Tragédias das Áreas de Risco
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NÃO É COM OBRAS E COM ALERTAS PLUVIOMÉTRICOS QUE AS TRAGÉDIAS DAS ÁREAS DE RISCO DEVEM SER ENFRENTADAS
Duas situações demonstram o gravíssimo e temerário erro que a administração pública brasileira
está cometendo na definição de seus focos estratégicos para a gestão dos trágicos problemas
associados a deslizamentos e enchentes urbanas no país. A insistência nesse erro resultará na
continuidade da exposição de milhares de brasileiros aos recorrentes e letais acidentes que a cada
ano registram-se em escala crescente em centenas de municípios do país.
A primeira situação diz respeito à atenção prioritária que vem sendo dedicada aos sistemas de
alertas pluviométricos. Essa atenção prioritária se expressa, por exemplo, nas expectativas
depositadas na criação do CEMADEN - Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais pelo MCT e na disponibilização de grandes recursos para sua instalação, recrutamento de
pessoal, aquisição de equipamentos e operação. Os sistemas de alerta pluviométrico para riscos
geológicos são indispensáveis, mas fazem parte de uma lógica de Defesa Civil e só se prestam em
um quadro de ações emergenciais de curto prazo. Porém, ao fazer desses sistemas seu foco
privilegiado de ação e busca de resultados e não investir esforço algum na abordagem preventiva, o
governo está na prática adotando uma cruel estratégia de convivência com o risco, de aceitação e
administração do risco, uma temerária acomodação frente ao que seria essencial e possível do ponto
de vista corretivo e preventivo, qual seja eliminar o risco.
A segunda situação que demonstra a inconseqüência das ações de governo transparece na comum
cultura pública (e esperta) de que os riscos serão eliminados e os danos serão compensados com a
implantação generalizada de um sem número de obras de contenção geotécnica e de recuperação de
infraestrutura. E aí, ninguém sabe com que critérios e com que magias financeiras, agentes públicos
elaboram orçamentos de “reconstrução” envolvendo milhões e bilhões de reais em um ostensivo
butim proporcionado pelas desgraças sofridas pela população e pelas conveniências contratuais da
providencial decretação de estados de calamidade pública. Uma simplória avaliação de
custo/benefício mostrará sempre que obras de contenção são vocacionadas apenas para áreas de
baixo e médio risco geológico natural.
Os homens de governo que têm cuidado dessa matéria não estão demonstrando competência para
perceber que os desastres geotécnicos brasileiros são totalmente diversos dos desastres naturais de
países que são obrigados a conviver com fenômenos que independem totalmente da vontade e da
ação humana, como os terremotos, os vulcanismos, os furacões e os tsunamis. Os nossos desastres
são todos associados a erros cometidos pelo próprio homem na ocupação de áreas geologicamente
ou totalmente inadequadas para tanto, ou áreas que, por suas características, exigiriam no mínimo
técnicas construtivas para elas especificamente apropriadas. Ou seja, nossos desastres são
totalmente evitáveis caso se tome a sábia decisão de não provocá-los.
No âmbito dessa correta abordagem, o foco emergencial e corretivo deveria estar na remoção e
reassentamento dos moradores das áreas de alto e muito alto risco geológico natural e na
consolidação geotécnica das áreas de baixo e médio risco natural e o foco preventivo na rígida
regulação técnica das expansões urbanas para que radicalmente não sejam permitidas (e muito
menos incentivadas) novas ocupações impróprias de áreas geologicamente sensíveis.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected])
Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira
da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos”
Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente