TRAJETOS DO MEDO: A profissão dos mototaxistas de ... · experiências de trabalho nas quais...
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TRAJETOS DO MEDO:
A profissão dos mototaxistas de Imperatriz-ma1
Ana Paula Pinto Pereira2, UFMA
Jesus Marmanillo Pereira3, UFMA
RESUMO - O presente texto busca analisar como o sentimento de medo compõe o
cotidiano dos mototaxistas da cidade de Imperatriz-MA. Para tanto, desenvolvemos
uma narrativa focada na compreensão da formação e cotidiano desse grupo de
trabalhadores e dos efeitos do sentimento de medo nas interações vividas por eles,
durante o tempo de profissão. Para tanto, buscamos nos aproximar da perspectiva da
etnografia da duração. Fazemos, portanto, a utilização de imagens enquanto meios para
trazer à tona narrativas de experiências que retratem o sentimento de medo, insegurança
e vulnerabilidade dos mototaxistas. Orientados por autores como Koury (2005),
Barreira (2013), Rocha e Eckert (2013), verificamos que tais sentimentos coexistiram
com a própria história da regularização do ofício e que as experiências desses
trabalhadores apontam para percepções e classificações de lugares e formas de interagir
em meio aos contextos de medo, insegurança e vulnerabilidade.
Palavras Chaves: Medo. Mototaxistas. Imperatriz (MA).
Key words: Fear. Bike taxi. Imperatriz (MA)
INTRODUÇÃO
Partindo da leitura dos Jornais “O Progresso” e o “O Capital”, periódicos
impressos na cidade de Imperatriz durante a década de 1990, notamos que nessa década
emergiu uma nova modalidade de transporte público na cidade de Imperatriz: a dos
mototaxistas. Trata-se de um tipo de profissional que estava inserido em uma
configuração (ELIAS, 1999) composta por outras modalidades de serviço de transporte
1 “Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre
os dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA” 2Ana Paula Pinto Pereira
Acadêmica do curso de Ciências Humanas/Sociologia na Universidade Federal do Maranhão e integrante
do Laboratório de Estudos e Pesquisas Sobre Cidades e Imagens (LAEPCI) 3 [email protected]
Doutor em Sociologia (UFPB). Professor do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia, da
Universidade Federal do Maranhão. Coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas Sobre Cidades e
Imagens (LAEPCI)
2
público, como, por exemplo, ônibus coletivos e táxi. Observamos um contexto dividido
entre os que apoiavam a nova modalidade e os que se posicionavam contrários.
Em meio a esse conjunto de atores sociais e relações, um aspecto já se fazia
presente no cotidiano desse grupo: a vulnerabilidade ao qual estavam expostos,
inclusive dentro da própria categoria de prestadores de serviço do transporte. Nesse
âmbito, o presente artigo pretende analisar a relação entre a profissão e o sentimento de
medo na cidade de Imperatriz-MA. Mais especificamente analisar as formas como o
medo influencia (direta ou indiretamente) as relações entre mototaxistas e passageiros,
e, também, nas classificações de locais denominados perigosos. Apresentaremos,
portanto, um estudo qualitativo e descritivo, orientado pela noção de etnografia da
duração (ECKERT e ROCHA, 2011) cujo objetivo é destacar intrigas e compreender o
cotidiano dos mototaxistas na perspectiva do medo e sociabilidade. Foram considerados
também as contribuições de Koury (2005), Rocha e Eckert (2013), Barreira (2013) e
outros autores que exploram a relação entre o medo e formas de sociabilidade.
Em termos metodológicos, nossa pesquisa de campo foi composta por um
conjunto de operações como observação direta em dois pontos de mototaxis localizados
no centro de cidade de Imperatriz, realização de seis entrevistas tanto com trabalhadores
que vivem desse ofício, quanto por outros que vivenciaram essa experiência de trabalho,
nos períodos iniciais da organização dessa categoria de trabalhadores. Foram coletadas,
também, fontes documentais no Sindicato dos mototaxistas (Sindmoto), e recortes dos
jornais O Progresso e o Capital que contemplavam as décadas de 1970 e 1990,
presentes no Acervo do Curso de Comunicação da UFMA de Imperatriz.
O resultado disso, nas pesquisas de campo, foi à utilização de imagens (anexo
II) – retiradas de jornais e de reportagens recentes da web– com o intuito de auxiliar no
processo de rememoração do passado, das intrigas vividas por esses atores sociais.
Assim, o uso das fotografias tinha o intuito de fazer os entrevistados relembrarem de
experiências de trabalho nas quais tiveram os sentimentos de medo e vulnerabilidade.
Após isso, buscamos explorar aspectos das interações relatadas, enfatizando as formas
de classificação e construção de estigmas. Enfim, tais opções influenciaram a
organização do texto para a elucidação de 1) aspectos históricos do cenário urbano de
3
Imperatriz e da organização dos mototaxistas e 2) a questão do medo, quais as
implicações do sentimento do medo, de vulnerabilidade frente ao outro desconhecido.
CENÁRIOS URBANOS: MOTOTAXISTAS, ASPECTOS HISTÓRICOS E O
ENCONTRO COM O MEDO.
A princípio, por volta da década de 1970 e 1980, o transporte público de
Imperatriz se resumia aos ônibus coletivos de empresas privadas e aos taxis, que eram
uma forma de transporte alternativo autônomo e regularizado. Naquele período, a
urbanização e desemprego, relatado pelos cinco informantes (Anexo II) eram aspectos
que podiam ser relacionados, facilmente, ao surgimento de novas formas de emprego e
de trabalhadores como, por exemplo, os mototaxistas – trabalhadores que possuíam
atividades similares aos dos taxistas, contudo realizadas na motocicleta, o que gerava
um baixo custo, tanto para quem oferecia o serviço, quanto pra quem o utilizava.
