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Trajetória pela busca do conceito do teatro popular

A Fraternal Companhia de Arte e Malas Artes, desde a sua formação em 1993, tem sido caracterizada pela busca constante de uma esté�ca ancorada na necessidade vital de fazer uma comunicação direta com o público. Essa comunicação se dá pela u�lização de uma linguagem buscada nos elementos da comédia popular reflexiva e fes�va, que crie uma imediata empa�a com as platéias de quaisquer ma�zes e variadas caracterís�cas. O sucesso de público e crí�ca atestam a acer�vidade na escolha desses caminhos e apontam para um desenvolvimento constante do trabalho.

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O úl�mo projeto “Maioridade Fraternal” agraciado com o Programa Municipal de Fomento ao Teatro possibilitou à Fraternal Companhia de Artes e Malas Artes realizar o desejo, há muito cul�vado, de construir uma Carreta Palco I�nerante que permi�u levar o repertório e o trabalho de pesquisa da comédia desenvolvido durante 18 anos, em locais descentralizados de São Paulo, libertando o trabalho da Fraternal das amarras de um espaço convencional, proporcionando maior acessibilidade popular ao teatro que a companhia sempre desenvolveu.Neste Caminhão Palco I�nerante percorremos por três anos os quatro cantos de São Paulo, nos apresentando em praças e parques e também viajamos por diversas cidades do interior de São Paulo levando o repertório da Fraternal a novos caminhos e a novos espectadores. Depois de palmilhar boa parte da cultura brasileira através do projeto de Comédia Popular, resolvemos esgaravatar um universo mais difuso, em que as imagens se misturam no lusco-fusco de memórias universais, uma zona em que, ao mergulhar nas anfractuosidades do tempo, poderemos ser tragados por abismos inesperados. Neste momento nos lembramos de Mircea Eliade: “...toda essa porção essencial e imprescri�vel do homem – que se chama imaginação – está imersa em pleno simbolismo e con�nua a viver dos mitos e das teologias arcaicas”. Então resolvemos correr o risco e entrar neste mundo onírico. Para isto nos valeremos de proficientes guardiões do limiar, como Mircea Eliade, Joseph Campbell, Mikhail Bakh�n, Laura de Mello e Souza, Roberto Mo�a, Marlyse Meyer e outros. Nosso trabalho anterior já nos apontava para este caminho, “A Vertente Esquecida: O Cômico Feminino”, que resultou na montagem “As Três Graças”. Nesta nova empreitada tratamos das encruzilhadas mí�cas dos arcanos femininos em solo brasileiro. A Fraternal mergulhou no universo da encruzilhada dos mitos para contar a história de Dona Maria Padilha, e sua transformação de amante do rei de Castela do século XIV se tornou uma en�dade nos terreiros do Brasil nos dias de hoje.

Apresentação:

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Ficha Técnica:

Direção: Ednaldo FreireDramaturgia: Luiz Oliveira Santos Colaboração de Alex Mole�aElenco: Aiman Hammoud, Mirtes Nogueira, Roberto Barbosa, Carlos Mira, Mariana Rosa, Fabio Takeo, Daniela Theller

Música Original e Direção Musical: Lincoln AntonioPrep. Musical e Assist. de Dir. Musical: Verlucia NogueiraFigurinos e Adereços: Luiz Oliveira Santos e Vânia FreixoAssist. de Cenografia e Adereços: Francisco Kleber C. da Silva e Marcelo MassoOperador de Som: Gabriel KavanjiOperador de Luz: Marco VasconcellosCenotécnico: Edson FreireCostureira: Alice CorrêaCabelos: Nelson Ba�sta

Encadernação, Textos e Diagramação: Alex Mole�aImagens: Arnaldo Pereira, Alex Mole�a, Vânia Freixo e Rosana

Thurmann.

Audiovisual: Alex Mole�a

Nossos agradecimentos a Marlyse Meyer (in memorian) por sua obra "Maria Padilha e toda a sua Quadrilha..." e a Monique Augras pelo ensaio De Iyá Mi a Pomba-Gira".

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A Encruzilhada

Em todas as culturas a encruzilhada se tornou o local do mistério, onde podemos encontrar a felicidade ou a desgraça, dependendo do que decidirmos quando ali nos colocar o acaso. A encruzilhada não apenas fica estacionada em um espaço geográfico delimitado. Ela se move, joga conosco e, às vezes, parecendo pilheriar, observa-nos a preparar arapucas no meio da floresta escura que vamos palmilhar. É na encruzilhada que Hermes, conhecedor dos caminhos, se posta e não se perde nas trevas. Nas encruzilhadas do mundo estão as línguas, as feiras, os semáforos. Ali reside o maravilhoso e o natural, lugar onde marcamos encontros decisivos e tomamos decisões, onde depositamos oferendas para o bem ou para o mal. Onde podemos ver Olorun conversando com Atena e Oxum em conferência com Vênus. Depois de trilhar pelas encruzilhadas do mundo, estacionaremos na úl�ma, a encruzilhada que se deu no Brasil.

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Rendas Mí�cas e Outras Artes Femininas - O Retorno do Reprimido -

Falar de origens mí�cas femininas é fazer um longo voo panorâmico de reconhecimento pela história das mulheres e visitar os meios de repressão u�lizados no mundo todo e em todas as culturas contra elas. A história da civilização também é a história das repressões man�das pelo status quo contra tudo que saísse do seu controle; o estranho e incompreensível não �nham o bene�cio da dúvida, �nham que ser imediatamente reprimidos. Os tabus estão na origem das leis, proibições de origem incerta que cercam e cerceiam as liberdades individuais e cole�vas de uma determinada sociedade. Um traço comum a todas as culturas foi ter como alvo o poder feminino. Afinal, haveria algo mais ameaçador que um ser capaz de gerar vida como se deus fosse? O que poderia ser mais destru�vo que um ser que nos enche de gozo; um ser diabólico, que suga nossa seiva só para criar mais uma vida? Daí os súcubos, as Liliths, as esfinges, as vampiras, as harpias empoleiradas nas árvores das selvas em que nós, homens indefesos, temos que atravessar; onde as nossas armas proverbiais não funcionam. O falo é uma vara mágica que deixou esvair suas forças ao entrar na caverna de Circe. Caverna também conhecida por Maria Padilha, tornada trânsfuga pelo imaginário popular, mas ela conhece outros lugares e preside a encruzilhada, o cemitério, o cabaré. Não importa, ela está sempre pronta a exigir o seu prazer, deixou lá, na outra vida da Idade Média, o seu papel como procriadora. Agora está em terras brasileiras, as coisas serão bem diferentes abaixo do Equador.

Maria Padilha ao sair da história e assumir a face ambígua do mito, parece se libertar da condição feminina de geradora de vidas, agora, liberta desta condição, a ela caberá apenas o outro lado da sexualidade, o prazer. Poderíamos dizer que a transcendência, a passagem para outro mundo tem lá as suas vantagens, a pombogira ficaria livre das regras morais hipócritas e daí em diante só lhe restariam as coisas boas que o mundo negou a seu sexo: o prazer, a diversão e pequenos vícios como fumar e beber. Oras, este hedonismo é a maneira pela qual todos gostariam de levar a vida, é através da pomba gira - um ser extemporâneo que não tem o que temer das doutrinas soteriológicas - que condensam sua vontade, mas ao mesmo tempo que reprimem o que foi criado por sua própria imaginação, é inegável que a pomba gira ainda con�nua a exercer um forte fascínio, confirmando assim, por outros meios, o seu papel de fei�ceira.

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A sociedade patriarcal dos terreiros de candomblé e umbanda, ao transformar os orixás femininos em santas católicas, acabou por alheá-las de seu aspecto sexual. Iansâ é Santa Bárbara. Nanã é Santa Ana. Iemanjá é a Virgem, com vestes azuis e auréolas de estrelas, tanto Nossa Senhora dos Navegantes como Iemanjá têm sua data fes�va no dia 2 de fevereiro. Mas como tudo o que foi negado às mulheres acabou por assumir tais símbolos cristãos de pureza, houve também outro movimento inverso, como se a alma primordial regurgitasse a verdade por trás da máscara. Os mitos são expressões psíquicas de uma sociedade e, por mais que tentem mostrar o ideal, paula�namente deixaram transparecer seu lado mais obscuro, ou melhor, reprimido. É nesse cenário que surge a pombogira ou pomba gira, como o retorno do reprimido. Ela surge sorrateira, é introduzida aos poucos nos terreiros de umbanda e candomblé, trazida pela imaginação popular, pelas mãos dos mesmos que haviam transformado deusas negras em santas.

Não é Maria Padilha, a en�dade, que traz á tona o que foi reprimido, é a própria expressão popular que deixa finalmente aflorar o material inconsciente. Então, para a elaboração do texto tentamos realizar a psicanálise do mito. Como destrinchar um universo em que a memória dos povos, a histórica, se junta à memória mí�ca? Some-se a isso que as histórias mais an�gas de pombas giras surgiram no nordeste (onde chega Antonia Maria de Beja) e foram trazidas pelos migrantes para o Rio de Janeiro, aí sim se transformando em pros�tutas e companheiras de Lúcifer. Como passar um universo tão denso a uma plateia de praça pública, onde os mo�vos para distração são inúmeros e inesperados? Os caminhos são infinitos, mas o mais simples seria deitar a própria en�dade Maria Padilha no nosso divã e convidá-la a contar sua história. Neste momento nos deparamos com outro problema, pois sua narra�va geraria muitas outras dúvidas, muitos apartes, sem contar com o grande problema do preconceito contra um ser sabidamente da esquerda. Mais um aspecto a levar em conta: seria muito aborrecido para um público propenso à dispersão ouvir toda a gênese da pomba gira contada por ela mesma. Aqui entra outro elemento para a composição do texto: o casal de bonecos, Landinha e Zefino, é que demonstrariam de antemão as dúvidas e preconceitos que o público poderia apresentar. Eles cumprem uma dupla função, quebrar o ritmo quando a história es�ver se adensando demais e apresentar os preconceitos comuns às religiões afro-descendentes, desarmando desta forma um eventual espectador mais indignado.

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A u�lização dos bonecos, fora o recurso lúdico de prender a atenção dos espectadores, nos permi�ria contar a história de Doña Maria de Padilla de forma irreverente, pois tentar contar os eventos que cercaram esta amante de luxo só poderia redundar em um drama paté�co. Crimes, assassinatos, traições, fratricídios e regicídios certamente não comporiam um painel diver�do.

O espetáculo antes de ser a história de Maria Padilha, conta como o povo transformou este mito. O povo, este sim, é que é o verdadeiro mentor do espetáculo. É ele quem realiza as transformações, é ele que cola em sua “criação” elementos de sua cultura, seus medos e anseios. Enfim, é o agente que cria os mitos e faz a transformação dos mesmos, mas que trarão sempre a sua indelével marca de origem. Mircea Eliade ao falar como o mundo moderno descobre o mito:

-“Começa hoje a compreender-se uma coisa que o século XIX nem sequer podia pressen�r: que o símbolo, o mito, a imagem, pertencem à substância da vida espiritual, que se pode camuflá-los, mu�lá-los, degradá-los, mas que nunca se poderá ex�rpá-los”.

Da mesma forma, no texto, Maria Padilha encerra sua trajetória:

- “Minha história termina aqui, minha gente, mas o povo con�nuará reinventando este mito. Não me importo com isso, pois minha essência con�nuará sendo a mesma! Por mais que mudem, serei sempre a mulher que soube ocupar o seu lugar num mundo dominado por homens”.

Luiz Oliveira Santos

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Maria Padilha

Castela. 1352. Doña María de Padilla, uma linda mulher de atributos muito especiais, torna-se a preferida do rei D. Pedro I, o Cruel. Logo depois, ele casa-se com Blanca de Bourbon devido a alianças polí�cas, mas ainda mantém a amante e com ela tem quatro filhos. Maria de Padilla morre em 1361, vi�mada pela peste e um ano depois é declarada Rainha pelo rei D. Pedro I de Castela e pelas autoridades da igreja (dois anos após a “tão linda” Inês ter sido declarada Rainha de Portugal). A oralidade popular haveria de dar tratos especiais a essas histórias de horrores que cercaram D. Pedro I e sua amante. Doña Maria de Padilla, depois de sua morte, trilharia um caminho muito peculiar a par�r daquele cadinho que era a Espanha de então. Mouros, negros, escravos russos, ciganos, fei�ceiros africanos e judeus a mercadejar seus produtos, culturas e...fei�ços. Ainda em solo europeu, Maria de Padilla par�ria da história para a lenda, depois daria uma parada em Angola, atravessaria o oceano e aportaria no Recife. Desta encruzilhada, Maria Padilha e toda a sua quadrilha se espalhariam para os terreiros de São Paulo, Rio de Janeiro e todo o Brasil. Maria Padilha representa o mundo às avessas, a explosão da sexualidade reprimida pelo poder patriarcal. Oxum é a grande mãe, bela e protetora, a que preside o nascimento, a ordenadora do caos. Iyàmi Oxorongá é o insondável, a origem de tudo e geradora dos orixás, é a noite repleta de segredos, do inconsciente atormentado.

