjunta
FTE Fuerza Tarea Expedicionaria
GEMA Grupo Especial Mvil Antinarcticos
JIFE Junta Internacional de Fiscalizao de Entorpecentes
NAS Narcotics Affairs Section
OEA Organizao dos Estados Americanos
OMS Organizao Mundial da Sade
ONU Naes Unidas
PESC Poltica Externa de Segurana Comum
PSD Poltica Seguridad Democrtica
PSP Partido Sociedad Patritica
SAI Sistema Andino de Integrao
SGP-DROGAS Sistema Generalizado de Preferncias
SL Sendero Luminoso
SPI Sociologia Poltica Internacional
UE Unio Europeia
UIAF Unidade Administrativa Especial de Informao e Anlise Financeira
UIES Unidade de Investigaes Especiais
UMOPAR Unidad Mvil de Patrullaje Rural
UNODC United Nations Office on Drugs and Crime
SUMRIO
1 INTRODUO...........................................................................................................11
2 O PROCESSO DE INTEGRAO E A SEGURANA NA REGIO
ANDINA.......................................................................................................................17
2.1 O contexto da Segurana Regional nos Andes..........................................................17
2.2 Configurao Histrica da Integrao Regional Andina: Do Pacto Andino
Comunidade Andina...................................................................................................36
3 A INSERO DO TRFICO DE DROGAS NA AGENDA POLTICA E DE
SEGURANA DOS PASES DA COMUNIDADE ANDINA DE
NAES......................................................................................................................51
3.1 A Emergncia das Organizaes Criminosas Narcotraficantes Como Redes
Intersticiais...................................................................................................................51
3.2 A Construo Histrica do Trfico de Drogas como Problema de Segurana nos
Andes............................................................................................................................60
4 O TRFICO DE DROGAS NOS PASES DA COMUNIDADE ANDINA:
MLTIPLOS CONTEXTOS, AGENTES E AGENDAS.......................................90
4.1 Colmbia: Do Plano Colmbia Poltica de Defesa e Segurana
Democrtica.................................................................................................................90
4.2 Equador: Plano Nacional de Drogas e o Combate ao Narcotrfico na Fronteira
Colombo-Equatoriana................................................................................................98
4.3 Peru: Estratgia de Luta Contras as Drogas e os Planos VRAE E
VRAEM......................................................................................................................108
4.4 Bolvia: Do Plano Dignidade Revalorizao da Folha de
Coca............................................................................................................................115
5 A COMUNIDADE ANDINA DE NAES E A COOPERAO NO
COMBATE AO TRFICO DE DROGAS ILCITAS..........................................130
5.1 Ordenamento Legal e Institucional Andino Sobre o Trfico de Drogas
Ilcitas.........................................................................................................................130
5.2 O Combate s Drogas Ilcitas como Vetor de Dissenso e Cooperao em
Segurana...................................................................................................................141
6 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................151
REFERNCIAS........................................................................................................157
ANEXOS....................................................................................................................174
11
1. INTRODUO
O processo de construo do trfico de drogas como uma ameaa segurana na
regio andina est diretamente relacionado com a histria contempornea das leis de controle
de drogas, que foram conformadas ao longo do sculo XX, de acordo com a elaborao de
tratados internacionais sob a gide da hegemonia norte-americana, a partir de 1909, com a
conferncia da Comisso Internacional do pio1, a qual culminou na Conveno
Internacional do pio, assinada em Haya, em janeiro de 1912. A Conveno Internacional do
pio foi a mola propulsora para elaborao do regime internacional de proibio de drogas, se
estendendo at os dias de hoje. O anseio norte-americano de se posicionar mais
assertivamente como potncia no concerto das naes - principalmente perante as grandes
potncias imperiais ocidentais - somado expanso estadunidense em direo ao Oriente e
aliado crena de que as drogas psicoativas eram um obstculo para o desenvolvimento
econmico, social e cultural das sociedades dos diferentes continentes foram fatores decisivos
para que os Estados Unidos impulsionassem a criao de um regime internacional que
regulasse a produo e a comercializao de drogas no mundo.
O proibicionismo norte-americano no est apartado do discurso poltico e cultural.
Estas prticas discursivas articulam uma srie de variveis, tais como a religio e a moral
puritana, o racismo, produto da rejeio e discriminao de determinados grupos de
imigrantes, negros e indgenas, o contexto internacional da poca e o trnsito e o consumo
massivo de opiceos e cocana. O endurecimento das leis antidrogas que faziam avanar o
proibicionismo dentro dos Estados Unidos refletiu no seu posicionamento diplomtico para
construo de um regime internacional unificado de controle de drogas, o qual no teve
consenso imediato entre os Estados durante as discusses nos anos 1950 e s veio ganhar
terreno frtil na dcada de 1960 (RODRIGUES, 2004; ESCOHOTADO, 2008).
1 A Comisso Internacional do pio, formada por 13 pases (Alemanha, China, Estados Unidos, Frana, Itlia,
Japo, Pases Baixos, Prsia, Portugal, Reino Unido, Rssia e Reino do Sio), se reuniram em uma conferncia
convocada pelos Estados Unidos na cidade de Xangai, China, no ano de 1909, se tornando o marco inaugural
para a articulao internacional antidrogas, apesar dos Estados Unidos no conseguirem alcanar os seus
objetivos de elaborao de normas mais impositivas contra o pio, pois o seu consumo em territrios
estadunidenses era associado pelas autoridades locais ao aumento da populao chinesa provocado pela
imigrao macia desta nacionalidade. Somente no ano de 1912, com a Conveno Internacional do pio, foi
fixado controles mais rgidos para produo, distribuio, venda, importao e exportao de morfina e outros
derivados do pio e da cocana.
12
O desdobramento desses acontecimentos foi a converso do esprito proibicionista
em normatividade planetria, o que contribuiu para construo paulatina de consensos,
sobretudo em termos jurdicos, possibilitando a consolidao do regime internacional de
proibio das drogas no transcorrer do sculo XX. Da Conferncia do pio em Shangai, de
1909, Conveno nica sobre Entorpecentes da Organizao das Naes Unidas (ONU), de
19612, as drogas passaram por um processo contnuo de associao criminalidade nos
tratados e acordos internacionais. Esses tratados, acordos e convenes internacionais, embora
no fossem medidas obrigatrias e impositivas, na prtica, foram se transformando em
mecanismos de presso para que os Estados adequassem de alguma forma suas respectivas
legislaes nacionais a estes dispositivos. Os pases andinos comearam a adaptar as suas
legislaes nas primeiras dcadas do sculo passado3. Segundo Rosa Del Olmo (2002),
Bolvia e Equador promulgaram suas primeiras leis em 1916. Seguidos por Colmbia, em
1920, e Peru, em 1921. O ltimo pas andino a comear aprovar leis antidrogas foi a
Venezuela, em 19304. O discurso oficial justificava que, para cumprir os compromissos
internacionais, era preciso adequar as legislaes nacionais. Deste modo, cada Estado andino
foi alterando suas leis nacionais, com algumas variaes e especificidades locais, conforme o
surgimento de novos tratados internacionais, com a singularidade de que o ncleo essencial
dessa regulao constitudo pela proibio (GONZLEZ, 2000, p.55 apud DEL OLMO,
2002, p. 66).
A construo e consolidao de um regime internacional para combater as drogas
consideradas ilcitas foi produto de um processo longo na histria do sculo XX, cujo curso
no subjugado meramente s imposies norte-americanas, pelo contrrio, resultado de
inmeros fatores e variveis histricas, econmicas, culturais, (geo)polticas e internacionais,
que se articulam e se entremeiam, criando configuraes que propiciaram aquiescncia sobre
2 Conferir quadro 2 na seo anexos.
3 Os pases andinos assinaram e ratificaram a Conveno Internacional do pio nas seguintes datas: Bolvia
assinou em 04 de junho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920; a Colmbia assinou em 15 de janeiro de
1913 e ratificou em 26 de junho de 1924; o Equador, por sua vez, assinou em 2 de julho de 1912 e ratificou em
25 de fevereiro de 1915; o Peru subscreveu em 24 de julho de 1913 e ratificou em 10 de janeiro de 1920; por
fim, a Venezuela subscreveu em 10 de setembro de 1912 e ratificou em 28 de outubro de 1913. Os dados
foram extrados de UNITED NATIONS. Treaty Collection: Chapter VI: Narcotic Drugs and Psychotropic
Substances. Disponvel em:
. Acesso em: 20 dez. 2014. 4 Conforme salienta Rosa Del Olmo (2002), Na Bolvia, a Lei de Drogas; no Equador, a Lei do Comrcio do
pio e Demais Drogas (Decreto 39); na Colmbia, a Lei sobre Importao e Venda de Drogas que Causam
Hbito Pernicioso (Lei 11); no Peru, a lei que regula a importao, exportao e comercializao de cocana,
pio, maconha e herona (Lei 4428) e na Venezuela a Lei dos Narcticos, embora em 1920 j existissem dois
regulamentos: um sobre importao e venda (no varejo) do pio e seus alcaloides (DEL OLMO, 2002, p. 76).
