TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM … · favoravelmente a entrada do Brasil na guerra....

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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 15/12/2015 LOCAL : AUDITÓRIO da ADUFEPE – Campus da UFPE TEMA: Movimento Estudantil DEPOENTES: ABDIAS VILLAR DE CARVALHO JOSÉ ARNOBIO PEREIRA JOSÉ MOURA E FONTES CARMEN DE CASTRO CHAVES JOÃO BOSCO TENORIO GALVÃO MARTHA MARIA HENRIQUE DA SILVA

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TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 15/12/2015

LOCAL : AUDITÓRIO da ADUFEPE – Campus da UFPE

TEMA: Movimento Estudantil

DEPOENTES:

ABDIAS VILLAR DE CARVALHO

JOSÉ ARNOBIO PEREIRA

JOSÉ MOURA E FONTES

CARMEN DE CASTRO CHAVES

JOÃO BOSCO TENORIO GALVÃO

MARTHA MARIA HENRIQUE DA SILVA

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FERNANDO COELHO: (início de fala não gravada) na minha época de ter sido o

primeiro vice presidente nacional da UNE. E mais, como deputado federal ter tido a

oportunidade de apresentar o projeto restabelecendo, restaurando a UNE nacional.

Nos dois mandatos que cumpri em Brasília, em ambos apresentei esse projeto de

reorganização da UNE que, todavia, não chegou a ser incluído sequer na pauta,

uma vez que (incompreensível). Tive também a oportunidade de, além da anistia,

apresentar uma emenda incluindo entre as pessoas anistiadas, os estudantes, o que

não constava do projeto original do governo, inclusão que se justificava tanto mais

porque, na medida em que a lei tentava anistiar crimes, deixava de anistiar faltas

que foram descaracterizadas como crime, faltas que na ótica do governo eram

consideradas de caráter administrativo. A emenda foi aprovada e, graças a ela,

aqueles que ainda sentiam os efeitos do 477, (trecho incompreensível), puderam ser

contemplados. E, afinal, ainda tive outra participação, que agora a memória me

lembra, quando a ditadura procedeu a demolição do prédio na praia do Flamengo, n°

132, onde eu inclusive havia (...?...) como vice presidente. No Rio de Janeiro foi

impetrada uma medida judicial e sustada a execução do ato do juiz da vara

competente; não obstante, o governo da época era o governo da ditadura, e

mobilizou-se junto ao Tribunal Federal de Recursos, que era a instância competente,

no sentido de ser reformada a resolução, o que foi feito com muita rapidez. Nesse

espaço de tempo, eu fui procurado por um grupo de estudantes e, na tentativa de

impedir a demolição do prédio, apresentei um projeto assegurando o tombamento do

prédio da praia do Flamengo, 132, um prédio do século XVIII. A interferência do

governo federal no Tribunal de Recursos fez com que o recurso, a medida judicial

concedida na instancia anterior, fosse imediatamente revogada e o meu projeto,

apesar de ter sido aprovado, apesar de ter sido aprovado na Comissão de

Constituição e Justiça, foi derrotado na Comissão de Educação, lembro ate que

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mediante um parecer de uma deputada dar ARENA, Ligia Lessa de Alencar que

disse que não havia interesse cultural no prédio e era, sem sombra de duvida, não

apenas um patrimônio nacional mas, inclusive, de grande de valor histórico, artístico,

da mobilização da classe estudantil, como houve antes, na segunda guerra mundial,

favoravelmente a entrada do Brasil na guerra. O prédio foi demolido e, ultimamente,

o Governo Federal indenizou a UNE, para a construção, no mesmo terreno, de uma

nova sede de acordo com um projeto de Oscar Niemeyer (trecho incompreensível) e

hoje, se não me engano, já está concluída essa reconstrução, na Praia do Flamengo

número 132. Mas hoje nós vamos ouvir o depoimento de algumas pessoas daqui de

Pernambuco; vão ser ouvidos hoje os seguintes que, na época estudantes, sofreram

repressão: Abdias Vilar de Carvalho, Carmem de Castro Chaves, João Bosco

Tenório Galvão, Jose Arnóbio Pereira, Jose Moura e Fontes vão ser ouvidos hoje os

seguintes na época, e Marta Rodrigues da Silva. Em relação à Marta vou ter que

pedir desculpas publicamente porque no convite que foi impresso houve um erro na

grafia, mas essa retificação eu faço aqui; Marta está aqui e vai prestar também o seu

depoimento. A medida que eu for convidando os depoentes... Ah, desculpem... Será

feita uma breve apresentação, haverá uma projeção de slides, e eu também estou

curioso, por que não vi, sobre o movimento estudantil.

(Apresentação em power point)

RAFAEL LEITE - Bom dia a todos. Ontem em reunião, eu e Socorro, e Nadja, que

são relatoras do caso, dessa relatoria sobre Movimento Estudantil, como é um

ambiente de universidade e obviamente viriam muitos estudantes, alunos que

conviveram nesse período, chegamos a conclusão que seria talvez interessante

fazer uma pequena apresentação sobre a temática para elucidar um pouco e trazer

a essa temática esses estudantes mais jovens, o que foi esse período. Na verdade,

vai ser um resumo de 5 minutos, são alguns apontamentos, para aqueles que não

viveram o período que vocês, obviamente, vocês foram atores importantes nesse

processo, que conhecem, eu diria, profundamente esses eventos mas tem alguns

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apontamentos que a Relatoria conseguiu e a gente tem avançado na elucidação de

alguns casos, e esses tem sido alguns eixos estruturantes da relatoria.

Tem três pontos que definem o que foi a educação brasileira durante o período da

ditadura militar: a repressão do Estado; a politica educacional e o caráter repressivo

do lado da ditadura e a resistência estudantil. Pra falar sobre movimento estudantil

nesse período, tem que entender estes três processos. Eu vou fazer um resumo, o

porquê da repressão do Estado às Universidades. Obviamente que em 1964 com o

golpe, a Universidade era vista como foco de subversão e das entidades que

sentiram primeiramente o golpe, foi a Universidade, por ter esse caráter reflexivo,

pensante, e em poucos meses a lei Suplicy de Lacerda de novembro, dá uma

demonstração disso. Logo em 1964 é a força e a dureza da repressão caía sobre a

Universidade. Alguns instrumentos legais foram levados a efeito pela repressão para

tentar endurecer, tentar enrijecer a Universidade em seu caráter pensante, seu

caráter critico e reflexivo, mas isso vem depois do fechamento da UNE, os IPMS, por

que logo depois de 64 a gente conhece uma serie de prisões, demissões,

aposentadorias, censura à pesquisa, censura à publicações, à circulação de livros,

vocês sabem muito bem como é difícil conseguir um livro, com um sentido marxista

estruturante, um ensaio sobre o que de fato estava acontecendo com o Brasil.

O terceiro ponto é a lei Suplicy de Lacerda logo em novembro de 64, que colocou as

entidades na ilegalidade. Esse é o primeiro artigo da lei que, assim, aos olhos dos

aqui presentes, é uma coisa inadmissível em um Estado democrático de direito:

“Fica vedado aos órgãos de repressão estudantil qualquer

manifestação ou propaganda de caráter político-partidário,

bem como incitar, promover ou apoiar ausência coletiva dos

trabalhos escolares, isto é, manifestações contra o governo;

determina também que diretores de faculdades, de escolas

e reitores incorrerão em falta grave se, perante omissão ou

tolerância, permitirem o não cumprimento da lei”.

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Um segundo instrumento legal que deu mais força a esse (...?...) do estado foi o

Decreto-Lei 228 de 67, que colocou na ilegalidade as organizações estudantis, o

Decreto 477, que Nadja vai comentar mais a frente, e vocês tem também muito a

acrescentar em 1969; um outro ponto que é bem importante aqui e que a gente não

pode esconder, que é a participação da Reitoria, da própria Universidade Federal de

Pernambuco: a gente tinha a ASI, que era a Assessoria de Segurança e Informação.

Isso foi uma prática do Governo Militar que a partir de 71 de colocar assessorias

especiais do SNI, dentro das Universidades, e as Reitorias foram (...?...), eram

pessoas nomeadas pela ditadura, mas então a própria Reitoria, o órgão de que faz

parte da política educacional do Estado, serviu como um (...?...) da repressão da

ditadura.

Essa é uma citação que eu gosto muito, que fez o historiador Rodrigo Patto, ele fez

uma tese recente sobre as Universidades, que:

“Não existiu a figura do Reitor ou de Diretor crítico em relação ao

regime militar, pois eles seriam afastados imediatamente. No

máximo houve alguns espaços para jogos ambíguos de

negociação, em que alguns dirigentes universitários se

empenharam em proteger certos membros da comunidade

universitária, mas sempre prestando apoio ao Estado”.

Essa é a figura do Reitor durante a ditadura, isso é algo estranho, os poucos que

apoiaram as manifestações estudantis foram sumariamente expurgados, ou

demitidos e aposentados pelas universidades. Já falei sobre essas assessorias de

segurança e informações que são órgãos (...?...) do SNI na Universidade de 71 a 86,

e um outro ponto é a política educacional, que a gente não pode esquecer, que foi a

segunda perna, o segundo braço, da ditadura para reprimir os estudantes e restringir

o caráter pensante, reflexivo e crítico das Universidades . A política educacional do

regime visava dois pontos, ao mesmo tempo que aumentou o número de vagas

universitárias para a classe alta e média, isso é importante salientar, é diferente de

anos recentes que houve uma injeção de ingresso nas Universidades, camadas

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mais pobres da população conseguiram o ingresso nas Universidades; o ingresso

que foi ofertado durante a ditadura privilegiou, preferencialmente, as classes média e

alta. O segundo ponto que é importante destacar é o caráter técnico profissional da

ditadura que tinha o caráter obviamente de formação das demandas do capital, aí a

gente pode citar o acordo MEC/USAID, que desde 64, que dizem já vinha sendo

articulado pela surdina antes de 64, isso aí (...?...) e o Projeto Rondon, que é outro

projeto da ditadura em 67, o MOBRAL, que vocês conhecem tão bem, que é a

utopia da ditadura que ainda bem que foi mal sucedido, por que na própria (...?...) do

MOBRAL, ele era um projeto totalmente diferente daquele que propunha Paulo

Freire. A reforma da universidade em 68, que instituiu departamentos, regime

interno, que (...?...) enfim, a reforma universitária de 68, ela atendeu algumas

demandas dos próprios estudantes, antes de 64. Algumas demandas aqui já faziam

parte da luta dos estudantes antes de 64. Agora, qual foi a diferença? É que quando

Jango decretou e lançou as reformas de base e logo depois a reforma estudantil que

englobaria muitas dessas reformas, elas eram muito diferentes do que foi proposto

pela ditadura. (...?...).

As disciplinas de Moral e Cívica é OSPB, Estudos de Problemas Brasileiros, enfim,

tudo isso para minar o caráter pensante dos estudantes brasileiros. A Reforma

Educacional de 71 que instituiu a profissionalização compulsória do segundo grau,

extinguiu (trecho incompreensível) obrigatória, passou de quatro para oito anos, é

lamentável nessa reforma de 71 o ensino profissionalizante compulsório, ao mesmo

tempo ele conteve a procura de vagas universitárias das classes mais pobres e

também teve um caráter, explicitamente, de atender as demandas do capital. O

ensino profissionalizante criou muitos estudantes a procura das universidades e

colocou aqueles estudantes principalmente oriundos de camadas mais pobres para

fazerem cursos técnicos profissionalizantes compulsório. Obviamente isso tinha uma

demanda, isso aí tinha um interesse do capital por trás. Isso reflete a pedagogia

tecnicista do período. Aí algumas resistências estudantis, porque nesse período,

(...?...) o que era já uma coisa histórica no Brasil. E mais, os professores, vocês

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sabem muito bem como era, o processo de admissão dos professores à

Universidade, era uma apadrinhagem; revogação do acordo MEC USAID, revogação

da cobrança de anuidades instituída pelo regime militar, (...?...) pedagógico e etc, A

gente pode aqui discorrer mais de meia hora sobre os problemas e as

reinvindicações estudantis nesse período. Uma das causas estudantis, talvez a

principal, isso aí a gente vai ouvir daqui a alguns minutos de vocês. Isso aqui são

alguns tópicos que apresentei obviamente que isso aqui foi preparado para uma

massa de estudantes que não viveu aquele período, e tem esse caráter um pouco

ilustrativo, por isso estou sendo tão apressado.

Mas tem alguns acontecimentos que foram importantes na resistência estudantil no

período, como a invasão do Restaurante Calabouço e a morte do estudante Edson

Luiz no Rio de Janeiro, em março de 1968, que teve aquela comoção nacional.

(mostra fotos da época / resistência estudantil e. repressão policial). Aqui, o enterro

de Edson Luís, aqui a passeata dos cem mil, aqui as prisões no Congresso de

Ibiúna, que teve 703 presos. Aqui em Pernambuco houve a ocupação da Católica,

(trecho incompreensível). Enfim, isso aqui eu não vou ler: o que ficou da educação

autoritária. São algumas reflexões que eu tenho feito há algum tempo e em algum

momento a gente pode debater e aprofundar. Obrigado.

(Aplausos)

NADJA BRAYNER - Bom, em primeiro lugar eu gostaria de agradecer a Rafael, ele

trabalha com a gente, na assessoria da comissão. E, realmente, nosso objetivo foi,

até eu comentei com alguns colegas convidados, foi recordar um pouco as

questões. E agora nós vamos projetar algumas fotos, umas fotos que colhemos de

alguns documentos confidencias. Bom, essa foto aqui, a gente achou que é

importante destacar, o nosso companheiro Candido Pinto, que sofreu o atentado.

Esse é o local onde ocorreu o atentado a ele e aqui, a Comissão teve acesso a toda

documentação sobre o atentado, (trecho incompreensível)

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Essa foto aqui, minha gente, garanto que muita gente não conhece; isso aqui foi

uma prisão que ocorreu na Manoel Borba, foram cinco estudantes, Maria Penha de

Souza, Tania Nobre, Tereza Dantas Vilar, Vania Nobre e Ligia Maria Vilar, que a

gente chamava de Pitaco, era como ela era conhecida no movimento estudantil.

Essas companheiras moravam numa república na Avenida Manoel Borba e a policia

começou a vigiar e finalmente prenderam e eu me lembro que isso aconteceu em

Arquitetura, elas estavam em Arquitetura , ficaram de voltar pra Moanoel Borba e

não voltaram. Em resumo, foram presas as cinco; e aquilo lá que vocês estão vendo

é o “material subversivo” que foi aprendido: livros, basicamente livros, enfim, e nós

tivemos acesso a esse material, em nosso trabalho de pesquisa no Instituto de

Criminalística. Essa foto aqui foi do atentado no Colégio Estadual de PE – CEP, foi

colocada uma bomba lá, claro, pelo CCC, mas não tinha assinatura, mas que a

gente tinha a documentação oficial também através de inquérito do Instituto de

Criminalística; essa outra foto aqui, foi na Faculdade de Engenharia onde o

Comando de Caça aos Comunistas fez uma visita, inclusive tem nas janelas aqui

assinado CCC e fizeram também uma destruição lá no D.A., nos corredores, etc.

(Mostra fotos da depredação da Escola de Engenharia 23:10, 1968). Está escrito lá,

vocês estão vendo : “Para o brasileiro todo comunista é o Paredom. O CCC esteve

aqui” Nesse caso ai não teve confronto, foi de madrugada, não machucaram

ninguém; aqui é a relação dos presos em Ibiúna, nossos colegas que foram nos

representando, naturalmente, eu não sei se daria pra ler porque são trinta e nove

nomes, mas tem pessoas aqui que foram presas e que podem falar. Pra gente

ganhar tempo. Na nossa relatoria, no nosso relatório, vai constar o nome de todos

esses que foram presos lá em Ibiúna.

Aqui também tem uma lista absurda, que foi uma correspondência do Diretor de

Ensino da Secretaria Estadual de Educação para os Diretores de Escola, punindo

estudantes secundaristas, por que tinha havi477 na Universidade, e aqui também

eles foram penalizados. São 7, eu vou ler os nomes. Diz assim:

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“Por determinação do senhor Secretario de Educação e Cultura,

levamos ao conhecimento de V. Sa. que os estudantes abaixo

relacionados transferidos do Colégio Perreira Costa, não poderão

ser matriculados em nenhum estabelecimento de Ensino Médio

Oficial”

São eles: Ramires Maranhão do Vale, Judas Tadeu de Lira Gabriel, Alfredo Lopes

Ferreira, José Sebastião Lins, Geraldo Sobreira Liberalquino, Genezil Aguiar Coelho,

Lilia Maria Pinto Gondim, nossa companheira na assessoria da Comissão, e Paulo

Fernando Magalhães Santos.

Esse outro documento aqui, é uma correspondência enviada pelo Reitor da

Universidade Católica, Potiguar Matos, às autoridades constituídas, à repressão,

citando os nomes de três estudantes aqui, Romildo Rego Barros, Matilde Melo e

Maria do Rosário Collier, irmã de Eduardo Collier Isso era a Universidade Católica

que se destacou pela repressão, e João Bosco está aqui vai prolongar isso.

Isso aqui foi um documento que a gente localizou também no CISA, onde tinha a

relação dos atingidos pelo 477; aqui em Pernambuco nós temos a lista por

Universidade, nós vamos detalhar isso, e foram cerca de oitenta e quatro ou

noventa, (trecho incompreensível) Ademir Alves de Melo, Aécio Flavio Vieira de

Andrade, Alberto Romeu Leite, Alberto Soares da Silva, Alda Maria Custódio de

Lima, Alírio Guerra de Macedo, de medicina, Ana Cristina de Arruda, Ana Elizabeth

Salgueiro, Antônio Batista da Silva, eu não sei se vocês concordam... É preciso ler

tudo? São 89 nomes, não é?