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O velho pássaro não se aqueceu no fogo.O velho pássaro doente não se aqueceu ao sol. Algo secreto foi escondido na casa da Mãe...Honras à minha Mãe! Mãe cuja vagina atemoriza a todos.Mãe cujos pelos púbicos se enroscam em nós.Mãe que arma uma cilada, arma uma cilada.Mãe que tem potes de comida em casa.

(can�ga entoada durante o fes�val Gèlèdè)

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‘‘Senhora Santana, assim como o mar mareja, o céu estreleja, o vento venteja e os peixes não podem entrar no mar sem água, nem o corpo viver sem alma, assim meu amado não possa estar sem o perdão vir a dar. Por Barrabás, Satanás, Caifás e Maria Padilha com toda a sua quadrilha.’’

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Processo de Pesquisa

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Parto de um princípio: a observação é um bom começo para a construção de um personagem. Dar um olhar diferenciado, distanciado, às vezes, até distorcido, e porque não ar�s�co, para tudo aquilo que se vê, como que através de uma lente.

Par�ndo do tema, estudos e pesquisas são feitos, antes de conhecer a personagem a ser construída. Nesse espetáculo, fui agraciada com uma personagem, da qual interpretaria uma Pombagira. Tratando-se de uma “en�dade”, além da teoria, na prá�ca busquei aproximação em alguns Terreiros de Umbanda, pois, trata-se de uma religião da qual sou quase que completamente leiga. Nessas visitas, observei atentamente, tudo o que poderia me ajudar a compor a personagem, dos pequenos movimentos aos gestos, ao andar, como dançar e também buscar muito su�lmente a sensualidade, que esta sim!, é uma das fortes caracterís�cas das pombagiras, e com isso trazer para a representação o máximo de aproximação e veracidade.

Mirtes Nogueira

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Eterno Retorno na Mitologia Yorubá

‘‘Cada criança que nasce é algum morto da família que já viveu, que já cresceu, que já se reproduziu. Por sua vez, esse morto anterior, também é reencarnação de alguém, e os mortos de hoje, são as crianças que vão nascer depois, então eles tem dois mundos: tem o mundo do “Aiyê”, onde nós vivemos, que é o planeta, que é a Terra, e tem o “Orun” que fica embaixo, que é o outro mundo, aquilo que a gente chamaria de Céu, o mundo dos deuses, dos espíritos, é o mundo paralelo, onde vão todas as coisas nessa circularidade do tempo, uma coisa esgota o seu prazo no Aiyê, ele vai pro Orun, esperar o seu momento de voltar pro Aiyê, porque apesar de ser a ideia de Céu, lá no Orun não tem punição, não tem recompensa, não tem nada, é apenas um estado de transição, um tempo de passagem pra voltar de novo.’’

Reginaldo PrandiSociólogo e escritor, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo.

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Mitologias e Transformações no Brasil

Ao mergulharmos no oceano do imaginário popular de nossa pesquisa “Representações Mí�cas dos Arcanos Femininos e suas transmutações ao aportar na Terra de Santa Cruz”, nos deparamos claramente com três vertentes mitológicas primárias, já levantadas por Darcy Ribeiro em seu livro “O Povo Brasileiro”, que são: indígena, europeia e africana.

A invenção do Brasil, além das raças, transformou também a mitologia desses povos que se encontraram aqui, dando início à formação de um novo gênero de pessoas. Pessoas novas, que não eram indígenas, não eram europeias, nem africanas, mas mes�ças, ou melhor dizendo: brasileiras.

Culturas diferentes se cruzaram, transformando o imaginário popular.

Nos rituais do Tambor de Mina, religião Afro-brasileira do Pará, Maranhão e Amazonas TUPÃ, o deus indígena do trovão, passou a conviver com o mito de DOM SEBASTIÃO, rei português que desapareceu na batalha de Alcácer Quibir. POMBERO, espírito travesso e popular nas Comunidades Indígenas encontrou seu correspondente em EXU, o mensageiro inquieto e irreverente dos orixás, cultuado pelos africanos nos Quilombolas.

Histórias reais, crenças e mitos se entrelaçaram, a ponto de unir totalmente três culturas numa verdadeira encruzilhada, criando também um imaginário popular mes�ço. Podemos encontrar, para citar mais um exemplo, três figuras de crença e culturas dis�ntas representadas numa mesma imagem simbólica: a àgua. NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA uma santa cristã católica, encontrada nas águas do Rio Paraíba. Assim como IARA, deusa das águas na mitologia indígena ou OXUM orixá ioruba, que reina sobre a água doce dos rios.

Essa amálgama cultural e mitológica que formou, e ainda forma a cultura brasileira, permanece viva em diversas manifestações populares e religiosas por todo o Brasil, da Festa do Divino ao Tambor de Mina, dos ritos Católicos e Espíritas aos terreiros de Umbanda e Candomblé. Essa capacidade de se adaptar, e se reinventar, torna a cultura brasileira única. Única em sua diversidade. Uma cultura antropofágica! Caracterís�ca do imaginário popular brasileiro em saber lidar com a diferença, pela semelhança.

Alex Mole�a

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IYAMI OXORONGÁ

Iyami-Ajé - (Iyá Mi Ajé = Minha Mãe Fei�ceira) considerada a primeira mãe e geradora dos outros orixás. En�dade cole�va das grandes mães ancestrais, também conhecida como A Senhora dos Pássaros da Noite, pois assume a forma de pássaros terríveis que comem as vísceras dos seus desafetos.

Sacralização da figura materna e arqué�po da sexualidade feminina que foi reprimida pelo poder patriarcal, seu mito é cercado de mistérios e tabus. Como toda mãe, protege e pune com rigor. O silêncio que ronda o nome de Iyami Oxorongá leva a supor um mito matriarcal do período neolí�co – época na qual o sistema familiar, conceito de posse e leis não eram definidos, então o pânico, terror e supers�ção existente entre os sacerdotes e devotos dos cultos africano e afro-descendentes poderiam ser resultantes do medo de um caos social.

Tem similaridades com a Eva do Genesis e a tão temida Lilith da mitologia judaica.

NANÃ BURUKU

É a mais velha das iabás, senhora dos mangues, do pântano e da lama. Senhora da morte e responsável pelos portais de entrada e saída. A existência do culto de Nanã Buruku é atribuída a tempos remotos, anteriores à descoberta do ferro, por isso, em seus rituais não costumam ser u�lizados objetos cortantes de metal. O termo "nanan" significa "raiz", aquela que se encontra no centro da terra. Nanã Buruku rege a maturidade, portanto está sempre associada à maternidade (a vida). É a senhora de muitos búzios, que simboliza a morte por estarem vazios e a fecundidade por lembrarem os órgãos genitais femininos. Seu símbolo é o IBIRI, que representa a mul�dão dos espíritos que são seus filhos na terra dos homens.

No sincre�smo religioso é iden�ficada com Nossa Senhora Sant'Ana.

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OXUM

A mais bela dos orixás. Muito vaidosa, carrega sempre seu espelho, o abebê. É a força dos rios, que correm sempre adiante, levando e distribuindo pelo mundo sua água que mata a sede. É a Mãe da água doce, Rainha das cachoeiras, Deusa da candura e da meiguice. É Oxum quem gera o nascimento de novas vidas que estarão no período de gestação numa bolsa de água – como ela, Oxum, rainha das águas doces.

Sincre�smo religioso: Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora da Conceição.

IEMANJÁ

A majestade dos mares, Senhora da calunga grande (mar). Também conhecida como Senhora da Coroa Estrelada ou Janaina (do tupi- africano), é a deusa do mar e protetora das mães e das esposas, representando a mãe que protege os filhos a qualquer custo, a mãe de vários filhos, ou vários peixes.

Sincre�smo religioso: Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora dos Navegantes.

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Pesquisa de Bonecos Valdeck de Garanhuns

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Dramaturgia

As artes cênicas raramente abordaram as religiões afro-brasileiras como um complexo mí�co que dialoga com outras simbologias cosmogônicas, ficando tais estudos estanques a algumas retomadas étnicas bastante específicas e à luta da cultura negra pela sua reafirmação, lacuna talvez intensificada pelo atual desinteresse por temas religiosos ou por um preconceito historicamente semeado pelo clero e pelas classes dominantes e também por uma parte da elite pensante que, à guisa de um certo “bom gos�smo”, sempre vinculou este universo com a marginalidade. O que dá vida ao símbolo religioso é a imaginação, e toda doutrina religiosa, toda concepção de divindade vem à existência pela imaginação humana. Oras, se o homem moderno é marcado por um grande desinteresse religioso, podemos constatar também que o interesse pela mitologia vem recrudescendo nos úl�mos tempos. O atual sucesso dos livros de Campbell; o best-seller O Livro de Ouro da Mitologia, de Thomas Bulfinch; As Crônicas de Nárnia; O Senhor dos Anéis e alguns games são só alguns exemplos. O “homus religiosus” ficou sem a sua religião, mas sua imaginação ainda con�nua a�va e é ela própria capaz de criar cosmogonias, a fundação de outros mundos, a arquitetura de espaços adven�cios para além das fronteiras da realidade. Por esta razão a Fraternal achou oportuna esta abordagem mí�ca, agentes que somos do mundo que nos cerca. O que somos nós, atores, diretores, cenógrafos e toda nossa quadrilha senão manipuladores de mitos?

Luiz Oliveira SantosColaboração de Alex Mole�a

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Criação de Bonecos e Adereços

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Criação de Figurinos

Doña Maria de Padilla

Visitador do Santo O�cio Fei�ceiro D. Albuquerque Soldado D. Pedro I - O Cruel

Maria Padilha D. Blanca de Bourbon Carmem Mulher do PovoD. Maria de Portugal

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Concepção dos Figurinos e Adereços - Em busca da rápida associação -

Abarcar toda a complexidade da pesquisa da encruzilhada mí�ca que se deu no Brasil e enfocá-la num espetáculo de pouco mais de 60 minutos é uma tarefa de síntese que fatalmente deixaria de fora muitos outros aspectos relevantes. A solução seria provocar o público e aguçar sua curiosidade para que se embrenhe em uma pesquisa própria. O imagé�co u�lizado em A GIRA DA RAINHA veio assim para completar a interpretação dos fatos históricos da trajetória de Maria Padilha e como ela veio parar no Brasil. Cores e figurinos deveriam dar uma leitura rápida sobre as personalidades envolvidas. Dona Maria de Portugal, a mãe expedita em urdir tramas palacianas para permanecer no poder a qualquer custo, usa o roxo – cor associada à maturidade, com um travo de sinistro. Seu arranjo de cabeça remete-nos imediatamente às rainhas más de Disney. Blanca de Bourbon, a infeliz e sempre casta princesinha francesa, usa o azul celeste e sobre a cabeça, um arco guarnecido de fitas que nos lembra a Julieta de Shakespeare. D. Maria de Padilha, para que não �vesse a imagem associada ao mal ( como costumamos encontrar na umbanda), surge de vermelho , sim, porque este é o seu emblema, mas o arranjo de cabeça tem ecos das boas fadas dos contos infan�s. Os bonecos receberam atenção especial tanto em suas expressões como nos figurinos, que às vezes precisavam reproduzir o personagem em cena. A interpretação imagé�ca do público deveria ser instantânea e colaborar com o andamento do texto, isto não quer dizer simplificar demais e lançar mão de clichês. Buscou-se uma leitura próxima dos ícones infan�s para que houvesse uma rápida assimilação. Daí o fei�ceiro judeu, seu caldeirão e o cinto encantado; D. Albuquerque, o português arqui-conspirador e sua terrível aliada, D. Maria de Portugal; a angelical Blanca; os temidos e sempre unidos irmãos bastardos... Mas tudo isto são simplificações de um tema muito mais amplo e todo o espetáculo e sua esté�ca são um convite e uma incitação a todos para que mergulhem muito mais fundo nessas histórias.