13
a ilicitude de drogas psicoativas, por serem consideradas corruptoras dos bons costumes e
sinnimo de delinquncia. Trata-se de um longo processo que ganhou novos contornos na
dcada de 1980, com a intensificao da guerra s drogas, e ainda maior importncia nos
anos 1990, com o fim da Guerra Fria, quando o trfico de drogas foi inserido no rol das
novas ameaas segurana internacional.
Para combater o trfico de drogas, na Amrica Latina, foram implementadas
estratgias que obedeceram aos interesses, percepes e iniciativas estadunidenses sobre a
questo (HERZ, 2002; YOUNGERS; ROSIN, 2005a; RODRUGUES, 2003). A partir de uma
perspectiva maniquesta que dividia o mundo em pases consumidores em oposio aos
pases produtores, foi posto em marcha o pressuposto de que ao combater a oferta, o trfico
de drogas se tornaria uma atividade mais arriscada e mais custosa, desta forma, ocorreria uma
reduo da produo com o aumento dos preos, bem como esse combate atuaria como fator
dissuasrio para compra e consumo de drogas. As drogas aparecem como uma ameaa
externa aos EUA encarnando a figura do inimigo que deve ser aniquilado (PASSETTI,
1991; KOPP, 1997; FUKUMI, 2008).
Os pases da regio andina passaram a ser vistos pelos EUA como produtores de
drogas e como Estados fracos institucionalmente, o que propiciava a formao de espaos
vazios que se tornavam redutos de organizaes criminosas, grupos insurgentes e
paramilitares ligados ao trfico de drogas e ao terrorismo. Com base nesta interpretao do
problema, foram elaboradas estratgias, principalmente militares, para coibir a produo e o
trfico de substncias ilcitas nos Estados andinos e mant-los subordinados poltica de
drogas norte-americana. A poltica de drogas dos EUA para os Andes se tornou um
instrumento de ingerncia nos assuntos internos dos pases andinos. Ao tratar o narcotrfico
como ameaa segurana, Washington favorecia os seus interesses, mantendo a regio andina
sob o seu domnio hemisfrico.
A problemtica do trfico de drogas comum a todos os pases da Amrica Latina e os
Andes so um dos principais epicentros desta atividade ilcita. Segundo o ltimo Relatrio
Mundial sobre Drogas da United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), lanado em
2014, na regio andina, no de 2006, foram cultivados 157.000 hectares e ocorreu uma reduo
de 23.000 ha no ano de 2012, quando alcanou o total de 133.700 ha de arbusto de coca,
distribudos da seguinte forma: na Bolvia foram cultivados 25.300 ha, na Colmbia foram
48.000 ha e no Peru foram 60.400 ha, ou seja, o Peru tomou a dianteira e se tornou o maior
14
cultivador de coca do mundo. O relatrio estima que existam atualmente no mundo de 14 a 21
milhes de usurios de cocana, o que demonstra a amplitude da indstria da cocana e
tambm como a guerra s drogas na regio andina no conseguiu alcanar os resultados
esperados.
Para compreendermos a complexidade do tema em questo entende-se necessrio um
estudo das polticas de segurana antidrogas na regio andina, principalmente por se tratar de
uma rea emblemtica no que tange radicalizao do combate s drogas e, por conseguinte,
ser uma das peas centrais na compreenso das transformaes ocorridas na segurana
internacional na contemporaneidade.
Pretende-se investigar, com esta pesquisa, o trfico de drogas na Regio Andina e a
cooperao em segurana entre os atuais pases membros da Comunidade Andina de Naes
(CAN) para combater o trfico de drogas. As trs questes centrais que o presente trabalho
pretende responder so: as agendas de segurana dos Estados andinos colocaram o trfico de
drogas como a principal ameaa para a regio andina? O trfico de drogas o vetor
predominante de cooperao entre os pases andinos? A cooperao entre os pases andinos
para combater o narcotrfico e as agendas de segurana da Comunidade Andina se
configuram como uma comunidade de segurana? A nossa hiptese que as polticas
antidrogas destes pases fizeram com que o trfico de drogas se configurasse como a principal
ameaa segurana da regio andina e, com isto, o tema se tornou um vetor fundamental para
que os pases andinos mantivessem iniciativas de cooperao multilateral em matria de
segurana, sobretudo no mbito da CAN. Entretanto, as iniciativas de cooperao multilateral
foram sobrepujadas pelas dissenses e divergncias entre as formas pelas quais os governos
andinos procuraram responder ao problema e pela desarticulao do projeto de integrao
sub-regional, o que inviabilizou a orquestrao de uma cooperao intra-andina e a formao
de uma identidade comum de segurana.
Para responder estas questes, a pesquisa tem sua estrutura divida em quatro captulos,
alm dos captulos de introduo e concluso. No captulo 2, ser abordado o processo de
integrao e o contexto regional da segurana nos Andes e est divido em dois tpicos. No
primeiro tpico (2.1) ser debatida a influncia que a geopoltica tradicional e o realismo
clssico exerceram sobre o pensamento em segurana e a diviso da Amrica do Sul.
Apresentamos tambm outras abordagens alternativas acerca do espao sul-americano. Em
seguida, ser discutido o conceito de geopoltica do trfico de drogas e as suas implicaes
15
para a segurana domstica e internacional, bem como o processo de des-diferenciao. Por
fim, analisamos as principais temticas que influram na construo da agenda de segurana
dos pases andinos: os conflitos tradicionais ligados aos litgios interestatais e fronteirios, a
presena dos EUA na regio, as crises domsticas concernentes legitimidade das instituies
estatais, as principais questes dos conflitos internos dos pases da regio e o trfico de drogas
e o crime organizado transnacional. No segundo tpico (2.2) ser desenvolvida a trajetria
histrica da integrao regional andina e as diferentes fases do processo de integrao do
Pacto Andino CAN.
No captulo 3, ser trabalhado o processo histrico de insero do trfico de drogas na
agenda poltica e de segurana da regio andina, com diviso em dois tpicos. Para
compreender este processo, ser analisado como as organizaes criminosas narcotraficantes
emergem nos interstcios das instituies do Estado e da sociedade, se configurando como
novas redes de poder. Problematizamos o conceito de narcotrfico como instrumento de
anlise e as suas implicaes para a compreenso do fenmeno do trfico de drogas e dos
inmeros atores envolvidos com as redes do mercado ilegal das drogas. Debateremos tambm
o conceito de novas ameaas e a percepo do trfico de drogas como ameaa segurana
(3.1). Depois de problematizado o conceito de novas ameaas, abordaremos a construo
histrica do trfico de drogas como ameaa segurana nos Andes articulando trs nveis de
anlise: Internacional, Regional e Nacional (3.2).
O captulo 4 ser divido em quatro sees. Para tratar a dinmica do combate s
drogas ilcitas na regio, se faz necessrio compreender cada caso nacional da CAN
(Colmbia, Equador, Peru e Bolvia), considerando: os diferentes agentes envolvidos; os
interesses nacionais para empreender a luta antidrogas; a produo das drogas em cada pas;
os papis desempenhados pela polcia e pelas foras armadas na luta antidrogas; as influncias
internacionais de proibio das drogas sobre a formulao de polticas nacionais; e como os
governos que constituem a CAN esto individualmente travando o combate ao narcotrfico e
como tais medidas reverberam na regio. Procurar-se- identificar as divergncias e
convergncias das polticas antidrogas nacionais, visando compreender se h uma
homogeneidade ou uma heterogeneidade na forma de lidar com a questo. Esta identificao
ser fundamental para compreender a cooperao regional entre os pases no combate ao
narcotrfico e perscrutar se esta cooperao est inserida em um contexto mais amplo e
intensificado de formao de uma comunidade de segurana.
16
Aps a identificao e anlise das particularidades nacionais das polticas e agendas de
segurana para conteno do narcotrfico e os pontos de convergncia e divergncia, na seo
(5.1) do captulo 5 sero discutidos os marcos legais e o ordenamento institucional andino de
luta contra as drogas a partir de 1999, quando foi lanada a Poltica Externa Comum, at o
ano de 1912, quando foi lanada a Estratgia Andina Sobre El Problema Mundial de las
Drogas 2012-2019. Tal recorte possibilitar analisar as principais mudanas da cooperao
andina de combate ao trfico de drogas na ltima dcada. E no ltimo tpico (5.2) ser
analisado o trfico de drogas como vetor de cooperao em segurana entre os pases andinos,
compreendendo as questes atinentes s divergncias das agendas de poltica antidrogas e
entre governos, no que tange forma que deve ser combatido o narcotrfico e problematizado
o conceito de comunidade de segurana em relao sua aplicabilidade para compreender a
dinmica da cooperao andina em segurana para reprimir o trfico de drogas.