Gráfico 1- Aumento da população na cidade de Imperatriz-MA
Fonte: IBGE (2016)
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
1970 1980 1991 2000 2010
Urbana
Rural
Total
4
Para compreender um pouco do processo de urbanização da cidade de
Imperatriz-MA e, mais especificamente, dos períodos que compreendem as décadas de
1970 e 1980 basta verificar no gráfico 1. O instituto mostra que no decorrer dessas
décadas ocorreram aumentos populacionais respectivos de 321,7% e 188,2%, o que
significou uma mudança de 34.698 habitantes em 1970 para 111.619 em 1980, e
210.051 em 1991. Isso nos faz imaginar que a densidade das ruas da cidade já que era
como o se os transeuntes passassem de um para, aproximadamente, quatro na primeira
década e para quase o dobro na década seguinte.
O mesmo gráfico aponta a diminuição da população rural no do município de
Imperatriz-MA, explicada por Franklin (2005) em função da grande perda territorial
ocorrida no inicio da década de 1990: ocasionada pela criação dos municípios de Edison
Lobão, Divinópolis, São Francisco do Brejão, São Pedro da Água Branca e Vila Nova
dos Martírios4. Além disso, o autor enfatiza que entre as décadas de 1970 e 1980 o
município recebeu 93.077 imigrantes constituídos por: 60.025 (64,5%) maranhenses,
7.077 goianos, 4.460 piauienses, 3.959 cearenses, 3.843 mineiros, 2.984 paraenses,
1.138 pernambucanos e 1.116 capixabas. E, no período posterior, entre 1980 e 1991
recebeu 88.560 que representou 32% do total da população. Tanto as migrações quanto
as divisões territoriais foram responsáveis uma série de mudanças na cidade, no
decorrer da década de 1990, especialmente em relação à oferta de serviços
especializados como internet, cinema e, principalmente, de transportes que
possibilitassem o deslocamento e conexão ao longo da crescente área urbana cuja
expansão era alimentada pelos contingentes migrantes.
Em um contato preliminar com os jornais das décadas de 1970 e 1990,
observamos um conjunto de 30 notícias jornalísticas5 que nos possibilitaram ter uma
noção do processo de implementação e expansão dos transportes públicos e alternativos
em Imperatriz-MA. Notícias como: “Ônibus estenderão linhas aos subúrbios:
beneficiados os de Maranhão Novo e Bacuri” (O Progresso, 14/05/1991) e “A
população quer terminal integrado (O Capital, 12/09/1997) sinalizam uma expansão do
4 Dessa forma, grandes porções de áreas rurais dos municípios de Imperatriz passaram a ser contabilizado
nos municípios recém-criados, o que significou uma perda de mais de cinco mil quilômetros quadrados, e
reforço da população urbana, que segundo Franklin (2005) passou a ter uma representatividade de 95%
do total do município. 5 Verificar nas referências
5
centro comercial rumo aos bairros adjacentes e a necessidade e carência de transportes
públicos na cidade”.
Foi nesse contexto, da década de 1990, que os mototaxistas passaram a transitar
pelas ruas de Imperatriz. Tratava-se de novos atores sociais que estavam inseridos em
uma configuração (Elias, 1999) composta por outros tipos de trabalhadores do
transporte: motorista de táxi e de ônibus. Uma primeira relação observada entre essas
diferentes modalidades de transporte foi quanto ao preço do serviço, mais baixo para o
deslocamento realizado com o mototáxi, em relação ao taxi. Tal observação advém da
leitura de reportagens como: Táxi: é hora da tabela (O progresso 20/10/1972); Tabelas
de preço e emplacamento: duas exigências para o táxi (O progresso, 25/12/1972); Táxi:
batida e exploração (O progresso, 26/12/ 1972) que enfatizavam a necessidade do
estabelecimento de um preço menor e que não fosse arbitrário.
Notamos que em julho de 1996, os mototaxistas iniciaram suas reivindicações
por meio de uma associação profissional em torno dessa categoria de trabalho. Por
meio desta, se mobilizaram e passaram por diversas mudanças até alcançar
regulamentação e o reconhecimento nacional, por meio da lei N° 12.009 de 2009. Além
de regulamentar o exercício das atividades dos profissionais em transporte de
passageiros com o uso de motocicleta, “mototaxista”, essa lei alterava a Lei no 9.503, de
23 de setembro de 1997, para dispor sobre regras de segurança dos serviços de
transporte remunerado de mercadorias em motocicletas e motonetas – moto-frete –,
estabelecendo regras gerais para a regulação desse serviço.
A regulamentação dessa forma de trabalho é fruto de mobilizações, debates e
embates de diversas posições, pois a motocicleta a priori não era contemplada na
legislação de trânsito como um transporte de aluguel para fazer o transporte de
passageiros. Sobre isso, Eliaquin Damacena, que era do Conselho Nacional de
Trânsito, afirmava publicamente, no jornal O Progresso de 11/02/ 1997, que esse
transporte colocava em risco a vida das pessoas que o utilizavam. Em contrapartida,
existiam também os que eram a favor dos mototaxistas, a exemplo do vereador Joel
Gomes Costa6, que em 1997 defendia, na câmara dos vereadores de Imperatriz, a
regularização dessa atividade. Para ele, se um motoqueiro, em alta velocidade, sofresse
6 Câmara discute regulamentação (O Progresso 11 /04/ 1997)
6
acidentes este seria um problema dele e da polícia de trânsito, no entanto, se um moto-
taxista fosse flagrado com velocidade acima do permitido, no trânsito, já seria um
problema do usuário e de toda a sociedade, e por isso a atividade deveria ser
regularizada.
Imagem 1- A questão da regularização na câmara de vereadores
Fonte: Jornal O Progresso – 12 de julho de 1997
Segundo a fonte o recorte jornalístico (imagem 1) o debate sobre a
regulamentação já ia se estendendo ao longo de cinco meses. Ressalta que os próprios
mototaxistas, apesar de desejarem a legalização, também a temiam, pois havia um
grande número de trabalhadores que se valiam do serviço e que com a regulamentação
seriam descredenciados, uma vez que apenas um pequeno grupo iria dispor dos alvarás.
De acordo com quem, na época, a seleção dos primeiro trabalhadores regulamentados
de mototáxi aconteceu por meio de sorteio.