Luiz Oliveira Santos

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Direção:GIRA, GIRA MEU POVO!

O imaginário popular brasileiro sempre acolheu a cultura de outros povos dando às mesmas cores locais. A ressonância da cultura europeia sempre esteve presente a par�r de mitos importados como Carlos Magno e D. Sebas�ão. A descoberta de um mito feminino, Doña Maria de Padilla, que de amante de um rei de Castela na Espanha medieval, em 1350, transforma-se em nossa contemporaneidade numa pomba gira da umbanda, despertou de imediato o nosso interesse como objeto de estudo da cultura popular. Além do mais, a ambiguidade de um mito marginal, uma espécie de santa às avessas, invocada e eleita como a rainha da sensualidade e sor�légios de amor, nos conduz mais uma vez à reflexão da condição feminina em contraposição ao universo patriarcal. Nosso desafio desde o primeiro momento foi o de um não envolvimento do ponto de vista mís�co religioso, na medida em que Maria Padilha é apresentada como uma en�dade nos terreiros de Umbanda no Brasil. Entretanto não podemos deixar de reverenciar um mito acolhido e transformado pelo povo como resultado de uma circularidade oral e de conhecimento acumulado. O tom de fabulação leiga é proposital de modo a evitar recons�tuições de rituais religiosos, podendo notar isso através das músicas, especialmente compostas e que embora referendadas nos ritmos tradicionais, nenhuma delas são reproduções de "pontos" u�lizados nos rituais do terreiro. Quando a Fraternal vai para a rua deseja buscar a própria origem do teatro. É na verdade o desejo de compar�lhar, confraternizar e comemorar democra�camente sua alegria. Comemoremos, pois!

Ednaldo Freire

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Processo de Criação

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Sobre a Música em A GIRA DA RAINHA

A história de Maria Padilha, com todas as idas e vindas, todas as misturas e transformações, é a própria história da música popular brasileira. Na composição das canções para o espetáculo “A Gira da Rainha”, pude experimentar largamente diversos elementos das tradições musicais do Brasil e também de fora. É assim que a companhia faz sua chegada num canto acompanhado só por percussão que evoca os an�gos trovadores e menestréis medievais, mas também os cantos de folia quando na chegada de uma casa. A música de apresentação da personagem, “Maria Padilha da Calunga”, é uma canção que reúne elementos melódicos e harmônicos da música cigana sobre um ritmo moderado, de passo miúdo, tal qual encontramos nas ruas (bumba-meu-boi) e nos terreiros (tambor de mina) maranhenses. Na “Chegança do Mundo Novo”, usei o ritmo vigoroso dos pandeiros numa marcha rápida, como tocam os grupos de chegança de Alagoas e Sergipe. Na cena onde Maria Padilha narra sua história amorosa, como uma vedete do teatro de revista, evocando outros cabarés, misturei o blues com o can-can. Quando Padilha é coroada rainha, nada melhor que evocar o ambiente dos cortejos dos reis negros, presentes tanto no maracatu pernambucano quanto no congado mineiro. Por sugestão da dramaturgia, a cena em que Maria Padilha é levada ao novo mundo pelas artes de Antonia de Beja, o diálogo entre elas e os marinheiros se dá através do choro-canção em contraposição ao fado lusitano, tudo terminando numa quadrilha junina. Não poderia deixar de faltar a música de terreiro, da umbanda, ou como se dizia an�gamente, da “macumba carioca”, quando Padilha finalmente vem dançar na “nossa gira”. E finalizando, cantando pra subir, encerramos essa fantás�ca aventura no ritmo forte da marcha-frevada de carnaval com uma melodia que evoca os batuques de umbigada do interior paulista. Viva Maria Padilha, viva a música popular brasileira!

Lincoln Antonio

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Um Palco I�nerante

O palco i�nerante é uma tradição do teatro desde a Carroça de Dionísio, passando pelas trupes da Commedia dell'Arte e, mais recentemente, pela Carroça de Ouro. Mas, apesar da tradição, a ideia foi fruto da necessidade, já que desde a saída do Teatro Paulo Eiró, a companhia ficou sem sede própria e distanciada de seu público. No Paulo Eiró conseguimos formar uma platéia verdadeiramente popular, nunca recuperada após nossa saida de lá. A impossibilidade de conseguir um espaço fixo onde pudéssemos dar con�nuidade ao nosso projeto, nos levou à ideia de um palco i�nerante, que desse acesso gratuito ao maior número possível de pessoas. Assim nasceu nosso fraternal palco i�nerante.

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A GIRA DA RAINHADramaturgia

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PRÓLOGO

AINDA NA PLATEIA ATORES TOCAM E CANTAM, RECEBENDO OS ESPECTADORES QUE SE APROXIMAM. EM

DETERMINADO MOMENTO, A UM TOQUE, INICIA-SE A FUNÇÃO.

ATOR 1-� Boa tarde, muito boa tarde a vocês que aqui vieram! Bem-vindos aos senhores e senhoras,

rapazes, moças e crianças!

ATOR 2-� Nossas boas vindas aos dis�ntos moradores dessa cidade e também a todos os seus visitan-

tes!

NOVO APITO E OS ATORES SOBEM AO CAMINHÃO, TOCANDO E CANTANDO A CHEGANÇA.

ATOR 3- � (JÁ NO PALCO) É com orgulho e sa�sfação que a Fraternal Companhia de Arte e Malas

Artes sobe mais uma vez neste palco i�nerante para vosso entretenimento e reflexão!

ATOR 1- � Primeiro pedimos vossa atenção para os arranjos que decoram o ambiente. Este pequeno

espaço que dividimos com vocês doravante representará uma dimensão muito mais abran-

gente: Este imenso terreiro chamado Brasil!

ATRIZ 1 -� Terreiro encantado que é o resultado da encruzilhada de várias nações e culturas, palco de

transformações mágicas e poé�cas, onde se misturam santos católicos, en�dades indígenas e

Orixás vindo da África!

ATRIZ 2 -� Na encruzilhada deste terreiro de transformações era de se esperar que a mistura de tantas

culturas acabasse gerando alguns desvios. Vamos dizer assim: a cópia ficou um pouquinho

diferente do original.

ATRIZ 3 -� Quando aquelas Grandes Mães Orixás vindas da África atravessaram esta encruzilhada, aca-

baram sendo ves�das como santas e assim perderam a sua principal caracterís�ca, a sensuali-

dade. O prazer sagrado que existe no ato de conceber uma vida lhes foi negado. Coisa impen-

sável lá na África.

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ATRIZ 2- Neste ato, pedimos licença a todos esses Orixás femininos para revelar com engenho e arte a

trajetória de uma mulher que veio das brumas do passado, atravessou a encruzilhada e, aqui

no Brasil, acabou se tornando um símbolo do resgate dessas Grandes Mães africanas. Uma

mulher plena de sensualidade e que assumiu o prazer como um direito seu e, por extensão, o

direito de todas as mulheres do mundo. Com Vocês:

TODOS: Maria Padilha !!!NO PALCO, UM TECIDO COLORIDO ESTÁ ESTENDIDO. MARIA PADILHA -NUMA LONGA CAPA DEBRUADA COM

ARMINHO, SEGURA UM CETRO COM UMA CAVEIRA NA PONTA , ENTRA NUM CARRO ALEGÓRICO E DESFILA

PELA PLATÉIA. OS ATORES A ACOMPANHAM E CANTAM� � Ela vem na calunga � � Ela vem na ciranda� � Ela tem armadilha� � Ela é de Sevilha� � Ela é quem comanda

� � Ela é moça bonita� � Ei, cuidado, seu moço� � Nunca brinca em serviço� � e despacha fei�ço� � É angu-de-caroço.

� � É rainha da noite� � É mulher que encruzilha� � É preciso ter fé.

� � Ela entra na gira � � É Maria Padilha� � Ela tem cabaré.

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TERMINADA A MÚSICA, OS CANTORES SE DIRIGEM A MARIA PADILHA E A SAÚDAM. ELA FUMA UMA

CIGARRILHA E SE DIRIGE AO PALCO. ATORES CONTINUAM NA PLATÉIA.

ATORES -� Salve, Maria Padilha dos Sete Cabarés!

� Salve, Maria Padilha, rainha da Lira

� Salve, Maria Padilha da Calunga

� Salve, Maria Padilha das Almas.

MARIA PADILHA� Boa tarde, querido e dis�nto público. Bem-vindos, os estrangeiros de todas as raças e credos

que vieram dar sua contribuição a este país. Bem-vindos, todos os deuses e en�dades de

todas as civilizações que já passaram por esta terra para ajudar os homens. Bem-vindos, todos

os andarilhos do além, aqueles que já se foram e ainda caminham entre nós.NO TECIDO ESTENDIDO NO PALCO, APARECEM DOIS BONECOS, ZEFINO E LANDINHA. ELE É MAGRELO E

COMPRIDO. ELA USA ÓCULOS GATINHO, TEM SEIOS ENORMES E UM PENTEADO ALTO E COMPLICADO.

ZEFINO -� Não, não acredito no que eu tô vendo. Cê tá vendo a mesma coisa que eu, Landinha?

LANDINHA -� (OBSERVANDO BEM E RESMUNGANDO) Hum, hum! Num pode ser. Vim toda bonita

porque achei que cê ia me levar pro Municipal pra ver a dança do cisne e me traz aqui

neste...neste terreiro pra ver a dança da pomba? Tá tentando me descaminhar, seu trôço?

(DÁ-LHE UM SAFANÃO)

ZEFINO -� Ai, minha flor, eu queria te fazer uma surpresa. É que me falaram que ia ser história de rainha,

mas parece que...

LANDINHA -� Então vamo embora já. Isto aqui é propaganda enganosa, o que eu tô vendo ali é uma...uma...

MARIA PADILHA -� Uma o quê, dona Landinha?

LANDINHA -� Zefino, diga pra essazinha aí que não me venha com in�midades. Meu nome é Y-o-lan-da. Diga

também que eu não converso com gente desqualificada. Não vim aqui pra isso. Vou processar

essa companhia. (PARA O PÚBLICO) Gente, quem aqui quer ir lá comigo fazer um abaixo

assinado?

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ZEFINO -� Dona... Dona... É... O caso é que viemo aqui pra ver um espetáculo da Fraternal Cia e disseram

pra gente que ia ser história bonita de rainha.

ATOR 1 -� Dona Yolanda, a gente vai cumprir o que prometeu. Pode ficar sossegada.

LANDINHA -� Ah, só se forem contar história de rainha de terreiro.

ZEFINO -� É, coisa de despacho, velas pretas, galinhas sangrando, farofa de dendê e muita bebida.

ATOR 1 -� Olha o preconceito, vocês é que podem ser processados.LANDINHA E ZEFINO BATEM COM OS OMBROS ALTERNADAMENTE.

OS DOIS -� Eparrei! Saravá! Laroyê! Saluba! MARIA PADILHA SOLTA UMA BAFORADA SOBRE LANDINHA E GARGALHA.

LANDINHA -� (TOSSINDO) Me acuda, Zefino, me acuda que tô morrendo.ZEFINO SUSTÉM LANDINHA E ABANA SEU ROSTO. MARIA PADILHA APROXIMA-SE E LHE ESTENDE A MÃO .

MARIA PADILHA -� Põe pra fora esses melão sufocado, deixa essas tetas respirar.

ZEFINO -� Sai pra lá, encosto!

MARIA PADILHA-� Ô seu Armando, cadê a minha birita?

S. ARMANDO -� (FORA DE CENA) Já vai, menina.

ATOR 1 -� Deixa eu fazer uma respiração boca a boca.

ZEFINO -� Nem vem, na minha muié não.

ATOR 1 -� Então vamos chamar alguém dá plateia. Ei você aí, cê � sabe fazer isto? (AGUARDA)

ZEFINO -� (PEGANDO UM PORRETE) Vem, vem, quero ver cê chegar aqui perto... Vem!

ENTRA S. ARMANDO (BONECO) TRAZENDO EM UMA DAS MÃOS UMA TAÇA COM BEBIDA; NA OUTRA, UMA

GARRAFA. É UM NEGRO E ESTÁ BASTANTE GROGUE.S. ARMANDO -� Aqui, menina. (DÁ A TAÇA A MARIA DE PADILHA E OLHA PARA LANDINHA) Tá caída por

causa de cachaça?