17
2. O PROCESSO DE INTEGRAO E A SEGURANA NA REGIO ANDINA
2.1 O contexto da Segurana Regional nos Andes
Nas duas ltimas dcadas, o panorama da segurana na Amrica do Sul passou por
transformaes significativas, impulsionadas pelos processos de reabertura democrtica e
pelas mudanas ocorridas no cenrio internacional. Com a redemocratizao dos regimes
polticos abriram-se novas possibilidades nas relaes civil-militares, nas quais deveria
prevalecer a preeminncia civil no controle das foras armadas, das polcias e dos servios de
inteligncia, na definio dos conceitos e contedos das polticas de segurana e na forma
como devem ser tratadas as variadas temticas relativas a este campo. As mudanas ocorridas
no cenrio internacional nesse perodo incidiram nas polticas sul-americanas de segurana.
Com o colapso da Unio Sovitica (URSS) e a ausncia inequvoca de uma potncia rival que
pudesse desafiar o poderio estadunidense, os Estados Unidos (EUA) se tornaram uma
superpotncia militar, poltica e econmica mundial. No decorrer do confronto bipolar, os
EUA puseram em marcha a doutrina da segurana hemisfrica ocidental como instrumento de
conteno do comunismo. O novo contexto internacional lanou bases para discusso de
concepes alternativas problemtica da segurana internacional e para definio de novas
ameaas e novos inimigos a partir de uma perspectiva global e multilateral.
Na Amrica do Sul, no decorrer do sculo XX, ocorreram poucos conflitos
interestatais armados, se comparado com outras regies do mundo, como a frica e o Oriente
Mdio. Todavia, subsistem contenciosos entre os pases sul-americanos, sobretudo entre os
pases andinos, remanescentes do colonialismo ibrico e dos processos de independncia e
consolidao do Estado nacional no sculo XIX (MARES, 2003). Oscar Medeiros Filho
(2004) assinala que as abordagens realistas focadas no Estado-nao presentes na
geopoltica clssica sul-americana no desconsideram as possibilidades de conflitos armados
convencionais e, para sustentar as suas prospeces, apresentam contenciosos histricos como
exemplos de conflagraes futuras, sendo assim, o conflito com o pas vizinho sempre
considerado nos clculos militares. O autor enfatiza que esta viso clssica no trato das
questes de Defesa e Segurana, ainda prevalecente no pensamento militar sul-americano,
coloca obstculos para o desenvolvimento de uma cooperao maior entre os militares na
Amrica do Sul, mesmo que no descarte por completo a cooperao entre os pases, porm
18
ela no altera a prioridade das polticas nacionais e a busca dos interesses particulares
(MEDEIROS FILHO, 2004, p. 26). A persistncia desta viso em grande parte dos pases sul-
americanos coloca em questo o controle civil sobre os militares fazendo com que o processo
de redemocratizao permanea inacabado e coloca em questo a criao de um sistema
comum de segurana subcontinental:
Apesar de todos os pr-requisitos favorveis, a consolidao de um cenrio
geopoltico regional na Amrica do Sul ainda est longe de se tornar realidade.
Enquanto persistirem as antigas concepes de poder e rivalidade entre os pases
sul-americanos, e enquanto no forem definidos claramente interesses, objetivos,
polticas, estratgias e principalmente inimigos comuns, torna-se difcil
imaginar tal cenrio para o subcontinente, pelo menos para a prxima dcada
(MEDEIROS FILHO, 2004, p. 35).
A geopoltica tradicional, marcada pelo pensamento realista, chegou Amrica do Sul
por meio de duas correntes de pensamento distintos: a realpolitk e a geopolitik alems, que
influenciaram alguns exrcitos sul-americanos; e a presena poltica, estratgica e econmica
estadunidense nas escolas militares de formao de oficiais latino-americanos. A geopoltica
chegou ao subcontinente a partir dos interesses dos oficiais do exrcito e dos professores das
escolas militares, ela surge como preocupao castrense (GEOPOLTICA XXI, 2011).
essa concepo de geopoltica que esteve por detrs das tenses interestatais e que tambm
norteou a diviso tradicional da Amrica do Sul a partir de seus projetos nacionalistas e
expansionistas de afirmao nacional e territorial. Neste cenrio, a ideia de Segurana est
intimamente vinculada de Defesa, entendida enquanto a luta do Estado por seus interesses
soberanos atravs dos meios militares (MEDEIROS FILHOS, 2004, p. 24).
De acordo com Pablo Gabriel Dreyfus (2002), a geopoltica tradicional da Amrica do
Sul dividiu a Amrica do Sul em dois grupos de Estados: os Andes e o Cone Sul. Conforme
esta abordagem, a sub-regio andina est situada ao norte do subcontinente e formada por
Colmbia, Equador, Peru, Bolvia e Venezuela, sendo que apenas os dois ltimos pases no
tm faixa litornea no Oceano Pacfico. Estes Estados compartilham algumas caractersticas
comuns como a geografia, uma grande densidade demogrfica de populao indgena
principalmente na Bolvia, Equador e Peru e uma configurao especfica de rivalidades
histricas e de inmeras contendas territoriais. A principal iniciativa de integrao e
construo de uma identidade comum foi a criao do Pacto Andino, em 1969, o qual contava
inicialmente com a participao do Chile, e que mais tarde, a partir de um longo processo de
negociaes econmicas e esforo poltico para mitigar os conflitos latentes, veio a se tornar a
Comunidade Andina de Naes. O autor aponta que esta abordagem tradicional, no inclui a
19
Guiana, o Suriname5 e a Guiana Francesa como parte da regio andino-amaznica, pois estes
pases so considerados como pertencentes geopoltica do Caribe, devido ao seu
distanciamento geogrfico, a sua histria comum como ex-colnias holandesas, britnicas e
francesas e seus arranjos de segurana, polticos e econmicos Guiana e Suriname so
membros do Mercado Comum e Comunidade do Caribe (CARICOM, na sigla inglesa) , bem
como grande parte da literatura sobre o trfico de drogas na Amrica do Sul tambm no os
incluem na anlise devido a sua irrelevncia nas operaes do narcotrfico.
A sub-regio do Cone Sul, segundo esta viso tradicional, formada por Argentina,
Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. No Cone Sul h uma diversidade geogrfica mais
acentuada abrangendo desde a Patagnia at o nordeste brasileiro. Argentina e Chile tiveram
altercaes territoriais a despeito de suas ambies geopolticas acerca do Canal Patagnico
(Canal de Beagle) e do acesso Antrtida. Argentina e Brasil tm sido rivais histricos,
principalmente no que tange liderana da Amrica do Sul, contudo, nunca houve uma guerra
entre os dois pases. O Cone Sul caracterizado por um processo de integrao econmica e
cooperao poltica e de segurana que ganhou novos contornos com a redemocratizao dos
Estados que o conformam, os acordos de negociao firmados por Argentina e Brasil
impulsionaram a formao do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que formado por
estes dois pases mais o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela. O Chile o nico pas do Cone
Sul que segue como membro associado6.
As abordagens sobre Amrica do Sul no se restringiram somente geopoltica
tradicional descrita por Dreyfus. Hctor Luis Saint-Pierre (2006), por exemplo, prope outra
anlise sobre a regio e sua poltica de defesa, a qual ele denominou de arcos de equilbrio
regional. Segundo o autor, para pensar num sistema de segurana sul-americano necessrio
compreender a heterogeneidade entre os pases e as sub-regies existentes no subcontinente.
A heterogeneidade entre os pases no est no e na histria que so comuns a quase todos os
pases da regio , ela presente devido aos diferentes nveis de desenvolvimento nacional,
de capacidade econmica, de estabilidade poltica, de solidez institucional e de desigualdade
na distribuio de renda e concentrao de riqueza, que gera um dos ndices mais elevados de
pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e de marginalizados do mundo. Saint-Pierre
5 Esta abordagem da geopoltica tradicional descrita por Dreyfus ignora que a Guiana e o Suriname so membros
da Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica, o que demonstra a relevncia destes pases para a
geopoltica sul-americana. Vale mencionar a disputa territorial entre Guiana e Venezuela sobre a regio de
Essequibo, territrio profuso em recursos energticos tais como o petrleo e o gs, o que coloca a Guiana
dentro do jogo geopoltico sul-americano. 6 Alm do Chile, a Bolvia, Colmbia, Peru e Equador so membros associados ao Mercosul.
20
destaca que as sub-regies so caracterizadas por diferenas territoriais que podem ser dividas
em rea Andina e o Mercosul ampliado, no entanto, o autor ressalta que esta diviso no
estanque porque outras configuraes ocorrem conforme os objetivos e caractersticas
associativas diferentes, por exemplo, Cone Sul e Grupo Amaznico.
Para Saint-Pierre, os arcos de equilbrio regional so divididos em arco de
instabilidade e arco de estabilidade:
Na regio pode-se identificar, por um lado, alguns pases com problemas nacionais
que ameaam a estabilidade seja social, poltica, econmica, institucional - com o
risco de projetar vulnerabilidade estrutural para toda a regio. Por outro lado, h um
conjunto de pases cuja situao interna apresenta graus confiveis de estabilidade
podendo, eventualmente, irradi-la para a regio (SAINT-PIERRE, 2006, p.196).