É bom que se diga, que nós temos um documento aqui também, o depoimento do

Clidenor Moura, que foi inclusive do SNI, aqui em Pernambuco, onde ele, inclusive

declara textualmente que fez essas fotografias pensando no futuro, é o seguinte o

que ele diz que pediu ao Dr. Tuma, que não queria fotografia para identidade,

queria fotografia para identificação pessoal, porque são eles que vão (...?...) daqui a

um ou dois anos; “...Eu quero fotografia de corpo inteiro, de frente e perfil, quero

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fazer essas fotos lá no presidio Tiradentes”. Me perdoem, porque essas fotos

apresentadas são do 477, mas existe outro álbum com as fotografias de Ibiúna, dos

setecentos e tantos estudantes, que ele fez exatamente com esse objetivo, dizendo

que era para o futuro, por que sabia que era no futuro que esse pessoal, saindo da

universidade, iria dar trabalho mais adiante. Gente desculpem, demorei um

pouquinho, mas achamos que era interessante passar isso aí. Agora a gente vai

começar a ouvir os depoimentos. Passo o microfone a Dt. Fernando pra que ele

convide os depoentes.

FERNANDO COELHO - Abdias Vilar de Carvalho. (aplausos) Por favor, a sua

qualificação.

ABDIAS VILAR - Sou Abdias Vilar de Carvalho, sou de Taperoá na Paraíba. Estudei

aqui em Recife, fui presidente do DCE da Federal, fui professor universitário,

sociólogo, Superintendente do INCRA - de São Paulo e de Pernambuco, no período

que passei em São Paulo, foram quase 20 anos em São Paulo, tive que sair daqui

por que não arrumei emprego, mas (trecho incompreensível). Bom, primeiro eu

queria agradecer muito o convite e, segundo, como o presidente falou, éramos

estudantes na época (trecho incompreensível). Eu queria começar a intervenção

fazendo duas citações que eu acho interessantes, não só sobre o momento da

Comissão da Verdade, sobre o Brasil de hoje, mas descrevendo também um pouco

sobre memória. E uma citação que eu gostaria de fazer é do historiador francês

Marc Bloch, que em 1949 escreveu (trecho incompreensível): “A incompreensão do

presente nasce, fatalmente, da ignorância do passado”. E a outra frase que eu

gostaria de lembrar é da filósofa suíça, que é brasileira hoje, que é professora da

PUC de São Paulo, Jeanne Marie Gagnebin. Ela diz que “A verdade do passado

remete mais a uma ética da ação presente”. Estas duas frases dizem muito porque

nós não podemos ignorar o que foi o passado para poder compreendermos o que é

hoje, tanto no Brasil (...?...) com todos os fatos que estão acontecendo, e também a

nossa historia, ela não pode ser colocada de modo a esquecer o passado. Eu acho

que a Comissão da Verdade ela tem essa função cujo titulo, cujo nome

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homenageado, Dom Helder Câmara, foi um dos mais perseguidos do clero, e

inclusive dentro do próprio clero e do Vaticano. Ele foi uma pessoa perseguida. O

CCC fez ataques, jogou bombas na sua casa. É uma pessoa muito importante,

inclusive numa manifestação que nós fizemos na Católica, na Universidade Católica

de Pernambuco e diante do cerco policial, quando D. Helder chega é uma

verdadeira (...?...) dos estudantes. Eu gostaria de dizer o seguinte: pra mim, eu vou

pedir permissão a Carmem Chaves porque, uma vez, a gente conversando, uma vez

ela disse que as manifestações de 68, tudo o que se seguiu depois de 64,é um

resquício de 64,(...?...). E eu concordo plenamente com ela. Viu Carmem? Vou pedir

permissão a você pra dizer isso, porque se nos formos entender o que ocorreu no

Brasil depois de 64, com o golpe militar de 64, é muito. E tudo as resistências. Na

exposição anterior que começa com a Repressão Estudantil-Politica Educacional e

Resistencia Estudantil, a unidade é sumamente interessante, porque todo mundo

culpa os estudantes da radicalização e de que o 64 foi radicalizado por culpa dos

estudantes, que passaram a ser, na época, classificados como inconsequentes,

como agitadores, e que hoje estão sendo acusados dos mesmos adjetivos pela

imprensa atual. Impressionante isso. Eu trouxe um depoimento que eu colhi, numa

pesquisa que eu fiz, pra vocês. A minha hipótese e a minha tese que eu acho (...?...)

e que eu estou copiando é que, em 64, não fomos nós, os estudantes, os

responsáveis pela radicalização em 64. Ela já existia com o próprio golpe de 64. Eu

trago aqui um depoimento de uma pessoa suspeita, que era da direita, como ele

mesmo disse na entrevista, “Eu sou um cara de direita”. Foi primeiro presidente do

Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário no Brasil, criado em 64 pelo General

Castelo Branco. Ele diz:

“Quando Castelo pensou na substituição dele, aí entrou um detalhe

muito importante, eu tive o privilegio de ser o único civil, talvez pelo fato

de ter sido o presidente da ADESG”, olhem os detalhes, “De ser

convidado pelo Café para uma reunião que colocou os oficias

superiores, todos da Marinha, Exercito e Aeronáutica. O Castelo

Branco abriu a reunião dizendo o seguinte: “meus camaradas”, como

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eles chamavam os militares, “meus camaradas, está chegando a hora

de pensar na minha substituição, é importante que nós nos fixemos em

algum civil, que possa dar continuidade ao nosso trabalho e que possa

merecer a confiança da Nação”. Quando ele acabou de falar isso,

Costa e Silva” isso foi em em 66/65, “levanta o braço e diz “presidente,

nós discordamos da sua opinião, esse País vivia entregue a civis, foi de

mal a pior, como é que nós, tendo tomado a direção do País, vamos

entregar de novo aos civis e voltar tudo ao que era antes? Nós não

podemos concordar com isso”. Castelo tomou um choque danado e fez

a seguinte argumentação para ele: “Ministro, todo governo militar

seguido de governo militar, vira uma ditadura militar, e o Brasil não

concorda com a ditadura militar. E o Brasil é civilista por natureza”.

Parou; nenhum oficial deu uma palavra a favor, e Castelo descobriu

que estava só e disse: “Diante do silencio enceramos a reunião”, e

retirou-se profundamente chocado”.

Esse documento de uma pesquisa que eu fiz, (...?...) e que já mostra a radicalização

de 64, já estava na cerne de 64, e inclusive com o apoio dos jornais, O Estado de

São Paulo, Folha de São Paulo, o Globo, o único jornal que foi contrário era A Última

Hora, que (...?...) o governo Arraes. Inclusive no PSD, na UDN, que eram os partidos

que deram apoio a ditadura, houve racha dentro. O próprio Castelo Branco, em 30

de novembro de 64, quando fez o Estatuto da Terra, foi chamado por estes partidos

de traidor, traidor do golpe no Brasil. Tem um fato extremamente interessante do

governador que substituiu Arraes, ele viajou, (trecho incompreensível) mais ou

menos assim: “Quando eu viajei, o presidente da republica era Castelo Branco

quando eu voltei, com o Estatuto da Terra que falava de reforma agrária, eu acho

que o presidente da república, a direção politica do país, estava entregue a Brizola e

a Jango”. Então vocês vejam o radicalismo já existia naquela época, e nós não

fomos culpados por isso. A outra coisa é essa história de chamar a juventude de

inconsequente, irresponsável... Nesse livro aqui (...?...) tem uma coisa muito

interessante: “Na minha opinião, a repressão que se abate no Brasil em 64, deve ser

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analisada em três vias: perseguição e prisão, intimidação e cooptação”; (trecho

incompreensível). Perseguição e prisão, porque eu não tenho todos os nomes na

cabeça mais agora, mas eu não poderia esquecer a prisão do pessoal que foi preso

no Bom Pastor, tem duas aqui presentes, o pessoal da Casa de Detenção, tem

vários aqui presentes, os que sofreram o Decreto 477, como Marcelo, e outros; não

podemos esquecer a luta que nós travamos pelo Hospital das Clínicas, (...?...) era

uma pessoa que integrava a luta; da Faculdade de Engenharia que teve máquinas,

aparelhos importantíssimos, equipamentos, que ficavam guardados e com o tempo

foram desgastando, não é, que os estudantes falavam, e pra lembrar o ídolo de

todos nós, o Cândido Pinto, que foi baleado. Ele não morreu na época, mas veio a

morrer depois, ainda em consequência, e ficou paraplégico; então em perseguição

e prisão são vários, são várias pessoas, e tem muito mais que foram presas desde

64. Eu me lembro que eu estava em 64, eu era presidente da Associação dos

Estudantes Secundaristas da Paraíba. Eu fugi num carro, coberto com grama,

capim. Em 64 houve prisões de várias pessoas e depois em 66 a passeata quando

foi invadida a Igreja de Santo Antônio, aquela igreja ali perto do Diário, tem vários

outros fatos. Rildete, que está ali presente sofreu muito também. Então havia essa

perseguição, e era muito forte. Em segundo lugar a intimidação. Gente, todos nós

sofremos com isso desde 64. O terror instalado em todos os cantos, eu gostei muito

quando o cara falou aqui que o Reitor não era...Que era uma pessoa que fazia parte

do sistema; nós tivemos a repressão em salas de aula, inclusive eu vou citar dois

casos só, dois casos da época. A repressão existia. As pessoas se tornavam

olheiros da gente, e eles utilizavam, sobretudo, mulheres, mulheres boazudas, na

época como se dizia. Eu lembro de uma mulher que, no início de 70, na Faculdade,

sentou no meu colo nem sei porquê, quando eu menos esperei ela estava no meu

colo, conversando, querendo me prender, claro, me denunciaram e eu fui preso por

ela. E (...?...) foi preso na Faculdade de Direito de Pernambuco, ele estava dando

uma entrevista, uma mulher de cabelos compridos, “boazudona”, se lembra

Marcelo? (trecho incompreensível) ele deu a entrevista e depois foi preso lá. Em

setembro de 75/76, eu estava na UNB e nós, da sociologia, dávamos um curso que

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era intitulado pelo pessoal, que o chamava maldosamente de “Os três parquinhos”,

por que era Marx, Weber e Lukács, os três parquinhos, como o pessoal

popularmente chamava eles e, nesse ano, o curso era sobre Weber. Aí chegou uma

mulher belíssima, de cabelos pretos, sempre escolhiam as mulheres de cabelos

compridos, não sei por quê, e ela queria porque queria que eu desse um curso sobre

Lenine. Nem Lenine fazia parte da bibliografia, nem era época mais, já passou.

Depois se descobriu que ela trabalhava, se lembra de uma época que as pessoas

iam viajar e quando chegava no aeroporto tinha alguém que examinava as pessoas,

e continua ainda hoje, era outra forma de segurança, outro sentido de segurança, e

então os alunos identificavam, por que ninguém conhecia essa pessoa, ninguém

sabe de onde surgiu, e ela veio se matricular no grupo, na UNB em Brasília. Então

nós temos vários exemplos dessa intimidação, muitos pais proibiam os filhos com

medo, eu não sei se vocês se lembram do decreto que criaram, que era obrigado a

qualquer pessoa, visitante, que chegasse no prédio, tinha que denunciar, quem

chegava na hora, escrever o nome e tudo; eu não sei o nome do decreto, mas esse

decreto existia. Eu me lembro, em São Paulo, eu passei em maus lençóis por isso.

(trecho incompreensível). Nós tivemos outra forma de intimidação, na Faculdade de

Ciências Sociais,, tem alguns colegas aqui presentes, na faculdade de Ciências

Sociais em 67, não, em 69 , nós produzimos um curso de Sociologia Rural e o que

aconteceu? Ficou aquele negócio, (trecho incompreensível) por seis, por seis,

depois chegou o professor e disse: “Olha, eu vou ser muito claro: foi proibido porque

o IV Exército proibiu o curso de Sociologia Rural em Pernambuco”. Imagine!

Sociologia Rural proibida em Pernambuco, porque eles tinham muito medo ainda do

que foram as ligas camponesas. Bom, outra coisa que é muito interessante pra

vocês, em 71, é, em 1971 o ministro da Educação, era, se não me engano, Jarbas

Passarinho, faz uma lista de livros proibidos. Dentre esses livros proibidos tinham

três de Pernambuco: Celso Furtado, Josué de Castro e Paulo Freire. Fora os outros

que tinham na lista. Eu pedi pra tirar uma cópia e a reitoria disse: “Não pode, porque

é uma ordem do Ministério da Educação”. A gente tinha que assinar por qualquer

livrinho. Eu me lembro também, que essa intimidação, me lembro quando em 70 eu

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estava ensinando na Universidade, em Aracaju, tinha um professor... Tiradentes,

nessa época, foi considerado herói nacional, e o professor começou a sua pregação,

antes o dia 21 de abril, quando era feriado, dizendo que o Brasil era um País

pacífico, ordeiro e que nunca tinha havido rebelião, nunca tinha havido golpe. Aí eu

cheguei e disse: “Professor, eu gostaria de sua atenção, por que eu sempre aprendi

que Tiradentes foi enforcado, esquartejado e salgado, Então? Eu sempre aprendi

isso, e hoje o senhor fica dizendo que hoje o Brasil é um País pacifico. Que nunca

houve golpe, nem luta pela independência do Brasil. Então, é uma coisa nova”. Pra

vocês verem, essa intimidação era no Brasil inteiro. Perseguições, nas casas. As

casas tinham que ter as janelas abertas em 64. O Exército vinha, saía todo dia com

o apoio da imprensa falada, escrita, e televisionada. Não era a televisão como a que

tem hoje, mas já existia já. Em Campina Grande tinha um canal que era só... Era

chamado Esgoto 9, era o canal 9 da TV Globo, também chamada Globo Golpe. A

cooptação das pessoas do Conselho Universitário, eu me lembro aqui do caso do

nosso Conselho Universitário, tinha a madre, uma delas era da FAFIRE, por que a

FAFIRE fazia parte da Universidade Federal de Pernambuco, mas não era

autônoma como é hoje, e boa parte da biblioteca era só livro de santos. Por que só

livros de santos? Tem que ter livros científicos, os livros pra o pessoal estudar, né?

Bom, passou o tempo, nós brigamos com um professor historiador, famoso,

propondo um curso sobre Gilberto Freyre, que na época era um cara que teve a sua

fase, mas ele sempre apoiou a ditadura, e é considerado como um grande sociólogo

do Brasil, mas naquela fase apoiava francamente a ditadura, como Suplicy. O

Conselho Universitário naquela época, era composto por Suplicy, Gilberto Freyre

não, mas Suplicy estava lá, o Palhares, que era diretor da Faculdade de Sociologia,

estava lá e assim por diante. Bom, essa cooptação se dá através dos conselhos

universitários, através da lei dos cursos de Moral e Cívica. Gente, pro curso de Moral

e Cívica, chegou um professor que fazia a chamada no começo, no meio e no fim da

aula. Porque primeiro ele fazia no começo, aí todo mundo saía; aí ele começou a

fazer no meio. Mas era uma cara, esse professor, na época do AI 5. Vocês se

lembram daquele BAMERINDUS, na pracinha da República, ali perto do Diário, na

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praça do Diário, tinha um BAMERINDUS. Eu fui entrando assim, aí ele olha pra

minha cara e diz: “Não era isso que vocês queriam?” Bem alto, todo mundo olha. Eu

só fiquei com medo. Nem sei o que eu fui fazer lá, acho que fui tirar meu salário.

Mas então, essas pessoas foram cooptadas. Ele foi pra Costa Rica. No IV Exército

os Estados unidos fizeram cursos para professores universitários, para empresários

e para civis em geral; era algo para mostrar como era a democracia americana, a

vantagem do capitalismo. A vantagem disso, daquilo e daquilo outro. Uma vez ele

chegou falando na aula, pra gente, sobre isso. Mas aí ele foi e ficou um tempão fora.

E foi um dos cabeças contra a aula de Sociologia Rural nas Ciências Sociais. Essa

disciplina Moral e Cívica continua na pós graduação com o nome de “Estudos de

Problemas Brasileiros”. As canções, lembram delas? “Meu Brasil eu te amo”, o filme

Independência ou Morte, que era pra celebrar a Independência do Brasil, a

libertação dos comunistas, etc., e o 7 de setembro passou a ser um ato militar. Já

era, então depois de 64 nós conseguimos fazer uma coisa interessantíssima, em 65

não houve o desfile como era normal, aquela coisa das escolas como era normal,

etc. né? Nós fizemos um debate sobre o Brasil, e as escolas montaram sem grandes

alardes, sem carro alegórico, sem nada. E por isso eu respondi vários processos,

inclusive o Inquérito Policial Militar, o IPM. Bom, pra terminar como eu estava

dizendo, eu não lembro o nome de todas as pessoas, mas foram várias pessoas

presas, várias prisões no interior, prisões e mortes e que começaram em 64. Eu

disse em minha tese que a radicalização seria em 68, mas não é verdade. Ela vem

de 64, quando dois estudantes foram mortos aqui. Uma outra coisa que você falou,

eu quero só lembrar aqui, é que em 68, aquela passeata grande que teve que ficou

conhecida como a passeata dos Cem Mil, da qual Wladimir Palmeira e josé Dirceu

participavam, os dois grandes líderes da época, ela nasce em Pernambuco. Nós

começamos aqui em Pernambuco a mobilização nas ruas, só que não teve a

repercussão que teve São Paulo e Rio, claro, e inclusive quando o Congresso de

Ibiúna caiu, eu não fui por que meu pai estava doente, Carmen e outras pessoas

que estão aqui, foram, eu dei logo uma declaração: “O Congresso de Ibiúna

continua, nas escolas e nas ruas”, tá publicado isso no Jornal do Comercio e no

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diário de Pernambuco. Eram dois jornalistas, eu esqueci o nome deles, um era uma

uma moça, que depois eu descobri quem é, mas o rapaz eu não me lembro quem é.

Então, o “Milagre Econômico” dito pela área econômica, por Delfim Neto, na

liderança econômica do País, ele cria uma espécie de limbo, que muitas pessoas,

sobretudo, as de classe média que melhoraram de vida, acharam que o Brasil tinha

melhorado e estão repetindo hoje a mesma coisa. Então era isso, primeiro, pra mim,

a repressão, aliás, o movimento estudantil não é causador do endurecimento do

regime. Segundo, a repressão e o golpe militar de 64 tem que ser analisado pela

perseguição e prisão, pela intimidação e pela cooptação. Muito obrigado. (aplausos)

NADJA BRAYNER - Obrigada.