ZEFINO -� Não, é fumante passiva por causa dessa aí.

S. ARMANDO -� Então dá cachaça que ela arriba.S. ARMANDO DESPEJA O CONTEÚDO DA GARRAFA NA BOCA DE LANDINHA. ELA SE LEVANTA, REFEITA.

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LANDINHA -� Ui, ai...

ZEFINO -� Vamo embora daqui, muié. Isto não é lugar pra gente decente.

LANDINHA -� Ah, não.(MEIO GROGUE, DÁ UM SINAL AO ATOR) Vem cá, rapaz. Cês vão ter mesmo peito

de contar uma �história sobre essa rainha de terreiro? Dessa...

MARIA PADILHA -� Tanto peito quanto a senhora...

LANDINHA -� (OLHANDO PARA OS LADOS) Parece que ando ouvindo voz de gentalha...(PARA ATOR) Mas

que ideia de jerico!

MARIA PADILHA -� Tô me segurando, tô me segurando...

ZEFINO -� (AMEAÇANDO-A COM O PORRETE) Vem, vem!MARIA PADILHA TIRA O PORRETE DE SUA MÃO, JOGA-O AO FUNDO E GARGALHA.

ZEFINO -� Ah, muié dos diabos.

ATOR 1 -� D. Landinha, esta rainha de terreiro já foi rainha de fato lá na Espanha, há muito tempo atrás.

LANDINHA -� Não acredito! Essa é boa. Quero ver isso. Venha aqui, menina. (ANALISA-A) Ei, me dá mais um

gole disso.MARIA PADILHA DÁ-LHE UM POUCO DA BEBIDA.

ZEFINO -� Que que é isso, Landinha? Não se meta com essa...

MARIA PADILHA-� O que foi, magrelo bicudo? Vem não, num tô aqui pra ser xingada.

ZEFINO -� Vamo embora, muié. Cê não tá bem.

LANDINHA -� Quieto, marido, deixa eu ver (OBSERVA M. PADILHA POR TODOS OS CANTOS) Vira um

pouquinho, moça.

S. ARMANDO -� Um pitéu, ela pode ser rainha da Espanha, de terreiro, sei lá, mas eu queria memo é que fosse

rainha lá em casa.

LANDINHA -� É, tenho que admi�r que o material é dos bons e...ZEFINO ESTÁ FASCINADO E NÃO DESGRUDA O OLHO. LANDINHA DÁ-LHE UM BOFETÃO.

LANDINHA -� Aqui quem olha sou eu, safado.

ZEFINO -� Ai, minha frô!

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LANDINHA -� (OLHANDO MELHOR) É... Nós mulheres nos reconhecemos. Sabe, menina? Parece que eu tô

vendo lá no fundo, mas bem longe mesmo alguma coisinha aí de nobreza, mas posso tá

enganada.

ATOR 1 -� Acredite, dona Yolanda, Maria Padilha já foi mesmo rainha da Espanha.

ZEFINO - � Mas cumé que pode ser, homem?

ATOR 1 -� Ela foi amante de Pedro, O Cruel, e era...

MARIA PADILHA – � (APARTANDO) Deixa que eu explico. Olha, esta companhia e todo o seu pessoal deviam de tá

meio sem assunto pra algum espetáculo e resolveram ir lá no terreiro me conhecer.

S. ARMANDO -� Devia de ter perguntado pra mim, ara. Minha vida dá um livro. Ou pr'aquela moça ali que tá

com a cara amarrada. Vai ver que a vida dela é uma desgracera só./ Ou pr'aquele rapaz ali,

aquele com cara de safado. Ele deve de ter muita coisa indecente pra contá...

ATOR 1 -� Fica quieto, homem. Não é da tua vida que tamos falando.

MARIA PADILHA - � Me fizeram tanta pergunta e queriam saber tanta coisa que eu falei pra eles: Olha, por que que

cês não conta a minha história no seu espetáculo? Eu posso dar uma mão.

LANDINHA -� (MAIS INTERESSADA) E esses doido toparam?

MARIA PADILHA -� Conversa vai, conversa vem... (BAIXO, PARA LANDINHA) Eles gostam muito de jogar

conversa fora, de complicar. Daí eu disse pra eles: Chega de prosa, quanta enrolação. Olha,

não vim sozinha pra este país, muitos já estavam aqui antes de mim, então por que cês não

conta a minha história cruzando com as histórias das mulheres que vieram da África? Podiam

juntar aí as aflições de todas as mulheres do mundo, que sofreram discriminação ou

apanharam dos maridos. E olha que isso tem a ver con�go, dona Landinha.

LANDINHA -� Eu, hein?! Tá me estranhando? Este pamonha aí que tente levantar um dedo! (BATE EM

ZEFINO)

ZEFINO -� Ai, meu quindim, que foi que eu fiz?

LANDINHA -� É pra não perder a mão. Ei, dá mais um gole aí, seu Armando. Tô gostando disso...S. ARMANDO VIRA A GARRAFA EM SUA BOCA.

ZEFINO -� Landinha, cê tá loca...

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ATOR 1 -� Posso con�nuar, dona Landinha?

LANDINHA -� (ESTALANDO A LÍNGUA) Coisa boa! Vai lá, rapaz. Manda bala!

ATOR 1 -� Foi daí que surgiu a ideia de usar tudo isso aqui, o palco e a plateia, como um terreiro.

MARIA PADILHA -� Um terreiro que é o grande terreiro do Brasil. A encruzilhada.

ATOR 1 -� Onde se misturam santos católicos, en�dades indígenas e os Orixás vindos da África.

ZEFINO -� (PUXANDO LANDINHA) Vam'bora, muié. Num tô a fim de ter indigestão com este angu.

LANDINHA -� Ah, não, nem vem, agora eu quero ver como é que essa aí passou de rainha da Espanha pra

rainha do terreiro, rainha do cabaré e da porta do cemitério.

ZEFINO -� Muié, ainda vão fazer encruzilhada com coisas da África e índios. Não vai ser coisa boa.

ATOR 1 -� Vai ficar então, dona?

LANDINHA -� Vou sim, mas só se for de camarote e poder dar minha opinião na hora que eu quiser. Tá bom?

ATOR 1 - � Tá, tá, dona Landinha. Fique no seu camarote que nós vamos pra encruzilhada.

S. ARMANDO -� Beleza! Vamo lá.

ZEFINO -� Ai, ai, que que eu fui fazer? Ainda dá tempo de ir pro Municipal, minha frô...

LANDINHA -� Quem mandou? Agora é que tô animada.OS BONECOS SAEM. MARIA PADILHA PÕE UM BONÉ DE MARINHEIRO, SE POSTA ATRÁS DO TECIDO E SEGURA

UM TIMÃO. OUTROS ATORES , TAMBÉM COM CHAPÉU DE MARINHEIRO, SEGURAM O TECIDO EM “V”,

FORMANDO COM ELA O GRUPO 1 - A TRIPULAÇÃO. OUTRO GRUPO DE ATORES PERMANECE NAS LATERAIS

OU LOGO ATRÁS, FORMANDO O GRUPO 2 - OS PASSAGEIROS. CANTAM.

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GRUPO 2 - Pra onde vamos nesta nau

� que já cruza o azul do mar?

� fale um pouco desta terra

� fale antes de ancorar.

GRUPO 1 -� Vou então contar aqui

� qual des�no vamos ter

� Na encantada encruzilhada

� é ali se quer saber.�GRUPO 2 -� Chamem todos que aqui esperam,

� entrem logo, minha gente.

� Tudo isto é um terreiro,

� desde aqui até na frente

GRUPO 1 -� Venham ver coisas da encruza

� nos palmares de aflição,

� vejam santos bem jun�nho

� com a negra escravidão.

GRUPO 2 - � Como o povo de Tupã

� recebeu toda esta tropa,

� recontou tempo das trevas,

� reinventou bruxas de Europa.

TODOS -� Ande, entre aqui, meu povo,

� vem trilhar reino andaluz.

� Vou parar no mundo novo,

� a chamada Santa Cruz.

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TODOS SAEM. ATOR 1 E ATRIZ/D. MARIA TRAZEM UM CARRO EM QUE UM CORPO ESTÁ ENCOBERTO.

ATOR 1 -� A história de Maria Padilha começou na Espanha medieval por volta do ano de 1350. Época

di�cil pra se viver e mais di�cil ainda para conseguir se manter no poder. (PARA A ATRIZ). Por

favor, D. Maria.

ATRIZ -� (VESTINDO-SE) Eu não �ve muita sorte na vida, pois me casei com D. Alfonso, este defunto

que aqui está. Estão vendo? Tive mais azar ainda quando gerei um único filho para ele, Pedro,

um menino tão desmiolado quanto o pai aqui. O que este pivete caprichoso não �nha de

volume no cérebro, �nha em fartura na sua bundinha cheia de carnes. Desde bebê as duas

partes traseiras pareciam olhar para o céu, sempre empinadinhas. Eu também carreguei duas

coisas que apontavam para o céu. (DESCOBRINDO O TECIDO) Dois chifres que este aqui me

colocou. Ah, D. Alfonso, desgraçado! (PARA O PÚBLICO) Este canalha aqui �nha uma amante

e...

ATOR 1 -� Por favor, D. Maria, cada coisa a seu tempo. (VESTINDO-SE C/ D. ALBUQUERQUE). D.

Alfonso deixou D. Pedro, o Pedrito Rabiola, como seu único herdeiro...mas deixou também

outras coisas.

ATRIZ -� Este ordinário me deixou um enorme abacaxi pra descascar. O que eu �ve de fazer com a ajuda

deste ministro todo poderoso aqui, D. Albuquerque. (APRESENTA-O)

ATOR 1 -� (AFIANDO DUAS FACAS) Já dei jeito em tudo quanto é problema deste reino e nós

haveremos de dar um jeito de descascar esta fruta, D. Maria. (PARA OS FUNDOS) Tragam o

abacaxi.RUFAR DE TAMBORES. TROMPAS. ATOR ENTRA COM UM ENORME ABACAXI NUM CARRINHO E COLOCA-O

NO CENTRO.

ATRIZ -� Este defunto descarado �nha uma amante chamada D.Leonor. (TIRA UMA PINTURA DE D.

LEONOR SOB O TECIDO) Esta ratazana vivia como rainha no palácio. Eu e Pedro fomos

man�dos afastados, bem longe do reino. (C/D. MARIA, ESMURRA O CADÁVER, DEPOIS O

ABACAXI) Ah, miserável, infame, traidor!

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ATOR 1 -� Vocês acham que ela está assim só por causa da amante? Que nada, a amante era o de menos.

O pior era o abacaxi que veio com ela e �nha que ser descascado.

ATRIZ -� Ele teve dez filhos, dez filhos bastardos com esta ratazana branquela. (C/ D. MARIA, TIRA

UMA FACA DO BOLSO E ESFAQUEIA A PINTURA, EM SEGUIDA O ABACAXI) Ah, maldita

D. Leonor, sua ratazana parideira. �NUM ALÇAPÃO EM FRENTE DO PALCO, APARECEM OITO BONECOS. D. MARIA/ATRIZ CONTA.

ATRIZ -� Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito. Ei, tá faltando dois.ATOR 1 -� E estes dois filhos de D. Leonor eram os piores. D. Henrique e D. Fadrique.

APARECEM DOIS BONECOS TREINANDO COM ESPADAS.

D. HENRIQUE -� (ESGRIMINDO) Vamos lá, mano Fadrique. Cê precisa ficar mais em forma pra enfiar tua

espada no fiofó do Pedrito Rabiola.

D. FADRIQUE -� (ESGRIMINDO) Que que é isso, mano Henrique? Não vou sujar minha espada no Zé

bundinha.

D. MARIA -� Como é que vamos fazer para ajudar Pedro, D. Albuquerque? Este filho desmiolado vai ter que

lutar contra estes dez bastardos para se manter no trono.APARECE O BONECO DE PEDRO NO OUTRO ALÇAPÃO.

PEDRO -� Oi, mamãe. Oi, D. Albuquerque. Olhem só a minha nova capa. Hoje eu vou caçar com ela.