Conforme o autor, o Arco Andino, que formado por Guianas, Venezuela, Equador,
Peru, Bolvia e Paraguai, pertence primeira categoria, o Arco de Instabilidade. O Arco do
Mercosul Ampliado, que abrange Brasil, Argentina, Uruguai e Chile, integra a segunda
categoria, o Arco da Estabilidade. Saint-Pierre salienta que um arco funciona como
compensador do outro arco estabilizando a situao e impedindo que ela se torne uma
situao regional de instabilidade (SAINT-PIERRE, 2006, p. 197). Leonardo Morlino
argumenta que para uma definio satisfatria do conceito de estabilidade poltica7
preciso isent-lo de elementos avaliativos, pois o conceito, geralmente, empregado mais
para justificar a conservao do que tratar da mudana, sendo assim, um sistema poltico, por
exemplo, muitas vezes considerado estvel justamente por ser capaz de manter o status
quo, entretanto, a Estabilidade no necessariamente, nem deve ser, o fim de todo o
sistema (MORLINO, 1998, p. 394).
Segundo Morlino, as definies de estabilidade que se identifica com o equilbrio
estvel no colaboram para compreender o dinamismo poltico de uma determinada
sociedade, pois o equilbrio pode ser esttico ou dinmico por inmeros fatores. O autor
problematiza a associao indiscriminada entre estabilidade e equilbrio estvel apresentando
dois motivos principais:
a) a noo de equilbrio estvel no leva longe e, em todo caso, no parece suscetvel
de se tornar operativa, devido distncia que separa esta concepo fsica da
7 Morlino prope a seguinte definio do conceito de estabilidade poltica: Estabilidade a capacidade
previsvel que um sistema tem de se prolongar no tempo. Deste modo, um sistema deve ser considerado estvel
quando, num momento dado, tido em conta um conjunto de sinais, razoavelmente previsvel que ele
continuar no tempo (MORLINO, 1998, p. 394, grifos do autor).
21
realidade social; b) o equilbrio estvel privilegia o status quo; ao contrrio, para ser
estvel, isto , para continuar no tempo, o sistema tem de ser capaz de mudar,
adaptando-se aos desafios que vm do ambiente; s uma constante adaptao
realidade sempre mutvel permite que o sistema sobreviva. Pode-se, pois, afirmar
que, paradoxalmente, um sistema em equilbrio estvel corre o risco de se tornar o
mais instvel (MORLINO, 1998, p. 395).
Portanto, ao considerarmos esta proposta de Morlino, a estabilidade e a instabilidade
sero compreendidas no como fenmenos contraditrios radicalmente opostos, mas como
um nico fenmeno que varia de acordo com as circunstncias especficas e particularidades
de um sistema poltico e de uma comunidade poltica e seus diferentes atores. A
caracterizao da regio andina como arco de instabilidade pela teoria dos arcos de equilbrio
regional pode servir como instrumento e justificativa de interveno de grandes potncias
exgenas regio, a ideia de instabilidade remonta s concepes de Estado falido (ou
Estados debilitados) e reas no governadas. Estas concepes contriburam para o
delineamento da poltica militarista de guerra s drogas contra pases produtores,
principalmente os Estados andinos.
Oscar Medeiros Filhos (2010), como base na teoria dos arcos de estabilidade regional,
sustenta que a integrao regional no subcontinente sul-americano indica a existncia de
estabilidade (Cone Sul) e instabilidade (Amaznia e Andes). As sub-regies instveis so as
mesmas com processo de integrao menos pretensioso. O autor conclui que os nveis de
integrao geopoltica na Amrica do Sul parecem obedecer a uma linha de gradao
crescente entre a vertente atlntica (maior nvel de integrao/estabilidade) e a vertente
pacfica (integrao comprometida e instabilidade regional) (MEDEIROS FILHO, 2010, p.
65). A diviso da Amrica do Sul proposta por Medeiros Filho parece-nos mais adequada para
se pensar a Amrica do Sul por considerar os diferentes nveis e dinmicas de relacionamento,
cooperao e integrao entre os pases da regio, contudo, no coadunamos com a diviso
em arcos de estabilidade e instabilidade devido s implicaes anteriormente discutidas.
Para a viabilidade do presente trabalho, a regio a ser considerada para a anlise a
dos Andes, mais precisamente os pases pertencentes Comunidade Andina de Naes
(CAN), que engloba maior parte da poro andina e parte da poro amaznica. Atualmente,
Bolvia, Colmbia, Equador e Peru conformam a CAN o processo de integrao mais antigo
da Amrica do Sul e estes pases esto ligados no apenas geogrfica e historicamente, mas
tambm no que tange integrao, conflito interestatal, clientelismo, desigualdade e
concentrao de renda, crises polticas, proeminncia das foras armadas e dependncia
externa, no mbito da segurana. Estes pases esto interligados principalmente pelo
22
compartilhamento de uma ameaa comum: o trfico de drogas. Mas a regio andina est
tambm interconectada pela geopoltica do trfico de drogas (DREYFUS, 2002; OLMO,
1993).
A anlise geopoltica do trfico de drogas proposta por Dreyfus procura apreender o
papel de cada pas, bem como os seus mltiplos atores, nas diferentes etapas da produo ao
transporte de drogas ilcitas e como eles esto inseridos nas relaes de conflito, cooperao e
poder, tambm so includos na anlise os padres de interao entre as vulnerabilidades
comum de um determinado grupo de pases no nosso caso so os pases andinos
pertencentes CAN e as ameaas colocadas pelo trfico de drogas8.
Para fins desta pesquisa, privilegiaremos em nossa anlise o envolvimento dos atores
no-estatais e estatais nas atividades ilcitas do trfico de drogas e no combate ao narcotrfico,
assim como as relaes entre os pases que integram as redes narcotraficantes e seus esforos
de cooperao em matria de segurana frente esta modalidade de crime organizado. As
relaes com os EUA se limitaram ao papel deste pas no processo de construo do trfico de
psicoativos ilcitos como ameaa segurana durante o sculo XX e princpios do sculo
XXI. As relaes bilaterais dos EUA com cada pas andino em matria de luta antidrogas
poder ser um tema abordado em trabalho futuro.
A geopoltica do trfico de drogas proposta por Dreyfus procura uma abordagem que
contemple as duas dimenses do Estado, a domstica e a internacional, ou intermstica,
assim como as relaes e articulaes existentes entre ambas e a segurana, so tratadas como
um fenmeno relacional onde o mbito externo no dissociado do interno. Portanto, para
compreender a segurana domstica de um determinado Estado preciso entender o padro
regional e internacional de interdependncia de segurana no qual ele est inserido e os
mltiplos atores intervenientes. Esta abordagem, mesmo apresentando algumas diferenas,
corrobora com a perspectiva relacional e processual da sociologia poltica internacional (SPI)
de Didier Bigo. Segundo este autor, o Estado no um ator, mas sim um campo de aes e
8 A proposta analtica do autor ainda est arraigada na concepo dicotmica entre pases produtores e pases
consumidores. Esta forma de compreender a problemtica do trfico de drogas foi construda pelos discursos
e percepes dos pases ocidentais que enviesaram os textos contidos nos regimes internacionais a partir da
dcada de 1980 (PASSETTI, 1991). Esta viso estanque no apreende a dinmica do trfico de drogas
internacional e obnubila informaes sobre a produo de drogas nos pases do centro do capitalismo, como a
produo de maconha em larga escala nos Estados Unidos e a fabricao de ecstasy na Holanda e em outros
pases europeus, ou mesmo no menciona que a Amrica do Sul uma das regies que mais consomem
cocana (UNODC, 2014).
23
analisar a emergncia do social seguir relaes, quaisquer que sejam suas escalas, pois o
internacional no uma esfera de ao especfica separada das demais (internas, sociais),
mas o nome dado investigao de entendimento mais transversal de sociedade de
indivduos (BIGO, 2013, p. 187).
A segurana, de acordo com a perspectiva da SPI, se configura como uma tcnica de
governo que envolve diferentes profissionais do campo da segurana ao contrrio das
concepes excepcionalistas os quais definem a segurana atravs da rotinizao de suas
prticas, impondo as suas prprias definies de ameaa e perigo, bem como as tecnologias
de poder-saber para administrar e gerenciar estas ameaas e perigos. Jeff Huysman (2006)
aponta que o colapso da estrutura diplomtico-militar e o alargamento do conceito de
segurana no final dos anos 1980 e no decorrer dos anos 1990, colaboraram para o
estreitamento entre segurana pblica e defesa. A insegurana social, ao mesmo passo que
configura a segurana interna, est conectada segurana internacional, principalmente em
questes atinentes ao crime organizado transnacional. De acordo com Bigo (2000; 2013), este
processo fez com que a incerteza sobre as misses e tarefas e os limites entre os universos
sociais da polcia e das foras armadas afetassem as organizaes e as agncias de segurana,
tal como as identidades dos profissionais deste campo.