Ao explicar que muitos mototaxistas e lideres do sindicato compareceu para
acompanhar os debates da sessão dos parlamentares, o documento nos mostra a
participação desse grupo de trabalhadores que não se pouparam na participação de
manifestações em torno da regulamentação do serviço de mototáxi. Um pouco dessa
trama de debates em torno da justiça e ações coletivas nas ruas, pode ser acompanhada
em algumas manchetes retiradas de jornais que retratam essa questão: “Serviço de
7
moto-taxista é proibido pela justiça” (O Capital 13/12/1997), “Mototaxistas reagem à
determinação de Raimundo Cutrin – o sindicato da categoria garante cumprir a ordem,
mas promete lutar pra reverter a situação” (O Capital14/12/1997), “Mototaxistas fazem
manifestações em frente a prefeitura de Araguaína”(O Progresso 09/07/1997), “Ônibus
são depredados por mototaxistas”(O Progresso 10/07/1997), “Mototaxistas Lei de
regulamentação fica sub-júdice”(O Progresso 02/06/1997). O resultado de tudo isso, foi
que em 03 de julho de 1998, o prefeito da época, Ildon Marques de Sousa, sancionou a
lei N° 859/98 que regulamentou o serviço de táxi-lotação na cidade de Imperatriz. A fim
de obter mais informações sobre a organização atual dessa categoria de trabalhadores,
nos dirigimos para a sede do Sindicato dos Mototaxistas (Sindmoto), existente desde
1996, e localizada no N° 88 da Rua Barão do Rio Branco.
Imagem 2- Sindicato dos Mototaxistas
Autor: Pereira (a) (2016)
Tendo como lema “a união faz a força” (Imagem 1) o sindicato em questão foi
constituído para fins de defesa, estudo, coordenação, orientação e representação legal da
categoria, como afirma o próprio estatuto. O sindicato é administrado por uma diretoria
composta por três membros: presidente, o diretor-secretário e o diretor-tesoureiro,
eleitos a cada três anos - e conta ainda com 100 associados.
Segundo a secretária da organização, atualmente há mais de 30 pontos de
mototaxis espalhados por toda a cidade e não há alvarás específicos por cada ponto.
Dessa forma qualquer mototaxistas pode trabalhar em qualquer ponto, contudo,
observamos que geralmente eles acabam fixando-se em determinados pontos e
desenvolvendo um sentimento de pertencimento, e amizades. Existem os pontos criados
8
pela Secretaria Municipal de Trânsito e transporte (Setram) e há aqueles que os próprios
trabalhadores criam, ou mesmo organizam o ponto existente: alugando algum espaço,
colocando bebedouro, dividindo as despesas e etc. Para Araujo (2016) esses 30 pontos
recebem 650 profissionais credenciados pela mesma secretaria de Transito. Sobre a
organização de trabalho nesses pontos, verificamos que há uma ordem de chegada: o
mototaxista que chega primeiro atende o passageiro e assim por diante.
Uma trajetória interessante por meio da qual é possível visualizar o que foi
exposto até então é a do senhor Carlito Batista Pereira, filho de lavradores que nasceu
em Tocantinópolis-TO7 no ano de 1961. Ele explica que veio para Imperatriz-MA em
1985, que deixou a cidade para ir trabalhar no garimpo no Estado do Pará e retornou em
1992, quando passou a trabalhar como vigia e posteriormente acumulou, em 1996, o
ofício de mototaxista. Tendo a experiência de ter participado dos primeiros anos de
formação do sindicato, o senhor Carlito foi mototaxista por oito anos e depois ingressou
em outra modalidade de transporte conhecida como taxi-lotação. Com a mudança,
passou a alugar o alvará da moto para outro trabalhador.
Sobre o sindicato, nosso informante recorda que era organizado e buscava
melhorias para a categoria, exemplo disso é que por meio da união desses trabalhadores,
foram organizados rifas e bingos que resultaram na obtenção de uma sede própria e até
uma chácara. Observando o contexto atual, notamos que esses tipos de eventos ainda
ocorrem quando buscam construir algo, e que a coesão do grupo é bem expressada em
situações nas quais algum membro é colocado em risco. Um exemplo disso foi notado
em fevereiro de 2016 quando ocorreu o assassinato do mototaxista Erislândio Rodrigues
Martins8 que gerou um cortejo fúnebre com tom de protesto. Os colegas de profissão
passaram pelas principais ruas do centro da cidade, inclusive em frente à Delegacia
Regional com o intuito de pedir justiça pela morte do colega. Aspecto semelhante foi
percebido por Anny Veiga ao estudar os mototaxistas de Campina Grande:
Estando neste ambiente urbano heterogêneo, onde as relações entre os
motoqueiros aparecem em um misto de “cumplicidade” e concorrência,
podemos encontrar esta cumplicidade entre os mototaxistas, quando acontece
7 Cidade que na época pertencia ao estado de Goiás Após 1988 a região norte de Goiás se emancipa para
se tornar o estado do Tocantins. 8 http://www.idifusora.com.br/2016/02/07/mototaxista-e-assassinado-a-facadas-em-imperatriz/ acessado
em dia 18 de agosto de 2016
9
um acidente, por exemplo, ou quando algum condutor critica alguma
manobra dos mototaxistas, de forma rápida e em conjunto, eles se unem para
dar apoio ao seu “colega de trabalho”. (VEIGA, 2013, p. 04)
Embora essa categoria de trabalho tenha obtido a regulamentação e outras
conquistas, como, por exemplo, os cursos de capacitação promovidos pela Prefeitura,
eles ainda enfrentam diversos problemas e dificuldades, dentre as quais destacamos os
sentimentos de medo, o risco e a sensação de vulnerabilidade gerada pelas situações de
violência no trânsito e em alguns bairros da cidade.
Essa sensação está diretamente vinculada às experiências negativas de alguns
trabalhadores e a um conjunto de notícias9 sobre mototaxistas vítimas de assaltos,
agressões e homicídios ocorridos desde os tempos iniciais dessa categoria. O medo e
risco de acidentes também é algo percebido na própria fala desses profissionais, como
foi possível verificar nas palavras de um entrevistado, no qual denominaremos de
informante A, que possui 10 anos de experiência na profissão, e assim como o senhor
Carlito também desenvolve ofício de vigilante. Quando perguntamos sobre os perigos
cotidianos, ele fala:
“[...] o povo não respeita as faixas, as placas, as preferenciais, a gente tem
que andar pela gente e pelo os outros... Eu mesmo já levei um acidente,
quase morri, passei 22 dias na UTI, foi um milagre [...].” (informante A,
2016 – Entrevistado no dia 12/09/2016).