D. MARIA -� Você devia estar treinando esgrima pra se defender dos teus irmãos bastardos, isso sim.

D. HENRIQUE - � Ei, Fadrique, olha lá o Zé bundinha de capa nova.

D. FADRIQUE -� Tô vendo, Henrique. (PARA PEDRO) Vai caçar tartarugas, ô almofadinha?

D. PEDRO -� Vem cá se cês for homem, bastardos!TODOS OS IRMÃOS BASTARDOS RIEM. D. MARIA E D. ALBUQUERQUE ESTÃO IRRITADOS.

D. MARIA -� Não aguento mais isso.

BASTARDOS -� Olha só o Zé bundinha,

� vai pro mato co'a capinha

� refrescar sua argolinha.

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D. PEDRO -� Bostardos!

BASTARDOS-� Caga-rendas/Papa-hós�as/ Borra-botas.

D. PEDRO -� Vou mandar queimar todos vocês, cagões!NERVOSO, D. ALBUQUERQUE TAMPA O ALÇAPÃO DOS BASTARDOS. D. PEDRO CONTINUA NO MESMO LUGAR.

D. ALBUQUERQUE- � (C/MINISTRO) Quietos, seus bastardos de merda! (PARA D. MARIA) D. Maria, não dá mais

pra aguentar isso. Temos que casar Pedro e fazer uma aliança com a França para acabar com

as revoltas destes bastardos.

D. MARIA -� Ah, e quem é que vai querer se arriscar a casar com este traste?

D. ALBUQUERQUE -� Já pensei nisto. D. Blanca de Bourbon, a sobrinha do rei de França está disponível.

D. PEDRO -� Não gosto destas francesas aguadas!

D. MARIA -� Cale a boca, você não tem que querer. ( PARA D. �ALBUQUERQUE ALBUQUERQUE) Ó�mo,

então mande embaixadores para mediar o casamento e que D.Blanca traga muitos dotes.

Agora só falta escolher a amante pra ele também. (D. PEDRO VIBRA).

D. ALBUQUERQUE-� Mas, D. Maria, a senhora sabe os estragos que as amantes podem causar.

ATRIZ -� Já que meu filho provavelmente vai seguir os passos do pai, então precisamos escolher a

amante para nos precaver. Tem que ser bobinha e dócil. (ANDANDO) Mas quem?

D. PEDRO -� Tem a Dorotéia que arruma o meu quarto.

D. MARIA -� Esta você já usa, canalha. Pensa que não sei? Ela tem que ser da nobreza. Vê se fica quieto.

D. ALBUQUERQUE-� Já sei. Aquela mocinha que vive em casa sob a minha proteção.É uma órfã obediente, dócil e

muito bonita.

D. MARIA -� Maria de Padilla? Sim, D. Albuquerque, o senhor é um gênio. Ela pertence a uma das famílias

mais an�gas e nobres da Espanha.

D. PEDRO -� É morena?

D. ALBUQUERQUE-� Sim, é morena.

D. PEDRO -� Oba!

D. ALBUQUERQUE-� D.Maria, agora que a família Padilla ficou pobre por causa destas guerras, os irmãos desta

menina não se oporão a isto.

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D. MARIA -� Pelo contrário, eles lucrarão, isto sim. Conheço muito bem a nobreza. Então vá lá buscar a

garota. Ah, �re o corpo deste traidor daí e mande enterrar.

D. PEDRO – � (MASTURBANDO-SE) Depressa, depressa! D. ALBUQUERQUE PEGA O CORPO E SAI. ATRIZ, C/D. MARIA, DESCASCA COM VIOLÊNCIA UMA PARTE DO

ABACAXI E GRUNHE COM RAIVA.

ATRIZ -� (PARA PEDRO) Pronto, meu filho, esta parte já foi descascada. agora, Pedro, eu quero

descascar essa outra parte aqui (MOSTRA), quero a morte de D. �Leonor, esta meretriz que

pariu estes dez bastardos. Mande matá-la!

D. PEDRO -� É pra já, mamãe. Guardas!SURGE UM BONECO/GUARDA RAMON AO LADO DE D. PEDRO.

D. PEDRO -� Ramon, pegue mais dois homens e vão lá matar D.Leonor. (O GUARDA SAI)

D. PEDRO - � (INDICANDO O ALÇAPÃO OPOSTO) Abra, mamãe, que a senhora poderá assis�r à sua

vingança.ATRIZ ABRE O ALÇAPÃO E APARECE O RAMON SEGURANDO D. LEONOR.

D. LEONOR -� Oh, oh, oh! Desgraçada! Meus filhos irão me vingar, sua vaca!O GUARDA ABAIXA O CORPO DE D. LEONOR E UM GRANDE FACÃO CORTA SUA CABEÇA. D. MARIA, RINDO,

JOGA UM LENÇO NO BURACO.

ATRIZ -� Adeusinho! (VIRA-SE) Agora vamos �rar mais uma casca deste abacaxi (TIRA) Menos

uma!(RI)

RAMON -� (SURGINDO) Mas D. Maria logo viu que a sua vingança só prestou pra jogar mais merda no

ven�lador. O abacaxi engordou!OS DEZ BASTARDOS IRROMPEM DESESPERADOS DO ALÇAPÃO E FAZEM GRANDE ALGAZARRA, ORA

DIRIGINDO-SE A D. PEDRO, ORA PARA D. MARIA.

BASTARDOS -� O que vocês fizeram com nossa mamãe, família do capeta?/ Tadinha, era tão boa/ Aguarde,

Pedrito Rabiola, nós juntaremos forças! Vamos fa�ar essa cadela aí que nem presunto./

Vamos fa�ar também essa bundinha gorda antes de se sentar no trono/ Os nobres virão em

nosso apoio, carniceiros.

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D. MARIA -� (FECHANDO O ALÇAPÃO C/ VIOLÊNCIA) E não é que eles conseguiram mesmo o apoio da

nobreza? Ai, que bosta! (ENFIA A FACA NO ABACAXI) Ainda volto pra completar minha

tarefa.(SAI)MÚSICA DANÇANTE E MELÍFLUA. CUPIDO ENTRA, TEM UMA COROA DE FLORES NA CABEÇA, SALTITA E ATIRA

FLEXINHAS CONTRA O PÚBLICO.

CUPIDO -� Corria o mês de maio, em maio, quando faz calor, quando o trigo amadurece, quando canta o

rouxinol... (PIPILAR DE PÁSSAROS)

D. PEDRO - � Que boiolice é essa agora?

ATOR 2 -� (CORRIDINHAS) Em maio, quando os enamorados vão servir ao amor. Foi em maio quando

Pedro de Castela conheceu e caiu defini�vamente ca�vado por D. Maria de Padilla, uma doce

e equilibrada castelhana. ATOR 2 FAZ EVOLUÇÕES COM O TULE SOBRE O ALÇAPÃO. D. MARIA DE PADILLA (BONECO) SURGE E ENVOLVE

D. PEDRO. BEIJOS. MÚSICA APAIXONADA. COREOGRAFIA ROMÂNTICA.

ATOR 2 -� Enfim, mergulharam para o amor, no doce fosso da paixão...O CASAL/BONECOS MERGULHA. ATOR 2 JOGA O TULE NO FOSSO.

ATOR 3 -� (TRAZENDO A MESA EM QUE ESTIVERA O CADÁVER) A rainha-mãe e o ministro pensavam

ser muito espertos ao arrumar aquela amante tão dócil, aquela órfã tão peque�ta que lhes

devia favores. Só que... só que...TAMBORES E PRATOS. NARRADOR 3 ABRE O ABACAXI E DE DENTRO SAI D. MARIA DE PADILLA COROADA COM

UM GRANDE ABACAXI. MÚSICA FESTIVA.

NARRADOR 3 -� Arrumaram outro abacaxi!

NARRADOR 2 -� E este se revelaria bem mais di�cil de descascar.D. MARIA DE PADILLA APRESENTA UM SHOW DE REVISTA. OUTROS ATORES ENTRAM VESTIDOS COM PAETÊ E

COLARES DE FLORES.

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Quando o rei Alfonso foi para o além,

os seus filhinhos fincaram pé ali

pois queriam no trono sentar também,

O que foi um tremendo abacaxi. (SURGE UM ABACAXI)

A mãe e o ministro buscaram na França

a bela Blanca que morava em Paris,

colocando nela toda esperança,

mas ganharam é mais dois abacaxis. (OUTRO)

Foram em Sevilha buscar a amante,

pois Pedro, tris�nho, nem falava xis

Até ver Dona Padilha provocante

e ganharam é mais três abacaxis. (MAIS UM)

Um, dois, três

Não saia já daí�olha que lá vem� � �mais outro abacaxi. (MAIS UM)� � �O rei, caído pela bela potranca,

ficou no bem bom com sua rainha,

nem foi se encontrar com a virgem Blanca,

mamãe Maria confortou a francesinha.

Quatro, cinco, seis (VÁRIOS ABACAXIS)

Segura o rojão,

olha que lá vem

mais merda no vagão.

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EM FILA, JOGAM A BUNDA PARA OS LADOS E REPETEM OS TRÊS ÚLTIMOS VERSOS POR VÁRIAS VEZES. FINDA

A APRESENTAÇÃO, OS ATORES LEVAM O ABACAXI. FICAM NO PALCO MARIA PADILHA, DUAS ATRIZES E D.

PEDRO. D. MARIA ACARICIA BLANCA, QUE CHORA CONSTANTEMENTE.

MARIA PADILHA -� Oh, foram muitas noites de amor. Foi o primeiro e úl�mo homem que conheci. Sinto até um

frenesi pelo corpo quando penso nisto. (ESTREMECE)

D. MARIA -� Hija de mil potras, se aquele desgraçado de mi hijo era tão bueno garanhon, porque não

deixou um poquito pra essa niña que só llora?

MARIA PADILHA -� (FALANDO AO PEDRO/BONECO) Pedro, se você quer � salvar o nosso amor, deve se casar

com D. Blanca de Bourbon ou toda a nobreza vai cair em cima de �.

D. MARIA -� (PARA BLANCA) Mas no llores más, chica. Vou lá pegar este hijo desgraçado. (SAI)

MARIA PADILHA -� (PARA PEDRO/BONECO) Você precisa fazer uma aliança com os franceses, pois estes teus

irmãos bastardos estão pondo o reino de ponta cabeça.

D. PEDRO -� Não tô a fim de ver aquela branquela. Gosto das morenas como você. Vem cá, me dá um

besito.QUANDO MARIA PADILHA APROXIMA-SE, ELE SOME REPENTINAMENTE. D. MARIA ARRASTA D.

PEDRO/ATOR PELO COLARINHO E COLOCA-O NA FRENTE DE BLANCA. ELA ARMA UM BERREIRO.

D. MARIA -� Santa mierda, Pedro, estoy a ficar sorda con esta lamentación. Você precisa casarse com esta

niña. Temos un acuerdo a cumprir com os franceses.D. PEDRO DÁ VOLTAS EM TORNO DE BLANCA E CORRE PARA M. PADILHA. AJOELHA-SE A SEUS PÉS E BEIJA

SUAS MÃOS. D. MARIA TORNA A PEGÁ-LO E A LEVÁ-LO PARA JUNTO DE BLANCA

D. MARIA -� Por el cullo de Satanás, mi hijo, o que �ene esta mujer, una cachufleta de oro? D. PEDRO OLHA RAPIDAMENTE PARA BLANCA E CORRE PARA MARIA PADILHA. MÚSICA FRENÉTICA. VAI E

VEM. BEIJOS PARA PADILHA E GESTOS DE REPÚDIO PARA BLANCA. D. MARIA -� (XINGAMENTOS DURANTE A MOVIMENTAÇÃO) Mas que cullo./ Maldita cachufleta tem

esta mujer. /Bica aberta dos demônios. /Cojones!

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CHORO DESBRAGADO DA PRINCESA.

D. MARIA -� Por el chorizo de Belzebu, voy a cortar tus huevos, hijo de mierda!

MARIA PADILHA- � (LEVANDO PEDRO PARA A FRENTE) Chega, basta! Vá de uma vez se casar com ela, senão

nosso amor estará em perigo.D. PEDRO CAMINHA MAQUINALMENTE PARA BLANCA E PEGA EM SUA MÃO. D. MARIA DÁ A ELA UM BUQUÊ.

MÚSICA NUPCIAL. CAMINHAM PARA O PROSCÊNIO. BLANCA ARMA UM ENORME SORRISO.