Nos Andes, o combate s drogas foi um elemento importante para que ocorresse este
processo descrito por Bigo e Huysman. O trfico de drogas permitiu que as agncias de
segurana andinas, sob influncia norte-americana, reduzissem a distino entre segurana
interna e externa, aproximando funes delimitadas claramente entre a polcia e as foras
armadas para combater uma ameaa que deve ser contida por ambos. A construo e a
consolidao de um concerto internacional de regimes9 de controle e luta contra as drogas
consideradas ilcitas foi resultado de um longo processo que no se restringe apenas aos
ditames de Washington, mas tambm abrangem inmeras variveis histricas, polticas,
ideolgicas, econmicas e sociais, que se articulam e se imbricam, entrelaando interesses que
9 De acordo com Stephen D. Krasner, Os regimes podem ser definidos como princpios, normas e regras
implcitos ou explcitos e procedimentos de tomada de decises de determinada rea das relaes
internacionais em torno dos quais convergem as expectativas dos atores. Os princpios so crenas em fatos,
causas e questes morais. As normas so padres de comportamento definidos em termos de direitos e
obrigaes. As regras so prescries ou proscries especificas para a ao. Os procedimentos para tomada de
decises so prticas predominantes para fazer e executar a deciso coletiva (KRASNER, 2012, p. 94). Para
fins desta pesquisa, os regimes internacionais de drogas sero compreendidos a partir desta definio.
24
geraram o consenso sobre a ilegalidade das drogas psicoativas, reputando a elas o carter de
criminalidade e, mais tarde, de ameaa segurana nacional e internacional. A guerra s
drogas foi um dos principais fatores para que ocorresse o processo de des-diferenciao,
assinalado por Bigo, cuja fuso entre segurana interna e externa faz com que os mundos do
policiamento e da guerra, que tinham pouco em comum, se misturem para combater um
inimigo sem rosto (BIGO, 2000).
A ausncia de uma diferenciao entre problemas internos e externos de segurana
est ligada s aes dos inmeros agentes do campo da segurana, as quais no se limitam s
fronteiras convencionais entre o domstico e o internacional. O processo de des-diferenciao
est adstrito s relaes de poder e concorrncias existentes entre grupos sociais que
compem o campo da segurana, o que descarta a existncia de um ator capaz de decidir
sobre as ameaas unilateralmente. Bigo, com base nos estudos de Pierre Bourdieu, percebe o
campo da segurana como espao social construdo atravs da disputa entre as diversas
posies dos agentes de segurana e conformado pelas agncias de segurana e os lugares
que elas ocupam nas esferas nacionais e internacionais. No interior do campo da segurana,
podem ser ensejados processos de unificao capazes de concentrar atores diferentes em
torno de uma determinada ameaa, o que pode levar a uma homogeneizao das
percepes ou das doutrinas de segurana, deste modo, uma ou mais questes passam a ser
compartilhadas por mais de um ator (BIGO, 2000). Este processo de unificao descrito
pelo autor ocorreu entre os pases andinos entorno do trfico de drogas. As drogas ilcitas
passaram a ser uma ameaa compartilhada pelos governos andinos, as agendas de segurana
dos Estados da regio andina estiveram subordinadas s diretrizes norte-americanas de
combate s drogas criando um foco comum de segurana nos Andes para tratar e eliminar o
problema.
Existem, na regio andina, mltiplas temticas que influem na construo da agenda
de segurana dos pases da regio. Estas temticas podem ser dividas em cinco grupos
principais: a) conflitos tradicionais adstritos aos litgios interestatais e fronteirios; b) a
presena dos Estados Unidos na regio; c) crises domsticas concernentes legitimidade das
instituies estatais; d) conflitos internos ligados s questes polticas, sociais, tnico-
culturais e identitrias; e) trfico de drogas e o crime organizado transnacional.
a) Conflitos tradicionais adstritos aos litgios interestatais e fronteirios:
25
No que tange aos conflitos convencionais, ou interestatais, o norte e noroeste do
subcontinente sul-americano apresentam tenses remanescentes de litgios histricos ou
tenses novas que emergiram em contextos especficos entre os pases da regio que se
arrastam desde o ltimo quartel do sculo XIX ao princpio do sculo XXI, colocando-os
dentro de um quadro complexo de conflitos ligados principalmente a fatores territoriais,
limtrofes e/ ou acerca de recursos naturais. Conforme argumenta Adrin Bonilla (1999), a
imagem de um Estado coeso fortalece e legitima a sua existncia e um dos seus sinais so as
fronteiras, sendo que cada Estado faz uma leitura distinta dos referidos sinais. O resultado
um conjunto de valores internalizados que criam uma imagem de uma comunidade, a
comunidade nacional e, ao mesmo tempo, a percepo do outro agressivo. Estas imagens
identificam condutas e justificam a violncia para defender a si prprio quando percebido
em risco frente ameaa do estrangeiro, o outro. Jorge I. Domnguez (2003) observa que
a persistncia de alguns conflitos histricos na Amrica Latina, que se iniciaram no sculo
XIX, esto relacionados a dois fatores principais: 1) o geogrfico, pois as florestas e rios na
Amrica do Sul e Central, assim como a topografia montanhosa em determinadas reas,
colocaram bices para demarcaes fsicas das fronteiras. A confeco de mapas inexatos
contribuiu para o ressurgimento de conflitos, como foi o caso de Equador e Peru; 2) a
interrupo dos processos de negociao que poderiam conduzir arranjos permanentes para
manter a paz na Amrica do Sul. Domnguez salienta que a mediao internacional, em
muitos casos, serviu para esfriar os conflitos e no para resolv-los. As tcnicas de
congelamento das demandas em uma conjuntura particular tambm tiveram resultados
contraditrios, como foi o caso do Protocolo de Puerto Espaa, assinado em 1970, entre
Guiana e Venezuela, o qual estabeleceu o acordo entre os dois pases para que ambos
cessassem as suas reivindicaes e o conflito. O que ocorreu foi a postergao do litgio para
doze anos depois. Assim que o Protocolo expirou, a crise entre os dois pases reiniciou e
permanece sem soluo.
Na dcada de 1990, Equador e Peru entraram em disputa pelo territrio da bacia do
Rio Cenepa que permanecia sem definio limtrofe. A escalada do conflito culminou na
guerra entre os dois pases em 1995. Os dois pases deflagraram um conflito armado de
grandes propores aps a derrubada de um helicptero MI-8TV do exrcito peruano por um
mssil antiareo equatoriano em 29 de janeiro do referido ano. A partir da os confrontos
armados envolveram os exrcitos e as suas foras reas de ambos os pases. O emprego de
caas, helicpteros, avies e combates com utilizao de msseis ar-ar se deu, principalmente,
26
pela dificuldade do acesso regio que uma zona de floresta densa com condies
climticas que no favoreciam os movimentos militares e a logstica para o combate.
De acordo com Bonilla, a altercao fronteiria entre Equador e Peru est na prpria
fundao destes Estados como repblicas. Cada um dos dois pases narra os conflitos
territoriais a seu modo, ou seja, a construo de um imaginrio nacional que d sentido as
instituies estatais e, ao mesmo tempo, lana as bases da comunidade imaginada a nao
que foi erguida sobre mitos e relatos fundacionais relacionados fronteira (BONILLA, 1999,
p. 19, traduo nossa). O conflito irrompe no meio de duas polticas externas inflexveis que
se baseiam em interpretaes antinmicas sobre o tema fronteirio. Conforme aponta o autor:
Estas polticas no deram espao para formulao de processos e mecanismos de
negociao que criassem condies para que tanto Equador como Peru fizessem
concesses. Para o Equador, a poltica externa para o Peru foi concentrada na
impugnao do Protocolo do Rio de Janeiro e na exigncia de um acesso ao
territrio amaznico. Por sua parte, o Peru tem sido constante: reconhecimento e
execuo irrestrita do Protocolo, mesmo apesar das suas carncias tcnicas,
considerado um instrumento tcnica e juridicamente preciso (BONILLA, 1999, p.
19, traduo nossa).
Apesar das controvrsias em torno do litgio, a resoluo do conflito aconteceu
mediante a interveno multilateral de Argentina, Chile, Brasil e EUA no longo processo de
negociao de paz com os Estados garantes (estes pases foram avalistas do Protocolo de Paz,
Amizade e Limites do Rio de Janeiro, ou Protocolo do Rio de Janeiro, subscrito em 29 de
janeiro de 1942, para delimitao da fronteira entre os dois pases e para pr fim ao litgio),
cuja concluso ocorreu com a assinatura do Acordo de Braslia, em 1998, que demarcou as
fronteiras entre os dois pases andinos. A delimitao fronteiria foi traada sobre o fastgio
da Cordilheira do Condor, a qual concedeu ao Peru o territrio disputado mais a extenso
territorial de Tiwinza. Por sua vez, o governo peruano permitiu que o Equador tivesse a
propriedade de uma rea de 1 km situada no territrio de Tiwinza, onde existia o
acampamento militar do exrcito equatoriano, no entanto, a soberania sobre a regio
continuou sendo do Estado peruano.
