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SECRETARIA DA CASA CIVIL 1 TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 21/11/2013 LOCAL : AUDITÓRIO DA OAB/PE DEPOENTES: ABELARDO GERMANO DA HORA MANOEL MESSIAS DA SILVA

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TRANSCRIÇÃO DA SESSÃO PÚBLICA REALIZADA EM 21/11/2013

LOCAL : AUDITÓRIO DA OAB/PE

DEPOENTES:

ABELARDO GERMANO DA HORA

MANOEL MESSIAS DA SILVA

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Abelardo Germano da Hora

Manoel Messias da Silva

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(A GRAVAÇÃO SÓ INICIA NO FINAL DO DEPOIMENTO DE ABELARDO DA HORA)

ABELARDO DA HORA - ... Representando os elementos, e os bandidos que estavam infiltrados no Exército fiz, outros que estavam infiltrados na Marinha e outros que estavam infiltrados na Aeronáutica, botei eles todos armados, cada um com um capacete estranho, e que era um penico. Por que era um penico? Por que só tem merda na cabeça! (risos) E fiz o Tio Sam ir surfando, empurrando assim com a mão e surfando (...?...). Quando a força americana foi lá, por que eles estavam querendo fazer uma exposição do meu trabalho, estavam querendo expor lá nos Estados Unidos, eu fiz um negócio pra cobrir. Mas tá lá no meu atelier: “As bestas do apocalipse”, é uma coisa que eu registro isso como meu trabalho, (...?...), entendeu? Sei que me resta ainda fazer um poema, mas é uma coisa tão nojenta que não dá pra fazer poesia. Por que a poesia é uma coisa muito bonita. Eu quero então agradecer a vocês por essa oportunidade e dizer que vamos pra frente! Cabeça erguida! Obrigado. (Aplausos) Ah, isso aqui, Fernando, você não quer ler não a minha “Pena de Morte”?

FERNANDO COELHO – Olhe, o problema é que a gente já distribuiu e não está completa. A gente aqui inclusive já pediu pra completar, por que só está a primeira página. Eu conheço esse texto, nós temos na íntegra, e eu pedi pra reproduzir. Se chegar ainda durante essa reunião, nós inclusive distribuiremos.

ABELARDO DA HORA – Certo.

FERNANDO COELHO – Eu peço até ao pessoal do apoio que, se puder, imprimir a continuação com cópias pra gente distribuir aqui entre os presentes.

SOCORRO FERRAZ – Eu acho que, peço licença ao coordenador pra falar, acho esse documento, ele é muito importante, por que ele confirma o que o artista Abelardo acabou de dizer. É um relatório da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco, que diz o seguinte: “Iniciava uma polêmica comunista que rebentava (...?...)... É desses, cujas convicções e atividades tão extremadamente contrárias ao regime democrático, o tornava, sem sombra de dúvida, um dos principais a dever e a sofrer o expurgo a ser realizado pelas forças vitoriosas, como condição sine qua non do prestígio da vitória”. Isso é um documento da Secretaria de Segurança de Pernambuco.

FERNANDO COELHO – Que ainda será distribuído com seu texto, quando completo.

ABELARDO DA HORA – Olhe eu queria fazer um pedido, está aqui o companheiro Jurandir Bezerra, filho de Gregório bezerra, a quem eu peço uma salva de palmas (aplausos) quando eu estava preso, depois desse encontro com Ibiapina, que eu disse a ele que ele podia ver na Secretaria de Finanças se tinha algum recibo assinado por Abelardo da Hora, no outro dia eu fui mandado para o Parque de Moto Mecanização, ficar lá, naquela estrada que vai pra Casa Forte. Quando eu cheguei lá tinha um negócio de uma casinha de cachorro lá no fim, com uma grade de ferro, eram duas, uma estava desocupada. Numa estava Gregório, abaixado por que

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não podia ficar em pé, por que era baixa, e na outra eu fiquei também, sem ficar em pé. Mas no quarto dia que eu estava lá, eles tiraram Gregório, eu assisti, eles tiraram Gregório, amarraram uma corda no pescoço dele e amarraram num carro de combate e saiu. Quando o carro estava andando pra cá, Gregório estava em pé. Mas quando chegou na estrada Gregório caiu. E arrastaram Gregório até a Praça de Casa Forte, deram várias voltas. O outro ia ser eu, por que estavam lá os dois, não é? Ia ser osso pra todo lado, por que eu sempre fui magro. Mas acontece o seguinte, o comandante Vilocque, mudou completamente a cara pra mim. Ele só faltou me dar bom dia e apertar minha mão. Por que meu cunhado Lucena resolveu assumir a Prefeitura. Ele não queria, Lucena não quis assumir a Prefeitura. Disse que não era nenhum usurpador! E todos aqueles que estavam presos, ele foi eleito não é? (incompreensível) mas o tio da mulher dele era um dos cabeças do golpe, o coronel Montezuma, que quando Ibiapina viu, eu vi logo ele, por que quando eu fui fazer o contrato (incompreensível) em Aldeia, ele estava como Comandante da 7ª Formação Sanitária, e foi quem mandou os soldados fazerem exercício e me salvar. Foi um salvamento. Pegar uma maca e me botar sentado... (emocionado)

FERNANDO COELHO – Um depoimento que depois será comentado, mas sem sombra de dúvida, foi de uma riqueza que corresponde ao que nós esperávamos aqui, da presença de Abelardo. Agora eu queria convidar pra vir à mesa, por que de acordo com os trabalhos, será também ouvido Manoel Messias, pode tomar assento aqui à mesa. (Aplausos) Em seguida, após o depoimento dele, será facultada a palavra, para que os coordenadores e relatores da área possam fazer as suas perguntas. Messias também é também uma pessoa conhecida aqui, de todos, e será uma honra pra nós também ouvi-lo e com a certeza de que você também trará uma grande contribuição aos nossos trabalhos. Então eu peço que você se qualifique antes, pra efeito da gravação que está sendo feita e depois vamos ouvir o seu depoimento.

MANOEL MESSIAS – Bom dia para todos, bom dia para as senhoras, companheiros, depoentes, a mesa, Fernando, Áureo, Roberto, bem... Eu sou de Caruaru, meu nome é Manoel Messias da Silva, sou irmão de Carlos Fernando, compositor, que morreu recente, fui do Movimento de Cultura Popular, na parte do Teatro, meu CPF é 226. 934.804/68 sou economista, professor de ciência política e de sociologia e estudei uma parte aqui em Pernambuco outra no Rio de Janeiro e me formei em Lisboa. Fiz pós graduação, o 3ème.Cicle, em Paris, fiz também um curso na Goubenkian, (...?...) e tive uma vida muito intensa. E no governo de Miguel Arraes, no primeiro governo de Miguel Arraes, eu desempenhei a função de sub secretário de estado da Secretaria Assistente. Precisando de mais alguma qualificação eu o farei depois. Mas eu quero referir ao depoimento de Abelardo da Hora, nosso querido artista, militante das artes e da política. O depoimento de Abelardo é importantíssimo. Ele falou da vida dele, como é que ele chegou ao Partido e como era o Partido. Por que é importante? Por que no depoimento dele não tem nenhuma conspiração partidária, não tem guerrilhas, tipo burlas para se tomar o poder, não tem assassinatos políticos, então é muito importante esse depoimento democrático, de uma organização que era democrática, o Partido Comunista Brasileiro, que lutava contra as injustiças sociais, que lutava em favor da ampliação da democracia, contra a dominação do capital. Isso ocorreu por quê? Isso ocorreu por que o Partido Comunista Brasileiro, ele sofreu uma modificação com o passar do tempo, já não era mais o Partido

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Comunista do Brasil de 1935. O Partido havia sofrido uma mudança, creio que a nível internacional, com o fim da Internacional Comunista e com a sessão que (incompreensível) houve uma tentativa de se nacionalizar os partidos comunistas a nível mundial. Isso era um fator muito importante na (incompreensível). É a partir desse momento que o Partido Comunista Brasileiro passa a defender um movimento democrático e nacionalista. Democrático e com base nas eleições. Isso é uma mudança incrível, que o Partido saía de uma posição ultra esquerda e venha para uma posição de centro esquerda. Essa é que é a grande mudança na realidade no Brasil, do Partido Comunista e até do mundo inteiro. Os partidos comunistas que seguiam a Internacional Comunista eram partidos de cada país, com a sigla Partido Comunista do Brasil, partido Comunista da Argélia, Partido Comunista de Portugal, Partido Comunista da França. Isso dava mais ou menos uma ideia de que eram seções da Internacional, e com o passar do tempo essa mudança é tão importante, que os partidos se nacionalizaram, passaram a defender as teses da sua realidade. Não era um problema de adaptação, era um problema, praticamente, de um novo partido. E é desse partido que Abelardo falou. Muito bem colocado, agindo em todas as áreas da sociedade brasileira, que vai influir de tal maneira no crescimento democrático, na frente parlamentar e nacionalista e democrática, que vem o golpe. Com o golpe, que apelidaram de “revolução democrática”, contra o comunismo, contra a república sindicalista de João Goulart, contra a revolução cubana que os comunistas queriam implantar no Brasil. Minha gente, isso é mentira. Os militares são especialistas em mentiras, principalmente aqueles que formam os serviços de inteligência das forças armadas. Isso é uma grande mentira, nós precisamos desmoralizar essas pessoas. O país ampliava o seu aspecto democrático. O Partido Comunista Brasileiro, nas teses que antecederam alguns meses o golpe militar, civil militar, o partido tinha alcançado um nível de influência na democracia, na ampliação democrática, democracia participativa, e foi isso que amedrontou a ultra direita civil que se uniu aos militares, uma minoria de militares, e o golpe vem daí. Por quê? Por que nós defendíamos reformas. As reformas de base. As reformas de base estão no documento do governo federal de João Goulart que eram, em parte, as mesmas da luta do Partido Comunista Brasileiro. A reforma urbana, onde houvesse políticas públicas para (...?...), direitos para os (...?...); a reforma da remessa de lucros para o exterior, não havia limites, dado o lucro das empresas estrangeiras no Brasil; hoje nós temos toda uma mudança e fica até difícil de entender como era antes. Toda a taxa de lucro das empresas internacionais era enviada para as matrizes. Hoje isso não é mais assim e foi a causa da nossa luta. Parte desse lucro, dessa taxa total, tem que ser reinvestido no país, senão o capitalismo não se desenvolve no seu plano geral. A reforma agrária, que não era uma reforma que viesse expropriar o proprietário, era uma reforma agrária que trazia bônus para a indenização das terras; e uma reforma política, onde houvesse legalidade para todos os partidos políticos. Isso João Goulart falou no comício do dia 13, junto com Miguel Arraes e o pessoal do partido, defendendo esses princípios. E esses militares, essa minoria ligada ao Serviço Secreto da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, eles tinham o ranço ainda de 35 e estavam ainda muito atrasados em relação à coexistência pacífica entre o regime soviético e o capitalismo num regime democrático. Então eles é que se sentiram ameaçados nessas reformas, pelo avanço que a sociedade teria e partem para quebrar a hierarquia militar; destruíram os princípios profissionais das forças armadas e rasgaram a constituição. E passaram a torturar, a prender trabalhadores, cassaram todos os partidos. Não era só o Partido Comunista que estava

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ameaçando? Como é que cassam todos os partidos? Então são coisas que precisam ainda hoje ser melhor explicadas. Todos os partidos foram cassados, então é uma posição contra a sociedade. Esse grupo de militares tomou como inimigo a sociedade. Não era mais uma força armada para defender a integridade territorial da nação, mas contra o povo brasileiro. Então essa digressão que eu faço, mostrando a base teórica do que foi a apresentação de Abelardo, não tem em nenhum momento, nenhum partido, (incompreensível), e eu sou testemunha, eu era secretário inclusive do Partido Comunista em Caruaru, um partido que tinha quase duas mil pessoas. Eu era suplente no Comitê Estadual, depois cheguei a trabalhar num trabalho especial no Comitê Central, com Salomão Malina, onde nós nos organizamos militarmente já na ditadura, como forma de autodefesa. Não há nenhum momento em que se queira agredir ninguém, nem proprietários, nem empresas, nem quebrar propriedades privadas nem estatais e nem organização militar para uma tomada de poder pelas armas. Isto não havia, estava fora de cogitação. O exército invadiu a casa da minha mãe em Caruaru, escavou o quintal até a frente atrás de armas que tinham vindo de Cuba. Isso era uma grande mentira! Era uma guerra psicológica e nós sabíamos de tudo isso. Então eu estou apenas tentando mostrar uma parte da evolução teórica (...?...) ou a consonância do pronunciamento de Abelardo que é muito importante. Então o coronel que foi (...?...) popular, que é daqui de Panelas, Melo Bastos, ele também escreveu um livro sobre essa questão. Não havia nenhum documento. Nós desafiamos todos os pesquisadores e todos os militares a mostrar um único documento que defendesse a revolução socialista, a expropriação e a revolução armada. Não existia. Por que o mundo havia mudado de tal maneira que o que interessava ao povo brasileiro era a democracia para poder reivindicar seus direitos, melhores salários, melhores condições de vida, políticas públicas, saneamento, tudo o que tem hoje. As reformas que nós defendemos naquela época estão aí ainda pra serem feitas: reforma fiscal, o banco central que nós defendíamos, hoje tem o banco central que é atrelado à presidência da república, então não precisava de Banco Central. Por que antes existia a SUMOC, Superintendência da Moeda e do Crédito, que dependia do Governo. A taxa de juros, a política monetária eram decisões governamentais e não um estudo teórico, um estudo pragmático da realidade do mercado. Então nós não temos a luta por um banco central independente. Não temos ainda uma economia capitalista no sentido correto do termo, em termos de evolução. Nós estamos ainda numa economia atrasada, uma economia exportadora de produtos primários, temos 2% de tecnologia mundial, isso é muito pouco, exportamos 2% no comercio mundial, então nós terminamos caindo numa bolha se não tivermos cuidado. Bom, se eu estiver falando muito tempo vocês podem... Certo? Eu queria fazer (trecho incompreensível) que essa pessoas eram do Partido Comunista. Carlos Fernando, meu irmão, frevista, que tinha amor ao frevo, ele era do Partido Comunista também. E depois, junto com Bruno Maranhão, fundaram aqui em Pernambuco o PCBR, claro, no final, depois da volta à democracia, ele não tinha mais militância e era muito ocupado nos seus afazeres como artista. Agora eu queria fazer duas sugestões à Comissão. Minha irmã, Maria do Carmo Silva, que foi casada com (...?...) um rapaz que esteve preso aqui, uruguaio descendente de russo, uruguaio que ficou preso aqui durante cinco anos, ela que dava assistência e terminou se casando com ele quando ele foi solto e foi embora. Mas Maria,era da juventude comunista em Caruaru com 15 anos. E ela foi presa, no Colégio das freiras aonde estudava, ficou lá, presa numa sala, até que Ibiapina mandasse o exército buscar ela e trazer aqui pra Recife para a Companhia de Guardas, uma pessoa de