FERNANDO COELHO: Carmen Chaves (aplausos)

CARMEN CHAVES – Bom dia, eu agradeço bastante o convite. Acho que é

importante a gente relembrar essas coisas que passaram; meu nome é Carmen de

Castro Chaves, eu nasci aqui, fiz toda a minha formação aqui, só saí depois quando

eu me formei em Medicina, e fui fazer residência no Rio de Janeiro, em nefrologia, e

doutorado em São Paulo, e voltei para cá, (trecho incompreensível). Eu tenho um

pouco de dificuldade de tratar desse assunto, é um pouco difícil porque se passaram

tantos anos e eu não conseguia lembrar, ás vezes, da data, da coisa, e ficava

pensando em como é que eu ia fazer essa apresentação. Depois eu me lembrei que

eu tinha uma documentação histórica muito interessante, que era tudo o que a gente

tirou do Arquivo Público, você vai vendo suas passagens, suas (...?...), e tudo o que

foi acontecendo com as pessoas, comigo no caso, então eu peguei essa

documentação e, obviamente, vou deixar aqui pra vocês. Bom, eu vou começar

falando assim, primeiro, por que eu acho que é importante 64; é porque o que

antecedeu 64, quando Jango era presidente, a posse de Arraes, gerou pra gente

aqui, uma esperança no Brasil inteiro, e uma garantia dos direitos dos trabalhadores,

principalmente os rurais; ninguém pode esquecer a felicidade (...?...) a sua

canetinha, dentro do seu bolso, naquela esperança de que agora eles iam ser

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tratados como gente. E 64 aconteceu exatamente nesse momento, quando havia a

perspectiva, a possibilidade, talvez, de mudar esse sistema terrível, aconteceu o

golpe, todo mundo sabe (trecho incompreensível) e, ás vezes, na nossa vida, nessa

época de 64, e antes de 64, (trecho incompreensível), o comício da Central do Brasil

e todas as turbulências; (...?...)fevereiro, as aulas começaram em março, e aí em 31

de março tanques na rua, muita confusão, a morte do secundarista, e naquela época

já tinha muita denúncia de tortura, pessoas enterradas, com latas na cabeça,

soldado batendo; Em 68 também tinha muitos militares na rua, muitos olheiros, lá no

nosso Departamento de Medicina, tinha o zelador do prédio e tinha também uma

pessoa que trabalhava no Diretório e todo mundo sabia que ele era olheiro. A

primeira coisa que eles fizeram foi fechar os D.A.’s, e nesse fechamento dos D.A.’s

eu acho que teve duas coisas muito importantes. Primeiro, foi que as turmas tinham

representantes, dois representantes, então esses representantes da turma de cada

ano, se juntavam numa reunião que passou a ser o D.A. Não é verdade? E como

isso era possível? Só foi possível por que a gente teve o apoio moral e material de

muitos professores. Eles davam dinheiro pra comprar material, papel, eram feitas

assim, coletas, com muita gente, assim, direto. Obviamente que existiram as

pessoas que estavam identificadas, vocês também sabem os nomes, não vale a

pena dizer, mas a gente precisa fazer esse levantamento da memória da UFPE, a

gente já sabe os nomes, tem um papel, (trecho incompreensível). Então, em 65, eu

até trouxe aqui a documentação, foi permitido que houvessem eleições para os

D.A.’s e tem aqui um documento pra eleição do D.A. da Faculdade de Medicina, em

65, tem aqui quem deu a autorização e etc. Depois, em 66, aconteceu, pelo menos

assim, pra gente, em várias Faculdades, que muitos alunos tinham uma nota que

permitia passar ou eles tinham uma média, mas tinham uma nota que não ajudava,

então foi criado um esquema para essa tal nota ser substituída por uma prova um

tempo depois; e isso foi uma luta que começou, foi muita luta em todos os lugares,

em todos os cursos aconteceu isso. Foi muita mobilização, muito acampamento, e

eu acho que foi aí quando foi começando realmente o movimento estudantil.

Inclusive a pressão foi tanta que eles tiveram que modificar, que ampliar salas para

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caber pessoas. Aquela sala que tem, por exemplo, na medicina, ela cabia uma

quantidade gigantesca, cerca de 140 alunos e não tinha nem aquela parte de trás.

(trecho incompreensível).

Em 67 eu fui eleita representante de turma e aí começou minha atuação maior no

movimento estudantil. já tinha alguma, claro mas aí se intensificou. (trecho

incompreensível) aconteceu e continuou acontecendo, e essa coisa de participar

desse grande (...?...) que era o movimento estudantil, na época; que depois, nessa

época, tinha muitos cursos e nesses cursos houve uma tentativa de fazer um

aumento no preço da refeição. E aí foi uma batalha imensa aqui na Universidade. E

no fim das contas a gente conseguiu que melhorasse o preço. Nessa época, tenho

certeza, em 67, teve a Lei Suplicy, teve o MEC USAID, não lembro precisamente a

data, mas que era um motivo pra gente (trecho incompreensível), e no nosso caso

teve uma coisa muito interessante, com os alunos de medicina porque tinha um

(...?...), que era Getúlio, era muito querido, e que os alunos de medicina fizeram um

movimento danado pra ele não sair. Isso já era mais ou menos acho que 65/67.

Sessenta e oito começou o movimento estudantil na rua, era passeata, comícios

relâmpago no grande palanque mercado de São José, está ali sentado Marcelo

Melo, que era grande falante nesses comícios, ele sempre falava, subia num

caixotinho; e a gente tinha todas aquelas passeatas (trecho incompreensível) de

uma no dia 27 de março de 68, na Praça 17, tenho anotado, depois vou passar pra

vocês, depois... a gente participou ativamente de todo aquele contexto, e ocorreu

um episódio engraçado. Por que naquele dia, no negócio da igreja, umas pessoas

saíram correndo e sentaram num barzinho ali na Guararapes. Nossa! Os caras

botaram a gente pra fora. Aí então eu fui eleita vice presidente do DCE e foi muito

interessante, por que participava do Conselho Universitário, e aquilo era uma turma

de carneiros, (trecho incompreensível) e outras pessoas; balançando a cabeça e

votando com a Reitoria. e, depois teve uma coisa muito interessante, eu também

não lembro a data, que foi uma decisão em assembleia, uma coisa horrorosa, que

era sobre a invasão da Reitoria; vai-não-vai...vai-não-vai e aí resolveram que vai. Eu

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era contra, mas como era da direção, tinha que ir, e aí o pessoal quando chegou lá

tinha um pessoal de cavalo e não sei o quê. Aí o pessoal “vamos embora, vamos

embora”, eu digo, “não, a gente não votou? Agora a gente vai ficar aqui pra ver o

que é que vai acontecer”. E aí o Reitor (trecho incompreensível). Depois, não sei a

data, a eleição da UEP foi por aí, e eu me lembro muito, talvez vocês lembrem

também que saiam pessoas dos diferentes partidos, não é, das direções, juntos,

com a urna rolando, e ia de faculdade em faculdade, (trecho incompreensível) e

clandestina, claro que clandestina. E, depois vem a história do 477, que eu acho que

foi por aí. Eu tenha uma coisa aqui que eu vou até deixar pra vocês, que eu recebi

aqui: “Comissão de Processo Sumário, ordem do encarregado, Cita a acadêmica

Carmen de Castro Chaves para apresentar defesa no prazo de noventa e seis

horas, a contar das dezesseis horas do dia 7/7/69”, e aqui, eu escrevi atrás, que a

acusação era essa: “Intimamente ligada aos grupos comunistas do Estado,

partidária da luta violenta contra as instituições democráticas, após a edição do AI5

e do decreto lei 477, exerceu plena atividade subversiva conclamando os estudantes

a lutarem contra os gorilas e lacaios do imperialismo norte americano, (risos).

Atualmente, desenvolve trabalho de reestruturação dos esquemas de atuação

esquerdista na área estudantil”, eu era do DCE e depois da UEP, “sendo vista em

constantes reuniões com elementos que tiveram seus direitos de cursar a

universidade cassados. Nos funerais do padre Henrique foi vista conclamando os

estudantes a realizarem pichamentos e comícios contra as autoridades.” Nesse dia,

essa vocês não sabem, e é muito interessante, como eu era uma boa coletora de

dinheiro por que conhecia muita gente, o pessoal já sabia e eu fui proibida de ir, por

que a polícia andava atrás de mim, aí eu fiquei esperando Eduardo chegar pra eu ir

pra casa e não ia pra passeata. Aí encontrei um professor: “Você hoje...” – “Não,

hoje eu estou proibida de ficar, vou pra casa e tal...” – “Ah sim, tá certo.” E aí,

quando eu recebi esse documento aqui eu pensei, meu deus, como é que eu vou

me defender?, Mas eu sabia o que era, era Dulcinha que estava lá, pensaram que

era eu e eu levei a culpa. Mas eu não podia jamais dizer que era ela. Aí eu me

lembrei do que eu estava fazendo, tinha a ata de que eu tinha atendido paciente,

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tinha ido pra uma reunião da nefrologia, outra na clínica de Amauri, tudo com os

professores assinando e tinha até apresentado caso. Aí, Boris Trindade pegou e

botou tudo isso num documento e o 477 não podia me pegar por causa das provas.

A acusação não existia por que eu não estava naquele lugar onde estava sendo

acusada de estar. Depois, aí começou todas as assembleias para o Congresso da

UNE, foi toda aquela coisa pra o Congresso da UNE. Algumas pessoas loucas pra ir

pro Congresso e inclusive agora eu vou citar o nome, por que tinha uma pessoa na

Universidade doida pra ir, que era Jason, estava louco pra ir, queria ir de todo jeito

pra esse Congresso, eu fui, Marcos foi também (...?...). E, o Congresso, obviamente,

olhando hoje, era um delírio no fim das contas, por que era um bando de gente, num

lugar que era... o campo; quer dizer, é só chegar numa padaria, comprar os pães

todinhos, e aí estava evidente. Então foi um negócio! E no final das contas foi todo

mundo preso, todo mundo foi fichado, tiraram fotos de frente, de banda, de trás, de

todo jeito. E tem fotos as fotos. E aí eu tenho um papel aqui, que eu nem me

lembrava disso não, que tem algumas pessoas no Congresso, eu sei que eu estava

no meio, dos que não foram soltos logo, na hora. Eu tenho uma listinha, não está

aqui, mas eu passo pra vocês. Umas três ou quatro pessoas ficaram, fizeram um

triagem, isso foi interessante, por que a maioria não teve nada, (trecho

incompreensível). Aí vem a beleza do AI5, 13 de dezembro de 68. Aí pode se

estender pra todo mundo, por que os que ficaram foram presos. Eu tinha também,

não achei aqui, mas devo ter em minha casa, em abril, em 25 de abril de 1969, fui

naquela casa da Manoel Borba, por que eu soube que tinha uma pessoa que estava

com infecção urinária e que tinha me chamado pra eu ir atender. Quando eu vim de

volta subi, e quando eu cheguei lá em cima os caras já tinham levado as meninas

todinhas, e me pegaram e levaram pra lá também. Aí tem um fato curioso, por que

eles não tinham onde colocar a gente. E a gente ficava de dia numa cela e de noite

a gente dormia em camas de lona na sala do secretário, e logo cedo colocavam o

jornal na sala pra o secretário, e a gente dava uma espiada no jornal. Precisamente

na noite do dia 28 de abril, Miranda esteve lá, me acordou com aquela gentileza

(...?...) e aí ele disse: “Cadê Cândido?” eu disse: “Não sei” – “Eu sei que alguém

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tinha lhe falado onde é que ele está. Eu sei que você sabe” – “Não sei!” Eu não

sabia, nem queria saber, por que eu já tinha uma relação com Cândido, de antes,

por que ele era professor de matemática da minha irmã caçula que era pouco

estudiosa. Então eu já conhecia ele de muito antes por essas coisas. E aí, de

manhã, o cara traz o jornal, quando eu abri dei aquele grito: “O que foi galega?” -

“Pegaram Cândido!”. (trecho incompreensível). Então, eu fiquei lá e só fui solta no

dia 2 de maio. Logo em seguida, em 27 de maio, foi assassinado o padre Henrique e

eu não fui ao enterro, foi aquela coisa que eu já contei, que eu fiquei esperando

Eduardo na porta e depois eu fui chamada para comparecer à delegacia acusada de

agitação estudantil, foi aquele documento que eu li. Bom, depois eu fiquei surpresa

até, em 69 eu fui presa, depois em 70 eu fiz residência e 72 eu voltei pra Recife. Em

73 nasceu minha filha e depois eu fui pra São Paulo e, como eu disse antes, não

continuei apenas médica. Eu participei em São Paulo do Movimento de Renovação

(...?...) do embrião do MDB e aí, destes papeiszinhos que estão por aqui o que me

surpreende, é que depois de muito tempo, é que várias coisas em 70 que eles tem,

como : “relação com elementos subversivos de vários partidos”, em 7 de junho de

72 ainda tem um Pedido de Busca, e depois ainda tem um negócio de estudantes

que foram pra o Congresso da UBES, isso. Mesmo depois que eu não era mais do

movimento estudantil da nossa época, mas eles ainda continuavam e você percebe

pelos documentos que eles eram muito desorganizados. Um mesmo documento,

igualzinho, de um órgão e depois de outro, igualzinho, depois a coisa se repete. Eu

fiz uma limpeza. Agora, tem uma documentação aqui, que é quem ficou preso: fui

eu, Umberto e Ricardo Noblat. Os outros foram soltos. Depois tem esse negócio do

Jornal do Comércio, está aqui, e eu vou disponibilizar pra vocês, (vai mostrando os

documentos que vai disponibilizar pra Comissão). Tem um colega meu, que foi uma

pessoa muito ativa, José Carlos Moreira de Melo, que ele participou comigo e a

gente estava conversando, nós fizemos uma reunião nesse fim de semana passado,

ele foi o coordenador do nosso encontro, é um pessoal que, provavelmente por

causa de 64, ficou com uma liga muito maior, e a gente tem essa coisa, são 46

anos. Mas aí a gente conversou e ele fez um depoimento que eu vou passar para a

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Comissão. Não sei se vale a pena ler, se tenho tempo? O tempo já tá estourado,

não é? Mas vai ficar aqui. É contando um pouco a trajetória política dele, que ele,

quando estudante foi candidato na eleição, na chapa, e por causa disso foi muito

perseguido, sofreu dificuldades financeiras e teve que ir pra São Paulo. Foi pra UNE,

foi preso várias vezes. Também tem uma coisa que eu acho que é interessante, é

que há alguns anos atrás, em 99, a gente fez uma reunião das mulheres (...?...) em

68, e foi muito interessante, tem muito nome aqui, e a gente podia atualizar isso,

acho que tem uns trinta nomes mais ou menos. E tem uma coisa muito bonita, que

foi em 10 de março de 89, (emocionada) Cândido estava planejando fazer um livro,

por que (...?...) e que a gente tinha umas pessoas, é uma coisa muito diferente, não

sei se a Comissão tem isso? Não? É muito interessante. Então eu só vou ler o nome

das pessoas a serem contactadas: Abdias, Airton, Alberto, Cadoca, eu, Clarice,

Cristina Nascimento, Daura, David, Francisco de Assis, Edmar, João Roberto Peixe,

José de Moura e Fontes, Zé Oto, Lucia Melo, Marcelo Mario Melo,Marcus Cunha,

Matilde, Nadja, Paulo Pontes, (...?...), Rosalina Santa Cruz, Silvio Batuschanski,

Tereza Vilar, Valdir, o irmão de Ezequias, Padre Marcelo Cavalheira, Ricardo Noblat,

Aécio Gomes de Matos, Airton Queiroz, Carlos Alberto Soares, Carlos Henrique

Maranhão, Celso Melo, Cláudio Melo, Cristóvam Buarque, Dulce Pandolfi, Eduardo

Magalhães, Ednaldo Miranda, Yvone Bonfim, José Carlos Moreira, José Eudes, José

Roberto, (...?...), Marcelo Santa Cruz, Maria Brayner, Maria Luiza Soares Veiga,

Nancy Mangabeira Unger, (...?...), Rosa Maria Soares, Tereza Cristina Araújo,

Romildo Maranhão, Valéria, ... Frazão, Dom Helder Câmara, Paulo Henrique Maciel

e Antonio...Gonçalves. Bom gente, era isso aí, eu passo a palavra e agradeço a

vocês a paciência.

(aplausos)

FERNANDO COELHO - Dando sequencia eu convido para compor a mesa João

Bosco Tenório Galvão.

(aplausos)

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JOÃO BOSCO TENÓRIO - Bom dia a todos, é um prazer muito grande ter atendido

ao seu convite, era pra eu ter vindo como ex detentor de um mandato parlamentar,

mas eu tive uns compromissos grandes lá em Brasília, e a essa eu resolvi vir falar de

quando eu era estudante. Assumi, com meus filhos, de dizer aqui exatamente (...?...)

de verdade. Em 1963/64 tive a oportunidade de estudar com Nadja no Colégio

Pedro Augusto, e eu era uma pessoa conservadora, pra não dizer direitista. Tinha

acabado de estudar no Colégio Salesiano, saía de lá porque não tinha vocação

nenhuma pra medicina ou engenharia, e lá só existia o curso científico; eu passava

em desenho por favor do professor de desenho, em química, por favor do professor

de química. Eu tinha que entrar num colégio menos exigente pra fazer o curso

clássico, por que eu já tinha desejo, motivação, de estudar Direito. Em 64 já antes

do golpe, participei de um Congresso de Estudantes Secundários em Caruaru, onde

defendi uma chapa anticomunista que era de Antônio Claudio Pedrosa, que

enfrentava a Frente Estudantil do Recife, cujo candidato a presidente era Zé

Fortuna, irmão de Marcelo, amigo meu, de infância, em Caruaru.

A candidatura de Antônio Cláudio não prosperou e terminou sendo eleito Ettore

Labanca presidente, que ganhou a eleição pra José Fortuna. Cheguei a trabalhar

durante uns dois ou três meses com Ettore no Centro dos Estudantes de

Pernambuco, em 64. Depois trabalhando, terminei o curso clássico. Passei dois

anos em estudar, praticamente dois anos. Em 66 fiz vestibular de Direito e entrei no

curso de Direito; fui reprovado na Federal em português e tirei a segunda nota em

português na Católica. Por que até hoje eu não sei; deve ter sido que alguém disse

que Garret era um indianista, por que eu não sabia nada de Literatura Portuguesa e

fui aprovado. Mas em 1966, em março ou abril, eu não tinha nenhuma pretensão de

atividades políticas, nem partidária, nem estudantil. No final de março, mais ou

menos, ou abril de 66, eu assisti uma invasão da Universidade Católica e um policial

esbofeteara o padre (...?...).