Os conflitos interestatais nos Andes no foram impulsionados somente por questes
fronteirias. David Mares assinala que na Amrica Latina a violncia entre os Estados ocorreu
por inmeros outros motivos alm das contendas limtrofes. Questes como a imigrao, o
contrabando (incluindo as drogas ilcitas), as guerrilhas e at mesmo os desacordos na
implementao de tratados ratificados por todas as partes podem e tm produzido severos
conflitos, inclusive a ao militar (MARES, 2003, p. 53, traduo nossa). As relaes de
27
Colmbia com Equador e Venezuela foram abaladas por motivos ligados guerrilha, ao
trfico de drogas e ao deslocamento forado de populaes. A ttulo de ilustrao, o quadro 1
a seguir lista sinteticamente os principais conflitos ocorridos e ainda vigentes na regio
andina:
28
29
b) A presena dos Estados Unidos na regio andina:
Para compreender a agenda de segurana dos pases andinos preciso considerar a
influncia dos Estados Unidos no seu processo de construo e consolidao. A presena dos
EUA nos Andes se intensificou no decorrer da Guerra Fria principalmente para conter a
disseminao do comunismo na Amrica Latina. Para levar a cabo este objetivo, a estratgia
anticomunista se valeu de intervenes militares, de fornecimento de treinamentos de
contrainsurgncia s foras armadas e de apoio a golpes militares e a regimes autoritrios nos
pases latino-americanos.
Com o fim da Guerra Fria e o colapso da Unio Sovitica, os EUA se tornaram a nica
superpotncia mundial capaz de afirmar o seu poder global atravs da supremacia militar,
monetria e financeira norte-americana a servio do seu grande capital, disposta a impedir,
por um lado, o fortalecimento ou surgimento de potncias concorrentes e, por outro, a
realizao de um grande acordo internacional que limite as aes dos EUA (SANTOS, 2007,
p. 68).
Monica Herz (2002) assinala que a Amrica Latina, no contexto ps-Guerra Fria, no
figurou como uma regio de alta prioridade para os EUA, no entanto, os objetivos estratgicos
de Washington para o subcontinente nesse contexto se concentraram em duas agendas
principais: a promoo das reformas neoliberais e o combate ao comrcio ilcito de drogas
(HERZ, 2002, p. 86). Por sua vez, Adrian Bonilla (2006) corrobora com a abordagem de Herz
ao destacar que os pases da CAN deixaram de ser prioridade estratgica dos EUA aps a
derrocada sovitica. A poltica externa estadunidense para os pases andinos se enraizou
numa agenda regional, mas executada bilateralmente de forma limitada e restrita
segurana e ao comrcio. No que tange segurana nos Andes, o autor aponta que, com o fim
da Guerra Fria, o narcotrfico e o conflito colombiano se tornaram assuntos de relativa
importncia para os EUA, e com os atentados de 11 de setembro de 2001, o terrorismo e o
narcotrfico, bem como o comrcio de armas e a lavagem de dinheiro associados estas duas
atividades, se tornaram temas centrais da agenda estadunidense para regio andina. Para
Consuelo A. Beltrn (2007), as relaes entre EUA e a regio andina na ltima dcada
giraram em torno de trs temas prioritrias: a poltica antinarcticos, a cruzada antiterrorista
e as medidas de liberalizao econmica e comercial impostas por organismos internacionais
como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e a Organizao Mundial do Comrcio
(OMC) (BELTRN, 2007, p. 95, traduo nossa).
30
Conforme abordado pelos autores supracitados, as polticas de combate s drogas e a
construo deste tema como ameaa segurana nos Andes foram fortemente influenciadas
pelos os Estados Unidos. Conforme ressalta Herz,
Observa-se que a poltica de segurana norte-americana na regio est impregnada
de tenses. A militarizao do combate ao narcotrfico atinge o processo de
construo de um paradigma democrtico para a regio ao longo da dcada de 1990.
Paradoxalmente, a poltica de combate s drogas na Colmbia tem solapado as bases
institucionais de uma das mais tradicionais democracias latino-americanas.
Ademais, o combate s drogas na regio andina no tem favorecido o
desenvolvimento de uma cultura de proteo aos direitos humanos. Da mesma
forma, a tendncia do atual governo, congruente com sua perspectiva de ordem
hegemnica de concentrar-se em medidas unilaterais e relaes bilaterais abala os
alicerces das instituies multilaterais geradas durante a ltima dcada (HERZ,
2002, p. 99).
No ps-Guerra Fria, a agenda antidrogas norte-americana incidiu sobre as agendas de
segurana dos pases andinos, corroborando para os processos de policializao das foras
armadas, as quais so empregadas em atividades de controle de drogas, combate ao crime
organizado transnacional e garantia da lei e da ordem, e de militarizao da polcia por meio
de treinamentos, armamentos, formao de equipes especiais e operaes guiadas por
modelos militares para combater os ilcitos transnacionais.
Para Peter B. Kraska, a militarizao a implementao da ideologia do militarismo.
Segundo o autor, o militarismo um conjunto de crenas, valores e premissas que enfatizam
o uso da fora e a ameaa de violncia como meios mais adequados e eficazes para resolver
os problemas (KRASKA, 2007, p. 503, traduo nossa). Portanto, a militarizao da polcia
o processo pelo qual as instituies policiais recorrem aos princpios do militarismo e ao
modelo militar para consecuo dos seus objetivos e a militarizao do combate s drogas
seria o emprego desses princpios e modelos militaristas, e do prprio exrcito, para eliminar
a produo, a distribuio, o trfico e o comrcio de drogas ilcitas. Kraska reitera que:
Metforas como a guerra contra as drogas, crimes e terrorismo desempenham um
papel poderoso na construo da realidade: eles moldam prticas discursivas,
esclarecem valores e compreenses, e orientam os processos de resoluo de
problemas. Enquadrar os problemas de crime, terrorismo e drogas utilizando a
linguagem militarista, assim, provavelmente vai resultar em pensamentos e aes
que correspondem com a guerra / paradigma militar (KRASKA, 2001 apud
KRASKA, 2007, p. 505, traduo nossa).
Na regio andina, a militarizao das guerras s drogas e a policializao das foras
armadas para este intento foram cabalmente impulsionadas pelas agendas de segurana
nacional e hemisfrica dos EUA, esses dois processos podem ser visualizados nas principais
31
polticas de drogas de Washington para os pases andinos como a Iniciativa Andina (1989), o
Plano Colmbia (2000) e a Iniciativa Regional Andina (2002).
c) crises domsticas concernentes legitimidade das instituies estatais:
As instituies estatais nos pases andinos sofreram um longo processo de
deslegitimao no decorrer do sculo XX. Os Estados da regio no deram respostas
satisfatrias para a resoluo dos conflitos existentes e muito menos conseguiram legitimar as
decises de suas autoridades. A regio andina passou por uma experincia de dificuldades
econmicas com a implantao de polticas neoliberais mal sucedidas que desaceleraram o
crescimento e aumentaram a volatilidade financeira, agravando os problemas estruturais da
pobreza e da desigualdade na ltima dcada do sculo passado e nos primeiros anos do sculo
XXI. Cada pas apresentou configuraes e cenrios polticos e sociais particulares distintos
entre si. As polticas econmicas domsticas norteadas pelo Consenso de Washington
contriburam para a crise poltica e o descrdito das instituies. Segundo Andrs Solimano
(2005), os pases andinos tiveram um nmero elevado de mudanas constitucionais que
levaram aprovao de uma nova constituio no transcurso do sculo passado. Nos pases
pertencentes CAN, o Equador o que teve mais mudanas, totalizando sete constituies,
seguido de Bolvia, com cinco constituies, Peru com quatro constituies e Colmbia com
apena suma nova constituio aprovada em 1991. Para o autor, esta frequncia de mudanas
nas regras bsicas da sociedade um dos indicadores de instabilidade das instituies na
regio. Solimano adiciona outro fator de instabilidade poltica, as recorrentes crises
presidenciais, ou seja, quando um presidente, por inmeras razes, que vo de golpe de
Estado renncia, no consegue concluir o seu mandato constitucional.
O quadro econmico e social colaborou para dificultar a governana nos pases
andinos que foram marcados por instabilidade poltica e rotatividade de presidentes (como
foram os casos de Bolvia e Equador), baixos ndices de eficcia institucional, crises polticas
recorrentes e violncia (sobretudo na Colmbia) que afetaram a consolidao da democracia.