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menor, com a conivência do colégio das freiras. Eu proponho à Comissão da Verdade que mande chamar Marília pra fazer esse pronunciamento aqui. Ela mora (trecho cortado na mídia, falha de gravação). Isso seria muito importante. Além de mulher uma criança, uma adolescente na época. Outra pessoa é Dr. Hiram Fernandes, que lançou um livro muito importante. Hiram era meu secretário executivo, tinha 16/17 anos quando foi preso pelo exército, levado pro 14RI, onde ficou dentro d’água, ele e o coronel Hugo Trench que era o Comandante da Polícia Militar. Bom, então essas duas pessoas deviam ser convidadas a depor. Vou relatar um pouco a situação em Caruaru e o que nos aconteceu. (...?...), eu era subsecretário do Governo de Miguel Arraes, cuidando da parte da Secretaria Assistente, chefiada por Cid Sampaio, para cuidar dos assuntos trabalhistas, sindical, empresarial, estudantil e até político nos municípios, era uma coordenação política. Arraes ampliou essas secretarias, criou as subsecretarias nas cidades da zona da mata sul e norte e também em parte do agreste e a secretaria de Caruaru tinha até o final e até o final eu estava. (...?...) eu participei da campanha dele, eu participei da campanha dele pra deputado estadual, depois pra prefeito daqui do Recife e pra governador também teve a minha participação. E ao observar isso, ele disse “Olhe, eu vou lhe nomear sub secretário”, na época se chamava Delegacia Assistente. Eu disse “Olhe, mas talvez seja melhor você arrumar outra pessoa, um cara assim formado, e tal.” Ele disse: “Não, eu escolhi você por que quem me orientou foi David Capistrano”. David Capistrano era uma pessoa de ligação com o governo do Estado. Legalmente, todo (...?...) sua base no governo e terminei aceitando. Aí, em Caruaru, nós desenvolvemos um trabalho em consonância com as forças políticas de Caruaru. Caruaru era uma cidade muito de direita. Não tinha um movimento operário como Recife, não tinha uma tradição com sociedades de esquerda, (trecho incompreensível) nesse aspecto. Quais eram em Caruaru as forças políticas? Começamos com as forças políticas e depois com parte do movimento sindical. Juscelino havia, antes, mandado uma verba pra gente construir uma sede do movimento sindical, então, parte do movimento sindical tinha uma sede em Caruaru, onde os sindicatos tinham suas salas de representação. Depois comecei a organizar em Caruaru os sindicatos dos cerâmicos, dos garçons, dos motoristas, vejam só, e aí vai despertar o ódio do empresariado atrasado, dos feirantes, sindicato dos feirantes, e isso foi crescendo, junto com o sindicato dos bancários. Alencar, um rapaz até da família Alencar, era o presidente do sindicato dos bancários em Caruaru, era uma pessoa muito inteligente, muito capaz, ele inclusive foi o primeiro presidente do pacto intersindical. Essas forças (trecho incompreensível) nós tínhamos que buscar por destaque. Então elas tinham algumas peculiaridades diferentes por exemplo, nós procuramos lá o PTB que era muito ligado ao pai dela, o pai de Socorro, procuramos pessoas também do Partido Social Democrata, procuramos pessoas do Partido Socialista, do qual depois faria parte Socorro, o pai dela e a família... PCB, exato, foi PCB... E as forças também do partido Socialista, e nós começamos todo um trabalho, a promover todo um trabalho aí, todo um trabalho, teses, discussões, para ampliar a democracia. Lutar para benefício da sociedade, lutar pela democracia, participar das eleições. Aí veio a eleição para prefeito e João Lyra Filho que era da UDN foi apoiado por nós, por que a UDN sempre teve uma ala progressista em alguns lugares. No que se sabe também era assim no Maranhão, com Sarney, também no Rio de Janeiro e também em Caruaru, quando elegemos o prefeito de Caruaru e o partido participou da formação do secretariado. Fizemos o prefeito de Caruaru, sua campanha, e eu fui candidato a vereador em Caruaru posteriormente. O prefeito... O vice

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prefeito foi um senhor que vendia leite e que era conhecido por lá como Chico do Leite, ele era do Partido Republicano e também fazia parte dessas discussões conosco. Ele foi eleito vice prefeito e vereador concomitantemente. Naquela época, o vice prefeito, tinha eleição pra vice, não é isso? Então, o partido dele não teve candidato a prefeito mas teve candidato a vice, o Partido Republicano. E ele foi candidato a vereador e eu fui candidato também a vereador. Então eu fui primeiro suplente e com o golpe eu fui cassado e só agora Caruaru me deu o diploma de vereador. Quarenta e nove anos depois. É impressionante. Eu descobri, Fernando, que a Câmara me cassou no dia 06 antes do Ato Institucional que suspendia as garantias constitucionais, que foi no dia 09, 09 de abril de 64. Não tinha nem número, então vejam só, a responsabilidade é da Câmara. Nós vamos mover uma ação na Justiça, por que sequer havia a orientação dos comandos militares para cassar ninguém, não tinha saído ainda. Foi apenas orientação do prefeito que era Drayton Nejain e o comandante do exército que era também um camarada de ultra direita, Justo Moss, da família do Moss que era da Marinha, se não me engano.

SOCORRO FERRAZ – Qual era a patente dele?

MANOEL MESSIAS – Ele era coronel, comandante da 22ª Circunscrição de Recrutamento do Exército. Bem, então vejam só. Em 64 nós nos mobilizamos junto com Lamartine Távora, tenente Ferraz, as forças do governo do estado, a polícia e tentamos um esboço de resistência ao golpe. Caruaru resistiu, praticamente, organizadamente. Nós ocupamos a delegacia de polícia, ocupamos o telégrafo da rede ferroviária, constituímos um comando político militar, entramos em contato através de telex com o governo João Goulart e com o governo de Pernambuco e ficamos aguardando ordens para tomar alguma providência. Fizemos uma organização praticamente de autodefesa. E contra os militares nós tínhamos a polícia. Enquanto isso o prefeito Drayton Nejain cercou a prefeitura com os caminhões do lixo, e ficou lá dentro armado com seus capangas, armados de metralhadoras. Ficaram lá. O quartel do exército, cavou suas trincheiras e ficaram dentro do quartel. Não saíram. E nós ficamos organizados, com o movimento sindical, a juventude, começamos a instruir as pessoas com armas e a delegacia de polícia. Olha só. Quando nós recebemos ordem de que não havia condições de resistir, era melhor dispersar o grupo por que o partido não estava preparado, não se preparou, não tinha um estado maior, não tinha condições de uma reação militar, acreditava mais que os militares pudessem fazer isso, aqueles militares que eram ligados ao Partido, como o Osvino, general Osvino, e outros mais, o brigadeiro Teixeira... O brigadeiro Teixeira foi meu padrinho de casamento. Ele me informou que pediu João Goulart pra bombardear a cabeça da tropa que vinha e Minas Gerais para o Rio de Janeiro.

FERNANDO COELHO – Era o destacamento Tiradentes, de Juiz de Fora.

MANOEL MESSIAS – E João Goulart disse: “Olhe, tem tropas americanas aí em águas internacionais, essa situação vai desencadear uma ofensiva muito maior, nós vamos pagar um preço muito caro e nós não estamos preparados pra enfrentar uma guerra civil.” É claro que muita gente na época discordou. Eu depois estive em Paris, conversei com (...?...) lá e depois eu entendi melhor a posição dele. Na realidade ele foi um cara responsável, teria sido um banho de sangue pra nada. Por que não havia preparação. Não havia uma decisão de se

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preparar. Bem, quando nós dispersamos em Caruaru, escondemos algumas armas que nós tínhamos, eu me dirigi pra aqui, antes ainda de Arraes ser preso eu cheguei aqui, entrei no Palácio, e tem até um fato histórico muito interessante, o general comandante do IV exército era Justino Alves Bastos, não é? Eu entrei, fui falar com Arraes e subi pro primeiro andar. Nisso chegou o general Justino Alves Bastos: “Governador, eu vim me solidarizar com o Presidente da República.” Arraes disse: “Pois não.” E ligou pra João Goulart e ele falou. Mas saiu de lá e tomou outra atitude. Quando ele estava falando, eu conversei com Arraes, eu tinha uma certa intimidade com o governador, eu disse: “Arraes, esse camarada está dizendo que apoia a Constituição, a gente podia deixar ele aqui, segurar ele aqui. Ele vai comandar daqui junto conosco. Não vamos deixar ele sair.” Eu me baseei num fato de Brizola ter feito isso em 61 com o general Lopes Machado no Rio Grande do Sul. Bem, não houve condições. A polícia cavou a trincheira dela dentro do Palácio do Governo, ficaram lá e quando os tanques do exército chegaram os policiais se renderam. Muitos anos depois, na Argélia, eu conversando com Arraes ele me contou: “Eu dei ordem a Humberto Freire, coronel do exército”, que era o secretário de Segurança, não é isso? “a Hugo Trench, que era o comandante da Polícia Militar, e a Chico Souto que era o comandante da Delegacia Auxiliar, eu dei ordem a essas pessoas para que elas segurassem o general ali, e eles não obedeceram a minha ordem, como também os coronéis da polícia não obedeceram a ordem do Comandante da Polícia que era o Trench e nem do Secretário de Segurança. Eles negociaram com o exército e mandaram que os soldados se rendessem”. Bom, tudo isso ocorre por falta de uma preparação. Eu nunca vi uma guerra tão despreparada. Não havia... Por isso que é importante o depoimento de Abelardo. Nós estávamos preparados pra uma luta democrática, essa é que é a grande verdade. Talvez tenha sido um erro, mas um erro que se repete por que não é fácil. Eu estava no Chile, Salvador Allende conversou com Arraes, conversou com os exilados daqui, com o coronel Trench, buscando informações para que se houvesse uma tentativa de golpe, como é que ele ia reagir. Também não reagiu. É que não é fácil, uma guerra tem estado maior, tem apoio logístico, e tem pessoas dispostas a matar ou morrer. Não havia isso aí. Bem, aí eu vim para Recife, não pudemos fazer nada, eu saí, reuni com o pessoal da direção do partido, com Aluísio Falcão, Miguel Dhália, que era Delegado de Costumes, não é, Arsênio Marcos Gomes e outros, nós fomos para Olinda (...?...), furamos um bloqueio do exército, por que tinha um parente do pessoal que era do exército que mandou abrir pra que a gente passasse e o carro nosso estava com umas três ou quatro metralhadoras que eram da Polícia. Então lá, em Rio Doce, nós avaliamos e vimos que não tinha condições. Enterramos as armas, devolvemos o automóvel, deixamos lá no posto, que era um automóvel do Estado, e começamos a... Algumas pessoas começaram a tentar sair e aí eu volto para o Recife junto com o pessoal do partido e a gente cria um jornal que era o “COMBATER”. E aí começa uma luta clandestina, aí já mostrando a luta democrática como um princípio, e é isso que nós vamos fazendo até quando eu fui preso. Eu fui preso em 03 de maio de 64, eu estava com o meu irmão Carlos Fernando, por acaso eu fui na casa de um parente de um amigo meu, e esse camarada terminou, não sei por que, me delatando. Carlos Fernando saiu pra comprar cigarro com ele e quando ia voltando ele viu que eu estava sendo conduzido. Eu fui preso e fui levado para o “buque” da Secretaria de Segurança, e lá eu encontrei Paulo Cavalcanti, e um monte de outras pessoas, todos presos, já se discutindo alguma coisa. De lá, um outro dia, eu fui levado para Caruaru. Vocês vejam aí o ódio de classe em Caruaru estava em cima de mim, eu era o “homem de Arraes” na cidade,

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como eles diziam. Cheguei lá, preso, me levaram para o quartel do Exército onde eu havia servido também, eu tenho também origem militar, aí eu fui submetido barbaramente, torturado, para confessar o inconfessável, onde era que tinha armas, onde é que tem isso, confessar que eu queria botar veneno na água de Caruaru pra matar a população. Havia toda uma guerra psicológica... Bem, fiquei lá no chão, sangrando, todo rebentado, e tinha um tenente do exército, um senhor que era protestante, ele se acercou de mim e disse: “Rapaz, o que é que você tem, você tá muito mal...”, e tal, e eu disse, “Olhe, tente um contato aí com o SAMDU”. Era uma organização de saúde federal que tinha em Caruaru, um Pronto Socorro, que pudesse vir aqui no momento. Eu tinha trabalhado também lá no SAMDU e era possível. E ele fez. Sem ninguém saber ele entrou em contato lá e de repente chegou lá um médico...

SOCORRO FERRAZ – Você poderia dizer o nome do tenente? Você lembra?

MANOEL MESSIAS – Não, não sei o nome dele. Mas eu vou contar um fato depois impressionante sobre esse tenente. Então chegou um médico, Horácio Florêncio, uma pessoa... Amigo meu, discutiu com os militares, entrou no xadrez, me deu todo tipo de medicamentos, e ficou me assistindo. Peitou o coronel: “Não, o rapaz não está doente, ele foi espancado, ele foi torturado aqui. vocês são responsáveis por isso”. Horácio Florêncio. Um cara espetacular. A sociedade civil tem pessoas importantes. E um tenente que me fez esse contato. Se eles soubessem que era ele, ele tinha sido preso. Mas eu vou contar um fato interessante desse tenente. Eu estava... Eu era candidato a deputado estadual, estava num comício em Jaboatão, e tinha uma pessoa...