Em 1964, depois de um curso feito pelo padre Melo no Colégio Salesiano, foi dito

pelos padres a mim e outros estudantes que 64 era uma briga dos comunistas com

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militares e nós, nem éramos comunistas, nem militares; faço essa ressalva, porque a

partir de 66 o meu currículo como comunista é imenso. Eu peguei um documento do

SNI, que diz que eu saí daqui do Recife pra articular o fortalecimento do Partido

Comunista de Santa Catarina ao Rio Grande do Sul, isso no ano de 1967. Eu vim

conhecer o Rio Grande do Sul, e o Paraná também estava no meio, em 1973. Em

1971, aliás, ano de minha formatura . E este preâmbulo, e também para fazer uma

ressalva, que todo movimento repressivo da ditadura de 64, alardeava que João

Bosco Tenório Galvão, vereador do Recife, é comunista; Manoel Gilberto, é

comunista; Maurílio Ferreira Lima, é comunista; e nenhum de nós três fomos nem

somos comunistas, mas quem era de (...?...) eles simplificavam e passavam a dizer

que era subversivo, isso aquilo outro. Tenho orgulho de ter conhecido comunistas do

porte de Paulo Cavalcanti, Gregório Bezerra, Byron Sarinho, amizades que

passaram a ser parte do meu patrimônio pessoal, e de linha política, mas nunta tive

militância no Partido Comunista.

Entrando na faculdade em 1966, como não fui nem sou uma pessoa de dedicar pela

metade, engajei no movimento estudantil, e já no mês de agosto de 66, no primeiro

ano, fui eleito vice presidente do Diretório Acadêmico de Direito. O movimento

estudantil começava, no Brasil, a se fortalecer. E, em Pernambuco, a partir da

Universidade Católica, entrei na luta do movimento estudantil em grande estilo. Em

1967, a partir da Universidade Católica como ponto central no Recife, aliada a

Faculdade de Direito da Universidade Federal e a escola de Engenharia,

conseguimos fazer uma grande passeata no Recife, culminando com em 1968, no

primeiro semestre, fazer, no meu entender, a maior passeata do movimento

estudantil contra a ditadura de 1964 no Brasil; porque se aqui deu cinquenta,

sessenta mil estudantes, proporcionalmente foi muito maior que a do Rio de Janeiro.

Em 1967, teve aqui em Pernambuco uma reformulação do Movimento Democrático

Brasileiro, a partir ou de 67 ou início de 68, não me lembro bem. O professor

Fernando Coelho talvez tenha uma lembrança melhor desse fato. O senador Jose

Ermírio de Morais, vindo de São Paulo após um almoço que teve com o presidente

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da republica, Costa e Silva, e em homenagem ao presidente de Portugal (...?...), ele

disse numa roda que eu estava presente, juntamente com o professor Pinto Ferreira

e outros militantes do MDB, que o governo tinha autorizado a reabertura dos

diretórios do Movimento Democrático Brasileiro. Foi feita a Convenção e, nessa

disputa pelo controle do diretório, já no inicio de 1969, nós conseguimos derrotar

uma chapa encabeçada por Jose Ermírio de Morais para presidente e Tales

Ramalho para secretario geral. Eu até tinha feito aqui o meu cronograma, mas eu

volto pra ele. O MDB, pelo qual eu fui candidato em 68, boa parte do movimento

estudantil foi contra a minha candidatura. E eu acho ate que eles tinham fundamento

na sua posição, como eu tive fundamento de ter sido contra o Congresso de Ibiúna.

Teve um debate no inicio de 68, na Católica, um estudante, Mata Machado, eu

esqueci o primeiro nome dele, que foi assassinado no sertão de Pernambuco, num

debate caloroso, onde eu defendia a não participação das lideranças estudantis

nesse Congresso, por que era entregar, na bandeja, a futura elite politica, social,

acadêmica do Brasil, nas mãos das informações nacionais e internacionais. Eu não

mim preocupava só em entregar ao DOPS não, eu dizia que tinha muito interesse

dentro do Brasil em toda a liderança do Brasil, que seria o futuro do Brasil, seria

fichada e entregue a quem eles tivessem interesse de entregar. Eu paguei um preço

por essa objeção ao Congresso de Ibiúna, mas não me arrependo ate hoje, Teve um

colega da Católica que foi, que foi Paulo Henrique Maciel que (...?...) atender o

desejo dele, que disse que queria aproveitar para conhecer São Paulo. Quando ele

chegou de São Paulo, por que ele foi solto logo, eu disse: “Conheceu São Paulo?” –

ele disse “Conheci.”– “Como é lá”? Ele disse: “Um grande (...?...) que eu via do

xadrez”. (risos) Mas no exercício da concentração estudantil, em 1967, participei do

Conselho Universitário da Católica. Lá nós tínhamos um questionamento sobre o

valor das anuidades e de estabelecer o turno noturno do curso de direito, que então

só funcionava pela manhã; eu precisava urgentemente de trabalhar, eu venho do

primeiro semestre de 66 até setembro de 66, eu não trabalhei, e as minhas

economias estavam acabando; eu tinha que trabalhar e conversei com outras

pessoas na mesma situação e começou-se a articular e fomos examinar as contas

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da faculdade, porque a faculdade dizia que não tinha dinheiro para o curso noturno,

que ia sai caro. Então a Católica tinha o prédio, que era o único prédio na época,

com quatro ou seis elevadores. No Conselho Universitário, eu descobri que as

despesas com um único prédio, inclusive com os seis elevadores, eram distribuídas

pra o orçamento de cada curso, e eu dizia: Não, tem que distribuir pro rata pelo

número de estudantes, Filosofia tem muito mais, envia pra Filosofia a maior parte, já

Sociologia tem menos; estabelecemos critérios. E pra o Padre Torres, que era o

diretor de Filosofia, isso foi um assalto aos bolsos da escola dele, ele nunca perdoou

a liderança do Diretório Acadêmico do Direito por que foi uma pancada muito grande

nos interesses dele, enquanto nós recebíamos estímulos do movimento estudantil,

de Antônio Granjeiro, que era o diretor da Faculdade, de Padre Mosca que era o

Reitor, depois do Padre Geraldo Amaral, (...?...). Nós recebíamos e pedíamos

informações de ofícios ao IV Exército, ofícios à Delegacia Auxiliar, denunciando

militância de estudantes, como se fossem agentes da baderna, agentes da

discórdia, predadores do patrimônio da Universidade. Mas, no Conselho

Universitário, tivemos o apoio de dois professores que eu conservo, um ainda é vivo,

que é o professor Geraldo Neves, e o outro que faleceu o ano passado, (...?...),

eram homens sérios, conservadores, mas que apoiavam o movimento dos

estudantes.

Fui eleito em 1968, boa parte das lideranças estudantis do Recife, não votaram em

mim. Eu fui pro MDB por sugestão de Luciano Dourado e Rute Monteiro que eram

filiados ao MDB, pelas mãos de Osvaldo Lima Filho que era deputado federal. Na

denúncia, antes de falar da denúncia eu queria passar à Comissão, o documento

que retifica o histórico dos dois estudantes da Católica, da Faculdade de Direito, que

foram expulsos, mas não foram julgados pelo 477. Eles disseram, que pelo 477 só

poderiam voltar três anos depois, e pela legislação que eles enquadravam seria

expulsão definitiva. Mas como no Brasil (...?...) passou a ser só um ano, e nós

voltamos em 1970 e eu terminei me formando em 71. Então a atividade em 1968,

mais ou menos no mês de maio pra junho, eu resolvi sair do movimento estudantil,

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porque tinha conseguido um emprego, que pra mim era fundamental, eu tinha que

trabalhar em qualquer coisa. Surgiu pra mim uma bolsa para os Estados Unidos, e

deu trabalho viajar, porque o delegado Moacyr Sales só dava o passaporte, que na

época era pela Justiça Estadual, se eu colocasse uma nota dizendo que eu não era

comunista. Como ele tinha sido fiscal de renda juntamente com meu pai, aí papai foi

lá e disse: “Ele não vai dar essa declaração, não, e você vai ser o responsável se ele

perder a bolsa”. – “Mas ele tem que dar”. “Não, ele daria se ele fosse, mas como ele

não é ele não dá”. Aí Dr. Moacyr Sales convenceu-se com esse argumento, com o

compromisso de, depois que eu voltasse da viagem, levar o passa porte pra lá, o

que não foi feito; Mas quando eu voltei, eu já era filiado ao MDB, houve Andrade

Lima Filho, Antônio Rocha, que Marcelo conhece, engenheiro, irmão de Abel, que

faleceu (trecho incompreensível). Eu acho, é uma impressão minha, que Antônio

Rocha tinha vínculo com o Partido Comunista, mas nunca conversei com ele sobre

isso, e ele (...?...) muito na campanha; eu fui o terceiro mais votado do Recife, mas

eu acho que a massa estudantil votou nele. Aqui esta o resultado da campanha

(mostra um documento), da minha vida estudantil e do meu curto o mandato

parlamentar. Eu passei dez messes como vereador do Recife. Fui processado em

três ou quatro artigos da lei de Segurança Nacional, nunca fui preso na minha vida,

por mera sorte. Meu filho começou na Faculdade de Direito, ele vinha com poucos

meses contar a mim episódios que nunca ocorreram comigo, ai eu dizia: “Não

ocorreu isso não, não ocorreu aquilo outro”. Humberto Vieira de Melo que faz parte

dessa Comissão, colega do meu escritório, Leuson Lemos uma vez veio contar uma

historia a meu respeito, que tinha ocorrido na Câmara de Vereadores. Eu disse:

“Minha coragem, nunca chegou a tanto”, mas acho que teve alguma. Aqui está o

processo da Auditoria Militar (entrega o documento a Comissão), eu ia trazer pra cá,

mas não consegui arrumar, eu deixei numa pasta no escritório, mas eu vou ver se

arrumo para entregar a Comissão, que é todo o acervo que eu conheci tirar do

Arquivo Nacional. No Arquivo Nacional eu sou, praticamente, Luís Carlos Prestes, o

fundador do Partido Comunista Brasileiro (risos), já percorri o Brasil todinho, eu

conheço praticamente todas as capitais menos os antigos territórios, mas pelo que

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consta no Arquivo Nacional, segundo a informação do SNI, eu rearticulei o Partido

Comunista, em Santa Catarina, Paraná e no Rio Grande do Sul, isto em 66.

Sessenta e seis e sessenta e sete. Quando eu vim a conhecer esses estados, Santa

Catarina, por que os demais em não conheço, em 1971. Foi que me casei e fiz uma

viagem de carro pra lá. Eram essas as informações que eu queria dar, e dizer que

na época eu tinha muito, muito medo pelo futuro do Brasil, mas hoje eu tenho mais

ainda medo, porque eu tenho o medo aliado com a decepção, com a queda dos

sonhos de muitas pessoas em quem eu acreditei e que não mereceram a minha

confiança, como não mereceram a confiança do povo brasileiro.

O que eu vejo hoje de irregularidade de abuso do patrimônio público, eu não poderia

ficar silente nesta sala, hoje, aqui. É uma decepção muito grande que eu temo de

no Brasil acontecer como em outros Países que já sumiram do mapa, e que se

dividiram, se subdividiram, por que parece que temos azar com as nossas

lideranças. Era isso que eu queria dizer. (Aplausos)

Em 1968 teve uma seleção, eu acho que foi 1967, aí eu participei com os

professores daqui do Recife, alguns (trecho incompreensível), mas teve bolsistas

como Roberto Freire, como Cristóvão Buarque, e outros que eu não me lembro de

todos, era uma seleção que não tinha critério político, não tinha. Pelo menos eu não

enxerguei nenhum critério político. Qual era o programa? Passava oito dias numa

casa de família americana, numa cidade pequena lá, e que até hoje eu adoro cidade

pequena americana, fazer uma visita a Universidade de Harvard, uma visita ao

Congresso Americano, uma visita ao Departamento de Estado. Eles mostraram, no

meu entender, com muita franqueza, como funciona o estado americano. Mas muita

gente entre os bolsistas, eles queriam ir pra passear, pra fazer compras, uma série

de coisas; não se interessavam. Eu gostei e acho que tem muita coisa boa pra eles,

tem muita coisa boa que não funciona aqui. Como o Brasil tem coisas maravilhosas,

e que pra mim é o melhor país do mundo pra morar, corrigindo alguns desvios que

nó temos, mas que não servem, algumas Instituições nossas, pra o anglo saxônico,

como não servem pro mexicano, não servem pra Argentina. Mas todos esses povos

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tem coisas interessantes na minha opinião. (trecho incompreensível) em São Paulo,

Salvador e Brasília, (trecho incompreensível) que deu gente de esquerda, como deu

gente de extrema direita que foi pra os Estados Unidos fazer essa a bolsa que a

Associação Interamericana de Universidades deu pros brasileiros durante dez ou

quinze anos, não sei. Eu fui em 68, encerrou em 78, mas Roberto Freire, em 65, ele

já tinha ido, eu não sei quando começou, mas muita gente boa de Pernambuco foi.

Eduardo Pandolfi foi, Rui Frazão, então o que eu gostaria de dizer era isso, e

também fazer uma homenagem aqui. Eu fui absolvido por três a dois no processo da

Auditoria Militar. E isso tem um segredo que eu acho que foi responsável por eu ser

absolvido. Eu comecei a namorar com a minha mulher, Marta Nejaim, com quem eu

sou casado até hoje, desde 71, e ela tinha uma tia postiça, chamada Aída Ferreira

Goulart. Ela foi esposa, talvez Fernando se lembre, de Napoleão Goulart, que foi

diretor do Banco do Brasil aqui, na década de 60 (...?...). Quando eu recebi a

intimação para o processo aí mostrei no almoço na casa de minha sogra, e ela disse

“Eu tenho um parente que trabalha na Auditoria Militar”. Aí eu disse: “Quem é ele?”

Ela disse não sei quem lá, o nome está aí, (refere-se a um documento entregue à

Comissão) e eu disse: “Foi ele que me denunciou”. Aí ela disse: “Pode ficar

tranquilo”. Ela saiu desse almoço e foi bater na casa dele que era o almoço do

domingo, e eu soube por outros parentes de minha mulher, que ela disse: “Olhe, se

João Bosco Tenório Galvão for condenado nesse processo, você nunca mais cruza

o batente da minha casa, e vai ver outras consequências”. Eu não sei o que ela

pensava, mas ele obedeceu, mas citou-se na documentação a pena máxima e

depois reduziu-se: tem dois votos, o auditor e o oficial de maior graduação votaram

pela minha condenação, eu podia ter pego até 15 anos de cadeia, mas eles

sugeriram seis meses de cadeia e entravam com sursis depois, mas fui absorvido

por três a dois. Acho que isso foi muita sorte, (Incompreensível). Obrigado.

(Aplausos)

FERNANDO COELHO - José Arnóbio Pereira

(Aplausos)

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JOSÉ ARNÓBIO - Bom dia a todos, eu sou José Arnóbio Alves Pereira. Sou filho do

agreste pernambucano, nasci em Cupira e fui criado em Caruaru, onde, com idade

de 15 anos, cheguei a participar da militância política estudantil, nos treinos do

estado naquela época,(...?...). Cheguei a participar da UESC, que era a entidade

secundarista da cidade, inclusive (trecho incompreensível) no Congresso da

UCESPE, em final de 63, antes do golpe, e houve grande embate entre a Frente do

Recife formado por um agrupamento de esquerda da época, liderado pelo Capitão, e

o pessoal de direita, Ectore Labanca, Sergio Guerra, e tinha a chapa de Antônio

Claudio, de Caruaru, que era um meio termo e que tinha sido presidente da entidade

local, e era candidato à presidência da entidade estadual.