Com opinião semelhante, Pedro Moraes da Silva Junior que é um mototaxista
de 28 anos, nascido em Grajaú, mas criado em Imperatriz, reforça: “tem que ficar ligado
direto, ter atenção dobrada pra andar nesse trânsito aê.” (Entrevista realizada no dia
12/08/ 2016). Ele possui dois anos de experiência e, assim como os outros dois
anteriores, possuía, inicialmente, dois trabalhos: como vendedor de autopeças pelo dia e
mototaxista pela noite. Além dos riscos que eles enfrentam referente ao trânsito outro
aspecto que abordaremos com mais ênfase é o medo do outro, a sua vulnerabilidade
frente ao outro- desconhecido.
9 Ladrões de moto voltam a agir (O Capital, 26/09/1997), Moto-taxista é assaltado na JK(O Capital,
26/09/1997), Moto-taxista não tem moto tomada em assalto(O Capital, 27/09/1997), Moto-taxista é
assaltado na BR 010(O Capital, 18/10/1997), Crimes de taxistas continuam sem pistas(O Capital,
21/11/1997), Taxista baleado não corre risco de vida(O Progresso, 19/06/1997), Moto-taxista é assaltado
por “passageiro” (O Progresso, 02/07/1997)
10
TRAJETOS DO MEDO: INTERAÇÕES IMAGÉTICAS E LOCAIS
PERIGOSOS
Ser mototaxista é um meio de trabalho e é por meio deste ofício que muitos
pais de famílias colocam o pão na mesa. Quando não é a principal fonte de sustento da
sua família, auxiliam como complemento de renda, caracterizando os “trajetos do
medo” como uma forma necessária de obter o sustento econômico na cidade. Para uns,
este emprego é tudo; para outros, é uma profissão sofrida, ou ainda apenas um meio de
trabalho, mas classificada como uma profissão perigosa. Nas entrevistas, eles são
enfáticos na questão dos acidentes ocorridos no trânsito e na existência de uma sensação
de medo do outro: do bandido, do mal feitor etc.
Este artigo tem por objetivo compreender a relação entre o medo e a profissão
de mototaxista em Imperatriz. Para tal, nos orientamos por pesquisas (Koury, 2005) que
abordam a relação entre medo e as formas de sociabilidade, compreendendo-o como
fenômeno que varia de acordo com cada situação, e como construção sócio-histórica.
Consideramos também o artigo “Cidade sitiada, o medo como intriga”, vinculado ao
documentário “Cidade sitiada, seus fantasmas e seus medos” (Eckert e Rocha,2008).
Trata-se de uma produção complexa que envolve pesquisa e produção audiovisual
focado sobre a construção de uma cultura do medo presente nos habitantes da cidade de
Porto Alegre (RS). Neste sentido, são narradas as mudanças nas formas de
sociabilidades, quais os novos hábitos que surgem por conta do sentimento de medo,
quais as mudanças no tempo baseados no sentimento de medo, vulnerabilidade e
insegurança vividos pelos habitantes.
De forma prática, buscou-se interpretar as experiências de medo e risco dos
mototaxistas por meio da noção de etnografia da duração (ECKERT e ROCHA, 2001),
compreendendo as falas dos entrevistados de acordo com as intrigas, diversidades de
imagens e de dramas que configuram o cotidiano citado por eles. Por esse caminho
tentou-se pensar uma espécie de mapeamento simbólico do emaranhando dos ritmos
vividos por eles nos territórios da cidade. Nesse processo, nos valemos de imagens de
casos de violências contra esses profissionais, com o intuito de rememorar tempos
11
passados, pois concordamos com Samain (2012) que a imagem é fenômeno, isto é, algo
que traz a luz. Após mostrar as imagens10
que retratavam situações de medo,
vulnerabilidade, violência contra os mototaxistas, os indagamos sobre o que vinha na
mente deles ao visualizar as fotografias, obtendo as seguintes respostas:
“A questão do medo é constate entendeu? a gente tá nesse trabalho aqui
ninguém sabe quem é o bom quem é o ruim, entendeu? A gente fica a mercê
do bom e do bandido também, ninguém sabe quem é bom e quem é ruim, a
qualquer momento pode acontecer comigo ou com um colega meu”
(FRANCISCO – Entrevista realizada no dia 21/09/2016)
“Dá medo né, a gente sempre fica assim né, é atencioso, a gente fica, mas é
como falam né é o ofício da gente, é o trabalho e a gente tem que encarar,
devido às essas malésias, a gente tem que ir a luta e encarar.” (JOÃO
POFILHO - Entrevista realizada no dia 21/09/2016)
João Porfilho da Silva Barros é Imperatrizense e possui 39 anos e trabalha
como mototaxista há 13 anos; já Francisco Carlos Bezerra de 44 anos, apesar de ter
nascido em Porção da Pedra-MA, possui 40 anos de residência em Imperatriz e 20 anos
trabalhando nesse ofício. Ambas são pessoas cujas famílias eram de origem humilde e
os pais dedicavam-se, respectivamente, as atividades de motorista e serviços gerais.
Trata-se de pessoas com grande conhecimento e experiência sobre a cidade, que moram
respectivamente nos bairros da Juçara e Nova Imperatriz11
, e que chegaram ao ofício de
mototaxista motivados pela situação de desemprego.
Nas narrativas de ambos, o desconhecimento sobre o outro é um dos principais
fatores de medo, mais especificamente o medo da violência física. A partir das respostas
dos entrevistados podemos constatar que há uma cultura do medo presente nesta
profissão. Afinal, os mototaxistas lidam todos os dias com pessoas que não conhecem.