SOCORRO FERRAZ- Quando? Em que época?

MANOEL MESSIAS – Na campanha de Marcos Freire, 82... Eu sou muito ruim de data, 82. E tinha uma pessoa lá longe, no comício, dizendo que queria falar e tal, e eu pensava que era com Fernando Lyra, e disse: “Fernando, esse cara quer falar com você.” E ele disse: “Não, rapaz, é com você.” Aí, quando eu terminei de falar, eu chamei ele, ele veio atrás, e ele me disse uma coisa impressionante, eu chego a me emocionar toda vez que falo nisso. Ele disse: “Olhe, eu queria saber se meu pai lhe torturou. Ele era tenente, era protestante”, assim e assado, “em Caruaru”. Eu disse: “Não, ele não me torturou” Ele disse: “Pois eu desconfiava do meu pai. Eu vou voltar em casa e pedir desculpas a meu pai”. Impressionante, não é? Depois eu fui transferido pra cá e fiquei na Companhia de Guardas, depois fui transferido pra quartel de Vilocque, na Moto Mecanização, onde fui barbaramente torturado, principalmente por um tenente, jovem ainda, chamado tenente Mousinho, que eu tenho a impressão que encontrei com ele a semana passada no Tacaruna. Eu encarei ele e ele me encarou também, por que ele viu o livro de Hiram, eu vinha com Dr. Hiram e ele viu inclusive a minha fotografia no livro. Eu tenho a impressão que é aquela mesma figura, um pouco baixo, o nariz pequeno, a cara redonda, esse cara era (...?...). Torturador, espancava com madeira, com pedaço de arame, pintava miséria com todas as pessoas que chegavam lá.

HENRIQUE MARIANO – No IV Exército, não é?

MANOEL MESSIAS – Na moto mecanização. Lá em Casa Forte, que era dirigido pelo Vilocque. Antes eu fiquei junto, aonde tinha essas casas de cachorro, tinha um outro lugar pior, que era

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um quartinho pequeno que era depósito de munição. Eles tiraram a munição, ficou aquele cheiro de pólvora, eu fiquei lá também. Saí de lá muito mal e fui mandado para a Escola de Polícia. Três horas da manhã começou o interrogatório lá com o Dr. Chico Pinote. Como era o nome dele? Era conhecido como Chico Pinote...

SOCORRO FERRAZ – Francisco de Assis.

MANOEL MESSIAS – Francisco de Assis era? Virgem Maria! Esse camarada não me torturou. Ele começou a insistir em problema de armamento e lá pras tantas eu engrossei com ele: “Dr. Delegado, eu não tenho armamento, por que se eu tivesse, (...?...) estava no cemitério. E eu não sou homem de negar, de mentir, eu não tenho armamento. Eu conheço muitos deputados que são capazes até de negar o nome da mãe.” Aí ele zangou-se, disse que eu estava falando com ele, colocou a carapuça por que quis. Houve um desentendimento aí eu saí de lá, de madrugada, da Escola de Polícia, fui levado para o Comissariado de Agua Fria. Era um Comissariado novo. O telefone inclusive era (...?...). Tinha uma sala pequena, eles passaram piche fresco na parede e água até o joelho. Então o Chico Pinote, chateado com as minhas perguntas mandou preparar esse local, e eu fui pra lá sequestrado. Não tem nenhum documento dizendo que eu saí de lá para o Comissariado de Água Fria. O objetivo aí, provavelmente, era me matar. Provavelmente. Então depois de um ou dois dias, e sem comer, nessa situação, com água e o piche fresco, que dá intoxicação, de madrugada chegaram duas pessoas lá. Aí eu me espertei e fiquei ouvindo. E uma pessoa perguntou: “Comissário”, e eu lá dentro ouvindo, “tem um estudante aí, preso, Manoel Messias?” Aí o camarada disse: “Não, não tem ninguém preso, não”. Mas eu reconheci a voz, era de João Lyra Neto. Era João Lyra Neto e Carlos Fernando, meu irmão. Eles conseguiram, através de contatos que eles tinham com a polícia, passaram a noite toda indo em tudo que era comissariado, até descobrir onde eu estava. E com isso, praticamente eles salvaram a minha vida, por que aí saiu a notícia que eu estava sequestrado no Comissariado de Água Fria. Então no outro dia eles tiveram que me tirar de lá e me mandaram pra Casa de Detenção, para a enfermaria da Casa de Detenção e posteriormente para o quartel, Companhia de Guardas, com Ibiapina, onde eu fui submetido a interrogatório. Era uma coisa que não terminava nunca! Tem até uma placa com todas as pessoas que foram presas lá. Nisso, certa noite, um soldado se aproximou, eu estava preso numa cela bem pequenininha, de 1 m², eu de um lado, Julião do outro, o soldado se aproximou, ficou por ali olhando, e disse: “Olhe, você não é Manoel Messias?” Eu disse: “Sou”. Ele disse: “Sua irmã está presa, obrigada a trabalhar no arquivo do cel. Ibiapina”. Por que ela tinha vindo presa de Caruaru, Maria, que tinha 15 anos. Depois, mais uns dias na frente, chegou um tenente (...?...), conversando na porta da minha cela e tal ele disse: “Saiu uma notícia agora que Juscelino foi cassado e por conta disso eu vou deixar o exército” Aí eu disse: “Quando? Não faça isso”. Ele deixou o exército e terminou sendo prefeito. Ele era filho de um general, deixou o exército, terminou sendo prefeito pelo MDB, de uma cidade de Alagoas, São Miguel da Barra, se eu não me engano, e ele escreveu também um livrinho contando esses fatos.

SOCORRO FERRAZ – Como se chama esse oficial do exército?

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MANOEL MESSIAS – Eu estou esquecido do nome dele. Eu não sei de memória mas eu tenho o livro. O lugar era Barra de São Miguel, ele era capitão. Então, veja só, é toda uma odisseia de torturas. Eu saí, fui condenado, já pela Auditoria de Guerra, fui condenado a 14 anos de prisão. A pena mais alta que tinha saído, era de Luís Carlos Prestes, secretário político do Partido Comunista Brasileiro: 14 anos. Eu peguei a mesma pena dele e eu era um menino, eu tinha 23/24 anos. Foi uma perseguição, uma perseguição violenta, por que nós reagimos, por que eu tinha um passado militar... Então, por inépcia da denúncia, eu consegui um habeas corpus, por que eles não tinham acabado ainda com o habeas corpus. Que foi um outro ato institucional, o nº 5, de 68, e antes do nº 5, nós requeremos através do Paulo Cavalcanti e outros advogados que ele falou, Mércia, conseguimos um habeas corpus e, por inépcia da denúncia, o Supremo deu o habeas corpus e também o Supremo Tribunal Militar. Esquisito isso! O STM também. Então eles foram obrigados a me soltar. Soltaram e eu fiquei escondido na casa de Socorro. Por que soltavam o camarada pra prender de novo. Que era a luta deles entre linha dura e linha mole. E terminou que eu saí e fui para o Rio. No Rio de Janeiro voltei a estudar, fiz a Faculdade de Economia, estava estudando, estava trabalhando, quando eles me prenderam de novo. E aí foi barra pesada por que as torturas já eram técnicas, científicas, com orientação. Pau de arara, choque elétrico, prenderam a minha companheira...

SOCORRO FERRAZ = Qual foi o ano?

MANOEL MESSIAS – É começo do governo de Médici... Setenta eu acho. Era Médici... (muitas falas paralelas, incompreensíveis)

NADJA BRAYNER – Carlos Fernando foi preso em 73 também.

MANOEL MESSIAS – Também. Ele foi preso também em 73.

SOCORRO FERRAZ – Você foi peso no Rio ou em São Paulo?

MANOEL MESSIAS – Carlos Fernando foi preso em São Paulo e eu no Rio. Eu estava morando no Rio, estava trabalhando e tal, e fui preso e submetido a todo tipo de tortura. Tinha uma vidraça que eu ficava vendo eles torturando a minha companheira, por que eles torturaram a minha companheira com choque elétrico na vagina, que dava pra eu ver e ela não via que eu estava vendo. Tudo muito organizado, estilo americano. Eu fiquei vários dias dentro de uma geladeira, com porta de geladeira e tudo, (incompreensível) e todo tipo de tortura. Choque elétrico no (...?...) anal, nos testículos, nos braços, nas mãos, uma coisa assim para quebrar, destruir completamente. A última tortura, eu não podia mais nem andar, de tanto choque elétrico. A perna encolhe e não estica mais. Eu estava no quartel da PE no Rio de Janeiro. De madrugada os caras jogaram o capuz, pra eu botar o capuz, por que eles não queriam ser vistos. E aí me levaram para uma sessão de tortura. Antes que eles chegassem eu comecei a fazer educação física, me movimentando pra esquentar o corpo. Me levaram e eu resisti, resisti, resisti, eles ficaram putos, eu era jovem, tinha saúde, e lá pras tantas o cara resolveu falar pro outro: “ Para, não adianta, esse cara não fala. Tem que pegar o amigo dele, o nego Luís”, que era o companheiro de Amparo, o Comandante Crioulo. Eles foram na minha casa, foram vinte pessoas na minha casa e todos foram presos inclusive Carlos Fernando também. Foi na minha casa e foi preso. Alceu Valença estava chegando quando viu Carlos Fernando sair

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preso. Aí despistou, senão tinha sido preso também. E o nego Luís, o Comandante Crioulo, ele foi lá e deixou um documento por debaixo da porta, mas nesse exato momento houve um problema. Os caras que estavam dentro do apartamento, eles começaram a discutir quem é que ia jantar, que é que ia não sei o que lá, e a porta bateu. Aí eu me lembro que eles foram atrás de mim lá na Companhia de Guardas pedir uma outra chave. Eu disse: “Não, a chave que eu tenho está aí com vocês” Então no momento em que eles saíram em busca de outra chave por que não quiseram arrombar a porta por problemas com os vizinhos, foi quando Luís deixou o documento que era destinado a mim, pedindo minha opinião, que estava na hora de (...?...) as armas, de discutir uma política mais de anistia, mais eleitoral... dessa ordem. Então aí eles me soltaram, mas antes de me soltarem eu fui pro xadrez e fiquei lá uns dias numa enfermaria, depois fiquei no xadrez da Companhia de Guardas. Um dia chega lá o general ministro da guerra, o Frota. Coisa estranhíssima. Eu ouvi o toque de marechal, eu conhecia toque de marechal, de general, mas ministro da guerra eu não conhecia. Foi um toque estranho, aí entrou. Chegou na grade “Abre aqui!” aí o cara abriu e ele entrou: “Eu vim conversar com você. Senhor, eu tenho interesse em aprender política, você é uma pessoa nova que andou pelo mundo inteiro e eu queria conversar.” E puxou uma conversa que não terminava nunca, mandou buscar um almoço pra mim e pra ele lá no Cassino dos Oficiais, um idiota. Mas aí me despertou aquela curiosidade, por que ele estava dentro de um grupo e queria ser o Presidente da República. Me perguntou muito sobre política, as alianças, coisa muito esquisita. Foi embora e depois eu fui solto, fiquei me apresentando no Ministério da Guerra, num andar lá. Todo dia eu ia no Ministério da Guerra assinar um papel. Até que eles me deram 15 dias, um mês, quando me deram um mês, aí foi quando eu resolvi sair do Brasil por que os militares de linha dura me advertiram que eu deveria sair do país ou eles me matavam, “Quebravam a castanha”, como eles diziam. Bem, nessa situação eu disse: “Eu vou consultar minha família, meus amigos”, também não dei a resposta na hora. E aí eu consultei as pessoas e tal, todo mundo achou que eu já tinha sofrido muito, já tinha escapado de várias situações difíceis, e era melhor eu ir pro exterior. E aí eu peguei um ônibus, fui, arrumei outros tipos de documentos, e consegui chegar no Uruguai. De lá eu fui para o Chile, assisti a toda a derrocada do governo Allende, junto com o pessoal que militava no Rio de Janeiro nós fizemos parte de uma brigada no Quartel de Tanques de Santiago, mas vimos na hora que não havia a mínima condição também de resistir. Foram presos 5 mil militares na primeira hora da manhã. Então todo mundo que era de esquerda, pró democracia e a favor da legalidade foram todos presos por orientação de Pinochet. Aí começaram a destruir o governo, a passar com os tanques por cima das pessoas, uma coisa muito pior do que no Brasil. E aí eu terminei indo pra Argélia, de lá fui pra Portugal, em Portugal terminei meu curso de Economia e fui fazer uma pós graduação em Paris, e fiquei esperando, lutando, lutando muito pela Anistia em toda a Europa e essa é a realidade. Se vocês quiserem perguntar eu estou aberto. Claro que existem alguns lapsos, por que já faz tempo, 49 anos, não é brincadeira. Muito obrigado pela atenção. (Aplausos)

FERNANDO COELHO – Eu passo a palavra pra Socorro Ferraz pra que ela formule as indagações que desejar.

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SOCORRO FERRAZ – Bem, esses depoimentos, os dois depoimentos, foram importantes por que são depoimentos de dois militantes do PCB. E isso é muito importante por que nós percebemos, depois de muitos anos, com os estudos que já foram feitos por muitos especialistas, historiadores, antropólogos e sociólogos, que se fala muito que a repressão que se deu, a repressão maior vai acontecer por que alguns grupos passaram a lutar com armas, e não apenas com suas ideias e, digamos assim, com suas propostas políticas. Então, esses dois depoimentos demonstram que a ditadura, ela já fez a repressão aqui em Pernambuco nos primeiros momentos. Então não foi por qualquer resistência, não foi...

FERNANDO COELHO – Não foi em revide à luta armada.