Terminou com o Antônio Claudio, ainda hoje, já com certa idade, eu, que ainda não

era um cara definido ideologicamente, a direita de Ectore Labanca que era

financiado pelas forças mais retrógradas de Pernambuco, pressionava Antônio

Carlos dizendo, a Frente do Recife vai ganhar a eleição se você não retirar a

candidatura e o apoio Antônio Cláudio. Antônio Carlos prontamente abriu e a Frente

do Recife perdeu a eleição. Uma coisa interessante naquela época, nesse período

pré-golpe no movimento secundarista, é que o ambiente já era muito propício a

ações, vamos dizer assim, clandestinas da direita, não é? Teve uma das reuniões se

eu não me engano, na rádio difusora local, que jogaram uma bomba, a direita jogou

uma bomba, e (...?...) até certo ponto, para afugentar a performance do pessoal da

Frente. Só que a Frente do Recife perdeu e a Direita ganhou, e logo depois veio o

golpe. Mas é isso aí, vamos lá, isso aí é só ilustrativo, vamos lá voltando à questão

mais da minha participação e as questões da repressão sobre o movimento

estudantil secundarista da época. Em 66/67, em 66 primeiro, que eu por uma

questão de trabalho, fui trabalhar profissionalmente com um primo meu em Campina

Grande, e lá, eu já tinha alguma experiência, a entidade de Caruaru tinha sido

fechada, e eu fui fazendo os contatos de Campina com a entidade local. Eu

conhecia Abdias, não é? Eu conhecia Abdias e Claudio Porto. Cláudio Porto estudou

comigo no Colégio Pio XI, foi uma das pessoas que eu tive mais contato mais , não

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tinha nada orgânico, era uma Entidade, não havia, era mais conhecimento; eu

cheguei, novo, conhecendo algumas pessoas, e o companheiro Abdias, na época,

já fazia trabalho, eu lembro de umas pesquisas que ele fazia nos Colégios, não é,

inclusive envolvendo Roberto Campos, que na época era Ministro da Economia,

fazia uma espécie de contra ponto, muito interessante, e era o que se podia fazer na

época. E lembrando, pra não deixar de falar em Campina Grande, o 7 de setembro

de 1966, eu passei lá, e foi, como foi falado aqui, os desfiles eram militarizados

totalmente. Militarizados e com uma conotação pouco brasileira, tudo bem, uma

banda, a banda que puxou o desfile em Campina Grande em 66, o tema foi aquela

música da Ponte do Rio Kwai, não tem nada a ver com o Brasil, o que puxou o

desfile foi aquela música do filme, não é? E no ano seguinte, 67, papai resolveu

mandar eu e uma irmã minha pra estudar no Recife, (...?...) era mais fácil de pagar,

nós viemos pra cá, e eu me matriculei no Colégio Estadual de Pernambuco; por

coincidência, quando comecei logo a participar de alguns movimentos, conheci

certas pessoas, e fui tomando conhecimento do que estava acontecendo na

reestruturação do movimento secundarista aqui em Pernambuco, já que eu tinha

mudado pra Campina Grande no ano anterior. Foi quando eu tomei conhecimento

daquelas grandes manifestações que tiveram, o cerco da igreja de Santo Antônio,

onde os secundaristas que, na época, eu esqueci, o pessoal que badalou o sino que

tocou muito na sociedade, chamou muito a atenção para o ato, aquele protesto

realizado, o pessoal badalou os sinos e, realmente, (...?...). Na época, como estava

naquela fase de reestruturação, vários grupos, várias correntes da esquerda

participavam disso. Culminou, no começo de 67 com o Congresso da UBES, onde

foi eleito inclusive um pernambucano, teve um pernambucano presidente e sendo

que na vice-presidência também teve outro pernambucano. Foi Tibério Canuto o

presidente e Oswaldo Galindo, também de Pernambuco, de Caruaru; Osvaldo

Galindo era vice-presidente. E no Colégio Estadual de larga tradição de luta, desde

quando, inicialmente, era Ginásio Pernambucano, depois Colégio Estadual de

Pernambuco e depois voltou a ser Ginásio Pernambucano, mas naquela época, o

pessoal da Frente do Recife que militava no Colégio até 64, não tinha, praticamente,

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adolescentes, só Paulo Pontes, só Paulo Pontes. Mas lá no Colégio tinha uns alunos

militantes políticos que parece que foram juntados a propósito. Estavam lá,

estudando no colégio José Eudes Freitas, Paulo Pontes era um aluno antigo e

algumas pessoas de nível intelectual, na época, Severino Filgueira, Almir de Barros,

que é poeta, Almir, Renato Phaelante, Marcos Melo que depois, no ano de 68, foi

Presidente da UBES, e o ambiente propício, não é? Tinha (...?...) Socorro que até

certo ponto conversava com a gente, assim como também Adauto Pontes, de boa

memória, que era muito sério e era uma pessoa bem comprometida, e assim já tinha

o ambiente; aquele outro professor, Carmil Vieira, ele era seminarista, próximo a a

ser padre. A gente fazia movimentos, a gente se dedicou com o pessoal e depois a

gente veio a ser chamado de Vanguarda, por que a gente fez o jornal Vanguarda e

Paulo Pontes fez o Opinião. Uma coisa que eu tenho a ressaltar, desde os primeiros

momentos desses primeiros contatos até hoje, apesar dos acirramentos do debate

político, o companheirismo e a amizade continuam. Todos nós somos amigos. O

embate era, às vezes, descabido, às vezes a gente perdia pra direita porque a gente

se dividia, mas o acirramento, o verbo, nunca acabou a amizade que existe ainda

hoje, Marcelo Melo chegou a conviver com a gente ainda em 67, e isso fez com que,

durante o processo de fundação do Grêmio, que era inicialmente, seria fundar o

Grêmio, quer dizer, refundar, por que ele havia existido até 64, então, refundar o

Grêmio e tratar das políticas de reivindicação daquele momento, as mais simples

não é? Que eram banheiros que era um negócio absurdo, banca quebrada,

bebedouro, era um negócio muito sério. E começou a acirrar como era uma situação

realmente gritante, a ter adeptos; só que no Colégio Estadual, eu acho que não por

obra e graça, calhou de ter nas salas do Curso Clássico, nenhuma tinha menos do

que quatro militares estudantes. Nessa campanha por banheiros, foi meu grande

confronto, e não era confronto de dizer “não, eu vou pegar Fulano”, era porrada, era

tapa, era cadeirada dentro de sala de aula, e era ostensivo de uma maneira

estúpida, embora que o pessoal da noite já tivesse uma certa maturidade, e um

certo pensamento político, alguns com o nível ideológico já mais ou menos

segmentado, e ninguém abria. Só que a polícia também não abria. Particularmente

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houve um confronto dentro de uma sala, onde saíram quinze pessoas feridas. Isso

em maio ou junho de 1967. Foi quando nós fomos ameaçados de expulsão pelo

diretor, Albérico Porto, ele era um vassalo, e o Secretário de Educação do Estado

era Roberto Magalhães. Como acirraram-se as discussões em sala de aula, após

esse vendaval e acirrou de uma maneira que estava fechando o Colégio todo dia,

não tinha mais aula, não era aquela greve decretada nem quem podia mais, era

demais e aquele clima, o Albérico Porto, ele disse que o Secretário viria conversar

conosco, aí nós fizemos uma comissão de seis, sete pessoas, nós fomos à

Secretaria, exigir. A nossa pauta tinha um item que era básico, era “Fora o Albérico

Porto”; Roberto Magalhães, ele vacilou, vacilou, mas depois bateu o martelo e nós

comemoramos a grande vitória. No dia, ele também concordou que quem quer que

fosse o novo diretor, ele devia proceder à reabertura do prédio. Só que o novo

diretor, Antônio Souto Neto, por sinal o cara tinha uma postura até democrática, ele

nunca nos entregou de bandeja, ele recebia visitas quase diárias de gente da polícia

e até da incipiente Polícia Federal naquela época, por que a gente fazia pichamento

nos carros do exército quando passavam em frente ao Colégio. Eu queria também

ressaltar que na primeira eleição, assim que houve a retomada do Grêmio, na

primeira eleição as forças de esquerda ganharam juntas, formamos uma chapa só e

ganhamos a eleição facilmente, e realmente desenvolvemos um trabalho bom sendo

que uma corrente tinha o jornal Vanguarda e a outra tinha o jornal Opinião, nós nos

dávamos muito bem, mas havia embates muitas vezes públicos. Em 1967 a UBES,

União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, que tinha uma certa penetração

nacionalmente e já tinha em Pernambuco, a gente recebendo adeptos, em 67, no

início, era muito concentrado no Colégio Estadual de Pernambuco, e nós

conseguimos alguns adeptos entre o pessoal do Marista e do Nóbrega, e começou a

haver algumas adesões, formando grupos e até Grêmios, no Colégio Municipal do

Recife, no Colégio Joaquim Nabuco, no Oliveira Lima, no CER – Colégio Estadual

do Recife e, realmente, quando a gente entrou em 68, a gente entrou mais ou

menos legalizado perante a comunidade dos estudantes, os professores, era um

fato consumado. A gente começou a fazer campanhas, tirar delegados para o

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Congresso da UBES, para Encontro da ARES – Associação Recifense dos

Estudantes Secundaristas; naquela época, a maioria dos militantes já era figurinha

carimbada por que você vivia no foco e o foco da tensão seria o quê? Colégio

Estadual de Pernambuco, Secretaria de Segurança, Faculdade de Direito, CER,

quer dizer, a gente ficava todo dia por ali, era fichinha carimbada. Aí ocorreu o CER:

bom lembrar, o movimento cresceu de uma maneira tão, vamos dizer assim, tão

rápido, e ganhando certa consistência, que teve uma manifestação lá de

reivindicação de alguma coisa e tinha uma menina lá, Carol, que tinha 15 anos e a

repressão foi direto na menina. As meninas, cada um fazendo sua fala, fazendo

suas denúncias a polícia chegou, a Polícia Civil, inclusive com Miranda, e Carol, com

15 anos enfrentou Miranda cara a cara. Lá no CER estudavam Lília, Carol, Ana

Lúcia, Ana Carolina, Giordana, Jane Valença, quer dizer, 68, pra gente aqui em

Recife também tem esse aspecto, culminou com um ajuntamento de pessoas de

qualidade do ponto de vista político. Eu queria ressaltar que no ano de 68, quando a

gente se dividiu pra eleição, (...?...) chapas diferentes, nós perdemos. Quem era a

chapa da direita? Era Venceslau e o presidente, Venceslau por que era o mais

antigo, direitista crônico, e João Olímpio Mendonça, só que o pai dele era deputado

na época, e a gente foi entregar o Grêmio e como ia ter uma manifestação de rua no

dia 6 de setembro e era uma manifestação de peso, só ficou lá pra entregar o

Grêmio, auditório cheio, e cheio de deputados, por que o pai do novo presidente era

deputado, e ficamos Paulo Pontes e eu, e tinha mais um menino que hoje é juiz,

Lapenda. E Lapenda que era mais ligado (...?...). Ocorre que com a sessão cheia de

alunos, a gente perdeu a eleição por que dividiu, mas quando falou eu e Paulo, era

delírio, a gente ganhou, vamos dizer assim, a gente ganhou condições de enfrentar

a mesa, onde estava o pai de o pai de João Olímpio, Olímpio Mendonça, é um

desses deputados, eu não lembro o nome dele, é da família de... Um pessoal de

Fazenda Nova, não lembro o nome, aí gente começou a peitar, chamar eles de

boneco da ditadura e tal, aí cercaram o Colégio, a polícia cercou o Colégio. O

Colégio tinha duas saídas, a entrada e uma saída da cantina, por trás. Aí a gente

disse: “Pronto, a gente tá ferrado e vai ser preso”, o pessoal tá na rua, (...?...) não

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tem ninguém pra ligar pra gente. Aí eu sei que a gente pressionou o Olímpio

Mendonça, o pai, “Você vai ter que tirar a gente daqui”, tira não tira, tira não tira, tira.

Arrumou uma viatura da Assembleia, colocou atrás do Colégio, na porta da cantina,

o chefe da limpeza morava numa casinha vizinha à cantina, ele facilitou, jogou a

gente dentro da Kombi com o motorista da Assembleia e não tinha pra onde ir; pra

onde a gente foi? Pra casa de Olímpio Mendonça (risos). Eu e Paulo Pontes. E tem

mais, o cara com medo. Aí Paulo fez um contato e nos tirou no outro dia de manhã.

Aí ele foi pra Caruaru, pra casa de um irmão meu, mas isso é detalhe, mas eu queria

ressaltar aqui que o movimento estudantil secundarista, no nosso caso, que não

teve 477, teve Secretaria de Educação e Secretaria de Segurança, um exemplo,

teve a relação da Secretaria de Educação, mas voltada para o caso do Pereira da

Costa. Ele pegou todo mundo do Pereira da Costa depois do AL5 e, teve outros

casos, eu e Paulo, era Secretaria de Segurança, Antônio Sergio, Zeca, esse pessoal

ia pra Secretaria de Segurança. Sim, mas eu queria ressaltar, que os companheiros

secundaristas e o movimento estudantil de uma maneira geral e queria ressaltar o

momento triste que nós estamos vivendo com manifestações, quaisquer que sejam

elas, são manifestações políticas, democráticas, mas não campanha pró-golpe

militar. Eu acho que a sociedade como um todo tem que se rebelar, não pode aceitar

os que vão pra rua passar pra população, que a solução é tudo isso que feriu a

nossa Nação e modificou o estado brasileiro. Eu acho que a gente não pode aceitar

isso. (Aplausos)

FERNANDO COELHO - José de Moura e Fontes

(Aplausos)

JOSÉ DE MOURA - Meu nome é José Moura e Fontes, sou advogado, (trecho

incompreensível) toda essa história ligada à Veterinária da Universidade Rural

(trecho incompreensível) movimento dos secundaristas, que nos ajudava muito. Eu

queria chamar atenção para um grande momento que o Brasil viveu, que é a

reorganização e a ocupação dos estudantes secundaristas de São Paulo. (aplausos)

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Esse foi um dos maiores acontecimentos numa fase de (...?...) trabalhistas,

progressistas, mas o interesse e o empenho da nossa imprensa é aquela mesma de

63, a mesma de 45, a mesma de 64, é a mesma, é sempre contra os trabalhadores,

contra os estudantes. Essa mesma imprensa, (...?...) e sempre desqualificando os

trabalhadores, principalmente um grande trabalhador brasileiro que é Luís Inácio

Lula da Silva, (trecho incompreensível). Essa é a nossa situação. Agora eu queria

me situar aqui. Eu, em 1967, comecei minha atividade como estudante, fui

representante de turma, depois membro de Diretório Acadêmico de Veterinária, logo

depois fui escolhido presidente do Diretório Central de Estudantes da Universidade

Rural. Eu queria situar as coisas, num contexto mais amplo que aquele do

movimento estudantil; nós éramos constituído por três Universidades e tinham

algumas escolas isoladas: a Rural, a Católica e a Federal, e as isoladas como a

FAFIPE, a FAFIRE, etc. Então, eu não vou situar a minha trajetória porque eu já dei

um depoimento aqui à Comissão. (trecho incompreensível) porque, no momento até

64 o movimento estudantil, ele se situou em torno do Movimento de Cultura Popular;

ele foi muito incentivado pela expectativa, pela esperança do Governo de Miguel

Arraes, na figura de Pelópidas Silveira, da Universidade que era muito atuante

dentro do próprio Movimento de Cultura Popular. Isso influenciou muito os

estudantes. Logo depois, com o golpe, o ditador Castelo Branco, o ditador Médici, os

estudantes sofreram um duro golpe. Mas, a partir de 64, começaram a se reagrupar,

mas à medida que iam se reagrupando, a ditatura ia criando seus níveis de reação;

bom, com isso havia na época o grande elemento diferencial, O grande partido, a

agremiação política que influenciava o movimento estudantil, de um modo geral era

o Partido Comunista Brasileiro. Com a exasperação da ditadura, e também com as

condições que tinha na época o Partido Comunista Brasileiro, isso foi permitindo

criar outras agremiações. O próprio partido foi saindo do MCP e surgindo outras

entidades políticas, (...?...) de maior resistência e o conflito se estabeleceu. O

Movimento Estudantil em Recife, Pernambuco, ele começou a ter influência, não só

do Partido Comunista Brasileiro, mas também surgiu o Partido Comunista do Brasil,

surgiu a Ação Popular, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, e o Partido

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Comunista Revolucionário. Esses eram os que tinham maior ação e, portanto, maior

influência nessas entidades. E, às vezes, criavam-se conflitos porque os Partidos

discutiam suas ações, tinham seus princípios e, às vezes, queriam introduzir, de

forma muito rápida nas ações dos meios estudantis, e isso aí era o que levava à

maioria dos conflitos. Mas no que pese toda essa situação necessária, democrática,

o conflito estudantil na Rural, tinha uma visão diferente da Federal, da Católica, por

que eram reivindicações diferentes em função do próprio, da própria característica. A

Universidade Federal era constituída de dois cursos, Agronomia e Veterinária, era

muito pequena, chegava a quatrocentos e poucos estudantes, e existiam

reivindicações muito sentidas, muita da situação dos estudantes, dessas duas

escolas, que eram em sua maioria vindos do interior pra fazer Agronomia. Hoje não,

hoje você tem a Veterinária, hoje com uma visão maior com a questão dos animais

domésticos, mais cuidado, então porque na época, eu lembro que só tinha uma

Clinica de Veterinária, só existia uma clínica aqui e que era de um professor da

Universidade, o professor que ensinava veterinária lá. Hoje, você tem mais cuidado,

um respeito muito grande com cães, com gatos, e fez crescer isso aí. Mas na

Veterinária nós vínhamos começando ainda, e ainda bem, porque a reação lá foi

muito grande em relação à aplicação do 477, e que às vezes atingia professor,

porque a gente fala em 477, pensa que ele está voltado apenas para os estudantes;

muitos funcionários foram expulsos da Universidade, muitos professores; o antigo

presidente Fernando Henrique Cardoso foi afastado da Universidade pelo 477,

depois se auto exilou e (...?...) se tornou presidente do Brasil. Então na Universidade

por outro lado também tem aqueles professores dentro da Universidade que eram

verdadeiros lacaios. Eu quando fiz a Universidade, por exemplo, o nosso diretório

sofreu intervenção e o interventor foi um professor, professor (...?...) e que foi depois

meu denunciante na Auditoria Militar, na qual eu fui condenado a dois anos de

prisão, eu e o companheiro Valmir Costa. Na Universidade Rural as reivindicações

da gente eram muito ligadas a aulas práticas, as aulas práticas que eram

necessárias, à substituição de professores que eram decadentes, mas nesse ponto

aí talvez a gente tenha exagerado (...?...), o que a gente queria reivindicar era a

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melhoria da qualidade do ensino, a substituição dos professores incapazes e a luta

contra a corrução no meio universitário. Hoje a corrução está na moda. Na privataria

ninguém fala (...?...). Então a corrução era o quê? Desvio dos alimentos do

restaurante, desvio, por determinados elementos da administração que chegaram a

construir residências na praia de Olinda com material que eles desviaram de lá.

(trecho incompreensível) 1967,1968. Desviavam o alimento da gente do restaurante!