D. MARIA -� Finalmente meu filho resolveu se casar com D. Blanca de Bourbon. Castela estava salva.D. PEDRO DEIXA BLANCA E CORRE PARA M. PADILHA. A PRINCESA DESABA NUM CHORO ABERTO NOS

OMBROS DE D. MARIA.

D. MARIA -� Ai que não posso mais suportar esta merda! (C/ NARRADOR) No dia seguinte após o

casamento, D. Pedro correu de novo aos braços de Maria de Padilha, o que comprova que

realmente ela �nha una cachufleta de oro. (C/ D. MARIA) Tirem essa bica aberta fora da

minha vista, antes que me cago toda en la leche de tu madre, coño!�D. MARIA OLHA COM RAIVA PARA A PRINCESA E SAI. BLANCA A SEGUE CHORANDO ALTO COMO CRIANÇA DE

QUEM ROUBARAM UM DOCE. PARA ANTES DE SAIR E SE VOLTA PARA O PÚBLICO.

D. BLANCA -� Rien, rien encore. Moi, eu con�nuo virgem. Foutre la merde! LANÇA O BUQUÊ NO CHÃO E SAI. MARIA PADILHA PEGA O BUQUÊ. D. PEDRO E DÁ O BRAÇO A ELA.

CAMINHAM ATÉ O PROSCÊNIO AO SOM DA MARCHA NUPCIAL.

MARIA PADILHA -� Eu e Pedro nos casamos em segredo e acho que este casamento era sim o que valia perante

Deus, pois era baseado no amor.

ATOR 2-� O povo da Idade Média, mesmo a classe pobre, era incapaz de entender aquela paixão tão

arrebatadora e desinteressada, pois só podiam compreender a união de dois seres como uma

forma de unir fortunas ou poder. Vai daí que essa gente começou a imaginar histórias, a tecer

rendas fantás�cas. Acusaram Maria � de Padilha de ter enfei�çado o rei com filtros de

amor... Ah, e quem precisa de magias e sor�légios para se apaixonar pela doce Padilha?

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MARIA PADILHA -� (C/ PADILHA ENVOLVE O ROSTO DE PEDRO, DEPOIS � C/NAR.) Me acusaram bruxaria e

ingra�dão contra quem sempre havia me protegido, o D. Albuquerque. � Olhem só o que o

povo dizia!ENTRAM DUAS MULHERES DO POVO.

XIMENA -� Ah, não diga, Juanita... um judeu?

JUANITA -� Hum, hum, judeu sim, dona Ximena. Um judeu no palácio de Castela! Pode?

XIMENA - � Mas como é que D. Pedro teve a coragem de colocar este D. Samuel Levi no lugar de D.

Albuquerque?

JUANITA -� O que cê acha que aconteceu? Dá pra entender que aí tem a mão daquela Maria Padilha. É

mulher cheia de fei�ço e manha.

XIMENA -� E pensar que D. Albuquerque acolheu ela em sua própria casa. Cobra criada!

JUANITA -� Uma bruxa ingrata. Aposto que ela e esse judeu, Samuel Levi, (PERSIGNANDO-SE) se

juntaram pra � enfei�çar D. Pedro e fazer ele despedir o pobre D. Albuquerque.

XIMENA -� Acho que tem coisa aí. Ouvi dizer que D. Albuquerque andou metendo a mão no balaio do

tesouro. O homem tá mais rico que o rei, Juanita!

JUANITA -� Men�ra, men�ra, Ximena! É uma desculpa que esta Padilha e o Samuel Levi andaram

espalhando pra disfarçar as suas bandalheira.

XIMENA -� Ah, Juanita, tô cuma dó do home. Agora ele deve tá amargando a dor do exílio.

JUANITA -� Cê acha que ele ia deixar barato? D. Albuquerque se juntou aos irmãos bastardos, aqueles

filhos da égua da D. Leonor.

XIMENA -� Ahá, não diga! Ele não larga o osso.

JUANITA -� Ximena, sabe onde devem estar agora a amante e o judeu? (APONTANDO) Lá em cima,

naquela torre, traçando cabalas pra atazanar a vida da sua próxima ví�ma.

XIMENA – � Quem?D. BLANCA ENTRA, ESCOLTADA POR RAMON. TEM AS MÃOS PRESAS POR CORRENTES E CHORA.

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D. BLANCA -� Oh, D. Pedro, tão Cruel, serei eu culpada por não ter lhe agradado se nem sequer tentou deitar

em meu leito?

XIMENA - � A pobre francesinha!

JUANITA -� (BENZENDO-SE) Eu sabia! Vamo, vamo sair daqui de baixo, senão vai espirrar fei�ço na

gente. SAEM AS DUAS MULHERES E D. BLANCA.

RAMON -� O rei D. Pedro ordenou que eu prendesse D. Blanca numa torre distante e o povo, sem

entender a razão disso, começou de novo a criar histórias. As companhias teatrais de

sal�mbancos perambulavam pelo reino de Castela e apresentavam a sua versão para os fatos.

Olha só o que inventaram. Tome posição, Padilha. (PERMANECE EM CENA)OS PRATICÁVEIS DA PLATÉIA SÃO UNIDOS. MARIA PADILHA E SAMUEL LEVI SE DIRIGEM A ELES E ASSUMEM

GESTOS ESTEREOTIPADOS DE FEITICEIROS. MÚSICA. ELA TRAZ UM CINTO CRAVEJADO DE PEDRARIAS. D. LEVI

TRAZ UM CALDEIRÃO FUMEGANTE E TRAÇA CABALAS NO AR. M. PADILHA ENVOLVE O CINTO NA NÉVOA QUE

SOBE.

M. DE PADILLA-� (RINDO) Pronto, Samuel Levi, aqui tens o cinto. Já está com o disfarce pronto?

SAMUEL LEVI -� Tá tudo aqui dentro, pode deixar. Estudou o teu papel direi�nho? Vamos repassar.

M. DE PADILLA - � Eu me transformarei numa velha e direi a D. Blanca que depois de presentear o rei com este

cinto, ele se apaixonará perdidamente por ela.

SAMUEL LEVI -� Depois que o fei�ço der certo, D. Blanca será presa como bruxa e tu...

M. DE PADILLA -� Serei a mais bela e a única rainha de Castela. DÃO GARGALHADAS SINISTRAS E LEVAM O CALDEIRÃO, MURMURANDO ESTROFES HERMÉTICAS. O BRUXO

SAI E M. PADILHA RETORNA COM LANDINHA.

MARIA PADILHA -� (COM AS MÃOS NOS QUADRIS, PARA LANDINHA) Pode, D. Landinha? E ainda tem gente

que diz que a imaginação do povo é a riqueza de uma nação.

LANDINHA -� Ah, sei, só se for uma nação de gente men�rosa. Mas e aí, o que é que deu esta história de

cinto?

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MÚSICA DA CORTE. ENTRA D. PEDRO SEGUIDO POR RAMON. ESTE LEVA UMA CAIXA. VÃO ATÉ OS

PRATICÁVEIS.

D. PEDRO -� Um presente? Você já olhou aí dentro? Tá cheio de gente uerendo me matar.

RAMON -� Pode abrir, majestade. Eu já averiguei. É coisa muito linda. Vais gostar.

D. PEDRO -� (PEGANDO A CAIXA) Então vamos ver, vamos ver. Acho que é coisa de mulher. Quem enviou?

(ABRE)

RAMON - � Ela me pediu segredo, por enquanto, mas vai se revelar.

D. PEDRO - � (LEVANTANDO O CINTO) Mas que maravilha! Jóias encrustadas em pele de cobra. Que

mulher é esta?ENTRA D. BLANCA, MEIO TÍMIDA E SORRINDO.

D. PEDRO -� Tu?

D. BLANCA -� É para selar a paz que agora retorna entre nós.

D. PEDRO -� (COLOCANDO O CINTO) Você deve ter vasculhado toda a terra pra encontrar esta maravilha.

Muito obrigado, vou usá-lo pra sempre.PEDRO COMEÇA A SE AGITAR. SACODE TODO O CORPO.

D. PEDRO -� Ramon, me ajude! (TENTA TIRAR O CINTO) Ele está vivo, está vivo!RAMON CORRE PARA PEDRO E TENTA AJUDAR.

RAMON -� (GRITANDO) Ai, ela me mordeu.(TIRA O BLUSÃO)

D. BLANCA -� (CONFUSA) Tava mor�nho quando eu comprei ele daquela velhinha.O GUARDA EMBRULHA O CINTO COM A BLUSA E TENTA TORCER A COBRA.

D. PEDRO -� (APROXIMANDO-SE COM CAUTELA) Tá morta?

RAMON -� (OSCILANDO) Não sei, mas quem tá morrendo sou eu.A COBRA TENTA MORDER PEDRO. ELE ARRANCA-LHE A CABEÇA COM UM GOLPE DE ESPADA. RAMON CAI.

D. PEDRO - � Mas o que você queria fazer comigo, sua bruxa? Olha só quem sofreu com o teu fei�ço.

D. BLANCA -� Pedro, eu juro, eu não...

D. PEDRO -� Guardas, guardas. (LEVANDO BLANCA) Você será trancada numa torre, bem longe do meu

castelo, depois decidirei o que farei con�go.

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D. BLANCA -� Pedro, Pedrito, não �ve culpa.

D. PEDRO -� Ah, pensava que ia reinar sozinha, né? Vais ver o que é bom.ELA DESATA NO CHORO E OS DOIS SAEM.

RAMON -� (LEVANTANDO-SE) Dizem que depois de sofrer este golpe pela mão da própria esposa, D.

Pedro se enfureceu, resolveu que iria defender o trono de qualquer jeito. Dizem até que as

suas bandas traseiras ficaram maiores ainda. Ele foi tratar da questão de D. Albuquerque.

Bem, o caso é que este ex-ministro, que havia se juntado aos rebeldes, acabou sendo

envenenado pelo seu médico dias depois... Aposto que cês já sacaram quem foi que

subornou o médico, não é?APARECEM LANDINA E ZEFINO.

LANDINHA -� Aposto que foi o D. Pedro.D. ALBUQUERQUE ENTRA SEGURANDO UM ATAÚDE. M. PADILHA TAPA O NARIZ.

D. ALBUQUERQUE-� Ele mesmo. Aquele canalha.

ZEFINO -� (PUXANDO LANDINHA) Cruz credo, vam'bora, Landinha. Não quero saber de defunto que

levanta.

LANDINHA -� (BATENDO) Vai em ocê embora, se não quiser virar defunto.

ZEFINO -� Desta eu tô fora, ciao mesmo!

D. ALBUQUERQUE-� E a senhora, dona Landinha, deve ter descoberto também quem foi que enfei�çou D. Pedro

pra que ele encomendasse a minha morte, né? (APONTANDO) Foi ela, essa aí que tá do teu

lado.

LANDINHA -� Cê fez isto, menina?

MARIA PADILHA -� Men�ra! Não enfei�cei ninguém, são futricas, histórias inventadas. (PARA ALBUQUERQUE)

Vai embora, homem, que vai empestear tudo aqui.

ALBUQUERQUE -� Não vou e não vou.

LANDINHA -� Ô defunto insistente! Quer que eu dê um jeito nele?

D. ALBUQUERQUE-� Eu deixei um testamento em que ordenava que meu corpo não deveria ser enterrado até que

a ordem voltasse ao reino.

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MARIA PADILHA - � Demorou uma eternidade, arre! Vou lá passar perfume pra me livrar dessa inhaca.(SAI)

LANDINHA -� Eu também quero passar um pouquinho. (SAI)

ALBUQUERQUE -� (C/ NAR. E PERSONAGEM) Antes que eu saia daqui levando meu caixão, tem mais um crime

de D. Pedro, o cruel, que eu quero narrar aqui bem depressinha para não incomodar vocês

com meu cheiro. Ele mandou cortar a cabeça do seu meio-irmão, D. Fadrique. O povo, que era

muito religioso, começou a misturar história de Bíblia com bruxaria. Acusaram Maria de

Padilla de ter pedido a cabeça de D. Fadrique, como na história de Salomé e São João �Ba�sta.

MARIA PADILHA ENTRA COM A CABEÇA DE D. FADRIQUE.

MARIA PADILHA -� Oh, D. Fadrique, há quanto tempo esperava por esse momento, agora podemos conversar

face a face, cunhadinho. Oh, nunca foste belo, mas deixa que eu te embelezarei com minha

saliva de bruxa. (COSPE E RI) Ah, agora sim ficou bem melhor. Tu e aqueles teus irmãos

bobocas espalharam por aí que eu envolvi D.Pedro em minha teia de aranha...