SOCORRO FERRAZ – Não foi em revide à luta armada. Mas, simplesmente, como disse Manoel Messias muito bem, foi contra a sociedade brasileira. Acho que esse é um ponto alto do seu depoimento. Foi contra a democracia, contra a sociedade brasileira que estava organizadamente discutindo seus destinos. Uns eram contra, outros eram a favor, mas era uma discussão democrática, parlamentar, partidária, ou mesmo de associações e sindicatos. Então isto é da maior importância que se recupere a História do Brasil a partir desse ponto. Então, Pernambuco tem essa... é especial nesse assunto, por que havia de fato um governo democrático em vários níveis, havia no estado, havia na Prefeitura, havia em algumas outras prefeituras, haviam partidos também, onde se discutia, havia um movimento intelectual muito forte como foi colocado por Abelardo da Hora, com nomes que até hoje, eles não puderam apagar de forma nenhuma da nossa cultura. Então eu acho que os dois depoimentos foram muito importantes pra esta Comissão. E provavelmente vai ser, com outros, o diferencial em relação à Comissão Nacional da Verdade e em relação a outras Comissões estaduais que não tinham esse momento histórico que Pernambuco viveu. Eu, muitas vezes nós sabemos dos sofrimentos, dos tormentos que passamos, mas também sabemos das alegrias de termos participado de um momento muito importante da História desse país. Eu agradeço muito o depoimento de vocês e eu acho que a Comissão toda agradece. Eu teria uma pergunta para Abelardo e outra pergunta para Manoel Messias. Abelardo, eu sei, eu lembro, que você teve muitas dificuldades mesmo depois que saiu da prisão, e você teve muitas dificuldades depois em dar prosseguimento a, digamos assim, a manutenção da sua família. Foi muito difícil pra todos, não só pra você, mas pra todos. Eu digo isso por que sei das dificuldades da minha família, houve um momento em que todos os homens da família estavam presos. Então era muito difícil você... Com todos os salários do estado suspensos. E as mulheres ou estavam presas ou estavam correndo. Então as dificuldades foram muito grandes. Essa questão muitas vezes não aparece, mas é uma questão de humilhação muito forte dentro das famílias. Como você enfrentou isso Abelardo? Até por que você é um artista e um artista ainda tem mais dificuldades.

ABELARDO DA HORA – Bem, era o seguinte. No Ato Institucional nº 5, eu fui demitido e tive também meus direitos políticos suspensos. Eu era Secretário de Educação de Pelópidas. Fui também preso, veja bem. Mas eu, como artista, eu sempre fui procurado. Quando eu saí da prisão eu não tinha condições de ficar por que senão eu ia ficar sendo preso toda hora e todo instante. Então eu conversei com minha mulher e disse: “Eu vou pra São Paulo, eu vou procurar pela Lina Bardi”, por que eu havia trabalhado com ela, quando ela era diretora do

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Museu do Unhão, na Bahia. Ela fez uma exposição, “Nordeste”, e veio me procurar. Eu escrevi até um texto para o catálogo da exposição sobre, exatamente, a arte do Nordeste: “A expressividade da arte do Nordeste” e a ligação da arte do Nordeste com a cultura brasileira e a cultura popular. Então ela achou o texto maravilhoso e botou no catálogo. Eu levei, por que ela pediu que eu levasse, alguns companheiros comigo. Eu fui, levei Samico, levei Wellington Virgulino, eu fui também, então ela adquiriu uma peça minha, uma escultura minha, para o Museu do Unhão. Essa peça desapareceu depois do golpe. Mas quando eu fui solto, eu não podia ficar aqui, eu fui pra São Paulo, atrás de D. Lina. Ela então disse: “Abelardo, eu vou falar com Bardi, pra ele arranjar um emprego pra você”. Aí Bardi ligou imediatamente. Primeiro ele deu um esporro em D. Lina, não é? Por que Bardi era brabo que era danado. Ela estava fazendo exatamente isso, fazendo ele procurar emprego pra mim depois de eu ter sido preso, ele me deu um esporro nela aí resolveu ligar, ligou pra TV Tupi e aí disse: “Você pode ir na Tupi agora que você já está empregado”. Aí eu cheguei lá e fiquei como cenógrafo da TV Tupi, fazendo os cenários das novelas. E acontece que eu odeio São Paulo. Eu não gosto de São Paulo. São Paulo não tem personalidade. São Paulo tem uma atmosfera de louco, entendeu? Um dia você tem um sol da peste, no outro dia você tem um frio de bater o queixo. Aquilo é uma desgraça. Aí eu dizia: “São Paulo é uma terra desgraçada, que você não pode parar na calçada pra olhar a lua”. E o pessoal respondia: “E você é louco pra estar parado no meio da rua olhando pra lua?” Mas é assim mesmo. Você não tem condições de ver nada, é todo mundo numa pressa louca pra ganhar dinheiro. Eu não sou desses não. Eu sou um trabalhador incansável, eu vou fazer 90 anos agora, eu julho do ano que vem, mas trabalho feito um menino. Terminei uma escultura agora, faz mais de três anos, encomenda de uma construtora. Por que quando eu era da prefeitura, eu estava fazendo as praças de cultura, eu fui a Arraes pra pedir autorização pra fazer essas praças. Eram todas de parques e jardim. Aí eu cheguei com o projeto e disse: “É o seguinte, eu queria reviver o antigo coreto. Ampliar, pra que se pudesse levar exposição de arte, pra que se pudesse levar teatro, audições de música, por que muita gente que mora distante do Sítio da Trindade não pode vir pra Sítio. Então, pra atender esses pobres, que não tem condições de vir de lá do final de Beberibe pra cá, de lá do final da Várzea pra cá, de lá da Iputinga, finalmente”. Aí ele disse: “Abelardo, o prefeito dessa área é você. O que você fizer eu assino embaixo”. Me deu carta branca. Quando eu vinha desse encontro, aí vem entrando Carlos Duarte, que era o presidente da Câmara. Eu disse: “Carlos, eu me lembrei de uma coisa maravilhosa pra você fazer”. Ele disse: “O que é Abelardo?” – “Eu queria que você fizesse uma lei que obrigasse a colocação de obras de arte nos edifícios”. Ele disse: “É Abelardo. A ideia é boa. Escreva o que é que você quer”. Em todo edifício, a partir de 1000m² de construção, dali em diante ficava obrigado a ter como parte integrante uma obra de arte. Escultura ou pintura mural, (incompreensível) em local determinado por um arquiteto e o autor da obra. Muito bem. Foi aprovado por unanimidade isso, em dezembro de 60. Em janeiro de 61 já estava no Código de Obras do Município. Até hoje é levada. Inclusive essa lei me beneficiou também por que eu sou escultor. Eu era procurado pelas construtoras. E vendia as minhas peças às construtoras. Primeiro eu fui pra São Paulo. E tive inclusive a felicidade de... Por que houve... Apesar do lugar ser desgraçado a minha família passou lá dois anos. E eu já tinha passado uma ano lá, eu passei três anos, um ano sozinho, depois a minha família foi. Veja bem, quando foi em 67, houve a IV FENIT, uma feira que existe lá em São Paulo. Aí inventaram de fazer uma exposição de todos os cenários de todas as novelas e de todas as

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(incompreensível) levadas no momento. Eu tinha feito um cenário da novela “A ré misteriosa”, uma desgraça. (risos) Mas tinha o salão de julgamento, que eu caprichei, que eu fiz como se fosse entalhado na madeira umas colunas perto do birô do juiz, e eu tirei o primeiro lugar, de todas as peças feitas, aí fui homenageado pela Tupi, entendeu? Mas eu não quis ficar. O Professor Bardi disse: “Tá vendo Abelardo, você foi homenageado”. O que é que você vai fazer em Pernambuco?”– Eu quero ir pra minha casa.” – “É? Você não vai vender nada em Pernambuco. Você vai é pro mundo!” Ele fez uma galeria na Rua (...?...) pra me prender em São Paulo. Fez uma exposição, com meus desenhos, eu vendi tudo na primeira noite. Os dezesseis desenhos. Ele disse: “Onde é que você faria isso em Pernambuco? Nunca! Faria?” Eu digo: “Não. De jeito nenhum.” No ultimo livro que ele escreveu, ele botou uma escultura minha na capa e no conteúdo do livro. Ele passou a me admirar demais e D. Lina também gostava muito de mim. Quando ela estava fazendo aquele prédio do MASP, na Av. Paulista, ela me chamou pra eu ver a estrutura, como é que estava sendo construída. Era em concreto protendido. Ele estica o ferro como quem está afinando um violão e o ferro fica fininho, esticado com uma máquina que é uma coisa maravilhosa. Isso então dá uma segurança dez vezes ou vinte vezes, ou cem vezes maior. Por que o ferro fica esticado, não fica aquilo bambo dentro do concreto. O MASP é todo feito assim. Agora a outra coisa, o que foi? Sim. Depois que eu fui liberado, quando teve a anistia, o tempo que eu tinha na prefeitura era pouco, por que eu estava fazendo umas esculturas desde o tempo de José do Rego Maciel na prefeitura. Mas na última escultura que eu estava fazendo, eu ia fazer um casal de namorados, eu tinha feito (...?...) primeiro livro. Eu fiz “Os violeiros”, não é, e eu trabalhava como restaurador do patrimônio histórico. Com Dr. Airton... (Intervenção na platéia : “Ele sempre viveu de arte, sempre viveu de arte!”) ... Veja bem, eu estava trabalhando para o Dr. Airton de Carvalho no Patrimônio Histórico, como restaurador. Um santo quebrava, eu consertava. A perna do menino Deus que caiu das mãos de Nossa Senhora da Conceição... Finalmente, era tudo nessa linha, asas de anjo... Eu fazia... Aí Dr. Airton disse: “Abelardo, a ultima coisa que aqui tem pra você fazer são essas vinte palmas para o teto do Mosteiro de São Bento, uma quadratura que tem no teto, que é emoldurada, é uma coisa oca e é emoldurado numas tábuas de cedro. Você tem que fazer essas vinte palmas para o teto do Mosteiro de São Bento.” Eu digo: “Com o maior prazer!” Ele cortava, já me dava na medida, eu tinha ferramentas nessa época ainda, ferramentas de madeira, eu prendia com o cavalete e fazia as folhas. Aí ele disse: “Rapaz, você pense numa coisa. por que o atual prefeito é muito meu amigo, foi meu colega de turma na faculdade, na Escola de Engenharia” Eu disse: “Eu acabei de pensar.” – “Diga aí o que é.” – “Vamos fazer uns tipos populares pra botar nas praças”. Ele disse: “Abelardo, que ideia maravilhosa!” Ele atravessou, de uma calçada pra outra, por que ficava na Rua da União, atrás da Prefeitura o Patrimônio Histórico. Ele atravessou, e subiu, aí foi uma festa lá, os dois se abraçaram –“Passei a rua e estou trazendo aqui essa figura, que é um grande escultor, um grande artista, trabalha lá no Patrimônio, mas o Patrimônio no momento só tem (...?...) e ele tem uma ideia pra você abraçar”. Ele disse: “Mande as ordens rapaz”. Eu disse: “Eu pensei em fazer uns tipos populares nas praças.” – “A ideia é muito bonita. Você faça os projetos, que eu vou fazer uma comissão presidida por Giberto Freyre e o que for aprovado eu faço um contrato com você”. Aí eu fiz “Os violeiros”, que foi aprovado, que está no Treze de Maio, “O vendedor de caldo de cana”, Treze de Maio, “O sertanejo” que está na Praça Euclides da Cunha, em frente ao Clube Internacional e “O vendedor de Pirulito” que está lá numa praça na frente do

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Horto de Dois Irmãos. Mas quando eu fui entregar “O vendedor de Pirulito”, eu levei um chá de cadeira de meio dia do Geraldo Silveira, que era diretor do (...?...), aí foi subindo na cabeça a raiva. Aí estávamos eu e ele sozinho, pois ele estava lá e parecia que não existia ninguém na sala. Eu cheguei bati assim na porta e disse: “Você não está me vendo aqui, não?” Ele disse: “O que é que você quer?” – “Eu vim trazer uma escultura. Olhe, seu irmão não é não, mas você é filho daquela e daquela outra.” E fui falar com Pelópidas. Me retirei. Eu ia entregar a escultura. Aí quando eu cheguei lá Pelópidas já tinha recebido um telefonema dele: “Abelardo, você arrasou com minha mãe na frente de todo mundo lá?” Eu disse: “Não. Com a sua mãe, não. Com a mãe daquele seu irmão.” – “Mas é a mesma!”

SOCORRO FERRAZ – Abelardo, há outras pessoas aqui na Comissão que querem perguntar. A você, inclusive.

ABELARDO DA HORA – Mas deixa eu dizer o resto. (risos) Aí, Pelópidas me botou como funcionário da Prefeitura, na Divisão de Cultura e Recreação. Mas diga aí a outra pergunta.

SOCORRO FERRAZ – Pronto, eu vou agora fazer uma pergunta a Messias e depois outros comissionados vão perguntar. Certo?

ABELARDO DA HORA – Certo. Mas deixa eu terminar somente isso. (risos) É que o período que eu tinha como funcionário público era muito pequeno. Aí quando Jarbas viu, ele disse: “Abelardo, você vai viver com esse...?” – “Eu vou viver com essa porcaria e com os trabalhos de arte que eu fizer”. Aí ele disse: “Eu vou mandar uma mensagem pra Câmara aumentando isso.” Aí mandou uma mensagem pra que eu realmente recebesse além daqueles três anos, uma pensão correspondente a 5 salários mínimos, que foi aprovada por unanimidade. Então eu recebi esses três (...?...) e mais esses 5 salários mínimos que eu venho recebendo até hoje. Mas se eu não tivesse realmente ido pra São Paulo eu tinha morrido de fome com minha família.

SOCORRO FERRAZ – Muito obrigada, Abelardo. Bem, a pergunta que eu tenho para Manoel Messias, ela é... Ele fez um depoimento muito objetivo, muito claro, e praticamente respondeu a todas as questões. Eu só diria a ele que eu acho que nós fizemos parte de uma geração que viveu todos esses tempos, mas também nós vivemos tempos muito agradáveis. Eu só gostaria que ele lembrasse algo que foi realmente muito relevante e que nos trouxe muita alegria nesse período.