Na luta pelo Restaurante, foi um dos grandes movimentos nossos lá. Nós fizemos

uma greve de 24 dias. Interessante, quanto era a alimentação? A alimentação, as

três refeições eram 5 centavos. O valor de um dia, era 5 centavos. Aí aumentou pra

50 centavos. Aí não pode! Teve mil por cento de aumento. E já vinham numa

arrumação pra tornar... Só que tinha duas (...?...) de estudantes. Tinha a maioria que

morava nas casas de estudantes. Na Casa do Estudante do Derby, na Casa de

Estudantes do Nordeste, onde eu cheguei a morar, em pensões, em casa de

familiares, e precisava dessa alimentação, até por que a Universidade ficava

distante, não tinha aquela infraestrutura, na época. Então essa greve levou a uma

mobilização muito grande, havia piquetes, e tinha colegas nossos que dormiam lá no

piquete, não entrava ninguém. E fechou o tempo, veio a mudança (...?...) que tinha

subversão, e não davam solução; então nós ocupamos a Reitoria. (trecho

incompreensível); A gente ocupou a Reitoria, aí veio a Polícia Federal, cercaram a

Universidade, e ficou um dia todo nisso. E o Reitor, e o governador Nilo Coelho, que

era uma figura com a qual a gente sempre se relacionou de forma respeitosa, e o

governador Nilo Coelho mandou o Secretário de Agricultura, na época, negociar com

o reitor pra haver algum entendimento. (trecho incompreensível). Então, havia uma

atividade muito grande, por outro lado, a gente tinha uma participação nessas

reivindicações, sem perder o horizonte político, a contestação ao regime e às figuras

que iam lá todo dia. O cerco policial era muito grande na Universidade. Aí teve um

momento muito importante no Movimento Estudantil de Pernambuco, que foi a

reorganização da UEP, porque teve um período que ela, a Universidade, vivia em

função (trecho incompreensível) e, por incrível que pareça, na Universidade Rural,

antes mesmo do decreto 477, eles já aplicavam medidas punitivas em relação à

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movimentação política. Tinham dois colegas, Sandino Albuquerque e Valmir Costa

denunciados junto ao Conselho Administrativo, ao Conselho Universitário, por

discursos que fizeram lá, não sei nem onde. Denunciaram. Bom, mas na

reorganização da UEP, foram os três diretórios, os representantes, no caso, Abdias,

Carlos Eduardo que parece que era da Católica e a gente pela Rural, partimos pra

reorganização da UEP. Reorganizada a UEP, deu outro sentido ao movimento

estudantil. As reivindicações eram as reivindicações do Brasil, a mesma que era

encaminhada pela UNE, pelas outras entidades dos outros estados, (trecho

incompreensível) e a pauta estudantil; havia uma questão muito grande dos

excedentes, com grande participação dos universitários, e com a criação da UEP o

movimento estudantil se fortaleceu muito porque havia... Não era aquela

concordância no movimento, mesmo por que as próprias agremiações políticas

tinham posições diferentes e refletia no movimento estudantil. Mas era uma coisa

impressionante, porque havia uma participação. A Universidade Rural ficava lá não

sei onde, mas quando a gente fazia assembleia o pessoal ia, o pessoal da Federal,

da Católica, e a gente ia pra Católica por que as assembleias eram todas lá. A

infraestrutura era melhor mesmo. Então foi o recrudescimento e com esse

recrudescimento aí surgiu a reação. O movimento começou a crescer no Rio de

Janeiro, a repressão começou a crescer. A gente tinha uma atividade quase que

diária de passeatas no centro do Recife. A cavalaria tinha trabalho e a gente, com o

bolso cheio de bolas de gude, e lá vinha o cavalo e lá vem bola de gude, e tinha uma

fase que eu não sei se vocês se lembram, é o seguinte: normalmente a gente se

situava, se concentrava ali, na Pracinha do Diário. Aí a primeira coisa que

mandavam era a cavalaria, não sei como chegavam esses cavalos lá; a gente

dispersava, mas ficava fazendo concentrações, na frente do cinema Moderno, na

Pilar, lá na Rua do Sol, em não sei quantos cantos, em quatro, cinco lugares e a

polícia ficava quase louca. Uma vez fomos parar na Estação Rodoviária, eu e outro

colega, correndo. Eles não conseguiam e a gente, tudo novinho, com as pernas

boas, eu consegui e me salvei dessa vez. Bom, mas o que eu queria mesmo era

situar essa questão dentro do movimento estudantil. A gente enfrentava também

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situação de intimidação, que foi o CCC; o CCC foi um elemento que tentou nos

desestabilizar, lá na Universidade Rural, eles não só entraram, eles rasgaram os

cartazes, quebraram os vidros, quebravam as máquinas e cortavam aquelas

coisinhas daquelas maquinas de escrever, e atiraram, deram tiros dentro da

Universidade, um rapazinho, que era um agregado nosso lá do Diretório teve que

sair correndo por que eles saíram atirando no rapaz. Então, a mesma coisa fizeram

no D.A. de Engenharia, agrediram Dom Helder, picharam a casa dele, fazendo as

mais diversas estripulias em relação à D. Helder. Tinha uma coisa interessante que

eu ia falar no começo, nessas situações como aquela (...?...). Inventaram uma coisa,

você fazia vestibular na Rural e tinha que fazer um psicotécnico, mas só existia isso

lá, não é? Eu não lembro que nas outras Universidades tinha isso. Mas reprovava, e

reprovaram dois, Aí, quando chegou o terceiro, eu sei que que ele era filho do

deputado Heráclio (...?...), que era filho do Coronel Chico Heráclio. Aí reprovaram o

filho dele no psicotécnico. Eu nem conhecia, depois ele ficou meu conhecido. Eu

acho que ele era de Limoeiro, o nome dele era Bombinha, por que tinha dois irmãos,

um chamavam Bombinha e o outro (...?...). Aí ele foi falar com o pai dele, o pai dele

forte, ligado ao governo, deputado, (trecho incompreensível). Aí tiveram que recuar,

por que o deputado foi comunicar a Nilo Coelho, e acabaram eliminando o

psicotécnico. Bom, eu já falei demais. Eu quero agradecer a atenção de vocês, a

tolerância, mais uma vez à Comissão, agradecer a todos e muito abrigado.

(Aplausos)

FERNANDO COELHO – Eu gostaria de transmitir a todos, a informação que eu

acabei de receber. É que a Comissão de Ética da Câmara aprovou a continuidade

do processo contra Cunha. (aplausos)

Passo a palavra à Martha Rodrigues da Silva.

NADJA BRAYNER: Fechamos com chave de ouro, com o depoimento de uma

mulher.

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MARTHA SILVA – Primeiro, nesse momento, agradecendo a paciência de vocês,

principalmente dos jovens que estão aqui. A gente está aqui, nessa missão de

restabelecer a verdade, esta é a Comissão da Verdade. Temos um compromisso

com a verdade, toda a verdade. Por estar aqui, eu estou bastante emocionada, por

ver meus companheiros de quarenta e cinco anos atrás, do movimento estudantil

aqui em Recife. Agradecer à Comissão da Verdade o convite, eu já estou ausente

desta cidade há mais de quarenta anos. Tive que ir por necessidade de

sobrevivência, como Abdias falou, não é? Eu fui obrigada à lutar, saí do Recifepara

o Rio de Janeiro para trabalhar. Eu não tinha possibilidade de trabalho aqui e tive

que me virar pra sobreviver. Agradecer então a presença de vocês (trecho

incompreensível) o momento que a gente vive, de todas essas questões que

aparecem na sociedade brasileira, quando a gente pensa que a gente avançou o

suficiente (...?...), a gente percebe que há outro projeto nacional, intercontinental de

retrocesso, a gente parece que está caminhando quinhentos passos atrás, todas as

conquistas que a sociedade brasileira e a sociedade americana conseguiram e

outros países, a gente vê que tem todo um projeto politico no sentido de levar todos

esses avanços e conquistas pra trás. Isso nos traz angustia por que só a gente que

lutou (...?...), mas uma angustia imensa. A gente vê a natureza sendo destruída; as

questões climáticas sendo fruto do abuso do capitalismo sobre a natureza, o nosso

planeta Terra; as questões gênero, sobretudo as mulheres (...?...) pessoas muitas

obscurantistas a (trecho incompreensível) a figura de uma mulher respeitadíssima,

justíssima como a nossa Presidenta Dilma Roussef sendo mandada a plenos

pulmões a tomar naquele lugar, eu considero isso uma coisa absurda. Não existe

parâmetro que possa comparar esse atraso, esse obscurantismo, esse retrocesso

da sociedade brasileira; as pessoas (...?...) ao longo da nossa historia, da historia

contemporânea, a gente vê pessoas e grupos atacando os gays (trecho

incompreensível) a gente vê questões de preconceitos racial também avançando na

nossa sociedade, as questões que as pessoas que migraram para outros países

sendo ameaçadas, enfim, há uma angustia permanente dento da gente.

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Bom, deixe eu me apresentar agora. Meu nome é Martha, sou pernambucana,

nascida aqui na zona da mata norte. Nasci em Aliança, aos três anos de idade ou

quatro minha família foi obrigada a mudar para o Recife, pra capital, porque a minha

mãe, uma mulher semianalfabeta mal sabia assinar o nome, sou de origem muito

pobre, meu pai era (...?...) estadual, minha mãe e meu pai eram muito pobres mas

progressistas; minha mãe, uma mulher de uma consciência extraordinária,

convenceu meu pai a mudar pra que a gente pudesse ter acesso ao estudo, seguir e

ter possibilidade de sobreviver e que pudéssemos crescer através do estudo.

Mudamos para o Recife, eu já tinha seis, sete anos de idade, chegando nós

moramos no bairro do Cordeiro e depois em Fundão. Saí de lá já uma adulta jovem

depois que acabei na Universidade. Eu sou graduada em Odontologia e a minha

faculdade tem uma peculiaridade que é própria do caráter da formação mesmo

acadêmica dos profissionais de odontologia, essa questão de ter que trabalhar de

forma isolada, (trecho incompreensível) e me dava uma angústia de ter que

trabalhar assim, isolada, sozinha, só o contato com o paciente e o paciente nem

podia falar, porque a gente trabalhava exatamente na boca, (risos),então a gente

trabalhava praticamente só, não podíamos conversar, era uma característica

peculiar da nossa profissão isso do trabalho isolado e isso torna, eu acredito, é um

conceito meu, torna as pessoas muito mais egoístas, muito mais voltado para si, e aí

a peculiaridade da nossa formação é essa, esse isolamento, o não entrosamento

com o coletivo. E eu me graduei nessa Faculdade de Odontologia, fiz vestibular em

66, no final de 66 e no ano de 67 começamos a nossa graduação; era no Derby a

antiga Faculdade de Odontologia, no Derby às margens do canal do Derby e quando

chegamos lá a situação que encontramos... Anterior a isso tem a lição do

movimento secundarista, eu estudava no Colégio Padre Felix, era um colégio

privado, mas com toda a minha origem, com todas as contradições que eu já tinha

com a polícia, com o regime, em função de minha origem, eu já militava

politicamente no Partido Comunista Brasileiro, através de leituras, eu lia os jornas

que o esposo da minha tia, ele era funcionário da Tramways, eu não sei como

chama hoje, ele era sindicalizado e pegava aqueles jornais e levava pra casa e eu

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adorava, eu me identificava com aquela leitura. (...?...) e depois as pessoas quando

eu fazia o curso primário na escola tem na escola da paróquia de Agua Fria, por que

eu morava no Fundão, sempre morei lá, e eu estudava na escola paroquial do

bairro, e eu observava o comportamento do padre, que era o diretor lá, padre Jaime,

que era um homem profundamente preconceituoso, e ele... Minha família toda é de

origem negra, eu sou negra e os meus primos, por genética, tem a pele mais escura

do que a minha, o cabelo um pouco mais enrolado do que o meu, e aí na hora da

saída o Padre se postava (trecho incompreensível), ele ficava na saída do colégio

todo meio dia, e fazia carinho em todas as crianças e eu observava, sempre fui

muito observadora, que ele não passava a mão na cabeça dos meus primos e eu

notei isso porque criança não tem preconceito racial, ela aprende. Ela nasce nua e

sem preconceito nenhum, mas vai aprender, aprende a ser preconceituosa. Eu

observava aquilo e eu não entendia, eu não era preconceituosa. Eu aprendi o

racismo, a questão do racismo, já adolescente. Eu não sabia o que era negro eu não

sabia o que era branco, mas entendi isso já adolescente, e pra mim foi um choque.

Sofri ao longo da minha vida, até hoje, muitos momentos de preconceito racial, a

questão de ser mulher, a questão de ser negra e a questão de ser nordestina, por

que eu moro numa cidade do sudeste brasileiro, que é muito preconceituoso. É

muito forte, é muito forte isso, mas a gente resiste. Então padre Jaime fazia aparecer

essas contradições, e eu ia observando. (trecho incompreensível) com a leitura dos

jornais do Partido Comunista, então no curso secundário, eu estudava no Colégio

Padre Félix, (...?...) conheci, em ônibus e vizinhos que estudavam no Colégio

Estadual de Pernambuco, no Colégio Estadual de Recife e militavam, eu fiz amizade

com eles, e a partir daí fui conhecendo as questões, todos esses temas. E fui

aprofundando, até que me organizei e na Universidade, quando eu entrei, já era

militante jovem, militante do Partido Comunista Brasileiro. O companheiro Paulo

Cavalcanti era meu vizinho, (...?...) e eu frequentava muito a casa dele, de saudosa

memoria. Então, na Faculdade, o que nós encontramos lá? A primeira coisa, um

Diretório Acadêmico onde se enfatizava as festas, jogos de futebol, coisas assim,

voltadas para o lazer. Era direita que estava no comando do D.A. Era uma

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Faculdade pequena, na época também, outro problema é que o concurso do

vestibular que houve, foram cento e sessenta alunos que passaram no vestibular

nas vagas do vestibular, mas só oitenta estavam garantidos por que não havia

espaço para os outros, eram excedentes, então a luta começou a partir daí, (...?...)

mas observávamos as pessoas que se mobilizavam mais, e aí íamos conversar, e

dai essa conversa passou pro pátio da Faculdade e o pessoal excedente (...?...) que

aderiu àquela conversa, e ao mesmo tempo organizamos uma Comissão. E essa

Comissão foi ao Diretor da nossa Faculdade, Henrique Freire de Barros (?) que

junto com o Conselho Universitário e a organização da Faculdade resolveram

ampliar. O curso noturno se criou aí, seis meses depois eles entraram na Faculdade.

Fez-se dessa forma pra eles entrarem na Faculdade, era por média, quem tivesse

maior média entrava e começava o curso e os outros começavam seis meses

depois. (trecho incompreensível) inoperante e resolvemos continuar nossa

mobilização. Fazíamos assembleias no pátio a sala, entravamos nas salas de aula,

(trecho incompreensível) tinha o Partido e com outros companheiros nós

adotávamos essa estratégia de conversar com os estudantes, na entrada da

Faculdade, e as outras pessoas que estavam ao redor escutavam os estudantes que

estavam engajados nessa luta dos excedentes. A gente chamava “excedentes”, mas

isso é também uma forma pejorativa, e havia também as questões dos restaurantes.

Mas vou ser breve nesta questão, que era um aspecto que comprometia muito o

orçamento das famílias o aumento da refeição, por que não dava pra ir pra casa

(...?...). Então a luta pelo não aumento nos restaurantes universitários foi muito forte

na época. Na nossa Faculdade havia um restaurante e os estudantes da Casa do

Estudante de Pernambuco, que eu acho que era na mesma rua, comiam também na

escola, era na mesma rua, me parece. Outro fator, na época, desses 160 alunos que

passaram no vestibular de 66 e se matricularam em 67, havia muita gente que vinha

do interior do Estado, muita gente vinha de outros estados, eu tinha colegas que

vieram do Piauí, outros do Maranhão, estudavam na Faculdade de Odontologia,

éramos 3 extensões no Estado de Pernambuco, a Federal de Pernambuco, onde eu

estudei, uma Faculdade no Parque 13 de Maio que se chamava FOP, Faculdade de

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Odontologia de Pernambuco, que era privada, e criaram na época a Faculdade de

Odontologia de Caruaru. A demanda era muito grande, e poucas vagas para os que

queriam fazer Odontologia. Eu não sei explicar a vocês o porquê, até pela minha

origem, de eu querer fazer Odontologia. (trecho incompreensível) grande, até por

que o equipamento era muito caro, mas eu sempre tive vontade de ser dentista. Mas

graças a Deus, forças que me levaram a tomar essa decisão (trecho

incompreensível) e felizmente passei no vestibular logo na primeira prova. Bom, a

luta na Faculdade. Continuamos o trabalho pra desalojar o pessoal de direita do D.A.

e conseguimos. Formamos uma chapa com o presidente Luiz Carlos Pimentel

Cintra, Geny Abramof, Vera Lúcia Sobral Delgado, e eu entrei como Diretora

Cultural, Maria de Fátima Bernardes Lacerda, essas pessoas e mais outras

constituíram o grupo e conseguimos convencer os colegas e assumimos o Diretório

Acadêmico da Faculdade de Odontologia, e a partir daí, passamos a militar no

movimento estudantil. Aí tivemos muito dos outros D.As. mais combativos, e os

companheiros também, depois houve a eleição do Diretório Central, aí foi Abdias

que disputou a eleição como presidente, junto com Carmen Chaves, Marcos Burle,

eu fui eleita segunda secretária, Maria Luísa (...?...) também fazia parte da direção e

mais outros companheiros. Então com a ajuda do pessoal de outros diretórios

acadêmicos, o Diretório Central conseguiu (trecho incompreensível) e conseguimos

fazer greve na nossa universidade, o que foi um fato raríssimo que nunca havia

acontecido antes na história da Faculdade, haver greve na faculdade de

Odontologia. Bom, a partir daí seguimos. Depois eu pessoalmente passei a militar

no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário e a partir daí aprofundamos mais a

questão da luta política e é quando veio as grandes manifestações do Recife de

apoio aos perseguidos, que conseguimos mobilizar colegas, fazendo panfletagem,

fazendo pichações na rua, enfrentar a direita, que era muito complicado. Na nossa

Faculdade sempre tentavam desmoralizar o trabalho da gente (...?...), sempre fiz

alguma coisa, cursos, motivar as pessoas a ler, a leitura fora daquela (...?...), enfim,

foi quando veio a questão de eleger delegados para o Congresso da UNE, e pra

esse Congresso de Ibiúna nós fomos eleita como delegada e fomos com os

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companheiros e companheiras, de ônibus, pelo sertão, primeira e única vez que eu

conheci o sertão de Pernambuco, nós fomos um trecho pelo litoral, de ônibus,

depois saímos em Juazeiro, padre Cícero do Juazeiro, e chegamos em São Paulo,

fui junto com a companheira Ranúsia Rodrigues, de saudosa memória, aqui está a

Rildete, irmã dela. Nós viajamos juntas, fomos presas juntas e estreitamos muito

mais a nossa amizade. Nos tornamos mais amigas. Em São Paulo, houve a

repressão e fomos levados para o Presídio Tiradentes, lá fizeram nossas fotos, as

digitais, foi tudo registrado lá. Mas isso teve consequências depois. Já vivendo no

sudeste, nós fomos trabalhar em São Paulo na Cooperação na atenção básica

(trecho incompreensível) aqui em Pernambuco. Aí eu tentei voltar aqui pro meu

estado, e quando fui (...?...) em São Paulo, eu passei por vários constrangimentos lá

naquela repartição pública e a pessoa que me atendeu, demorou e quando voltou

disse: “A senhora é criminal” e fui tratada como criminal em função do que a ficha

disse até quando esclareceu que era em função da questão política que eu tinha

vivido quando fui presa no Congresso da UNE, e não queriam liberara minha

identidade e eu pressionei, depois resolveram liberar e minha identidade foi emitida

em São Paulo, isso em função dessas coisas das digitais, fotos de frente, de lado.