Como Francisco afirma: “a gente fica a mercê do bom e do bandido”. Quando
dialogamos sobre esses riscos, João Porfilho explica: “é o ofício da gente, é o trabalho e
a gente tem que encarar”. Portanto, o sujeito se enquadra e se reconhece como sendo
vulnerável diante de situações ameaçadoras, mas sempre está lá, sempre se mantém
sujeito-cidade.
10 Ver imagens em anexo II 11 Locais vizinhos ao centro
12
Nessa percepção de medo social, o sujeito é habitante de seu tempo na cidade
disjuntiva que concebe as formas dos sentidos de interação: “sujeito moderno”, fugaz,
contraditório, paradoxal, efêmero, vulnerável, mas sempre lá, sujeito-cidade. (ECKERT
E ROCHA, 2008). Sujeito que pode ser pensado em uma sociedade erguida sob a
perspectiva do medo, um medo capaz de construir e reconstruir novas formas de
relações sociais (KOURY, 2005). Essas abordagens consagradas da Antropologia
urbana e das emoções foram evidenciadas quando questionamos um dos entrevistados, a
respeito da relação entre ele e os passageiros. Segundo ele:
É com o coração na mão, Deus tá no controle ...as vezes a mulher pega a moto, e já tem um cara esperando a gente lá com a arma, ninguém vai
desconfiar que a mulher vai fazer nada com a gente, mas chega lá tem um
cara esperando pra assaltar a gente, já aconteceu várias vezes isso.
(INFORMANTE A - Entrevista realizada no dia12/09/2016)
É notório que o sentimento do medo, vulnerabilidade e desconfiança expressos
nas falas, o deixaram em estado de alerta constante para qualquer situação que lhe
pudesse parecer estranha. Retomando os estudos de Koury (2005), a declaração do
entrevistado transmite um ar de mistério, segredo que envolve o “outro” fazendo com
que sejam estabelecidas certas barreiras, distâncias e diferenças orientadas pelo medo da
traição. Portanto, o desconhecimento a cerca do outro vai sempre gerar o sentimento de
medo, de vulnerabilidade, o indivíduo, no caso o mototaxista, sempre andará
apreensivo, porque o passageiro vai sempre ser o outro desconhecido, causando
insegurança e incerteza a cada trajeto traçado.
O medo, portanto, também pode ser compreendido como um importante
“combustível” no desenvolvimento de estigmas e pode-se falar até em uso social dele
para gerar estereótipos sobre determinados grupos. Portanto, buscamos compreender
quais os sinais e símbolos observados por esses trabalhadores, em suas interações com
os passageiros, e como esses podem ser utilizados no processo de construção de
classificações relacionadas a situações de risco e perigo. Assim, indagamos sobre como
constroem uma percepção a respeito do perigo relacionado a um “falso passageiro” com
intenção de cometer algum crime e obtemos as seguintes respostas:
“Pela fisionomia da pessoa, pela conversa, pelo jeito, pelo valor que a gente
cobra, e ele diz, não tá bom, a gente cobra um valor estipulado pra ver se ele
13
vai..aí a gente fica mais confiado né...” (INFORMANTE A - Entrevista
realizada no dia12/09/2016)
“a questão dos bandidos, dos passageiro né, a gente vai muito pela aparência,
o modo de conversar, e aí a gente tenta se livrar” (JOÃO POFILHO -
Entrevista realizada no dia 21/09/2016)
As citações indicam que nesse cotidiano de trajetos perigosos, o componente
visual é fundamental no processo classificatório realizados por esses taxistas durante as
primeiras interações com os passageiros. Sobre a importância do elemento visual nas
interações estabelecidas, Matos Júnior (2008) nota que a manipulação dos aspectos
visuais de criminalidade é técnicas socialmente apreendidas, pelos atores, por meio da
cultura desenvolvida no cotidiano dos bairros, e explica que:
No processo de construção de um "outro" potencialmente perigoso, ou seja,
na objetivação corporizada do medo em indivíduos próximos e imediatos, a
"leitura" dos corpos, confundidos com indicadores fidedignos de intenções e
personalidades, são elementos essenciais da identificação de "elementos"
socialmente perigosos. Portadores de estilos, roupas e adereços que marcam a diferença, definem individualidades e autonomia em uma sociedade
imagética de consumo (Canclini, 1996), os protagonistas dos medos são
monocromaticamente concebidos através de suas composições estéticas e
possibilidades performativas (MATOS JÚNIOR, 2008, p. 77-78)
A apreciação da fisionomia, busca de indicadores, comportamentos e estilos de
roupa considerados por Matos Júnior (2008) são elementos de aproximação e/ ou
distanciamento social fundamentais nas analises Goffmanianas(1981) que as entendem,
também, como informações sociais: gestos, símbolos e expressões corporais. Por meio
dessas os mototaxistas tentam caracterizar determinado tipo de pessoa- se ele pertence
ou não a um grupo, e reproduzir classificações que acarretam na construção social da
Identidade Deteriorada. Aprofundando o debate sobre essas interações, o autor discorre:
As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um
relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão
particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros
aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua
"identidade social" - para usar um termo melhor do que "status social", já que
nele se incluem atributos como "honestidade", da mesma forma que atributos
estruturais, como "ocupação" (GOFFMAN, 1891, p. 5)
Enfim, no jogo de classificação do “outro”, valem os componentes visuais
presentes nas primeiras interações, a classificação de informações sociais e elementos
estruturais que podem ser apreendidos por meio: “do modo de conversar”, “do
14
comportamento em relação aos valores do deslocamento” e “pelos locais de transito e