MANOEL MESSIAS – Olhe, eu... Alegria mesmo, quer dizer, no período anterior ao golpe, não é? São as alianças políticas, as vitórias que obtivemos com o governo de Miguel Arraes, com Arraes na Prefeitura, no governo de Cid Sampaio. A primeira vez que eu votei, votei em Cid Sampaio pra governador. E em Caruaru tivemos uma boa prefeitura, um cara progressista como era João Lyra Filho, Caruaru teve pela primeira vez a Lei Orgânica do Município, fez-se um estudo de viabilidade econômica, comercial, então a alegria toda vem das vitórias que nós obtivemos. E as vitórias do movimento sindical. Despertou o interesse dos trabalhadores para defender seus salários, seus direitos, suas políticas públicas. Isso foi a parte mais gratificante. Mas, na realidade, o que mais me toca, mais me gratifica, surgiu de uma pergunta da minha mãe. Ela perguntou: “Meu filho, você acha que valeu a pena sua luta? Todo esse sofrimento?”

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Eu disse: “Acho. Valeu a pena. Sabe por que? Nós derrotamos a ditadura. Fomos nós, o povo brasileiro, a luta de cada um que derrotou a ditadura. A ditadura acabou não teve condições de prosseguir com tanta mentira, com tanta coisa, por que nós fomos os vitoriosos”. É só.

SOCORRO FERRAZ – Obrigada.

FERNANDO COELHO – Em sequencia a professora Nadja Brayner.

NADJA BRAYNER – Eu quero agradecer, como Socorro, fazer um registro da importância desses depoimentos, e não vou me estender, por conta do adiantado da hora e vou ser bem objetiva nas minhas questões. Eu vou fazer uma pergunta pra Abelardo e depois duas pra Manoel Messias. Com relação a Abelardo, eu queria ouvi-lo sobre isso, mas já tem aqui, segundo o próprio relatório da polícia, seria um “notório comunista”, diz aqui, “notoriamente comunista”, também acredito que sua própria arte fez com que você sobrevivesse. Então eu acho que, como Socorro chamou atenção anteriormente, eu acho que você já era conhecido desde 48. Você tinha já um nome nacional, respeitadíssimo com seu trabalho, e eu acredito que essa sentença de morte não foi executada exatamente por causa disso. Por que é que eu estou colocando essa questão, Abelardo? É por que você sabe que os seus companheiros Hiram Pereira, David Capistrano, Massena, independente do PCB não ter aderido ou não concordar com a luta armada, eles foram mortos, eles foram também exterminados, vamos dizer assim, massacrados e inclusive são desaparecidos pela repressão. Então eu acredito que nesse período, o fato de você ter esse reconhecimento público do seu trabalho, você foi salvo. Você é um sobrevivente salvo pela arte. Uma outra questão que você poderia responder tudo junto, eu queria tocar na questão da censura, da censura dos seus trabalhos artísticos. Eu acho que seria muito importante aqui na audiência que você fizesse esse registro e do que representou inclusive este monumento “A torre cinética” em 64. Foi destruída e estava em praça pública. É muito importante a colocação do que representou a destruição dessa obra, que agora, inclusive, a Comissão fez a demanda junto à prefeitura, no sentido de restaurar esse trabalho e colocar naquele mesmo lugar. Por gentileza.

ABELARDO DA HORA – Veja bem. Quando o coronel Ibiapina, veio na frente de uns 20 coronéis e disse: “Quem for Abelardo da Hora aí dê um passo à frente.” Ele disse: “O senhor ganhou uma fortuna ali naquela praça da Torre?” Eu disse: “Não. Aquilo ali foi uma doação que eu fiz à prefeitura”. Por que eu fiz? Uns escorregos de concreto, baseado exatamente num acontecimento terrível que houve no Parque Treze de Maio, que colocaram na rachadura de um escorrego uma gilete que cortou a coxa de uma moça da Escola Normal. Aquilo me doeu na alma e imediatamente eu pensei e bolei um escorrego de concreto pra evitar. De modo que você não vê quase mais. Escorrego de madeira desapareceu a partir daquela época. Por que eu acabei, veja bem. E não só eu fiz isso, nós fizemos três formas de metal, nós chegávamos numa praça e dentro de quatro dias já tinham três escorregos prontos pros meninos brincarem. Em todas as praças do Recife eu fiz isso. No terminal da Várzea, no terminal da Torre, no terminal de Beberibe, na Praça do Salgueiro, na Iputinga, e no Largo D. Luís em Casa Amarela. Foram as praças que eu construí que Dr. Arraes disse que eu podia escolher, fazer qualquer coisa que ele assinava em baixo. Me deu carta branca. Veja bem, quando eu fiz esses brinquedos eu disse a (...?...), eu fiz de graça, eu fiz pra prefeitura; e fiz também um brinquedo, uns elos de corrente,

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uns maiores outros menores, que os meninos apelidaram “Entra e sai”, pra brincar de pega. Depois eu fiz uma torre de iluminação. Alta, eu nem me lembro mais a altura dela. Dezesseis metros, sei lá. E a parte de cima girava com o vento e foi a primeira peça no Brasil em escultura - espaço - dinamismo. Quem fazia escultura espaço dinamismo era Alexandre Calder, aquele escultor que fez a Máscara de (...?...) e outro que eu esqueci o nome. Mas eu fiz essa primeira peça do espaço dinamismo em escultura, que foi uma torre. Que se botasse ali junto da peça do meu amigo Brennand, botava ela no bolso. Por que aquela ali você vê em qualquer canto do mundo, mas essa aqui não. Por que aquele espigão que tem ali, parecido com uma “bilunga” (risos), você encontra em qualquer parte do mundo. Deixem eu terminar de dizer as coisas... Então veja bem, aí ele disse: “E que mensagem oculta é aquela que tem naquela torre que o senhor fez?” – “Bem, coronel. Quem faz aquilo ali é o vento, só se o senhor mandar prender o vento”. Ele aí danou-se comigo, deu um grito : “Recolha-se ao xadrez!” Deram meia volta e foram embora. Depois ele destruiu a torre. Ele pensou que tinha qualquer mensagem comunista aí nesse giro e mandou destruir a torre de iluminação. Agora eu fiz também um monumento às Ligas Camponesas de Galiléia, que eu não sei onde está. Eu recebi a visita de Francisco Julião quatro meses antes dele falecer. Ele foi na minha casa com Margot Monteiro, Margozinha, de noite. Ele disse: “Abelardo eu vim te dar um grande abraço, tô passando aqui pelo Recife e fui na casa de Zé Mucio, visitá-lo, e Margot disse que sabia onde você morava e que é muito sua amiga”. Eu digo: “Ah, demais”. Ela levou ele lá e ele então conversou um bocado comigo. E eu perguntei a ele: “E aquele monumento que eu fiz lá de Galiléia?” - “Ah rapaz, você sabe que eu não passei lá ainda?” Então ele não soube me dizer.

NADJA BRAYNER – Obrigada, viu. Eu vou ser bem objetiva. É só o seguinte, primeiro é até um registro. Eu realmente não tinha conhecimento de como era forte a mobilização e o trabalho do partido em Caruaru. Eu estava folheando exatamente esse trabalho de Hiram Fernandes, ele fala nisso, inclusive ele coloca... Tem a fotografia dos secundaristas, inclusive várias fotos suas, como você falou era uma direita forte, mas vocês tinham um contraponto, um movimento organizado na cidade, e foi graças a vocês que conseguiram avançar várias questões. Outra coisa que eu queria saber também é sobre a prisão da sua irmã que você falou, que era menor, e de Carlos Fernando que não foi só uma vez; Carlos Fernando era sempre incomodado, vamos dizer assim, pela repressão. Você teve outro irmão preso em 59. Você tem inclusive prisões anteriores a 64, não é? Em 59 mesmo, no tempo de Juscelino, você já tinha sido preso e outro irmão seu também, Fernando Messias, não é isso? Por que tem esse registro aqui. Então é uma família que teve todos os seus familiares, de uma forma ou de outra, atingidos. Aí eu vou colocar as minhas perguntas bem diretas. Uma é em relação a sua prisão e o contato que você teve com Dr. Waldir Ximenes, que foi barbaramente torturado, você também, e que Marcio Moreira Alves, aqui no seu trabalho, ele faz uma reportagem no jornal Correio da Manhã e ele vem acompanhar essa comissão de investigação e ele constata (incompreensível), eu não vou me meter muito nisso, mas eu gostaria que você fizesse uma referência sobre isso, desse o seu testemunho sobre essa violência com Waldir Ximenes e também com relação a outros companheiros, como foi o caso também de Milton Coelho da Graça que também estava preso nesse período. Essa é uma questão, e a outra, eu não sei se você conheceu Severino Viana Cólon, ele é um caruaruense, ele foi dado como “suicidado”, um falso suicídio, ele era sargento da polícia e depois se integrou ao COLINA em Minas Gerais,

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num grupo junto com José Lucas, comandante José Lucas (Obs: refere-se a João Lucas Alves, comandante João Lucas), e ele terminou segundo a repressão, oficialmente, tendo se suicidado. Então eu queria que você falasse um pouco sobre ele.

SOCORRO FERRAZ – Eu gostaria também de incluir o nome de Evaldo Lopes que era o presidente da Lotérica de Pernambuco e que também foi muito torturado.

MANOEL MESSIAS – Esse Severino eu não conheci, não. E Waldir Ximenes eu apenas encontrei com ele lá dentro. Ele estava muito quebrado, com a coluna quebrada. Márcio Moreira Alves entrou na prisão. Entrou na Casa de Detenção e fez um relatório eu falei pra ele (incompreensível). Ele escreveu um livro, Torturas e Torturados. A partir do livro dele o castelo Branco mandou haver uma sindicância, é outro fato que eu esqueci de falar. Eu fui ouvido numa sindicância do exército, chegou o marechal Taurino, que era o presidente da comissão de inquérito nacional. O filho dele estava preso lá na casa de Detenção, comigo.

FERNANDO COELHO – CGI.

MANOEL MESSIAS – CGI. Ele entrou lá, chamou na porta da prisão várias pessoas. Atrás dele estava Ibiapina e Vilocque. Aí as pessoas falaram e tal, aí ele virou pra mim e disse: “E você, jovem?” Eu disse: “Olhe, o que mais me comove em tudo isso, eu fui torturado, muito torturado no quartel desse Ibiapina que está com o senhor, no quartel do Vilocque, que está aí com o senhor, mas o que mais me revoltou foi o coronel Vilocque, que prendeu todos nós que fazíamos parte do governo de Arraes inclusive Milton Coelho da Graça, Miguel Dhália, aquele rapaz (incompreensível) Apolo Franz, e obrigava que nós cantássemos o Hino Nacional dentro de um banheiro, senão ele não mandava a alimentação”. Com isso aí, Vilocque ficou apoplético, começou a gritar e o marechal mandou ele se calar, e o Ibiapina precisou ser retirado e eu continuei falando com o marechal. Quinze dias depois chegou do Rio de Janeiro um capitão do exército, que veio abrir uma sindicância a partir do inquérito que ia ser aberto a partir do meu depoimento sobre as torturas que eu vi e as torturas que eu passei. Então eu falei pra ele, ele tomava nota a mão, era tudo escrito a mão, depois ele pedia pra que eu lesse tudo pra ver se estava de acordo, se queria acrescentar mais alguma coisa, e disse a mim: “A partir de hoje está aberta uma sindicância por causa da sua fala”. Eu nunca mais soube do resultado. Agora, Evaldo Lopes, eu estive preso com ele na Companhia de Guardas. Evaldo Lopes, Milton Coelho da Graça, Ivo Valença, com Ivo Valença eu estive várias vezes inclusive na Casa de Detenção. Ubiracy Barbosa, Ximenes eu encontrei com ele, se não me engano, na Secretaria de Segurança.

MANOEL MORAES – Ele já estava quebrado, na Secretaria de Segurança?

MANOEL MESSIAS – Já. Ele, Paulo Cavalcanti estava com o braço quebrado também. E aquele rapaz que é crítico de cinema, estava também preso lá, Celso Marconi, que é impressionante o depoimento de Celso Marconi. Nós estávamos lá, e conversávamos muito na fase em que não estava tendo torturas, na fase do inquérito. Ibiapina perguntou a Celso Marcondes: “O que é que você foi fazer no banquete dos chineses?” Ele disse: ”É claro , né coronel, comer, eu ia fazer o que num banquete?”. (risos) O banquete era o seguinte: João Goulart tinha ido à China e tinha convidado uma comissão de chineses que vinham pra cá pra implementar um negócio.

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Então eram pessoas que estavam aqui para formar uma plêiade, uma missão comercial. Eles estiveram aqui e todas as pessoas que estiveram presentes quando eles ofereceram um banquete foram presas. Arbitrariedade. Não sei se respondi.

NADJA BRAYNER – Respondeu sim.

ÁUREO BRADLEY – Eu tenho apenas uma pergunta. (incompreensível) e você colocou que Carlos Fernando foi preso por que foi no seu apartamento. Aí eu lhe pergunto, Carlos Fernando tinha realmente uma militância política ou apenas foi por que ele chegou?

MANOEL MESSIAS – Ele tinha sim. Carlos Fernando fazia parte da organização. Não propriamente orgânico dentro do partido, mas ele era ligado ao Partido Comunista em Caruaru. Ele e Maria minha irmã era da Juventude por que era de menor. Então Carlos Fernando fazia parte. Tanto é que depois, quando ele saiu, ele foi perseguido, ele passou um tempo em Natal, se não me engano, por que ele escreveu uma peça que era “A chegada de Lampião na Zona da Mata” e que o coronel Vilocque e Ibiapina disseram que ele estava trazendo a guerrilha pra dentro da zona da mata. E a peça depois de ensaiada foi proibida, aí foi quando ele foi embora. Quer dizer, ele também era visado por essa parte. Ele era ligado ao Movimento de Cultura Popular na parte de teatro do MCP, junto com o Marcondes, com esse pessoal todo. Quando ele esteve em São Paulo, trabalhou lá com João Guerra e aquele pessoal... João Guerra tinha sido secretário de Arraes da Fazenda. E ele foi preso lá em São Paulo, foi preso, foi torturado e, uma coisa muito esquisita, eles queria saber onde estava o Grabois, que era um militante da direção do Partido Comunista do Brasil, Maurício Grabois. Ele não sabia nem o nome. Nunca ouviu falar. Mas mesmo assim foi torturado, passou vários dias sem comer e depois ele foi solto. Quando ele estava ainda aqui em Pernambuco, antes de sair daqui, ele organizou junto com um engenheiro do PCBR, Bruno Maranhão, ele organizou com Bruno Maranhão o partido aqui, até que quando não deu mais pé ele saiu e foi embora pro Rio e continuou trabalhando na... Aí foi quando ele mudou de teatro pra música. Passou a fazer música. Carlos Fernando foi uma pessoa que trabalhou em escultura em Caruaru, em pintura, em teatro e por fim entrou na musica e no frevo.