Ao voltar de São Paulo, então tivemos... Nós voltamos de ônibus, eram poucos

colegas, alguns ficaram detidos ainda e nós fomos liberados na Praça do Derby,

fomos liberados pra casa, isso em outubro de 68. O ano de 68. Em Dezembro veio o

Ato Institucional numero 5, no bojo do AI 5 veio o 477, estávamos no Diretório em 67

e logo em janeiro/fevereiro de 69, começou o processo de acusação do 477 desse

grupo que era do Diretório. Cumprimos um mandato (...?...) em função da repressão

do diretor, ele formou uma comissão lá de forma sumária aplicou o 477 e nós fomos

afastados da Universidade por três anos. Sumariamente. Houve dois ou três

docentes lá, professores que eram nossos amigos, que eram parceiros, e que deram

outro parecer, mas a maioria era conservadora e de direita. Fomos cassados e logo

a seguir (...?...) com poucas pessoas, foi na época que os companheiros da Escola

de Geologia também foram cassados; criaram (...?...), eu não me recordo direito,

chamavam Vintém. Ali juntava aquelas pessoas de sempre, pra discutir política,

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lembram do Vintém? Carlos Alberto Soares e a família, aproveitavam o Vintém... É,

ali atrás dos Correios... Eu cassada da universidade, sempre ia atrás dos Correios e

junto com Carlos Alberto (incompreensível) Carlos Alberto Soares era meu

companheiro de militância e cumpriu pena em Itamaracá; E eu fiquei sem muita

expectativa e sem perspectiva, foi quando a Mércia Albuquerque nos chamou no

escritório dela, era a advogada que nos assistia, era parceira do Partido Comunista,

eu não sei como era aquela relação, mas ela era uma pessoa ótima e nos chamou a

atenção que estávamos sendo procurados pela polícia, de repente eu tive...

Fazendo uma apreciação de 67 e 68, quando fomos detidos na rua e levados pro

DOPS, e aqui está a companheirinha Miranete, que estava comigo, fazendo

panfletagem na rua e fomos levadas para o DOPS, não é Miranete? E depois fomos

liberadas; e depois que esse Congresso se realizou e que nós estávamos sendo

procurados, tivemos que sumir de Recife, viajamos para o sudeste do Brasil e

ficamos lá um tempo até a polícia esquecer e tal, e hoje eu dou graças à Mércia, por

hoje não estar desaparecida, por não ter sido torturada, por nós conseguirmos sair.

Nós conseguimos escapar. Dr. Paulo Cavalcanti nos ajudou (incompreensível) a

uma amiga nossa, que eu nunca mais soube dela, e fomos até o Rio de Janeiro em

busca do namorado dela, e ficamos lá, (trecho incompreensível) Tempos depois,

anos 70, 71, voltei à Recife, cheguei numa quarta ou quinta feira aqui, e no sábado a

noite o investigador Miranda entrou lá na minha casa, invadiu minha casa, mexeu

em tudo, e me levou detida pro DOPS onde fiquei 10 dias. Fiquei lá no DOPS. Na

época o Secretário de Segurança era Armando Samico, que era meu professor de

Odontologia Legal, ele me reconheceu, falou que havia uma lista de pessoas aqui

que estavam sendo recolhidas ao DOPS por determinação do Exército e eu fiquei 10

dias ali no DOPS, encarcerada, incomunicável, e eu via chegarem as pessoas, a

família Maranhão do Valle estava toda lá, estavam todos os Maranhão do Valle lá

nesse momento, estavam lá detidas, que eram uma família conhecida, da esquerda

aqui em Recife e em todo o Estado, de esquerda, todos lá estavam, os filhos, o

Romildo, seu Chico... O Ramires é desaparecido; e todos por lá. E outros

companheiros que chegaram por lá também. Dez dias depois, o Samico, me

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levaram à presença dele, e ele me perguntou se queria que alguém me deixasse em

casa. Eu fiquei um pouco assustada, disse não, desci, atravessei a Rua da Aurora,

peguei o ônibus e fui pra casa de ônibus. Foi um alívio pra minha família eu voltar.

Bom, aí continuamos, houve eleições gerais, onde o MDB, como se previa naquela

época, fez a maioria dos deputados, dos senadores, aliás, e após 70, final de 71,

cheguei novamente a Universidade, eu voltei para fazer a minha matrícula e

exigiram atestado de bom comportamento por esse período em que fiquei afastada

da Universidade. Eu não tive nenhuma dúvida nem constrangimento. Procurei o

Armando Samico (risos), foi ele que mandou me prender, aí o Armando Samico me

fez assinar um papel que eu não faria atividade política nesse período, enquanto eu

estivesse na faculdade, era a condição que ele fazia pra me dar esse atestado de

bons antecedentes. Foi uma chantagem, era o Eduardo Cunha da época. Ele foi, e

eu era a Dilma. Então voltamos à Universidade e havia um preconceito enorme,

quando eu voltei, pra todos os efeitos eu era subversiva, a comunista, a terrorista.

(trecho incompreensível) mas eu tomei uma decisão, eu sempre fui uma pessoa

observadora, gostava de ler, de estudar, sempre tive notas boas, aí eu resolvi

estudar naquele ano, aí eu fui melhor aluna nas matérias mais difíceis, no quarto

ano de odontologia, eu tinha uma habilidade e até hoje eu tenho uma habilidade

incrível com mãos, aqueles ferrinhos, aqueles grampos, eu dobrava aquilo com uma

facilidade incrível, e os colegas me pediam, eles filavam as minhas provas, eles

permitiam que eu fizesse os grampos finos pra eles, então eu usei essa estratégia e

conquistei as pessoas, que foram se aproximando de mim, viram que eu não era

assim uma pessoa tão perigosa como eles imaginavam. Eu sei que ao final do

curso, graças a Deus, eu passei por média em praticamente todas as matérias, me

senti completamente liberada e livre, pensei que eu já não estava mais controlada

pelo computador deles, mas era terrível; Foi em 72, quando o regime já estava sob a

direção do Emílio Garrastazu Médici, foi quando o golpe dentro do golpe derrubou o

Costa e Silva e entrou o Garrastazu Médici, e forjaram um processo no II Exército,

em São Paulo, constava um processo lá, quando eu estava trabalhando em São

Paulo, eu peguei no Arquivo Público lá, um processo interessantíssimo, que era de

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fazer inveja a Janete Clair, o companheiro que passou aqui também falou num

processo que ele foi colocado, Bosco; eu também eu passei por esse processo, um

processo que o Exército forjou onde me casaram com um baiano, fui pra Lapa em

São Paulo, ninguém conhece essa Lapa, pratiquei atos terroristas em São Paulo,

depois fui morar em São Vicente, aí me condenaram e me consideraram foragida, lá

no processo estava escrito. Aí, depois de um tempo, fui a julgamento e fui absolvida,

isso no ano de 72, tudo isso no final de 71, início de 72, em 72 eu estava concluindo

meu curso de Odontologia eu não podia ter vivido tudo aquilo. Então aos mais

jovens, não acreditem naquilo que a polícia fala e naquilo que a polícia escreve. É

mentira, boa parte é só fantasia. Bom, em 72 eu conclui o curso e quando vim

buscar o diploma, veio a triste notícia de que eu tinha que fazer OSPB; eu teria que

fazer OSPB, senão não receberia o diploma. Aí eu me inscrevi na Faculdade de

Medicina seis meses, a gente só tinha, não era curso presencial, a gente vinha só

pra fazer prova, me atrasou seis meses mais na minha vida profissional. A partir daí,

quando concluí OSPB, aí eu pude começar a procurar trabalho e tinha o certificado

de que eu concluí o curso, eu tentei trabalho, não consegui, aí eu fui pro Rio de

Janeiro, e lá foi onde eu fiz toda a minha vida profissional, clientela, novos amigos,

estive lá esse tempo todo e lá eu construí a minha militância, fui da (...?...) do Rio de

Janeiro, fui da Federação Nacional dos Odontologistas em Brasília, (trecho

incompreensível) que é o paralelo à Renovação Médica e foi o que nos levou ao

Sindicato dos Odontólogos do Rio de Janeiro; fizemos um trabalho sério, diferente

do que sempre foi feito lá naquele sindicato, enfim, trabalhei anos com o Movimento

de Mulheres, Movimento Negro, Associações de Moradores, eu moro em Santa

Tereza, participei da Associação de Moradores de Santa Tereza e vivemos lá todo

esse período e estamos viva. Muito viva, observando e prestando atenção em tudo.

Eu me recordo que quando eu comecei a estudar na Universidade, não havia cursos

de Odontologia além desses três, à nível de Nordeste, e o da Universidade Federal

de Pernambuco era referência, vinham pessoas de todas as cidades do Nordeste

tirar o grau de professores aqui, o grau universitário era na Universidade Federal de

Pernambuco. Eu quando vejo hoje, quantos campus universitários abertos pelo

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interior, em todo o interior do Brasil, Recôncavo Baiano, esse curso específico, só

pode ser reconhecido no Recôncavo Baiano uma universidade específica pra

negros, mas onde não estudam só negros, tantas universidades que foram abertas

em todo o país, Escolas Técnicas, facilitando a vida das famílias, dos filhos que

precisavam viajar pra longe pra estudar, ficavam longe das famílias, muitos deles

sem grana, a maioria ia morar na Casas do Estudante, não tinham dinheiro para

comer, os restaurantes universitários não funcionavam, eles tinham dificuldade,

comiam banana, biscoito, essas coisas. Então eu vejo hoje, tantos Cursos Técnicos

a abertos em todo Brasil, Universidades expandidas por todo Brasil, e as pessoas

não reconhecem que isso é incrível, incrível, comparando com a época em que nós

estudávamos, as dificuldades que os estudantes passavam quando se afastavam de

suas famílias. Hoje as Universidades Rurais saem de seus sítios e vão pra o interior,

os estudantes estudam e voltam pra suas famílias, voltam pra dormir em casa.

Então, essas coisas todas que entristecem, mas a gente tem esperança de ver tudo

isso prosseguir, o golpe não virá. (impossível entender a fala do depoente. Pessoas

conversam alto junto à mesa de gravação) de dez anos atrás, e que os jovens

consigam uma conquista maior, crescer. A gente sabe do ponto de vista material a

humanidade cresceu muito, as descobertas científicas mudaram a vida dos homens,

mas do ponto de vista moral o homem não avançou muito e a gente vê recrudescer

todos esses sentimentos (...?...) o egoísmo crescendo, e todas essas

consequências, com relação às mulheres, com relação aos idosos, com relação aos

jovens. (trecho incompreensível) a cidadania e a plena liberdade que os jovens

possam viver a sua vida com toda essa energia, que possam viver dentro de uma

sociedade justa, democrática e com muita liberdade. Muito obrigada. (aplausos)

FERNANDO COELHO - Passo a palavra à professora Socorro Ferraz.

SOCORRO FERRAZ - Boa tarde, vamos ser muitos rápidos, e dizer que algumas

considerações devem ser feitas; em primeiro lugar queremos agradecer a presença

de todos, especialmente a presença dos depoentes. Essa sessão, pra quem

acompanha as sessões da Comissão, essa sessão tem, teve, algo muito

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interessante. Ela trata da questão de jovens do movimento estudantil secundarista,

depois passando pelo movimento estudantil universitário, e depois pela vida

profissional das pessoas. Então foi realmente uma sessão onde poderíamos discutir

e que vai nos embasar bastante, pra uma questão que a Comissão tem se

debruçado, que é a perda da inteligência brasileira, nesse período. Como essa

inteligência brasileira se dispersou, praticamente se dissipou e, a muito custo, essa

inteligência ressurge e você vê que todas as pessoas que fizeram movimentos aqui,

falando dos seus colegas, falam que essas pessoas tinham como responsabilidade,

como disse muito bem a Martha, de ser a melhor dentro de sua turma, para atrair,

para ser um exemplo, então isso para nós reforça também os depoimentos que

foram dados tanto na audiência do MCP, o Movimento de Cultura Popular, o que

aconteceu com aquelas cabeças também, e com o Brasil, com a inteligência

brasileira, como também com o depoimento da audiência sobre a Sudene. Então

isso está muito claro que há uma perda enorme que foi e é irreparável. Não significa

que nós conseguimos no Brasil, não conseguimos realmente manter essas

inteligências, muitas vezes aqui, e também em alguns depoimentos que temos aqui,

foi falado o nome do seu irmão, Marcelo, Fortuna. Jose Fortuna, que foi candidato a

presidência da Associação da CESPE, bem, então vejam só, eu queria iniciar minha

fala para ser rápida, dizendo que as primeiras vítimas do golpe de 1964. Foram dois

estudantes pernambucanos, Jonas e Ivan, essas foram as primeiras vítimas. Então

esse falso argumento de dizer que a ditadura, ou que o governo militar, ele vai

radicalizar por conta da radicalização dos estudantes, isso não é verdade, porque

eles mataram, no momento em que eles fizeram o golpe eles já mataram os dois

estudantes, e era pra matar mais. É porque eles recuaram então isso não tem

justificativa, como também vejam só, o Partido Comunista Brasileiro não participou

da luta armada, mas foi tão vitimado quanto. Então não é pela questão da

resistência; a resistência é uma resposta à radicalização. E a outra questão que eu

queria rapidamente colocar, é que a partir de 68, a gente já viu que 64 não teve

violências do movimento estudantil. E as pessoas que foram presas em 64, sofreram

brutamente as torturas, as pessoas foram torturadas a partir de 64. Eu vi Jose

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Messias torturado, vi o que esse rapaz sofreu e vi outras pessoas também

torturadas. Mas, a partir de 64/68 já com ditaduras militares já instaladas em alguns

países da América-Latina, entre eles o Brasil, houve uma radicalização entre setores

da intelectualidade e da juventude. Surgiram então criticas severas à condução

politica dos partidos de orientação marxista na forma de enfrentamento, porque o

que os estudantes, como vocês todos falaram aqui, que radicalizaram foi o

enfrentamento que o PCB fez à ditadura do ponto de vista inicial, e também o PC do

B e também os trotskistas, porque estavam todos completamente, digamos uma

palavra talvez, desorientados, não esperavam o golpe por que tinham informações

muito diferentes da realidade, então constituíam-se outros grupos políticos com

novas interpretações da realidade brasileira, propondo ações políticas decisivas,

incluindo ações militares, que conduziram ao enfrentamento com as forças armadas

brasileiras; com o desmonte da democracia soluções advindas da politica como a

arte do dialogo, o que fez o MDB durante muito tempo, é verdade, e eu achei

interessante também que muitos dos depoentes trataram dessa questão, como o

MDB atuou, como foi uma frente politica de discussão, de uma certa habilidade no

confronto, etc. Então, os jovens, esse tipo de arte para o diálogo, naquele momento,

não impedia a credibilidade aos jovens. Daí vem novos atores e vem a fragmentação

dos partidos de esquerda a partir daí. Então, nessa escala de violência, a

Universidade Brasileira, como lugar de produção do conhecimento, foi atingida

através da perseguição a estudantes, professores e funcionários, como já foi dito

aqui bastante. Centenas de professores e alunos foram atingidos eu seus direitos

civis por vários atos que também já foram discutidos aqui. Sete professores foram

aposentados compulsoriamente da Universidade Federal de Pernambuco e 79

estudantes universitários sofreram interrupção de suas vidas acadêmicas, na UFPR,

na UFRPE e na UNICAP. Na Bahia, foram mais de 300 estudantes porque com uma

população maior a repressão foi bem mais violenta. Agora, a maioria das vítimas,

por exemplo, e nos trabalhamos com 51 nomes na nossa lista, a maioria dessas

vítimas, no momento de sua morte ou desaparecimento estavam numa faixa etária

considerada jovem. Da lista preliminar constituída por cinquenta e um homens e

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mulheres, dezessete eram estudantes. Então nós estamos falando de estudantes

que sobreviveram e queremos dar os parabéns por isso, estamos vivos, como disse

Martha, estamos aqui ainda discutindo, ainda querendo criar um Relatório para que

a sociedade veja, para que a sociedade saiba o que é uma ditadura. Agora,

dezessete eram estudantes, sete militares, seis camponeses, quatro operários, sete

profissionais liberais incluindo bancários, comerciários, um padre e outros

classificados como militantes de partidos políticos, sendo militantes menos jovens.

Então eu quero chamar atenção que dessa lista de cinquenta e um, dezessete estão

mortos ou desaparecidos, é muita gente. Os que nós não sabemos! Bem, teríamos

muitas coisas para discutir mas infelizmente o adiantado da hora, a hora o tempo, o

tempo e curto, é isso mesmo. Mas eu tinha uma questão para José Arnóbio.

Arnóbio, eu quero dizer que valeu muito você ter lembrado do professor Paulo

Pontes foi uma grande figura naqueles momentos de grandes e muitas dificuldades

no colégio, chamado Ginásio Pernambucano, mas eu tinha uma questão pra você

que está baseada no depoimento de Ectore Labanca; é um depoimento publico, por

isso que nós vamos citá-lo, por que foi um depoimento feito na Fundação Joaquim

Nabuco. Ectore diz que havia um padre que morava em Piedade. Esse padre se

chamava padre Jose Cândido Maria e fazia cursos de liderança democrática

financiado pelo IPES? E o padre tinha uma ligação muito forte e foi ele quem

levantou a candidatura de Antônio Claudio Pedrosa, lá naquela famosa eleição que

José Fortuna perdeu. Então, mas havia esse, o Labanca, era candidato, o Antônio

Claudio também e o José Fortuna. Então, o que se sabe é que o Antônio Claudio

abriu porque era uma pessoa, segundo Labanca, era uma pessoa muito de direita

radical, ligado a esse padre que era financiado pelo IPES e que o IBAD foi

fundamental nessa eleição, o que você diria sobre isso? Financiamento do IBAD , é

verdade?