destino solicitados pelos passageiros”. Sobre esse último aspecto, convém ressaltar o
relato de Carlito:
“Eu fui levar um passageiro, ai quando eu cheguei lá, aí eu peguei, aí o
homem caçando dinheiro aqui pra me pagar, ai o quando eu cheguei, eu
parei, aí o cara desceu e meteu o dinheiro no bolso pra pegar o dinheiro pra
me pagar sabe, só que quando ele botou a mão no bolso aqui, a gente tava assim olhando um pro outro né, quando a gente deu fé, a gente suntou mexer
assim na piçarra como quem vinha andando né, aí vinha dois cara de bicicleta
né, aí como a gente já tem medo de ver dois cara de bicicleta, a gente já sabe
que num é boa coisa, moço e o cara partindo em nosso rumo, quando ele
partiu em nosso rumo esse cara quase sobe no muro de costa e eu do jeito que
tava aqui só fiz botar a primeira e arrastei na moto... Agora medo grande num
foi aí, medo grande foi depois, eu arrudiei no parque buriti ali num sabe, no
parque buriti tinha um bocado de rua que não tinha saída, moço eu rudiei por
um monte de lugar, mas pra todo lugar que eu ia as ruas num tinha saída,
então eu tinha que ir rudiando e voltando, e num é que quando eu volto eu
peguei uma rua assim que eu vou – essa aqui dá pra mim sair – quando eu volto que eu olho lá vem os cara no meu rumo, nessa rua tinha tanto buraco
que eu acelerei a moto mas a moto num conseguia andar era caindo assim
dentro dos buraco “thubucothubucothubuco” e o cara lá vem e eu vou pra
cima dos cara e o cara no meu rumo, e o cara desceu, e eu pois pronto, vai me
atirar agora, e eu acelerei essa moto assim por cima das calçadas aí eu desci,
aí foi que eu sai ali naquela rua da Simplício Moreira, aí moço eu parei lá na
frente, perto da praça, aí eu cacei as pernas, cadê, eu pensei que tinha perdido
as penas... Eu nem recebi o dinheiro do cabra, ele me pagou depois, ou vez,
com muito tempo aí eu levei ele de novo né, aí eu levava ele, num tem aquele
cabra que num trabalha de moto-táxi de noite, aí tem aqueles cabra que a
gente sabe onde que pega e os horários né, dá certin, eu já ia esperar o caba na bucana, aí nesse dia eu levei ele, eu já tinha levado ele muitas vezes, mas
nesse dia aconteceu isso aí.” (CARLITO- Entrevistado no dia 13/09/2016)
Ao relatar uma situação ocorrida no bairro Parque do Buriti, Carlito enfatiza
a percepção dele e do passageiro em relação aos dois homens de bicicleta. Explicou o
sentimento de medo não apenas em relação aos referidos homens, mas da possibilidade
de falha de saída do bairro, caracterizado por ele como cheio de ruas sem-saída. Essa
experiência de vida do entrevistado é importante quando a consideramos como uma
forma de transmissão de visão de mundo e de determinadas práticas situacionais
(MATOS, JÚNIOR, 2008), principalmente pelo fato de o senhor Carlito possuir maior
experiência de vida e manter uma relação de amizade com outros trabalhadores da
categoria, possibilitando, assim, a transmissão e a socialização das informações.
Os próprios trabalhadores dizem que ganham confiança de acordo com o
comportamento, modo de vestir, pela conversa etc. Situação bem exemplificada no caso
15
narrado pelo senhor Carlito, que apesar de ter relatado que não viu nenhum tipo de
arma, enfatizou: “[...] como a gente já tem medo de ver dois cara de bicicleta, a gente já
sabe que num é boa coisa [...]. Logo há uma espécie de estranhamento com relação ao
outro desconhecido, estigmatizado e misterioso.
A relação entre o mototaxista e o passageiro normalmente é impessoal e
permeada pelo sentimento de medo, de insegurança, de vulnerabilidade, frente ao outro
desconhecido, o que segundo Eckert e Rocha (2008) leva o indivíduo a espreitar suas
práticas sociais num quadro de probabilidades de riscos, o que empresta a imagem de
sujeição a formas individualizadas de vitimização. Consequentemente, aquele grupo de
trabalhadores sempre cria estereótipos de determinados bairros, as quais eles classificam
como os bairros que “se podem andar tranquilamente” ou “perigosos nos quais devemos
evitar passar e/ou transportar passageiros”. Sobre essa “evitação” de determinados
bairro Araujo (2016) nos fornece o seguinte levantamento:
Quadro 1 - Bairros recusados, segundo os mototaxistas
Bairros mais recusados Distância do centro de Imperatriz
Vila Leandra Três Quilômetros
Vila Cafeteira Três Quilômetros
Conjunto Planalto Seis Quilômetros
Vila Fiquene Oito Quilômetros
Brasil Novo Sete Quilômetros
Fonte: Araujo (2016)
Se as informações visuais são os primeiros sinais para se construir uma
imagem que materialize o sentimento e medo e desconfiança, as localizações dos
bairros são um elemento a mais na construção dos cenários nos quais se desenrolam as
interações permeadas pelo sentimento de medo. A expressão concreta disso pode ser
16
visualizada no relato anterior do informante A, quando explicou “... às vezes a mulher
pega a moto, e já tem um cara esperando a gente lá com a arma” (INFORMANTE A -
12/09/2016). Esse “lá” do informante faz referencia justamente ao componente espacial
da possível interação. Trata-se de um “lá” facilmente associado aos bairros que
compõem o quadro 1. Sobre essa situação, Araujo (2016) traz dois exemplos: o da
operadora de caixa Erlany Rodrigues, que ao finalizar o expediente de trabalho às 23
horas tinha sempre dificuldade de conseguir algum mototaxistas que a levasse para a
residência. Segundo ela “Apesar de ser mulher muitos se recusavam a me levar, por
causa do meu bairro”, lamenta.”. Reforçando essa ideia, o autor discorre sobre um
mototaxista, novato, chamado Italo, de 25 anos, que trabalha no ponto em frente ao
hospital municipal, ressaltando que ele se recusa a transportar pessoas para os bairros
Vila Leandra, Caema e Cafeteira.