NADJA BRAYNER – Eu só queria fazer um registro aqui, por que você falou que você fez um livro, mas ele teve uma prisão aqui também, em 14/04/73. Eu tenho aqui esse depoimento...

MANOEL MESSIAS – É. Ele foi preso aqui. Interessante... A minha família foi toda presa, inclusive a minha mãe não tinha como sobreviver com um irmão que era doente e quando todo mundo foi preso, pra sobreviver, teve a ajuda das pessoas principalmente de Caruaru, Celso Rodrigues, Hugo Martins, a família Lyra. Por que foram todos presos, e Carlos Fernando quando foi preso também deram sumiço a ele e aí, Jarbas Vasconcelos era deputado, foi a Assembleia, correndo o risco de ser preso, e denunciou a prisão de Carlos Fernando que a polícia e o exército tinham que dizer e mostrar onde é que ele estava. Ele estava desaparecido, aí foi quando ele apareceu.

FERNANDO COELHO – Henrique Mariano.

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HENRIQUE MARIANO – Manoel Messias, você já respondeu parte da pergunta que eu ia fazer com relação a sua irmã, Maria. Ela foi presa com apenas 15 anos de idade, você, numa das suas prisões teve conhecimento que ela estava trabalhando na biblioteca com Ibiapina...

MANOEL MESSIAS – No fichário.

HENRIQUE MARIANO – Pois bem, qual a atividade política que ela, efetivamente, desenvolvia, sua irmã Maria?

MANOEL MESSIAS – Olhe, veja só, nós fomos fundadores da União dos Estudantes Secundários de caruaru. Então ela tinha uma atividade ligada... Ela era da Juventude do Partido Comunista Brasileiro, mas era ligada mais a questão estudantil. Era essa a atividade dela junto aos amigos da escola.

HENRIQUE MARIANO – Ela passou quanto tempo presa?

MANOEL MESSIAS – Rapaz eu não sei bem. Ela ficou não sei se foi um mês ou quinze dias. Ela ficou bastante tempo lá e trabalhava com Ibiapina no fichário dos presos. Ele obrigou ela a fazer esse tipo de trabalho.

HENRIQUE MARIANO – Eu já quero, de logo, manifestar, como membro da Comissão, a necessidade de nós convidarmos sua irmã Maria, que hoje reside no estado de São Paulo, segundo você falou, para, se possível, prestar um depoimento ao nosso coordenador e à Comissão, por que esse é um fato de muita gravidade, que a gente sabe que sua irmã Maria, a despeito de ter 15 anos, não foi a única adolescente presa naquela época, mas eu acho, como você próprio sugeriu, que ela deve ser convidada para prestar um depoimento à Comissão. Por que isso, de fato, mostra a insanidade e a perversidade do sistema de repressão, em prender uma criança, na verdade, uma adolescente, de apenas 15 anos de idade. Eu acho que ela teria assim um depoimento muito importante e emblemático para prestar à Comissão de Pernambuco e eu, de logo já, manifesto meu voto a fim de que ela seja efetivamente convidada. Você falou que recentemente encontrou com um torturador no shopping Tacaruna, e que essa pessoa seria um comandado do coronel Vilocque. Qual o nome dessa pessoa?

MANOEL MESSIAS – Mousinho. Ele inclusive tinha... No início das torturas, todos os militares usavam as placas e não era nada escondido. Isso foi posteriormente. Tinha lá a plaquinha dele: Tenente Mousinho.

HENRIQUE MARIANO – Ele era do exército? Comandado pelo coronel Vilocque?

MANOEL MESSIAS – Era.

HENRIQUE MARIANO – E você o encontrou este ano ainda?

MANOEL MESSIAS – Eu tenho 100% de certeza que é ele. Ele inclusive me encarou. Por que quando ele viu o retrato de Dr. Hiram, que estava junto comigo, e esse retrato aqui também meu... Se não me engano é no outro livro, não é? ...Já deu algumas ameaças pra Dr. Hiram, o

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militar. Principalmente por que Dr. Hiram também é filho de militar, coronel do exército que foi anistiado, de 45. Então é essa foto aqui e ele reconheceu. Como eu estava com esse rapaz ele reconheceu quem era.

HENRIQUE MARIANO – Nessa época que você foi preso sob o comando do coronel Vilocque, qual foi o ano? Eu estou lhe fazendo essas perguntas pra gente tentar localizar essa pessoa.

MANOEL MESSIAS – Em 64. Eu fui preso aqui no Recife, no dia 3 de maio, fui levado para Caruaru no dia 10 e na volta eu já fiquei no quartel de Vilocque, depois é que eu fui pra escola de polícia, depois pra Detenção, depois pra o Comissariado de Agua Fria e voltei para depor com Ibiapina.

HENRIQUE MARIANO – Perfeito. Tenente Mousinho, não é?

MANOEL MESSIAS – É, tenente Mousinho. Deve ser hoje um coronel ou coisa parecida. Mas você queria me fazer uma pergunta.

HENRIQUE MARIANO – Pela ordem, que nós temos ainda membros da Comissão pra perguntar.

SÉRGIO XIMENES – Dentro dessa sequência das coisas que aconteceram, tem uma coisa aí, que (...?...) não fixou muito, que foi quando começou a tortura pra ele e em que lugar aconteceram. Por que (incompreensível e trecho inaudível) e depois estava em outro dia onde houve aquela reunião que o (...?...) estava lá, e o meu pai me pediu pra ir a CRC pra mandar todos os carros pro quartel do Derby, por que eles estavam resolvendo se iam resistir. Eu estava com Chaguinha, e nós saímos de lá por que depois de falar com Hugo Trench, ele disse: “Olhe, o pessoal não vai querer resistir, mas a gente vai pegar o jipe e vai até Caruaru por que Caruaru vai querer resistir. Passamos lá em casa, aí todo mundo (...?...) e também quando saia era preso. Aí papai foi chamado por telefone à Secretaria de Segurança Pública. Então a gente disse: Não vá, por que a gente sabe que tem prisão e que tem tortura logo no primeiro dia. Foi logo assim direto, mas ele disse que não que não devia nada( longo trecho incompreensível. Gravação ruim). Então papai não ligou e foi se embora pra lá e voltou no mesmo dia. Eu digo, olhe pai, vá embora daqui. Ele não me ouviu, então quando foi dois ou três dias depois foi chamado de novo e desaparece. Nós fizemos um périplo aí por tudo que é lugar. Eu acho que é nessa primeira fase aí por que você falou que tinha encontrado com ele na Secretaria, eu não sei se a época que você encontrou ele lá foi mais adiante ou se foi antes, mas quando a gente conseguiu saber dele, já foi ele na Casa de Detenção. Estava lá Pelópidas e tal. Foi a fase de piquenique. Um dia eu chego lá pra levar almoço. Não receberam o almoço e devolveram toda a roupa dele, escova de dente, aparelho de barbear, e a gente não soube mais dele. Então, depois de uns meses é que a gente, através de uma amiga nossa que era professora lá no R.O. e veio conversar dizendo – olhe, vi seu pai descer de maca de uma ambulância do exército – aí a gente foi lá falou com Ivan Rui e acabou... Mas passou-se o tempo pra que ele melhorasse o estado de saúde pra que a gente pudesse falar com ele pela primeira vez. Então a gente não sabe precisar que dia começaram as torturas. Se foi lá na secretaria mesmo... Eu roubei o carro de papai. Foi assim, ele deixou estacionado, sumiu e o carro, eu passei por lá e o carro estava lá estacionado na frente da Secretaria de Segurança Pública na Rua da Aurora. Então eu procurei

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a cópia da chave, cheguei lá e levei o carro pra casa. Agora, que ele foi torturado no exército, sim, eu sei que ele nunca comentava nem dizia nada. Ele só dizia quem tinha sido o torturador depois do torturador ter morrido. Acho que ele ficava com medo que a gente pudesse fazer alguma represália e coisa. Mas se você quando o encontrou na Secretaria, diz que ele já estava com torturas, então... Deve ter começado antes e pode ser também...

MANOEL MESSIAS – A pergunta dele é muito interessante, por que no início não houve torturas por que os militares também estavam com medo. Eles não sabiam o que é que ia ocorrer. Podia virar. Haviam movimentos militares que não aceitavam o golpe. Existia um descontentamento dentro das forças armadas, existia a liderança do marechal Lott, que se opunha... Então, no início houve uma espera, e quando começaram os maus tratos não era propriamente tortura eram espancamentos, uma coisa que não era técnica de tortura. Espancamento por algum motivo, por alguma resposta, aí o cara quebrava a cara do sujeito, dava uma paulada nas costas dele, eu não sei nem como foi com Paulo Cavalcanti, se derrubaram ele... Ele ficou com o braço todo enfaixado. Agora, eu estive na Secretaria de Segurança três ou quatro vezes, aí eu não sei bem precisar. Mas sempre que eu fiquei lá... Inclusive teve uma época que eu fiquei na Secretaria de Segurança quase um mês, sentado naquele banco ali. Por onde entrava e saia todo mundo. Fiquei quase um mês ali. Apesar de eu ser meio fraco com as datas, mas eu me lembro bem disso, que uma das vezes ele estava já acometido e sei que ele foi torturado no exército. Quando aparece q tortura já é o exército. Já é o exército com os caras que fazem o serviço sujo. O exército é quem tinha capacidade de torturar. Nem a polícia civil nem a polícia militar estavam envolvidas nisso. Foi o exército quem começou tecnicamente.

FERNANDO COELHO – Pela ordem, Manoel Moraes.

MANOEL MORAES – Abelardo, eu queria agradecer. (Trecho incompreensível) Agora, pra você Manoel Messias, eu queria perguntar... É que você falou que teve contato com o comandante Crioulo e ele, dentro da ALN, passa a ser uma pessoa de muita articulação com Marighela. Então na literatura sobre Marighela e a ALN existe um documento em que o comandante Crioulo e Marighela estariam construindo juntos um chamamento, uma integração das forças de resistência... Eu queria lhe fazer três perguntas por que talvez essas perguntas sejam conexas e você responderia tudo igual, o que era melhor. Uma era esse papel do comandante Crioulo. Ele tinha um papel importante na ALN e tinha essa articulação com Marighela e desse documento que você conhece. A outra parte é que existe uma relação, inicialmente positiva e depois conflituosa entre a ALN e a VPR, inclusive sobre armas, toda essa questão de empréstimo de armas, etc. você poderia falar alguma coisa? Por que você passou um tempo na Argélia, você esteve com Arraes, e há uma aproximação de Arraes com a VPR e com Marighela. Que contexto você conheceria sobre isso? Por que nós temos aqui o Massacre da Granja de São Bento que foi quando os militantes da VPR foram massacrados, naquele teatro da granja. Você tem alguma informação? Você poderia colaborar nesse sentido também ampliando o seu depoimento que, a meu ver, já foi extremamente importante pra toda a Comissão? Muito obrigado.

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MANOEL MESSIAS – Interessante. O mundo dá muitas voltas não é? Mas é o seguinte, o Luís, o Crioulo, a gente era... Ele era muito ligado ao partido, aqui. De repente nós fomos para o Rio, depois que eu fui solto, aquela história toda e no Rio nós nos reorganizamos. Tinha Nelson (...?...), o Crioulo, eu e mais umas outras pessoas que eu tinha contato e morreram, inclusive Luís Mendonça. E quem trouxe Luís Mendonça pro Recife fui eu. Trouxe ele e apresentei a David Capistrano por que ele queria fazer um trabalho cultural aqui. Bem, nós constituímos, veja só, constituímos uma dissidência do Partido. Essa dissidência. Primeiro eu fui encarregado dentro do Partido para dar assistência à saúde, no Rio de Janeiro, ao povo. Aos trabalhadores do povo do Rio de Janeiro. O partido era forte ainda. Então eu cheguei lá, eu fui a mandado do Comitê Central, discutir com eles, mas eles não queriam conversar com o Partido. O Partido mandou que eu fosse como interventor. Eu cheguei, fui vendo a ideia dos caras e então nós começamos a ter uma dissidência grande lá dentro. Nessa dissidência entrou o Crioulo, mas em termos maiores entrou o Apolônio Carvalho, Marighela, Mario Alves... Marighela tomou uma atitude bem radical e disse “Eu vou organizar a ALN, quem quiser venha pra cá. Quem não quiser fique e vamos ver como é que vai ser isso.” Então ele se organizou, esteve em Cuba, teve um certo financiamento em Cuba para organizar o trabalho dele. Eu tinha contato com ele. Bem, a dissidência criou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, que eu sou fundador, fiz parte do PCBR. Inclusive, por incrível que pareça, a proposta de sequestrar o embaixador Elbrick foi minha, para tirar as pessoas da prisão. Eu estive na Embaixada, fui assistir uma palestra com uma socióloga, foi como eu consegui entrar na embaixada e fiz um croquis de como era lá. Nem foi necessário isso por que pegaram ele na rua, mas... Bem, então a tese era de se preparar para uma intervenção, mas Marighela começou a agir sozinho. A dissidência e o PCBR ainda tinham uns parâmetros do partidão. De agir com calma e no momento que fosse oportuno, mas a tese de Marighela era imediatamente. Foi daí que ele botou aquele caminhão com explosivos na frente do quartel, começou a fazer assaltos nos bancos e quem seguiu o grupo de Marighela? O Carlos Lamarca, que era do partidão também, era do grupo militar. O partido tinha um grupo muito forte dentre os militares, principalmente no exército. A gente tinha... No exército, não é? Então Lamarca também entrou na fase de guerrilha urbana e o partidão e o PCBR se negaram a entrar na fase de guerrilha urbana. Se preparavam para , numa eventualidade, agir politicamente. Então essas diferenças, nós vamos encontrar tudo isso no livro de Luís Mir, “A revolução impossível”. Nesse período que nós estávamos decidindo ainda o que fazer, eu fiquei numa situação assim, ligado ao partidão, ligado ao PCBR, e também a Carlos Marighela. E todos eles me respeitavam, me perguntavam determinadas coisas, e nesse período eu fui a Moscou fazer um treinamento militar.