Na Colmbia, o cenrio caracterizado por uma crise atravessada pelo conflito interno
armado violento que coloca em questo o prprio Estado colombiano, principalmente quando
esse fenmeno de longa durao no pas se articula com outros fenmenos de natureza
transnacional e ilegal, como o caso das redes de trfico de drogas. No Equador, por sua vez,
emergiu uma crise de legitimidade institucional relacionada com a instabilidade
governamental, que aparece na segunda metade dos anos 1990 se estendendo at a posse de
32
Rafael Correa, em 2007. No Peru, ocorreu uma crise no sistema poltico e eleitoral com o
advento do autogolpe e do autoritarismo de Alberto Fujimori (1990-2000), marcado por
escndalos de corrupo, desvio de recursos pblicos, assassinatos e intimidao poltica
envolvendo o chefe do Servio de Inteligncia Nacional do Peru, Vladimiro Montesinos. Com
a crise de legitimidade de seu governo, Fujimori fugiu do pas para no ser julgado pelos seus
crimes. Por fim, na Bolvia, o cenrio poltico e social no comeo dos anos 2000 foi de
conflitos e inmeros protestos sociais, principalmente de grupos campesinos e indgenas, que
questionavam a legitimidade e autoridade poltica com sucessivas trocas de governos at a
chegada de Evo Morales ao poder, em 2006.
d) Conflitos internos ligados s questes polticas, sociais, tnico-culturais e identitrias:
No arco andino, por exemplo, o conflito colombiano se arrasta desde os
acontecimentos ocorridos em 1948. Conhecido como La Violencia, esse perodo marcado
por confrontos entre os defensores do Partido Conservador Colombiano e o Partido Liberal
Colombiano. Para Forrest Hylton (2010), La Violencia (1946-1957) foi uma poca que
misturou terror oficial, sectarismo partidrio e polticas de terra arrasada que resultaram da
confluncia da crise da repblica cafeeira, da debilidade do Estado central e da concorrncia
pelos direitos de propriedade, principalmente no eixo do caf (HYLTON, 2010, p. 71). A
revolta popular buscava destruir os smbolos de poder e privilgio da oligarquia dominante e
se espalhou pela capital do pas ficando conhecida como Bogotazo. O perodo da La Violencia
foi caracterizado por uma guerra civil com confrontaes violentas entre liberais e
conservadores, que perdurou por quase dez anos, alcanando o nmero de 200 mil pessoas
mortas (STOKES, 2005)10
. O conflito teve fim com um pacto para a formao de uma
coligao entre os dois partidos, intitulada de Frente Nacional, em 1958. Com a formao da
Frente Nacional, foi estabelecida a alternncia de poder entre os dois partidos permitindo
tambm o alinhamento de ambos para o fortalecimento das foras armadas colombianas para
supresso das revoltas populares e das guerrilhas armadas rurais como forma de combater a
instalao do comunismo no pas (STOKES, 2005).
A instabilidade poltica da Colmbia neste perodo foi interpretada pelos EUA como
uma ameaa aos seus interesses na regio. O Departamento de Estado chegou a declarar que
10
No que tange ao nmero de mortos nos confrontos na poca da La Violencia, Forrest Hilton aponta que foram
assassinadas aproximadamente 300 mil pessoas, das quais 80% eram homens camponeses e analfabetos
(HYLTON, 2010, p. 72).
33
a crise colombiana era uma ameaa s estratgias polticas e econmicas norte-americanas
devido proximidade da Colmbia com o Canal do Panam. O conflito colombiano ganhou
contornos internacionais, ou intermsticos, j na dcada de 1950, quando entra nos clculos
estratgicos geopolticos e geoeconmicos dos EUA. O Plan Lazo, lanado em 1964, era uma
estratgia contrainsurgente que tinha como principal objetivo aniquilar os inmeros grupos
armados remanescentes da La Violencia nas zonas rurais da Colmbia, sobretudo no sul
(HYLTON, 2010). A estratgia de contrainsurgncia do Plan Lazo agravou a situao do
conflito na Colmbia. Inmeros massacres, assassinatos e torturas contra guerrilheiros e
camponeses organizados em grupos de autodefesa foram perpetrados por militares
colombianos. Nesse contexto, surgiram as Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia -
Exrcito do Povo (FARC ou FARC-EP) aps a fragmentao dos guerrilheiros liberales
limpios e o fortalecimento dos guerrilheiros comunes, tendo na Operao Marquetalia,
desenhada com o objetivo de suprimir as Repblicas Independentes11
que fazia parte do
Plan Lazo. As FARC se orientavam pela ideologia marxista-leninista, se distinguindo das
guerrilhas liberais por sua estrutura militar mais rgida e um objetivo poltico mais definido.
As investidas militares do governo colombiano para conter o avano do comunismo no pas
fizeram com que pululassem inmeros grupos guerrilheiros como o Exrcito de Libertao
Nacional (ELN), em 1965, o Exrcito Popular de Libertao (EPL), em 1967 e o Movimento
19 de Abril (M-19), em 1970, entre outros, e, posteriormente, grupos paramilitares
antiguerrilha, como a Aliana Americana Anticomunista (AAA ou Triplo A), em 1978, a
Autodefesas Campesinas de Crdoba e Urab (ACCU), no incio da dcada de 1980, as
Cooperativas de Vigilncia e Segurana Privada (CONVIVIR), criadas em 1994 e as
Autodefesas Unidas da Colmbia (AUC), em 1997, para citarmos alguns desses primeiros
grupos. A emergncia destes atores corroborou para o agravamento e prolongamento do
conflito colombiano at os anos 200012
.
11
O termo Repblicas Independentes foi cunhado pelo senador lvaro Gmez Hurtado, lder conservador,
numa sesso do Senado colombiano em 23 de outubro de 1961, para denunciar a existncia de territrios no
controlados pelo Estado colombiano. Essa denncia de Hurtado fez com que crescesse a presso sobre o
presidente Gullermo Len Valencia, tambm do partido conservador, para exterminar a sangue e fogo o
enclave comunista (LEONGMEZ, 2006b). 12
Rodriguez (2010) acentua que os dados referentes ao conflito colombiano demonstram a magnitude do
problema e revelam a situao alarmante do pas na ltima dcada do sculo passado. O autor destaca que a
Colmbia tinha dentro de suas fronteiras o maior nmero de refugiados de guerra no mundo. Eram cerca de
1.900.000 refugiados e cerca de 500.000 foram obrigados a se exilarem por conta do conflito armado.
Rodriguez enumera ainda que 2.000 menores faziam parte de guerrilhas e 3.000 foram arregimentados pelos
paramilitares. O autor assinala que o conflito afetou a economia do pas, fazendo com que o crescimento
despencasse 5% no ano de 1999, paralisou a reforma agrria, as guerrilhas, os cartis da cocana dos anos
34
Na regio andina h diferentes fontes de tenses domsticas que compem o cenrio
de conflitos na regio, os quais incidem sobre a construo da agenda de segurana andina. A
questo da identidade, ou melhor, das identidades, so mananciais de tenses entre as diversas
comunidades locais e o Estado-nao centralizador, principalmente no que concerne s
distintas reivindicaes autonomistas. A crise de legitimidade das instituies do Estado
colocou tambm em questo a centralizao das atribuies administrativas, das
responsabilidades e do poder em um governo central gerando maior presso e tenso poltica
com os governos locais. Os movimentos descentralizadores, regionalistas e/ ou autonomistas
no so temas novos na histria da regio andina. Esses movimentos se manifestam
constantemente, irrompendo conflitos que desestabilizam o governo central. Na Bolvia,
emergiram identidades regionais que colocaram em questo o prprio Estado boliviano em
Cochabamba e nos departamentos da chamada meia lua (Pando, Beni, Santa Cruz13
e
Tarija). Outro caso sintomtico dessa questo ocorre entre as oligarquias e grupos dominantes
localizados cidades de Guayaquil e Quito no Equador. No caso peruano, h tenses histricas
latentes de Cuzco e Arequipa contra o governo central.
Outra fonte de tenso poltica e sociocultural domstica est ligada aos diferentes
movimentos sociais indgenas nos Andes, principalmente na Bolvia e no Equador e, em
menor grau, na Colmbia e no Peru. Esses movimentos ganharam fora na passagem da
dcada de 1980 para a dcada de 1990, contexto esse marcado pela liberalizao da economia
que acirrou mais ainda a excluso social e poltica de cunho racista, hierrquico e autoritrio.
Os movimentos indgenas trazem tona o questionamento da legitimidade do Estado e da
prpria constituio da sociedade que foi erigida sobre bases no democrticas, tendo como
sua maior expresso a experincia de regimes polticos autoritrios. A emergncia das
identidades indgenas colocou em questo o imaginrio social da homogeneidade e a prpria
ideia de nao, colocando no centro do debate poltico a construo de um Estado
plurinacional como uma nova forma de comunidade imaginada, como foi caso da Bolvia e do
Equador14
. Esses movimentos indgenas no se resumem ao rompimento ou deslegitimizao
1980 e os paramilitares na dcada de 1990 acabaram por agravar a situao de concentrao de propriedades,
impulsionando o deslocamento interno de milhares de camponeses sem-terra. 13
Em Santa Cruz se encontra a principal organizao autonomista e regionalista da Bolvia, a Unio Juvenil
Cruceista (UJC), fundada em 1957. A UJC um dos movimentos de maior oposio ao governo de Evo
Morales e ao seu partido Movimiento al Socialismo (MAS). 14
Bolvia e Equador se autodenominaram Estados plurinacionais a partir de suas novas constituies aprovadas
no ano de 2008. A ideia de Estado plurinacional se contrape ao Estado clssico unificador e uniformizador de
matriz europia, como forma de rompimento da colonialidade e criao de novos paradigmas de organizao
35
dos sistemas polticos ou defesa de territrios e recursos naturais. As lutas das populaes
indgenas esto tambm relacionadas demanda por incluso social e nas atividades polticas
e econmicas, essas lutas e conflitos impem aos Estados diferentes desafios para criao de
iniciativas e polticas pblicas capazes de reconhecer as mltiplas identidades e inclu-las na
sociedade e nos processos decisrios democrticos.