JOSÉ ARNÓBIO – Eu não conhecia esse detalhe, agora, sobre o IBAD...

SOCORRO FERRAZ: Aqui diz que o IBAD bancou a candidatura de Antonio Cláudio

Pedrosa. Dito por Ectore Labanca.

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JOSÉ ARNÓBIO - Olha esse incidente na época, da ligação de Antônio Claudio com

o padre, e até pouco tempo, nos anos 80, era falado no Estado de Pernambuco; Era

Lira, Padre Lira Maia.

SOCORRO FERRAZ - É, é esse mesmo. José Cândido Maria Maia Lira.

ARNÓBIO: Com esse aí, ele tinha estreita ligação. Sobre o financiamento direto, eu

não tenho conhecimento. Agora as probabilidades são várias, a ligação era política.

SOCORRO FERRAZ - Eles tinham bastante estrutura financeira, para realizar esses

congressos, viagens, porque o depoimento de Ectore Labanca, ele fala disso, muitas

viagens, permanência no Rio de Janeiro nos Congressos, essa parte de viagens e

apoio era permanente.

JOSÉ ARNÓBIO - Dessas viagens eu não tenho conhecimento. Agora, tenho

conhecimento de cursos, já depois do golpe, no primeiro semestre de 64, cursos que

eram dados ali em Casa Caiada, num prédio (...?...). Eu conheci esse local. Lá eram

dados cursos e vinham arrebanhando gente do estado todo, com passagens, etc.

Mas eram cursos realmente (...?...).

SOCORRO FERRAZ – Obrigada.

NADJA BRAYNER - Bom, como vocês já sabem, nós tivemos a surpresa agradável

encontrar esse depoimento de Ectore Labanca. E ele diz em uma parte desse

depoimento, que no dia do golpe ele estava lá na praia, quando houve o incêndio do

prédio da UNE - União Nacional dos Estudantes; ele diz isso claramente, que estava

lá, firme e forte, mas que ele estava presente, e esse depoimento é uma coisa muito

importante, está tudo registrado e tal, mas eu vou fazer só uma rápida colocação; eu

acho que todos os depoimentos colhidos aqui foram importantíssimos,

complementares, não é? Nós temos muita documentação, recolhida de vários

arquivos, trabalhamos com prontuários, com aqueles processo de reparação, temos

farto material, e, inclusive, eu acho que é importante dizer que, de uma forma ou de

outra, aquele movimento estudantil naquela época, com todas as dificuldades

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colocadas aqui, foi um movimento extremamente forte e maduro. Porque vocês

observam que todo mundo aqui falou que se conseguia fazer as coisas, por que

tinha uma base por atrás. Não era somente um movimento de meia dúzia de

pessoas, de lideranças. Quando o pessoal daqui foi preso em Ibiúna, eu me recordo

bem, que nós fizemos um pichamento nessa cidade do Recife, de ponta a ponta,

ficando a metade da Conde da Boa Vista com os secundaristas, a gente trabalhava

assim, e metade ficou com os universitários. O único erro nosso, claro, que ninguém

é perfeito, é que começamos o pichamento na mesma hora e a polícia chegou

primeiro no lugar aonde estava (...?...) então ocorreu as prisões e tal, ficaram presos

e dois dias depois foram soltos. E aí, o que aconteceu? A gente fez também uma

grande Assembleia com as lideranças, porque eu me lembro que na época se falava

que tinha o primeiro escalão, o segundo escalão, o terceiro escalão, não é? Tinham

as lideranças estaduais, não é? A gente tinha as lideranças nas escolas e tinha em

cada faculdade; então era por isso que se tinha uma base de apoio. Por que se

desenvolviam essas lutas, como Noba colocou aqui, que eram as questões de

interesse específico dos estudantes, um bebedouro, por exemplo, era coisa

fundamental, não é? Em determinada situação. Então eu me lembro na Faculdade

de Direito, Marcelo sabe disso, que está aqui, que uma das questões era que a

gente tinha uma disciplina muito pesada, chamada Introdução ao Direito, que a

gente passava um tempo enorme a transcrever as aulas, de J. J. Almeida, e

distribuir com os colegas; isso tinha uma importância enorme e a gente recebia

apoio político por isso. Então eu acho que essa articulação, era muito importante

entre as lutas específicas de cada escola e as questões maiores da reforma

universitária, por exemplo, que eu não posso deixar de registrar aqui, que nós

derrotamos 5 MEC USAID, que ia transformar a Universidade em fundações, e

houve um recuo. E isso foi fruto desse movimento, era pra virar tudo Fundação e

nós conseguimos que isso não ocorresse. Eu considero isso uma vitória e, por fim,

pra até afirmar essa história dessa frente em que nós trabalhávamos, Bidú sabe bem

disso, nós somos amigos desde aquela época, tem vários outros, Marcelo também,

e a gente trabalhava exatamente assim, apesar das divergências políticas, que a

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gente discutia pra valer, em cada espaço, a gente se unia nas coisas que eram

comuns, e isso tanto é verdade que a gente conseguiu a reestruturação do DAs,

fazíamos reuniões de frente, que se reunia em várias escolas, fazíamos assembleias

em Arquitetura, fazíamos na Fafipinha, onde você tinha todo mundo do movimento

estudantil e a gente definia nossas estratégias de luta conjuntamente ali. Então eu

acho que isso aí, pra mim, me marcou muito, porque é o retrato da solidariedade, da

amizade, do companheirismo, que se expressava nisso e se expressa até hoje, no

contato com pessoas que a gente tem até hoje de posições e tendências políticas

diferentes. Para concluir, eu quero prestar uma homenagem aqui, eu encontrei

nesses papeis que a gente tem pesquisado, um documento que é a carta política da

candidatura à UEP de Umberto Câmara. Naquela eleição da UEP, quando Cândido

foi eleito, tinham outros candidatos, um era Valmir Costa, da Rural, e o outro

candidato, Umberto Câmara. E eu encontrei exatamente a carta política, onde tem o

programa e tem inclusive aqui a chapa, que é foi formada pra essa eleição: Umberto,

como presidente, de Medicina, Hugo da Católica, Zé Luiz de Ciências Médicas, que

também já é falecido, Zé Geraldo da Rural, Marcelo Santa Cruz de Direito e Tânia

Regina de Ciências Sociais, que era da federal. Então quer dizer, eu acho que isso

aqui, eu queria de certa forma fazer uma homenagem a Umberto Câmara,

desaparecido político, um companheiro fortíssimo na nossa luta, e eu acho que foi

dessa forma que a gente, bem ou mal, conduziu a realidade do momento. Eu quero

agradecer. (aplausos)

FERNANDO COELHO – Eu gostaria de agradecer a presença, principalmente dos

depoentes e não precisa dizer que os seus depoimentos serão de grande ajuda ao

nosso trabalho. Todos nós sabemos, que todos nós, direta ou indiretamente, mais

de perto ou mais de longe, vivemos essa luta. No meu tempo, um pouco de antes, a

agenda não era a mesma, mas a grande luta do movimento estudantil, ainda na

Faculdade de Direito respirando os ares do assassinato do Demócrito de Souza

Filho, eu entrei dez anos depois na Faculdade, a nossa luta era pela autonomia do

movimento estudantil em relação ao poder universitário e ao poder público do

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governo do estado. O Diretório era subordinado inteiramente ao Governo do Estado.

Mais: o último presidente do Diretório e líder situacionista, era oficial de gabinete e

os oficiais de gabinete do governador e dos secretários de estado eram escolhidos

exatamente com essa missão de subordinar e controlar o movimento estudantil, e

dependia também em relação ao poder político. Digo mais, na época em que eu fui

vice-presidente da UNE, a nossa grande luta era pra tornar o movimento estudantil

independente e quem conseguiu viveu um breve período e sofreu depois a

repressão, como do pós 64. Mas essas são memórias que ficam pra trás. Acho que

aqui todos nós ganhamos nessa manhã com os depoimentos de vocês. Nós da

Comissão, não precisa nem dizer, que estamos aqui registrando essa história que a

gente já sabe, mas que foi muito importante ouvir de novo e tudo será aproveitado

no relatório final que a Comissão há de apresentar. Quero agradecer aos depoentes

e quero agradecer também a presença de todos que, pacientemente, nos ouviram.

Afinal, um agradecimento à ADUFEPE. Esse agradecimento eu faço até com uma

certa emoção, porque aqui nessa sede se homenageou a figura de Paulo Rosas.

Paulo Rosas foi meu colega, meu amigo, quase meu irmão desde quando chegou

de Natal e ficou aqui no Recife, foi meu colega de faculdade até o terceiro ano,

quando se transferiu para a área da psicologia e deixou o curso de Direito, mas

permaneceu ligado, tanto que no livro que publiquei há alguns anos, compilando

depoimentos e textos de todos os professores que me ensinaram na faculdade, e

cerca de 60 colegas, nós fizemos um registro especial a três companheiros que

entraram conosco e não terminaram conosco. Um deles foi Paulo Rosa, outro, uma

grande figura humana, foi inclusive, em certo momento, candidato a vice-prefeito do

Recife, Antônio Carlos Cintra do Amaral, advogado que teve que sair do Estado

depois do golpe e faleceu há dois ou três meses em São Paulo, onde se fixou e

onde chegou a ensinar na Faculdade de Direito e conseguiu, com seu trabalho, vir a

ser considerado um dos maiores advogados na área administrativa, no Brasil.

Obrigado a todos e antes de terminar quero avisar que, na sexta-feira, vocês todos

estão convidados, a Comissão fará o lançamento de um caderno, um dossiê

importantíssimo em que se comprova, se registra, pela primeira vez tornando

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público, através de documentos oficiais e depoimentos também, a interferência do

Itamarati, do governo brasileiro da ditadura então vigente, pra impedir que o Prêmio

Nobel da Paz fosse concedido a Dom Helder Câmara. Esse trabalho será lançado

na próxima sexta-feira, a partir das nove horas, no Palácio dos Manguinhos, todos

estão convidados. Muito obrigado a todos.

JESSÉ ESTUDANTE – Pessoal desculpem, eu sou Jessé, sou membro da UNE,

sou estudante da Ciências Sociais e não poderia deixar passar um momento como

este, em que estão presentes vários companheiros aqui, pra realização desta

audiência, pra trazer uma saudação calorosa, do movimento estudantil da nossa

Universidade. Nós sabemos que é preciso e nós temos muito, na verdade, que

aprender com os companheiros aqui, com cada depoimento. O movimento estudantil

existe com muitas dificuldades, é verdade, que nós enfrentamos nesse momento,

mas sabemos que o caminho já foi iniciado por vocês e essa luta por memória, por

verdade e por justiça é também uma luta nossa, porque se hoje nós enfrentamos,

por exemplo, nas ocupações das escolas de São Paulo, a polícia, com tanta

turbulência, nós sabemos que isso é resquício da ditadura militar. Nós sabemos que

a ditadura militar ainda tem resquícios no Estado brasileiro, e o movimento estudantil

precisa, juntamente com outros movimentos sociais, continuar em luta pra que se

esclareçam todos os fatos. Aqui na Universidade, eu faço parte do Movimento

Correnteza, e eu queria dizer que o depoimento de vocês aqui foi muito

impressionante para mim, e ainda existe a cultura do nosso jornal, a nossa

Organização também tem um jornal. Nós ainda vendemos os jornais aos estudantes

nos DA’s, nas assembleias, ainda lutamos pra fazer um panfleto, passeata, arte, ter

um pensamento político, luta política, e saber que isso, hoje, a democracia, eu sou

um jovem de vinte e um anos, e sei que pra ter isso hoje estou nós devemos a cada

companheiro, cada um que lutou bravamente para que a gente tivesse uma

democracia, um abraço caloroso do movimento estudantil da UFPE e da diretoria da

UNE a cada companheiro que está aqui e que a luta por memória, verdade e justiça,

avance. Muito obrigado. (aplausos)

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DEPOIMENTO ESCRITO À COMISSÃO DA VERDADE EM RECIFE

JOSÉ CARLOS MOREIRA DE MELLO – EX UNE.

Meu nome é José Carlos Moreira de Mello. No ano de 1964 ingressei no primeiro

ano da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco. No início

do ano seguinte, 1965, alguns colegas se reuniram com a intenção de lançar

candidatos ao Diretório Acadêmico e ficou acertado que eu deveria candidatar-me a

representante de turma.

Quando estávamos nos organizando nesse sentido, o Ministério da Educação emitiu

uma portaria definindo critérios para a organização dos D.A.s e estabelecendo que

as eleições deveriam ser realizadas em agosto e não mais em maio; definia como

seria a composição das diretorias dos mesmos e excluía a função de representantes

de turma.

Quando se aproximou o período eleitoral determinado pela portaria, os colegas

entenderam que eu deveria ser a “cabeça da chapa” para o D.A. Ao final fui eleito

depois de uma campanha bem acirrada. Evidentemente todos os D.A.s do Recife

realizaram suas eleições no mesmo dia e, ao final, percebeu-se que aquelas

Faculdades com maior número de estudantes e até outras com número menor,

tinham elegido candidatos identificados como contrários à ditadura que governava o

país.

Uma vez que as Uniões Estaduais de Estudantes estavam proibidas, logo formou-se

em Recife uma espécie de fórum que englobava tanto os componentes dos D.A.s

recém eleitos como outras lideranças nas diversas Faculdades, e que se reunia

semanalmente para discutir os rumos que deveriam ser dados ao movimento

estudantil local.

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Terminado o meu mandato no ano seguinte, 1966, como já havia me tornado

conhecido entre lideranças de outras Faculdades, continuei a participar dessas

reuniões. Aos poucos, o movimento estudantil de Recife foi ganhando uma

organização maior. Foi por essa ocasião que surgiu a notícia de um acordo a ser

firmado entre o então Ministério da Educação e Cultura - MEC, com a United States

Agency for International Development – USAID, que alteraria os diversos níveis de

ensino no país, conferindo-lhes padrões e critérios baseados num modelo

americano. Era o chamado Acordo MEC-USAID.

O movimento estudantil no país começou a se levantar contra esse acordo, e

manifestações foram sendo organizadas em todos os grandes centros sob a

liderança da UNE e da UBES. O mesmo ocorreu em Recife. Numa dessas

manifestações, já em abril do ano seguinte, com a presença de um número

expressivo de manifestantes, fomos obrigados a entrar no prédio da Assembleia

Legislativa para nos proteger da polícia que ameaçava agredir a todos. Na ocasião

foi queimada uma bandeira americana. Vários oradores se sucederam, inclusive

deputados ali presentes. Eu fui desses que falaram. Tentava-se um acordo para que

pudéssemos sair dali sem ameaças de repressão. A polícia cercava o prédio.

Apesar do compromisso que nos foi assegurado, de sairmos em paz, fui preso ao

chegar à rua. Comigo foi preso um estudante secundarista, Fernando Santa Cruz,

que anos mais tarde desapareceria, vítima da ditadura militar.

Permaneci preso por quase três meses, inicialmente no quartel da Polícia Militar, no

Derby, e depois no quartel da cavalaria, no Engenho do Meio. Fui julgado pela

Justiça Militar e absolvido. Como consequência dessa prisão, os companheiros da

organização a que eu pertencia, Ação Popular, mais precisamente o comando local

da mesma, entendeu que eu poderia sofrer perseguições se permanecesse em

Recife. Como se aproximava o Congresso da União Nacional dos Estudantes –

UNE, que se realizaria em São Paulo, em Valinhos, propuseram que eu participasse

do mesmo, integrando uma das chapas.

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Assim me afastei de Faculdade, interrompendo-a durante o quarto ano. Acrescento

que, além de estudante, eu era também funcionário da Universidade, tendo o cargo,

na época, de escrevente datilógrafo, função que já exercia antes mesmo de prestar

vestibular. Obviamente fui exonerado do emprego como consequência da prisão.

No Congresso compusemos uma chapa na qual, entre dez participantes, quatro

eram de AP, a quem cabia a presidência na pessoa de Luís Travassos. Já no ano

seguinte, em 1968, em uma manifestação de trabalhadores alusiva ao primeiro de

maio em Belo Horizonte, onde representei a UNE, tornei a ser preso. Por conta

dessa prisão não participei do Congresso seguinte da UNE, Congresso que foi

dissolvido pela repressão, tendo todos os seus componentes sido presos.

Tendo saído da prisão por consequência de um habeas corpus, continuei na

militância em AP por um período. Residi em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nessa

época me encontrava casado e em abril de 69 nasceu minha primeira filha. As

dificuldades para a militância eram grandes com o aumento da repressão pós AI 5.

Com o nascimento de minha filha, minha companheira, na época, retornou após

alguns meses para o Recife, passando a residir com minha família. Afastei-me da

militância e, com a ajuda de amigos, consegui sobreviver até conseguir emprego,

inicialmente numa casa de peças para lavanderias e depois como vendedor de

livros. Próximo de findar o ano de 69 um tio meu, que inclusive tinha sido meu

advogado por ocasião da minha primeira prisão, Carlos Martins Moreira, mandou-me

dizer que havia “sondado” os militares da região e que, se eu prometesse me manter

afastado de atividades políticas, eu poderia voltar à Faculdade.

Assim o fiz. Em 1970 retomei a Faculdade a partir do quarto ano e me formei em

1972. A minha companheira, na época, era também estudante de medicina e havia

se afastado para conviver comigo. Também retomou seu curso, defasada dois anos

em relação a mim.

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Após haver me formado mudei-me para São Paulo para trabalhar e minha

companheira continuou em Recife. Na época tínhamos três filhos. Em outubro

daquele ano ela abrigou em sua casa um meu ex companheiro de AP, e que havia

participado da UNE comigo, José Carlos da Mata Machado. Por causa disso foi

presa. Aqui em São Paulo também recebi uma “visita” no meu local de trabalho de

quatro elementos que se disseram pertencentes à Operação Bandeirantes. Fui,

portanto, novamente preso no DOI-CODI, onde permaneci cerca de um mês.

Esse é um breve histórico. Acredito ser suficiente para as pretensões dessa

Comissão.

Fico à disposição para esclarecimentos outros se necessário for.

José Carlos Moreira de Mello

São Paulo. 14 de dezembro de 2015.