MANOEL MORAES – Você chegou a ir?

MANOEL MESSIAS – É. Eu sou coronel do exército da ALN. Eu fui lá por que o Salomão Malina, o último secretário, Salomão era do Trabalho Especial, do TE, que era o trabalho armado do Partido para auto defesa. Então ele era o responsável e ele me mandou como chefe de uma delegação e nós fomos pra lá, passamos uma ano treinando...

MANOEL MORAES – Foi nessa delegação que estava Oswaldo? Que depois foi morto na guerrilha do Araguaia?

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MANOEL MESSIAS – É. Oswaldo.

MANOEL MORAES - Você conheceu Oswaldo?

MANOEL MESSIAS – Conheci. Quando eu voltei, aí o partidão já estava diluído. Por que o partidão era o grupo mais conhecido e a repressão caiu em cima do partidão. O partidão foi quem mais sofreu, quem mais teve presos e mortos. E em segundo lugar o PTB. O PTB foi erodido, com tanta gente presa. E nesse momento eu tentei ficar ajudando o pessoal, a gente montou alguns cursos de preparação militar. Tem muita história aí, né? Muitos cursos foram feitos em Petrópolis, eu tinha contato com alguns militares, coisas que eu sabia e que eles não sabiam. Então, o pessoal de Marighela é um pessoal muito jovem, sequer conheciam uma arma. E eu discordava disso com Marighela. Não pode botar esse pessoal aí, quem nunca deu um tiro com um revólver como é que vai pegar num fuzil? Não é assim, explosivo é uma coisa ultra complicada para se manusear, armazenar. Eu armazenei um pouco de explosivo no apartamento no Rio de Janeiro e de repente houve um incêndio no prédio. Rapaz, foi a maior loucura do mundo. Embaixo do meu apartamento pegou fogo. Uma criança botou uma vela dentro do guarda roupa, pegou fogo. Rapaz! O que é que eu fiz? E os bombeiros, e eu consegui descer, quando eu me lembrei tive que subir sem os bombeiros querer, tive que subir pela escada dos bombeiros e comecei a desmanchar o material explosivo dentro do banheiro, com água, misturando, correndo o risco, mas era a única saída. Na realidade, havia despreparação pra uma luta. Uma despreparação muito grande. Não tinha condições. Não sei se eu respondi.

SOCORRO FERRAZ – Eu queria voltar. É só por que eu me lembrei de uma coisa importante no que você está dizendo, que é essa diferença entre a ALN e o PCBR. Essa é uma diferença fundamental. E você está tratando dessas duas organizações que são organizações que vieram do PCB. Essa organização ALN, com Lamarca, queria ação imediata e não queria partido organizando as massas. As massas, essa é a diferença fundamental. A ALN queria uma atividade militar, uma ação foquista de guerrilha urbana e o PCBR não, era um partido organizado com uma preparação militar. O partido comunista era o único partido antes que tinha um setor militar. Ninguém sabia. Mesmo sem querer participar da luta armada, mas eles sabiam que eles não tinham preparo suficiente pra isso, por que o partido sempre contou com militares ativos nas armas, principalmente no exército. O Angus Trench, o irmão dele o Héros Trench eram da direção central do partido. Quando ele veio pra cá ele veio certo para haver uma reação aqui. Se houvesse uma reação estaria ligada a esse setor militar do partido. Então isso ninguém fala nessa história. É preciso contar essa história verdadeira. (Incompreensível) sabiam que no final a direita mais radical ia para o enfrentamento com o apoio dos estados Unidos. Isso era muito claro. Mas era preciso preparar as massas para não ficarem foco apenas e era preciso que o povo também participasse. Então essa era a tese da guerra revolucionária. Agora, eu lhe perguntaria rapidamente, você me diz sim ou não, David Capistrano, quando volta da Tchecoslováquia iria se agregar a esse grupo?

MANOEL MESSIAS – Olhe é interessante. Eu estive com David inclusive na Tchecoslováquia e ele estava tendente a querer reagir. Por que David era oficial da Aeronáutica. Era militar também, o partido era cheio de militar. Então ele estava propenso a essa situação, agora não sei, como ele foi preso... E disse mais. (...?...) queria que ele viesse e ele disse que não vinha.

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Por que o Partido estava dividido, como em todo lugar. O Armênio Guedes representava o centro direita dentro do Comitê Central. É aquele pessoal que veio aqui dizer “Calma, não tem que fazer nada”. O Prestes ficava no meio, com apoio para algumas ações tanto de um lado como de outro. Do outro lado tinha Marighela, tinha Mario Alves, Apolônio e Gorender, Jacob Gorender, o judeu, pessoa excelente. Eu conheci todo esse pessoal. E as divergências eram bem ferrenhas. Por exemplo, a guerra revolucionária tem movimento de massas, tem partido organizado. Marighela e a ALN não tinham. A tese deles era a guerra imediata e a VPR também. A VPR com Lamarca; Lamarca vai tentar duas coisas: o imediatismo da guerrilha urbana, recursos e armas, que ele roubou um caminhão de armas do exército...

MANOEL MORAES – Ele planejou um caminhão, mas o que ele conseguiu foi uma Kombi.

MANOEL MESSIAS – Ele era um exímio atirador. O melhor atirador do Brasil. Atirador de escolta. Então ele fez esses três movimentos, agora todos os movimentos ou sai do movimento trotskista, boa parte, ou outros... tinha a VAR que tinha tese parecida com a tese do PCBR. Ele criou o movimento, o MPL, que hoje é Movimento Passe Livre, não é, era Movimento Popular de Libertação, junto com o pessoal da Igreja Católica.

MANOEL MORAES – Você participou do MPL? Você conheceu Aída? Como era esse movimento?

MANOEL MESSIAS – Participei. Conheci o pessoal todinho. Eu estava em Paris nessa época. É o seguinte. É que eu estava em muitos cantos durante esse tempo. Era um movimento justamente para arrecadar fundos com os contatos que Arraes tinha na Argélia e preparar as pessoas para intervir no movimento, mas criar estrutura política. Era muito parecido com o PCBR. E é o único que não é dissidência do partidão, o MPL.

MANOEL MORAES – E lá, você tem notícia da operação de infiltrados? Por que um elemento importante no massacre da VPR é a atuação do cabo Anselmo e a pergunta, claro, vem em função disso. Vocês tinham lá na Argélia essa articulação de resistência, vocês tinham notícias de várias organizações e colaboravam pra que elas tivessem uma resistência no Brasil ou na clandestinidade ou quando houvesse a redemocratização (incompreensível). Aí eu pergunto, vocês já tinham tido notícias do cabo Anselmo, da questão dos infiltrados, como isso se dava nas organizações, por que isso é um elemento importante em relação ao massacre da VPR e de outras pessoas que foram mortas em função da atuação dele.

MANOEL MESSIAS – Já. O PCB já tinha. Por que até antes do golpe tinha um camarada infiltrado em Caruaru, Armando. Ele até foi da PIDE, veja só, da PIDE, a Polícia Secreta Portuguesa, dizem que a polícia secreta portuguesa tem um letreiro: Polícia Secreta. Então havia isso e em Cuba se detectou uma ou duas pessoas. Quem me falou disso foi Djaci Magalhães, foi antes do golpe. Já se sabia e eles foram expulsos de lá de Cuba. E cabo Anselmo, aquela complicação dos marinheiros... Eu conheci o almirante Aragão, na Argélia que também era uma pessoa organizada. Ele e aquele outro capitão que fez um movimento militar e terminou também na Argélia. São várias coisas, houve várias tentativas de se organizar a resistência e a resistência mais correta foi aquela de lutar pela Anistia, fazer exposição em todos os países da Europa sobre a tortura, explicar o que ocorreu (...?...), por isso é que eles

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tinham tanta raiva do partidão e perseguiram tanto o partidão. Por que o partidão desmoralizou eles. Willie Brandt recebeu Miguel Arraes, Carter... Eles queriam inclusive vir num avião pra cá com os exilados. A ideia de trazer os exilados antes da anistia, partindo da Alemanha vinha Prestes, Gregório e Arraes para o RGS. Então Brizola dizia: “Nós vamos chegar lá e vamos ser presos, com o apoio internacional que nós temos, o exército não tem condições de nos manter presos nem até o outro dia”. Mas isso aí houve uma mudança e quem veio fazer o texto fui eu e um Juiz do trabalho de São Paulo e o poeta Thiago de Melo. Essas pessoas ficaram esperando os acontecimentos. As três pessoas vieram, pra testar como é que era e tal, quando eu cheguei aqui eu cheguei de surpresa, a TAP não fornecia a lista de passageiros para a ditadura. Então o movimento que pesou na balança foi a denúncia da ditadura, das torturas, do desrespeito aos direitos humanos, do desrespeito na parte econômica que só fazia prejudicar os trabalhadores, tudo isso foi difundido em toda a Europa que começou a ver e enxergar diferente o movimento militar.

MANOEL MORAES – Muito obrigado, Manoel. Muito obrigado.

FERNANDO COELHO – Roberto Franca.

ROBERTO FRANCA – Manoel Messias, eu lhe conheço há muito tempo, mas eu não tinha informação da importância do seu depoimento, por que ele atinge várias épocas. O início de 64, depois do AI 5, anos setenta e também no exterior. De forma que eu sei que está uma hora muito avançada, e eu acho que você respondeu uma parte das minhas preocupações que eram as informações depois de 64, como você citou o comandante Crioulo. Houve mais alguém preso nesse fato, no Rio de Janeiro? Mas, en passant, eu me lembrei de alguém que comentou há algum tempo, e eu queria saber se você ouviu algum comentário se Dr. Arraes teria dado algum tipo de apoio na guerrilha do Araguaia. Eu ouvi esse comentário e fiquei achando estranho, embora sabendo que ele tinha uma aproximação muito grande com o pessoal do PCdoB, mas você por acaso, teve alguma informação a esse respeito?

MANOEL MESSIAS – Olhe, houve um trabalho do Movimento de Libertação Popular de Arraes, que era justamente aportar ajuda a esses movimentos que estavam lutando. Por isso que foi pra lá o almirante Aragão, chegou lá e disse: “Eu preciso de não sei quantos milhões e de três mil homens armados”. Arraes até soltou uma graça, disse “Rapaz, olhe, dois milhões não é difícil não a gente arrumar, agora cadê os dois mil homens armados?” E tem aquele outro capitão, que fez um movimento no norte, se deslocou, como era o nome dele? O capitão se deslocou, atrasou a fronteira e foi embora, não conseguiram prendê-lo; ele esteve lá também. Então a ideia era querer soldados pra brigar, era querer gente preparada. A guerrilha do Araguaia tinha esse grande contato, o presidente do PCdoB, João Amazonas, estava lá em Paris, Diógenes Arruda, inclusive eu participei de um almoço na casa de Arraes com Diógenes e João Amazonas e conversamos muito sobre isso. Então, na realidade, os movimentos tiveram apoio, por que veja só, Arraes chegou lá na Argélia e a Argélia tinha o trabalho estatal de comercio exterior, que o governo ajudava os movimentos. Então, uma parte do comercio exterior foi legado ao Brasil através de Miguel Arraes, era o representante daquele trabalho de petróleo e disso e daquilo outro, era o comércio exterior. A CELIN tinha também um representante. Angola tinha um representante, a MPLA. Todas as ex colônias portuguesas

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funcionavam na Argélia inclusive com rádio dirigido para Portugal, para as colônias. Criou-se uma organização, o Brasil, Angola, Moçambique, Guiné Bissau, as Canárias, Guiné (...?...) era uma organização que os argelinos ajudavam... Cabo Verde, inclusive Cabo Verde são os melhores guerreiros daquela área. Eles ajudavam esse pessoal e esse pessoal também era ajudado pela União Soviética. A União Soviética trabalhava de outra maneira. Você tem pessoas que querem fazer cursos, manda pra lá. A pessoa fica lá uma no, dois anos, era a longo prazo, não era uma luta imediata. A luta imediata era em Cuba. As pessoas iam pra lá, iam pra Cuba e com três, quatro meses voltavam pro Brasil, despreparados; eu acho que nem havia tanta contra informação assim. Era por aí. Então havia realmente esse tipo de contato. O MPLA tinha contato não só com as organizações, mas também com os movimentos culturais, com as pessoas que estavam em Paris, com as pessoas que estavam em dificuldades em Portugal, então criou-se um fundo, o MPLA, destinado a isso, um coletivo, que era destinado a isso. Quando Portugal se tornou independente, o que é que ocorreu? O pessoal de Angola saiu do grupo e foi pra Angola, pro estado angolano, todos os outros movimentos saíram e ficou só o Brasil. O Brasil, com um bureau comercial na Argélia, criou um escritório comercial na Argélia e uma trade em Moçambique onde o Brasil exportava todo o pescado de Moçambique para a Europa, e um bureau em Paris, outro no Peru; esse de Paris trouxe muita industrialização para os países africanos. Com Sérgio Rezende, Marcos Lins e um que morreu de câncer lá. Se fez alguma coisa, era o que se podia fazer. A ditadura era muito feroz, mas existia uma organização internacional. Fizemos greve de fome nas Igrejas mais famosas de Paris e isso causou um impacto no mundo inteiro; vigílias também. Era uma luta, a luta se deu aqui e também lá. Acredito que aqui foi decisivo, pela anistia. Mas o impacto do início foi do exterior.

FERNANDO COELHO – Refletiu muito aqui o trabalho do exterior. Eu tive correspondências do Zarattini, inclusive (muitas falas ao mesmo tempo, incompreensível).

ROBERTO FRANCA – Mas eu queria, pra terminar, perguntar ao nosso querido Abelardo, se ele acha que teve muita influência na arte de Brennand.