As crises econmicas, que persistiram por dcadas resistindo s mudanas de governos
e de modelos econmicos, tiveram impactos significativos na regio andina. Entre os seus
sinais mais patentes se sobressaem o crescimento ininterrupto do desemprego e da
precarizao do trabalho, os baixos ndices de desenvolvimento humano (IDH) e o
aprofundamento da desigualdade socioeconmica entre ricos e pobres (SOLAMINO, 2005).
Ademais, a corrupo cresceu em ritmo acelerado se espalhando alm das fronteiras e se
generalizando por todos os estratos sociais. Estes fatores corroboraram para a persistncia da
criminalidade difusa, da violncia social e poltica, dos deslocamentos internos forados e
imigraes internacionais, do trfico de drogas e do crime organizado transnacional.
e) Trfico de drogas e o crime organizado transnacional
O combate ao cultivo e trfico de drogas, o conflito colombiano e a influncia dos
Estados Unidos incidiram tenazmente sobre agenda poltica e de segurana da regio andina.
O trfico de drogas, fator mais recente e no menos determinante, nas duas ltimas dcadas
do sculo XX e na primeira do sculo XXI influiu sobremaneira na economia, na corrupo e
na violncia, do mesmo modo que fez estremecer as relaes entre os Estados nos Andes, as
polticas nacionais e no plano das relaes internacionais, afetou as relaes dos pases
produtores com os pases consumidores. A luta antidrogas, na contemporaneidade, uma
das questes que mais mobilizou os pases andinos a se articularem e a se engajarem para
cont-la.
O trfico de psicoativos ilcitos e a sua cadeia produtiva so pontos-chave para
compreender as polticas de segurana nos Andes, tanto na esfera domstica quanto na
regional. Como veremos adiante, com o final do conflito bipolar, o combate s drogas se
tornou um dos problemas prioritrios dentro da agenda poltica e de segurana hemisfrica.
No final dos anos de 1980, o trfico de drogas passa a ser o principal inimigo dos EUA, cuja
social, poltica e identitria, visando atender s revindicaes de povos e naes alijados do processo
civilizador ocidental.
36
estratgia refrear a oferta de drogas aumentando a represso nos pases fontes, quando
muito, a demanda s foi tratada como consequncia da produo de substncias ilcitas os
crimes provocados pelos usurios de drogas e no como um dos fatores que impulsionam e
aumentam a extenso dos tentculos da indstria das drogas ilcitas que divide o seu trabalho
internacionalmente entre produtores, traficantes e consumidores (GUQUETA, 2004;
TOKATLIAN, 2009).
O trfico de drogas e o crime organizado em suas diferentes atividades so percebidos
com uma das principais ameaas transfronteiria segurana e democracia no s nos
Andes, mas tambm toda Amrica Latina, seja pela violncia ensejada por estas atividades ou
mesmo pela sua capacidade de cooptar e corromper as instituies pblicas. Portanto, o
crime organizado no contra-estatal, seu objetivo no derrocar um regime ou uma
institucionalidade, porque a violncia contra o Estado no sua caracterstica: o que ele busca
ter graus altos de controle sobre essa institucionalidade (MARTNEZ, 2012, p. 31,
traduo nossa).
As atividades ilcitas das organizaes criminosas so cada vez mais
transnacionalizada que se utiliza dos crescente fluxos financeiros, humanos e de bens para
realizar as suas operaes, exigindo cada vez mais respostas multilaterais e fortalecimento da
cooperao para combat-los. Entretanto, no af de combater as diferentes modalidades de
organizaes criminosas (traficantes de armas e de pessoas, contrabandistas de diversos
matizes, entre outros), mas principalmente o trfico de drogas, em muitos casos, levou a um
emprego constante das foras armadas para combat-lo, inclusive em centros urbanos.
2.2. Configurao Histrica da Integrao Regional Andina: Do Pacto Andino
Comunidade Andina
A ideia de integrao da Amrica Latina, como diferentes autores j mostraram
(DORATIOTO, 1994; VILABOY, 2007; SILVA, 2009; GOMES, 2010; FIGUEIREDO,
2011), tem suas origens no sculo XIX, quando comearam os processos de independncia
dos pases do continente, Simn Bolvar deu incio campanha sul-americana de libertao
das colnias. Na Carta da Jamaica redigida em 1815, Bolvar manifestou o seu anseio em
formar uma confederao hispano-americana com as ex-colnias que pertenciam monarquia
espanhola. A primeira experincia desse tipo foi a Gr Colmbia (1819-1831), criada pelo
prprio Bolvar e, mesmo com pouco tempo de existncia, representou o primeiro modelo de
37
integrao nas Amricas15
. Os iderios de uma Amrica Latina unida em um nico projeto de
integrao, como pretendia Bolvar, ou melhor, como pretenderam certas releituras do
pensamento bolivariano, foram deteriorados pela experincia histrica latino-americana desde
as guerras pela emancipao e a construo de novas estruturas polticas para consolidar as
recm-criadas naes na Amrica independente.
A formao dos pases andinos produto desse processo histrico e as suas
experincias recentes so pertinentes para se verificar as divergncias de projetos polticos
regionais. A regio andina est marcada por dissenses e atritos entre os diferentes modelos
de integrao, como o caso de Colmbia e Peru, voltados para acordos bilaterais de livre
comrcio com os Estados Unidos e para a recente Aliana do Pacfico, (alm dos dois pases,
conta com a participao do Chile e do Mxico), e, do outro lado, a Bolvia e Equador que,
em conjunto com a Venezuela, Cuba e Nicargua (para citar alguns dos seus membros mais
proeminentes), buscam um modelo de integrao que procura aprofundar a consolidao da
Aliana Bolivariana paras as Amricas (ALBA).
A integrao regional16
uma associao institucionalizada de pases dentro de um
determinado territrio geogrfico definido, que pode variar de regio para regio e de
formas e modelos. As diferentes abordagens tericas consagradas nos estudos de Relaes
Internacionais sobre os processos de integrao regional utilizam a Unio Europeia como
paradigma explicativo e tipo ideacional a ser alcanado por todos. Problematizar tais
abordagens possibilitar novos horizontes de anlises que permitam uma compreenso
15
No Congresso Anfictinico do Panam, ocorrido em 1826, se reuniram os representantes da Gr Colmbia, do
Mxico, do Peru e das Provncias Unidas da Centro-Amrica (territrios que hoje compreendem doze pases
latino-americanos) e contou com um observador da Gr-Bretanha e dos Pases Baixos com o intuito de discutir
a formao de unidade poltica entre os povos do continente americano. Bolvar props o encerramento do
trabalho escravo e a criao de exrcito continental, esta ltima propositura tinha em vista a preocupao com
os projetos ofensivos da Santa Aliana impulsionados pela restaurao do absolutismo na Espanha. Todavia,
trs grandes pases se opuseram proposta bolivariana: Brasil, Estados Unidos e a Gr-Bretanha. O Brasil e os
EUA no corroboravam com a cessao do regime escravista devido aos seus interesses econmicos nesta
atividade. Para o imprio brasileiro os ideais republicanos no serviam aos interesses monrquicos. Os EUA
no aceitavam o iderio do pan-americanismo por conta de suas pretenses expansionistas. E a Gr-Bretanha,
grande potncia econmica da poca, via no pan-americanismo uma ameaa s suas pretenses hegemnicas
na regio (VILABOY, 2007). 16
De acordo com Mnica Herz e Andrea Ribeiro Hoffman, o termo integrao regional envolve dois conceitos
bsicos: integrao e regio. Uma regio pode ser definida por critrios econmicos, socioculturais, poltico-
institucionais, climticos, entre outros, mas remete necessariamente a uma localidade territorial onde essas
caractersticas ocorrem. Essa localidade pode ser geograficamente contnua, ou no, e pode mudar ao longo do
tempo, o que dificulta a determinao das fronteiras de certas regies, mas o importante a ser destacado que
uma regio tem sempre uma correspondncia territorial. A integrao pode ser definida como um processo ao
longo do qual atores, inicialmente independentes, se unificam, ou seja, se tornam parte de um todo. Os atores
envolvidos em um processo de integrao podem ser classificados segundo dois critrios. Primeiramente,
podem ser governamentais ou no governamentais[...]. Em segundo lugar, podem ser nacionais, subnacionais
ou transnacionais (HERZ; HOFFMAN, 2004, 159-160).
38
maior dos processos de integrao latino-americanos ao longo da histria, e, no nosso caso
especfico, buscar compreender elementos que so peculiares Comunidade Andina.
O processo de integrao econmica, poltica e social na regio andina passou por
profundas transformaes ao longo da sua trajetria histrica. A Comunidade Andina de
Naes (CAN) teve a sua origem no Pacto Andino com a assinatura do Acordo de Cartagena,
em 26 de maio de 1969, entre Bolvia, Colmbia, Chile, Peru e Equador, tornando-se a
primeira organizao econmica internacional da Amrica do Sul com o propsito de
estabelecer a integrao e a cooperao econmica e social. O Pacto An