(LEVANTANDO A BANDEJA) Olha, olha pra mim, D. Fadrique. Estás vendo mesmo uma

tarântula em frente de �?D. FADRIQUE MOSTRA-LHE A LÍNGUA.

MARIA PADILHA -� Oh, menino mal-educado, que coisa feia! Vossa mamãe vos mimou demais. Então se achas

que sou mesmo uma tarântula, saiba que foste apenas o primeiro, estenderei minha teia

sobre todos os teus irmãos.

D. FADRIQUE -� Bruxa, filha de Satanás, irmã de Barrabás, de Caifás e súcubo daquele bruxo judeu. Meu irmão

Henrique vai por fim às tuas mandingas.

MARIA PADILHA -� (ENFIANDO UM LENÇO EM SUA BOCA) Que horror! Sujei�nho escroto! Pois vamos ver, D.

Fadrique, vamos ver quem vencerá. Vai, vai lamber el cullo del diablo.GARGALHA E JOGA A CABEÇA NO FOSSO. OUVE-SE A VOZ DE D. MARIA.

D. MARIA -� (FORA DE CENA) Ai, santa mierda, o senhor por aqui, D. Fadrique?MARIA PADILHA SE RETIRA GARGALHANDO. D. ALBUQUERQUE SAI DO CAIXÃO.

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D. ALBUQUERQUE-� Licença, gente. É já já que eu vou embora. Tem mais um crimezinho de D. Pedro, que eu tava

me esquecendo. E este acabou colocando até o povo contra ele. O caso é que o rei mandou os

guardas atrás de D. Blanca de Bourbon, que ainda estava presa na torre. (SENTA-SE NO

CAIXÃO)BONECOS - D. BLANCA É TRAZIDA POR RAMON E OUTRO GUARDA.

D. BLANCA -� Oh, oh, oh! Morrerei como as virgens e com as virgens me vou, pois o rei nunca me conheceu.NO ALTO, AO FUNDO, SURGEM DOIS ANJOS CANTANDO EM CORO.

ANJOS -� Oh, pobre, pobre D. Blanca de Bourbon vais morrer virgem sem saber o que é bom.OS GUARDAS ABAIXAM O CORPO DE BLANCA E UM GRANDE FACÃO CORTA-LHE A CABEÇA. NO OUTRO

ALÇAPÃO APARECE D. MARIA (ATRIZ) EM MEIO CORPO, QUE VÊ A EXECUÇÃO.

RAMON -� Adivinhem, minha gente, em quem o povo pôs a culpa do assassinato de D. Blanca? (SAEM)

D. MARIA -� Foi aquela yegua de mierda da Padilha! Ah, hijo del diablo, a pobre chica morreu con la

cachufleta ignorante. Vou lá me juntar com aqueles nobres rebeldes. A queda de Pedro é uma

questão de tempo. Quero mais é salvar a minha pele e con�nuar �mandando.

D. PEDRO -� Um dia peguei todo mundo de surpresa. Os nobres rebeldes e a minha própria mãe estavam

reunidos em volta do caixão desse aí, como se fosse mesa. (APONTA PARA

D.ALBUQUERQUE) Pode sair e levar o seu caixão. (ELE JUNTA O CAIXÃO E SAI

RESMUNGANDO) A senhora vai ser deportada para Portugal e nunca mais quero ver a tua

cara.

D. MARIA -� (BATENDO COM OS PUNHOS) Es�érco, mierda! Fico matutando aquí comigo se não foi Satã

quem visitou minha cachufleta para gerar um filho de merda como tu. Adios, nunca más

quiero volver a verte.(AFUNDA)UMA FIGURA COBERTA COM PANOS PRETOS EM ANDRAJOS CAMINHA PELO PALCO. MÚSICA.

ATOR/PEDRO -� Eram tempos terríveis. A par�r de 1346 toma conta de toda a Europa, ceifando quase a metade

de sua população. A dama negra visitava todos os lares semeando desolação. Os nobres

fugiam para seus castelos distantes, mas acabavam recebendo a tal visita não convidada. D.

Maria de Padilla também não escapou deste des�no.

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A DAMA NEGRA COBRE MARIA PADILHA COM UM VÉU BRANCO.

ATRIZ/MP -� D. Pedro fez celebrar luxuosas pompas fúnebres em todo o reino e o povo chorou a minha

morte. Lamentaram a perda da favorita, da rainha sem coroa.

ATOR/PEDRO -� D. Pedro solicitou à igreja que declarasse nulo o seu casamento com D. Blanca e reconhecesse

D. Maria de Padilla como sua legí�ma esposa. Sua vontade foi sa�sfeita e numa magnífica

cerimônia ele coroou sua favorita como rainha da Espanha.

LANDINHA -� Oh, oh, que triste, é igualzinha àquela história de Inês de Castro que morreu e depois foi

coroada como rainha pelo rei de Portugal.

ATOR/D. PEDRO-� Ele era meu �o, dona Landinha.

LANDINHA -� Adoro histórias de amor mesmo que cê tenha sido tão cruel. Fazer o quê, né? Cê vivia entre os

lobos.

ZEFINO -� Deixa de ser tonta, Landinha. Não vê que esses ator dispõe as coisa de um jeito que é pra pegar

a gente, só prá comover? Aposto que agora eles vão entrar com negócio de bruxaria e

encruzilhada.

LANDINHA -� Vá te catar, desmancha prazer.(DÁ-LHE UM TAPA)D. PEDRO COROA MARIA PADILHA, EM SEGUIDA SE AJOELHA E FAZ REVERÊNCIA. SONS DAS ALFAIAS E

GANZÁS DO MARACATU. ATORES ENTRAM VESTIDOS COM VOIL BRANCO (OU ENGLOBANDO TODO O

GRUPO) E APÓS BREVE COREOGRAFIA, SE DESCOBREM: DUAS DAMAS DO PAÇO, UMA DELAS SEGURA UMA

CALUNGA (BONECA); O PORTA-ESTANDARTE LEVA A BANDEIRA; O CABOCLO DE LANÇA E O DUQUE (OU UM

VASSALO QUE LEVA O PÁLIO). DURANTE A EVOLUÇÃO, A CALUNGA PASSA DE UMA MULHER A OUTRA E

TERMINA NAS MÃOS DE MARIA PADILHA.

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Minhas alma, venham cá!

Venham ver quem tá chegando

ela é rainha da Espanha

que agora vai dançá.

Cante sinhô, cante sinhá

que a calunga vai passá

abre a porta e a janela

venha aqui mais perto dela.

Senhora rainha trigueira

o teu corpo tem mil cheiros

cheira cravo, cheira rosa

cheira flor de laranjeira.

Cante sinhô, cante sinhá

que a calunga vai passá

a rainha da Espanha

quer licença pra dançá.

Cante sinhô, cante sinhá

que a calunga vai passá.

Cantem, almas que estão cá

a passagem pelo mundo

da Padilha não findou

muito chão tem pra andá

A calunga vai dançá

e no universo de sonho

da criação popular

a rainha vai entrá

Toque o agogô e o ganzá

que a rainha vai chegá.

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ATORES SE RETIRAM, FICANDO EM CENA APENAS MARIA PADILHA E D. PEDRO. APARECEM D. LANDINHA E

ZEFINO, ELA ENXUGA OS OLHOS COM UM LENÇO.

LANDINHA -� E aí, moça, cê morreu e o D. Pedro, como é que ficou?

MARIA PADILHA -� D. Pedro con�nuou lutando contra os bastardos.

ATOR/D. PEDRO -� Mas um dia D. Henrique armou uma emboscada e me matou sem dó, aquele covarde.

LANDINHA -� Cruzes. Irmão contra irmão.

ATOR/D. PEDRO -� D. Henrique se tornou o rei e iniciou a dinas�a dos Trastâmara e...

MARIA PADILHA -� Deixa pra lá, são histórias já passadas. O que importa pra gente, aqui e agora, é que a minha

saga con�nuou na boca do povo e, quando chegou no Brasil, iria � mudar muito mais. (FORA

DE CENA, MARACATU EM SURDINA)

ZEFINO -� Ah, viu, não te falei, muié? Agora estes espertos tão chegando lá onde queriam...

LANDINHA -� Ô prisão de ventre, cala a boca. Vamos lá ver.O CASAL SAI. ENQUANTO ATOR/D. PEDRO FALA, OUVE-SE A MÚSICA DO MARACATU AO FUNDO.

� A calunga vai dançá

� e no universo de sonho

� da criação popular

� a rainha vai entrá.

� Toque o agogô e o ganzá

� que a rainha vai chegá.

ATOR/D. PEDRO -� O amor que eu dediquei a Maria Padilha ajudou a difundir as histórias de fei�çarias na

imaginação do povo. Foi o amor, amor que é fei�ço puro, fei�ço do qual � ninguém escapa,

foi ele o arquiteto de todas estas lendas.MARIA PADILLA ENTRA E PEDRO A LEVA PARA O CENTRO.

NARRADOR -� As histórias de Maria Padilha começaram a crescer no meio do povo espanhol, gente muito

dada a florear e a reinventar lendas. Era a época da Inquisição e as fogueiras não paravam de

tremular. Os fei�ços eram feitos às escondidas pra solucionar amores infelizes e levavam

sempre a mesma fórmula.

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FEITIÇOS EM FORMA DE PANTOMIMAS

1- ESPANHA – PABLO, XIMENA E JUANITA - FEITIÇO DO BONECO

NARRADOR -� As histórias de Maria Padilha começaram a crescer no meio do povo espanhol. Os fei�ços

eram sempre feitos em nome de amores infelizes e todos sempre levavam a mesma fórmula.CENA COMO NUM FILME MUDO. MÚSICA.HOMEM ENTRA E MOSTRA AO PÚBLICO UM CARTAZ EM QUE INDICA QUE SEU NOME É PABLO. ELE CARREGA

AS SUAS TROUXAS. MULHER 1 ENTRA E MOSTRA A PLACA EM QUE ESTÁ ESCRITO SEU NOME: XIMENA. PABLO

AMEAÇA IR EMBORA. ELA SEGURA SUAS PERNAS E CHORA, PEDINDO PELO AMOR DE DEUS. ELE DEMONSTRA

QUE ELA ESTÁ FEIA E ACABADA, ARRASTA O BIOMBO E TIRA O TECIDO QUE O COBRE. UMA BELÍSSIMA E

GOSTOSA MULHER ESTÁ REPRESENTADA NA IMAGEM. ELE MOSTRA À ESPOSA INFELIZ QUE ESTA SIM VALE A

PENA E QUE ELA ESPERA POR ELE NA SUA CAMA. XIMENA TENTA UM ÚLTIMO RECURSO: VAI ATRÁS DO

BIOMBO E COLOCA SUA CARA NO LUGAR DO ROSTO DA GOSTOSA. O MARIDO FAZ CARA DE NOJO,

DEMONSTRANDO QUE ELA NÃO COMBINA COM O RESTO E RESOLVE IR EMBORA. CHORANDO, ELA SE

ARRASTA ATRÁS DELE E ACABA ARRANCANDO UM PEDAÇO DE SUA CALÇA. ELE SAI. ENTRA JUANITA. ELA TRAZ UM CALDEIRÃO E UM BONECO. AJUDA A AMIGA A SE LEVANTAR E VÃO POR MÃOS

À OBRA PRA TRAZER O HOMEM DE VOLTA. JOGAM FEITIÇOS SOBRE A IMAGEM DA GOSTOSA E A COBREM.

JUANITA PEGA O PEDAÇO DA CALÇA DO HOMEM E COM ELE ENVOLVE O BONECO, EM SEGUIDA ENROLA-O

COM UM CORDÃO E O SUSTÉM SOBRE O CALDEIRÃO.

JUANITA -� Senhora Santana, assim como o mar mareja, o céu estreleja, o vento venteja e os peixes

não podem entrar no mar sem água, nem o corpo viver sem alma, assim Pablo não possa

estar sem pra Ximena aqui voltar. Por Barrabás, Satanás, Caifás e Maria Padilha com toda a

sua quadrilha.

AS DUAS -� Assim Pablo não possa estar sem pra Ximena aqui voltar. Por Barrabás, Satanás, Caifás e Maria

Padilha com toda a sua quadrilha.

REPETINDO A ÚLTIMA FRASE, ELAS SAEM.