ABELARDO DA HORA - Eu acho que não. A influência que tive sobre a arte de Brennand é que ele, realmente, com a minha convivência, com o aprendizado que ele teve comigo, ele pode começar a desenhar e trabalhar de acordo com a imaginação dele. Se expressar de acordo com aquilo que ele gostava e que ele achava que era... Do ponto de vista da cerâmica. O trabalho de Francisco Brennand é mais artesanal, esse artesanato apurado, por que ele realmente chegou a elevar a cerâmica a um ponto muito alto. Enquanto que meu trabalho é completamente diferente. Eu sou expressionista desde o começo. Expressionista. A minha arte é feita de amor e de solidariedade. O amor eu dedico às mulheres, por que, realmente, sem elas não existiria nada, nada, nada. E a solidariedade eu dedico ao povo, ora cantando a criatividade popular, a imaginação do povo, a cultura do povo, e ora protestando contra as atrocidades, as misérias que se faz contra o povo. Esse mundo de misérias que ainda existe, tudo aquilo que eu tracei naquela minha coleção de bico de pena, “Meninos do Recife”, ainda persiste hoje. É uma coisa lamentável você olhar, inclusive muitas vezes, quando eu vejo na televisão, dá uma revolta muito grande ver eles derrubarem casas, casebres, pra poder ali, onde existiam aqueles casebres construir edifícios. E o povo dali dos casebres, vai pra onde, meu Deus? O que o governo devia fazer, um perfeito governador, era construir. Eu me lembro

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do tempo que, realmente, eu era rapazinho, e Agamenon construía, pelo Serviço Social Contra o Mocambo, as vilas como a Vila da Lavadeira, Vila dos Comerciários, eles podiam fazer essas coisas, só isso. Depois que tivesse feito isso, pegava esse pessoal, cadastrava tudinho, botava nas casas, pra depois então derrubar. E não derrubar assim pra o pessoal ficar sem saber onde mora, onde vai dormir, isso é uma miséria, rapaz! Isso é um banditismo, isso é pior do que realmente fizeram no regime militar, dez vezes pior. Você ter uma série de crianças e ver morrendo de fome, de frio, sem ter onde dormir, é terrível, é terrível. Eu digo isso por que eu testemunhei isso tudinho na minha arte. Eu fiz traçando a bico de pena e gravando isso pra mostrar a Pernambuco e não só a Pernambuco, a Pernambuco e ao mundo inteiro pra percorrer o mundo. Inclusive eu recebi a visita de uma senhora, que era Dona... Ela resolveu fazer no Seminário Metodista, nos Estados Unidos, uma galeria e veio pedir autorização pra retirar do álbum “Meninos do Recife” que ela adquiriu os desenhos pra colocar na galeria. Eu dei com a maior satisfação a autorização. Do mesmo jeito que dei a Josué de Castro pra ele entregar um desenho pra botar na edição francesa de “Geografia da fome”. Então minha arte é feita disso, de amor e de solidariedade.

(Aplausos)

FERNANDO COELHO – Dr. Gilberto Marques.

GILBERTO MARQUES – Senhor Presidente, obrigado pala palavra. Manoel Messias , eu não vou dizer que vou ser rápido por que isso já atrapalharia a realidade. E quem promete não cumpre. Mas você, quando esteve no quartel de Vilocque foi diretamente torturado por ele?

MANOEL MESSIAS – Pelo tenente Mousinho.

GILBERTO MARQUES – Por Vilocque não?

MANOEL MESSIAS – Não.

GILBERTO MARQUES – O comando desse tenente Mousinho foi exercido diretamente pelo Vilocque? Tem como fazer essa ilação?

MANOEL MESSIAS – Tem. Ele recebia o pessoal que estava chegando no quartel para depor e aí ele espancava as pessoas mesmo na frente do quartel. Coisas absurdas.

GILBERTO MARQUES – O tenente Mousinho?

MANOEL MESSIAS – O tenente Mousinho.

GILBERTO MARQUES – Esse que ainda está vivo?

MANOEL MESSIAS – É. Ele espancava muita gente. Por exemplo, chegou uma vez um caminhão com um monte de gente amarrado de cordas. Ônibus, o Vilocque mandou parar um ônibus e mandou as pessoas todas entrarem no quartel pra serem presas. Aí uma pessoa teve a coragem de falar: “Mas por que o senhor está fazendo isso? Nós não somos comunistas, eu não tenho nada a ver com política nem nada...” – “Mas votaram em Arraes. Votaram em

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Arraes, tem que ser presos.” Prendeu dois ônibus cheios de gente e o Mousinho é quem comandava com os soldados”...

ABELARDO DA HORA – (...?...) por que eu cheguei e fui direto pra aquela casa de cachorro. Num compartimento estava Gregório e no outro estava eu. Ele não podia ficar em pé nem eu também.

MANOEL MESSIAS – É, por que é muito baixinho.

ABELARDO DA HORA – Depois tiraram Gregório e amarraram no pescoço dele e o outro ia ser eu, mas como meu cunhado, por que eu era casado com a irmã de Lucena, ele resolveu assumir a prefeitura, e eles tomaram conhecimento imediatamente que eu era cunhado de Lucena ele já... Só faltou me dar bom dia e apertar minha mão. Aí me botaram num quartel lá em Olinda.

GILBERTO MARQUES Foi numa situação como essa que Sobral Pinto usou a Lei de Proteção aos Animais em relação a Luís Carlos Prestes. Chegou a ver, a pergunta muda, o tipo de tortura que se aplicava nesse quartel está dentro daquele critério que você falou, da tortura sofisticada, já no avanço de diferença da polícia local, o exército aí já cria recursos, nesse quartel de Vilocque, ou era espancamento, pau, simplesmente?

MANOEL MESSIAS – Era espancamento. Os recursos que eles tinham eram mais psicológicos, prender em casa de cachorro, prender num local totalmente escuro, deixar o camarada sem comer até 8 dias, existia esse tipo de problema. A guerra psicológica...

GILBERTO MARQUES – Oito dias sem comida?

MANOEL MESSIAS – É. Sem comida. Você pensa que vai morrer e não morre. Fica deitado, vai ficando ali e tal, pra depois tirar o camarada numa padiola e levar pra enfermaria ou alguma coisa assim.

GILBERTO MARQUES – Esse era um tipo de tortura que até hoje ninguém tinha falado. Oito dias sem comer. Tinha água, pelo menos?

MANOEL MESSIAS – Não, nem água nem nada. Nada.

SOCORRO FERRAZ – Sem água três dias depois morre. Deviam dar água.

MANOEL MESSIAS – Onde eu fiquei, que era o depósito de munição, eu fiquei lá e não tive absolutamente nada. Nem água nem comida.

GILBERTO MARQUES – Quantos dias?

MANOEL MESSIAS – O tempo na prisão é uma coisa complicada. A gente não pode afirmar assim que eram sete, três, quatro dias, cinco dias, era por aí.

GILBERTO MARQUES – Por que a água, não dá pra passar tanto tempo sem ela.

SOCORRO FERRAZ – É. São três dias.

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MANOEL MESSIAS – É, não dá.

GILBERTO MARQUES – Isso dá um efeito geral... Por que o rim é um órgão estratégico, precisa de água pra trabalhar. Esse tipo de fome também propicia um tipo de metabolismo...

MANOEL MESSIAS - É. Quebrar a resistência. O moral como se chama nas forças armadas, quebrar o moral do inimigo. A gente era tratado como inimigo, então é quebrar o moral do inimigo, prender em casa de cachorro, deixar amarrado, prender em banheiro.

GILBERTO MARQUES – Isso já fazia parte da cultura do militar, não precisava da aculturação, dessa importação a que posteriormente se chegou.

ABELARDO DA HORA – Antes mesmo do golpe o DOPS já fazia torturas. Uma vez a polícia apreendeu uma edição da Folha do Povo, o jornal do partido. E ficou lá dentro. Já fazia uns 10 dias que estava lá dentro sem deixar o jornal sair. Aí a direção do partido fez uma brigada de choque pra botar a policia pra fora e botar o jornal pra funcionar. Aí fizeram por ordem alfabética. O primeiro foi AB, Abelardo. Mas me arranjaram uma pistola de dois canos e um bizaco de pedras. (Risos) Era um tiro e uma carreira. Os policiais estavam dentro do prédio, eles viam a gente através das brechas, mas a gente só via a casa. A gente estava de fora, na praça Sérgio Loreto, eu sei que nós fomos, pá, pá, pá, arrombamos a porta. E quando nós arrombamos a porta eles correram, pularam o muro e foram embora. Aí veio um reforço com a polícia, com a cavalaria, o diabo a quatro. Veio até um helicóptero pra jogar bomba de lá de cima. Aí eu ainda tinha duas balas, aí dei um tiro. O Coronel Viriato Medeiros estava gritando “Comunistas, bandidos, traidores da Pátria”, aí eu dei um tiro e pegou na canela dele e ele ficou pulando num pé só. Mas rapaz, eu sofri como o diabo! Fizeram um corredor polonês na Secretaria de Segurança e era murro, finalmente era o diabo a quatro. E eu que sei dançar o frevo aí saí pulando naquele corredor, mas um camarada lá no fim acertou nesse olho direito e quase que me cegava. Eu dei um voo e ainda bati com a cabeça na parede. Nós passamos cinco meses na Detenção, presos na Detenção. Agora, o médico da Detenção tinha sido aluno do meu irmão Bianor, que era professor da Faculdade de Medicina, e todo dia de manhã ele me tirava e botava um colírio. Se não fosse isso eu estava cego, ainda hoje eu vejo bem como o diabo. Eu fiz uma (...?...) e vejo bem feito um menino (risos). A maioria desses camaradas que torturavam e fizeram essas coisas já morreram e eu estou vivo, bulindo, trabalhando, dou graças a Deus, trabalhando demais.

GILBERTO MARQUES – Presidente, eu estou satisfeito e agradeço aos dois pela riqueza do depoimento, inclusive por essa parte lúdica, romântica, que isso faz parte das lembranças boas daquela época, que Socorro tentou recordar. O romantismo, a crença, a fé de que era pra fazer e inclusive pra se manter a honestidade, pra lutar contra a corrupção pra se fazer a construção de um país novo.

FERNANDO COELHO – Eu quero, antes de encerrar a sessão...

ABELARDO DA HORA – (conversando com alguém na plateia)... Quando nós chegamos lá na Moto, tinha uma casa de cachorro com dois lugares e o companheiro Gregório estava lá, ajoelhado. Ele não podia ficar em pé, por que era baixa demais. Eu não fiquei em pé! E

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Gregório era mais alto do que eu e ele estava acocorado. Eu também fiquei. No quarto dia que eu estava lá eles tiraram Gregório, amarraram ele no pescoço, na minha frente, eu vendo tudo, botaram num carro de combate, amarrado, e saíram arrastando. O carro saiu andando. Ele saiu em pé até no portão de saída. Quando chegou lá fora ele andou ainda um pedaço por que tinha um carro na frente, mas depois que livrou, o carro de combate deu uma saída mais violenta e Gregório caiu no chão. E saiu arrastado e foi arrastado várias vezes lá no jardim de Casa Forte. O outro ia ser eu.

MANOEL MESSIAS – Meus amigos, ouvintes, eu queria dar um aviso a vocês. Eu não sei se vocês conhecem um documento das forças Armadas que está saindo no facebook. Barra pesada. É um documento no facebook, curtinho, onde eles dizem que a ditadura era democrática, apresenta todos os resultados, é muito bem feito, diz que o Brasil estava entregue aos comunistas, que eles fizeram uma “ditadura democrática”, tiraram o Brasil do 41º lugar da economia mundial para o 8º, tiraram a Petrobrás para a produção, e sai por aí. E no final fala sobre democracia e a ditadura do povo. É impressionante e bem feito e é o momento atual. Vejam só, isso é uma série, começa com esse documento, mas isso é uma série já programada provavelmente para uma futura ação militar, ou a curto prazo ou a longo prazo. Militar trabalha como a Igreja Católica, é secularista, vai fazendo. Então é muito importante ver isso e ver onde nós já estamos correndo perigo. Nós estamos vivendo no país um clima muito tenso, a esquerda que foi para o poder é acusada de corrução, está aí o “mensalão”... Olhe, tem tudo nesse documento, é um documento pequeno e rápido. É preciso prestar bem atenção a ele. E eu acho que os partidos, as pessoas importantes, deviam responder...

ABELARDO DA HORA – Manoel Messias, dá licença? Você não acha que tem uma maneira de se corrigir essa permanência golpista dos militares? Eu tenho um caminho pra isso. Eu acho que, realmente, se for o Congresso Nacional, tomar como tarefa fundamental afastar os militares disso, eles podem fazer. Fazer uma lei que diga o seguinte: todo militar envolvido em qualquer ato de política nacional, que sair de sua profissão de militar que é exatamente a proteção do território nacional contra a invasão de adversários, que se meter em política, será posto pra fora das forças armadas. Será demitido, de soldado raso pra baixo, colocado fora das forças armadas, demitidos das forças armadas. Se o parlamento fizer isso, resolve.

MANOEL MESSIAS – Agora veja só. Esse documento deles está em função dos acontecimentos, do quebra quebra da rua, das movimentações, da desmoralização da esquerda que chegou ao poder e se corrompeu e a Comissão da Verdade, e a possibilidade da anistia ser modificada. Eles estão esperando um momento para agir. Eles lançaram o primeiro documento, isso é uma série...

ABELARDO DA HORA – A própria Comissão da Verdade Nacional, com a ajuda de todos os estados podia tomar uma posição nesse sentido. Pra que realmente os militares fossem punidos severamente e expulsos das forças armadas todos aqueles que se metessem em política.

(muitas falas paralelas e ao mesmo tempo, incompreensível)

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FERNANDO COELHO – Devido ao adiantado da hora, que já está ultrapassando todas as nossas previsões, eu queria concluir a sessão agradecendo a OAB pela cessão do auditório, agradecendo às pessoas que vieram, inclusive àquelas que por compromissos assumidos não puderam permanecer no local até o final, e reiterar mais uma vez o agradecimento a Abelardo, repetindo o que todos aqui disseram, e a você Manoel Messias, pela colaboração que nos dá. Agradecendo a todos, declaro encerrada a sessão.---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- -