Uma estratégia para quebrar com essa desconfiança e conseguir realizar o
transporte, segundo a própria Erlany e por outro taxista chamado Juvenal Mendes, de 55
anos, é o estabelecimento de laços de amizade, e realização de contratos mensais com os
mototaxistas. Segundo esse trabalhador “Quem anda de mototáxi à noite, já tem o seu
próprio mototaxista, isso é bom tanto para mim quanto para o cliente” (ARAUJO,
2016). Uma questão fundamental nesses casos é a importância da informação social
relacionada ao passageiro, para o estabelecimento do laço de confiança e quebra com o
medo, ou seja, uma das possibilidades de quebra com o medo e estigmas é possível por
meio do prolongamento e continuidade de interação. E quando não há o prolongamento
da interação, o primeiro contato, normalmente, se inicia com percepções de medo e
desconfiança como as dos relatos a seguir:
“O receio maior é no bairro da Caema, e naquela vila lá detrás do bairro da
Caema, que mototaxista não gosta de ir, mesmo que as pessoas sejam boas mas as vezes a gente não quer, as pessoas, muitas vezes, não entende a
gente, mas infelizmente, as vezes, a gente trata eles como bandidos né, por
que ninguém quer ir lá.” (FRANCISCO –21/09/2016)
“Bairro daCaema, bairro Leandra, cafeteira, multirão, o bairro que o povo
tem mais medo né, São josé, os bairros assim mais distantes que pode ter
alguns elementos perigosos que pode ter por lá, por que tem movimento de
drogas, assalto, são os bairros perigosos da cidade ... Mas todo lugar é perigosos.” (INFORMANTE A - 12/09/2016)
17
“Não é questão de discriminação, mas os mototaxistas tem muito receio de ir
no bairro da Caema, Vila Leandra, Vila Fiqueni, entendeu? Parque Alvorada,
os mototaxistas tem medo de andar nesse lugar (por quê?) Ah seilá, pela taxa
de crime que é alta nesses bairros né, aí a gente fica com medo de se deslocar
pra esses lugares, normalmente quando os passageiros chega que procura a
gente pra ir a gente sempre inventa uma dificuldade pra num ir num tem,
muitas vezes quando a pessoa convence a gente vai, mas a gente tem receio
de ir nesses lugar.” (JOÃO POFILHO - Entrevista realizada no
dia21/09/2016)
Rapaz lugar perigoso que a gente num vai é numa boca né, quando a gente
sabe que ali tem uma boca a gente não vamos, quando a gente sabe que um
cara é mala e quer ir numa boca a gente num vai, o bairro da Caema, por
exemplo, as vezes a gente não vai, as vezes vai com medo. (PEDRO JUNIOR
– Entrevista realizada no dia12/09/2016)
Tais relatos coletados em dois pontos distintos12
são parte de um conjunto mais
amplo de informações negativas sobre os referidos bairros, que acabam sendo
caracterizados como locais a serem evitados (de “evitação”). Isso porque segundo os
entrevistados e dados jornalísticos13
tais locais possuem grandes índices de violência e
são associados ao trafico de drogas, expressos nas denominadas “bocas de fumo”. Nesse
âmbito, a ação social torna-se um jogo imaginado e perigoso de adesão no qual as
direções, orientações e sentidos de deslocamento na cidade podem significar a sensação
de suspeita.
A ação de estigmatização dos mototaxistas frente aos passageiros visualmente
classificados como perigosos e de trajetos suspeitos é diretamente associada à ideia de
prevenção, sinalizando um tipo de “jogo social” (ECKERT E ROCHA, 2008) no qual
os indivíduos interagem ou se evitam, se encontram ou se afastam orientados pelo
sentimento de medo e de insegurança. Situação que pode ser percebida no relato de
experiência de Pedro Junior, que segue abaixo:
“Teve uma situação que eu é ... fui deixar um rapaz num certo local e se
deslocou um pouco da cidade, no local x combinado da corrida ele queria que
eu avançasse, daquele local combinado num sabe, a partir daquela hora ali eu
não eu não fui mais, eu temi, fiquei com medo, por que eu acho que se eu
12 O primeiro fica localizado na Rua Getúlio Vargas, esquina com a Pernambuco, em frente a farmácia
Econômica, o segundo fica localizado na Paraíba, entre a Rua Dorgival e a Rua João Lisboa ao lado da
loja da Iamaha. 13
Na reportagem Bairros perigosos de Imperatriz, disponível nos links:
http://www.idifusora.com.br/2014/01/02/video-imperatriz-lista-bairros-mais-
perigosos/https://www.youtube.com/watch?v=_NbaVZFFs7U. Acessado dia 16 de agosto de 2016,é
possível verificar a reprodução da idéia de violência e trafico de drogas associadas aos bairros citados
pelos mototaxistas.
18
passasse dali algo de ruim ia acontecer comigo, eu eu procurei evitar ne
momento aí, mas no momento eu senti medo, o passageiro ele, o passageiro
ele ficou meio assim, olhando pra mim, mas eu procurei parar a moto no
local onde tinha gente, por que se eu passasse dali, num tinha mais
negociação, tava só eu e ele, aí era do jeito dele, aí tudo bem eu me entendi
com ele numa boa, cheguei até a dispensar a corrida.” (PEDRO JUNIOR –
Entrevista realizada no dia12/09/2016)
No contexto de cultura do medo ultrapassar o limite do conhecido pode
significar se colocarem uma situação de extrema vulnerabilidade, pois o local já não era
povoado, e nem o passageiro lhe transmitia a sensação de segurança. Percebe-se, assim
que as sociabilidades, atualmente, em grande parte são conduzidas e delimitadas pelo
medo e pela sensação de insegurança que prevalece. A violência está adestrando os
comportamentos sociais, delimitando o que é possível e o que não é possível, o
permitido e o negado, o proibido e o aceito socialmente. As classificações morais dos
lugares perigosos são cada vez mais crivadas de cuidados e proibições, intensivamente
baseadas em preconceitos, estigmas e estereótipos. (Barreira, 2012)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa ficou claro que o sentimento de medo vem desde a
formação dos mototaxistas, que é uma categoria que teve seu surgimento a partir da
urbanização e crescimento da cidade e Imperatriz-MA, e tem modificado as formas de
sociabilidade até hoje. Portanto, a violência difusa dentro da cidade de Imperatriz, em
especial a sofrida pelos motociclistas, é responsável pelo sentimento de insegurança e
vulnerabilidade que permeiam a relação com o outro desconhecido.