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2- CIGANOS – CARMEN E JOSÉ – FEITIÇO DA BACIA

NARRADOR -� Os fei�ços em nome de Maria Padilha passaram do povo espanhol para os ciganos. Na

Espanha medieval muitas raças se cruzavam, mais ou menos como se deu aqui no Brasil. Ali

viviam muitos ciganos que acabaram conhecendo as histórias de Maria Padilha e fizeram dela

a rainha de suas magias.CENA COMO NUM FILME MUDO. MÚSICA.DESTA VEZ A COISA É INVERSA. JOSÉ SE ARRASTA AOS PÉS DE CARMEN, ELA O REPUDIA E VAI ATÉ O BIOMBO.

VIRA-O E APRESENTA A META DE SEU DESEJO: UM BELO TOUREADOR EM ROUPAS FAUSTOSAS (CANÇÃO DO

TOUREADOR). ELA DEMONSTRA QUE ESTE SIM É QUE VALE A PENA E NÃO O TRASTE QUE SE ARRASTA AOS

SEUS PÉS. JOSÉ IMPLORA E, NUM ÚLTIMO RECURSO, VAI ATRÁS DO BIOMBO, COLOCANDO SEU ROSTO NO

LUGAR DO TOUREADOR. CARMEN REPUDIA E DEMONSTRA QUE ELE NÃO COMBINA COM O TODO. JOSÉ SE

ATIRA AOS SEUS PÉS.(A HABANERA AO FUNDO) ELA PEGA UMA BACIA E A COLOCA EM FRENTE DA IMAGEM

DO TOUREADOR. DESPEJA ALGUNS PÓS, ABRE SEU LEQUE E MOVIMENTA-O.

CARMEN - � Eu te conjuro, vinagre, pimenta e enxofre, com três da padaria, três da cu�laria, três do

terreiro, todos três, todos seis, todos nove se ajuntarão, mais nove varas de amor apanharão

e no coração do toureador se cravarão. Ó Rainha que anda pelas encruzilhadas descasando os

casados e ajuntando os amancebados, me trazeis o toureador pelos ares e pelos ventos, que

ele não possa dormir nem sossegar, até comigo vir estar. Valha-me Barrabás, valha-me Caifás.

Por D. Maria de Padilha com toda a sua quadrilha.CARMEN RETIRA-SE, GARGALHANDO. JOSÉ SE LEVANTA E A SEGUE COM O PUNHAL LEVANTADO. SAEM.

3- PORTUGAL - ANTONIA MARIA E A INQUISIÇÃO – FEITIÇO DA PENEIRA

NARRADOR -� Por onde cruzava Maria Padilha, os povos nela mais um retalho de sua cultura. Estes

sor�légios e bruxedos foram parar em Portugal e em 1718 uma linda portuguesa, Maria

Antônia, foi presa pela Inquisição.TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO. TAMBORES GRAVES MARCAM A ENTRADA DO VISITADOR. ATRÁS DELE ENTRA

ANTÔNIA DE BEJA, ALGEMADA.

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VISITADOR - � Sabe por que está aqui, dona Antonia Maria?

ANTÔNIA MARIA - � Sei sim, foi por causa daquela vaca da minha vizinha, que me denunciou. Eu só quis ajudar a

piranha.

VISITADOR - � Modere esta linguagem, fei�ceira, ou é o demônio que está a falar por esta boca suja? (COM

TESÃO) O maligno usa de mil disfarces para enganar. Entrou aí neste teu corpo de ninfa, cobriu-

te com uma pele branca e aveludada, deu-te formas que despertam o desejo dos homens...

ANTÔNIA MARIA -� Não tem demônio nem nada. Se eu estou aqui, a Marlise devia de tá também, pois foi ela quem

me pediu que fizesse uns trabalho pra trazer o namorado de volta.

VISITADOR -� Cale esta boca. Sua vizinha trabalhou para nós, ela lançou a isca e você mordeu.

ANTÔNIA MARIA -� Sei, e cês usaram uma mulher que todos sabem o que é como espiã pra ajudar nas suas santas

intenções?

VISITADOR -� Oh, mulher dos demônios, saiba que são insondáveis os caminhos que Deus usa para fazer sua

jus�ça.

ANTÔNIA MARIA-� Ele tá precisando melhorar suas fonte de informação.

VISITADOR -� Infame! Agora então se julga uma conselheira de Deus? (ANOTANDO) Isto será acrescentado

ao seu processo.

ANTÔNIA MARIA -� Fazer o quê, né? Qualquer coisa que eu disser aqui vai me levar pra fogueira mesmo.

VISITADOR -� Não é bem assim, se você quiser que sua pena seja abrandada, deve nos dizer exatamente como

fez o teu sor�légio de amarração, senão vamos supor coisas piores e aí você estará perdida.

Aqui estão os objetos que foram encontrados em sua casa. Mostre-nos!O VISITADOR ENTREGA-LHE UMA PENEIRA COM VÁRIOS OBJETOS.

ANTÔNIA MARIA -� Primeiro eu fiz um fervedouro com raízes fortes, depois eu coloquei um coração de pombo e um

�quinho de pó de cantárida, daí eu coloquei os pedaços de pano das roupas do namorado dela.

Garrei a peneira e rezei assim: Por São Pedro e por São Paulo, por Jesus crucificado, por

Barrabás, Satanás, Caifás, por quantos eles são, por Dona Maria Padilha e toda a sua quadrilha,

me digas, peneira, se o namorado vai voltar pra ela, senão eu vou trazer o diabo coxo, que tem

aquilo roxo, pra comer no meu cocho e fazer ele engolir este carocho...

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VISITADOR -� (EXPLODINDO) Chegaaaa! Tirem esta mulher da minha frente, pelo amor de Deus. Que ela

seja degredada para Angola embrulhada em mil peneiras. (SAI)

ANTONIA MARIA -� Fiquei lá em Angola aprendendo as artes mágicas daquele con�nente, mas nunca me esqueci

de Maria Padilha. Um dia eu embarquei num navio e fugi para o Brasil.ATORES ENTRAM COM VELAS DE NAVIO. ANTÔNIA MARIA VAI NA FRENTE. MARIA PADILHA, EM PÉ, ATRÁS

DELA. SONS DE PÁSSAROS. OS MARINHEIROS CORREM APAVORADOS. OS GRASNADOS DESAPARECEM.

ELES RETOMAM A POSIÇÃO E SINGRAM OS MARES. ENQUANTO MARIA PADILHA FALA, OS ATORES CANTAM

BAIXO A MÚSICA DOS MARINHEIROS E FEITICEIRAS SEM A LETRA (LA RA RA...).

MARIA PADILHA -� Atravessei o Atlân�co a bordo da imaginação de Antonia Maria. Deixei toda a tristeza pra trás,

naquele velho con�nente. Deixei as lutas e as guerras fratricidas, não quis mais ver a luz das

fogueiras que queimavam pobres mulheres inocentes. Deixei pra trás aqueles velhos

casamentos bolorentos que uniam fortunas e levavam as mulheres à loucura. Deixei pra trás

os castelos frios e sombrios onde as damas passavam horas a bordar lágrimas em

tamboretes, pra trás ficaram os tristes claustros que serviam de prisão a mocinhas sem dote.ATORES CANTAM A CANÇÃO DOS MARINHEIROS E FEITICEIRAS.

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MARINHEIROS -� Florestas, praias e corais da minha terra,

� � estou chegando enfim.

� Moças bonitas do cais,

� guardem seus lábios pra mim.

AS DUAS -� Falem mais desta terra pra onde nos levam,

� � � nos distraiam com seu cân�co.

� Por nossa sina de mulheres perseguidas,

� � � vamos cheias de temor por este Atlân�co.

MARINHEIROS -� Não há porque se inquietar

� na minha terra terão paz e calor,

� tempo teu pra ensinar

� � � arte e fei�ços de amor.

AS DUAS -� � Que as mulheres de além escutem este aviso:

� � � despachos semeamos num zás-trás,

� � � Por Barrabás, Caifás, e Satanás!

TODOS -� O vento pode ventejar

� � � o céu pode estrelejar

� o mar, marejar

� � � Ninguém vai entrar nesta quadrilha

� � � sem antes passar pela Padilha.

� Maria Padilha.

ASSIM QUE A MÚSICA TERMINA OUVE-SE O GRASNADO DE

PÁSSARO NOVAMENTE. CORRE CORRE DOS MARINHEIROS.

TODOS SAEM.

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NARRADOR -� Enquanto Maria Padilha atravessava os mares montada na imaginação de Antonia Maria, duas� mulheres muito ansiosas esperavam na praia do outro lado do Atlân�co: Oxum, a senhora dos

rios e das águas doces e Nanã Buruquê, a mais velha de todas as orixás, senhora dos pântanos e

da morte.ENTRAM OXUM E NANÃ. OXUM FIRMA A VISTA AO LONGE. NANÃ AGUARDA IMPACIENTE.

NANÃ -� E aí, tá vendo alguma coisa?

OXUM -� Ainda não, mãe Nanã. Ela tá demorando pra chegar.

NANÃ -� Não aguento mais esperar. Não quero que este povo aqui con�nue a me enfiar vestes da

Senhora Santana.

OXUM -� Não se desespere, mamãe Nanã, é só uma questão de tempo. Padilha vai acabar com isto e

mostrar o valor das mulheres.

NANÃ -� Eu vou lá arrumar mais algumas flores pra receber a menina.

OXUM -� Não precisa forçar mais a tua vista cansada, mãe. Iansã, Iemanjá, Ewá e Obá já deixaram tudo

pronto pra receber a Padilha.

NANÃ -� Ah, e eu vou ficar aqui fazendo o quê?OXUM APURA OS OUVIDOS.

OXUM -� Espera, mãe. Será possível? Parece que estou ouvindo o grande pássaro! (RADIANTE) A Grande

Mãe vem na forma de pássaro acompanhando a rainha da Espanha.

NANÃ -� Não é possível, a própria Iyami Oxorongá, a primeira mulher que veio ao mundo, está trazendo a

Padilha?

OXUM -� Sim, é a nossa Grande Mãe ancestral que tá protegendo ela.NANÃ COMEÇA A RIR SEM PARAR.

OXUM -� Que foi, endoidou?

NANÃ -� Não, menina, só tô imaginando aqui a caganeira que devem tá passando estes marinheiros.

Imagine só, este grande pássaro grasnando e eles não podendo ver onde ele está.

OXUM -� Os homens sempre �veram medo da Grande Mãe e chamaram ela de fei�ceira. Devem ter

esvaziado as tripas no mar.

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NANÃ -� É uma honra muito grande receber ao mesmo tempo a Grande Mãe e Maria Padilha. Ah, agora é

que eu preciso ir lá ver como as meninas estão indo com os prepara�vos.OXUM E NANÃ SE RETIRAM. ENTRA MARIA PADILHA NUM CARRO, SEGURANDO UMA VELA DE NAVIO. ELA

COLOCA A MÃO DIANTE DOS OLHOS E PROCURA.

MARIA PADILHA -� Ao longe, eu vi aquela terra prome�da. Lugar estranho, com muito verde e florestas

emaranhadas. Não podia saber o que me esperava, mas qual não foi a minha surpresa quando

pisei no Recife com Antonia Maria e ali fui recebida com festas pelas en�dades alegres que

habitam esta terra de mistérios.MÚSICA ALEGRE. MARIA PADILHA É RECEBIDA POR TUPÃ, NANÃ E OXUM (grandes bonecos).

� Bem-vinda à nossa gira

� vem reinar, minha senhora.

� Bem-vinda à nossa gira

� que chegou a sua hora.

� Gira, gira, gira, meu povo,

� entra na roda e vem cantar nossa rainha.

� Rodou, rodou e veio lá de longe,

� na gira ganhou vida esta andorinha.

� Bem-vinda à nossa gira.

� vem reinar, minha espanhola.

� Bem-vinda à nossa gira.

� Sambolê pemba de Angola.ATORES CONTINUAM A CANTAR EM VOZ BAIXA. O CARRO PASSEIA ENTRE O PÚBLICO.

MARIA PADILHA -� Minha história termina aqui, minha gente, mas o povo con�nuará reinventando este mito. Não

me importo com isso, pois minha essência con�nuará sendo a mesma! Por mais que mudem,

serei sempre a mulher que soube ocupar o seu lugar num mundo dominado por homens.

RETORNA À MÚSICA ANTERIOR. FESTA NO MEIO DO PÚBLICO.�� � � FIM

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