Ao analisar narrativas que retratam o sentimento de medo compreendemos que
é uma relação complexa. A profissão de mototaxista, se olhada pela perspectiva do
medo é extremamente perigosa, principalmente se levamos em conta que os meios de
comunicação apresentam Imperatriz como uma cidade. Atrelado a isso, é importante
destacar que o passageiro na maioria das vezes é pessoas desconhecidas, o que faz com
que os trabalhadores busquem elementos e informações sociais que o transmitam
segurança. Nessa busca, os componentes visuais: estilo de roupa, comportamento,
19
destino e localização solicitada são informações que influenciam diretamente a
interação entre passageiros e mototaxistas.
O componente visual é parte essencial na classificação do outro e tem como
efeito uma sociabilidade que pode resultar tanto numa aproximação quanto num
distanciamento. Partindo desse pressuposto podemos perceber a questão do estigma.
Esses trabalhadores vão distanciar ou aproximar-se do “outro” sempre levando em
consideração o cenário, que envolve tanto os espaços quanto os atores (o visual) sociais
na interação, tal atitude reflete uma forma de se prevenir contra o outro misterioso,
desconhecido e ameaçado.
Portanto, a cultura do medo é evidenciada nas narrativas que apontam sempre
para um sentimento de insegurança frente ao outro desconhecido. Para cessar com tais
visões estigmatizadas em relação aos cenários é necessário ter conhecimento e
informações dos atores envolvidos. Logo, uma saída, em especial para aqueles que
moram em bairros perigosos, é fazer laços de amizades com esses trabalhadores,
estreitando suas relações e cessando com o desconhecimento e mistério que muitas
vezes envolve esses trajetos. Contudo, ao mesmo que tempo que essas informações
sociais são a solução é também um problema, pois é inviável ter conhecimento de todos
os habitantes da cidade, e se torna quase que uma obrigação desses trabalhadores levar
não somente o “conhecido”, mas também o “desconhecido”, pois é uma exigência do
próprio ofício. E cabe a indagação será possível cessar com o estigma?
REFERÊNCIAS
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4ª ed. Rio de Janeiro: LTC Editora, 4° ed, 1891.
20
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Pessoa, Edições do GREM, Editora Universitária UFPB, 2005.
MATOS JUNIOR, Clodomir Cordeiro de. Violência, Cidadania e Medo: experiências
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SAMAIN, Ettiene. As Peles da Fotografia: fenômeno, memória/arquivo, desejo.
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VEIGA TIMOTEO, AnnyGlayni. A Luta Diária dos Mototaxistas em Campina
Grande-PB. Revista Iluminuras, Porto Alegre, v. 14, n. 33, p. 184-195, jul./dez. 2013.
Reportagens
Táxi é hora da tabela. O Progresso.( 28/10/1972)
Táxi batida e Exploração. O Progresso.( 26/11/1972)
Tabela dos preços e emplacamento. O Progresso. (25/12/1972)
Portaria (táxi tabela). O Progresso. (30/12/1972)
Táxi desafiam o trânsito. O Progresso (21/03/1973)
Táxi sem placa atropela (idosa). O Progresso. (28/10/1973)
Táxi: qual o seu preço. O Progresso (18/11/1973)
Ônibus estenderão linhas aos subúrbios: beneficiados os de Maranhão Novo e Bacuri. O
Progresso (14/05/1991)
Crise obriga taxista a fazer promoção. O Progresso (20/03/1997)
Ciretran fecha cerco contra motorista não habilitado. O Progresso (25/03/1997)
Moto-táxi Câmara discute regulamentação. O Progresso (11/04/1997)
Mototaxi Lei de Regulamentação fica sub júdice. O Progresso (12/06/1997)
Taxista baleado não corre risco de vida. O Progresso (19/06/1997)
Moto-táxi Contran não aprova o serviço. O Progresso (02/07/1997)
Moto-táxi Contran não aprova o serviço. O Progresso. (02/07/1997)
Moto-taxista é assaltado por “passageiro”. O Progresso. (02/07/1997)
Moto-taxistas fazem manifestações em frente à prefeitura de Araguaíma. O Progresso.(
09/07/1997)
Ônibus são depredados por mototaxistas. O Progresso. (10/07/1997)
21
Moto-táxi. O Progresso. (12/07/1997)
Ameaçapara lutar projeto ao mototáxi. O Progresso. ( 13/07/1997)
Moto-taxista não tem pistas de moto tomada em assalto. O Progresso. (S/D)
Ladrões de moto voltam a agir. O Capital (26/09/1997)
Moto-taxista é assaltado na JK. O Capital (26/09/1997)
Moto-taxista não tem moto tomada em assalto. O Capital (27/09/1997)
Moto-taxista é assaltado na BR 010. O Capital (18/10/1997)
A população quer terminal integrado. O Capital (12/09/1997)
Crimes de taxistas continuam sem pistas. O Capital (21/11/1997)
Sindicato dos moto-taxistas realizam reunião. O Capital (22/12/1997)
Serviço de moto-táxi é proibido pela justiça. O Capital (13/12/1997)
Mototaxistas reagem a determinação de Raimundo Cutrim. O Capital (14/12/1997)
(P.S.) Mototaxistas respiram aliviados. O Capital (16/12/1997)
Sites de internet
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22
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_____. Moto-taxistas fazem protesto após a morte de um colega em Imperatriz-ma.
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mirante/videos/v/mototaxistas-fazem-protesto-apos-morte-de-colega-em-imperatriz-
ma/4806443/. Acesso em Setembro de 2016.
ANEXO I – Entrevistas
Nº ENTREVISTADO DATA DURAÇÃO
1 Informante A 12/08/ 2016 12:30
2 Carlito Batista Pereira 13/09/2016 5:31
Carlito Batista Pereira 01/10/2016 3:07
3 Francisco Carlos Bezerra 06/10/2016 2:07
Francisco Carlos Bezerra 21/09/2016 6:22
4 João Pofilho da S. Barros 21/09/2016 8:06
João Pofilho da S. Barros 06/10/2016 1:42
5 Pedro Moraes da S. Junior 04/10/2016 2:14
Pedro Moraes da S. Junior 12/08/ 2016 6:49
ANEXO II – Imagens utilizadas nas entrevistas
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